ENTREVISTAS

PARTE II
Interviews
Part II

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 INDEX

4
RUI DA SILVA, entre Londres e Lisboa
Rui da Silva, between London and Lisbon
12
DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches
From A Huge Minory, with Isilda Sanches
24
BELITA RIBEIRO, a cúmplice do acaso
Belita Ribeiro, an accomplice of chance

32
ZÉ SALVADOR, a propósito do Urban Sound
Zé Salvador, about Urban Sound

2 3

#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 2-3 24/03/2020 12:12

 RUI DA SILVA,
entre Londres e
Lisboa
Se falarmos em Música de Dança
e deixarmos o nome de Rui da Silva
de parte, comete-se uma autêntica
heresia: Rui da Silva é provavelmente
um dos nomes que mais ressoa na
memória daqueles que acompanham
o clubbing nacional desde bem cedo.
IMAGENS//IMAGES:
TEXTO//TEXT:
Eunice Lapeiro
João Xavier Foi um dos membros fundadores
da mítica Kaos Records - uma das
pioneiras editoras de Música de
Dança em Portugal - metade dos
lendários Underground Sound of
Lisbon e internacionalizou-se em
Londres com o tema Touch Me,
chegando também a quase todos
os cantos do mundo através das
suas produções de um House que
se colocava à frente do seu tempo.
Numa tentativa de melhor deslindar
a génese da cultura de dança em
Portugal, convidámos João Xavier -
Rui da Silva, figura influente que deu os primeiros
between London passos lado a lado com a génese
and Lisbon desta cultura na direcção da também
mítica Dance Club e um velho amigo
de Rui da Silva - para uma conversa
onde descobrimos, entre outras
curiosidades, como foi Portugal na
altura paradisíaca das festas dos 90s e
quais as experiências musicais além-
mar de um DJ e produtor português.
4 ENTREVISTA//INTERVIEW RUI DA SILVA, entre Londres e Lisboa // between London and Lisbon
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When talking about Dance Music, if one
leaves out Rui da Silva, a heresy has been
committed. Rui da Silva is one of the
household names of those you keep up
with the clubbing scene since its beginning,
in Portugal. He was one of the founding
members of the mythical Kaos Records -
one of the pioneering publishers of Dance
Music in Portugal - half of the legendary
Underground Sound of Lisbon and became
international in London with the track Touch
Me, almost reaching the four corners of the
world through his house production which
was ahead of its time.
In an attempt to break down the core of
Dance Music culture in Portugal we’ve
invited João Xavier - an influential figure
whose first steps go hand in hand with
this culture’s core, being the head of
Dance Club and an old friend of Rui da
Silva - for a chat where we found out, midst
other trivia, how Portugal was during the
paradisiac time of the 90s parties and what
were musical experiences beyond borders
for a Portuguese DJ and music producer.
João Xavier Is it true that you’ve
recorded the first House music record
in Portugal?
Rui da Silva Yes, it is! It was that
recording of ​Não​and one of the first
remixes made in Portugal, which was
Pop Dell’Arte’s - MC Holly (Maxi Mix)
which was on their album, Ready
Made, in 93. It sampled a Digital Boy
record, a rave song... funnily enough
this song might be considered as the
first re-edit ever made in Portugal.
One day, João Peste, Rafael Toral
and Zé Pedro Moura turned up at my
house... they came to my house, my
bedroom, at the time I lived with my
parents. We came up with that song
Mc Holly! Later on I produced a few
more songs for Pop Dell’Arte.
Before that, I did an edit in white
label.... That was my third record. My
first House music record was ​Virtual
Reality​... there are about 3 of that
taping. One of them is with Tó Pereira,
another one with me and there’s
another copy with a friend of mine.
Speaking of, the other day, I found a
DAT with that recording and as mad as
it may seem, there are many references
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 João Xavier É verdade que gravaste o primeiro disco
de House music em Portugal? RdS
Rui da Silva É verdade, sim! Foi essa gravação do
Não e também uma das primeiras remisturas feitas JX
em Portugal, que foi o tema dos Pop Dell’Arte - MC
Holly (Maxi Mix) - que saiu no álbum deles, Ready
Made, em 1993. Samplava um disco do Digital Boy,
um tema rave... curiosamente este tema talvez possa RdS
ser considerado como o primeiro re-edit alguma vez
feito em Portugal.
Um dia apareceram-me em casa
o João Peste, o Rafael Toral e o Zé
Pedro Moura… vieram a minha
casa, ao meu quarto, que na altura
vivia com os meus pais e fizemos
esse tema o Mc Holly!
Depois ainda produzi mais uns temas para os Pop
Dell´Arte. Antes disto, fiz uma edição em white label...
esse já era o meu terceiro disco. O primeiro disco de
House music foi o Virtual Reality... só existem apenas
3 acetatos dessa gravação! Um deles está com o Tó
Pereira, outro comigo e ainda uma outra cópia está
com uma pessoa amiga. No outro dia, curiosamente,
encontrei um DAT com essa gravação e por incrível
que pareça, estão lá as muitas referências a coisas que
existem na minha música de hoje em dia. Claro que
por ali havia muita ingenuidade, mas já se mostram
alguns caminhos e referências em alguns detalhes da
minha música.
JX O tema Não acaba por ser o primeiro disco de sempre
da Kaos Records. Um tema que conta com um grito do
Tim dos Xutos & Pontapés - curiosamente, ele já me
confidenciou que detesta o tema!
RdS Não me recordo de falar com o Tim sobre isso, mas
entendo a reacção, vindo de um rocker como ele. Um
tema de dança não será propriamente a sua praia...
JX Daí, dessa primeira gravação, às festas em castelos e
conventos, passando pela fundação de uma editora
especializada em Música de Dança, até à criação de um
movimento...
RdS Não existia nada! Houve uma necessidade. Existia
uma cena de música Rock em Portugal, na qual eu
cresci como adolescente a ouvir: Rui Veloso, Sétima
Legião, Pop Dell’Arte, Delfins, Xutos & Pontapés, UHF
e algumas outras bandas totalmente obscuras... Mas
não havia uma cena de música Electrónica. Existiam
os Telectu, umas coisas aqui e acolá, mas não havia
uma cena de música Electrónica. E com as influências
que nos chegavam de fora do país...queríamos fazer
uma cena, um movimento. E de uma forma ingénua,
avançámos com a criação de uma editora e de uma
6 ENTREVISTA//INTERVIEW
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there which still exist on my music.
Obviously, it was very naive, but you
can spot some routes and references
of my contemporary music.
Não​ends up being the first ever
song of Kaos Records. A song which
contains a scream by Tim of ​Xutos &
Pontapés ​ - he already confessed to
me that he hates the song!
I don’t remember ever talking to Tim
about that, but I do understand why,
him the rocker that he is. A dance
song doesn’t sound like his cup of tea.
JX From that recording to parties in
castles and convents, going through
the founding of a specialized Dance
Music publisher, even founding the
movement...
RdS There was virtually nothing! There
was a need. There was a Rock music
scene in Portugal in which I grew up
as teenager listening to: Rui Veloso,
Sétima Legião, Pop Dell’Arte, Delfins,
Xutos & Pontapés, UHF and some
other obscure bands... But there
wasn’t an electronic music scene.
There were Telectu, some stuff
here and there, but there wasn’t an
electronic music scene. With the
influences that came from abroad...
We wanted to create a music scene,
a movement. Naively, we set up a
publisher and a promoter. “We will
see what happens!”, that’s what we
used to tell each other. Very quickly
we set up the publisher. I already
had a publisher, on a personal level:
António Cunha who was a music
distributor in the central area of
Portugal came up to me to organize
a party in Coimbra. We got together
with João Daniel who had some
contacts abroad and we threw a
party at E ​ stação da Luz​. That was
the first party we threw: we had Tó
Pereira, Luís Leite, Mário Roque and
João Daniel. I gave a hand at sorting
the party out - as I used to work at
a radio I also helped promoting the
party. From then on we maintained a
friendship as well as a professional
relationship. We started working with
each other. I wanted to produce and
record but I also had to do some
office work because there was
nobody else to do it! There wasn’t
an industry nor anyone who had
professional experience on that area.
JX How did you recruit artist for Kaos
Records?
RdS I would look for artists: the first ones
I found were Ozone who already
had a live-act and actually did some
live performances at the first Kaos
parties. Then I found Alex Santos,
who did Urban Dreams, besides other
projects...
RUI DA SILVA, entre Londres e Lisboa // between London and Lisbon
promotora de festas. “Vamos ver o que acontece!”,
dizíamos entre nós. E de uma forma muito rápida,
criámos a editora. Eu já tinha uma editora, a nível
pessoal: o António Cunha, que era um distribuidor
de música para lojas de discos na zona centro do
país, veio ter comigo para organizarmos uma festa
em Coimbra. Juntámo-nos ao João Daniel, que tinha
algumas ligações e conhecimentos no estrangeiro, e
fizemos a festa na Estação da Luz. Foi a primeira festaapproach us.
que fizemos: contou com o Tó Pereira, o Luís Leite, o
Mário Roque e o João Daniel também tocou. Eu ajudei
na organização da festa - como trabalhava numa rádio
ajudei, igualmente, na divulgação da
festa. A partir daí, cimentámos uma
relação de amizade e o início de uma
relação profissional. Começámos todos
a trabalhar uns com os outros. Eu,
sempre com o desejo de estar ligado
à parte da produção de estúdio, das
gravações. Mas também tive de estar
ligado à parte de escritório, porque não
havia mais ninguém para o fazer! Não
existia uma industria, nem ninguém com experiência
profissional naquela área.
JX E como é que recrutaram os primeiros artistas para a
Kaos Records?
RdS Eu andava à procura de outros artistas: os primeiros
que encontrei foram os Ozone, que chegaram a fazer
lives nas primeiras festas da Kaos. Depois encontrei
o Alex Santos, que fez o Urban Dreams, entre outros
projectos... Cada vez que fazíamos divulgação e
prensávamos vinil, mais pessoas se aproximavam de
nós. De repente, comecei a descobrir mais gente que
partilhava a mesma mentalidade, pessoas que tinham
as mesmas intenções e iniciativas semelhantes, e daí
surgiu uma industria que se tornou bastante dinâmica,
com festas de norte a sul do país.
JX Quais eram os locais de culto em Lisboa, nessa altura?
RdS No inicio dos anos 90 tinhas uma rotação por vários
locais... à Segunda-feira íamos ao bar Paulinha na
Avenida 24 Julho, Terças ao Álcool Puro no Largo
de Santos, Quarta-feira ao Alcântara-Mar - era noite
de Rock mas no final virava Electrónica; quando se
aproximava o fim-de-semana, já se ia ao Plateau, ao
Kremlin... Estava ali tudo concentrado entre Alcântara
e a Avenida 24 de Julho. Por vezes, ias ao Ópera e ao
Frágil, que já vinha de outros anos mas que já aparecia
como clube de House.
Entretanto, começavam
a surgir pela cidade, uns
clubes underground e muito
alternativos, como era o caso do
Climacz e o seu famoso after-
-hours no Jardim Constantino.
Everytime we
promoted and
pressed vinyl,
more and more
people would
All of a sudden, I started to find out
about other people who share my
point
same
of view, people who had the
intentions and initiatives, and
from there flourished and industry
which became quite dynamic and that
threw parties all over the country.
JX What were the go-to places in Lisbon,
at the time?
RdSAt the beginning of the 90s people
would go to several places... on Monday
we’d go to Paulinha’s bar at ​Avenida
24 de Julho, ​on Tuesday to Á ​ lcool Puro
at Largo de Santos, ​on Wednesday to​
Alcântara-Mar - ​ it was a Rock night
but it would turn into electronic when
the night was almost over; when it
got closer to the weekend, we’d go to​
Plateau ​ or ​Kremlin... ​
everything was
around Alcântara and Avenida 24 de
Julho. Sometimes, you’d go to Ópera
or Frágil, which were older alternatives
but were sort of like a house club. In
the meantime, new places started
coming up all around the city, some
very alternative underground clubs,
such was the case of Climacz and
its famous after-hours at ​ Jardim
Constantino. ​ Afterwards more party
promoters started popping up. It got
to a point when there were several
events taking place in the city, in the
suburbs and all around the country,
which meant that the movement had
already gathered its own dynamic
and you weren’t able to keep up with
everything that was going on.
JX We are talking about mid 90s...
RdS We are talking about 95/96 when
there were many festivals and a lot of
foreign artists coming to Portugal. One
of the first international DJs performing
in Portugal were Paul Oakenfold
and Adamsky, live at Pavilhão dos
Desportos. After that we threw a party
at K
​ remlin ​with Sven Väth - if I’m not
7
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 Depois começaram a surgir mais organizações e
outros promotores de festas. Chegámos a uma altura
onde havia vários eventos a acontecer na cidade, nos
arredores da cidade e por todo o país, o que significava
que o movimento já tinha ganhado uma dinâmica
própria e já nem se conseguia acompanhar tudo o que
estava a acontecer.
JX Estamos a falar de meados dos anos 1990...
RdS Estamos a falar dos anos 1995 e 1996, onde existiram
vários festivais e muitos artistas estrangeiros a
vir a Portugal. Uma das primeiras vindas de DJs
internacionais a actuar no nosso país foram o Paul
Oakenfold e Adamsky no Pavilhão dos Desportos.
Depois fizemos uma primeira festa no Kremlin com
o Sven Väth - se não me engano, isto tudo em 1991!
E depois disso, as primeiras pessoas que começámos
a trazer com regularidade a Portugal, como
organizadores de festas, foram o Danny Tenaglia, o
Tony Humphries, o Derrick May e muitos nomes mais.
JX De Lisboa para Londres, como foi essa mudança na
tua vida?
RdS No inicio dos 90s começou tudo devagarinho.
Em meados dos 90s, as coisas começam a ter um
dinamismo muito forte. Comecei a sentir que a minha
vida na editora me retirava muita disponibilidade no
estúdio. Chego ao final dos anos 90 com vontade de
me concentrar apenas na música. Tinha resultados
mais satisfatórios e positivos, com excelentes reacções
ao meu trabalho vindos de fora do país. Nessa altura,
Portugal começou a sofrer de um síndrome, que
é normal em países pequenos, onde existe muita
competição e politiquices mesquinhas. Chegou uma
altura onde parei um pouco e pensei que poderia
desenvolver melhor o meu trabalho num outro país.
Resolvi mudar: na altura, tive uma tentação enorme
de ir para Nova Iorque, mas seria mais complicado
por ser cidadão europeu. No ano seguinte, a minha
companheira teve uma oferta de trabalho para Londres
e resolvemos partir nesse Inverno de 1998.
JX E começaste praticamente do zero aqui em Londres.
RdS Sim, praticamente. Cortei as minhas relações, de uma
forma amigável com a empresa que tinha fundado, a
Kaos Records. Saí, cheguei a Londres e fundei uma
editora nova, a Kismet Records!
JX Mas entretanto, antes disso, sei que estiveste em Nova
Iorque, a gravar com o Danny Tenaglia enquanto
Underground Sound Of Lisbon: o mítico tema
Goosebumps assinado como NYLX, num disco que
saiu pela Twisted America.
RdS A meio dos anos 90, fomos duas ou três vezes a Nova
Iorque e aos Estados Unidos. Gravámos com os Deep
Dish em Washington. Em Nova Iorque, tivemos a
gravar com o Danny Tenaglia, os NYLX… foi aí onde
conhecemos a Lula Grelhada, que se tornou numa
figura icónica da Música de Dança.
JX Londres, Primavera de 2001: com o tema Touch Me,
8 ENTREVISTA//INTERVIEW
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mistaken, all of this in 91! After that,
the first people we started bringing
over to Portugal, as party hosts, were
people such as Danny Tenaglia, Tony
Humphries, Derrick May and some
others.
JX From Lisbon to London, how did it
work out?
RdS In the early 90s everything went very
slowly. Halfway through the 90s,
I started to feel
that my life at the
publisher was
taking a lot of my
time away from
the studio. In the
late 90s I really
wanted to focus
on my music.
things had a very strong dynamic.
I had positive satisfying results, excellent
reception outside of Portugal. At that
time, Portugal started to suffer from
a syndrome, which is quite normal in
small countries, where there’s a lot of
competition and a lot of politics involved.
There was a time I stopped and thought
that I would be able to develop my work
in another country. I decided to move:
at the time, I felt extremely tempted in
moving to New York, but it would be
complicated due to being an European
citizen. The following year, my partner
had a job offer in London and we decided
to move that same winter in 1998.
JX You started from scratch in London...
RdS Yeah, basically. I cut my ties, in an
amicable way with the company I had
founded, Kaos Records. Then I arrived
in London and founded another label,
Kismet Records!
JX In the meantime, before that, I know
that you were in New York, recording
with Danny Tenaglia as Underground
Sound of Lisbon: the Goosebumps
mythical theme signed under NYLX, in
a record published by Twisted America.
RdS Halfway through the 90s, we went
twice or thrice to New York and to the
USA. We recorded with Deep Dish in
Washington. In New York, we recorded
with Danny Tenaglia, NYLX... that’s
when we met Lula Grelhada, who
became iconic in the Dance Music
scene.
JX London, Spring 2001: the song Touch
RdS Me, we get to number 1 to the sales
charts in England. Never before had a
chegas ao número um das tabelas de discos mais
vendidos em Inglaterra. Nunca antes um músico
português tinha alcançado esse feito.
RdS Chego a Londres, com as economias que tinha
trazido de Portugal, alugo um estúdio e começo a
fazer música. Várias pessoas da indústria da música
ouvem dizer que estou em Londres, vêm visitar-me ao
estúdio, pedem-me remisturas. A primeira remistura
que fiz em Londres foi para a Virgin Records - Ananda
Project no tema Cascades of Colour. Enviei esse disco
e os contactos que fui construindo ao longo dos anos
e as pessoas começaram a ficar entusiasmadas com o
tema (o Danny Tenaglia faz um re-edit do mesmo).
Entretanto, falei com um distribuidor londrino e
avancei com a minha editora, a Kismet Records. Fiz
meia dúzia de lançamentos.
A certo momento andei à procura de uma cantora.
Queria gravar com uma, mas na altura não tinha muitos
conhecimentos ao nível de músicos aqui em Londres.
E, de repente, como que por uma
energia do universo, ia a passar
em Picadilly Circus, estava
uma miúda a cantar e a ouvi-la
arrepiei-me.
Trocámos contactos e convidei-a a ir ao meu estúdio
