Temática

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B, TOMACHEVSKI TEMATICA. A ESCOLHA DO TEMA No decorrer do processo artistico, as frases particulares com- binam-se entre si segundo seu sentido e realizam uma certa cons- trugio na qual se unem através de uma idéia on tema coum, As signifieagées dos elementos particulares da obra constituem ums tunidade que é 0 tema (aquilo de que se fala). Podemos também fa- Jar do’ tema de tOda a obra ow do tema de suas partes. Cada obra eserita numa Iingua provida de sentido possui um tema. A obra transracional é @ tinica a nfo ter um tema e por isto no passa de um exerofcio'experimental, um exerefeio de laboratério para certas escolas poéticas, ‘A obra literéria 6 dotada de uma unidade quando construida 4 partir de um tema tinieo que se desenvolve no decorrer da obra, Por conseguinte, 0 processo literdrio organiza-se em tOrno de dois momentos importantes: a escolha do tema e sua elaboragéo, A escolhe do tema depende estreitamente da acsitagio que en- contra junto ao leitor. A palavra “leitor”” designa em geral um 170 B, Tomacheuski circulo bastante mal definido de pessoas, do qual muitas vézes, 0 proprio eseritor néo tem um conhecimento preciso. ‘A figura do leitor esta sempre presente na consciéneia do es- ceritor, embora abstrata, exigindo o esfdrgo déste para ser o leitor de sua obra, Esta imagem do leitor pode ser formulada num en- derégo eléssico, como aquéle que encontrames numa das iltimas estrofes de Bugénio Oneguin: Soja quem for, meu leitor, ‘Amigo ou inimigo, en quero de vood Despedir-me afetuosamente, ‘Adeus, Seja o que for que procura em mim, Nestas estrofes indolentes: ‘A recordagdo de uma emosio, Um refrigério apés o trabalho, Quadros vivos, palavres de espirito Gu erros de gramitiea, Cuide Deus pare que neste livro, Para 0 divertimento, para 0 sonho, Para 0 coragio, para a polémiea dos jornalistas ‘Voo8 encontre nem que seja uma migalha; E agora, separemo-nos, adeus. Esta preoeupagio eom um leitor abstrato traduzse ma nogio de “‘interésse”” ‘A obra deve ser interessante. A nogio de interésse guia o autor J na eseotha do tema. Mas o interésse pode tomar formas bastante Yariadas, As preocupasées de oficio so familiares ao escritor, aos leitores mais préxjmos, e perteneeim aos méveis mais fortes do de- senvolvimento literirio, A aspiragio a uma novidade profissional, a uma obra-prima, foi sempre o trago distintivo das maneizas ¢ escolas literdrias mais progressistas, A experiéncia literdria, a tra- digo A qual se refere o escritor, revelam-se-lhe como uma tarefa Jegada por seus antecessores, tarefa cuja realizagio exige t6da sua atengio, Por outro lado, o interésse do leitor neutro, estranho aos problemas do offcio, pode tomar formas diversas, partindo da exi- géncia de uma qualidade puramente recreativa (satisfeita pela Ti- teratura ‘de passatempo’” de Nat Pinkerton a Tarzan) & combi- nacGo de interésses literarios com questies de interésse geral. Temitica im Neste sentido, o tema atual, isto 6, aquéle que trata dos proble- ‘mas cuiturais do momento, satistaz 0 Ler. ‘Assun, uma Imensa Literatura jornalsties acumulouse em tor- no de cada romance de ‘Turgueniey, interessada menos pela obra de arte mais pelos probiemas de cultura gerai, e sovretudo, pelos ‘Proviemas sociais. sista literatura jornatistica era intexamente le. feftima enquanto resposta so tema eseoltido pelo romancista, (Os temas da Revorugao, da vida revolucionéria sio atuais, con- temporéneos, ¢ penetram em toda a obra de riimiak, Kurenburg de outros prosadores e poctas como Maiakovski, ‘Tiknonov, Asseev. ‘A forma elementar da atuaudade nos ¢ dada pela conjuntura quotidiana, Mas as obras de atuaudade (o ““bulnete”’, as estrotes do caneioneiro) uo sobrevivem a éste interésse tempordrio que as ‘suseitaram. A importancia déstes temas 6 reduzida porque nao sio adaptaveis & variedade dos interésses quotidianos do péblico. In- Versamente, quanto mais o tema for impoxfante e de um interésse durivel, mais @ vitalidade da obra seré Geoguseta, Repelinda iim os limites de atualidade, podemos chegar aos interésses univer- suis (00 problemas de amor, da morte) que, no funde, permanecem os mesnios ao longo de téda a histéria humana, Entretanto, éstet temas universais devem ser nutridos por uma matéria concreta se esta matéria nio esté ligada & atualidade, colocar éstes proble- mas é um trabalho destituido de interésse. Nao 6 necessério compreender a atualidade como uma repre- sentagio da vida contemporanea. Se, por exemplo, o interésse pela revolugio 6 de atualidade hoje, isto significa que o romance historico retratando uma época de movimentos revolucionétios, ow 0 romance utépico que desereve a revolugio numa situagio fantéstica, podem ser atuais, Relembremos aqui, por exemplo, a série de pegas de toatro da época das revolugdes apresentadas nos paleos russes (Ostrovski, ‘Alexis Tolstoi, Tehaev, ete., ao mesmo tempo que obras de Kosto- marov), que mostram que os temas histéricos referentes a uma épo- ea, mesino que distantes, podem ser atuais e sussitar talvez maior interésse do que poderia fazé-lo a representacio da vida contempo- rinea, Enfim, 6 preciso saber que os aspectos desta vida sio repre- sentiveis. Nem tudo que 6 contompordneo 6 atual oa provoca 0 ‘mesmo interésse. ‘Assim, as particularidades da 6poca que assiste 2 cringio da obra literdtia sio doterminantes mo que concerne ao interésse pelo tema, Acrescentemos que a tradigio literéria ¢ as tarefas propostas por ela tim um papel preponderante entre estas condigdes hist6- rieas, in B, Tomachevski Niio 6 suficiente escolher um tema interessante, B preciso sus tontar o intorésse, cstimular a atencGo do leitor. O interésse al a atengdo retém, © elemento emocional contribui muito para eativar a atensio. Nao 6 sem razio que, segundo sua caracteristica emocional, classifi- ‘cam-se em comédias e tragédias as pegas destinadas a agir diretamen- te sdbre um grande pitbiico, Suseitar uma emogio 6 0 melhor meio pera eativar a atengdo. ‘0 tom frio do relator que constata as etapas do movimento revoluciondrio néo 4 suficiente. & preciso simpatizar, indignar-se, rejubilar-se, revoltar-se. Dessa maneira, @ obra torns-se atual no preciso sentido do térmo, porque age sdbre o leitor acordando néle emogées que dirigem sua vontade. A maioria das obras poéticas é constraida a partir da simpatia ou entipatia pereebida pelo autor, a partir de um julgamento do valor, trensferida para o material roposto & nossa atengdo. O herdi virtuoso (positive) ¢ o malévolo (negativo) representam uma expresso direta déste elemento valo- rativo da obra literéria. O leitor deve ser orientado na sua simpa- ‘tia, em suas emogoes, Bis por que o tema da obra literdria 6 habitualmente colorido pela emogéo, provoca entio um sentimento de indignacdo on de simpatia e provocarh sempre um julgamento de valor. ‘Por outro lado, 6 preciso néo esquever que o elemento emocional ‘encontra.se na obra, que nio é introduzido pelo leitor. Nio se pode debater 0 carter positivo ou negative de um personagem (por ‘exemplo, Petchorine de Lermontov). 