Sociologia - Georg Simmel

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Georg Simmel (868-1918) construiu, desde 0 inico de sua vida intelectual, ainda ha ultima década do séoulo passado, um renome internacional. Os seus primeiros ensaios foram traduzidos @ oublicados diretamente nos melhores periddicos franceses e americanos de Sovivlugie e Filusofia, Viveu o periode o borante do rovo pensamento eleméo, com o neokantiemo a frente, no qual pontificaram Dil. they, Windelband, Ficker,, Ténnies, Trooltsch a, Wober, de quem foi amigo pessoal @ a quen in: fluencicu, De grande brilhe intelectual, percor fou praticamente todos os campos das Ciénc'as Sociais, sendo considerado um dos fundadores da Sociologia deste século, com grance divulga- G0 € aceitagao nes atuais correntes sccioldgicas americenas. Peo textos deste volume constat ~se © validade d2 sue contribuigio, principal: mente no que diz rospeite 8 anélise do intoragio © dos processor sociais em geral, com destaque para o processe socal do conflito. GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Texlos bisicos de Giencizs Sociais, selecionados com a supervisio geral do Prol. Florestan Fesnandes Abrangendo seis discipinas fundamentals da ciéncia social Sociologia, Historia, Economia, Psicologia, Poliica e Aniropolog.a a colecao apresenia os autores ‘mocernos € contemporaneos de maiae destaque mundial, focalizados através de introducao ailica ¢ biobibliog afca, assinada por especialistes da universidade brasileira Nessa introdugao critica segue-se uma coleténea dos textos mais representativos de cada autor. 34 Simmel Organizador: Evaristo de Moraes Filho Coordenador: Florestan Fernandes OUTnnL Auter: Simmel, Georg, 1388-1918 at mn GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Colecso coordenada por Florestan Fernandes 4. DURKHEIM José Albertina Rodrigues 2, FEBVRE Carlos Guilherme Mota 3. RADCLIFFEBROWN Julio Cezar Melati 4. W. KOHLER Arno Engelmann 5. LENIN Florestan Fernandes 8. KEVNES. Tamas. Semrecsényi 7. COMTE Evaristo de Moraes Filho 8. L, von RANKE Sérgio B. de Holanda 9, VARNHAGEN Nilo Odalia 10. MARX (Sociologia) | Octavio lanni 14, MAUSS Roberto C. de Oliveira | 42, PAVLOV | Isaias Pessotti 42, MAX WEBER Gabriel Cohn 14, DELLA VOLPE | Wileon J. Pereira | 15, HABERMAS Barbara Freitag © Sérgio Paulo Rou 16. KALECKI t Jorge Miglioli 47, ENGELS t José Paulo Netto 18, OSKAR LANGE | Lenina: Pomeranz 19. CHE GUEVARA Eder Sader 20. LUKACS Jase Paulo Netto 21. GODELIER Edgard de Assis Carvalho 22, TROTSKI Orlando Miranda | tC livraria | técnica Lives Escolaes & Uiverstros CLS 102 -Bloco A-Loja 17 © 2 Fores: 224-1658 - 225-8906 ¢ 226.7719 ratte = DF 23, JOAQUIM NABUCO Paula Bolguelman TEXTO Consultoria geral Plorestan Fernandes Coordenagio editorial M, Carolina de A. Boschi ‘Tradugio Bvaristo de Moraes Filho, Carlos Alberto Pavanelli, Otto E. W. Maas, Dinah de Abreu Azevedo Copidesque Danilo A. Q. Morales ARTE Coordenasaio Anténio de Amaral Rocha Layout de capa Elifas Andreato ‘Arte-final René Btiene Ardanuy Producio griflea Elaine Regina de Oliveira Foto da capa: Roberto Faustino/F4 (CUP-Bemk. Catlogacéons Puzasso ‘Gimirs branes’ do Evo, SP seine Babes Sime *sounlogia | orgaiandor (4p coletina) Evarco| be Moraes Tho; (adbgtg' de ‘Carfos Alber Pavaell' =. ot lf = MePaalo Aden 18 Grandes clemises sociis | 4) Inch intogigio sabre Georg Simmel yor Evarso de Morses Fina Bvarlta dey 114 Th Til. 7 cpp—01 1 Sociologia 201 1983 Todos os direlts reservados pela Editora Atica S.A 'R. Bardo de Iuape, 110 — Tel: PABX 278-9322 . Postal 8656°— End. Telegrdfico “Bomlivro” — S. Paulo SUMARIO INTRODUGAO Formalismo sociolégico @ a teoria do conflito (por Evaristo de Moraes Filho), 7 |. GERAL — PROBLEMAS METODOLOGICOS FUNDAMENTAIS 1. Como as formas sociais se mantém, 46 2__ 0 problema da Sociologia, 59 3._0 campo da Sociologia, 79 4. A concepodo vitalista € mecanicista da compreensai ll. ESPECIAL — INDIVIDUALIDADE, INTERACAO, TIPO SOCIAL '5._A determinagéo quantitativa dos grupos sociais. 90 6._Superordenagao @ subordinagio — Introdugao, 107 7. 0 efeito da subordinagao sob 0 principio das relagdes entre superiores e subordinados 115 &_A natureza socioldgica do conflito, 122 ‘9._A competicao, 135 10._Conflito @ estrutura de grupo, 150 1, Sociabilidade — Um exempio de sociologia pura ou formal, 165 12, 0 estrangeiro, 182 INDICE ANALITICO E ONOMASTICO, 185 Textos para esta edisio extraidos di SIMMEL, G. Soziologie. Untersuchungen uber die Formen der Vergeselischaf- tung. 5, ed, Berlim, Duncker & Humblot, 1968. —. Grundfragen der Sotiologie. 3, ed. Berlim, Walter de Gruyter, 1970. —. Vom Wesen des ihistorischen Verstehens. Berlim, Ernst Siegfried Mittler & Sohn, 1918. — Conflict & The web of group-affiliations. Nova York-Londres, The Free Press ¢ Collier Macmillan Publishers, 1964. Worrr, Kurt H., org. The sociology of Georg Simmel. Nova York-Londres, ‘The Free Press ¢ Collier Macmillan Publishers, 1966. L’Année Sociologique. Diego de Emile Durkheim. Paris, v. I, 1898. INTRODUCAO Evaristo de Moraes Filho Licenciado em Filosofia Livre-Docente de Sociologia ¢ Catedrético de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro FORMALISMO SOCIOLOGICO E A TEORIA DO CONFLITO 1, Vida e época. Georg Simmel nasceu em Berlim, a 1.