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ee err Bocchina Norman Pr TES Saat A Ts a sldbaliee “0 que é@ a verdade?” (Poncio Pilatos) Hoje a verdade é um conceito impopular. A cultura deste século a tem trocado pelos escorregadios caminhos do relativismo e do pluratismo, nos quais a opiniao pessoal e os sentimentos contam mais que a verdade ere 5 Peace TCC UCC! (CMU LLCO AE LSM OLS Peet CELE N £m Fundamentos inabalaveis, Norman Geisler e Peter Bocchino mostram eer eM MOR Te MeL mC CRM Me Cee CCT) CRE ae) eee CUE RSC Reece oaks RE Uy Oo TSR te ie Ean MLS Mee aT Cee nets A cultura secular declarou querra ao cristianismo. Para fornecer respostas Ree mene ee cee cee RM RC RR Mic eerie Reon acu cma tae ren eT) Pee Cae Mur Se esa Mune aire ere) Pe MuEne ere a eee ites ae ere ses nec eG FeO nC MSC a eee Oe Nee Mn Rte Calne Rocce eee eee Cen a trace eee ee ee te CORR RCo See out ue eC meant Sei ee ueeere eee EG Mar os Sees caret nen ce On emer Norman Geisler é pastor, autor e co-autor de mais de 60 livros e centenas de artigos. Cer Nee SR ee ee CuN SO ae en Pee eee eee Cet eum i fet PACS On ese ere Mise Cag eee er Nar een et enna eee curse Charlotte, na Carolina do Norte, EUA. Peter Bocchino € presidente do Legacy of Truth Ministries, localizado em Atlanta, Geérgia, EUS en See Ca CMe RO eet aes ner Ministries e foi responsdvel por ministrar sobre apologética crista em pafses da Europa, do CO Oe nee Gee asco coms O AUT: Rome oc Reon Categoria: Teologia/ Apologéticay Ciencia e fe Pelo mesmo autor . Eleitos, mas lores (Vida) Enciclopédia de apologética ida) Evie evista (Vida Nova) Obras em co-autoria Introdugio biblica: como a Biblia chegou até nés (Vida) Introdusao a filosofia: uma perspectiva crista (Vida Nova) Predestinagao e livre-arbitrio (Mundo Cristo) Reencarnagto (Mundo Cristio) Amar é sempre certo (Candeia) ©2001, de Norman Geisler ¢ Peter Bocchino ‘Titulo do original * Unshakable foundations, edigéo publicada pela BetHany House PusLsieRs (Minneapolis, Minnesota, rvs) Taos os direitos em lingua portuguesa reservados por Epitora Vipa Rua Jiilio de Castilhos, 280 © Belenzinho cep 3059-000 © Sao Paulo, se Telefax 0 xx 11 6096 6814 wwew.editoravida.com.br PROIBIDA 4 REPRODUGAO POR QUASQUER MEIOS, “SALVO EM BREVES CITAGOES, COM INDICAGAO DA FONTE. ‘Todas as citagies biblicas foram extraidlas da Nova Versio Internacional (sv), ©2001, de Edirora Vida, salvo indicagao em conteéto. Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (ci) (Camara Brasileira do Livro, st Brasil) Geiser, Nosman L. Fundamentos inabaléveis :resposta aos maiores questionamentos con- tempordneos sobre a fé cristd : clonagem, biodtica, aborto, eutandsia, ‘macroewolugio /Nonman Geisler e Peter Boccino trcusio Heber Carlos de Campos. — So Paulo + Editors Vide, 2003, “Tilo original: Unshakale foundations. Bibliogrfia sax 85-7367-623-x 1. Apologetica 2. Crstianismo — Micelinea 3. Pica cise 4, Pexguneas e respostas 1, Boechino, Pete. Il, Teo 02-6636 Iadice para catlogosistomition 1. Apogee Criatanismo 239 2 Quetbes polémicas: Crinianismo 239 SUMARIO Acrapecimentos Irropucio CON RH BR wWhDr . A r6cica . A veRDADE . As cosmovisoes IL AcieNciA . 0 cosas A oRIGEM DA VIDA ”. A macroevoucio J. PRovETO INTELIGENTE Ate A austica |. Deus & 0 MAL . Jesus & A HISTORIA A oivinpabe De Jesus Cristo A Eich £ A MORAL . Q VERDADEIRO SIGNIFICADO DA VIDA E 0 CEU A VERDADEIRA MISERIA £ 0 INFERNO ‘Apenpice.; RESPOSTAS BASEADAS NOS PRIMEROS PRINCIOS A QUESIOES Entcas Biatioraria 27 53 69 85 mM 145 WW 199 223 245 269 305 333 369 393 401 429 AGRADECIMENTOS Dedicamos este livro com carinho a nossas esposas, Barbara ¢ Therese, que nos rém apoiado com fidelidade ¢ amor no decorrer dos anos. Somos especialmen- o deste trabalho. Registramos nosso reconhecimento especial a Bill e Charlotte Poteet, que te gratos pelo encorajamento delas durante a produ trabalharam na preparacao gramatical inicial do manuscrito para que pudésse- mos envié-lo & editora. Somos também muito agradecidos a Wayne House por gastar tempo fazendo revisdo do capitulo sobre lei e por suas sugestées titeis. ‘Ademais, seriamos remissos se nao agradecéssemos a todos os alunos de apologetica, que durante os anos nos ajudaram com varias sugestées a tornar este livro tanto pratico quanto significativo. Por fim, desejamos expressar nosso apreco a Steve Laube por acreditar nesta obra ea todas as pessoas talentosas da Bethany House Publishers que acompa- nharam este projeto até o final, Em particular, somos agradecidos aos diligen- tes esforgos e as louvaveis habilidades de redacao de Christopher Soderstrom. Acima de tudo, devemos muito a nosso Deus, que nos tem dado a graca de ser capazes de raciocinar a respeito dele mesmo ¢ de sua criagéo. O proprio Deus nos convida a chegar em sua presenga para “refletir juntos” com ele (Is 1.18), e € nossa esperanga que o leitor se ocupe dele ¢ de seu convite gracioso. INTRODUGAO. O universo me rodeia com 0 espago ¢ me absorve como a um tomo; pelo pensamento compreendo 0 mundo —BLAlsE Pascal Em 28 de janeiro de 1986, quase todos nos Estados Unidos observaram pela televisio o langamento do énibus espacial Challenger. Embota os lancamentos de dnibus espaciais jd se tivessem tornando acontecimento rotineiro, esse foi singular, pois entre os sete tripulantes do Challenger estava Christa McAuliffe, uma professora de escola secundaria do estado de New Hampshire. Depois de 73 segundos do langamento, o entusiasmo se transformou em horror, €o mun- do testemunhou o acontecimento mais tragico da histéria da exploragao espa- cial. © Challenger explodiu ¢ deixou em seu rastro uma trilha de fumaga que acompanhou a espaconave até cai no oceano com toda a tripulagao sem vida. ‘A investigagao do acidente revelou que a causa da explosio era muito simples: um defeito num anel que serve de lacte. Apesar de ser um componente sim- ples, o lacre tinha de desempenhar uma fungao especial e critica. Fora projeta- do para isolar 0 combustivel sélido dos gases do foguete que saiam do tanque principal de combustivel. Contudo, seu projeto defeituoso, somado as condi- goes ambientais extremas, afetou-lhe a integridade funcional. Esse lacre defei- tuoso permitiu que gases de alta combustao vazassem através da junta alimentadora de tensio do foguete. Uma vez que esses gases quentes entraram em contato com o tanque de combustivel externo do énibus, a explosao fatal cra iminente. Talvez 0 aspecto mais desconcertante dessa catdstrofe seja que os engenhei- ros da Nass haviam advertido os diretores do controle da missao a respeito do iminente perigo um pouco antes do langamento. Nao obstante a preocupagéo dos engenheiros, manteve-se a deciséo de continuar com o langamento — to- dos os sistemas a postos! Outras questes e pressGes tiveram priotidade sobre as 10 FuNoameNros: INaBaLavels possibilidades de haver um desastre fatal. Afinal o énibus espacial tinha mui- tos sistemas de apoio para garantir a seguranga da tripulagao. Infelizmente, a tripulagao do énibus espacial se colocou nas maos daqueles que tomaram a decisio errada e, por conseguinte, nenhum de scus integtantes sobreviveu. Escrevemos este livro com o intuito de evitar que vocé, leitor, cometa erro semelhante no que diz respeito a sua vida espiritual. A medida que continua a aprender, formal ow informalmente, vocé se encontra em situag&es que podem trazer sétias conseqiiéncias com respeito as decisées que toma acerca do que actedita ser verdadeiro. Professores, colegas, companheiros ¢ outros podem desafid-lo a reavaliar suas convicg6es & luz do que lhe ensinam ou dizem. Por- tanto, nds lhe imploramos: nao deposite sua confianga nas mos de qualquer um! Este livro oferece razdes confidveis para crer que o cristianismo ¢ intelectu- almente perfeito. Como auxilio para demonstrar-lhe por que isso é verdade, vamos nos reportar a Aristételes, que hé muito tempo observou que todo campo do conhecimento comeca com certas verdades, a que ele se referiu como primeiros principios. Os primeiros principios nao so conclusoes obtidas no final de um conjunto de premissas, mas, sim, premissas bésicas, das quais se retiram as conclusées. Sao axiomas, premissas — verdades auto-evidentes. Sao téo obviamente razodveis que nao exigem nem admitem prova direta. Os primeiros principios esto além da prova direta porque sao tidos como verdadeiros com base em sua natureza auto- evidente ¢ inevitavel. Também nao podem ser refutados; qualquer tentativa (em qualquer campo de estudo) resultar apenas em afirmagées auto-anuléveis. Aristételes também explicou que esses primeiros principios foram os funda- mentos inabaldveis sobre os quais todo 0 pensamento e o conhecimento repou- sam. Este livro pretende reafirmar as observagbes de Aristételes c em seguida mostrar que os primeiros principios conduzem tao-somente ao Deus da Biblia. No capitulo 1, o apresentaremos & Légica e ao primeito principio de todo 0 conhecimento: a lei da nao-contradigao. A natureza universal e inevitdvel dessa Jei simples mas profunda leva-nos a questionar-lhe a origem e razdo definitiva. A resposta a essa pergunta € que deve haver alguma Mente suprema que existe como fundamento das leis do pensamento humano. No capitulo 2, examina- remos as nogées populares