1 preciso deseobrir a relagio emocional eontida na obra (mesmo que esta nio seje a opiniso pes- soal do autor). Bste colorido enioeional, que fiea evidente nos gé> neros literdrios primitives (por exemplo, no romauce de aventuras, onde a virtude 6 recompensada e o vieio punide), pode ser muito fino e complexo nas obras mais elaboradas e por vézes tio distorcida que néo a possamos exprimir por uma simples férmula. Entre- tanto, em geral, € 0 momento de simpatia que guia o interdise mantém a atengio, obrigando o leitor a participar do desenvolvi- mento do tema, PABULA E TRAMA © tema apresenta uma corta unidade, # constitufdo de peque- nos elementos teméticos dispostos numa eerta ordem, Temética 173 A aisposigio stes elementos tematicos far-se de acdrdo com dois tipos prineipais: obedecendo a0 principio de causalidade e ins- erevendose numa certa cronologis, ou expondo-se sem consideragiio temporal nama sucesso que néo obedece a nenhuma causalidade interna, No primeiro caso, temos obras ‘‘com trama”? (novela, ro- ‘manee, poema épico), no segundo as obras sem trama, deseritivas (poesia deseritiva e didétice, lirica, eseritos de viagem: Cartas de wm Viajante Rusto de Karazine, ‘4 Fragata Pallas de Gontcha- roy, ete,). Hi preciso sublinhar que a fébula néo s6 exige um indice tem- poral, como também um fndice de eausalidade, ‘A viagem pode ser relatada como uma sucessio cronolégica, ‘mas 60 nos limitamos a uma narragéo das impressies do viajante, ‘em lugar de apresentar suas aventuras pessoais, entfo temos apenas uma narracio sem uma trama, Quanto menos aparece a causa, mais o tempo tem importineia. O enfraquecimento da intriga transforma o romanee com trama nu- ma crdnica, numa descrigéo no tempo (Os Anos de Inféincia de Ba- grov Menino, de Aksakov). Detenhamo-nos sdbre a nogio de fébula. Chama-se fébula 0 conjunto de acontecimentos ligados entre si que nos so comunica- dos no decorrer da obra. Ela poderia ser exposta de uma maneira ragmétiea, de acbrdo com a ordem naturel, a saber, a ordem ero- nolégica e ‘causal dos acontecimentos, independentemente da ma- neira pela qual estfo dispostos e introduzidos na obra. A fabula opéese & trama que 6 constitafda pelos mesmos acontecimentos, mas que respeita sua ordem de aparigéo na obra € a seqiiéncia das informages que se nos destinam’, A nogio do tema 6 uma nogdo suméria que une & matéria ver~ al da obra, A obra inteira pode ter seu tema, ao mesmo tempo que cada parte da obra. A decomposicéo da obra consiste em isolar suas partes earacterizedas por uma unidado temétiea especifica. Assim, a novela de Pushkin, 0 Tiro de Pistola, pode ser decompos- ta em duas estérias: a dos encontros do narrador com Sflvio e 0 Conde ¢ a do conflito entre Silvio e o Conde, Por sew turno, a primeira decompée-se na estéria da vida no regimento na est6ria da vida no campo; ¢ na segunda, separemos 0 primeiro duelo de Silvio eom o Conde, do seu segundo encontro. 1 Na realldade, a fibula 6 © que se passon; a trama 6 come o leitor toma conhecimento dele, 174, B. Tomachevski Através deste decomposigo da obra em unidades tematicas, ‘chegamos enfim as partes indecompostas, até as pequenas partioulas do material temético: “A noite cain”, “Raskolnikoy matou a ve- Iha’”, “‘o heréi morreu”, ‘‘uma earta chegou”, ete. O tema desta parte indecomposta da obra chamase um motivo, No fundo, eada Proposigdo possui seu préprio motivo. Devemos fazer aqui algumas ressalvas no que concerne ao tér- mo “motivo”: em poética histérica, em estudo comparativo das tramas varidveis sea emprégo difere sensivelmente daquele intro- Guzido aqui, ainda que os dois sejam geralmente definides da mes- ma maneira. No estudo comparativo, chama-se motivo unidade ‘temftien que eneontramos em diverses cbras (por exemplo, 0 rapto a noiva, os animais que ajudam o heréi a cumprir suas tarefas, cte,). Bstes motives so inteiramente transmitides de um edquema narrativo a outro. Importa pouco para a poétiea comparativa que 0s possamos decompor em motives menores. Importa encontrar sempre no quadro do género estudado éstes motivos inalterados. Conseqiientemente podemos evitar no’estudo comparativo a palavra “‘inderomponivel”” e falar de clemontes que permanecem iadeeom- postos durante a historia literéria e conservam sua unidade no decorrer de suas peregrinagies de obra para obra. Com efeito, nu- ‘meros0s motivos provém da poétiea comparativa ¢ assim permane- cam do ponto de vista da postica tedries, Os motivos combinados entre si constituem o apoio temético da obra, Nesta perspeetiva, a fabula aparece como 0 conjunto dos ‘motivos em sua sucessio cronolégica e de causa e efeito; a trama aparece como 0 conjunto déstes mesmos motivos, mas na sucessio em que surge dentro da obra. No que concerne & fébula, pouco im- porta que o leitor tome eonkecimento de um acontecimento neste ou naquela parte da obra e que éste acontecimento Ihe seja comu- nieado diretamente pelo autor, através do escrito de um personagem ou através de alusées marginais. Inversamente, 96 a apresentagio dos motivos participa da trama, Um fato qualquer nio inventa- do pelo autor pode servir-lhe eomo fabula, A trama é uma cons- trugio inteiramente artisties Os motivos de uma obra so heterogénces. Uma simples expo- sigio da fébula revela-nos que eertos motives podem ser omitidos sem, entretanto, destruir-se a sucessio da aarracio, enquanto que otitros no o podem, sem que seja alterada a ligagéo de causalidade que une os acontecimentos. Os motives que nio podemos excluir sio chamados de motivos assoviados; os que podemos exeluir sem que Temética 175 analemos a sueessio eronolégica e causal dos acontecimentos sao ‘0s motivos livres. 86 05 motivos associados importam para a fabula, Mas no enrédo sio sobretudo os motivos livres que tém uma fungéo domi- nante ¢ determinam @ construglo da obra, Tstes motivos marginais (as minticins, etc.) so introduzidos devido & constragio artistice da obra e so portadores de diferentes fungies as quais voltare- mos mais adiante. A introdugéo déstes motivos & determinada nu- ma larga medida pela tradigdo literdria e cada escola se caracteri- 2a por um repertério de motivos livres, enquanto que os motivos associados, geralmente mais vivos, aparecem sob a mesma forma nas obras de diferentes escolas. corto quo as tradigées literérias par- ticipam considerdvelmente do desenvolvimento da fébula (por exem- plo, a novela da déeada de quarenta do séeulo xx caracteriza-se Por uma fibula que narra os males de um pequeno funcionério: 0 Capote de Gogol, Ae Pobres Gentes de Dostoiewski; a da aéeada de vinte, pela fabula bem conhecida do amor infeliz de um europen por uma estrangeira: O Prisioneiro do Céuoaso, Os Ciganos de Pushin). Bste ftln em sua novela O Mercador de Ataides da tra- digo literéria dos motivos livres: “Amanhi, exatamente ao meio-dia, o fabrieante ¢ suas filhas safram pelo portio da cast comprada recentemente e foram até 0 seu vizinho, Nio desereverei o eafetd rvsso Adriano Prokhoro- itch, nem os vestidos & européia de Akulina e Daria, afastando- me entiio do uso consagrado pelos romaneistas de hoje. Entretan- to, nio ereio supérfluo indicar gue as duas mdcas haviam colocado 08 pequenos chapéus amarelos ¢ sapatos vermelhos, 0 que fasiam apenas em ocasides solenes”, Aqui a deserigio do hébito ¢ dada como um motivo livre tra- dicional pera esta época (1830). Entre os motivos livres, podemos distinguir uma classe parti- cular de motives introdutérios que exigem outros motivos suple- mentares. Assim, a situagio que consiste em dar uma tarefa ao hherdi € caracteristica do género “‘conto”. Por exemplo, o rei quer Gesposar sua propria filha. Para evitar 0 casamento, a mdga encar- rega-o de missdes