° de marco de 1858, no seio de uma familia judia, Seu avo, Iseak Simmel, natural de Dyhemfurth, era um comerciante bem-sucedido, Deslocou-se para Breslau, onde por volta de 1840 recebeu o titulo de cidadio dessa cidade, Seu filho, Edward, pai de Georg Simmel, nasceu em Breslau em 1810, vindo a dedicar-se também ao comércio, sob a firma “Felix und Barotti", como fabricante de chocolate. Casou-se muito jovem, em 1838, com Flora Bodstein, da mesma cidade, também de familia judia. Simmel foi © mais jovem, 0 Gtimo, de sete irmaos, um menino ¢ cinco. meninas. Falecendo-lhe 0 pai em 1874, um amigo da familia, dedicado a negécios de edigdes musicais, Julius Friedliinder, foi nomeado seu tutor. Muito representou este tutor na formagio espiritual de Simmel ¢ no seu amor pelas coisas das artes ¢ da mésica. Com sua morte, herdou Simmel uma heranca considerdvel, que lhe permitiu entregar-se & carreira académica, sem qualquer dependéncia econdmica a alguém ou a uma instituigio. ‘A sua dissertagdo doutoral (1881) 6 oferecida a esse bom tutor, “com gratidio © amor”. Seus pais eram convertidos ao protestantismo, ¢ nessa religiéo foi Simmel batizado, sem que chegasse em qualquer época a dedicar-se a alguma prética judaica. Quando de sua inscrigio a dissertagdo doutoral, deixara escrito no seu curriculo em latim: “Fidem profiteor evangelicum” Ingressara Simmel na Universidade de Berlim, com dezoito anos de idade, ‘matriculou-se a principio nos cursos de histéria, pasando pouco depois para os de filosofia, a despeito de haver sido aluno do grandé ‘Theodor Mommsen, que muito o impressionara. Foram seus professores univer- sitérios, nas duas carreiras: Theodor Mommsen, Johann Droysen, Heinrich von Sybel e Heinrich von Treitschke, em historia; Moritz Lazarus, Hajim Steinthal € Adolf Bastian, em psicologia ¢ etnologia; Friedtich Harms ¢ Edward Zeller, em filosofia; Herman Grimm, em histéria da arte. Recebeu o titulo de doutor em filosofia, no ano de 1881, com uma dissertacio sobre A natureza ‘da matéria segundo a monadologia fisica de Kant, de 34 paginas. Como contribuigo “minor”, coube-lhe escrever sobre Petrarca. 1.1, Permanecendo em Berlim depois de diplomado, foi designado quatro anos mais tarde, em 1885, Privatdozent na universidade, funcéo que ocupou até 1900, por longos quinze anos. Livre-docente, ou confe- rencista, nada recebia Simmel diretamente dos cofres da instituicdo. Seus ganhos, parcos ¢ aleat6rios, limitavam-se & contribuicao das taxas dos alunos inscritos em seus cursos. Promovido a Ausserordentlicher Professor (professor extraordinétio), j aos 42 anos de idade, em nada sé alterou 4 sua situagdo de marginalidade nos quadros permanentes da universidade. Como 0 anterior, esse novo cargo era também de natureza puramente honorifica, sem qualquer seguranca administrativa nem financeira. Exer- ceu-o Simmel por mais catorze Iongos anos. No ano em que comecava a guerra, foj ele convidado, finalmente, para titular da cétedra, em tempo integral, na Universidade de Estrasburgo, cargo que desempenhou até a sua morte, de cancer de figado, a 28 de setembro de 1918, Casara-se Simmel em 1890 com Gertrud Kinel, moca de cultura, diplomada pela universidade ¢ filha de pais catblicos, que nfo Ihe deu filhos. 1.2. Tema obrigat6rio de todos os bi6grafos de Simmel é 0 que diz respeito sua marginalidade ou a sua inexpressividade oficial diante da vida universitéria alemé, notadamente perante a Universidade de Berlim, na qual se formou e na qual se iniciou como professor. Antes, porém, de discutirmos as possiveis causas, é indispensdvel compor o quadro politico, social e cultural dos fins dos oitocentos ¢ as dias pri- meiras décadas dos novecentos, século atual. Os anos da virada do séeulo foram de grande criatividade espiritual na Europa Central, Basta recordar, como 0 faz Donald Levine, que foi a época que assistiu nascer a psicanélise, a teoria da relatividade, 0 positivismo légico, a fenome- logia,, a miisica atonal ¢ muitas outras manifestagdes literdrias filoséticas. Em Berlim levava-se uma vida de grande estilo cultural e de muita agitacio espiritual e artistica. Paul Honigsheim detém-se nessa heteroge- neidade de grupos, instituigées © movimentos culturais da época, Desta- cavam-se: A vetha Prissia, representada pelos proprietirios feudais, dominava 0 exército, a alta administragao e a igreja protestante oficial, conservadora com concess6es a0 anti-semitismo. Artesios € lojistas conservadores, protestantes, que aspiravam a uma sociedade pré-capitalista, organizada em corporagdes. Manifestavam-se contra 0 capitalismo, a economia monetéria e os judeus, como represen tantes méximos dessa economia, (Os novos industrialistas e comerciantes, que procuravam imitar os senho- res feudais, encaminhando seus filhos para a cavalaria e fazendo-os mem- bros de organizagées estudantis de duelo. Admiradores de Bismarck, eram favoraveis a0 nacional-liberalismo. Os liberais de esquerda, com influéncia somente no plano municipal Com simpatia para certas manifestagSes do protestantismo, inclinavam-se de modo geral para o naturalismo ¢ 0 realismo, fazendo alianga, nao aro, com 0s socialistas. Os socialstas reformistas, néio marxistas, recrutados entre os Ifderes sin- dicais © de movimentos cooperativistas. Sua concep¢o do mundo se aproximava muito da anterior, dos liberais de esquerda. A Universidade de Berlim, na qual se concentravam as grandes cabecas da época, era elitista € dava status a quem a freqientava. “Tornou-se, diz Honigsheim, uma posigio da moda e muito distinta para os filhos dos bem-sucedidos homens de negécios.” Em hist6ria, dividiam-se entre Ranke e Treitschke, voltados para a politica externa e os grandes esta- distas e generais. Schmoller era a figura dominante na economia, com grande énfase também dada aos estudos estatisticos. Nao