de agnosticismo, pluralismo e relativismo. A medi- da que analisarmos cada uma & luz da lei da nao-contradicao, mostraremos como sao, em ultima andlise, auto-anulaveis. Em seguida explicaremos por que é razodvel crer que a verdade absoluta existe, definindo a verdade como afirma- Gio, idéia, simbolo ou expresséo que equivale a (corresponde a) realidade. O Iwiropucto 11 capitulo 3 dé uma breve descricao das cosmovisdes ¢ explica como clas afetam as convicgées ¢ a conduta dos individuos. Também incluimos um teste para ava- liar a credibilidade das declaragées da verdade que as varias cosmovisées fazem ec oferecemos algumas sugestdes a respeito de como tratar dessas questées de visio de mundo. No capitulo 4, embarcamos numa viagem pela ciéncia. Nossa meta ¢ obter entendimento bésico dos fundamentos sobre os quais a ciéncia se constrdi, suas limitagdes com respeito ao conhecimento e de como aplicar 0 método cientifico & questao das origens. No capfeulo 5 a cosmologia é usada para discu- tir sobre a natureza ¢ a estructura do universo. A pergunta sobre sua origem — a saber, se necesita ou néo de uma causa — é respondida nesse capitulo. Alega-se que, com base no primeiro prine{pio da ciéncia ¢ o apoio da evidéncia, é mais razodvel crer que o universo € finito, Assim, € necessério concluir que uma causa infinita ¢ eternamente poderosa o trouxe a existéncia. No capitulo 6 explicamos por que é razodvel crer que essa causa infinita e eternamente pode- rosa deve também ser inteligente. Nosso raciocinio se baseia na ciéncia da teoria da informagio, uma vez que cla se relaciona com a origem da vida. O capitulo 7 dedica-se a analisar varios modelos de origens ¢ responder ds questoes sobre macroevolugdo. Apresentam-se raz6es ¢ evidéncias para demonstrar que a macroevolugdo nao é um modelo de origem vidvel. No capitulo 8, mos- tramos por que a macroevolucao teista decepciona por nao fornecer raciocinio cientifico nem evidéncia empirica necessdrios para dar suporte a suas reivindi- cages. Por isso, nos voltamos para a tinica saida légica — 0 modelo do projeto imteligente — ¢ argumentamos em favor de sua credibilidade como 0 modelo mais plausivel de origem. O capitulo 9 trata de Lei e da mudanga da teoria legal norte-americana do entendimento cléssico da lei natural para uma teoria que encontra sua origem na razao humana —a lei positiva. O exame dessa mudanga inclui a identifica- go dos sina estabilidade do sistema de justica criminal, mas também nossos simples direi- is de perigo que em tiltima instancia ameagam nao somente a tos humanos bésicos. O capitulo 10 usa um contexto histérico (Alemanha nazista) para revelar como 0 conceito errado da natureza humana (macroevolucao) ea lei (estabelecida apenas sobre a razdo humana) violam os direitos humanos. Além disso, mostramos como a promotoria argumentou em favor da Justi¢a, em Nuremberg, com base no conhecimento intuitive das “leis superiores” que transcendem os governos. O fundamento dessa lei superior € um Legislador superior — 0 Criador — que concedeu 4 humanidade um valor intrinseco que 12 Funpamenios iagatavers nenhum governo ou pessoa tem o direito de tirar, No final desse capitulo, concluimos que faz sentido crer que vivemos num universo teista. Contudo, se existe um Deus infinitamente poderoso e justo, por que existe o mal? Onde o mal se originou? Deus 0 criou? O capitulo 11 examina as questoes a respeito da natureza de Deus e 0 problema do mal. Identificado o problema do mal e tendo em vista que cremos que a resposta ao problema veio a terra dois mil anos atrés na pessoa de Jesus Cristo, voltamo- nos para a histéria — capitulo 12 —a fim de descobrir a resposta. Contudo, a interpretacao adequada dos fatos histéricos depende da conviccao de que a histéria é conhecivel ¢ que podem ocorrer milagres, Depois de mostrar que a histéria é de fato conhecivel ¢ os milagres sio possiveis num universo tefsta, apresentamos as evidéncias que sustentam a autenticidade dos documentos do Novo Testamento ¢ a confiabilidade de seus autores. Tendo demonstrado que 0 Novo Testamento relata os fatos da vida de Jesus e seus ensinos, passamos para 0 capitulo 13, no qual examinamos suas declarages de sua confiabilidade, especialmente as referentes a sua divindade, e olhamos para as evidéncias que ele ofereceu para provar suas declaragées de ser Deus. As trés linhas de evidén- cia oferecidas sio 1) 0 cumprimento das profecias do Antigo Testamento a seu respeito; 2) sua vida sem pecado e cheia de atos miraculosos; ¢ 3) sua ressurrei- gio dentre os mortos. Se de fato Jesus ¢ Deus, 0 que ele diz sobre o problema da humanidade é verdadeiro. No capitulo 14, voltamos a Jesus ¢ sua andlise da condiggo humana, mas fazemos isso depois de tratar da crenga muito difundida de que a ética ea moral sio puramente subjetivas ¢ meramente questo de sentimentos ou instinto. Apresentamos um resumo de varios argumentos de C. S, Lewis para refutar essas crengas populares. Em seguida, voltamos novamente a atengao para Jesus c ouvimos o que ele tema dizer a respeito de ética, da causa essencial da doenga moral da humanidade, e da cura permanente para essa doenga. A decisio que se toma de aceitar ou rejeitar os ensinos de Jesus acarreta conseqiiéncias tempo- rais ¢ eternas: um destino de bem-aventuranga eterna ou miséria eterna. Cada pessoa deve decidir individualmente se cré ou nao em Jesus. No capitulo 15, examinamos mais de perto as conseqiiéncias mencionadas anteriormente. Nossa discussao centraliza-se naquilo que dé significado supre- mo a vida. Mostramos por que 0 verdadeiro significado nao pode ser encontrado fora do relacionamento amoroso com Deus. Deus nos projetou para funcionar com o combusttvel da prépria pessoa dele, ¢ fora dele nao pode haver nenhum sentido “definitive” — apenas estados temporirios de realizagao superficial. Inirooucio 13 Aos que aceitam a cura de Jesus para a doenga moral da humanidade, aguarda- os um estado eterno de alegria verdadeira no céw. Entretanto, aos que rejeitam Deus, aguarda-os um lugar de verdadeira miséria, que duraré para sempre. A Biblia refere-se a esse estado eterno de miséria como inferno. O capitulo 16 pretende mostrar brevemente por que o inferno faz sentido e que é decorréncia da natureza santa, justa e amorosa de Deus. Além desses capitulos, incluimos um apéndice intitulado “Respostas base- adas nos primeiros princfpios a questdes éticas”. Os tépicos tratados no apén- dice sdo aborto, cutandsia, questdes biomédicas e clonagem humana. E nossa esperanga que suas dtividas ¢ perguntas sejam respondidas em al- gum lugar nas paginas deste livro e que, como conseqiiéncia, vocé possa enten- der melhor por que sua fé repousa sobre findamentos inabaldveis. Também oramos para que esta obra ajude a fomentar em vocé uma intrepidez que nao seja defensiva, para que vocé seja uma testemunha confiante ao compartilhar 0 evangelho de Jesus Cristo. CaPITULO UM A Logica Os fundamentos da ligica devem ser tdo transculturais quanto a matemdtica, & qual os principios da ldgica estao associados, Os principios da ldgica nao sto ocidentais nem orientais, mas universais, —Monrtimer J. ADLER QuE sho PRIMEIROS PRINCIPIOS? Numa série de ensaios chamado “Légica” ou “Organon”, Aristételes estabele- ceu a diferenga entre as formas validas ¢ invalidas de raciocinio humano. Seu objetivo era tornar claros os passos pelos quais um conjunto de conhecimentos deve ser construido logicamente. Aristételes mostrou que cada ciéncia comeca com certas verdades dbvias que ele chamou de primeiros principios, explicando como esses primeiros princfpios constituem o fundamento sobre o qual repou- sa todo conhecimento. Primeiros princfpios sao as verdades fundamentais das quais se deduzem ilagdes ¢ sobre as quais se baseiam as conclusées. Sao auto- evidentes ¢ podem ser concebidos como princfpios tanto subjacentes como diretores dos princ{pios de uma concepcao de mundo. Cosmovisao é semelhante a uma lente intelectual através da qual enxerga-se _o mundo. Se alguém olha através de uma lente vermelha, 0 mundo lhe parece vermelho. Se outro individuo olha através de uma lente azul, 0 mundo lhe parece azul. Portanto, a pergunta a que devemos responder é: “Qual a cor de lente (cosmovisao) correta para ter a visio correta do mundo?”. Antes de desco- brir isso, uma pergunta mais fundamental precisa ser respondida: “H4 somen- te uma lente intelectualmente justificavel através da qual 0 mundo pode ser visto com precisio?”. Em outras palavras: “Hé somente uma visio de mundo verdadeira?”. 