impossiveis. Ou entio é o heréi quem recebe a filha do rei em casamento, Para evitar éste casamento odioso, a filha do rei o encarrega de missGes & primeira vista irrealiziveis (ef. em Pushkin, 0 Conto de Balda), Para desemberacar-se de sen eria- do, 0 sacerdote pede-the que cobre as dividas do diabo. Pxie mo- tivo de missdes precisa ser sustentado pela narragio conereta das proprias misses e introduz a narragio concernente ao herdi 1%6 B. Tomachevski que 60 seu agente, O mesmo se dé uo easo de o motivo servir como retardamento da agéo, Em As Mil ¢ Uma Noites, Sheherazade re- tarda a execugio que a ameaca contando algumas histérias, 0 mo- tivo da narragio 6 um procedimento que serve pare introduzir no- ‘vos contos. Tais sio os motivos de perseguicio nos romances de aventuras, ete, Hebitualmente, @ introdugio de motivos livres na novela & ‘apresentada como 0 apoio do motivo introdutério; éste fltimo sendo um motivo associado, & inseparivel da fabala, 1B preciso classificar por outro lado os motives segundo a ago objetiva que éles deserevem. © desenvolvimento da fébula & habitualmente conduzido gra- gas & prosenca de alguns personagens ow herdis ligados por inte- résses comuns ou outros motives (por exemplo, 0 parentesco). As relagées miitas dos personagens num dado momento constituem uma situagio. Por exemplo, o heréi ama a heroina, mas a heroina ama seu rival. As ligagies sfio: amor do herdi pela heroina eo amor da heroine pelo rival. A situagéo tipica & a que contém li- gaeées contraditérias; os diferentes personagens querem modifieat esta siluagio de virias maneiras, Por exemplo, o herSi ama @ he- roina e é amado, mas os pais impedem o casamento, O herdi ¢ a heroina aspiram’ ao casamento, os pais aspiram a separagio dos herdis. A fébula representa a passagem de uma situagéo & outra. Esta passagem pode ser produzida graces & introdugio de novos personagens (a sitangio se torne complexa), desaparecimento de antigos personagens (a morte do rival) on 2 modifieagio da liga- sto, Os motivos modifieadores da situagio chamam-se motives dina micos e 08 nio-modificndores, estiticos. Tomemos por exemplo a situagio anterior ao fim da novela de Pushkin, A Senhorite Aldea: ‘Alexis Berestov ama Alclina. O pai de Alexis obriga-o a desposar Lisa Muromskaia, Nio sabendo que Akulina e Lisa sio um tinico personagem, Alexis resiste ao eastmento impdsto por sea pai. fle parte para ‘explicar-se com Muromskin e recouhece Akulina em Lisa, A situagio esti: modifieada: as prevengbes de Alexis contra {ste casamento caem. O motivo do reconhecimento de Akulina em ‘Lisa 6 um motivo dinimieo. Os motivos livres sio habitualmente estéticos, mas nem todos 03. motivos estiticos sio livres. Suponhamos que 0 heréi_ tivesse necessidade de um revélver para a conclusio de um assassinato neeessirio & fabula, O motivo do revolver, sua introdugio no campo visual do leitor ¢ um motivo estitico, mas ao mesmo tempo asso- Temética 7 ciade, porque nio se poderia cometer o assassinato sem ale, Vej mos, por exemplo, A Filha sem Dote de Ostrovski. ‘As descrigées da natureza, do lugar, da situaglo, dos persona. gens e do seus caracteres si motivos tipicamente estéticos; os fa- tos 0 gestos do heréi so motivos tipicamente dindmicos. ‘Os motivos dindmicos so centrais ou motores da fabnla. Tn- ‘versamente, acentuam-se por vézes no enrédo os motivos estitic Podemos facitmente distribui-los conforme sua importincia para a fébula, Os motives dinémicos tomam o primero Iugar, se- guides dos prepaiatérios, dos determinantes da situagko, ete. A comparagéo entre uma exposigéo condensada ¢ uina exposigéo mais frouxa da narragio demonstranos a importineia tomada por um motivo na fabula, Podemos earacterizar o desenvolvimento da tabula como a pas- sagem do uma situagéo para outra?, sendo cada uma caracterizada pelo conflito de interésses, pela luta entre os personagens. O de- senvolvimento dialético da fibula 6 andlogo ao desenvolvimento do provesso social ¢ histérico que apresenta eada ndvo estado his- térieo como o resultado de um eonflito de clases sociais no estado precedente, ¢ ao mesmo tempo como o eampo em que se chocam o8 interésses de grupos sociais que eonstituem o regime social pre- sente, ‘Astes interésses contraditérios ¢ a Iuta entre os personagens sto seguidos pelo reagrupamento déstes siltimos © pela titica de cada grupo em suas ages contra um ontro. O desenvolvimento de gio, © conjunto de motives que a caracterizam chame-se intrign (prépria sobretndo & forma dramitica). © desenvolvimento da intriga (ou, no caso de um reagrapa- mento complexn de personagens, o desenvolvimento das intrigns ‘paralelas). condux ao desaparccimento do conflito ou & eriagio de novos conflitos. Habitnalmente, o final da fibula é representado por uma situagéo em que of conflitos esto suprimidos e of inte- rrésses reconcilindos. A sitnagin de conflito suscita um movimento Aramitico, porque uma corxisténcia protongada de dois prinefpios opostas iio & possfvel, ¢ um dos dois devers superpor-se. Ao con- trfrio, a situagio do ‘teconciliagio”? no acarreta um ndvo mo- ‘2 Tambim na novela psicolégicn, onda a sério do personagens e suns rrelagsea fo substituldas pela estéria interlor de um nico personagem. ‘On motivos sleoligieos de suas agdes, of diferentes Iados de sua vida esplritual, seus fnstintos, suas palxtes, etc, tém a fungBo dos persona- gens habituala, Podemos generallzar neste’ sentide tudo o que fol dito @ tudo 0 que se died, 178 B, Tomacheoski vimento, nfo desperta a atengio do leitor; porque tal situagio apa- rece no final e chama-se desfecho. Assim, os antigos romances mo- ralistas iniciam por uma situagio na qual a virtude esté oprimida fo vieio triunfa (conflito de ordem moral), enquanto que, no des fecho, a virtude & recompensada © 0 vieio punido. Por vézes, ob- servamos wma sitnacko equilibrada no infeio da fabula (tipo “Os Herdis viviam plicidamente, Repentinamente acontecen, ete.” Para eolocar em acio a fébula, introduzimos motives dindmicos que destroom 0 equilibrio da sitaagdo inieial. O conjunto dos inotivos, que viola a imobitidade da situagio inicial ¢ provoea a acio, ch ra-se n6. Habitnalmente o 26 determina todo o desenrolar da fi. ula ea intriga rednz-se As variaetes dos motivos prineipais intro- Guridos polo né. Fatas variagées chamam-se peripéeias (a passagem do uma sitnacto & outrs). Quanto mais os conflitos que caracterizam uma situagio sio complexos ¢ os interésses dos personagens opostes, mais a situagéo tensa. A tensio dramatica tanto mais aumenta quanto mais se apro- xima 0 desfecho de uma situagio. Esta tensio geralmente & obtida pela preparagio désie desfecho, Assim, no romanee de aveniuras ‘estereotipad, os adversérios que querem a morte do herbi estio sempre em superioridade. Mas, no filtimo minuto, quando tal mo te torna-se iminente, o heréi fiea siibitamente livre e as maquins~ ‘ges desmoronamse. A tensio aumenta gracas a esta preparacéo. ‘A tensio chega a sex ponto culminante antes do desfecho. Rete ponto culminante é geralmente designado pela palavra alema Span- nung. Nesta construgio dialétien da fabula mais simples, 0 Spannung aparece como a antitese (sendo 0 né a texe, ¢ 0 desfecho, a sintese). (© material da fébula forma a trama ao passar por diversas tapas, A situagio inicial exige uma introdugéo narrativa. O relato das eirennstineias que determinam o estado inielal_ dos. persona gens ¢ suas relagies chama-se exposiglo. Uma narragio, porém, no se inieia forgosamente pela exposigio® ‘No easo mais simples, quando o autor inieialmente nos fax o- mhecer os personagens participantes da fébula, temos o processo de ‘uma exposigio direta. Mas o exdrdio toma também, por vézes, uma ra forma que conviria chamar de exérdio ea-abrupto: 0 relato jase pela agio ja em desenvolvimento, & apenas com o desen- 3 Do ponto de vista da disposicSo do material narrative, © coméco ‘da narracio chama-te ex6rdio, ¢ eet fim, final, O exérdio pode nio con~ Ur nom © exposioko. nemo né, Da mesma manelra, 0 final pode nio colncidis com © deafeeho, —' SS | Temética 179 rolar que o autor nos dé a conhecer a situagao iniciel do hers Nes tes easos, temos 0 processo de uma exposigio retardada, iste retar- damento da exposigio dura por vézes um longo tempo: a introdu- gio dos motives que constituem a exposigéo varia sensivelmente, Por véees, compreendemos a sitagéo graces alusdes margin: a soma destas anotagées incidentais que nos dé a imagem defi tiva, Nestes casos, niio temos um provesso de exposigéo no sentido exato da palavra: nio existe parte narrativa ininterrupta onde seriam reunidos os motivos da exposigio. ‘Mas, por vézes, aps ter descrito um acontecimento que néo sabemos situar no esquema geral, o eutor explica-o (seja em inter- venglo direta, seja através da fala de um persouagem) por uma exposigio, isto & por um relato sdbre 0 que 36 foi eontado. Esta ‘transposi¢do de exposicio representa um caso particular de defor- ‘magio temporal no desenvolvimento da fébula. ‘ste retardamento da exposicéo pode sef prolongedo até o fim: em téda a narragéo, o leitor 6 mantido na ignoréneia de cer- ‘tos detathes necessirios A compreensio da agéo, Habitualmente, ‘esta ignorineia do leitor cokresponde no relato 20 desconhocimen. to destas eircunstincias, do qual também participam o grupo ini- cial do personagens, isto 6, 0 leitor é informado inicamente do que & conhecido por um certo personagem. Esta cireanstincia ig- norada & comunieada no desfecho. O desfecho quo inclni elementos da exposigéio ¢ que representa o esclarecimento em t8rno de tédas as peripécias eonheeidas desile 0 exposto presedento, chama-se des- fecho regressivo. Suponhamos que o leitor de A Senhorita Alded, assim como Alexis Berestov, nifo conheca a identidade de Aknlina © de Lisa Muromekaia. Neste eat, a informagio que o desfecho nos daria sobre esta identidade teria possuido uma frga regressiva, isto & nos teria eonduzido a wna nova ¢ verdadeira compreensio de tddas as situagies precedentes. Assim & a construgiio de A Tem- pestade, novela extraida da colegio Narragdes do Palecido Ivan Pe- troviteh Biotkine, de Pushkin. ‘Bste retardamento da exposigio ¢ habitualmente introduzido como um eonjunto eomplexo de segredos. SHo possfveis as seguin- tes combinagies: 0 leitor sabe, os Personayens no sabem ; uma par: te dos personagens sabe, ontra parte nfo; o Teitor e uma parte dos personagens nifo saben; ningeném sabe, a verdade & deseoberta por ‘caso: os personagens sahem, o leitor nio sabe. Bstes segredes podem dominar a narragio inteira ou apenas abarear certos motives. Neste aso, o mesmo motivo pode figurar muitas vézes na construgio da trama, Tomemos o seguinte proce- 180 B, Tomachevski dimento, proprio do romance: 0 filho de um dos personagens foi raptado tempos antes que se inicie a ago (primeiro motivo). Um novo personagem aparece e compreendemos que éle foi edueado noma famflia que nio era a sua e néo conhecen seus pais (segundo motivo). Mais tarde. conhecemos, gracas # uma comfrontagéo de datas © cireunstancias ou através do motivo ‘“‘sinal’” — amuleto, tragos de beleza, ete. —, que a crianga eriada funde-te com o outro hheréi. Estabclecomos, desta maneira, a identidade do primeiro e Ao segundo motivo, Esta repetiego do motivo sob yma forma mo- difieada earactoviza 0 modo de construgio da trama em que os clementos da fébula nio sio introduzidos na ordem eronolégiea na- tural. © motivo repetidn 6 geralmente o (indice desta relagio pro- posta pela fibula, entre as partes do esquema composicional. Assim, se 0 amoleto 6 0 sinal de reeonherimento no exemplo eitado anterior- mente, ‘fo reconkecimento da erianga perdida”’, entio 0 motivo déste amuleto acompanha tanto o relato do desaparecimento da crianga quanto a biogratia do névo personage, (Ver Os Inocentes Culpados de Ostrowski.) As inverséics temporais da narragéo sio posfvcis gragas & li gagiio que os motivos estabrleeem entre as partest, Nao 86 a exposi (9, mas wma parte qualquer da fabula, pode ser conhecida do wr mesmo depois de éste ‘ltimo ter tido eonhecimento do que se passon em seguida. |A exposigio sucessiva de uma grande parte dos acontecimen- tos, tendo precedido a éates no decorrer, dos quais esta exposicho introduzida, chama-se Vorgeschichte A exposigio retardada ¢ tuma forma eomum da Vorgeschichte, assim como a biografia de tum névo personagem introduzido numa nova situagio, Podemos encontrar numerosos exemplos nos romances de Turgueniev. ‘Um vaso mais Taro é 0 Nackgeschichton® relato do que se yas sa ulteriormente, e que é inserido na narragio antes que os scon- tecimentos preparatérios desta situagio sobrevenham. A Nachges- chickte toma por vézes a forma de um sonho fatidico, de uma pre- Aigo, de suposigies mais ox menos justas acérea do futuro. ‘© narrador & importante no caso do desenvolvimento indireto “Quando o motivo & repetido male ou menos fraqiientamente eso. rotudo quando & livee, Isto 6 exterlor A Tabula, fala.se de um Teitmotiv ‘Assim, alguns personagens quo aparacom sob diforentes nomes no de- ‘correr da nareagao. (diafarce), aio acompanhados por um motivo cons- ante, a fim de que o leltor possa reconhect-ios Temitica 181 da fibula, porque a introdugio das diferentes partes da trama decorre do caréter da narragio. ‘0 narrador pode diferir segundo as obras: a nerragio pode ser apresentada objetivamente, em nome do autor, como uma sim- ples informagio, sem que se nos explique como tomamos conhesi- ‘mento déstes aeontecimentos (relato objetivo) ou em nome do nar- rador, de uma certa pessoa bem definida, Por vézes, éste narra- dor é introduzide como um terceiro, informado por outros perso- nagens (0 narredor das novelas de Pushkin O iro do Pistola, 0 Chefe dos Correios), ou como uma testemunbe, ou ainda eomo um dos participantes da ‘agio (0 heréi em A Fitha do Capito de Pushkin). Por vézes, esta testemunha ou conheeedor pode néo ser fo narrador e°o relato objetivo comunicarnos o que 0 eonheee dor deseobrin ¢ onvin, ainda que éle nio participe do que € re- Intado (Metmothe, o homem errante de Mathurin). Por vézes sio utilizados métodos complexos de narragio (por exermplo em Os Ir- mioe Karamazov, 0 narrador & introduzido como uma testemnnh; entretanto le no esti presente no romance ¢ a narracéo é con: Guzida como relato objetivo) ‘Assim, existem dois modelos principals de narracdo: a objetiva @ a subjetiva. No sistema da natracio objetiva, o autor sabe tn: do, até os pensamentos secretos do herdi, No relato subjetivo, segui- ‘mos a narragio através dos olbos do narrador (ou de um tereeity e0- nhecedor), ¢ para cada informagio dispomos de uma explicagio: como e quando 0 narrador (0 conhecedor) tomou éle préprio co- mheeimento do fato, Os sistemas mistos so igualmente possiveis, No relato objetivo, ‘© narrador segue hebitvalmente a sorte de mn personagem parti- ular, e nfo conhecemos sucessivamente 0 que tem feity 0 perso- nagem em causa, Em seguida, abandonamos éste personage, nossa ‘atengio passa a um outro, ¢ novamente conheeemos sueessivamonte © que ste novo personagem féz ou aprenden. Assiin, » herbi fio condutor da narracio, isto é também éle 6 um narradors 0 tor, falando em seu nome, tem ao mesmo tempo o enidado de nfo comunicar mais coisas do que poderin fazer 0 hersi. Por ézes, 0 fato de que o heréi seja o fio condutor da narracio sufieiente para determinar a construgio inteire da obra. O ma- terial da fibula continuaria © mesmo, mas o Verdi podesia sofrer algumas modifieagies ne 0 antor segnisse um otro personagem. ‘Anslisaremos, a titulo de exemplo, 0 conto de W. Hanff, 0 Co- lifa Cegonha: Tim belo dia, o califa Kasside ¢ sen vizir compram de um mer 182 B, Tomacheuski cador ambulante uma tabaqueira cheia de uma pélvora mistetio- sa, com uma nota eserita em latim. 