na semana seguinte. Ela sentou-se no estúdio e
pouco depois fizemos o Touch Me, que era mais um
disco que tinha ficado no saco dos discos para editar
posteriormente. Tinha cinco discos prontos e resolvi
fazer uma estrutura de lançamento que funcionasse. O
Touch Me tinha uma estrutura interessante, e cada vez
que o tema acabava as pessoas pediam para voltar ao
início e ouvir novamente - isso foi como um feitiço,
porque cada pessoa que ouve o tema quer ouvir o
tema novamente. Aconteceu sair assim. Muitos anos
depois, talvez 12 anos depois, estou em Ibiza, num
after-party em casa de um amigo meu, e estavam lá
umas miúdas que provavelmente tinham dois ou três
anos de idade aquando da edição do disco. Nunca
tinham o ouvido, portanto pusemos o disco a tocar
e tivemos exactamente a mesma reacção: “põe lá esse
disco a tocar novamente!”
JX Depois desse sucesso no Reino Unido e por toda
a Europa, a Touch Me levou-te a todos os cantos do
mundo. Ganhaste mais convites para remisturas, e
actuações como DJ nos melhores clubes do mundo.
Pouco depois, deixas Londres e vais morar para Ibiza.
Como foi morar em Ibiza?
RdS Ibiza é parecido com Portugal, porque é uma
comunidade muito pequena. Existe muita competição
e muitas politiquices. Tem uma agravante, que é a data
de abertura e a data de encerramento: só dá para fazer
RUI DA SILVA, entre Londres e Lisboa // between London and Lisbon
Portuguese musician achieved that...
I arrive in London, with all the savings
I had brought from Portugal, I rent a
studio apartment and I start making
music. A lot of people in the music
industry heard about the fact that I
was in London. They come over to
the studio, ask me for some remixes.
The first remix I did in London was
for Virgin Records - Ananda Project
on the song Cascades of Colour. I
sent that record to some contacts I
had made over the years and people
started to get excited about it (Danny
Tenaglia did a re-edit of it). While that
was happening, I spoke with a London
distributor and started my own label,
Kismet Records. I published half a
dozen records.
At a point in time I was looking for
a singer - I wanted to record with a
singer, but at the time I didn’t know
many musicians in London. All of
sudden, as if by magic, I was walking
around Picadilly Circus and there was
a girl singing and I got shivers down my
spine. We exchanged phone numbers
and I invited her over to my studio the
following week. She sat down and not
long after we came up with Touch Me
which was a record who had been
kept on my record bank to edit later
on. I had 5 ready to go records and I
decided to put together a launching
structure which would work. Touch
Me had an interesting structure, and
everytime it was over people asked
me to play it again - that worked like
a charm, because everybody wanted
to listen to it on repeat. That’s how it
came out. Many years later, maybe 12
years later, I was in Ibiza, in an after
party at a friend’s house and there
were some girls who were 2 or 3 when
the song was released. They had never
heard it before but we had the exact
same reaction “Play it one more time!”.
JX After that successful record which was
n1 in England and throughout Europe,
Touch Me took you to the four corners
of the world. You got many invitations
for remixes, performances as a DJ at
the best clubs in the world. Not long
after, you left London and moved to
Ibiza. How was it there?
RdS Ibiza is very similar to Portugal
because it is a very small community.
There’s a lot of competition and lots
of politics. There’s an aggravating
factor which is the beginning and
ending date: you can only do business
during the summer. It starts at the
end of May and lasts till the beginning
of October. Other than that, you are
out of work unless you are a farmer.
Picture how much Portuguese people
complain about the lack of clubs - in
9
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 negócio ou ter alguma actividade durante o Verão.
Começa no final de Maio e vai até ao princípio
de Outubro. Fora isso, não há trabalho a não ser
que sejas um agricultor. Imagina o que o pessoal
se queixa em Portugal, por ter poucos clubes - em
Ibiza, no Inverno, a população chega a rondar os
150 mil habitantes. No Verão, este número sobe
para 3 milhões de pessoas, apenas naquela ilha. Há
desafios muitos grandes, por um lado: no Verão
é difícil concentrares-te, porque os Verões são
gigantescos, quatro a cinco meses é muito tempo!
No Inverno, torna-se difícil sair da ilha para ir
trabalhar, isto se fores um DJ que faça touring…
tenho vários amigos estrangeiros que fazem tours JX
longas, e muitos deles acabam por se mudar ou para
Barcelona ou para Maiorca, isto porque as ligações
de avião são mais acessíveis. Leva um dia inteiro RdS
chegar a qualquer cidade da Europa. Para regressar
à ilha, outro dia inteiro.
JX Tens corrido o mundo a actuar como DJ. Para ti, quais
foram os sítios mais especiais onde actuaste?
RdS Obviamente, Ibiza é um sítio incrível e muito especial.
Um dos meus sítios favoritos em Ibiza é uma gruta
em casa de um amigo meu, uma coisa privada. Tens
o DC-10, que é um sitio onde gosto de voltar e vou lá
tocar algumas vezes - também um local incrível! Toquei
uma vez na Rússia, num sítio onde se guardavam os
submarinos, na altura da Guerra Fria nos tempos da
União Soviética. Tivemos de ir de barco para chegar
ao evento, a uma montanha, através de um túnel que
entrava para dentro dela, revelando o local onde se
guardavam os submarinos nucleares. Uma outra vez, JX
10
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 10-11
Ibiza, in winter, the population is about
150 thousand people. In summer, it
goes up to 3 million. There are huge
challenges: on the one hand it’s very
hard to focus during the summer
because it’s very long, 4-5 months. On
the other hand, in winter it’s quite hard
to leave the island to work that is if you
are a touring DJ... I have many friends
abroad who do long tours and many of
them end up moving to Barcelona or
Mallorca, because flight connections
are more accessible. It takes a whole
day to get to any city in Europe and
another whole day to get back to the
island.
You’ve been all over the work playing
as a DJ. What were the most special
places you’ve ever played?
Obviously, Ibiza is an incredibly
special place. One of my favourite
places to play in Ibiza is a cave at a
friend’s house, a private place. There’s
DC-10, which is a place where I like
to go back and I play there quite
often. I’ve played in Russia, in a place
where submarines were kept during
the Cold War. We had to go there by
boat, a mountain, through a tunnel
which would go inside of it, revealing
the place where they used to keep
the nuclear submarines. Once, I went
to Siberia, near Mongolia, uniquely
beautiful places. Another time I played
in a bunker in St Petersburg... There
have been so many places and all of
them amazing.
How are your days here in London?
ENTREVISTA//INTERVIEW
fui tocar à Sibéria, perto da Mongólia, locais de uma RdS
beleza fantástica! Num outro evento, toquei igualmente
num bunker nuclear em São Petersburgo… já são muito
os sítios e todos eles incríveis!
JX Como são os teus dias aqui em Londres?
RdS Nos últimos anos comecei um série de projectos
paralelos: tenho o Lisbon Kid, juntamente com o
Danny de Matos, que vem de um background de
Folk music, um universo totalmente oposto ao meu.
Talvez por isso existe uma dinâmica interessante que
conseguimos construir em estúdio, porque somos
pessoas bastantes diferentes mas funcionamos de
uma maneira interessante. Eu gosto de sair da minha
zona de conforto e de ter desafios novos. Fizemos o
primeiro álbum Lisbon Kid para editora Wall Of
Sound e estamos a gravar o segundo álbum.
Fiz a banda sonora para um filme, uma co-produção
americana/inglesa filmada nos Estados Unidos que
se chama Trust No One, uma banda sonora que é um
híbrido entre música Electrónica e música Clássica.
Andei a estudar composição clássica para orquestra
para poder realizar este trabalho. Tenho ajudado
muitos DJs ao nível de ghostwriting, gente que me
contacta pelo Facebook/Twitter - pessoas que têm
tracks que precisam de ser acabadas, remixes que
precisam de ser feitas e que sentem a necessidade de
transformar as ideias que têm na cabeça num produto
acabado que funcione na pista de dança. A solo, como
Rui da Silva, tenho um agenda bastante intensiva a nível
de gigs. Tenho a editora Kismet Records - com vários
lançamentos - onde editamos temas individuais; a
maioria deles vai directamente para o mercado digital,
para download e streaming. O meu último disco foi
o Calling You, que conta com a voz da Zoey Jones, e
neste preciso momento estamos a preparar-nos para
fazer o videoclip.
RUI DA SILVA, entre Londres e Lisboa // between London and Lisbon
Over the last few days I’ve started
a series of parallel projects: I have
Lisbon Kid, with Danny de Matos, who
comes from a folk music background,
a totally opposite universe. Maybe
that’s why there is a very interesting
dynamic in the studio, we are totally
different people but we work in an
interesting way. I like to get out of my
comfort zone and I like to embrace
new challenges. We’ve done the first
album Lisbon Kid for Wall of Sound and
we are recording our second album.
I did the OST for a movie, an American/
English co-production filmed in the
USA called Trust No One, an OST
which is a hybrid between electronic
and classical musical. I studied
classical composition for orchestra in
order to do this work. I have helped
many DJs in terms of ghostwriting,
people who contact me via Facebook/
Twitter - people who have tracks which
need to be finished, remixed and feel
the need help translating their ideas
into the dancefloor. As Rui da Silva I
have a pretty full gig line-up. I have
Kismet Records - with a lot of new
releases - where we edit singles. Most
of them go directly into the digital
market, downloading and streaming.
My last record was Calling You which
has the voice of Zoey Jones and at the
moment we are getting ready to make
a music video.
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 DE UMA IMENSA
MINORIA,
com Isilda Sanches É uma das vozes familiares
que nos entra pelas colunas de um
rádio sem pedir licença. Interpela-
nos diariamente pela frequência da
Antena 3, mas foi na XFM, VOX, ou
na contemporânea Oxigénio que a sua
voz se entranhou nos nossos ouvidos.
Isilda Sanches é uma referência no
FM. Chegou à música pela rádio,
embalada por vozes tão marcantes
From A Huge
como a de António Sérgio ou de John
Minory, with Peel, e nesses momentos de partilha
foi moldando o seu gosto e nutrindo a
Isilda Sanches sua curiosidade, alimentada por vários
números do BLITZ, New Musical
Express, e até da Escrítica Pop, de
Miguel Esteves Cardoso.
A XFM, fundada por Luís Montez
foi percursora na divulgação da
Música Electrónica em Portugal,
IMAGENS//IMAGES: Diogo Vasconcelos
juntando num mesmo estúdio várias
sensibilidades. De António Sérgio,
Ana Cristina Ferrão, Ricardo Saló,
Aníbal Cabrita, ou João Lisboa. Foi
também uma grande escola de rádio
para a maioria dos radialistas de culto
da actualidade, entre os quais Inês
Meneses, Nuno Galopim, ou Nuno
Reis. Isilda Sanches partilha também
esse percurso, que nos conta enquanto
reflecte sobre anos de optimismo e
at Flur Discos, Lisboa
bonança sem fim.
12 ENTREVISTA//INTERVIEW DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches
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She’s one of the familiar voices that come
off of a radio speaker without asking for
permission. She speaks to us on a daily
from Antena 3, but it was at XFM, VOX, or at
the contemporary ​Oxigénio that her voice
has become ingrained in our ears. Isilda
Sanches is a reference on the FM. She
arrived to music from the radio, cradled
by notorious voices such as António
Sérgio or John Peel. In those moments of
musical exchange, she molded her taste
and nurtured her curiosity, fed by various
issues of Blitz, New Musical Express or even
the book ​Escrítica Pop ​by Miguel Esteves
Cardoso.
XFM, founded by Luís Montez was a
forerunner in the promotion of electronic
music in Portugal converging in the same
place many sensibilities: António Sérgio, Ana
Cristina Ferrão, Ricardo Saló, Aníbal Cabrita,
or João Lisboa. It was also a great radio
school for most of the contemporary radio
personalities such as Inês Meneses, Nuno
Galopim or Nuno Reis. Isilda Sanches also
shares that route of which she tells us about
while reflecting about those optimistic years.
PISTA! Your love for music reveals
itself from an early stage, when you
lived in ​Sabugal, ​a village in Guarda.​
How did you cultivate that passion for
music during your youth?
Isilda Sanches Through the radio.
I was a geek, a nerd, that good student
kind of girl, with some social inclusion
problems. I had two elder brothers
who didn’t live with me during my
childhood, because they were studying
in a different city, but from a distance
they helped me a bit. They taught me
stuff and talked about things. When I
was about 10/11 we moved and we
bought a boombox. I used to tape
programs during the 80s. C ​ omercial​
was an extraordinary radio, with loads
of author programs. It had a latin music
show called ​Trópico de Dança, ​it had a
show that would play whole records,​
Dois Pontos​, from where I taped lots
of records which were fundamental for
my path and that became landmarks
during the 80s. A Certain Ratio, Brian
Eno and David Byrne’s My Life in a
Bush of Ghosts, Urban Verbs.
It was through radio that I fantasized
that maybe one day I would be able
to do those things, because S ​ abugal​
13
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 PISTA! A tua paixão pela música revelou-se desde
muito cedo, quando ainda vivias no Sabugal, uma
aldeia na Guarda. Como é que na tua juventude se
cultivava a paixão pela música?
Isilda Sanches Pela rádio. Eu era a geek, a nerd,
aquela miúda boa aluna, com alguns problemas de
inserção social. Tinha dois irmãos mais velhos que
não estavam a viver comigo na fase da adolescência,
porque estavam a estudar fora, mas à distância eles
ajudavam-me um pouco. Iam-me doutrinando,
falavam de algumas coisas. Por volta dos meus dez,
onze anos mudámos de casa e comprámos uma
boombox. Com ela gravava cassetes com programas,
nos anos 80. A Rádio Comercial era uma rádio
absolutamente extraordinária, com muitos programas
de autor. Tinha um programa chamado Trópico de
Dança, de música latina, tinha outro que só passava
P!
álbuns na íntegra, o Dois Pontos, de onde eu gravei
imensos discos que foram fundamentais para o meu
percurso e que se tornaram marcos dos anos 80. A IS
Certain Ratio, o My Life in a Bush of Ghosts do Brian
Eno e do David Byrne, Urban Verbs.
Foi através da rádio que fui fantasiando que um dia
talvez eu pudesse entrar em contacto com aquelas
cenas, porque o Sabugal era um meio rural onde não
havia nada daquilo. Eu alimentava essa fantasia de
um dia pertencer àquele meio onde aquela música de
que eu gostava fazia parte. De fazer parte do grupo
de pessoas que ouviam aqueles programas. Também
ouvia o John Peel. A partir de uma determinada
altura consegui acidentalmente apanhar a rádio
Luxembourg, a fazer zapping de botão, e apercebi-me
que também podia sintonizar a [BBC] Radio One.
Pondo o rádio num determinado
sítio, virando a antena para
determinada orientação, eu
conseguia ouvir o programa do
John Peel, todos os dias à noite a
partir das dez da noite.
Tinha uma rotina, ouvia o Som da Frente à tarde,
depois o John Peel à noite. E foi assim, de uma forma
bastante solitária, que eu comecei a cultivar esse gosto
pela música. Com um entrosamento da rádio, que
eu não achei naquela altura que tivesse importância
para a minha vida, mas que era a minha janela para
o mundo.
P! Estudaste Comunicação Social em Lisboa. À chegada
encontraste essa identificação que não existia no Sabugal?
IS Sim, eu vinha cheia de fantasias. Os meus irmãos já
estavam em Lisboa e tive logo a integração à cena.
Levaram-me ao Bairro Alto, íamos a concertos...
14
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was a rural area where there wasn’t
anything of the sort. I fed that fantasy
of belonging to that world and being
part of that group of people that
listened to those programs. I also
listened to John Peel. At a point in
time, I accidentally managed to tune
in radio Luxembourg and I realized
that I could also tune in to BBC Radio
One, placing the radio on a specific
spot, moving the antenna in a certain
direction, I could listen to John Peel’s
radio show, everyday at night at 10pm.
I had a routine, I used to listen to ​Som
da Frente, ​in the afternoon, and John
Peel at night. That’s how I managed
to cultivated that love for music, at a
distance, alone. I didn’t think the radio had
much importance but it was my window
to the world.
You’ve studied Media in Lisbon. When you
got to Lisbon, did you find that connection
that you were missing in ​Sabugal?
Yes. I had lots of hopes and dreams. My
brothers were already in Lisbon and I
plugged into the scene right away. They
took me to B ​ airro Alto, w​ e used to go
to concerts... At university I met people
who had, in a way, the same path and
the same interests as me. Rui Miguel
Abreu and I got along really well from
the get go, he was in my class, and with
Pedro Mariz, extremely active, whom
had a label but died in the 90s. With
him I learned about the guerrilla scene.
He was involved with the occupations
of properties, and he came from a Punk
hardcore background. Later he got
interested in electronic music.
I found a group of people who could be
a part of that group that I had dreamed
about, that shared the same music
taste and had the same ideology that
I had. Beyond music, there are other
references that are brought about and
that was also very important.
P! How was Lisbon during those times?
IS When I got to Lisbon, in 87, there was
still that rapture between the urban
tribes. When I got into college, things
had faded a little bit and people would
go see Lloyd Cole without spiky hair.
There was that thing that, at a Jesus
& Mary Chain concert, people would
dress all black, there was a ritual
around it. That was tiresome. It was
fun but kind of tiring.
There was lots of
militancy in the
city. To each their
own. Everyone had
their own thing,
vanguardists,
depressive urbans...
ENTREVISTA//INTERVIEW
P!
IS
Na faculdade encontrei pessoas que tinham mais
ou menos o mesmo percurso e interesses que eu.
Tive uma empatia quase imediata com o Rui Miguel
Abreu, que era da minha turma, e com o Pedro Mariz,
extremamente activo. Tinha uma editora, mas morreu
nos anos 90. Com ele aprendi como se pode militar na
cena mais de guerrilha. Ele estava ligado à ocupação
de casas, vinha do Punk Hardcore, interessou-se pela