se ensinava sociologia, sendo, pelo contrério, jé antiga a tradigdo universitéria do ensino da psicclogia, a principio matemética, logo depois experimental, com destaque para Wilhelm Wundt e Carl Stumpf. Em filosofia, ninguém superava Dilthey, na melhor tradigio do idealismo alemao. A cultura nao-oficial de Berlim, de concepcéo materiatista e mecanicista, tinha em Virchow um representante bem significative. Com os esquer- distas liberais e 0 socialistas, via na ciéncia natural “a religidéo de nossa época” e difundia a literatura realista de Zola, Ibsen, Bjérnson e Suder- mann. Inclufe-se nesta cultura Julius Lippert, grande popularizador do darwinismo soci © protesto anti-racionalista contra a urbanizacao, 0 racionalismo ¢ 0 ‘materialismo, vindo desde 0 romantismo alemao, passando por Scho- penhauer e Nietzsche. As duas figuras mais representativas deste movi- 10 mento foram Julius Langbehn, cognominado o “Rembrandt aleméo” © © poeta Stefan George. Pois bem, Simmel comecou pela “cultura néo-oficial de Berlim" @ terminou nos movimentos anti-racionalistas, sendo amigo pessoal de Stefan George, a quem dedica um dos seus tltimos livros. No inicio de sua carreira, Berlim e a sua universidade eram grandemente anti-semitas, sofrendo Simmel por ser judeu, ¢ assim discriminado. Por outro lado, no se identificava profundamente com nenhum dos grupos ¢ movimentos entao reinantes. Politicamente, nfo estava com a centralizagao imperial nem com o liberalismo capitalista, nem muito menos com 0 socialismo. Nos seus dois primeiros livros (1890 e 1892-3), sobre a diferenciagdo social ¢ a moral, andava Simmel bem proximo dos pensadores liberais independentes, darwinistas ¢ progressistas. Adotando um certo indivi- dualismo ético, negava 0 império absoluto da norma ética, cujo ritério devia ser autonémico, anti-racionalista e subjetivo. A ética existe, & maneira nietzschiana e vitalista, para servir & vida, como manifestacdo da propria existéncia, 1,3. De ascendéncia judaica, ndo considerava o protestantismo como possivel altemnativa; livre-pensador e critico dos valores dominantes na sua época, néo se enquadrava Simmel dentro dos rigidos padrdes da vida nacional e universitéria do seu tempo. E bem verdade que, no fim da vida, quando em Estrasburgo desenvolveu — como em outra parte fazia Weber — uma intensa campanha belicista, a favor do esforgo de guerra da Alemanha. Deu-se inteiro a estes propésitos, com confe- réncias, discursos, artigos, ensaios de toda sorte, mais tarde reunidos em livro. Escritor protifico, entregue aos mais variados assuntos, faitava-the uma certa disciplina académica. Tinha-se a impresséo de um diletante, ‘muito inteligente ¢ culto, verdadeiramente enciclopédico, brilhante, mas ciscador dispersivo de vérios terrenos. Foi inegavelmente um grande conferencista, prendendo ¢ empolgando 0 seu auditério — como o de Bergson em Paris, — predominantemente feminino. Gassen e Landmann transcrevem, na integra, uma carta de Simmel a Max e Marianne Weber, nna qual Iamentava nao terem estes conseguido uma cétedra para ele em Heidelberg, mas 08 motivos néo Ihe haviam causado nenhuma surpresa: "Em certos circulos, dizia ele, existe a impressio de que sou exelu- sivamente ctftico, até mesmo um espirito destrutive, e que minhas con feréncias levam unicaments & negagio. Talvez ew nfo precise the dizer que esta é uma inverdade abomindvel. Minhas conferéncias, como meu inteiro trabalho de muitos anos, tendem exclusivamente ‘em diresio pari a demonstragio de’ uma mais profunda compreensio do " mundo ¢ do espirito, com uma total renincia de polémica e de critica 1 respeito de teorias e condigSes divergentes. Quem compreende minhas conferénciss ¢ livros em geral, ndo pode compreendé-las de outra forma, No entanto, essa opinio existe h4 muito tempo. B meu destino. E estou convencido de que a ‘disposigdo desfavorivel’ do Ministeo se refere a alguma comunicagio de Berlim” Suas conferéncias abrangiam, praticamente, todos os aspectos da filosofia, desde a I6gica e a teoria do conhecimento até & ética © a metafisica, passando por temas de estética. Psicologia ¢ sociologia, filo- sofia da histéria ¢ religifo inclufem-se no seu universo de interesse universitirio. Nao devem ser esquecidas as suas grandes biografias, de Goethe, Schopenhauer, Nietzsche, Rembrandt ¢ Kant. Emil Ludwig, que foi seu ouvinte, compara-o a um dentista no aprofundamento do assunto, até atingir 0 proprio nervo da matéria em debate. George Santayana escrevia da Alemanha para William James, dizendo-Ihe que tinha “desco- berto um Privatdozent, Dr. Simmel, cujas conferéncias me interessam muito”. Entregue a esse seu mundo cultural, a0 contrétio de Weber ¢ da maioria dos seus colegas de profissio, nunca se interessou Simmel pela politica partidéria, nas suas manifestagées concretas do dia-a-dia, embora sempre se mantivesse atualizado com os acontecimentos poli- ticos e sociais do seu tempo. ‘Como jé dissemos, foi das mais ricas culturalmente a vida dos Impé- ios centrais na virada do século € nos anos que antecederam & guerra de 14, Simmel privou da amizade desses grandes espiritos. Com Weber © Tonnies, fundou a Sociedade Alema de Sociologia. As familias Weber © Simmel mantinham cordiais relagdes de amizade, com visitas reciproces. Foi também amigo pessoal de Stefan George ¢ Rainer Maria Rilke, correspondendo-se com Heinrich Rickert, Edmund Husserl e Adolf von Harnack, que muito se esforcaram, juntamente com Max Weber, por melhorar @ situago universitéria de Simmel, sem sucesso. Correspon- deu-se também com o escultor Auguste Rodin. Virtuose da palavra e do espeticulo, dele diz Lewis Coser, seu grande admirador: ‘Simmel ‘was somewhat of a showman” *, Para a vida ¢ época de Simmel, a conteibuicso mais importante sinda 6 o tivo editado por GasseN © Lanpwanw (Textos principais sobre G. Simmel:. 