16 FUNDAMENTOS INABALAvEIS Se a nossa cosmovisio é tao digna de confianca quanto nossas primeiras suposigdes ¢ as inferéncias Iégicas que deduzimos delas, este deve ser o lugar por onde comegar. Uma vez que, devido a sua natureza fundamental, os pri- meiros princ{pios no podem ser evitados, devemos ser capazes de us4-los como base comum ou pontos de partida com qualquer pessoa razodvel antes de dis- cutir sua cosmovisio. Se empregarmos um processo de raciocinio correto, de- vemos ser capazes de descobrir qual a cosmovisao mais confidvel. Essa abordagem dos “primeiros principios” vai formar a base para a nossa metodologia, que parece ter sido preterida ou esquecida por muitos pensado- res contemporaneos. Mortimer J. Adler observa uma disting4o importante en- tre os pensadores modernos e algumas das grandes mentes filoséficas do passado, especificamente Aristételes e Tomds de Aquino: Em cada caso a corregio de um erro ou 0 conserto de uma deficiéncia na filosofia de Aristételes e de Aquino repousa sobre os principios subjacentes e controladores do pensamento aristotélico ¢ tomista, Na verdade, a desco- berta desses erros ou deficiéncias quase sempre surge de uma atengao espe- cial e conduz a um entendimento mais profundo daqueles principios. Nisso se assenta o que para mim € a diferenga notdvel entre as falhas gue encontrei na filosofia moderna ¢ as da tradigao do pensamento de Aristételes ¢ de Aquino. Os erros ¢ as deficiéncias neste ou naquele pensa- mento do filésofo moderno surgem ou de seu entendimento equivocado ou, 0 que € pior, de sua ignorancia total dos insights e disting6es indispen- sdveis para chegar & verdade — insights e distingdes que foram tio frutuosos na obra de Aristételes ¢ Aquino, mas que os fildsofos modernos os tém ignorado ou entendido erroneamente, ou até desprezado. Ademais, os er- ros ou deficiéncias no pensamento deste ou daquele fildsofo moderno nao podem ser corrigidos apelando a seus proprios ¢ mais importantes princi- pios, como no caso de Aristételes e Aquino. Ao contrdrio, sto normalmente seus principios — seus pontos de partida — que incorporam os pequenos erros no comeco, que, como Aristoteles e Aquino tao bem conheciam, trazem essas sérias consegiténcias no final. ‘A maioria dos ctistdos responde rapidamente a uma cosmovisio oposta criti- cando-a na conelusao de um argumento. Mortimer Adler corretamente observa que, na maioria das vezes, 0s ertos acontecem no comero. Isso significa que 1A second look in the rearview mirror, p. 240 (grifo do autor). A vouca 17 devemos focalizar esses “pontos de partida” empregados pelos fildsofos, profes- sores, autores e céticos para ver se existe algum erro em seus fundamentos (as suposigdes mais basicas). Se Aristételes estava certo quando disse que os primeitos princ{pios formar os fundamentos de todo conhecimento (disciplinas académicas), é essencial que aprendamos a identific Esse nao ¢ 0 tinico método que pode ser empregado para defender e comunicar -los e usd-los para dar suporte a nossa fé em Cristo. o cristianismo, mas 0 consideramos um dos melhores meios de construir pon- tes da verdade para alcancar os que rejeitam nossas convicges. Se conseguir- mos entender bem os primeiros principios, estaremos a caminho de estabelecer a base comum com aqueles que se opdem ao tefsmo cristo. Se esses primeiros principios de pensamento de fato refletem a natureza do Deus da Biblia, como argumentaremos, os questionadores ¢ os ouvintes opositores naufragarao se os rejeitarem. Isto é, eles devem ou negar a validade dos primeiros principios sobre os quais as disciplinas académicas estado baseadas — minando assim todo 0 conheci- mento —, ou concordar com a credibilidade intelectual desses primeiros princtpios e com ela a solidez intelectual do tetsmo. Por QUE COMECAR COM A LOGICA? A tarefa total diante de nés construir uma lente através da qual possamos enxer- gar adequadamente a realidade (definida como “aquilo que é”).? Uma lente inte- Jectual contém muitas hipéteses, mas sua capacidade focal real pode-se encontrar nas leis que guiam o pensamento humano. Todo mundo usa.a légica para pensar a respeito da vida. A realidade de nossa existéncia, portanto, € 0 objeto de foco para essa lente. Todas as pessoas vez, ou outra j4 pararam para pensar no fato de existirem: a existéncia ¢ a razo humanas so dois pressupostos fundamentais que todos os seres humanos tém em comum. Essas duas suposigdes sao inevitdveis. Para Estamos empregando a palavra realidade para significar aquilo que existe independente de nossa mente ¢ exteriormente a ela, Essa visio se chama realismo, No capitulo 2, vamos mostrar como 0 agnosticismo (doutrina segundo a qual ninguém pode saber nada a respeito da realidade) é auto- anulivel e o realismo é inevixivel ‘18 Funoamenz0s inapaudvers negar.a existéncia ¢.a_razao,.o. individuo teria de_usar_arazao_para_pensar_a respeito dessa negacao. Ademais, tem de existir uma pessoa para se ocupar do processo de racioctnio. Portanto, a existéncia ¢ a razdo devem ser o ponto de partida de qualquer pesquisa honesta ¢ imparcial da verdade. Nossas reflexes a respeito de nossa existéncia levantam uma das questdes mais fundamentais da filosofia: “Por que existe algo em vez de absolutamente nada?”.? No momento que comegamos a usar a capacidade focal da razo para ponderar acerca de nossa existéncia, damos inicio a tarefa filosdfica de construir uma lente intelectual. Com isso em mente, 0 ponto mais sensivel por onde comegar ¢ adquirir conhecimento das leis que orientam 0 modo correto de pensar. Se nossos processos de pensamento forem incorretos, quase sempre nos conduzirao a conclusées falsas. Se a raz4o humana é 0 ponto focal de uma lente intelectual, logo ela sé serd boa se estiver limpa ¢ polida. Se nao estiver, corre- se 0 risco de ter uma visao obscurecida da realidade. Quando pensamos sobre o pensar, automaticamente nos ocupamos da disci- plina académica conhecida por Légica. A légica é 0 ramo da filosofia que compre- ende o entendimento das leis que regem nosso proceso intelectual. A légica é a ordem que a razio descobre quando pensa sobre o pensar. Portanto, é a pré- condigao necesséria para todo pensamento, Uma ver. que os individuos de todos os lugares se empenham no ato de pensar, ¢ que todo pensamento se baseia na logica, pode-se seguramente admitir que a légica é uma prética yniversal. Uma vex estabelecida a capacidade focal da razao ¢ livre de qualquer obstrugéo, pode- mos aplicé-la aos fatos da realidade e por em foco uma cosmovisio. tendo em vista que todo conhecimento depende de um ato de pensamento, a légica deve ser 0 ponto de partida para construir nossa lente intelectual. QuAL 0 PRINCIPIO PRIMEIRO DA LOGICA? Podem duas verdades opostas reivindicar-se verdadeiras? Alguns responderiam afirmativamente. A posicao destes se apdia na filosofia do pluralismo. O pluralista insiste, por exemplo, que os ctistdios véem a realidade de um modo e os hindus véem a mesma realidade de outro modo. Conclui daf que ambas as visdes so verdadeiras. Contudo, neste ponto, nao estamos interessados no motivo pot que dois grupos de individuos abragam visées diferentes, mas em se suas con- clusées opostas acerca da realidade podem scr igualmente corretas. Podem tan- 2V. An introduction to metaphysics, capitulo 1, de Martin Heidegger. Avda 19 to a afirmacio crista (0 mal é real) quanto a negagio oposta do hinduismo (0 mal é uma iltsio) estar corretas? Se uma visio do mal é verdadeira, a outra deve necessariamente ser falsa, As duas declaragdes a respeito do mal néo podem ser verdadeiras ¢ as duas nao podem ser falsas. Outro modo de perceber isso ¢ analisar a palavra ‘olendncia. O oposto de toleréncia é intolerancia. Imagine que estejamos dando uma aula de filosofia da religido e deixemos claro que cremos que 0 ctistianismo ¢ correto € 0 hinduismo éctrado. Nao levaré muito tempo para sermos rotulados de intolerantes. Todavia, 0s que se opdem a nés se autoproclamam tolerantes porque créem que todas as religides so verdadeitas, 0 oposto do que ctemos. Quando se reconhece que a posi¢do intolerance é oposta a tolerante, estabelece-se desse modo a credibilidade do primeiro principio de todo conhecimento, a lei da niio-contradigii.. ios reconhecem a natureza auto-evidente Quando os que se opdem aos cris da lei da nio-contradigao, € como colocar no devido lugar a primeira pega da nossa lente intelectual. Estabelece-se um ponto de contato miituo e importan- te para todos os individuos que créem algo a respeito de determinada coisa. Em outras palavras, assumir qualquer viséo antagonica de qualquer questio, seja expressamente ou por pensamento nao verbalizado, é equivalente a sub- meter-se ao poder essa lei da lbgica é verdadeira, porque todas as outras conclusbes a respeito da reali dade necessariamente dependem dela. O estudo formal (académico) da légica nao é para todos, ¢ esté além do 4 validade da lei da nao-contradigao. E forgoso admitir que escopo deste livro delinear as regras das inferéncias légicas (chamadas silogismos) ou envolver-se numa andlise de como evitar as faldcias formais ¢ informais.* Entreranto, é preciso no minimo adquirir algum conhecimento funcional da lei da néo-contradicao. Ela € 0 principio Iégico mais poderoso que se pode aprender. Todo pensamento (seia sobre fisica ou sobre metafisica) é semelbante na medida que é governado por esse principio primeiro fundamental da ldgica —a lei da nao-contradi¢ao. ‘A LEI DA NKO-CONTRADICAO € INEVITAVEL? A lei da nao-contradigao é auto-evidente e inevitavel. Além disso, deve ser em- pregada em qualquer tentativa de nega-la. Deve ser admitida como verdadeira ‘Para saber mais sobre as leis da Idgica, entre clas as faldcias formais informais, v. Come ler us reason: an inttoduction to logical thinking, de N. L. Geisler e R. M. Brooks 20 FUNDAMENTOS iNABALAVEIS por qualquer um que queira pensar ou dizer algo significativo.E necesséria para fazer qualquer espécie de distingdo, afirmago ou negacio. Por exemplo, se alguém dissesse: “Eu nego a lei da ndo-contradicao”, seria oposto a dizer: “Eu afirmo a lei da nao-contradi¢o”. No proprio ato de negar a lei da nao-contra- digéo, o individuo precisa utilizé-la. A afirmagao: “Voces, cristdos, séo intole- rantes porque nao aceitam todas as religiGes como verdadeitas!”