Electrónica. Encontrei um grupo de pessoas que
podiam pertencer àquele grupo que eu fantasiava que
existia, e que partilhava os mesmos interesses musicais
e filosóficos que eu, porque depois através da música
também chegaram outras referencias, e isso para mim
também era muito importante.
P! Que cidade encontraste nesses tempos?
IS Quando eu cheguei a Lisboa, em 87, ainda havia muito
aquela cisão das tribos urbanas. Por acaso na altura em P!
que andei na faculdade a coisa já estava mais esbatida.
IS
O pessoal já ia ver Lloyd Cole sem ter de levar o
cabelo espetado. Havia aquela coisa de num concerto
de Jesus & Mary Chain, o pessoal ter de ir todo de
preto, havia todo um ritual. Isso às vezes era um
bocadinho cansativo. Divertia, mas também cansava.
Era uma cidade onde havia muita militância. Cada
um militava na sua cena, o pessoal da vanguarda, os
urbano depressivos... Eram extremamente militantes
e tinham as suas tocas. Também foi a partir daí que a
coisa começou a abrir um bocado, quando as pessoas
dessa família vanguardista que ouviam Joy Division,
Talking Heads, New Order, começaram a aproximar-
se do House, do Techno. Começaram-se a derrubar
preconceitos. Vem daí o germinar daquilo que mais
tarde se chamou club culture, que na altura ainda era
só uma cultura de sair à noite, de cultivar uma certa
pose, de ouvir um determinado estilo de música, mas
que depois se transformou em algo mais profundo.
P! Havia muitos preconceitos entre a malta do Rock e as
pessoas da noite?
IS Havia um bocadinho. O pessoal das guitarras também
saía à noite, bebia uns copos e às vezes se os deixassem
DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches
From there things started to open up
a bit, when people from that vanguard
that listened to Joy Division, Talking
Heads, New Order, started getting
closer to house, Techno, Dance Music...
some prejudices started dissipating.
That’s when club culture started which,
at the time, was nothing more than a
going out culture, having a certain pose,
listening to a specific type of music. It
then became something deeper.
Was there much prejudice between
Rock fans and electronic fans?
Yes, a bit. Rock dudes also went out,
had a couple of drinks and sometimes,
if they were allowed in, they would
end up dancing at the clubs. Usually
what happened was that they weren’t
allowed in. ​ Frágil, ​for example, was
a place where the bouncers were
extremely strict, it was very difficult to
get in, specially if you were drunk and
you didn’t care about the music.
But there were prejudices... Getting
straight to the point, people haven’t
dance for that long here in Portugal. To
dance, to show excitement, a certain
physical expression was something
that only women were allowed to.
When men did that they were either gay
or they were on crazy drugs. People
weren’t comfortable to deal with those
things. I think bands like The Prodigy
or Underworld, for example, brought
that down, even having an aggressive
sound. They managed to let the
hooligans loose and make them dance.
That was amusing.
In 94 you’re invited to be a part of XFM.
How did that happen?
It was completely unexpected. I even
got sick when I realized that was
happening. I used to work at ​Sete when
XFM started. I was a radio maniac and
so I wrote a text about my connection
to the radio and, in a way or another,
someone at XFM came across it.
When XFM opened, Rui Miguel Abreu
and I interviewed some people from
the radio and I was in charge of
writing their profiles. There I had the
opportunity to meet my heroes like
António Sérgio, Ricardo Saló and
Aníbal Cabrita.
The invitation was made during a trip
to Oporto regarding X ​ utos & Pontapés’
fifteenth anniversary. I was sent by​
Sete and, on the bus, between the
guest journalists, was Luís Montez,
XFM’s founder. He said that he had
really liked my texts about the radio
and that he needed new people to
work there. I said “Did you?! That’s
great!”. Then somebody told me that
they thought he was inviting me to
work for XFM. When he told me that
he had thought of me, I was like “for
15
24/03/2020 12:13
 entrar, acabavam nos bares a dançar. Normalmente o
que acontecia era que não os deixavam entrar. O Frágil
por exemplo era um sítio com uma política de porta
extremamente rigorosa, e era muito difícil entrar,
principalmente se estivesses com os copos e nem aí
para a música.
Mas havia algum preconceito. Pondo as coisas em
pratos limpos, em Portugal começou a dançar-se há
muito pouco tempo.
Soltar a anca, mostrar
entusiasmo, um certo prazer na
expressão física era uma coisa
que quanto muito era permitida
às mulheres. Os homens que
faziam isso eram ou gays ou
tinham tomado drogas loucas.
Havia uma certa falta de à vontade para lidar com
essas coisas. Eu acho que bandas como os Prodigy
ou os Underworld, por exemplo, derrubaram isso
completamente, mesmo tendo uma Electrónica
agressiva. Eles conseguiram soltar os hooligans e pô-
-los a dançar. Isso teve uma certa piada.
P! Entretanto em 94 és convidada para integrar a XFM.
Como surgiu o convite?
IS Foi completamente inesperado. Eu até fiquei doente,
quando de facto percebi que aquilo estava a acontecer.
Eu trabalhava no Se7e, quando a XFM abriu. Eu era a
maluquinha da rádio e então escrevi um texto sobre a
minha ligação à rádio, e de alguma maneira eu acho
que esse texto bateu em algumas pessoas da XFM.
Quando a XFM abriu, eu fui com o Rui Miguel Abreu
fazer entrevistas às pessoas da rádio, e fiquei encarregue
de escrever os seus perfis. Aí tive oportunidade para
conhecer os meus heróis, nomeadamente o António
Sérgio, o Ricardo Saló, e o Aníbal Cabrita.
O convite foi feito numa viagem ao Porto a propósito
do décimo quinto aniversário dos Xutos & Pontapés.
Eu ia pelo Se7e, e no autocarro ia entre os vários
jornalistas convidados, o Luís Montez, fundador
da rádio, a dizer que tinha gostado muito dos meus
textos, e que estavam a precisar de pessoas novas
para trabalhar. Eu disse “Ai sim?! Que óptimo!” Até
que alguém me disse que achava que ele me estava
a convidar para a XFM. Quando ele me disse que
tinha pensado em mim, eu fiquei do tipo “a sério”?
Mas mesmo aí, acho que não processei a informação
de maneira correcta, porque foi preciso ligarem-me
pessoalmente para ter a certeza que aquilo estava a
acontecer. Aquilo para mim era tudo muito estranho.
Depois quando finalmente aconteceu, apanhei
uma carga de nervos tão grande, que apanhei uma
16
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real?”. Even then, I didn’t think I had
processed the information correctly.
I had to have them call me to make
sure that it was happening because
it was all very surreal. When it finally
happened, I got so nervous that I got
gastroenteritis and on the first few
broadcasts I did, I was extremely sick.
I was terrible, and I didn’t want to do
it anymore, I wanted to leave... but I
ended up staying.
P! What did you do when you started
IS
working at X?
I did production work. I was one of the
younger people there and I didn’t have
any experience on the radio nor a very
strong voice which was still a plus at
the time. My voice was very dull. So I did
production, wrote texts and I also took
part in a program called Triplex. I had all
the information about all the bands but
I wasn’t very good at summarizing and
I wasn’t very good at handling the mic.
Afterwards, I did some substitutions,
I had a show on Saturday afternoon
called ZOOM where I would talk about
new records. In the end, it was where I
kind of started the foundations of all my
subsequent shows. I would pick a song
and then I would develop the show with
other 5 or 6, eventually building up to
one hour.
I also did the last broadcast with XFM,
without knowing it was closing down... I
was replacing Ricardo Saló on the 31st
of July, 1997, and the last song I played
was from Negativland. The following day
we had a meeting at 8 am when they told
us that the radio was closing down.
It was one of the
most dramatic
moments in my
life. All of a sudden
they had taken
away something
which had been
almost perfect.
Those were years of great optimism,
years when we didn’t think about
the fact that everything is going to
be over. There was money, places to
go, Lux had just opened, Lisbon was
amazing. It was the turn of the century
and there was nothing that could stop
us. Obviously, Y2K 2000 arrived and it
was a shadow of doom. There were
the terrorist attacks and everything
changed. During the 90s there was a
certain optimism, specially during the
ENTREVISTA//INTERVIEW
P!
IS
gastroenterite e nas primeiras emissões que fiz estava
doentíssima. Fui péssima, já não queria fazer aquilo, e
queria ir-me embora. Mas acabei por continuar.
P! Qual era o teu trabalho quando entraste na X?
IS Eu fazia produção. Era das pessoas mais novas e
não tinha experiência de rádio, nem o vozeirão que
naquela altura era um super requisito. Até era bastante
monocórdica. Fui fazer produção, escrever textos, e
também participava num programa chamado Triplex.
Eu tinha a informação toda, sobre as bandas todas, mas
faltava-me poder de síntese e postura de microfone.
Depois fiz substituições, tive um programa ao Sábado
à tarde, o ZOOM, onde fazia destaques a discos novos,
onde eu lancei as bases de todos os meus programas,
onde basicamente agarro numa música e depois
desenvolvo com mais cinco ou seis, eventualmente até
com uma hora inteira.
Também fiz a última emissão da XFM, sem saber que
ia fechar. Estava a substituir o Ricardo Saló, a 31 de
Julho de 1997, e a última música que passei era dos
Negativland. No dia seguinte tivemos uma reunião
às oito da manhã em que nos comunicaram que a
rádio tinha fechado. Foi dos acontecimentos mais
dramáticos da minha vida. De repente tiraram-nos o
tapete de uma coisa que era quase perfeita. Foram anos
de grande optimismo, anos em que não pensávamos
isto vai tudo acabar. Havia dinheiro, sítios onde ir, o
Lux abriu, e Lisboa era incrível. Estávamos a fazer a
transição do século, e parecia que não havia nada que
nos parasse. Claro que depois chegou o Y2K 2000 e
a sombra do doom, aconteceram os atentados e tudo
mudou. Nos anos 90 houve um certo optimismo, P!
nomeadamente na segunda metade que se deveu à
Expo 98 e à entrada de algum dinheiro que permitiu IS
uma certa descontracção.
P! Foi na X que tomaste o teu primeiro contacto com a
Música de Dança?
IS Sim. A XFM foi a rádio certa, no momento certo. É
daquelas confluências perfeitas. O cosmos uniu-se
para que a coisa funcionasse. A única coisa que correu
DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches
second half due to Expo 98 and we
had money coming in.
Was it at X that you first had contact
with Dance Music?
Yes. XFM was the right radio, at the
right time. It’s one of those perfect
confluences. The cosmos aligned
and made things work. The only thing
that went wrong was that it had to be
closed down, after four years in the
active, but it also died at the right time
in order to become an indestructible
myth. It turned up at the end of 93,
at an effervescent time for music,
trip-hop was coming up. Indie bands
were reinventing themselves like
Primal Scream with Screamadelica,
Massive Attack had released Blue
Lines, the Acid House fever was
recent, there were lots of news things
coming up... When I first started at
XFM dubnobaswithmuheadman from
Underworld had just been released.
Not long after Drum & Bass burst
into the scene, then Portishead, there
were lots of exciting things happening
back then. Technology allowed people
on their own to be in charge of a
domestic revolution. Bedroom music
was very important at the time, for us
journalists, it was like a return to punk.
These were people making music in
which they believed in, not traditional,
almost unformatted for the tie, doing it
without looking up to anyone.
I was lucky to be at XFM, the radio was
lucky to have an extremely diverse
team who paid attention to different
stuff. It was also lucky in the sense
that it used to collaborate with clubs in
Lisbon that paid attention to what was
happening, like ​Contraverso, in Bairro
Alto, a landmark of the Portuguese
alternative scene. There was also​
Bimotor ​which, at the time, was really
into Dance Music and used to feed
many DJs.
As much as I got to know about Dance
Music at XFM, Lisbon also got in touch
with a lot of Dance Music through XFM.
All of us were getting to know that
music. There were half a dozen people
who were in advantage, but the rest of
us was hysterical and eager to find out
about things on a daily, reinventing the
city and themselves.
XFM’s slogan was “For an immense
minority”. Who was that minority?
That slogan gave us lots of headaches
because XFM was a cult radio, it was
mythical but never had great audience.
That same slogan was pointed out
as the reason why it had such a low
audience. It ostracized people. But,
yeah I believe it was an immense
minority, a colourful one, from different
families.
17
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 mal, foi que teve de fechar, depois de quatro anos de P!
actividade. Mas também morreu na altura certa para
ficar um mito indestrutível. Surgiu no final de 93, uma
altura fervilhante para a música, estava a surgir o Trip-
-Hop, assistia-se à transmutação de bandas Indie como IS
os Primal Scream, com o Screamadelica, os Massive
Attack já tinham lançado o Blue Lines, a febre Acid
House era recente. Estavam a sair imensas coisas novas.
Quando entrei na X
tinha acabado de sair o
dubnobasswithmyheadman, dos
Underworld. Passado pouco
tempo surgiu o Drum & Bass,
depois os Portishead. Naquela
altura aconteceram coisas
incríveis musicalmente.
Porque a tecnologia permitiu que pessoas sozinhas
pudessem fazer a sua própria revolução doméstica. A
bedroom music foi muito importante nessa altura. Para
nós jornalistas, foi como uma segunda volta do Punk. That wasn’ true.
Eram pessoas a fazer a música em que acreditavam,
não tradicional, quase até desformatada para a época,
fazendo-o sem prestar vassalagem a ninguém.
Tive a sorte de estar na XFM. A rádio teve a sorte
de ter uma equipa extremamente diversa e atenta a
diferentes coisas. Teve também a sorte de trabalhar
com discotecas em Lisboa, atentas ao que se passava,
como a Contraverso, no Bairro Alto, um centro
nevrálgico da cena alternativa portuguesa. Também
a Bimotor, que na altura já apostava com pujança na
música para pista e até já alimentava alguns DJs.
Mas tal como eu tomei contacto com a Música de
Dança na XFM, também Lisboa. Estávamos todos a
descobrir aquela música. Havia meia dúzia de pessoas
que estavam em vantagem, mas o resto estava de uma
forma quase histérica a descobrir coisas quase todos os
dias, e a reinventar a cidade e a si próprio.
P! O slogan da rádio era Para uma imensa minoria. Quem
era essa minoria?
IS Esse slogan deu muitas dores de cabeça, porque a
XFM era uma rádio de culto. Ficou mítica, mas nunca
teve audiências de jeito. E muitas vezes o slogan era
apontado como o grande culpado, porque ostracizava P!
as pessoas. Era uma imensa minoria de várias cores, de
várias famílias, dado que a coisa era logo conotada com
a cena Indie inglesa.
P! No programa Falatório, da RTP, uma das palavras
que mais se ouviu ao longo da conversa entre Carlos
Cardoso, Luís Montez e Sofia Morais foi “elitismo”. De IS
que se revestia esse elitismo?
IS Era uma coisa muito anos 90. Nessa década a coisa
18
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 18-19
At ​Falatório, ​on RTP, one of the most
heard words throughout the chat with
Carlos Cardoso, Luís Montez and Sofia
Morais was “elitism”. What was this
elitism about?
It was something very 90s. During that
decade this elite thing was taken more
seriously. I think that, nowadays, it
wouldn’t be taken as seriously. It was
elitist because it wasn’t for everyone,
that’s why it had that slogan.
People thought
that everything
was super
intellectualized
and we probably
did lecture about
the Critique of
Pure Reason after
listening to Beck...
We used to say the same crap
everybody else said but there was
an aura... maybe because of the
vanguard thing of the 80s, there was
a circuit, you’d hear a certain type of
music, dress in a certain way, go to​
Cinematheque ​or to Cinema ​Quarteto.
During the 90s there was some weird
stuff going on. It had to do with high
culture, more intellectualized which I
think created a departure from street
life, more common. On the other hand,
dancing Techno and going to Kremlin...
that was not for the intellectuals,
that’s for people who were on another
wavelength...
The radio had a more defined target
than other radios that wanted to reach
everyone. Obviously there was some
elitism “I only listen to XFM, not to
those radios you listen to”, which
keeps happening nowadays, but that’s
casual chit chat... XFM wasn’t elitist
in the sense that it ostracized the
listeners but it didn’t facilitate their
inclusion either.
You weren’t quite understood by the
general public but that wasn’t the
audience you were tending to. On that
show, when people called in they would
ask “Where’s Rock music?” Was that
division between Rock and Dance Music
evident?
Yes. That was huge and that’s one of
the reasons why XFM died out. It’s still
quite complicated... That’s why format
ENTREVISTA//INTERVIEW
das elites era levada um pouco mais a sério. Acho que
hoje em dia já não seria propriamente uma questão.
Era elitista porque não era para todos, era por isso que
também tinha aquele slogan. As pessoas pensavam que
era tudo mega intelectualizado e que, se calhar, nós
dissertávamos sobre a Crítica da Razão Pura, depois de
termos ouvido um disco do Beck… Era mentira. nós
dizíamos os mesmo disparates que os outros diziam,
mas havia um bocado aquela aura. Talvez por causa
da cena vanguardista dos ‘80. Havia um determinado
circuito, ouvias um determinado tipo de música,
vestias-te de certa maneira, ias à Cinemateca, ou ao
Quarteto. Os anos 90 também tiveram ali umas coisas
estranhas a partir de certa altura, que tinham a ver com
essa parte mais alta cultura, mais intelectualizada, que
eu acho que acabaram por criar um distanciamento
em relação à vivência de rua, mais comum. Andares
a dançar ao som de Techno, ires ao Kremlin… Isso
não era para gente intelectual, era para pessoal que já
estava noutra.
O que a rádio tinha era um target mais definido que
as outras rádios, que queriam atingir toda a gente. É
óbvio que também havia alguma sobranceria, do “eu
só ouço a XFM, não ouço essas rádios que tu ouves”,
que se repete nos dias de hoje. Mas isso tem mais a
ver com conversas de café. A XFM não era elitista no
sentido em que de facto ostracizasse os ouvintes, mas
também não facilitava a inclusão.
P! Eram incompreendidos pelo grande público,
