Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 7
Problema A letra E, na figura abaixo, & formada por dez unidades quadradas. Corte essa figura em quatro partes que possam ser rearranjadas formando um quadrado. Osnilds Gralha Feira de Sovttans Um problema gerador de novo contetido ollie Lourdes de la Rosa Onuchic ! osmilde conve Ogmait, S Problemas em matemitica tém ocupado um lugar central no curriculo de matemética escolar desde a antigitidade. Até muito recentemente, ensinar a resolver problemas significava apresentar situag6es-problema e, talvez, incluir um exemplo com uma técnica operatéria especifica. Nao é assim que, na maioria das escolas, ainda hoje, se trabalha resolugdo de problemas? Como uma das grandes dificuldades dos alunos em matemética é saber resolver problemas, acreditamos que devemos mudar e buscar novos caminhos para trabalhar a matemética em sala de aula. A importincia dada ao trabalho de resolugaio de problemas é recente e somente nas tiltimas décadas € que os educadores matematicos passaram a aceitar a idéia de que © desenvolvimento da capacidade de resolver problemas merecia mais atengio. A caracterizago de educag3o matematica, em termos de resolug%o de problemas, reflete uma tendéncia de reagio a caracterizagdes passadas como um conjunto de fatos, dominio de procedimentos algoritmicos ou um conhecimento a ser obtido por rotina. Hoje, a tendéncia é caracterizar esse trabalho considerando os estudantes como participantes ativos, os problemas como instrumentos precisos e bem definidos e a atividade, na resolugdo de problemas, como uma coordenagio complexa simultinea de varios niveis de atividade. Schroeder e Lester (1989, p 31-34) apresentam trés modos diferentes de abordar resolugo de problemas: ensinar sobre resolugo de problemas, ensinar a resolver problemas e ensinar matematica através da resolugao de problemas: * 0 professor que ensina sobre resolugao de problemas procura ressaltar o modelo de resolugéio de problemas de Polya ou alguma variago dele. Este modelo descreve um conjunto de quatro fases interdependentes no processo de resolver problemas mateméticos: compreender o problema, criar um plano, levar avante esse plano e olhar de volta o problema original. © Ao ensinar a resolver problemas, o professor se concentra na maneira como a matemética é ensinada ¢ 0 que dela pode ser aplicada na solugo de problemas rotineiros ¢ ndo rotineiros. Embora a aquisigao de conhecimento matemético seja importante, a proposta essencial para aprender matematica € ser capaz de usé-la. Em conseqiiéncia disso, dé-se aos alunos muitos exemplos de conceitos e de estruturas matematicas sobre aquilo que esto estudando e muitas oportunidades de aplicar essa matemitica ao resolver problemas. * Acabando a década de 80, com muitas recomendagées de ago, passou-se a questionar 0 ensino ¢ 0 efeito de estratégias e modelos, Comesa-se a discutir as perspectivas didatico-pedagégicas da resoluglio de problemas. A resoluglio de problemas comega a ser pensada como uma metodologia de ensino, como um ponto de partida e um meio de se ensinar matematica. O problema é olhado como um elemento que pode disparar um processo de construg3o do conhecimento. Ao se ensinat matemdtica através da resolugo de problemas, os problemas sio importantes nfo somente como um propésito de se aprender matematica mas, também, como um primeiro passo para fazer isso. O ensino-aprendizagem de um } Professora Colaboradora do Programa de Pés-Graduagao em Educa¢o Matematica da UNESP — Rio Claro — SP; professora aposentada do Instituto de Ciéncias Mateméticas e de Computagao da USP — Sto Blot SHEN (SH, 2003 tépico matematico comega com uma situago-problema que expressa aspectos- chave desse t6pico € stio desenvolvidas técnicas matemiticas como respostas aos problemas. O aprendizado, deste modo, pode ser visto como um movimento do concreto (um problema do mundo real que serve como exemplo do conceito ou da ‘técnica operat6ria) para