0 sébio Selim 18 esta nota onde se diz que quem tomar éste pé © pronunciar a palavra mutabor serf transformado num animal A sna escolha. Mas 6 preciso nao rir apés esta transformagio, sendo a palavra seré esquecida ¢ im- possivel retornar ao estado humano, O ealifa © seu vizir transfor- ‘mam-se em cogonhas; seu primeiro encontro com outras os fas rir, A palavre 6 esquecida. As duas eegonhas, o califa e o vizir, io condenados a ficar passaros para sempre. Voando sdbre Bagdad, ‘véem uma turba nas ruas e ouvem gritos de que 0 poder foi tomado Por um certo Misra, Bste ailtimo & 0 filho do mégico Kachnur, 0 ior inimigo de Kasside, As cegonhas voam ento para o timulo do profeta pera af encontrar a libertagio dos sortilégios. No cami- nho, pousam numas rufnas a fim de ai passarem a'noite. Li en- contram uma cornja que fale @ Iingua dos homens e que thes nat sua bistéria, Ela era a filha Yiniea do Rei das fndias. 0 mégieo Kaehnur, que em vio a havia pedido em casamento para seu filho Mizra, apés ter-se introduzido no palicio disfarcado em negro, dew & prineese uma bebide méion qne a transformon em eormja, om seguida a transportou para estas ruinas, dizendo-lhe que ela fi- caria como coruja até que algném consentisse em desposé-la. Por outro lado, ela ouvira em sua infaneia uma predicéo segundo a qual a felicidade Ihe seria trazida pelas cezonhas. Ela propse 20 califa indiear-the 0 meio de libertar-se do sortilério com a con- Gedo de que Ale prometa desnosi-la. Apés alamas hesitacées, 0 califa consente ¢ a coruja dirize-o ao quarto em que se retinem os mégicos. Lé o ealifa surpreende a narracko de Kachnur, na qual Ale reconheee o mereador ambulante: éste fltimo narra como. con- seguiu enganar ao ealifa, Tsta conversacio devolvecthe a palavra esqneeida: ‘niutabor”. O ealifa e o vizir transformam-se em ho- mens e¢ também a coruja; todos voltam @ Bagdad onde se vingam do Miz. » Kachnur. © conto chama-se O Califa Ceaonha, isto &, 0 herdi € o calita Kasside, poraue 6 o sen destino que o antor seque na narracio. A. hhistéria da pringesa eoruia ¢ introdnzida na narraeiio pela funcio aque ela tem jmnto ao califa no deemrso de sen enenntro nas rnfnas. snficiente mudar ligeiramente a disposicko do material para fazer da princesa cornja a herofna: & preciso contar em primeiro Tngar sna histéria ¢ introdnzie a do ealifa por um relato que teré Tngar antos da Whertaeio dy snrtiléaio, A fibula continuari a mesma, mas a trama teed sido modifi- Temética 185 cada sensivelmente, porque o fio condutor da narragio nio serd 0 mesmo. Anoto aqui a transposigdo dos motives: © motivo do mereador ambulante e 0 motivo de Kachnur, pai de Mizra, sio o mesmo no momento em que o califa cegonhia surpreende 0 mégico. O fato a transformagéo do califa encerra as maquinagies de seu inimigo, ‘transformagao que nos 6 comunicada no final do conto e néo no inicio, como deveria ser na exposico pragmatica. Quanto & fébula, ela é dupla: 1. A estéria do ealifa enfeitigado por Kachnar gragas a waa fraude; 2. A estéria da princesa enfeitigada pelo mesmo Kachnur. fAastes dois caminhos paralelos da fabule eruzam-se no momento do encontro © das promessas mfituas entre os dois personagens. Em seguide, a fibula segue um tinico trago: sua libertagio © a unigéo do mégico. © esquema da trama segue o destino do ealifa. Sob uma for- ada, 0 ealita’é aqui o ucrrador, isto é, o relate com aparducia objetiva conta-nos o que é conhecido pelo ealifa e na ordem segundo qual éle a conhece, Isto determina téda 2 construcio da trama. Baste caso bastante freqlionte e o heréi é hubitualmente um narra- dor dissimulado (potencial). Por isso a novela utiliza por vézes a construcéo prépria das memérias, isto 6 obriga o eri a eontar sua histéria, Assim, o procedimento de observagio do herdi 6 de- senvolvido, ¢ 05 motivos expostos e a ordem respeitada por éstes fencontram’ sua motivacao. Na aniilise da composicéo de obras coneretas, & preciso con- eeder uma atengio especial & participagio do tempo e lugar da narragio. # preciso distinguir na obra literaria © tempo da fibula © da narragio. O tempo da fibula 6 aquéle em que os acontecimen- tos expostos estiio supostamente desenrolando-se; o tempo da nar- racio 6 0 tempo neeessirio Jeitura da obra (a duracio do espe- tdeulo). Bste iitimo tempo refere-se & noco que temos ds dimen- sfo da obra. 0 tempo da fibula nos & dedo: 1, Pela data da vio dramétiea, de uma mancira absolute (quando situamos os acontecimentos no tempo, por exemplo “is duas horas apés o almégo de,8 de janeiro de 18..””on * no inver- no”) ow relativa (pela indicacio da simultancidade dos aconteci- mentos on de sua eanexio temporal: “dois anos mais tarde”, ete.) 184 B, Tomacherski 2. Pela indicagéo dos Iapsos de tempo ooupados pelos aconte- cimentos (‘‘2 conversagio duron uma meia hora”, ‘a viagem pros- seguin durante trés meses”, ou indiretamente: ‘les ehegaram a sett destino no qninto dia”). 3. Ao se eriar © impressio desta duragio: devido & dure- ‘gio dos disenrsos, & duragéo normal de uma agio ov outros in- dices seeundérios, medimos aproximadamente 0 tempo tomado pe- Jos acontecrmentos expostos. & preciso notarmos que o escritor emprega esta tercefra forma bastante livremente, intercalando-a com discursos prolongades em lapsos de tempo bastante curtos, c, inversamente, alongando-os em palavras breves e agies répides sdbre longos perfodos. Quanto A escolha do Iugar da ago, existem dois casos ca: racteristicas: © caso estitico, quando todos os heréis rednem-se num mesmo local (eis por que os hotéis ¢ seus equivalentes ofe- recendo a possibilidade de encontros inesperaos, sio tio freqiien- tes) © 0 easo einétieo, quando os herdis mudam de local para che- yar aos encontros necessérios (navragio de viagens). MOTIVAGAO © sistema de motives que constituem a temitiea de uma obra deve apresentar uma unidade estética, Se 05 motivos ort.o comple: x0 de motives nio so sufivientemente coordenaios na obra, 58 0 Leiter fica insatisteito com as Tigagies entre eye complexo € & obra inteira, dizemos que éste complexo nio se integra 1a obra. Se tddas as partes da obra sio mal coordenadas, esta se dissolve. Bis por que a introdugio de todo motivo particular ou de cada conjunto de motivos deve ser justifieada (motivada), O sistema de procedimentos que justifiea a introdugdo dos motives particule. rres 0 seus conjuntos chama-se ‘‘motivagao””. Os procedimentos de motivagio so muito diversos pela sua