mas também não era a ele que se dirigiam. Nesse
programa, na parte das chamadas dos telespectadores
perguntava-se “onde está o Rock?” Essa divisão entre
Rock e Música de Dança era evidente?
IS Era. Isso foi gravíssimo e foi uma das coisas que levou
à morte da rádio. E ainda hoje é muito complicado.
Por isso é que depois surgiram as rádios formatadas,
como a Oxigénio.
A cisão entre o Rock e a Música de Dança era
extremamente vincada, continua a ser. Não por culpa
de quem produz, mas de quem ouve. É verdade que
a XFM, quando surgiu o Drum & Bass, o Trip-Hop,
o House, quase toda a gente da rádio enfraqueceu as
suas ligações ao Rock. Já ninguem queria saber dos
Smashing Pumpkins. Depois de terem aparecido coisas
de Drum & Bass e House, foi muito difícil conseguir
continuar a passar Rock com o entusiasmo de antes e
isso alguns ouvintes levaram a mal, porque Portugal
continua a ser um país extremamente virado para o
Rock, com preconceitos contra a Música de Dança, e
isso infelizmente volta e meia vem ao de cima.
P! Como é que a Música de Dança conseguiu encontrar
um público num país de guitarras?
IS A XFM foi importante. Depois a noite. Isto aconteceu
nas grandes cidades. Não nos podemos esquecer da
Kaos, fundamental também porque organizaram
festas, lançaram discos… A saída do So Get Up, de
DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches
radios started coming about, like​
Oxigénio. ​The disparity between Rock
and Dance Music was too big and it
still is. It’s not the producer’s fault, but
the listeners’. It’s true that everybody at
XFM broke ties with Rock when drum
n bass, Trip-Hop, House appeared.
Nobody cared about the Smashing
Pumpkins anymore... In fact, after
Drum & Bass and House appeared,
it was very difficult to play Rock with
the same enthusiasm as before and
some listeners took it the wrong way.
Portugal is still a Rock country, quite
prejudiced against Dance Music and
you can still feel it every once in a while.
P! How did Dance Music finds its
audience in a Rock country?
IS XFM was important and so was the
nightlife. This happened in the big
cities. We can’t forget Kaos, a landmark
because it used to throw parties, they
released records... So Get Up from
Underground Sound of Lisbon was
eye-opening, the dawn of the age of
Dance Music. So Get Up’s impact was
more unexpected than Buraka Som
Sistema’s.
There was nothing and out of nowhere
everything opened up. There were tv
shows with sophisticated soundtracks.
That was before any jet-set program,
with Lounge, Chill Out and House.
I remember 86-
60-86, a fashion
show that had
amazing music
in it. It was done
by Antónia Rosa,
with ​Contraverso​’s
records...
Even those little things became
special. It was something that became
more evident in urban centers and that
spread out throughout the country with
the parties thrown outside Lisbon and
Oporto. Then there were the festivals.
Boom is still 20th century.
P! Besides radio, XFM also organized
and promoted some parties. How did
that happen?
IS I would like to give you an answer that
would make everything more romantic
than it really is. We needed to throw
parties in order to finance the radio,
the same way we did t-shirts. And
the truth is, they did finance the radio.
Obviously they made the entire scene
stronger but that wasn’t the main aim.
19
24/03/2020 12:13
 Underground Sound of Lisbon, foi um abre-olhos, um
acordar para a Música de Dança. Sendo que o impacto
do So Get Up foi mais inesperado e galáctico que o dos
Buraka.
Primeiro não havia nada, e depois abriu-se tudo.
De repente, já tinhas programas de televisão com
banda-sonora super sofisticada. Lembro-me do “86-
60-86”, um programa de moda que tinha uma trilha
incrível. Era feito pela Antónia Rosa, com os discos
da Contraverso. Tudo antes de qualquer programa
de jet-set com Lounge e Chill-Out e House. Até essas
pequenas coisas foram acontecendo e tornaram-se
especiais. Uma coisa que se tornou mais localizadas
nos centros urbanos e que se alastrou ao resto do país
com as festas que se foram fazendo fora de Lisboa e
Porto. E depois os festivais. O Boom é ainda século
XX.
P! Para além da rádio, a XFM também organizou e
promoveu algumas festas. Como é que surgiram? P!
IS Eu gostava de dar uma resposta que engrandecesse o
lado romântico da coisa. Nós precisámos de fazer as IS
festas para financiar a rádio, da mesma maneira que
fizemos t-shirts. E na verdade as festas e as t-shirts
financiaram a rádio. Claro que também fortaleceram
a cena, mas não foi esse o nosso primeiro objectivo.
Sabíamos, já nessa altura, que precisávamos de uma
estratégia de branding, mas nessa altura não era
prioritário.
Nessa altura não havia muita gente a fazer festas, e nós
conseguimos de facto um local incrível, em Sintra, lá
numa quinta meio arábica [Quinta do Relógio]. Iam
pessoas de todas as cores, e pessoal que se calhar só
ouvia Nick Cave durante o dia, mas que depois estava
ali à noite dançar ao som dos Underworld, ou dos
Orbital. Isso era extremamente bonito.
As pessoas não estavam ali a
intelectualizar a coisa. É só
deixar o corpo ir, e viveres. Isso é
saudável. As pessoas saíam de lá
mais felizes.
Também fizemos na Caixa Operária, no Porto, quando
a rádio andava em digressão. Teve de ser assim, a rádio
pertencia a um grupo privado, o slogan não agradou
por aí além em termos publicitário. Foi uma rádio que
não teve vida fácil. P!
P! Quem tocou nessas festas, e quantas pessoas iam?
IS Tocávamos todos. Havia dois DJs que trabalhavam IS
mais que os outros: o Nuno Carlos (hoje em dia já não
faz rádio sequer) e o Nuno Reis eram os principais DJs.
Depois mais tarde, quando entrou, o Carlos Cardoso
também pôs música, a Sofia [Morais], eu também de
vez em quando, o Rui Neves às vezes.
20
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 20-21
We knew, even at the time, that we
needed a branding strategy, but that
wasn’t a priority.
There weren’t many people throwing
parties, at the time, and we managed
to get an amazing venue in Sintra. We
threw awesome parties there, at a sort
of arabic influenced villa (​ Quinta do
Relógio). Aand people from all colours,
people who would only listen to Nick
Cave during the day, were there at
night dancing to Underworld or
Orbital. That was extremely beautiful.
People weren’t there to intellectualize
things... it was about letting loose and
live. That’s healthy. People came out of
there feeling happier.
We also threw parties at C ​aixa
Operária​, in Oporto, when we toured. It
had to be like that, the radio belonged
to a private group, the slogan wasn’t
the best publicity wise... it wasn’t easy.
Who played at those parties and how
many people were there?
Everybody played. There were two
DJs who worked more than everybody
else: Nuno Carlos (who doesn’t do
radio anymore) and Nuno Reis were
the main DJs. Later on, when he got
in, Carlos Cardoso also played, Sofia
(Morais). I also played sometimes, Rui
Neves every once in a while.
Judging by the amount of people you
could see in Sintra, I’d say about 1000
people. The other parties had limited
capacity. We played at university
parties, not to finance the radio, but
to give it visibility and to make sure
people knew about us.
Were the 90s years of pilgrimage to
parties?
There was more interest because there
was less offer. Everything was special.
I went to a party during the 90s, maybe
98, on an excursion with people from
Lisbon. We all ended coming from the
same place. We would come together,
with Underworld, with Hardfloor, and
ENTREVISTA//INTERVIEW
A julgar pela quantidade de gente que se via em Sintra,
para aí umas mil pessoas. A outras estavam mais
limitadas pela lotação dos locais. Chegámos a pôr
música em festas de faculdade, aí já não para financiar
a rádio, mas para espalhar a palavra, e dizermos que
estávamos mais presentes.
P! Os anos 90 foram anos de romarias a festas?
IS Havia mais interesse, porque havia menos oferta.
Tudo era especial. Eu fui a uma festa nos anos 90,
talvez em ‘98, com uma excursão de gente daqui de
Lisboa. Acabávamos todos por vir do mesmo sítio,
encontravamo-nos todos, e era com Underworld, e
com Hardfloor, e com pessoal do Drum & Bass. Eram
actividades de grupo, e uma maneira de estar com
amigos. Dividiam gasolina, arranjava-se maneira de
ficar em algum sítio, ou ficava-se no carro, e tomávamos
conta uns dos outros. Era mais ingénuo, e as festas
não eram tão elaboradas como são hoje. Ninguém
queria saber se as casas de banho não eram xpto, ou
se chegasses lá e tivesses de andar até ao recinto. Fazia
parte. Havia muita militância.
Os anos 90 foram anos de expansão económica que nos
facilitou uma certa despreocupação, especificamente
com a Expo 98, embora as coisas não tenham sido
fáceis até ‘95. a partir do momento em que a Expo
se põe no horizonte, começam a chegar fundos
comunitários, o sentimento de optimismo era grande,
e aconteciam muitas coisas em Lisboa. E não havia
angustia em relação ao futuro e as coisas apareciam.
Foi um tempo de celebração.
P! Foi a XFM que abriu caminho para rádios como a
Oxigénio e a Radar?
IS Por ter corrido mal, a XFM provou que há espaço
para esta música. Aconteceram muitas coisas que
mudaram a rádio, nomeadamente a introdução
de formatos americanos, que tinham a ver com a
especialização em estilos das rádios. A sectorização
das rádios permitia que um grupo pudesse ter várias
rádios de forma a poder atingir uma maior audiência.
A vantagem de uma rádio não está na diversidade, está
na especialização. A Oxigénio apareceu já num grupo,
em que a Marginal era a rádio de Rock. Portanto o
mais fácil foi fazer a Oxigénio sem Rock. Depois a
Oxigénio foi comprada pelo Luís Montez, que já tinha
comprado a Rádio Voz de Almada, e que seria a Radar,
uma rádio alternativa. E a Oxigénio continuou a ser
uma rádio sem Rock.
P! Nos anos 90 era preciso estar nos sítios para viver as
coisas, quais eram os sítios onde paravas?
IS Ia muito ao Captain Kirk na fase do Drum & Bass,
também ia muito ao Ciclone. Eu e o meu grupo de
amigos éramos os primeiros a chegar, e os primeiros
a ir embora. Estávamos lá a dançar enquanto não
aparecia ninguém. Eu até achava que os DJs não
reparavam em nós. Esses eram os dois sítios. Eu estava
muito no Drum & Bass em ‘97/’98. Ao Lux, também...
DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches
Drum & Bass people. Those were
group activities, a way of hanging
out with friends. We would share the
gas, and we would find place to stay,
sometimes even in a ca. We would
take care of each other. Nobody cared
about how good the bathrooms were
or if you had to walk to the venue... it
was part of it. There was militancy.
The 90s were years of economic
expansion which allowed us a certain
frivolity, specifically with Expo 98, in
spite of things not being easy up until
95. From the moment that Expo is
announced community funds started
coming in, there was optimism. A lot of
stuff was happening in Lisbon. There
wasn’t any anxiety towards the future
and things just happened... It was a
great time.
P! Was it XFM that paved the way for radios
such as O ​ xigénio ​and Radar?
IS It could have gone wrong, and XFM proved
that there was room for this type of music.
A lot of radio changing stuff happened
such as the introduction of american
formats which had to do with the radio
style specialization, so that a group has
ways of reaching a bigger audience.
The edge of a
radio is not on its
diversity but on its
specialization.
When ​Oxigénio ​appeared, in Marginal
group, which was also a Rock radio,
the easy thing was to make it a non-
Rock radio. When it got bought by
Luís Montez, he already had bought​
Rádio Voz de Almada​ , which would
become Radar, an alternative radio,
and ​ Oxigénio ​
Rock radio.
kept on being a non-
P! During the 90s you had to be there in
order to experience things. Where did
you used to hang out?
IS
I used to go to Captain Kirk quite often
during the Drum & Bass phase. I also
went to Ciclone. My group of friends
and I were the first ones to arrive and
the first ones to leave. We were there
to dance while nobody was there, I
even thought that the DJs didn’t really
care for us. Those were my two places.
I was very much into Drum & Bass in
‘97/’98. Lux, sometimes...
P! Regarding the 90s, what were the
positive and the negatives of Dance
Music culture?
IS I think the most negative thing was
the formatting that started being built
during the 90s, the business, that
whole thing of music selling drinks.
21
24/03/2020 12:13
 P! Sobre os anos 90 que aspectos foram positivos e
negativos na cultura da Música de Dança?
IS Eu acho que o mais negativo foi a formatação que
começou a ser construída nos anos 90, o business,
aquela coisa toda da música ter de vender copos.
Isso começou nos anos 90. Os clubes obviamente
começaram a ficar grandes, aquela ingenuidade foi
válida até uma determinada altura. Depois alguém
começa a ganhar dinheiro, e se virmos as histórias dos
DJs em Inglaterra, percebemos que a coisa começou
a ser inflacionada logo na primeira metade. Nos anos
90 havia ingenuidade, o peace and love, o summer of
love de ‘88/’89 com o Acid House e a club culture e
as raves. Depois ali a partir de ‘94/‘95 eventualmente
até ‘93 com a história de começarem a perseguir os
organizadores das raves, o Criminal Justice Act, que
estava a tentar proibir a aglomeração de pessoas ao
som de música Electrónica com ritmos repetitivos.
Isso acabou por tirar a Música de Dança da rua ou de
um circuito mais puro, e metê-la dentro do circuito do
negócio, que nunca é tão bonito, mas que permitiu à
cena a sua sobrevivência. É isso que permite às pessoas
terem uma vida e viverem disso, e isso é positivo. Mas
para mim foi a coisa menos interessante. Nem que
seja porque deu origem a música má. Havia muitos
produtores que faziam a música para ser funcional,
caiu-se na repetição e toda a gente fazia a mesma
coisa. O melhor foi mesmo a democratização da coisa.
O melhor e o pior andam de mãos dadas.
22
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 22-23
That started in the 90s. Clubs became
big, that naivety was valid up until a
certain point. Afterwards someone
starts making money, and if we have
a look at DJ history in England, we can
understand that things started getting
out of hand during the first half of
the 90s. During the 90s people were
naive, the peace and love movement,
the summer of ‘88/’89 with Acid
House, club culture and raves. But
after ‘94/’95, even ‘93, with the whole
running after rave promoters, the
Criminal Justice Act, which tried to
forbid people from getting together
to listen to electronic music with
repetitive sounds and that ended up
taking Dance Music away from the
streets and from a pure circuit and
moved it to a business circuit which is
never pretty. It allowed the whole scene
to survive and that allowed people to
have a life and to make a living out of
it and that’s positive, but that was the
least interesting thing for me. Even if
only because it created bad music,
there were lots of producers who made
music in order to make it functional,
there was a lot of repetition and
everybody did the same thing. The best
thing was definitely its democratization.
It’s a double-edged sword.
ENTREVISTA//INTERVIEW DE UMA IMENSA MINORIA, com Isilda Sanches// FROM A HUGE MINORY, with Isilda Sanches 23
24/03/2020 12:13
 BELITA RIBEIRO,
a cúmplice do
acaso
Belita Ribeiro, Entrou em 1987 para a equipa do
KGB, no Estoril, bar onde a sua mãe
an accomplice já servia copos. Com dezanove anos
of chance completos, o futuro em aberto e a
curiosidade própria da idade, Belita
Ribeiro torna-se parte da Casa, que
algum tempo depois a convida para
IMAGENS//IMAGES: Diogo Vasconcelos at Príncipe Real, Lisboa
musicar uma noite. Tudo aconteceu
por acaso, com a naturalidade de
quem é familiar e a certeza de uma
paixão - a música.
A partir daí, muitos outros acasos
sucederam, desde as primeiras raves
portuguesas, a passagem por várias
cabines, entretanto desactivadas, e
a possibilidade de conviver com os
principais nomes do djing da década
de noventa. Viu o germinar de uma
cena à portuguesa e a génese de um
novo tempo em que estar acordado
é estar vivo, e a música nunca pára
juntando à sua volta os muitos que
nela acreditam.
Nesta família, em que o movimento
e a velocidade fazem parte do
imaginário que a une, muitas
histórias haverão por contar. Belita
Ribeiro partilhou algumas, e relata-nos
como viveu esse período da sua vida,
quando o passado foi ontem, e o futuro
era algo distante, lá mais para a frente.
24 ENTREVISTA//INTERVIEW BELITA RIBEIRO, a cúmplice do acaso//BELITA RIBEIRO, an accomplice of chance
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 24-25
She first joined KGB’s team in 1987, in
Estoril, where her mother used to bartend.
At 19, with the future ahead of her and
the curiosity which is common at that age,
Belita Ribeiro became part of the house
which some time after invites her to play
music at night. Everything happened by
pure chance, with the easiness of who was
familiar and had a passion - music.
Ever since then, many other incidents
have happened, since the first Portuguese
raves, having been on several booths since
deactivated, and the possibility of hanging
out with household names of 90’s djing.
She saw the germination of a Portuguese
scene and the genesis of a new time in
which to be awake is to be alive, and the
music never stops bringing together the
many who believe in it.
In this family, in which movement and
speed are part of the imaginary that unites
it, there will be many stories to be told.
Belita Ribeiro shared some, and tells us
how she lived this period of her life, when
the past was yesterday, and the future was
something farther on.
PISTA! We know that your family has
always been linked to music and that
you have made your debut at KGB in
Estoril. How was your first experience
behind the decks?
Belita Ribeiro Well... that was
at the request of the bar owners. I’ve
always said it was by chance, but in this
case, chance was also a little complicit
with my curiosity. I’ve always listened
to music and I love it, I went up to the
cabin a lot, I was very curious to see
how the records were played, and what
records they were playing ... There was
a day when they needed to get together,
it was a weekday and they said “Belita,
go and put music on!” and I was like
“Me? Playing music?” And they were
like “Just go! You will see!” So I did,
and I was there playing that night and
the people who were there loved the
selection and said “Belita has to play
more often”! And then, since it was a
cozy bar, it was not very big, the people
there were mostly regulars... It was a
place where I felt super comfortable.
P! At that time did you play with the
records of the KGB collection?
25
24/03/2020 12:13