. é 0 oposto de ser tolerante e accitar como verdadeiras todas as reivindicag&es de verdade reli- giosal (Daqui por diante abreviaremos a expresséo “lei da ndo-contradigéo” com as iniciais LNC) ALNC € tao poderosa que nao podemos evitd-la nem nos esconder dela. Seu alcance focal intuitivo foi fortemente atado aos processos intelectuais de todos os seres humanos. Se alguém dissesse: “Nao existe essa coisa chamada verdade, © a INC nao tem sentido”, esse alguém teria feito duas coisas. Primeiro, teria assumido que sua posigao é verdadcira e posta a falsa, e desse modo aplica a LNC (0 que, obviamente, indica que a LNC faz sentido, porque sua posigao supostamente tem sentido). Segundo, teria violado a LNC afirmando que néo existe essa coisa chamada verdade, enquanto, a0 mesmo tempo € no mesmo sen- tido, insistisse que hd essa coisa chamada verdade — a verdade de sua prépria posigao. Fazendo assim, ela automaticamente valida a LNC. Até agora fomos expostos a trés convicgbes basicas que devem ser pressupos- tas como verdadeiras para cada cosmovisao. A primeira ¢ 0 fato da realidade: ela é inegavel. A segunda é que todo individuo que pensa acerca da realidade ime- diatamente supée que a razdo aplica-se a realidade. A terceira é que as duas primeiras necessariamente dependem da mais fundamental verdade auto-evi- dente, a validade da Lc. Visto que a 1NC é 0 ponto focal da lente intelectual em construgao, a confiabilidade dessa lente fica dependente da clareza ¢ integridade de cada com- ponente acrescido dai por diante. Conseqiientemente, antes de continuar, é pre- ciso responder a algumas perguntas sobre a relagao entre a légica ea realidade, ¢ sobre a natureza universal da Idgica. Tudo o que concluimos e tudo que vamos concluir daqui para frente depende das respostas a essas perguntas. E SE TUDO NAO FOR NADA ALEM DE ILUSAO? Se tudo fosse ilustio, a busca da verdade seria uma tarefa sem sentido. Vamos comegar respondendo a essa pergunta, esclarecendo 0 significado dos termos realidade e ilusio. As palavras que usamos ¢ recebemos de outras pessoas com Avoca 21 quem dialogamos devem ser entendidas a fim de haver boa comunicagao. Quan- do atribufmos palavras (simbolos) para corresponder a certos aspectos da reali- dade (referentes), estamos aplicando outra lei da légica chamada lei da identidade (doravante, 110). Esta lei afirma que uma coisa € 0 que afirmamos que & 4 é a. O principio cortelato, a lei do terceito exclu {do (:1F), declara que ou é 4, ou ndo-A (j mais as duas coisas). Todo raciocinio valido repousa sobre esses principio: absolutos ¢ sem eles nao seria possivel o raciocinio. Os simbolos ou as palavras po- dem ser préprios de uma lingua ou cultu- ra especifica, mas desde que se referem & mesma realidade, o significado pode ser, ¢ é, universal. As declaragées universais sao traduzidas em todas as linguas por declaracées universais. Portanto, as leis fundamentais da légica séo vélida universalmente, e, quan- do empregadas devidamente, LN, ETE, € LID agem como as engrenagens ldgi- cas principais que formam a cadeia poderosa de transmissio do processo de raciocinio que produz o modo de pensar correto. Mais adiante neste volume, Eles sao veremos como essas duas leis aparentemente simples podem ser usadas para nos auxiliar na defesa de nossas convicgées dos ataques das mais apaixonadas objegies ao cristianismo. Por enquanto, basta observar como a LID pode ser aplicada para determinar se a realidade existe ou se ela ¢ ilusio. Por todo este capitulo empregamos as palavras existéncia e realidade como sindnimos porque “ser real” é existir ¢ “existir” é ser real. A palavra realidade denota aquilo que existe e manifesta certos atributos (quer pensemos a respeito _desses atributos ou nao). A realidade 4, independentemente do nosso conheci- mento dela, Por exemplo, a gravidade existe, ela ¢ parte da realidade. Mesmo se Sir Isaac Newton jamais tivesse definido a gravidade e nao tivéssemos nenhum, de existir. Quando nos esque- cemos da realidade da gravidade, podemos ser abruptamente lembrados dela se tropegamos num degrau ou escorregamos numa casca de banana. A realida- conhecimento da existéncia dela, ela nao cessari: de, do mesmo modo que a gravidade, € algo que existe no importa 0 que pensamos: a realidade é independente de nossa mente. Podemos também demonstrar que a realidade existe analisando a palavra ‘ilusto, Define-se ilusio como percepsito enganosa da realidade. Quando se diz 22 Funoamentos inaBacévers que algo ¢ ilusao, quer-se dizer que a ilusao falseia o que é real. Contudo, se a realidade objetiva nao existisse para fornecer 0 contraste, nao haveria modo algum de saber coisa alguma a respeito da ilusao. Em outras palavras, para saber se estamos sonhando, devemos ter alguma idéia do que significa estar acordado, sé assim podemos comparar os dois estados. Do mesmo modo, s6 se sabe o que € ilusao porque se tem alguma idéia do que significa ser real, Se tudo fosse de fato ilusio, nunca poderiamos saber nada a respeito dela. A ilusdo absoluta é impossivell Portanto, é légico concluir que ¢ iluséo crer que a realida- de ¢ ilusao. £ SE A LOGICA NAO SE APLICA A REALIDADE? Ja definimos ldgica como a ordem que a razao descobre quando se pensa sobre 0 pensar e descobrimos que a Iégica é um pré-requisito necessdrio a todo pen- samento. Quando refletimos sobre a natureza da realidade e em seguida faze- mos declaragbes de verdade a respeito do que descobrimos, noss s declaragées de verdade serio ldgicas (com sentido) ou ildgicas (sem sentido). Por isso, a primeira pergunta a fazer ao individuo que acredita que a légica nao se aplica & realidade é: “O que vocé supée ser verdadeiro a respeito da légica ¢ da realida- de?”. A primeira suposicao que esse individuo deve fazer para responder a essa pergunta é que é uma perpunta Idgica acerca da realidade e, portanto, digna de uma resposta Idgica. Do mesmo modo, presume-se que a contra-pergunta desse individuo “E se a légica nao se aplica & realidade?” € uma pergunta ldgica acerca do que existe (tealidade). Portanto, o individuo admite que a légica se aplica a realidade, Mas, nesse caso, a pergunta contém uma contradi¢ao implicita (viola a LNC) ¢, conseqiientemente, nao tem sentido. Conseqiientemente, se essa nao fosse uma pergunta légica a respeito da realidade, nao seria necessério respondé-la. Se esse individuo realmente no acredita que a légica se aplica realidade — que tudo da realidade nao faz sentido —, entao nada deve fazer sentido, até sua propria pergunta. Uma ver. que todo individuo usa a légica para pensar a respeito da realida- de, todos automaticamente admitem que a légica se aplica & realidade. Quan- do alguém nega essa verdade, também confirma a verdade da LNC no proceso da negagio. Por conseguinte, sua negagao passa a ser auto-anuldvel ¢ voltamos hovamente ao ponto em que comecamos: a légica é inevitdvel. C. S. Lewis ex- plicou a total inutilidade de tentar dar conta da realidade sem 0 uso da razao quando disse: A vocica «23 Uma teoria que explicasse tudo mais no universo inteiro, mas que tor- nasse impossivel crer que nosso pensamento era valido, seria absoluta- mente indcua. Pois essa mesma teoria teria sido alcangada através do raciocinio, ¢ se este fosse invdlido ela seria entio destrufda. Destruiria as suas préprias credenciais. Tratar-se-ia de um argumento provando que argumento algum é sdlido — uma prova de que nio existem provas — 0 que é tolice.’ E SE FOSSE EMPREGADA A LOGICA ORIENTAL? ‘Alguns dizem que hé outra espécie de légica, a légica oriental, que sustenta a idéia de que a realidade, no seu amago, abriga contradigées, Entretanto, tentar impor limitagoes a qualquer lei universal também é auto-anuldvel. Imagine alguém que acreditasse numa concepgdo oriental da gravidade. Para esse indi- viduo, a gravidade deve submeter-se a urna mudanga radical porque é vista & luz da cultura oriental. Por mais absurda que essa idéia possa parecer, o mesmo éverdade para qualquer individuo que acreditasse que a logica pode submeter- se a alguma mudanga radical em decorréncia de sua localizagao geografica. Dizer que a logica se altera de acordo com a posigdo do observador é subverter o sentido da palavra /égica. A légica oriental afirma que a realidade pode ser légica ¢ ilégica. Mas se alguma coisa ¢ Idgica ¢ também ilégica, é uma contradi- gio ¢ nao faz sentido algum. Logo, de acordo com a légica oriental, tudo em Ultima andlise ¢ sem sentido. Todavia, se em ultima andlise, tudo fosse sem sen- tido, © mesmo aconteceria com a distingao entre a égica ocidental ¢ a légica oriental. Se néo houvesse base nenhuma para julgar entre o pensamento correto 0 incorreto, nao haveria modo nenhum de condluir que a légica oriental é mais precisa que a légica ocidental. Além disso, nao haveria modo nenhum de con- cluir que a visio oriental da realidade é mais acurada do que a visio ocidental da realidade. O tinico modo de fazer essa asserco seria admitir que a realidade nao aceita contradigGes ¢ existe independentemente de nossas opinides. Mas, se isso éverdadeiro, entao as leis da lgica, em particular a LNG, devem ser universais, Portanto, nao existe isso de Iégica oriental ¢ légica ocidental. Nao importa onde o processo intelectual ocorra nem em que cultura esteja envolvido — a ldgica é a mesma. Mortirner J. Adler sublinha essa universalidade: “Os funda- mentos da légica devem ser téo uansculturais quanto a matemética, com a SMilagres, p. 15 24 FUNDAMENTOS INABALAVEIS qual os principios da légica esto associados. Os princ{pios da légica nao séo ocidentais nem orientais, mas universais”.