1958), ‘no qual nos socorremos do ensaio deste tltimo "Bausteine zur Biographie” (11-33). ‘ele se encontra a carta de Simmel aos Weber (127-8), Para a questio da universidsde, Coser (1971a) & exaustivo. E, de modo geral, para os temas tratados neste item 1, podem ser vistos: SpvxMtan’ (19252); WOLFF (1950), Howtosusin. (1953), WoLr® (1959), MARTINDALE (1961), G1DD=Ns (1971) © Srmassen (1978). ivertinge dn ea BISLZOTECA 12 2. Obra e idéias gerais. Ao contrévio do que aconteceu a Dilthey € a Ténnies ¢, de certa maneira, também a Weber, Simmel teve a sua obra divulgada em linguas francesa ¢ inglesa — notadamente nesta ‘iltima — desde os seus primeiros escritos. Muitos dos seus artigos eram publicados ao mesmo tempo no original e em tradu¢do, sendo que alguns deles apareceram antes em tradugéo americana, anunciando ser parte de livro em vias de publicagdo na sua lingua pétria. Sem nunca haver viajado para a terra de Small, seu principal divulgador em lingua inglesa — viagem levada a efeito por Sombart e Weber — era to comhecido nos Estados Unidos e mesmo na Franca como um natural desses paises. ‘Seu estilo e sua maneira de escrever muito o ajudaram nessa divul- gacdo, Praticamente, no hé um s6 comentarista seu que ndo the elogie © talento e o brilho, qualidades positivas, sem divida, mas traigoeiras no trato das coisas da ciéncia. De formacao filos6fica e literéria, alte- mente criativo, dotado de grande imaginagdo, eralhe fécil deixar-se levar livremente pelos temas estudados sem pressa de concluir nem de resumir a matéria tratada. Versétil, prolifico, deixou mais de 200 artigos © cerca de 20 livros, alguns de grande félego. Como veremos adiante, imensa foi a sua influ€ncia no campo das idéias socioldgicas, principal- mente nos Estados Unidos. Para se ter uma exata no¢io desse destumbra~ mento verbal e intelectual, basta uma meia pagina de adjetivos utilizados por seus expositores: “o homem mais sutil da Europa em 1910” (Ortega y Gasset); “engenhosidade critica” (Bouglé); “idéias engenhosas”, “vis tas picantes", “aproximagées curiosas” (Durkheim); “riqueza de dedu- ‘gées psicol6gicas”, “ensaios sugestivos”, “brilhante moralista” (Bouglé); ensaios “engenhosos ¢ finos” (Cuvillier) ; “brilhantissimo” (Ayala); “bri Ihante” (Becker e Boskolf); “belo estilo sutil” (Salomon); “sutil” (Mannheim); “sinuoso e brilhante” (Aron); “personalissimo” (Freyer); “genial” (Caso); “vivo e acolhedor” (Bréhier) ; “agudo ¢ surpreendente”, “imaginagéo e espirito inovador”, “fascinante imaginagao”, “fantasia € fascinio” (Martindale); “homem inteligente e bem dotado” (Lukécs); “delicia no elegante espetéculo de idéias” (Coser); “andlises sutis € penetrantes” (Banfi). Também Fernando Henrique Cardoso ¢ Octavio Tani referem-se a seu. texto, no. qual se encontra “toda a beleza que € possivel extrair da andlise de sutilezas”. Ortega y Gasset, que foi seu aluno em Berlim nos primeiros anos do século ¢ que elaboraria um perspectivismo existencialista muito pro- ximo do seu relativismo e da sua filosofia da vida, comparou-o de certa feita a um “esquilo filos6tico”, que “aceitava 0 assunto que escothia como uma plataforma para executar sobre ela seus maravilhosos exerci 13 cios de andlise”. Do seu livro sobre Nietasche, achava-o escrito com “aq agudeza que Ihe é peculiar, mais sutil que profunda, mais engenhosa que genial”, Mas sempre, ao lado da restrigdo, nunca deixa de aparecer © elogio ao seu talento, & sua agudeza e & sua percuciéncia analitica, ‘Simmel, com a multiplicidade dos seus escritos, como que representou, segundo Iembra Heinz Maus, uma grande riqueza das mais diversas sugestdes, que ainda hoje podem ser exploradas. Segundo Herman Schmalenbach, citado por Maus, a obra de Simmel “interfere com todos os movimentos da nossa total vida intelectual, de tal modo que uma mera filosofia técnica nfo pode alcangar. Em seu contetido, também, Simmel sigofica a verdadeira representagdo filoséfica de nossa idade”. Mas, a despeito dessa observagio, transcreve Maus essas duras palavras, de Emst Bloch, que também era membro do circulo de Max Weber: “Simmel tem a mais refinada inteligéncia entre todos os seus contem- porineos. Mas, fora disso, é totalmente vazio e sem objetivos, desejando tudo exceto a verdade. Ele é um compilador de pontos de vista ecm os Gquais rodeia a verdade, sem nunca pretender ou estar apto a possuila Consome-se a si mesmo em muitos vivos e ocasionais fogos e na maioria das vezes fascinando com um sempre repetide aparato metodol6gico Pirotéenico, com o qual rapidamente nos sborrecemos. Ele 6 coquete fem nuaea mostrar suas verdadeiras cores, © €, a0 todo, inteiramente sem vontade ¢ incompetente para fazer repousar sua metodologia sensi tiva — que sempre caminha em cfrculos — sobre uma objetividade compreensiva, amplamente contextual”. © texto de Bloch é ainda mais extenso e severo, Limita-se Maus ‘a dizer que “talvez tudo isso seja verdade”. Mas procura justficar Simmel, pelo que cle representa, em sensibilidade e inteligéncia, para as correntes culturais da Alemanha do seu tempo, em defesa da liber- dade espiritual do individuo. E isso ele o fazia, como que com a ponta do lépis, em répidos e inquietos desenhos. Sabia ele —- ¢ 0 escreveu em seu didrio — que morreria sem deixar herdeiros espirituais, ¢ com- pleta: “Isto € bom", Ernst Troeltsch admitia como muito leve a sua ascendéncia sobre os historiadores. “Sua influéncia, conclufa, ficou como PCE, OnrEoa y Gasser, J. Obras completas. Madri, Revista de Occidente, 1947 t. IV, p. 398; 1945, &. T, p. 92. Coser gosta muito dessa imagem de “esquilo filosstico”, pulando de idéie em idéia como de noz em noz. Cf. Coser, 197%, p. 199; ¢, jantamente com Niseer, Robert. The idea of social structure. Papers In honor of R. K. Morton. Org. pot L. A. Coser, Nova York, Harcourt Brace Fovanovieh, 1975, p. 5. 