PISTA! Sabemos que a tua família esteve sempre ligada
à música e que te estreaste no KGB, no Estoril. Como
foi esta tua primeira experiência atrás dos pratos?
Belita Ribeiro Pois... Aquilo foi a pedido dos
donos do bar. Eu digo sempre que
foi por acaso, mas neste caso, o acaso também foi
um bocadinho cúmplice da minha curiosidade. Eu
sempre ouvi música e adorava, subia imensas vezes à
cabine, tinha imensa curiosidade em ver como é que
se lançavam os discos, e que discos é que estavam a
tocar. Houve um dia em que eles precisavam de se
reunir. Foi um dia de semana e eles disseram “Oh
Belita vai lá pôr música!” “Eu? Pôr música?” “Ah vai lá!
Vais ver!” Então fui, e estive lá a tocar nessa noite e as
pessoas que estavam adoraram a selecção e disseram
“A Belita tem de tocar mais vezes!” E pronto, como era
um bar mais cozy, não era muito grande, as pessoas
que lá estavam eram quase todas habituais. Era um
sítio onde me sentia super à vontade.
P!
Nesse tempo tocavas com os discos da colecção do KGB?
BR
Sim. Antigamente era um bocadinho diferente. Eram
os discos de lá, da colecção de um dos donos. Na
maior parte dos sítios, os DJs é que compravam a
música para a casa. Claro que depois, cada um tinha
a sua colecção privada. Mas eu na altura, também
fazia imensos trabalhos, e gastava o dinheiro noutras
coisas. Tinha uma grande colecção de CDs e, uma vez
a voltar de um gig, perdi três bolsas cheias daqueles
que fui juntando ao longo dos anos. Foi uma perda
dolorosa.
Desses discos houve um algum que te marcasse nesses
P!
primeiros tempos?
Havia alguns nomes: a Anne Clark, o Michael Jackson,
BR
Prince, Durutti Column, New Order, Kraftwerk...
Tanta coisa, que é difícil escolher.
Era uma colecção muito variada. As noites também
P!
eram assim?
Eram. Era completamente diferente. Até que começou
BR a surgir o Acid, o Acid Jazz, o Acid House, o House, um
bocadinho mais perto dos 90’s... Também já haviam
coisas mais Techno, os Front 242, Nitzer Ebb, coisas
que eu acho que são Techno. Ouvíamos de tudo, desde
Reggae, Soul, Disco. Era muito variado e as pessoas
dançavam tudo.
Quando é que chegaste às sonoridades mais Electrónicas?
P! Já passávamos música Electrónica da altura. E havia
BR muita coisa. O Garage House por exemplo, foi ali mais
em ‘90/‘91 que começámos a tocar. Aí lembro--me que
quando ia a Londres já comprava os meus disquinhos.
Numa das primeiras raves de Santa Maria da Feira, o
Tó Pereira (DJ Vibe) tocava na pista principal, e eu e
outros tocávamos numa outra pista lá no castelo.
26
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 26-27
BR Yes, yes, because it used to be a little
bit different. There were the records
from there, from the collection of one
of the owners. In most places, and I
still went to London a few times, the
DJs bought the music for the house.
Of course later, each one had their
own private collection. But I did a lot of
work at the time, and I was spending
money on other things. I had a large
CD collection and, once coming back
from a gig, I lost three bags full of CDs
I had been putting together over the
years. It was a painful loss.
P! Were there any records that stuck with
you from those early days?
BR There were some names: Anne Clark,
Michael Jackson, Prince, the Durutti
Column, New Order, Kraftwerk... So
much stuff, it’s hard to choose...
P! It was a very varied collection. Were
the nights that way too?
BR They were. It was completely different.
Up until Acid, Acid Jazz, Acid House,
House, a little later, closer to the
90’s... There were also more Techno
things, Front 242, Nitzer Ebb, things
that I think are Techno. We listened
to everything from Reggae, to Soul, to
Disco, it was very varied and people
danced everything.
P! When did you get to electronic
sounds?
BR We were playing electronic music from
the time. And there was a lot. Garage
House, for example, it was around
90/91 that we started playing that.
Then, I remember that when I used to
go London and I was already buying
my records. In one of the first raves in​
Santa Maria da Feira​, Tó Pereira (DJ
Vibe) played on the main stage and
some others and I played on another
stage, in the castle, and Tó knew that
I had a record that he loved and I was
all proud to lend it to him so that he
could play it on the main stage. This
album was Paper Moon, by 51 Days.
P!
You mentioned DJ Vibe, a pivotal name
with a following that lasts to this day.
Who were the other protagonists of
those times?
BR We started all a little bit at the same
time. In Lisbon, it was F
​ rágil​with those
who played there, Zé Pedro (Moura),
Rui Vargas, Yen Sung. In ​Estoril,​it was
KGB; there was also Tó Pereira, Luís
Leite, Tó Ricciardi, who I’ve known as a
DJ since Jet Set...
P! Back then, was there already a DJ
worship?
BR There was not much, but it was a bit
DJs and friends. And then the friends
followed the parties and the DJs, the
number of people who went to the
parties was growing, until it began to
evolve to the cult of the DJ. People
ENTREVISTA//INTERVIEW
Ele soube que eu tinha um
disco que ele adorava e eu toda
orgulhosa a emprestar-lhe o disco
para ele passar na pista principal.
Esse disco era o Paper Moon, de
51 Days.
Referiste o DJ Vibe, nome fundamental e com um
P! culto que dura até aos dias de hoje. Quem foram os
outros protagonistas desses tempo?
Nós começámos todos um bocadinho ao mesmo
BR tempo. Em Lisboa, era o Frágil com o Zé Pedro
(Moura), o Rui Vargas, a Yen Sung. Depois, também o
Luís Leite, o Tó Ricciardi, que conheço como DJ desde
o Jet Set.
Já se vivia um culto do DJ?
P! Não havia tanto o culto do DJ. Era um bocadinho os
BR DJs e os amigos que seguiam as festas. Entretanto o
número de pessoas que iam às festas foi crescendo
e começou a evoluir para o culto do DJ. As pessoas
começaram a ter as suas preferências, como hoje em
dia. As pessoas fazem as suas escolhas ou pelos sítios,
ou pelas festas.
Começaste a tocar na Linha. Havia muitas diferenças
P! entre a cena nocturna da Linha e a cena de Lisboa?
Na altura do KGB também vínhamos a Lisboa e íamos
BR ao Frágil. Havia diferença nas pessoas. Não é que
na Linha fossem betinhos, era mesmo na forma das
pessoas se apresentarem, vestirem. O Frágil era muito
mais alternativo, mas no KGB havia uma diversidade
de pessoas alternativas de cabeça, mas se calhar não
tanto de aspecto. Em termos de música, os DJs do Frágil
também tocavam coisas muito diversificadas porque
havia muita coisa na altura e era isso que se tocava.
A nível musical não havia assim tantas diferenças.
Depois o Alcântara Mar e o Plateau, já eram discotecas
mais à séria, já era até às seis da manhã.
Para além do KGB, onde costumavas tocar?
Entre ‘87 e ‘90 foi sempre na área da Linha. Em 1990
P!
abriu o Universal, que era uma discoteca dos mesmos
BR
donos do KGB, mas dado que estava inserida numa
zona residencial só durou um ano. Depois a primeira
rave de Santa Clara em que toquei, não me lembro
bem se foi em ‘91 ou ‘92. Ainda toquei no Plateau, e
no 24 de Julho.
Tocaste na primeira rave de Santa Clara. Como é que
começaram as raves?
P! A primeira foi organizada pelo Paulo Nery e pelo
António Cunha. Acho que eles os dois foram mesmo
BR os grandes impulsionadores. As primeiras raves foram
sem dúvidas marcantes. Em Coimbra divertimo-nos
mesmo nessa do Convento de Santa Clara. Também
me lembro de vários amigos estarem em cima do
BELITA RIBEIRO, a cúmplice do acaso//BELITA RIBEIRO, an accomplice of chance
started to have their preferences... “I
like that party more because A, B or C
are going to play there” and it’s pretty
much like nowadays. People make
their choices based on the venues, or
the parties.
P! You started playing in the Cascais
area. Were there many differences
between Cascais and Lisbon?
BR
At the time, in KGB we used to came
to Lisbon and to ​Frágil​. People were
different. It was not like people were
preppy in Estoril, it was about how
people would present themselves,
what they wore. ​Frágil​was much more
alternative, but in KGB there was a
diversity of people, mindset variety,
perhaps not so much in terms of
appearance. In terms of music, deep
down Frágil’s D ​ Js also played very
diverse things because there was a lot
of stuff at the time and that was what
it was about. On the musical level,
it wasn’t that different. Then when​
Alcântara Mar and ​ Plateau​started,
these were real clubs, people were
there until 6 in the morning (although
KGB was normally supposed to close
at 4, but often extended until 5 / 6 in
the morning).
P! In addition to KGB, where did you
usually play?
BR Between 87 and 90 it was always in the
Cascais area. Then in 1990, Universal
opened, which was a nightclub owned
by KGB, but since it was in a residential
area, it only lasted for a year. After, the
first​Santa Clara​rave I played in, I can
not remember if it was in 91 or 92 ...
And then played at ​Plateau​.
P! You played on the first rave of ​Santa
Clara​. How did the raves begin?
BR The first one was Paulo Nery and
António Cunha. I think the two of
them, in terms of raves, really were
the big boosters. The first raves were
undoubtedly remarkable, in C ​ oimbra​
we had great fun at Santa Clara’s
Convent. I also remember several
friends being on top of the counters
with torches going all out. And then, by
day, when the party ended, I remember
that we were all there in Coimbra
somewhere with several groups of
people by some cars, playing songs.
We wouldn’t stop listening to music
and everybody stayed there until 12pm
/ 1​​pm / 2pm.
P! Do you remember the size of these raves?
BR The ​Santa Maria da Feira​’s one wasn’t
as packed as festivals of today like
Neopop or Forte. I don’t know how
many people were there, but the
parties started having more and more
people. For them, the goal was to cut
even, and the most important thing
was to make things happen.
27
24/03/2020 12:13