° Qualquer pessoa que visita 0 extremo oriente observa que 0s computadores operam do mesmo modo que no ocidente. A ldgica empregada em regides como a [India ¢ idéntica a légica usada nos Estados Unidos, porque a légica é de cardter universal, ¢ suas leis so universais. Quando pensamos sobre a natureza da realidade, nos ocupamos do que se chama de metafisica (0 que est além do fisico) A metafisica trata da existéncia e da ndo-existéncia de realidades nao- fisicas. Quando aplicada & metafisica, a légica declara que ndo podem coexistir contradigées na realidade. Por exemplo, ov Deus existe, 0 Deus nao existe: os dois fatos ndo podem ser verdadeiros e ambos nao podem ser falsos (ire). A visio oriental da realidade, que é no geral a visio pante(sta,’ accita a forma metafisica da LNC. Se assim nao fosse, os pantefstas poderiam ser atefstas. En- tretanto, os pantefstas no sao atefstas porque créem que ou existe Deus (Brahman), ow nao existe nenhum Ser supremo, mas nao créem em ambas as declaragées. Acreditam que ow os ateus, ou os panteistas esto certos, mas nao os dois. Ou o universo é tudo que existe, uma realidade material ¢ nada mais (atefsmo), ox existe um Ser supremo (Brahman), que é 0 universo. A matéria é on ilusio (no caso do panteismo), 01 € real (no caso do ateismo), mas nao os dois.’ Os habitantes do oriente usam o mesmo tipo de légica que os habitan- tes do ocidente: a légica humana. Anteriormente observamos que as leis da ldgica sdo necessdrias para fazer qualquer espécie de distingao, afirmacao ou negagao. O proprio ato de fazer disting&o entre o pensamento oriental e o ocidental depende dessa Ici univer- sal. Dizer que hd uma concepgao oriental oposta concepgao ocidental depen- de da validade e da natureza universal dessa lei da légica. E inequivoco: temos de concluir que a LNC é to universal quanto o préprio ato de pensar. PODEM-SE APLICAR AS LEIS DA LOGICA COMO TESTE DA VERDADE? Sir Alexander Pope observou corretamente que pouco conhecimento € coisa perigosa! Esse cliché pode ser verdadeiro em nosso caso se deixarmos de indicar Truth in religion: the plurality of religions and the unity of truth, p. 36. 7O panteismo € explicado no capftulo 3. Basicamente, 0 pantetsta cré que Deus permeia todas as coisas e é encontrado em todas elas. Deus é 0 mundo, ¢ 0 mundo é Deus. *Como se disse anteriormente, isso se chama em linguagem técnica de ki do rerceivo excluido (re), que é uma lei irma da LNc. A tocica 25 a limitagao principal da légica. Quando usamos a légica como 0 ponto focal de nossa lente intelectual, devemos ser muito cuidadosos para reconhecer que sua eficdcia se limita a encontrar erro somente. A fungao da légica (i.e., a funcao da LNC) é corrigir o raciocinio falho, ou a argumentagao sem fundamento e, por- tanto, é um teste negativo da verdade. Essa é uma caracteristica muito impor- tante: a légica em si jamais nos ajudard a encontrar a verdade, mas somente nos ajudard a detectar 0 erro. O que é verdadeiro deve ser logico, mas 0 que é légico nao énecessariamente verdadeiro. A declaracao “dois mais dois ¢ igual a quatro” é légica. Do mesmo modo, a afirmagao “dois duendes mais dois duendes sao quatro duendes” também & légica. Ambas as afirmagées sAo Idgicas, contudo, a segunda afirmagdo nao significa que de fato existem duendes. Seria preciso testar para verificar se ha alguma evidéncia que dé apoio 4 declaragdo de que duendes sdo reais. Conse- qiientemente, o que € real ou verdadeiro deve ser légico, mas o que é légico nao é necessariamente real ou verdadeiro. Sea légica por si sé apenas detecta o erro, como se pode descobrir a verda- de? Este livro foi planejado de modo a responder a essa pergunta com base no conhecimento acumulado e a aplicagao dos primeiros principios fundamentais dos diversos campos do saber (disciplinas académicas) da forma que sao aplica- dos a realidade. Em outras palavras, veremos que uma vez. que esses primeiros principios se juntem adequadamente, como pegas de um quebra-cabega, eles thos mostrardo qual é a cosmovisio mais razodvel ou verdadeira. Depois é qucs- tao de encontrar respostas &s perguntas que fazem sentido dentro dos parimetros dessa cosmovisio ¢ se adaptam da maneira mais coerente com aquilo que co- nhecemos mediante noss: 0 cu- experiéncias da vida. Entretanto, a aplic mulativa dos primeiros principios & realidade nao deve violar os princtpios previamente estabelecidos, Por exemplo, quando identificamos o primeiro prin- cipio da ciéncia ¢ tiramos conclusées dele, ele nao deve violar os primeiros principios da ldgica ou da filosofia. 'Irataremos com mais detalhes desse teste da verdade nos capitulos que se segue CapfTULO DOIS A VERDADE Que é a verdade? —PILatos Que é A veroave? Segunda Ari “tural que todos tém de conhecer a verdade. Todavia, 0 dese} Jes, a filosofia comeca com 0 desejo ni jo de conhecer a verdade é uma coisa, mas encontrar averdade é outra completamente diferente. As aparénci- as podem ser enganosas, muitas coisas parecem verda- deiras, mas na realidade nao sao, A primeira vista, uma haste de ago imersa numa vasilha de 4gua parece torta, mas nfo € torta. Ora, se € tio facil ter uma percepgio errada da verdadeira natureza das coisas fisicas, 0 que dizer da verdade acerca das coisas metafisicas? ‘A metafisica se preocupa com questdes como, por exemplo, a existéncia e a natureza de Deus. Mas como esperar encontrar respostas verdadeiras a pergun- tas referentes a verdade sobre a existéncia e a natureza da realidade se 0s fatos fisicos, tangfveis, podem causar tanto engano? Antes de comecar a responder a essa pergunta, é preciso responder as questdes mais fundamentais a respeito da capacidade de conhecer a realidade ¢ a natureza da verdade. Se se busca a verdade com seriedade, deve-se aprender a aplicar corretamen- tea filosofia & vida. Podemos nao nos sentir & vontade com 0 termo “filosofia’, mas usamos filosofia o tempo todo. Quando pensamos a respeito da vida, usa- 28 — FUNDAMENTOS INABALAVEIS mos a légica, ¢ a légica € um ramo da filosofia. Nao se trata de usar a filosofia, mas de usé-I la correta ou incorretamente. Alguns acham que a filosofia se reser- va para as pessoas com alto nivel de escolaridade, mas essa idéia nao é verdadei- ra. Mesmo os que instrugio muito limitada séo capazes de acompanhar um raciocinio. C. S. Lewis nos lembra: Os individuos sem escolaridade nao sio pessoas irracionais. Descobri que cles vao agitentar ¢ podem acompanhar muito de uma argumentagao prolon- gada se vocé caminhar devagar, Em geral, na verdade, a novidade desse procedimento (pois raramente se encontraram nessa circunstancia antes) délhes prazer! Lewis compartilhava da conviccao dos antigos gregos de que a filosofia, por definicao, tem de ser prética e significativa, Entendiam os helénicos que a filosofia era téo til para 0 arteséo inculto da época quanto para o estudioso metafisico. Logo, nao precisamos nos desviar, independentemente da histdria escolar do individuo, a filosofia pode vir a ser uma ferramenta muito impor- “amor que se tem por um amigo. O verdadeiro fildsofo ama a sabedoria como se fosse uma amiga muito intima. Os gregos combinaram essas duas palavras com a intengéo de designar um tipo caracteristico de exercicio mental, o exercicio da razao na busca da verdade. Pode-se também compreender a filosofia como uma inquirigao e andlise das realidades fundamentais de nossa existéncia, entre ‘estas as proprias palavras e os conceitos que constituem a linguagem cotidiana. Alids, Filosofia ¢ 0 empenho de empreender um exame racional e consisten- te das reivindicagées de veracidade de qualquer sistema de crenga. Todavia, se a verdade nao existe, por que se importar com a filosofia? Pense em todos os filésofos e livros de filosofia do mundo hoje. Se a disciplina académica da filo- sofia é esvaziada da verdade, entao os fildsofos estao numa busca va. Deve haver algo gravemente errado com os fildsofos que escrevem ¢ falam a respeito do amor por um amigo chegado que nao existe! A primeira e principal hipdtese que deve fazer todo aquele que procura respostas é: podem ser encontradas respostas verdadeiras. Alguns negam que existem respostas verdadeiras. O problema com essa concep¢ao é que ela se 'God in the dock, p. 99. A veroave 29 presume verdadeira; se fosse, seria uma premissa auto-anulével. Se um indivi- duo acredita que todas as visGes da tealidade sio falsas, entio sua visio também deve ser falsa, porque se fosse verdadeira, todas as vis6es nao seriam falsas. Negar a existéncia da verdade