14 uma influéncia sobre a atmosfera geral, fazendo-se sentir particularmente entre os jomalistas mais sofisticados.” * 2.1. Veremos, 20 final, os exemplos mais flagrantes da influéncia simmeliana na sociologia contemporinea. Por outro lado, dada a sua maneira de escrever sem referéncia as possiveis fontes, sem citagdo de autores nem de livros, nem sempre é fécil apontar-se a filiagdo de suas préprias idéias. Como o denuncia a escolha do tema da sua dissertagdo doutoral (1881), imensa e permanente foi a influéncia de Kant sobre as suas idéias. Neokantiano, incluiu-se Simmel na corrente dominante no pensamento aleméo a partir do dltimo quarto do século passado. O dualismo forma e matéria nunca o abandonaré e estard sempre presente em todos os seus escritos — de moral, de filosofia, de hist6ria, de estética. Pot outro lado, no entanto, estava Simmel também profunda- mente mergulhado na atmosfera espiritual de Berlim e da sua univer- sidade. A Vélkerpsychologie de seus mestres Lazarus, Steinthal e Bastian esté bem presente, com o seu psicologismo, nas suas primeiras obras até 1900, Os exemplos etnolégicos Bastian, um certo evolucionismo darwinista, af também se fazem sentir. Mesmo na Soziologie, de 1908, nndo deixa de aparecer um exemplo ilustrativo de indio brasileiro. Falando do jovem Simmel, esclarece Honigsheim: “Os grupos mais préximos dele eram os pensadores liberais inde- pendentes, os darwinistas e os progressistas, fora da universidade, Simmel abragou suas opinides, mas somente em certa extensio © por um curto pperiodo, como mostram duas das suas publicagSes mais antigas: o breve Uber soziale Differenzierung de 1890 e os dois volumes Einleitung in die Moraiwissenschajt de 1892.93", Muitas das concepedes simmelianas posteriores j& aqui se encontram —sua base psicolégica, o dualismo forma-matéria, a nocdo de interagdo € de sociagio como proceso social bésico, inclusive, a filosofia da vida, ‘Maus, H. Simmel in german sociology. Ta: Woure, K. H., 19595, p. 194-6, A opiniio de Ernst Bloch encontra-se om Geist der Utopie, Munchen, Duncker & Humblot, 1918, p. 246-7. Nio achamos 0 texto na edigio que possuimos de 1923, “revista e modificada”. Nesta refere-se ele a Simmel, no qual “slo somente pintadas as franjas coloridas, nervosas, da vida, as puras_impressGes” ‘Mona, J. Ferrater. (1941a) escreve em defesa de Simmel: “Em ver de ser ele acusado de que era pouco sistemético e académico, reconheceuse que era bastante original © amigo de caminhos pouco trilhados. © ‘ensaio filosético’ de Simmel ‘aparece logo, em suma, nfo como um modo de fazer ‘literatura’ com a filosofia, esi como tim modo diverso de fazer filosofia”. ‘Homtosuens, P. The time and thought of the young Simmel; A note on Simmel's anthropological interests, Jn: Wore, K, H. 1959). 15 sua fase final, j4 mo ano de sua morte. Fazendo algumas restrig6es 20 darwinismo biol6gico e social, j& dava preferéncia ao vitalismo de Hans Driesch, em detrimento da psicologia quantitativista de Wundt ¢ de Stumpt Para ele a ciéncie da moral, como capaz de pesquisas cienti- ficas e positivas, encontra-se em trés outras ciéncias humanas: na psico- logia, na sociologia e na histéria. Pelos métodos da primeira, analisa os atos voluntérios, os sentimentos ¢ os juiz0s individuais, cujos conteddos tém ou no um valor moral. Como parte da sociologia, distingue as for- ‘mas e 08 contetidos da vida em sociedade, que sio unidos com o dever moral do individu por uma relagdo de efeito a causa ou vice-versa. Finalmente, como parte da histéria, pelas duas vias indicadas, deve ela conduzir toda a representacdo moral, dada 2 sua forma original todo © desenvolvimento desta representagio as influéncias hist6ricas que a determinam. Por isso mesmo, deve ser rejeitada desde logo qualquer tentativa de monismo ‘pecado original de todas as teorias abstratas da moral”. A idéia do dever, como absoluto, fica privada de qualquer fundamento I6gico, E a histdria que se incumbe de dar conteddo as formas vazias da Idgica, e € o sentimento intimo do individuo que Ihe permite distinguir o real do ideal. A ontologia néo pode explicar 0 processo histérico, este ¢ que pode explicar aquela. A personalidade do individuo encoatra-se entrecruzada por numerosos cfrculos sociais, que the condicionam a consciéncia moral, Por isso mesmo a realidade escapa as abstragdes, como meros ideais, da ética formal. O pior inimigo da ciéncia da moral é a propria moral. Para Simmel — ¢ aqui jé aparecem as primeiras afirmagdes de seu relativismo filoséfico, — “todos 0s valo- res morais, atuais ou passados, 30, aos olhos da hist6ria, igualmente relativos, isto é, cada um deles é em certo sentido, um absoluto” ®, 2.2. Em 1892 viria & luz Problemas da filosofia da histéria, em que essas mesmas idéias sto sustentadas. Dentro da linha de Dilthey, Windelband ¢ Rickert, no admite Simmel a histéria como ciéncia natu- ral, causal. O objeto do conhecimento hist6rico & 0 fato hist6rico, mas este, diferentemente do fato da ciéncia natural, encontra-se no passado, Breve sGmula das principals idéias dos ensaios de Simmel, de 1890 ¢ 1892-3. Neste titimo — v. IL, 1893, — jf as voltas, como sempre, com 08 conceitos bisicos de forma € contetdo, nfo deixa de cscrever, p. 309: "A categoria de ‘contesdo © forma € uma das mais relativas © subjetivas em todo 0 campo do ensamento. O que, de um ponto de vista, & forma, de outro, € contetdo, © a ‘oposisao conceitual entre ambos se apuga, muitas vezss, a0 ver-se mais de perto, fem distinglo apenas gradual entre a determinacto geral e especial”. 