balcão com tochas e tudo muito maluco. No final, já
de dia, quando acabou a festa lembro-me de estarmos
todos lá em Coimbra num sítio qualquer, com vários
grupos nos carros. Não parávamos de ouvir música até
às 12h00/13h00/14h00.
P! Lembras-te da dimensão dessas raves?
BR A de Santa Maria da Feira não foi de todo uma
coisa cheia como se vê o Neopop ou o Forte. Não
sei quantas pessoas, mas as festas foram crescendo
cada vez mais. Para eles o objectivo era pelo menos
não ter prejuízo, e o mais importante era fazer as
coisas acontecer.
P! O ambiente dessas raves era muito diferente do ambiente
que se vivia nos bares e nos clubes dessa altura?
BR Era diferente, porque estávamos num espaço muito
giro, o castelo de Santa Maria da Feira, naquelas
partes abertas. Eram sempre em espaços diferentes e
ao ar livre. Parece que sentíamos uma outra liberdade.
Como era diferente, era sempre uma novidade e sabia-
-nos bem.
P! Era mais intenso?
BR Sim, e como só ia acontecer uma vez, ou até que a
próxima acontecesse ainda ia demorar tempo, nós
aproveitávamos aquilo ao máximo.
P! Havia muitas dificuldades na realização das raves?
Muitos entraves?
BR Eu acho que ao princípio eles encontraram bastantes
entraves. Mas o Paulo Nery é advogado e é uma pessoa
que argumenta bem e tem um jeito enorme a lidar
com a polícia e com as autoridades. É uma pessoa
que realmente sabe expor as ideias e sabe convencer.
O António Cunha também era uma pessoa super
educada, diplomata. Dependia da abordagem e eles
perceberam com quem estavam a falar. Não eram
malucos que não sabiam o que estavam a fazer, eram
pessoas responsáveis.
28
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 28-29
P! Was the environment of these raves
very different from the atmosphere in
the bars and clubs at that time?
BR It was different because we were in
a very beautiful space, the castle of
Santa Maria da Feira, in those open
areas.
They were always
in different
spaces and
outdoors. It
seemed like we
felt a different
kind of freedom.
As it was
different, it was
always new and it
felt good.
P! Was it more intense?
BR
Yes, and since it was only going to
take place once, or until the next one
P!
happened, we really made the most of it.
Were there many problems to make
BR
raves happen? Many obstacles?
I think that at first they had many
obstacles, but well... Paulo Nery is a
lawyer, and he is a person who really
argues well and has a great way to deal
with the police and with the authorities
and everything that is so institutional.
He is a person who really knows how
to expose ideas and knows how to
persuade people. António Cunha was
also very polite, a diplomat. And I think
there, it depended on the approach,
they realized that they weren’t talking
to crazy people who had no clue of
what they were doing. They were
responsible people. They always got
permits, I don’t remember any of the
raves being illegal and having to run
away like in England where there were
illegal raves and then people had to
flee. I think that was a little later. We’ve
never had anything of the sort, we
always had permits.
And ​Alcantara Mar​? Did you go there
P! as a DJ and as a customer?
As a customer, many times, I remember
BR that we used to leave KGB and go to​
Alcântara Mar​. I don’t know if that was
already in 88, I don’t remember quite
well the year in which​Alcântara Mar​
opened, I can’t recall if it was 87, 88
or 89. The residents were Eduardo, Tó
Pereira and I believe Luís Leite was a
resident too. I forget all about things,
ENTREVISTA//INTERVIEW
because it’s been so many nights, so
many parties, so many stages and it’s
been so many years since that I can’t
pinpoint things anymore.
P! People talk about magic when they
describe ​Alcantara Mar​. In what ways
did it reveal itself?
BR It was the sound. It
E eles conseguiram sempre as started to be more
licenças, não me lembro de House, Garage
nenhuma das raves ser ilegal e de and Techno...
termos que fugir, como aconteceu but there were
em Inglaterra. Aqui nunca houve many variations
nada disso, foi sempre tudo com of definitions
autorização. of genres and
styles. The music,
P! E o Alcântara Mar? Frequentaste-o como DJ e the sound, the
como cliente?
BR Como cliente, imensas vezes. Lembro-me que saíamos decoration,
do KGB e íamos já para o Alcântara Mar, não sei different people,
se isso já foi em 87, 88, ou 89. Os residentes eram o
Eduardo e o Tó Pereira. O Luís Leite também acho que the Alcantara
era residente. Lá está, esqueço-me assim das coisas, Dancers dancing
porque foram tantas noites, tantas festas, tantas fases
e já foi há tantos anos. on the counters,
P! Fala-se em magia para descrever o Alcântara Mar. Em and closing late in
que aspectos é que ela se revelava?
BR Era o som, que aí começou a ser mais House, Garage e the morning.
Techno. Mas havia já muitas variações de definições de
P! Parallel to ​ Alcântara Mar ​there was
géneros e estilos. Era a música, o som, a decoração, as also ​Kremlin​...
pessoas diferentes, os Alcântara Dancers a dançarem BR I think that ​ Kremlin​was an even
em cima do balcão, e fechar às tantas da manhã. more underground. The venue itself
P! Paralelamente ao Alcântara Mar também havia o Kremlin... gives you a cave vibe... a much more
BR powerful sound. It was even stronger.
Eu acho que o Kremlin foi uma coisa ainda mais
Everything was a lot darker ...
underground. O próprio sítio dá uma ideia um bocado P! Was it DJ Vibe that made a difference
ali das caves. Um som muito mais potente, era uma to Kremlin?
coisa mais forte ainda. Era tudo muito mais escuro. BR Yes. He already had his group of fans,
P! Foi o DJ Vibe que imprimiu um cunho diferenciador not to mention that he is very good
at playing both technically and in the
ao Kremlin?
musical selection and undoubtedly
BR Sim. Ele já tinha o seu grupo de fãs e depois ele é muito
that was a very important piece for
bom a tocar, quer tecnicamente, quer na selecção the success of Kremlin. He was very
musical. Foi sem dúvida uma peça importantíssima eclectic and he knew what he was
para o êxito do Kremlin. Ele era muito variado e sabia doing. Suddenly there were three
records being played at the same
mesmo. De repente estavam três discos a tocar ao mesmo
time. He did some things there that no
tempo, fazia ali umas coisas que ninguém se lembrava one thought about doing and he did
de fazer e resultavam muito bem. A gente ficava tipo them very well. We were like, “Wow.”
“Wow”, porque tinha imenso valor e criatividade no Because he had immense value and
trabalho dele. E tinha discos muito bons. creativity in his work and undoubtedly
P! very good records.
Entretanto, em ‘92, abriu o Pacha em Ofir, onde tocaste
P! In the meantime, in ‘92, Pacha opened
até ‘95. Como é que acompanhaste esses primeiros anos in Ofir, where you played until ‘95.
do Pacha? How did you follow those first years
of Pacha?
BELITA RIBEIRO, a cúmplice do acaso//BELITA RIBEIRO, an accomplice of chance 29
24/03/2020 12:13
 BR O Pacha Ofir foi a nossa loucura da juventude. Esse BR
primeiro ano do Pacha foi mesmo bom para toda a
gente. Foi muito divertido, todos os fins de semana
saíamos de Lisboa para ir para Ofir. Isso depois
também contribuiu para alargar um bocadinho mais
toda essa comunidade que seguia as festas, a cultura
da Música de Dança e os DJs.
P! Quando tu começaste, presumo que não houvessem
muitas mulheres a tocar. Como foi essa experiência P!
no feminino?
BR Quando ia tocar a discotecas de província ou terras a
norte, discotecas no meio do nada, meios mais pequenos,
as pessoas achavam graça porque nunca tinham visto
uma miúda a tocar. Sempre fui bem recebida.
Nunca levei o djing muito a sério, porque trabalhava
em mais mil e umas coisas, estudava. Era mais uma
coisa que eu fazia, mas não me dedicava a 100%. Eu
não levava aquilo muito a sério e acho que os meus
colegas também não me levavam muito a sério, mas
sempre gostaram de tocar comigo e tudo. Eles depois
também começaram a fazer disso profissão e eu depois
parei. Tive o meu primeiro filho, tinha acabado o meu
curso e comecei a trabalhar nine to five, portanto já
não dava para mais.
Pacha Ofir was our youth madness.
That first year of Pacha was really
good for everyone. It was great fun,
every weekend we left Lisbon to go
to Ofir. Later, that also contributed to
the widening of the community that
followed the parties, Dance Music
culture and the DJs. For those who
lived the first year of Pacha, it was
really something remarkable.
When you started, I presume there
were not many women playing. How
was your experience as a “girl” on
the scene?
BR I remember that sometimes I was
playing on smaller clubs or on the
northern part of Portugal, and people
were amused because they had never
seen a girl playing. But I was always
welcomed. I also never took djing
very seriously, because I had other
stuff to do, I studied, and that was one
more thing I did and I did not dedicate
myself 100% to it.
I didn’t take it
very seriously
nós temos uma sorte em Portugal...” porque temos
DJs muito bons e com muito bom gosto. Em Ibiza
constatei isso. Depois, de vez em quando, saía, ia às
festas. Sempre gostei de dançar e era uma coisa que era
importante. Não o fazia sempre, porque o meu filho
também era pequeno, mas fui sempre saindo.
P!
BR
was looking after him, and we went
to Ibiza for the first time in 1996. We
went with some friends in their four
wheelers and we later caught the boat
to Ibiza. We got there and the first day
was great... the beach and the sun.
From the second day onwards, we
got hit by the worst storm in Ibiza
in twenty years. So what did we do?
Dinners, lunches and discos. I was so
very disappointed because the only
place where I heard good music was
at Space, in the morning. Besides,
there was a bar where really cool
people used to hang out called KM 5,
but it all about trance and it was a bit
tiring for me.
Was the seed already there?
Yes, and very bad music. I would
say: “We really are lucky in Portugal”
because we have very good DJs with
great taste.” Ibiza made me realize this.
Once in a while, when I would go out to
parties, I always liked to dance and it
was something that was important for
me. I didn’t do it all the time because
my son was younger, but I’ve kept on
going out over the years.