o abstrato (uma representacdo simbélica de uma classe de problemas ¢ técnicas para operar com esses simbolos). Em nossa vistio, a compreenstio de matemética, por parte dos alunos, envolve a idéia de que entender é essencialmente relacionar. As indicagées de que um aluno entende, interpreta mal ou nfo entende idéias mateméticas especificas surgem freqilentemente quando ele esta resolvendo um problema. E importante notar que compreender deve ser o principal objetivo do ensino, apoiados na crenga de que 0 aprendizado de matemitica, pelos alunos, ¢ mais forte quando auto-gerado do que quando thes & imposto. Venho trabalhando ha varios anos com professores do Ensino Fundamental Médio. Minha linha de pesquisa ¢ a do “ensino-aprendizagem de matemitica através da resolugio de problemas” Nos cursos dados, em geral, comego o trabalho do t6pico matemitico pretendido reunindo os alunos em grupos e entregando uma atividade. Enquanto trabalham, observo 0 comportamento dos grupos e de seus participantes ao sentir como leram o Problema, como interpretaram seu enunciado, como esté transcorrendo sua exploragao na busca de caminhos que os levem & solugo. Num segundo momento, passo a ouvit 0s questionamentos dos grupos, procurando sempre respondé-los’ com outros questionamentos. Considero esse trabalho, por parte do professor, um bom meio de avaliar 0s grupos seus participantes individualmente. Em varios desses encontros com professores apresentei o seguinte problema: A letra E, na figura ao lado, ¢ formada por dez unidades quadradas. Corte essa figura cm quatro partes que possam ser rearranjadas formando um quadrado. Esse problema se encontra no “Calendario de Fevereiro” » da revista “Professor de Matemitica” , de fevereiro de 2000, pagina 124 ~ problema 13 , do Conselho Nacional de Professores a de Matematica, dos Estados Unidos. (“February Calendar” in “Mathematics Teacher” - NCTM - National Council of Teachers of Mathematics, Vol. 93, 2000) © NCTM tem pedido aos professores que criem um ambiente onde os estudantes se tornem resolvedores de problemas. Este objetivo instrucional nfo é novo mas é aquele que continua a desafiar todos os professores de matematica, A revista, em sua seg%io de respostas, mostra, com um desenho, apenas uma solugo do problema. 'Nosso objetivo ao apresentar esse problema & 0 de mostrar que ele nfo tem solugao se considerarmos, como medida do lado do quadrado que se quer construir, nimeros racionais e que, para chegar 4 solugdio, devemos ampliar 0 conjunto dos numeros conhecidos, isto ¢, devemos introduzir 0 conjunto dos numeros irracionais e, dai, chegar aos reais. ‘Ao trabalhar esse problema em sala de aula, 0 que encontramos com freqiiéncia silo tentativas de usar os dez quadrados de rea unitéria (u’) que formam a Area de E para formar um quadrado de mesma érea . Como nfio conseguem, pois s6 podem fazer quadrados de area wu’, 4u? 9u’, dizem que o problema nfo tem solugio, visto que maior quadrado que conseguem montar é 0 de lado 3u e, portanto, de area 9u’ , diferente da area de E. ‘Durante a observago do trabalho dos alunos nos grupos, pudemos observar que alguns alunos enveredavam por outro caminho. Estes queriam compor, com os dez quadrados de 4rea unitaria, figuras que representassem numerais de niimeros quadrados perfeitos, fazendo: p Ba4 F=9 sem perceberem que 0 problema nfo pedia para construir ntimeros quadrados perfeitos mas, sim, para construir um quadrado que tivesse a mesma area de E. Também nao se preocupavam com o dado do problema que pedia que 0 E fosse dividido em quatro partes. Para alguns, este problema foi visto como um “quebra-cabegas”, onde a preocupagio era a de encontrar uma poss{vel montagem que pudesse levar 4 construgflo de um quadrado de drea igual 4 area de E. Encontramos poucos alunos que chegassem a pensar que o quadrado procurado deveria ter por medida do lado um numero irracional, Foi necessério que houvesse um. estimulo, por parte do