16 e néo pode ser diretamente observado. Esse fato terd de ser reconstituido pelo historiador, diante dos documentos ¢ de outros elementos auxiliares. Como espirito ¢ dotado de personalidade humana — eo objeto da histéria so também as obras humanas, — constréi o historiador em sua mente a imagem do passado, que Ihe ¢ subjetiva, e, para ele, verdadeira 0s dados da histéria, como realidade empirica, pertencem & experiéncia histérica do individuo. Para Simmel, assim, “a psicologia € 0 @ priori da cigncia hist6rica”. Nao ha propriamente leis hist6ricas, que supdem a ago de fatores objetivos constantes. Diversas so as interpretagdes da realidade hist6rica, sem que qualquer delas possa ser chamada de falsa, pois muita coisa ainda permanece no dominio da fé. A fim de que a selecdo dos fatos histéricos néo se tome arbitréria e meramente subjetiva, joga Simmel com a nogio do “umbral da consciéncia histé- rica”, Isto é s6 merecem 0 nome de fatos, significativos, aqueles que penetram esse umbral, por numerosa série de consegiiéncias, e pela re- percussiio social dentro da propria continuidade hist6rica, © aconteci- mento isolado, como registra Aron, sem efeito aparente, fica aquém do umbral da consciéncia hist6rica, O tinico critério para apreender a reali dade hist6rica € 0 seu sentido € a compreensio de sua totalidade ° Criticando 0 materialismo hist6rico, nega-the Simmel este caréter, reduzindo-o, quase ingenuamente, a motivos de indole psicolégica: “O que o materialismo historico parece oferecer antes de tudo & uma explicagéo psicoldgica dos acontecimentos histéricos segundo um 86 e mesmo principio, E se Marx afirma expressamente que a fome fem si no constitui a histria, isso no impede que as condigées de produgio ¢ de troca ndo possam bastar para fazé-lo, se a fome, pelo fato que faz sofrer, nfio se encontrasse 14 como forga de impulsio. Eis por que a designacio de materialismo presta-se a erros.... Materialismo poderia significar somente dependéncia da histéria, em cltima instincis, do energias que nada ttm de psfquicas. Mas isso precisamente esté em contradigfo com © préprio contetide da doutrina que dé a histéria ‘motives eminentemente psicol6gicos” 7 Smet, 1892. Sua exposigio em ARON e¢ MANDELMAUM (19382 eb) © em Bauer, W. Introduccién al estudio de la historia, Trad. de L. G. de Yaldeavellano. Barcelona, Bosch, 1944, passim. "Bsereve map. seguinte: “Mas,‘reconhecendo que o valor do método considerado do ponto de vista da teorin do conecimento ¢ ilusério, nfo se diminui em nada fo grande valor que ele tem na pritica para as pesquisas historicas, revelando novas relagées causais", Conclui: "Fle s6 possui o valor de uma hipétese psico- ‘pica, — o/aue, aliés, longe de diminuir sua importancia, nfo faz senfo aumen- ila", CE, Sineacet, 1892, p. L116 et segs 1" Ora, por essa argumentagio — e Simmel se utiliza dela em numerosas outras oportunidades de sua obra —, tudo na vida, todas as cincias, naturais e humanas, se reduziriam psicologia, porque tudo, afinal de contas, € produto da mente humana 2.3. Pouco depois, em 1895, publicou Simmel umn ensaio — “Uber eine Beziehung der Selektiontheorie zur Erkenntnistheorie” —, no qual negava a possibilidade da verdade absoluta. Pelo contrério, a verdade 36 € vélida pelo que dela resultar de util e pritico, de eficaz para a espécie humana, isto ¢, as representagdes verdadeiras nascem pela sele- go. Esta concepedo pragmatista, que admite como verdadeiro aquilo que “‘sustenta © guia a acdo humana no sentido da conservagdo © do fomento da vida”, vai reapatecer na dltima fase do pensamento de Simmel, na sua filosofia da vida, porque, nos Problemas fundamentais da filosofia (1910), assumira ele uma posigdo menos pragmatista, mais istante de ser cética. Embora ndo chegue a filosofia a ser uma ciéncia objetiva, é considerada como ‘‘a reago do homem & totalidade do ser”. Somente a ciéncia positiva alcanca um conceito de verdade, sendo a filosofia, em comparagdo com ela, a expresso de um tipo de espirito, a intuicio do mundo e da vida desse espirito. Mas essa tipicidade nao se prende propriamente a0 puro individuo, realiza-se na esfera de uma espiritualidade tfpica, que 0 supera e permite a comunicacdo das dife- rentes intuigées do mundo, tornando-as capazes de livre comunicacio. Os seus livros biograficos sio exemplos ¢ exercicios dessas diversas tipi- cidades espirituais. Com isso, Simmel consegue evitar o subjetivismo cético, segundo o qual, para cada homem, a sua verdade *. 2.4. Um dos dois livros fundamentais de Simmel, Filosofia do dinkeiro (1900) — 0 outro seria 2 Sociologia (1908) — é, fora da Alemanha, 0 menos conhecido de sua bibliografia. Publicado em 1900, somente agora, em 1978, foi traduzido para o inglés. Com impresses, sucessivas, jé em 1958 alcangava a 6.% edigdo, e note-se que se trata de uma obra de 585 péginas. Apesar do titulo, 0 seu contetido é 0 mais 5 Assim resume Simmel a sua concep¢o da filosofia (1910, edigfo espanhola, . 