P! Em 1995 afastas-te da noite. Continuaste a acompanhá-la?and I don’t think

BR No primeiro ano praticamente
não acompanhava, a não ser que
me aparecessem em casa em
after. Chegavam e eu: “na boa
ponham lá música”. E acabava a
ser divertido. Eu não estava nessa
onda, mas divertia-me sempre
porque são meus amigos.
P! E, eventualmente, não sentias falta?
BR Estava muito ocupada com o meu filho. Mas lembro-
me que quando ele tinha para aí um ano fomos
quinze dias a Ibiza pela primeira vez, em 1996.
Fomos com uns amigos, nos jipes deles, e apanhámos
depois o barco para Ibiza. Chegámos lá, e o primeiro
dia foi óptimo. Praia, sol... A partir do segundo,
apanhámos a pior tempestade que houve em Ibiza
desde há vinte anos. A nossa vida eram jantares,
almoços e discotecas. Fiquei tão desiludida porque
o único sítio onde ouvi boa música foi no Space,
de manhã. De resto, havia um bar que era giro em
termos de gente que era o Km5, mas tinha muito
Trance e era um bocado cansativo para mim.
P! Já lá estava a semente?
BR Sim, e música muito má. Eu dizia: “Realmente
my colleagues
took me too
seriously either,
but they always
liked me and
always liked
playing with me
and everything.
That’s it, they also began to make
a profession out of Djing, and I then
stopped. I had my first child and also
finished my course and I started
working 9 to 5 and so I could not give
more.
P! In 1995, nightlife and you drifted apart.
BR In what way did you continue to keep
up with nightlife?
In the first year, I literally didn’t unless
my friends showed up at my house
after hours. It happened a few times
and I was like “go ahead, put some
music on”. And it turned out to be
fun, I was not on that wavelength but
I always had fun, because they are
my friends.
P! And, eventually, didn’t you miss it?
BR I was very busy with my son... But I
remember... he was about 1 and my
great friend who is his godmother