natureza ¢ seu canter. Por isso & preeiso classifici-los: 1. MOTIVACAO COMPOSICIONAL: Seu principio con. siste ik economia e utilidade dos motives. Os motives particulares podem earacterizar os objetos colocados no campo visual do leitor (os acosssrios) on antio as apies dos personagens (0s episédios). Nenhum acessirio deve fiear inutilizaco pela fabula, ‘Tehekov pen- son na motivacio composicional dizendo que se no infeia da novela Tematica 185 dizse que bi um prego na parede, 6 justemente neste prego que © heréi deve so enforear. Observamos uma utilizagdo similar dos acessérios em A Filha Som Dote de Ostrovski, no que concerne & arma. As indicagdes do encenagio do terceiro ato eontim: “Sobre o diva, uma tapecaria por cima da qual estio suspensas algumas armas’”. No inicio, esta anotagio 6 apenas um detalhe da decoracio, a titulo de indicayio acérea dos habitos de Karandichev. No scxto quadro, atraise a atengio para éste detalhe pelas seguintes réplicas: “ROBINSON (olhando a tapegaria): O que vocd tem af? KARANDICHEV: Charutos. ROBINSON: Nao, aquilo que esti penduradot Objetos tal- sos? Imitaeses? KARANDICHEV: Que objetos falsos? Que imitagiest Sio armas tureas"’. © Gislogo prossegue ¢ a assisténcia ridiculariza estas armas. Entdo o motivo das armas 6 precisado; & declaraeéo de sen mau estado seguese esta réplica: “KARANDICHBY : B por que estariam clas cm mau estado? Esta pistola, por exemplo... (éle retira a pistola da parede). PARATOV (pegando a pistola): — Esta pistolat KARANDICHEV: Eh, atencéo, cla esti carregada! PARATOV: Nio tenha médo. Esteja ela carregada ou nio, © perigo 6 0 mesmo. De toda a maneira, nié dis- pararia, Figue a cineo pasos de mim ¢ pode atirar. KARANDICHEV: Oh nio, esta pistola ainda pode ser ‘itil. PARATOV: Sim, para pregar pregos na parede (le joga a pistola sdbre a mesa)”. No fim do ato, Karandichev, ao partir, peea a pistola de cima a mesa, No quarto ato, atira com esta pistole em Larissa ‘A introdugio do motivo da arma tem aqui uma motivacio composivional. Esta arma 6 necessfria ao desfecho. Bete 6 © primeiro caso de motivagio composicional. O segundo 6 a inlrodugio de motivos como procedimentos de earacterizagio. Os motivos devem permanceer em harmonia com a dinimica da fébula. Sempre em A Filha Sem Dote, 0 motivo do vinho da Bor- gonha, fabrieado pelo mereador de um falso vinho vendido a bai- x0 preso, earacteriza a existincia miserivel de Karandichey ¢ pre- para a partida de Larisa, 186 B. Tomachevski ‘Bstes detalhes caracteristicos podem se harmonizer com a ago: 1, Através de uma analogia psicolégica (a paisegem romén. tien: Iuar para uma cena de amor, tempestade ou borrasea para ‘as cenas de morte ou erime). 2. Por contraste (o motivo da natureza indiferente, ete.) Ainda em A Fitha Sem Dote, no momento em que Larissa morre, cacuta-te pela ports do restaurante 0 canto de um céro cigano, ‘Também & preciso levar em conta ums possivel falsa motivs go. Alguns acessérios e episédios podem ser introduzidos a fim de desvier a atengio do leitor da verdadeira intriga. ste proce- dimento figura comumente nos romances policiais em que um ‘certo niimero de minfcias 6 dado a fim do levar o leitor (e uma parte de seus persouagens), por exemplo em Conan Doyle — Watson on a polfcia, para ume pista errada. O autor deixa-nos su- por um falso desfecho. Os procedimentos de falsa motivacao fregiientes sobretudo nas obras fundamentadas numa grande tra- digio literévia, O leitor esté habituado a interpretar cada detalhe da obra de uma maneira tradicional. O subterfigio se revela a0 final ¢ 0 leitor compreende que todos éstes detalhes foram introdu- idos com 0 tinico fito de proporcionar um desfecho inesperado, ‘A false motivagéo 6 um clemento do pastiche literério, como tum j6go de situagées literérias conhecidas, perteneentes a ume sélida tradigGo © utilizadas pelos escritores com uma fungéo nio- tradicional. 2, MOTIVAGAO REALISTA: Exigimos de cada obra uma ilusio clementar: a obra soria téo eonvencional e artificial, que deverfamos perecber a agio como verossimil. Bste sentimento de verossimilhanga 6 extremamente forte no leitor ingénuo e éste po- de erer ma autenticidade do relato, pode ser persuadido de que os personagens existem realmente. Assim, Pushkin, apenas termi- nada a Histéria da Revolte de Pugatchov, publica A Filha do Capitdo, na forma de Memérias de Griniov com 0 seguinte prologo: Q manuserito de Piotre Androovitch Griniov foi fornecido por vum de seus netos, que soubera de que nos ocupavamos de um tra- Dalho coneernente a Spoca descrita por seu avd. Decidimos, com & permissio dos parentes, publicar o préprio manuserito”.’ Dé-nos @le a iusto de que Griniov © suas memérias eo auténticas, ilusio aceita sobretudo por alguns tracos da vida pessoal de Pushkin eonhecidos pelo piblico (suas pesquisas sbbre a histéria de Pugat- chov), acreditada também pelo fato de que as opi i Temética 187 ¢6es apregoadas por Griniov nfo coineidem sempre com as opiniGes expressas pelo proprio Pushkin, Para um leitor mais informado, a ilusio realista toms uma forma de exigéncia de verossimilhanga, Sabendo do caréter inven- tado da obra, o leitor exige, entretanto, uma cert eorrespondéneia ‘com a reaiidéde e vé 0 valor da obra nesta correspondéncia, Mesto (08 leitores conhecedores das leis de composigdo artistiea nio podem Libervar.se psicologieamente desta uusa0. ‘Neste sentido, cada motivo deve ser introduzido como um rovavel mouvo para a situaguo aus. ‘mas Ja que as 4018 da composigao, do enrédo nada tém de eo- mum cUn u provaviudade, cada iuuroauguo ae mocvos & um eom- Yomsso entre esia provabilidade ovjeuva e a tradicuo Lerarie. Gragas @ seu cararer teadieionas, nao pereepemos, o aosurdo rea- tista da introdugao tradicional de mouvos. Yara mostrar que éstes motives sao snconelliéveis com a moxivaguo reabsta, 6 preciso fazer ‘um pastiene. Lempremos 0 pastiche de mise-on-scéne da opera Vam- puca que emda 6 representada no paleo do ‘“Espetho deforma dor” ¢ que da espetéeulo de um repervorio do situagées tradicio- nais de opera congregadas num espirito cdmico. Nao salientamos, por estarmos habituados & téeniea do ro- mance de aventuras, 0 absurdo do fato de que o heréi sempre 6 salvo cinco minutos antes-de sua morte mminente; os espectadores da antiga comédia ou de Motiére sattentavam 0 absurdo do fato de.que no itimo ato todos os personagens deseobrem-se como pa- rentes: proximos (0 motivo do parenteseo recouhecido, conforme 0 destecho de O Avarento de Molidre). 