professor, para que os alunos fossem levados a isso. A impressio que nos ficou é a de que 0 conhecimento dos diferentes conjuntos numéricos nao foi bem construido ao longo da escolaridade. » Professora Colaboradora do Programa de Pés-Graduagiio em Edueagio Matematica da UNESP ~ Rio Claro — SP; professora aposentada do Instituto de Ciéncias Matemiticas e de Computagao da USP ~S0 Carlos~ SP. Que matemética hd por tris desse problema? Ele pede por conteddos jé trabalhados ¢ que se fazem necessérios para a busca da solugao? Como fazer a ligagiio de contetidos j4 conhecidos com essa nova situag4o? Dado E ¢ sendo a area de cada quadrado unitirio u’, entio, a area de E é 10 uw. Queremos quebrar esse E em quatro partes e ao rearranjé-las obter um quadrado de drea 10u, [, 40u" ]/ lado desse quadrado nio ¢ medido por um numero racional. Nos deparamos com a necessidade de outro tipo de numero: o nimero irracional e 0 lado desse quadrado mede Vi0 u. Nesse momento, o professor deve trabalhar com os alunos sobre esse novo conjunto que é 0 complementar de Q em relagao aR 1=0,-{re4,0p07,020} € mostrar que , portanto, QUI = R. Onde, na figura dada, se encontra um segmento de medida V0 u ? A figura é formada por quadrados de lado u ¢ também por retfingulos de lados 2u €u,3ueu e5ueu Considerando um dos retingulos 3u xu, podemos perceber que ele pode ser decomposto em dois triéngulos retdngulos, ao tragarmos sua diagonal d. Lembrando 0 Teorema de Pitagoras, vemos que 3u Guy += vou ow+w=d centio, d=Vi0u Assim, na figura, chegamos a um segmento que & 0 lado do quadrado procurado, Cortando o E assim teremos as quatro partes pedidas cil ¢, montando convenientemente essas partes, obtemos A exploragio desse problema permite que se trabalhe sobre figuras geométricas e suas éreas; composigio € decomposigao de figuras; diferentes conjuntos numéricos: N, Z, Q Le R;0 Teorema de Pitdgoras; ¢ resolugao de problemas. © que pudemos observar, durante as aplicagGes deste problema, 6 que falta iniciativa, criatividade e compreenso por parte de alguns alunos, Parece que tém medo de enfrentar uma situagdio nova. O interessante foi o que aconteceu quando, conversando com um bom pedreiro que fazia um trabalho em minha casa, resolvi propor-Ihe esse mesmo problema num outro contexto: Se eu tivesse ladrilhos com esta forma sala, vocé seria capaz de fazé-lo? © quisesse fazer o piso de uma oo Ele respondeu firmemente: - Claro! Sé que, para que nfo tenha muita perda, nlio vai ficar um desenho muito simétrico. Vou usar ladrilhos inteiros e precisar encher os vazios com pequenos quadrados cortados dos ladrilhos (nesse instante ele s6 imaginava trabalhar com quadradinhos inteiros). Continuei. E se eu quisesse que, no centro do piso, vocé formasse um quadrado feito com um tnico ladrilho, quebrando o ladrilho em quatro pedagos, como vocé faria isso? Ele, dentro de sua experiéncia, olhando o E que eu Ihe apresentava desenhado numa folha de papel sulfite disse, apontando para o desenho: - Eu “quebrava” as duas partes grandes no meio, apontando para os reténgulos 3u x u, formando quatro tridngulos. “Colocava” os quatro quadradinhos inteiros juntos e “fechava” 0 quadrado maior com os quatro trifngulos cortados. Ou seja, apesar de no respeitar a condigdo de quatro partes, conceitualmente resolveu © problema. REFERENCIAS NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS ~ February Calendar. In Mathematics Teacher — volume 93, number 2 ~ February 2000 ~ pag. 124, problema &. ONUCHIC, L. R. Ensino-aprendizagem de Matematica através da resolugdio de problemas. In: BICUDO, M. A. V. Pesquisa em Educacdo Matematica: Concepgies e Perspectivas. Séo Paulo: Editora UNESP, 1999, Cap. 12, p.199-218. SCHROEDER, T. L., LESTER Jr., F. K. Developing Understanding in Mathematics via Problem Solving. TRAFTON, P. R., SHULTE, A. P. (Ed) New Directions for Elementary School Mathematics. National Council of Teachers of Mathematics, 1989. (Year Book).

You might also like