é confirmar-the a existencia —a verdade éinevitdvel Portanto, a declaracao de que se podem fazer declaragdes verdadeiras a respeito da realidade é uma declaracéo justifi Sea verdade ¢ a realidade sdo inevitdveis, entéo de que modo elas se relaci- vel racionalmente. onam? Qual é a ligagdo entre a natureza da verdade ¢ a natureza da realidade? No capitulo 1, usamos a lei da gravidade para ilustrar uma verdade. Dissemos que mesmo se Newton nao tivesse descrito a gravidade, a realidad da existén- cia dessa lei nao se alteraria, isto é, a existéncia da gravidade nao depende de nosso conhecimento dela. Se a realidade existe independentemente de nosso conhecimento, entao a verdade deve estar ligada ao processo de investigagao e descoberta de um atributo da realidade, Quando investigamos e descobrimos algum aspecto da realidade e fazemos afirmagGes precisas a respeito dele, fala- mos a verdade. De modo contra jo, quando fazemos declaragdes que suposta- mente correspondem a realidade, mas nao correspondem, nao falamos a verdade. O que é verdade? Por definicao, a verdade é a expressio, 0 simbolo ou a declaragdo que corresponde ao seu objeto ou referente (ise., aquele ao qual se refere, seja um conceito abstrato ou uma coisa concreta). Quando a afirmagao ou expressio diz respeito a realidade, ela deve corresponder a realidade para ser verdadeira. Nao obstante, hé muitas declaragdes e concepgoes da realidade; por que deveriam os cristaos crer que tém a tinica opinido correta? As pessoas nao deveriam interpretar a realidade por si mesmas ¢ pessoalmente decidir o que é verdadciro individualmente? No que diz respeito a religido, a verdade nao € questdo de preferéncia pessoal e portanto relativa? A VERDADE & RELATIVA? A visio relativa da verdade ficou profundamente enraizada na mentes ¢ no cora- sao das pessoas do nosso tempo, principalmente nos cfrculos académicos. O pensamento relativista nos influenciou tanto que agora se considera antiintelectual crer na verdade absoluta. A maioria dos educadores e estudantes considera a verdade obsoleta, nao absoluta. Allan Bloom, autor de um dos livros mais con- vincentes que retratam a deterioragao da educagao superior, disse: Hé uma coisa de que um professor pode estar absolutamente certo: quase todo aluno que ingressa na universidade acredica, ou diz que acredita, que a 30 Se essa anilise ¢ correta, cremos que é, como podemos defender a vis FUNDAMENTOS INABALAVEIS verdade € relativa. Quando essa conviccéo € posta a prova, pode-se contar com a reagao dos alunos: nao vao compreender. © fato de alguém conside- rar essa proposigao nao auto-evidente o deixa perplexo, como se questionas- se que 242 =4, Isso sao coisas de que nao se fala. Os contextos ¢ experiéncias sociais dos alunos sio os mais variados que 0s Estados Unidos podem oferecer. Uns so religiosos, uns ateus; uns sio de esquerda, outros, de direita; uns pretendem ser cientistas, outros, humanistas ou profissionais, ou ainda homens de negécios; alguns sio pobres, outros ricos, Sao uniformes apenas no relativismo e na fidelidade & igualdade. E ambos se relacionam com a intengao moral. A relatividade da verdade nao é uma reflexdo tedrica, mas um postulado moral, a condigéo de uma socieda- de livre, ou assim a enxergam. Todos eles foram equipados bem cedo com essa estrutura, que € 0 substituto moderno para os direitos nacurais inaliendveis que cram a base norte-americana tradicional para uma sociedade livre. Que isso € uma questo moral para os estudantes revela-se pelo cardter da respos- ta deles quando desafiados: uma combinagio de descrenga e indignacio: “Voces so absolutistas?” — a tinica alternativa que eles conhecem, pronun- ciada no mesmo tom que “Vocés sio monarquistas?” ou “Vocés acreditam em bruxas?” [...] O relati virtude, a que toda educagao primédria dedicou-se a inculcar por mais de ismo € necessério para a abertura; ¢ isso é uma virtude, a tinica cingiienta anos [...] O crente verdadeiro € 0 perigo real. O estudo da histéria ¢ da culeura ensina que todo © mundo estava louco no passado; os homens sempre pensaram que estavam certos, ¢ isso levou a guerras, perseguicdes, escraviddo, xenofobia, ra- cismo, ¢ chauvinismo. A questio nfo € corrigir os erros ¢ ser realmente certo. Pelo contritio, é no pensar de modo nenhum que se esté certo. Os alunos, naturalmente, néo podem defender a opiniao deles. algo em que foram doutrinados. O melhor que conseguem fazer € indicar todas as opinides e culturas que existiram e existem. Que direito, perguntam, tenho eu ou qualquer outro de dizer que um individuo € melhor que os outros? [...] © propésito da formacio escolar deles nao € torné-los letrados, mas muni-los de uma virtude moral — a abertura? 0 cris da credibilidade da verdade absoluta? Para piorar as coisas, alguns professores The closing of the American mind, p. 25-6. Publicado em portugués com o titulo O declinio da cultura ocidental: da crise da universidade a crise da sociedade. A veroane 3] estao determinados a minar as convicg6es rcligiosas dos alunos. Certo professor disse & sua classe: Nossa ética se baseia na crenga antiga de que hd forcas sobrenaturais que operam no mundo, que essas forcas sobrenaturais fornecem a base da ética, € temos responsabilidade moral baseada no livre-arbierio, Tudo isso é falso. E mesmo aqueles que acham que é verdadeiro devem reconhecer que nio hé mais consenso sobre essas crengas [...] Digo aos meus alunos religiosos para olharem para os colegas que estio sentados em cada lado deles na sala de aula [...] A probabilidade ¢ de que pelo menos um deles nao compartilhe da crenga de que Deus proporciona o fundamento definitivo para a ética, Nao ha volta para um mundo em que nossa ética se baseie numa revelagéo daqu lo que Deus exige de nds. A convicgao do cristéo na verdade absoluta e no Deus da Biblia normalmente no € tolerada nos cfrculos intelectuais seculares. Em geral hé uma forte presso dos colegas, professores ¢ amigos incrédulos para fazer os cristios abandonarem suas convicgdes ¢ aceitar a iddia de que a estreiteza do pensamento deles é a mesma mentalidade que em tiltima andlise causa imitagdes grotescas das cruza das medievais e de toda espécie de perseguicées. Para entender melhor com que se parece esse tipo de ambiente, considere 0 seguinte rotciro imagindrio. A VERDADE ABSOLUTA E INTOLERANTE? Imagine que vocé é um aluno universitério e é sua primeira semana no campus. Geralmente, esse é um periodo de novas experiéncias e de fazer novas amizades. Hoje é seu segundo dia de aula ¢ vocé esté esperando 0 professor aparecer na classe. Célculo ¢ dificil, mas vocé sabe que se sairé bem estudando muito. Litera- tura parece algo divertido, j4 que o professor disse que a maior parte do curso consiste em resenhas criticas dos livros de sua escolha. Mas a aula de que voce vai participar agora, esperada com muita ansiedade de sua parte, pois nao imagina 0 que vai ouvir. Vocé nao tem muita seguranga em introdugao a filosofia. Nao sabe 6 que vai ser dito ¢ como voce vai reagir. Por isso conforta-se com a idéia de que uma aula de filosofia numa instituigao altamente reconhecida como essa Ihe vai oferecer orientacao sélida no que diz respeito a encontrar respostas as questdes finais. Bem, voce saberd logo, porque o professor esté entrando na classe. °G. Liles, citando 0 bidlogo da Universidade Cornell, William Provine, no artigo The faith of an atheist, 170, margo/1994, p. 61. 32 FUNDANENIOS INABALAVEIS — Oi, pessoal, eu sou a professora Leslie Stone e quero dar-thes as boas- vindas 4 aula de filosofia. Gostaria de usar o tempo de hoje para nos conhecermos uns aos outros. Por isso, por favor, pensem em seus conceitos sobre verdade e se preparem para compartilhé-los com o resto da sala. Vocés sao livres para dizer no que créem acerca de Deus, do universo, do bem e do mal, ou qualquer outta coisa que acham pode ajudar-nos a conhecer suas convicgées religiosas pessoais. ‘Tudo bem, ¢ agora? Seu medo era que algo assim ocorresse! Ouca seus cole- gas de classe — ninguém disse nenhuma palavra a respeito da Biblia nem de Jesus, ja é quase a sua vez. Bem, a professora Stone disse para vocé se sentir a vontade para compartilhar 0 que vocé cré. Apronte-se, é sua ver! — Meu nome ¢ John Tate, ¢ sou do Texas. Cresci num lar religioso, com pais muito carinhosos que me ensinaram a crer na Biblia como a Palavra de Deus. Creio que Deus criou 0 universo, como esté escrito no livro de Génesis, e que ele também criou Adio e Eva. Creio que Adio ¢ Eva desobedeceram a Deus ¢ todo ser humano que nasceu desse momento em diante herdou a natu- reza pecaminosa. Portanto, todos nds nascemos maus € temos inclinagéo natu- ral para o pecado, o que éa noticia ruim. E ruim porque, conforme as Escrituras, cada todos estéo condenados ao inferno. Contudo, a noticia boa é que Deus enviou seu Filho, Jesus, para nos salvar da punicao eterna. Jesus morteu pelos nossos pecados ¢ tornou posstvel nosso ingresso no céu. Jesus deixou bem claro que ele € 0 tinico caminho para Deus. E, no foi tao ruim assim. A professora Stone agradeceu e passou direto para © préximo aluno. Isso no vai ser tio desagradavel quanto vocé imaginava. Restam apenas alguns alunos, ¢ talvez voce seja capaz de perguntar 4 