0 mesmo procedimento figura na comédia de Beaumarchais, As Bodas de Figaro, mas jé sob a forma de pastiche, porque éste procedimento jé estava morrendo nesta época, Entretanto a pega de Ostrovski, Os Inocentes Culpa- dos, em que 2 heroina reconhiece ao final no heréi seu filho por- dido, demonstra que éste motivo esti sempre vivo para o drama. Histo’ motivo do parentesco reconhesido faeilitava muito o desfecho (0 parentesco conciliava os interéases modificando totalmente situagio) ; por isso entrou definitivamente na tradigéo, A. explica- ‘gio de que os reencontros do um filho e uma mie perdida eram moeda corrente na Antiguidade, nfo tem sentido. Eram moeda eor- rente Gnicamente no palco gragas A forga da tradigio literdria, 5 Teatro satirico de Leningrado, 188, B. Tomachovrki Quando uma escola poética dé lugar a outra, a nova destrdi 4 tradigéo © couserva, por conseguinte, a motivacio realista de introduglo de motivos, His por que téda a escola literéria, opon- dose 4 maneira precedente, inclui sempre em seus manifestos, sob uma forma qualquer, ums deelaracdo de fidelidade para com @ vida, a realidade, Assim eserevie Boileau, tomando no séeulo xVM a defesa do jovem Classieismo contra as tradigGes da anti- ge literatura francesa; assim no séowlo xvi, 0s enciclopedis- tas defendiam os géneros burgueses (0 romance familiar, o dra- ma), contra os velhos eimones; assim no século XIX, os romAnti- 08 msurgiram-se contra os ednones do classicismo tardio em nome da vitalidade ¢ da fidelidade & natureza desmascarada. A escola que 0 té surgir tomou o proprio nome de escola naturalista. Im geral, no séeulo xix, pululam numerosas escolas euyjos nomes eontém uma aiuséo & motivaséo realisia dos procedimentos: reaissmo, na- turatismo, naturism, romance de costumes, literatura populista, ete. Em nossa época, o8 sishbolisias substitafram os reahstas em nome do um natural sobrenatural (de realious ad realiora, do real ao mals real) 0 que nae impede a aparigi do Acmcisaio, que exize da poesia um carter mais substaneial e conereto, e a do futuris- mo, que no: principio rejeitou o esteticiamo © quis reproduzir 0 “‘verdadeiro”” processo criador e mais tarde deliberadamente tra- Dathou em motivos “vulgares", isto é, realistas, De escola para escola, permanece a exortagio ao natural, Por que nao criamos a ‘‘verdadeira’’ escola natural que nfo deixaria lugar @ nentnums outrat Yor que- podemos apucar o qualitieativo de reausta a cada escola (e ao mesmo tempo a nenhuma deias)? (Us ingenuos hustoriadores da literatura ubuzam éste vérmo como Juma quaudade superior para um esertor: “Pushkin era realista’” 4 um Uupico cliché da historia literama que niio se dé conta do Lato de que no tempo de Pushlan se empregava esta palavra com sen. tido diverso daquele que the damos hoje.) Bste fendmeno sempre se expuica pela oposigao da nova escola 4 anterior, isto 6, pela suts- titmgeo das antigas convengées, pereebidas como tnis, ‘por ontras que no sdo amas pereebidas como cinones literérios. Por outro ado, © material realssta nfo representa em si uma construgio ar- mica e) para que éle Venha a 6-10, & necesshrio aplcar-ine leis especiness de construgio artistica que, do ponto de vista da rea- Viaade, sero sempro convengdes. Asm & motivagao realista tem como fonte seja a eonfianca ingénua, seja a exigencia de ilusio. Isto néo impede o desenvolvi- mento da interatura tantéstica. Se os contos populares aparecem habitualmente num meio popular que admite a existéncia real de Temética 189, bruxas ¢ génios familiares, sua existéncia ulterior é devida a uma iusto conseiente em que o sistema mitolégico, a concepgdo fan- ‘tistica do mundo ou a admissio de possibilidades nio sio real- mente justificdveis, mas apenas uma hipétese voluntiria, Sobro estas hipSteses so construidos os romances fantisticos de Wells; éte autor satisfarse habitualmente néo com um siste- ‘ma mitolégico inteiro, mas com uma admissio isoleda ineoncilidvel com as leis da natureza (encontramos uma eritica aos romances fantésticos do ponto de vista da irrealidade de suas premissas na interessante obra de Perelman Viagens aos Planétas). 2B interessante notar que num meio literirio evoluido, os relatos fantésticos oferecem a possibilidade de uma dupla interpretagéo da fébula, em virtude das exigéncias da motivacio realista: pode- ‘mos conpreendé-los de uma s6 ves. como acontecimentos reais © como acontecimentos fantésticos, No seu proficio ao romance de Alexis Tolstoi, 0 Vampira, que 6 um bom exemplo de constragio fan- tasties, Vladimir Soloviov eserevia: ‘0 interésse essencial da sig- nificagdo fantéstica em poesia basein-se na eerteza que tndo 0 que acoutece no mundo e sobretudo na vida humana depende, além do ‘causas presentes ¢ evidentes, de uma outra causalidade mais profunda, ¢ universal, mas menos clara. Vejamos o trago distintivo do verdadei- ro fantéstico: éle no surge minea como uma forma desvelada. Sens acontecinfentos nfo devem jamais constranger a erenga no sentido mistico dos acontecimentos da vida mas devem antes de tudo su- eerir, fazer alusiio a isto. No verdadeiro fantastico, gnarda-te sem- re @ possbilidade exterior e formal de wma, explicagio simples fos fendmenos, mas, ao mesmo tempo. extattYpliagto completa: mente privada de probabilidade intorna, Tédas as minticias devem ter um eardter quotidiano, mas consideradas em seu conjunto, de- vem indiear uma outra eausalidade"’. Se retiramos destas palavras © disfaree idealista da filosofia de Soloviov, encontramos nelas uma formulagéo bastante precisa da téenica do narragio fantés- tia do ponto do vista das normas da motivagio realista, Tal 6 a téeniea das novelas de Hoffmann, dos romances de Radcliff, eto. Os motivos habituais que oferecem a possibilidade de uma dupla interpretacio si0 0 sonho, o delirio, a ilusio visual ou outra, ete. (CE. @ste ponto de vista na colegao de novelas de Brussov, O Hizo da Terra.) : A introdug#o na obra literéria de um material extraliteririo, isto 6 de temas que tim uma signifieagio real fora do desenho artistico, 6 fAcilmente compreendida sob o Angulo da motivacao rrealista de construgéo da obra, 190 B, Tomachevski Assim, nos romances histérieos, eolocam-se em eena persona. gens histéricos, introduz-se esta on aquela interpretagio dos acon- tecimentos. Vemos em Guerra c Paz de Leon Tolstoi téda uma conexio de estratégia militar sdbre a batalha de Borodino e 0 in- eéndio de Moseou, que provocon uma polémica na literatura es- pecializada, As obras contempordneas apresentam costumes fa- ‘miliares ao leiter, trazendo a tona problemas de ordem moral, so- cial, politica, ete,, numa palavra, introduzem temas que tém uma vida fora da literatura, Mesmo num pastiche conveneional, no qual ‘observamos éstes procedimentos, trata-se enfim, a propésito de ‘um eago particular, da discussio de problemas préprios A poética. A revelagio do procedimento, isto 6, seu emprégo fora de sua mo- ‘ivagéo tradicional, € uma demonstragéo do carter literdrio da ‘obra, no género de “‘encenagio numa encenagéo” (por exemplo, 4 representagio teatral em Hamlet de Shakespeere, o fim de Kean de Alexandre Dumas). 3. MOTIVAGAO EST@TICA: Como afirmei, a introdugio os motivos resulta do compromisso entre a ilusfo realista eas ancins da construgiio cstética. Tudo o que & tomado exoprestado a realidade nao convém Zorcosamente a uma obra literéria. # s0- bre isto justamente que Lermontov insiste quando esereve @ pro- Pésito da prosa jornalistica contempornea (1840): De quem pintam os retratost Onde entio buseam estas conversas? E mesmo que as tenham ouvido, Nao queremos eseuté-las. Boileau j6 falara déste problema com esta frase: ‘0 yerda- deiro pode alzumas vézes nio ser verossfmil”, designando por ‘'ver- dadeiro”” 0 que tem a motivacéo realista, e por ‘‘verossimil” 0 que tem uma motivagio estética. A negaséo do caréter literdrio da obra dentro dela mesma, & uma expresso da motivacio realista que encontramos freqiien- temente, Conhecemos a férmula: ‘Be isto se passasse num roman- ee, meu heréi teria feito assim, mas porque nos encontramos na ealidade, veja o que acontece, ete.” Mas o proprio fato de di gir-se & forma literéria ja confirma as leis de construgio estéties. Cada motivo real deve ser introduzido por uma certs forma da coustrucio do relato e deve beneficiar-se