30 ENTREVISTA//INTERVIEW BELITA RIBEIRO, a cúmplice do acaso//BELITA RIBEIRO, an accomplice of chance 31

#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 30-31 24/03/2020 12:13

 ZÉ SALVADOR,
a propósito do
Urban Sound
IMAGENS//IMAGES: archive of Urban Sound
Zé Salvador é uma figura
incontornável na cultura de clube do
nosso país - as suas noites no Urban
Sound ainda nos anos 90, o papel
na Carpet & Snares, a fundação do
Brownie, a sua presença regular nas
festas da Bloop e no Indústria - e
desde 1994 é uma das personalidades
mais carismáticas e reconhecidas
na comunidade de dança pelo seu
conhecimento e esforço na partilha
das suas músicas preferidas com
a pista. Começando no Porto,
encontrando depois um abrigo na
Zambujeira do Mar e passando
finalmente para Lisboa, convidámo-
-lo para falar um pouco sobre a sua
experiência transversal enquanto
promotor, disc-jockey e gestor de lojas
de discos.
32
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 32-33
Zé Salvador,
about Urban
Sound
Zé Salvador is an outstanding figure in the
clubbing culture of our country - due to his
nights at Urban Sound during the 90s, his
role at Carpet & Snares, founder of Brownie
and being a regular at Bloop’s parties
and ​Indústria ​- since 1994 he has been
one of the most charismatic personalities
in the Dance Music community, gaining
recognition due to his knowledge and
effort in sharing his favourite tracks on the
dance floor. Starting from Oporto, finding
shelter in Zambujeira do Mar and after that,
in Lisbon, we’ve invited him to talk a bit
about his experience as a promoter, DJ and
record store manager.
PISTA! When did you start to play?
Zé Salvador I started playing in
1994. At the time, it was almost as
a joke, I used to play music at a bar,
Glam Disco, with a mixed crowd which
was mainly gay, on Sundays. I didn’t
have records, it was basically CDs and
compilations that I bought to have
at home. One day, the resident DJ
couldn’t be there and they asked me
to fill in for him. I did, it was great and
from then on things started unfolding.
After that I played at ​Café da Praça ​and
I was there for two years. In 1997 we
opened Urban Sound.
P! We listened to an interview of your on
the show ​Paraíso ​where you said that
you started to play a style that you
weren’t able to find at the time. Where
did you find the music you played?
ENTREVISTA//INTERVIEW URBAN SOUND, à conversa com Zé Salvador // a conversation with Zé Salvador 33
24/03/2020 12:13
 PISTA! Quando começaste a tocar? ZS
Zé Salvador Comecei a tocar em 1994. Na altura
quase por brincadeira, punha música num bar, o Glam
Club, com mistura de público, mas mais direccionado
para o público gay, aos domingos. Nem tinha discos,
era com CDs e compilações que comprava para ouvir
em casa. Houve um dia onde o DJ residente não podia
ir e pediram-me para o substituir. Fui, correu bem e
a partir daí a coisa foi crescendo. Depois passei para
o Café na Praça e estive aí durante dois anos a pôr
música. Em 1997 abrimos o Urban Sound.
P! Ouvimos a tua entrevista para o programa da Paraíso
e disseste que começaste a tocar um estilo que não
encontravas tanto no panorama de então. Que estilo
era esse?
ZS Sempre tive uma abordagem muito própria à música
– seja Rock, Pop, Disco, House. Mas na altura
trabalhava à noite e comecei a pôr música por hobby.
A partir de 97 a coisa ficou mais séria. Houve algumas
pessoas que começaram a ouvir um determinado
tipo de música – Hip-House, Disco, a cena inglesa de
Nu-Disco . E mesmo no que toca ao House, era um
género musical com que a maior parte das pessoas
não estava familiarizada. No início foi complicado
fazer desse género o meu estilo de música.
P! Em 1997, depois do Café na Praça, na praia da Luz, quais
foram as motivações para começar o Urban Sound?
ZS O Xani (que então era meu agente e mais tarde, sócio
fundador do Urban Sound) dava-se bem com o
António Cunha, dono da Kaos e sócio do Tó Pereira
que sempre esteve envolvido na noite. Quando ainda
estávamos no Rocks, o Xani foi de Coimbra para o
Porto e conhecemo-nos numa das festas da Kaos nos
castelos; ficámos amigos, ele foi viver para o Porto e
começou a trabalhar no Rocks na parte de publicidade.
Na altura achávamos que havia público com interesse
para mais tipos de música que não havia nos clubes da
altura (Rocks, Indústria e Swing).
Decidimos tentar fazer uma coisa nossa: por
intermédio de um amigo, que se mudou para o Brasil,
ficámos com o Menos que Zero, o bar oficial do
Fantasporto. Decidimos então abrir o Urban Sound,
em Novembro de 1997. Tínhamos uma programação
mensal, o que nos diferenciava, porque até aí ainda
nenhum bar apresentava programação mensal.
Além dos portugueses tínhamos
dois/três DJs internacionais por
mês, e aí surgiu a necessidade de
criar uma agência – a Bassline.
P! Qual foi o impacto que o vosso espaço teve inicialmente?
ZS Na altura, quando abrimos, havia sítios óptimos no
Porto, mas não havia um sítio com este género de
34
#00_ENTREVISTAS_parte2_REV.indd 34-35
I’ve alway had a very personal
approach to music - be it Rock, Pop,
Disco, House. But at the time I worked
at night and I started to play music
as a hobby. After 97 things got more
serious. There were some people that
listened to a certain genre of music -
Hip-House, Disco, English Nu Disco,
and even when it came to House there
was a certain genre in the spectrum
that people weren’t really into. At the
beginning it was complicated making
that genre my style of music.
P! In 1997, after C ​ afé da Praça, i​n​Praia
da Luz, what was the motivations to
ZS
start Urban Sound?
Xani got on well with António Cunha,
owner of Kaos and Tó Pereira’s
partner: he had always had something
to do with nightlife. When we were still
at Rocks, Xani went from Coimbra to
Oporto and we met at one of Kaos’
parties at a castle; we became friends,
he moved to Oporto and started
working at Rocks doing advertising
for them. Back then we thought there
was public interest for more genres of
music that weren’t played in the main
clubs (such as Rocks, Indústria ​ and
Swing). We decided to give it a try and
start something of our own: through
a friend, who had moved to Brazil,
we took over Menos que Zero, the
official bar of Fantasporto. We decided
to open Urban Sound, in November
1997. We had a monthly agenda, which
made us stand out, because up till then
nobody had one. Besides Portuguese
DJs we had two or three international
DJs a month, and that’s when there was
the need to create an agency - Bassline.
P! And what was the impact of the venue?
ZS Back then, when we first opened, there
were many great places in Oporto,
but there wasn’t a place with the kind
of music we wanted to showcase to
people. People loved it. We had the
people we wanted to have in the bar - the
ones who believed in it and that came to
realize that the music was different and
that it could work. It got to the point that
Urban Sound had become too small, we
had more people than room to welcome
them. We had 100 people inside and
100 people outside the bar.
P! Being a programmer and a resident DJ,
did you look for DJs across the country
to play at Urban Sound?
ZS Yes, and I always careful about it.
After opening the bar, we had an idea
which we implemented and that, over
time would became more embracing.
We had a Drum & Bass night, a Disco
night, a Big Beat night and we got
DJs from all over playing a big array
of genres - foreigners and portuguese
people, north to south.
ENTREVISTA//INTERVIEW
música que queríamos mostrar às pessoas. As pessoas P!
gostaram imenso, tínhamos as que queríamos ter no
bar, as que acreditavam naquilo e foram percebendo ZS
que a música era diferente e que poderia funcionar.
Chegou ao ponto de o Urban
Sound ter ficado pequeno.
Tínhamos mais pessoas do que
espaço para as receber. A dada
altura tínhamos 100 pessoas lá
fora e 100 pessoas dentro do bar.
P! Sendo programador e residente procuravas também P!
DJs do resto do país para tocar no Urban Sound?
ZS
ZS Sim, e sempre tivemos cuidado com isso. Depois de
abrir o bar, tínhamos uma ideia que fomos tentando
implantar, e ao longo do tempo fomos ficando mais P!
abrangentes. Tínhamos uma noite de Drum & Bass,
uma noite de Disco, uma noite de Big Beat, e fomos
ZS
buscar disc-jockeys de todo o lado e de todas os tipos
de música - estrangeiros e portugueses, de norte a sul.
P! Qual foi o momento onde perceberam que valia a pena
trazer artistas que vos diziam tanto como os Idjut Boys?
ZS Foi no Urban Sound quando o Harvey tocou noutra
festa com o Cunha e com a Kaos. Os estrangeiros
sempre foram uma aposta que quisemos fazer desde
o início, um bocado com a ajuda do Pedro Tenreiro,
que trabalhou dois anos na Valentim de Carvalho. Na
altura um bocado influenciados pelos discos que se
vendiam na Kami Khazz, sendo o Pedro o importador
de Música de Dança da Valentim de Carvalho. Em 1997
sempre quisemos ter esses DJs: Harvey, Streetcorner
Symphony, Idjut Boys. Depois a coisa foi mudando,
e aquela cena de Nu-Disco inglesa foi perdendo um
bocado de força e a música foi evoluindo.
P! Qual foi o vosso primeiro booking internacional?
ZS Foi o Quakerman, da Fiasco Records. Foi o nosso
primeiro convidado internacional. Foi muito bom, e
na altura era tudo novo para nós, como o fenómeno
de ir buscar um DJ ao aeroporto, por exemplo. Mas
fomos aprendendo e adaptando-nos e correu muito
bem. O Urban Sound teve sempre uma ascensão boa.
P! Tiveram problemas em termos de público com a
mudança de espaço do Urban Sound?
ZS Foi óptima a primeira mudança, quando saímos do
Menos Que Zero e passámos para o Twins (um clube
muito antigo já na Foz, ainda na marginal). Estava
gasto e moribundo e mudámos o espaço para o pôr
URBAN SOUND, à conversa com Zé Salvador // a conversation with Zé Salvador
When did it hit you that maybe it would
be worth it to bring artists who were
very dear to you such as Idjut Boys?
It was at Urban Sound when Harvey
was playing at another party with
Cunha and Kaos. We wanted to bring
international DJs from the beggining,
with the help of Pedro Tenreiro, who
worked for two years at V ​ alentim de
Carvalho. ​At the time, I was influenced
by the records sold at Kami Khazz,
and Pedro who was the Dance Music
importer for V ​ alentim de Carvalho. I​n
1997 we wanted to have those DJs:
Harvey, Streetcorner Symphony, Idjut
Boy. After that things changed, and
that English Nu Disco scene lost its
strength and music kept on evolving.
What was your first international
booking?
It was Quakerman, Fiasco Records.
He was our first international guest.
It was really good, and back then
everything was new to us like
picking up the DJ from the airport,
for example. We kept on learning
and adapting and everything went
smoothly. Urban Sound had a
good build up.
Were there any problems when it
comes to the public with Urban
Sound’s change of location?
The first change was great, when
we left Menos que Zero and moved
to Twins (an old club at Foz​). It was
decadent, dying and we changed it to
make it our own. But, two months after,
we had issues with the owner because
we wouldn’t let everybody in, and the
owner didn’t understand why on earth
we were leaving fifty people at the
door when there was enough room
inside. Fifty people meant a thousand​
escudos ​ each. We stayed there for
three months and we had to leave
and it really was a shame because the
venue was great. Likely, the perfect
venue for Urban Sound. Our stay in the
basement at Voice was Urban Sound’s
worst phase. The music was very
different, everything was different,
there were a lot of parties outside the
club circuit and we got lost. We got
invited to move to Swing and that was
a massive change because it was an
eight-hundred people venue.
35
24/03/2020 12:13
 à nossa maneira. Mas ao, fim de dois meses, tivemos
problemas com o dono do espaço porque cortávamos
muito na porta, e na altura o dono não entendia o
facto de deixarmos de fora cinquenta pessoas com
espaço para entrarem. Cinquenta pessoas para ele
eram mil escudos cada uma. Estivemos lá três meses e
tivemos que sair, e foi pena porque o sítio era óptimo.
Provavelmente o espaço perfeito para o Urban Sound.
A nossa estadia na parte de baixo do Voice foi a pior
fase do Urban Sound. A música estava diferente,
tudo estava diferente, com muitas festas a acontecer
externas aos clubes, e perdemo-nos um bocado.
Depois tivemos um convite para ir para o Swing, e
foi uma mudança radical porque estamos a falar de
um sítio para 800 pessoas. Foi óptimo, convidámos o
Darshan, dos Metro Area, para fazer a inauguração e
nem nós estávamos à espera de tanto. Oito meses de
intervalo e foi uma surpresa para nós.
P! Guardas algumas referências de lojas de discos dessa
altura em que tocavas no Porto?
ZS A Ilegal, a World Music, Discomundo, a Matéria
Prima, a Bimotor do Carlos Manaça. Todas as lojas
de discos são importantes e cheguei a ajudar e a ser
amigo de todos. Para seres DJ tens que saber o que é
movimentar-te numa loja de discos. No Porto havia
um centro comercial que era o Parque Itália, na
Boavista, e as lojas estavam todas lá – a própria Leonor
Galvão da Matéria Prima tinha uma loja nesse centro
que vendia Hip-Hop, Reggae, Dub e toda a gente se
concentrava lá. A cada dia cruzavas-te com gente da
música. Havia também a Kami Khazz, das lojas mais
importantes e também onde comecei a comprar mais
discos, também porque trabalhava lá.
P! Trabalhaste na Valentim de Carvalho – chegaste a
envolver-te com mais editoras?
ZS Não, estive lá em 1999 e 2000. A Valentim de Carvalho
vendia vinil numa loja aqui em Lisboa – onde é a Flur
agora - que era, a “Kami Khazz de Lisboa”. Importávamos
a música aos armazéns aos quais tínhamos acesso, a
música chegava e tentávamos seleccionar. Na altura não
me envolvi com mais editoras.
Tens histórias de raves durante a tua estadia no Porto?
P!
ZS Posso dizer que a melhor festa foi a Feira Virtual,
em 1992, feita pela Kaos e pelo Cunha, um dos
impulsionadores disto tudo, no castelo de Santa Maria
da Feira. Foi a melhor festa de todas, sem dúvida, e foi
no norte. Tocou o Jay Dee, do tema Plastic Dreams, o
Tó Pereira, o Luís Leite. Para mim foi a melhor festa de
sempre: duas mil pessoas, todas coloridas.
P! Em que ano deixaste o Porto, e como é que se
encontrava a noite quando o deixaste?
ZS Quando o deixei havia mudanças, como o Electroclash,
e as pessoas dispersaram um bocado. Havia públicos
apaixonados por editoras novas como a DFA, e ficou
tudo meio baralhado, mesmo para nós, porque a
dada altura quando tocava fazia os dois géneros –
36
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It was awesome,
we invited Darshan
from Metro Area to
play at the opening
and we weren’t
expecting all of
what happened.
An eight month
break and it was a
surprise for us.
ENTREVISTA//INTERVIEW
P! Do you keep any record store
references from that time when you
ZS
used to play in Oporto?
There was ​ Ilegal, ​World Music,
Discomundo, ​Matéria Prima ​- all those
record stores are important and I
helped and became friends with all of
them. In order to be a DJ you need to
know how to navigate a record store.
In Oporto there was a mall, P
Itália, ​
​ arque
in Boavista, and all the stores
were there - Leonor Galvão from​
Matéria Prima h ​ ad a store in that mall
which sold Hip-Hop, Reggae, Dub and
everybody used to go there. Whenever
you went there you’d bump into music
people. There was also Kami Khazz,
one of the most important stores
and where I started to buy records
because I worked there. Bimotor from
Carlos Manaça. All DJs at the time
worked in stores and we got along. It’s
something that got lost, there aren’t
many in Lisbon. People need to hang
out and share, it’s a centerpiece in our
culture and I’m glad it still happens.
P! You worked at ​Valentim de Carvalho -​
did you get involved with more labels?
ZS No. I was there in 1999 and 2000. VdC
sold vinyl in a store in Lisbon - where
Flur is at the moment - which was the
“​
Kami Khazz in Lisbon”. We imported
music from big distributors taht we
could reach and selected it. I didn’t get
involved with more labels.
P! Do you have rave stories from your
stay in Oporto?
ZS I can tell you that the best one was​
Feira Virtual, ​in 92, thrown by Kaos and
Cunha, one of the pioneers in all of
this, at ​Santa Maria da Feira’s ​Castle.
It was the best party, without a doubt,
and it was in the North of Portugal. Jay
Dee from Plastic Dream played, Tó
Pereira, Luís Leite. Personally I think it
was the best party ever: two thousand
people, all of them colourful.
P! When did you leave Oporto and how
was the nightlife when you left?
ZS When I left there were a lot of changes,
such as Electroclash, and people
dispersed a bit. There were audiences
who were in love with new publishers
like DFA, and everything was all over
the place, even for us because when
I’d play, I’d play both genres - House
and Techno. But the truth is that
Electroclash remained and there
were great nights within that register.
Afterwards there was a transition
to minimal because House was at
a sort of standstill and Electro and
Electroclash were a breath of fresh air.
P! Taking into account your work at Carpet
& Snares, what were the main differences
between the consumer and the listener
from back then to nowadays?
URBAN SOUND, à conversa com Zé Salvador // a conversation with Zé Salvador 37
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 House e Techno e bebia um bocadinho essa parte. ZS
Mas a verdade é que o Electroclash ficou e houve
noites óptimas dentro desse registo. Depois houve
um bocadinho a transição para o minimal, porque o
House estava um bocado em banho-maria, e o Electro
e Electroclash foram uma lufada de ar fresco para sair
daquele marasmo.
P! Tendo em conta o teu trabalho na Carpet & Snares,
quais são as diferenças entre o público consumidor e
ouvinte da altura e agora?
ZS Há muitas, as pessoas agora são mais informadas. Na
altura a internet estava a começar, hoje em dia estão P!
ZS
mais dentro do que se passa. Agora temos imensas
lojas, revistas, blogues, a informação é completamente
diferente do que era na altura. Está tudo mais atento
hoje, enquanto que na altura meia dúzia de pessoas
sabiam o que se passava. Cada vez há mais gente nova
a comprar discos - na altura quem comprava discos
eram os DJs.
Todos os DJs da altura
trabalhavam nas lojas de discos e
dávamo-nos bem. Foi uma coisa
que se perdeu e agora em Lisboa
há poucas. É importante que as
pessoas convivam e partilhem,
é uma peça fundamental no
meio disto tudo, e é bom que se
continue.
P! Guardas saudosismo desses tempos?
ZS Guardo, claro. Mas o que aconteceu nunca mais vai
ser igual. Quem lá esteve, esteve e daqui a 15 anos
se calhar vão dar-te a mesma resposta. Mas foi tão
bom há 20 anos atrás como é agora, e é isso que me
move, porque se visse que não haveria retorno, parava.
Continuo a gostar tanto do que faço tanto como
nos dias do Urban Sound. Ainda há pouco tempo
estive numa festa da Flow, ali nos Montes Claros em
Monsanto, com o DJ Pena e a Vanessa Kokeshi - foi
óptimo! As coisas são diferentes, houve festas óptimas,
mesmo à séria, que mesmo para nós na altura faziam-
-nos perguntar “o que é isto?” Mas tenho memórias de
há 15 dias de uma festa muito boa. Que haja miúdos
novos a comprar e a produzir, os novos aprendem
connosco mas nós também aprendemos muito com
os mais novos.
There are many, people are more
informed nowadays. Back then the
internet was just getting started,
and nowadays people know what’s
going on. Now we have lots of stores,
magazines, blogs and the information
available is totally different. Everyone
pays more attention nowadays, while
back then half a dozen people knew
what was going on. There are younger
and younger people buying records -
back then the only people who bought
records were DJs.
Do you miss those times?
Of course I do. But what happened,
happened and it’s never going to be
the same.
In 15 years, people
will probably give
you the same
anwer. But it was ANUNCIE AQUI
as great 20 years
ago as it is now, ADVERTISE HERE
and that’s what
keeps me going.
pista.magazine@gmail.com
Because if I saw
there was positive
feedback, I’d stop.
I still enjoy what
I do as much as
I did on Urban
Sound days.
Not long ago I was at a Flow party, in​
Montes Claros ​ in Monsanto, ​ with DJ
Pena and Vanessa Kokeshi - it was
awesome! Things are different, there
were great parties, for real, that made
us wonder “What is going on?”. But
I can recall a great party I went to a
few days ago. There are kids out there
buying and producing. They learn from
us but we also learn a great deal with
them.

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 PISTA!
EXPERIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DE CLUBE
CONTEMPORARY CLUB EXPERIENCES

EDIÇÃO #00 FUNDAÇÕES

MAIO 2018

DIRECÇÃO//DIRECTED BY
Diogo Vasconcelos

REDACÇÃO//WRITTEN BY
André Florêncio, Diogo Vasconcelos, Tomás Freitas

DIRECÇÃO DE ARTE E DESIGN//ART DIRECTION AND DESIGN BY

Diogo Vasconcelos, Mariana Freitas

FOTOGRAFIA//PHOTOGRAPHY BY
Diogo Vasconcelos

COLABORAM NESTA EDIÇÃO//WITH THE COLABORATION OF

Bernardo Bertrand, Gustavo Sampaio, João Xavier, José
Moura, Mariana Pinho

AGRADECIMENTOS//SPECIAL THANKS TO
Alcides Sousa, Alex FX, António Guimarães, Belita
Ribeiro, Débora Zita, Dinis Neto, Flur Discos, Gonçalo
Neto, Impasse - Apparel & Sneakers, Isilda Sanches, João
Curiti, João Ervedosa, João Pedro Pires, Johnny, Lux
Frágil, Maus Hábitos, Neuza Rodrigues, Passos Manuel,
Pedro Tenreiro, Peekaboo Records, Rob Di Stefano, Rui
Miguel Abreu, Rui Murka, Rui da Silva, Rui Vargas, Tiago
Manaia, Tiago Miranda, Yen Sung, Zé Pedro Moura e Zé
Salvador.

TRADUÇÃO//TRANSLATION
Rafael Braz

IMPRESSÃO//PRINTED AT
Rough ‘Nough

TIRAGEM//CIRCULATION
200

CONTACTOS//ADRESSES
pista.magazine@gmail.com
www.pistamagazine.com

/pista.mag

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