professora Stone se pode compartilhar seu testemunho pessoal... Bem, esse foi o tiltimo aluno, e a professora Stone ainda tem algum tempo de aula, essa poderia ser a sua oportunidade. Espere, a professora Stone esté se preparando para dizer alguma coisa. — Muito bem, pessoal, agora que ouvimos 0 que cada um cré, eu gostaria que leyantassem as méos em resposta 4 minha proxima pergunta. Tendo em vista que o que é verdadeiro para uma pessoa pode nao ser verdadeiro para outra, quantos de -vocés acham que devemos ser tolerantes com as convicgées religiosas uns dos outros? Em outras palavras, quantos acreditam que toda verdade religiosa € pessoal ¢, portanto, relativa? Oh, nao! E agora? Todas as mios esto levantadas na sala, e vocé é 0 nico que ndo concordou. A professora Stone esté olhando diretamente para vocé. O que voce vai dizer? A veroane 33 —Tate. Sim, professora Stone. — Tate, eu nao 0 vi levantar a mao. Como € que todo mundo aqui reconhe- cea verdade do que eu disse, menos voce? — Eu nio sei, professora Stone. A tinica coisa que sei é que todos nés nao podemos estar certos. Creio que devemos respeitar uns aos outros, mas como podem todas as nossas respostas ser igualmente verdadeiras? — Bem, sr. Tate, bem-vindo ao curso superior ¢ a minha aula. Deixe-me gastar alguns minutos para explicar por que toda verdade religiosa é relativa. — Hi uma antiga pardbola a respeito de seis hindus cegos que tocavam um elefante. Essa parébola pode ajudé-lo a compreender a questo. Um cego tocou lado do corpo do elefante ¢ disse que era um muro, Outro cego tocou a ore- ites Iha do elefante ¢ disse que era uma grande folha de Arvore. Outro segu- rou uma das pernas do clefante e pen- sou que fosse 0 tronco de uma arvore. Outro ainda segurou a tromba do ele- fante ¢ disse que era uma cobra. Ou- tro cego tocou uma das presas de Seis homens a Muro Corda marfim e pensou que se tratava de uma langa. Finalmente, outro cego tomou a cauda do elefante nas maos ¢ julgou estar segurando uma corda. Todos os cegos estavam tocando a mesma realidade, mas compreendiam-na de maneiras diferentes. Eles todos tinham o direito de interpretar 0 que tocaram de acordo com 0 seu modo pessoal, mas 0 objeto tocado era o mesmo elefante. — Veja, st. Tate, uma vez que tod: existir além de nosso mundo fisico, devemos interpretar essa realidade a nossa prépria maneira. Do mesmo modo que a parabola ilustra, as diferentes religi- Ges tém diferentes interpretages da realidade, mas a realidade é parece ser uma coisa para o budista e outra para o muculmano. O cristéo a vé de um modo, e o hindu de outro, e assim por diante. A realidade ¢ uma, mas as maneiras de enxergé-la so muitas. H4 muitos caminhos que o podem levar ao topo de uma montanha. — Semelhantemente, vocé acabou de ouvir os seus colegas de classe compartilha- rem suas opinides pessoais sobre a realidade tiltima, cada um certo de acordo com os Cobra Tronco de arvore somos cegos para a realidade que pode mesma. Ela 34> FUnoAMENTOS INABALAVEIS préprios olhos. Portanto, devemos aceitar a opiniao de cada um ¢ ser tolerantes com todos. Jesus nao disse: “Ama o préximo como a ti mesmo”? Ollhe ao redor, Tate. Estes so os seus colegas de classe. Vocé quer amé-los, ou quer condené-los ao inferno por cau- sade sua crenga na verdade ab- soluta? Vocé precisa aprender que ha édio bastante no mun- do e que o tinico modo de viver em paz é amar, tolerar e respei- tar as convicgées religiosas dos outros. Voce deve entender que be pica Crist}dnismo Sees, as ideias deles sio tao verdadei- ras para cles quanto a suaé para voce, Eles enxergam a verdade no que acabei de dizer e, por isso ergueram a mao. — Espero que agora vocé esteja pronto para concordar com o restante dos companheiros de classe, sr. Tate, porque nao queremos ser intolerantes religio- sos. Ou queremos? Esta escola defende o pluralismo ¢ a tolerdncia como ferra- mentas valiosas para de criar um ambiente liberal, onde os alunos possam aprender cada um das preferéncias pessoais diferentes dos outros. Isso nao 0 ajuda a entender © que estou dizendo com respeito & natureza relativa das reivindicagées da verdade religiosa? — Sim, professora Stone, posso enxergar a verdade no que a senhora falou. — Que bom, Tate! Nosso tempo jd terminou, ¢ a classe esta dispensada. Precisamos olhar para alguns obstdculos que impedem as pessoas de crer na verdade absoluta. O pluralismo é a primeira barreira, por isso vamos comecar com 0 entendimento do que ele é ¢ de como afeta os académicos. Que & pLuraLisno? Uma instituigao superior de ensino é o lugar onde se esperam encontrar as respostas certas a algumas das mais importantes questées da vida. ‘Todavia, a universidade secular costuma estar nos tiltimos lugares da lista em que se en- contram essas respostas acerca da busca da verdade absoluta. Os alunos cristios que chegam a essas escolas normalmente se encontram num ambiente que oferece muitas respostas diferentes as mesmas questées essenciais da vida. Essa posicao filosdfica é conhecida como pluralismo. A verouoe 35 O pluralismo contemporaineo manifesta-se principalmente como a di versidade que se encontra numa sociedade multicultural, Certamente, hé mui- to que ganhar com 0 aprendizado dos varios modos que o mundo ¢ visto, mas como isso se relaciona com a verdade? No que diz respeito & filosofia, 0 plura- lismo ensina que todas as idéias s40 verdadeiras, mesmo as que so opostas, “entre si. A visio pluralista da realidade corréi insidiosamente o cristianismo, que ensina que as concepg6es nao podem ser todas verdadeiras. Em fim, apenas uma é verdadeira, e tudo 0 que se lhe opée ¢ falso. O pluralismo religioso consiste num sistema de crengas que admite a. coexisténcia de uma diversidade de pensamentos, valores e convicgGes conside- rados, principalmente, produtos da familia do individuo, de sua cultura e so- ciedade. Como no didlogo imagindrio anteriormente proposto, o professor que ensina essa filosofia lhe dird que vocé deve aprender a aceitar as visbes alterna- tivas da realidade como verdadeiras ¢ ter prazer no fato de outros poderem enriquecer sua visio da vida oferecendo-lhe uma nova perspectiva da realidade. Portanto, de acordo com o pluralismo religioso, somente faz sentido as mesmas questdes cruciais terem respostas diferentes se tudo depende do modo que o individuo enxerga 0 mundo. Posso enxergar 0 mundo azul. Outro pode crer que o mundo é amarelo. Outro ainda percebe 0 mundo como vermelho. Con- seqiientemente, as respostas As questdes tiltimas da vida terao a cor e a tendén- cia de acordo com o modo que o mundo € visto. Com efeito, temos muitas das mesmas questées tiltimas sobre a vida, como estas: Deus existe? O que é a verdade? Por que estamos aqui? O que é 0 mal e por que ele existe se ha um Deus amoroso? O que da sentido & vida? Segundo o pluralismo, as respostas a essas perguntas dependem de como se vé o mundo. Uma ver que essa espécie de verdade ¢ relativa ¢ de foro pessoal, ninguém deve crer que hé apenas um modo de enxergar 0 mundo. O pluralis- mo éa conclusiio ldgica de uma visio relativa da verdade. F. também a negacio das leis da légica, porque insiste que tanto 4 como nao-A podem ser verdadeiros. A batalha pela verdade absoluta se inicia no momento que comegamos a responder ds questes tiltimas com respostas absolutas baseadas na visio cristi histérica do mundo. Para os estudantes, é uma batalha muito dificil, conside- rando o ambiente em que vivem. Muitos professores e colegas de classe nao hesitam em ensinar que dar respostas do estreito ponto de vista cristéo € pro- blematico. Nao demora muito para dizerem, direta ou indiretamente, que os cristdos ndo sao os tinicos detentores da verdade e que ter essa visio de mundo no passa de uma forma religiosa de discriminagao. Esse tipo de intolerancia 36 FUNDAMENTOS InaBaLavers no se tolera, € os alunos sio aconselhados a abrir a mente e se livrar de téo estreita ¢ tendenciosa visio da realidade. Sao exortados a abandonar a crenca numa Biblia arcaica e fazer parte da esfera da educagao superior, onde vivem as pessoas inteligentes. A tinica visio tolerada nesses circulos académicos é a que concorda com o pluralismo. OQ PLURALISMO DEVE SER ACOLHIDO NO MEIO ACADEMICO? A palavra universidade é baseada no conceito de unidade da verdade, a “tinica entte muitas”. Houve um tempo em que se acreditava que havia uma wnidade global na diversidade (i.e., uni-versidade) que formaya a base das disciplinas académicas, Esse fundamento para a verdade também se baseava em absolutos. Agora, porém, nao se tolera mais essa compreensio, , a universidade passou a ser pluriversidade. Agora existe uma pluralidade na diversidade que nao consi- dera a verdade como um todo harmonioso a ser buscado descoberto entre diversas visées de mundo — e acreditar nessa idéia equivale a praticar heresia académica. Ha trés palavras a incluir em nosso vocabulério acerca da verdade se quisermos ser académica, social ¢ politicamente corretos. Sao elas pluralismo, tolerdncia ¢ liberalismo. Entretanto, é de vital importancia entender quando faz sentido empregar e a valorizar esses termos ¢ quando nao. Mortimer J. Adler expli Pluralismo, tolerancia ¢ liberalismo (0 tipo de liberalismo doutrindrio) séo termos do