de um eaclarecimento particular. A propria escolhe dos temas realistes deve ser jus- tificada eatdticamente, ‘As discussées entre as antigas e novas escolas literdrias sur- Temética 19 gem a propésite da motivagio estética. A antiga corrente, tradi- ional, nega a existéncia do caréter estético das novas formas i- terfrias. Tsto manifesta-se, por exemplo, no léxieo poétieo que deve hharmonizar-se com as tradicdes literdriae estiveis (fonte de pro- safsmos, palavras proibidas & poesia). Deter-me-ei no procedimento de singularizagdo como um caso particular da motivagio estética. A introdugio do material extra- Jiterfrio numa obra deve justificar-se por sua novidade e indivi- dualidade a fim de que nfo se oponha 20s outros eonstituintes dela. & preciso falar do antigo e do habitual como do ndvo e do nao-habitual. O usual deve ser tratado como insélito, ‘stes procedimentos que tornam singulares os objetos usuais, so habituaimente motivados pela refraciio déstes problemas na psiqué do heréi de quem séo deseonhecidos. Conhecemos 0 prove- Gimento de singularizago de Leon Tolstoi que, para descrever 0 eonselho de guerra na aldeia de Filles (Guerra © Pac), introduz como personagem uma pequena camponesa que observa ¢ interpre- ta a sua maneira infantil tudo o que fazem e dizem os participan- tes, sem nada disto ‘compreender, Também, ainda em Tolstoi, em 18 novela Khoislomer, as relagdes humanas nos sio dadas através de psiqué hipotética de um cavalo (ef. a novela de Tchekov, Kachtanke. em que estamos eolocados em presenea da psiqué iaual- mente hipotética de uma pequena cadela, procedimento utilizado anenas para singularizar a exposicfio. A novela de Korolenko, O Misico Cego. em que a vida dos aue véem se passa através do en. tendimento de um ceeo, & exemplo idéntico).. Swift usou muito éte procedimento de singularizacio em As Vianons de Gulliver a fim de atacar o quadro satirico dos rexi- ‘mes socitis © politicos da Kurona. Gulliver, perdido no pais de Houyhnhnms (cavalos providos de entendimento), desereve a seu hospedeiro-cavalo o3 usos em vigor na sociedade humana. Obriga- do a ser extremamente conereto em sun narracéo, levanta 0 en- ‘oltério das belas frases e tradicionais justificagies fieticias para 8 fenémenos como & guerra, os conflitos de classes, a politicazem parlamentar profissional, etc. Privados de seu envoltério verbal costumeiro, éstes temas tornam-se singulares e revelam todo o sett Jado repugnante, Desta maneira, a critica ao regime politico, um material extraliterério, obtém sua motivagio e integrase estreita- mente na obra. ‘A interpretacéo do tema do duelo em A Filha do Capitéo ofe- rece um mesmo exemplo de singularizacéo. Em 1880, Iiames no Jornal Literdrio esta anotaglo de Push- ‘kin: “As pessoas do mundo tém sue prépria maneira de pensar, 192 B. Tomachevski sous préjulgamontos incompreensiveis a uma outra easta. Como explicaremos 0 duelo de dois oficiais franceses a um pacifico ale te? Sua susceptibilidade lhe parecerd sempre estranha e quase tera razio”. Pushkin utilizou esta ressalva em A Fitha do Capitao, No terceiro eapitulo, € pelo relato da mulher do Cap. Miranov que Griniov vem a saber como Chvabrine transformon a Guarda nu- ma guarnigio fronteira: “Fax cinco anos que mandaram para ef Chvabrine Alexis Ivanoviteh, por ter cometido um homiefdio. Deus sabe por que co meteu lo @ste crime. Alexis maton um tenente em duelo. B féz tudo isso diante de duas testemunhas!””. Mais tarde, no quarto capitulo, quando Chvabrine provoca Griniov para um duelo, aquéle se dirige ao lugar-tenente da guar- nigo para Ihe propor que seja sua testemunha, = “0 que quer dizer — permita-me a pergunta — 6 que de- seja baterse com Alexis Ivanoviteh e quer que ea sitva de padri- tho, néo 6 isso? — ‘Perfeitamente, — “Por Dens, Piotr Androiteh! Bm que canoa vai embarcart Brigar com Alexis Ivanoviteh! ‘Palavras leva-as 0 vento’! fle © agride, o senhor responde com outra agressio. Ble The bate, 0 senhor retruca, batendo também... depois separam-se.”* No fim da conversa, Oriniov tenta um reewo categérieo — “Se o senhor pretende envolver-me nestes assuntos, sorei obrigado a levar ao conhecimento do comandante que na fortaleza esté se tramando um ato contrério aos interéases do Estado”. No 5. capitulo, a descrigéo que nos faz Savelitch dos passos de exgrima traz-nos fatos estranhos: “Nao fui eu o culpado, foi ésse maldito missitt, que to ensinow @ manejar a espads, como se fazendo molinetes no ar e dando ontapés pudesses te’livrar dos individuos ruins?” Devido a Aste esclarecimento edmico, a idéin de duelo 6 apre- ‘sentada sob o névo ¢ incomum aspecto. A singularizacto toma aqui a forma cdmiea que ainda é aventuada pelo voeabulirio (‘Se ale the estapeou o focinho”"); 0 valyarismo “focinho" earacteri- 44 no disenrso do tenente no a grosseirice da face de Griniov, mas 8 brutalidade do combate, ‘éle the bate, o senhor retruea, batendo também’: esta aproximagio contraditéria das palavras ceria um * Pushkin, A.S. A witha do Capito, Trad. de Paulo Corréa Lopes, Live, do Globo, Pérto Alegre, 1936. (N. do Trad.) Temética 195 efeito edmico. Evidentemente, a singularizagio nem sempre pro- vyooa um efeito edmico, © HEROL A apresentagio dos personagens, espécie de suportes vivos para os diferentes motivos, & um procedimento cocrente para agra. Par ¢ coordenar éetos ailtimos. A aplicagio de um motivo a um certo personagem facilita a atengio do leitor. O personagem tem a fungio.de um fio eondutor e permite que nos orientemos no acti. mulo dos motivos, de um meio auxiliar destinado a classificar ¢ ordenar os motivos partieulares. Por outro lado, existem procedi- mentos gragas cos quais podemos nos orientar entre a multidao dos personages ¢ @ complexidade de suas relagies. preciso po- der reconhecer um personagem; por outro lado, éle deve mais ou ‘menos fixar nossa atengio. Caracterizar um personagem é um procedimento que o fax recouheefvel. Chama-se caracteristica de um porsonagem 0 siste- maa de motivos que Ihe esté indissoltvelmente ligado. Num sentido mais restrito, entende-se por caracteristien os motivos que definem psigué do personagem, sou eardtor, A designacio de um her6i por um nome préprio 6 o elemento mais simples da caracteristica. As formas elementares de narragio satisfazem-se por vézes com a simples atribuigio de um nome 20 herdi, sem menhuma outra caracteristicn (herdi abstrato) que o relaciona as ages necessirias ao desenrolar da fébula. As cons. trugdes mais complexas exigem que os atos dos herdis decorram de uma certa unidade psicolégiea, que éles sejam psicoldgicamen- te proviveis para éate personagem (motivagio psicclégica dos atos). Neste caso, atribuem-se ao her6i cortos trages de eardter, A caracterizagio do herdi pode ser direta, isto 6 16s recebe- mos uma informagio sbbre seu cariter através do autor, de ou ‘ros personagens ou de uma autodescrigio (as confissies). Encon. ‘tramos por vézes uma earacterizacio indireta: 0 carter parte dos alos, da eonduta do herdi. As vézes, éstes atos sio dados no infefo do relato, fora do esquema da fabula, com o fim tinico de caracte- Fizé-lo; eis por que éstes atos exteriores A fébula apresentam-se como uma parte da exposigdo, Assim, na novela de K. Fedine, dana Timofeevna, a anedota sobre Yakovlev e @ noviga no primeiro ¢a- Pitulo visa apenas caracterizar o personagem,

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