34) nesta formula: “o pensamento filoséfico objetive © pessoal e personaliza © objetivo”. A generalizagio filosética nfo se confunde com a da cigncia, da Tgica e da prética: “Na Blosofie, a afirmagio geral néo se deduz das coisas, mas é, pelo contrério, uma expresso que se reflete na totalidade das colsas, da ‘maneira como algum dos grandes ituais se comporta diante das impres ses da vida e do mundo. Néo se trata, pois, de ums generalizagio que abrange fs coisas singulares consideradas, e sim da generalizagdo de uma reagio individual, mat a0 mesmo tempo tipica, ante elas”. Daf ser possivel a sua objetivagio em forma concetual e inteligivel 18 amplo possivel, e nfo simplesmente econdmico. & bem representative do pensamento global de Simmel, como concepgéo da cultura humana contemporinea, vindo desde os povos primitivos até atingir o pleno d senvolvimento do capitalismo moderno. Obra de histéria, de filosofia, de economia, de cincia politica, ¢, sobretudo, de sociologia, divide-se ela em duas partes, a analitica e @ sintética, Compée-se a primeira de trés capitulos: 1) valor e dinheiro; 2) 0 valor do dinheiro como subs- tincia; 3) 0 dinheiro na seqiiéncia de fins; e a segunda também de trés: 1) aliberdade individual; 2) 0 equivalente monetério de valores pessoni: 3) estilo de vida. Nao hé um s6 sociélogo alemio de anteguerra (1914), e mesmo posterior, que tenha deixado de enfrentar o pensamento marxista. Observa Mannheim que dele se originaram ensinamentos significativos a socié- logos como Max Weber, Alfred Weber, Troeltsch, Sombart ¢ Scheler na Alemanha, E conclui: “Sues polémicas com o materialismo hist6rico evam os sinais de todas as verdadeiras controvérsias que penetram a posicao do oponente em lugar de evité-la com artficios” °, Também- ali poderia figurar © nome de Simmel. Com razdo, reconhece Johannes Plenge, da escola de von Wiese, que Marx representa um ponto critico na histéria da filosofia, da teoria econémica e da sociologia. Por isso mesmo, dizemos nés, nao pode ser ignorado: ha que rejeité-lo ou acei- té-lo. Sente-se a presenga de Marx, mais difusa do que confessada, na Filosofia do dinheiro. O propésito de Simmel, como ele préprio con- {essa no prefécio do livro, “é examinar o materialismo histérico ¢ encontrar relagSes sociais funda- mentais que permitam compreender, do ponto de vista da natureza humana, a dinfmica dos processos econdmicos”, Na economia monetéria, com 0 novo sistema de crédito, 0 valor do dinkeiro passa da ordem da substincia para a ordem da fungio, tornando-se um simbolo abstrato dos valores, mudanga essa que iré alterar todo 0 restante do estilo de vida. Ao mesmo tempo que 0 indi- viduo se vé esmagado nas novas engrenagens econémicas, de massas andnimas © competitives, ele também se liberta do antigo substancia- lismo em suas relagées sociais, incluindo principalmente as do trabalho, que se tornam despersonalizadas. A nova economia monetaria é raciona- lista, intelectualista, baseada no célculo € na abstracdo, com prejuizo do primado dos sentimentos ¢ da imaginagio. A organizagéo e a burocracia ® Mawnan, K. Ensayos de sociologia de la cultura, Trad, de M. Sudrez. Madsi, Aguilar, 1957. p. 38. 19 so as manifestacdes t{picas dessa nova classe burguesa dirigente, O processo cultural torna-se cada vez mais “objetivado”. Essa “objetivago do conteédo cultural & provocada pela especializagio ¢ cria um crescente alheamento entre 0 sujeito © seus produtos” (....) Os objetos culturais cristalizam-se cada vez mais num mundo inter- communicado que tem cada vez menos contatos com a alma subjetiva fe com sua vontade € seus sentimentos” ¥ Repete-se aqui a nogo de alienacdo de Marx, e muitas das idéias futuras de Weber aqui também se encontram, como chega a ser not6rio, Possivel- mente, Weber o leu em 1902, quando da volta as suas atividades universitérias em Heidelberg, depois de grave doenga nervosa", 3. Sociologia de Simmel — Ao contrério do que se costuma escre- ver, Simmel nao foi tio assistemiético como parece. AS suas idéias 30 sempre praticamente as mesmas, como também s40 03 critérios metodo- logicos, em todos os seus livros. Quer trate de sociologia, de filosofia ou de estética, mantém-se a mesma diretiva do seu espirito. Por exemplo, em seu livro Die Religion, cuja 2.8 edi¢do possuimos, de 1912, mais parece um tratado de sociologia, como que repetindo as nogdes sociol6- gicas defendidas até entio. Quando da publicagio da 1.* edigdo da sua Soziologie, em 1908, quase todos os seus capitulos ja haviam sido publi cados esparsamente na Alemanha¢ no estrangeiro. Assim mesmo, 20 reunilos, no deixou Simmel de chamar a atengdo para a possfvel uni- dade do livro, aparentemente muito fragmentério. Pouco se tem prestado atengGo as suas palavras no prélogo, quando ele declara que com esse ensaio, pretende “dar a0 conecito vacilante da sociologia um contetido inequivoco, regido por um pensamento seguro ¢ metédico. A nica coisa, portanto, que pedimos a0 leitor, no proémio deste livro, ¢ que tenha sempre presente a posigio do problema, tal como so explica na primeira parte, De outro modo, estas péginas poderiam dar-the a impressio de Wine, 1900, p. 491-2. Além do proprio livro, as melhores exposigdes, dos livros indicados ‘na. bibliografia, encontram-se em: Maser, 1914; Spyewax, 1925a; ARON, 19384; Sutomon, 1945; BECKER, H., 19595, On Simmel’s Philosophy of Money. p. 216-32. uGeRnt, H. H. ¢ Wxour Mitts, C. From Max Weber. Bssays tn sociology. Nova York, Oxford University Press, 1938. p. 14, Weber referese expressamente Soziologie © & Philosophie des Geides, completando-os em parte, em Wirtschajt und Gesellschaft, 5, ed, TUbingen, J. C. B. Mohr, 1972 (1, de 1922). p. 1. Doncreim, E, Simmel,” Georg. Philasophie des Geldes, L'Année Sociologique, Paris, V, 1902, p. 140-5 20 uma massa inconexa, composta de fatos e reflexes, sem relagio entre Em nota ao fndice geral, na pagina seguinte, torna a frisar “Cada um destes capitulos contém muitas discusses que, mais ou menos cerradamente, abrangem seu problema titulo. Mas eles ndo séo somente matéria do seu titulo: constituem também contribuigées relat- ‘vamente independentes 20 problema total (do livro). A intengéo final © a estrutura metodolégica destes estudos necessitam de sua ordenacio sob alguns conceitos centrais, mas, ao mesmo tempo, necessitam de grande latitude em relagio 4s questies particulares tratadas sob seus enunciados”. Compée-se a Soziologie de dez capitulos ¢ de treze digressbes (Exkurs), to ou mais interessantes do que os primeiros. Embora nem sempre consiga Simmel manter 0 mesmo rigor metodolégico, como enun- ciado no capitulo I, violando os seus proprios critérios propostos — confundindo forma e conteido, por exemplo, — cada capitulo € um tratamento especial, conereto, da aplicagdo dos seus conceitos basicos A maneira de Kant, que perguntava na Critica da razéo pura como era possivel a natureza, a mesma indagagio fazia Simmel em relacéo & sociedade: como € possivel a sociedade? Diferentemente da natureza, cujos fatos materiais concretos so ordenados pelas formas a priori (intuigées puras © categorias) do espfrito humano que as percebe; na sociedade, ao contrério, a sintese mental que constitui a sociedade, a unidade social, realiza-se pela propria atividade dos componentes da sociedade, sem necessidade da acéo mental sintetizadora de um sujeito que the é externo ou estranho. Claro esté que @ unidade do social no atinge nem pode atingir a unidade da natureza, cujo caos de fendmenos & organizado num perfeito cosmos pelas faculdades, ativas, do espirito humano. Pois bem, a sociedade s6 é possivel como uma resultante das ages ¢ reagdes dos individuos entre si, isto é, por suas interagées. S40 processos psiquicos, intermentais, cujos suportes, como sujeitos da acéo, sao os individuos, as suas consciéncias, a totalidade da sua vida psiquica Como jé havia acontecido com Dilthey (1887) #, abandonou ‘Simmel 0 antigo conceito de uma sociologia como ‘ciéncia social global, enciclopédica e abrangedora de toda a matéria social. Para ele s6 era possivel uma ciéncia sociolégica rigorosamente delimitada, com objeto proprio, particular, néo tratado pelas demais ciéncias sociais. Nem tudo 18CL Duvtuey, W. Iniroduetion a Péiude des sciences humaines. ‘Trad. de 1. Sauzin, Paris, P.U.F., 1942, p. S15-7, euja 18 edigdo alemé & de 1887. a © que acontece na sociedade merece o nome de social, nem por ela pode ser explicado ou compreendido. Como ciéncia empitica, a sociologia deve ter por campo ou objeto a multiplicidade de interagdes, numa incessante vida de aproximagao e de separagio, de consenso e de con- flito, de permanente vir-a-ser. A sociedade nao € algo estitico, acabado; pelo contrério, € algo que acontece, que esté acontecendo, O objeto da sociologia séo esses processos sociais, num constante fazer, desfazer ¢ refazer, © assim incessantemente. B através das miltiplas interagdes de uns-com-os-outros, contra-os-outros ¢ pelos-outros, que se constitu a sociedade, como realidade inter-humana. Ao processo fundamental Simmel dé 0 nome de Vergellschaftung, a0 pé da letra, socialificacdo, mais do que sociedade, denotando 0 seu dinamismo, sempre in fieri Como se verd em chamada prépria, adotamos aqui a sugestio dos sim- ‘melianos norte-americanos, traduzindo-o por sociagao, que no se con- funde com socializagdo nem com associagao. Pois bem, 0 processo bisico de sociacéo é constituido pelos impul- sos dos individuos, ou por outros motivos, interesses e objetivos; e pelas formas que essas motivagées assumem. Por isso mesmo, no processo de sociagdo, hé que distinguir entre forma e contetido. A maneira de Kant, representa aquela 0 a priori, o invariante por assim dizer, € s6 ela deve ser 0 objeto proprio e particular da sociologia, deixando os miltiplos contetidos concretos para as outras ciéncias sociais — 0 direito, a econo- mia, a moral, a histéria, ete. A isso chamou Simmel de sociologia formal, dando ensejo a uma série de criticas, de discordantes da doutrina (Sorokin, Abel, Treyer, Ginsberg, entre outros), como igualmente de adeptos e seguidores seus (Leopold von Wiese) "*, A sociologia, para Simmel, seria como a geometria, que somente ela “determina o que é realmente espacialidade nas coisas espaciais”. A geometria “investiga @ forma que a matéria assume para se tomar um corpo observvel — forma que, em si mesma, $6 existe em abstrato, exatamente como as formas de sociaglo. A gometria, do mesmo modo que a socio- Jogia, deixa o estudo dos contetidos. .. ou fendmenos totais, cuja forma estudam, para outras disciplinas Simmel frisa, no entanto — e em mais de uma passagem — que 20 chamar a sociologia de “‘geometria social”, apresentava somente uma metéfora, A forma € 0 contetido sao, de certo modo, inextricdveis, inse~ M SonoKIN, 1928, p. $01.3: Amex, 1929: p. 27; FReven, HL, 1920, p. 71-6, da ced. esp.; Guvsnene, M. Manual de sociologic. Trad, de J. M. Echeverria. Buenos ‘Aires, Lostda, 1942. p. 13-5; Wisse, L. von, 1926, p. 62-3, da ed. esp.

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