século vinte que tém poucos antecedentes no pensamento moder- no, principalmente no do século dezenove, ¢ nada se conhece deles na Anti- guidade nem na Idade Média. Os liberais doutrinarios do século vinte abracam 0 pluralismo a tole- rancia como se fossem valores desejiveis, aos quais nio se devem impor restrigéo nem qualificagdes quando aplicados a vida da sociedade ¢ do pen- samento [...] © pluralismo é a politica desejével em todas as esferas de acio € pensamento, exceto onde se exige unidade, Quando se exige unidade, 0 J Na esfera dos assuntos sujeitos ao pensamento ¢ a decisio individuais, pluralismo deve ser fimirado [ o pluralismo € desejavel e tolerdvel somente naquilo que diz. respeito a0 gosto, no a verdade, As preferéncias em relagdo ao que se come ou veste, aos tipos de danga, costumes sociais, estilos de arte, entre outras, no susci- tam perguntas acerca da verdade, Nesses casos, 0 pluralismo sempre existiu na terra [...] Quando em determinada cultura ou sociedade tenta-se reger a A verpave 37 conduta dos individuos no que diz respeito ao gosto, esse regime tende a um controle monolitico das preferéncias ¢ decisdes pessoais. A reaco contra esse regime monolitico ou totalitdrio ¢ a forga motivadora da intrépida defesa liberal da tolerancia da diversidade em todas as quest6es em que os individuos tém o diteito de ser livres para expressar suas prefe- réncias pessoais ¢ agir de acordo com elas. Essas questbes dizem respeito & vontade do individuo, Mas quanto as quest6es de ambito intelectual, as quais envolvem a verdade nao gosto, o pluralismo insistente ¢ intolerével [...] Mas essa incolerancia é simplesmente problema de natureza pessoal. Nao exige suprimir opinises falsas que os outros ainda possam sustentar [...] Exige somente discussio continua entre individuos [...] Aplicar 0 pluralismo com relacio a valores tao desejaveis ¢ toleréveis equivale a repudiar todos os jutzos de valor, como se eles se referissem as preferéncias individuais, nao & verdade. Se, porém, os julgamentos prescritivos que fazemos sobre como conduzir nossa vida e nossa comunida- de — julgamentos estes que contém a palavra “deve” — podem ser verda- deiros ou falsos, entio eles so sujeitos & unidade da verdade, tanto quanto nossos julgamentos na matemética ¢ nas ciéncias empiricas.“ Queremos ser claros em dois pontos criticos que Adler enfatizou. Basicamente, ha lugar para o pluralismo na sociedade com respeito a questoes de gosto, e Adler deu razGes sélidas por que isso faz sentido numa sociedade livre. Em contrapartida, ndo hd lugar para o pluralismo quando se trata de decidir sobre questoes que dizem respeito a verdade, que implicam unidade de pensamento. Portanto, queremos chamar aten¢do para esta pergunta: “As idéias filosdficas e religiosas so questées de gosto ou de verdade?”. O modo mais simples de responder a essa pergunta é deixar os que acredi- tam que a verdade ¢ uma questao de gosto decidir por si mesmos. Digamos que estamos tendo uma discussdo com algumas pessoas que créem que todas as afirmagies filoséficas ¢ religiosas sio meramente questo de preferéncia indivi- dual. Se este & 0 caso, essas pessoas nao deveriam defender-se quando discorda- mos delas, Se se poem a defender a idéia de que essas afirmagées so questo de preferéncia (ou mesmo acreditam que suas afirmagées so verdadeiras!), a ver- dade se revela. Por que haveriam de ficar transtornadas se preferimos uma idéia a outra em matéria de gosto? “Truth in religion, p. 1-4 38 Funoamenros inapativers Por exemplo, se dissessem “Nao existe esse negdcio de verdade com respeito 4 filosofia”, poderfamos simplesmente perguntar: “Sua afirmagao é verdadei- 12”, O individuo intelectualmente sincero deve enxergar a natureza autofrustrante de sua afirmagao. Portanto, as afirmacies filosificas sido matérias relacionadas it verdade. Mas ¢ a religido? As declaragées da religiéo pertencem & esfera do gosto e das preferéncias pessoais? Imagine novamente que vocé é John ‘Tate ¢ vamos dar uma olhada bem de perto naquilo que foi dito em sua aula. Sua professora sustentou veementemente que as crengas religiosas so ques- tao de gosto, de preferéncias pessoais. Ela cré que, quando se trata de religiao, © que é verdadeiro para um individuo necessariamente nao ¢ para outro. O modo mais fécil de verificar a validade dessa convicgao é simplesmente aplicar esse conceito a ele préprio e constatar passa em seu préprio teste. Vocé pode realizar essa tarefa fazendo a pergunta certa & professora Stone,> como: “A sra. acredita que 0 que ¢ verdadeiro para um indiyiduo nao ¢ necessariamente ver- dadeiro para outro. Entdo sua idéia ¢ verdadeira para a senhora ou ¢ verdadeira ‘para mim. ¢ para os outros alunos da classe também?”, Sea opinido da professora Stone fosse verdadeira somente para ela, porque ela prefere crer que se trata de gosto pessoal, por que, entao, estava tentando convencé-lo de que tem de ser verdadeira para a classe toda? Se as convicgdes religiosas so apenas questao de preferéncia, nao faz sentido algum a professora Stone argumentar que a opiniao dela é verdadeira para todos. O ponto de vista dela faz sentido apenas se ela realmente sustenta a convicgiio de que as crengas religiosas sdo questées referentes x verdade. Ambas as posigdes nao podem ser verdadeiras ao mesmo tempo € no mesmo sentido, isso viola a LNC. A professo- ra Stone se contradisse ao pregar uma visdo pessoal da tolerancia ao mesmo tempo que estava sendo intolerante com a crenga de John na verdade “religio- ‘sa’ absoluta, Estd claro que as ideias filosdficas e religiosas so questoes perti- s individuais. nentes a verdade, nao ao gosto ou as preferénci Por conseguinte, ¢ intelectualmente legitimo dar razées para a verdade de uma visio de a realidade ser oposta a outra. E, por isso, as instituigoes de educagio superior nao devem abracar o pluralismo no que concerne as idéias filosdficas € religiosas. Os alunos e professores tém de ter a liberdade de com- partilhar e debater essas questdes, que, em tiltima andlise pertencem ao Ambito do intelecto porque sao problemas relativos & verdade, nao ao gosto. Para aprender a fazer as perguntas certas, leia 0 cap. 3. ‘A verosoe 39 Dissemos que a verdade é uma expresso, um simbolo, ou uma declaragio _que corresponde ao seu referente (i.¢., aquilo a que se refere, seja um conceito [abstrato] ou um objeto real [concreto]. Para que uma afirmagao ou expresso a respeito da realidade seja verdadeira, deve corresponder & realidade. Enere- tanto, essa definicao de verdade presume que podemos conhecer alguma coisa a respeito da realidade. Por isso, antes de continuar, devemos sustentar a verda- de dessa hipétese ¢ mostrar que aqueles que créem que a realidade nao pode ser conhecida laboram em erro. Agnosticismo — que € 1550? Pense no que significa saber que uma coisa existe. A existéncia ¢ 0 fato mais basico a respeito de alguma coisa. Retire-se a existéncia, e nada resta. Nao obstante, muita gente cré que determinada coisa existe ¢ a0 mesmo tempo cré que éimposstvel saber algo a respeito dessa coisa. Essa maneira de ver se chama agnosticismo. A palavta agnosticismo literalmente significa “nenhum conheci- mento”. Thomas Henry Huxley inventou 0 termo em 1869 para denotar a atitude filosdfica ¢ religiosa daqueles que dizem que as idéias metafisicas nao podem ser provadas nem refutadas. As duas formas bésicas de agnosticismo séo representadas por aqueles que créem que nao se combece a tealidade (é 0 agnosticismo “moderado” ou ceticismo) e aqueles que declaram que mio se pode “conhecer a realidade (agnosticismo “extremado”). Mais adiante, mostraremos ao agnéstico moderado por que alguns aspectos fundamentais da realidade sao cognosctveis. Mas a visio do agnéstico extre- mado deve ter resposta antes de prosseguirmos nossa busca da verdade. oF fas os at Sr iseds 1804), estabeleceu a idéia co- nhecida como agnosticismo A fatureza ‘da mefte extremado. O principio central do agnosticismo extremado é que, embora saibamos quea re- alidade existe, o que éa tealidade em si (sua esséncia) nao se pode conhecer pela azo humana, Embora Kant tenha escrito séculos atrés, seus escritos forma- 40 FUNDAMENTOS INABALAVEIS ram muito da base da filosofia moderna. Foi sua pena que pés um fim abrupto ao raciocinio metafisico (oferecendo raz6es para a existéncia de Deus). Kant tragou a linha que estabelece o limite para a razéo humana, linha esta que fixou um abismo intranspontvel entre 0 que a realidade é em si ¢ a nossa capacidade de conhecé-la como tal. Para ajudar a visualizar 0 produto da filosofia de Kant, pense na realidade ttima como o que existe realmente além do mundo fisico. Segundo Kant, nosso raciocinio jamais poderd atravessar 0 abismo daquilo que vemos para o que realmente éc responder a pergunta “O que é isso?”. Conseqiientemente’ , pode- se saber gue a realidade existe, mas 0 que a realidade realmente é em si no se pode conhecer, Para concordar com Kant, precisarfamos crer que as categorias da mente formam ou estruturam a realidade para nés, mas néo podemos nun- ca saber verdadeiramente o que ela é. Enxergamos a realidade apenas como ela se nos apresenta depois de termos moldado a “matéria-prima” da realidade por intermédio das categorias ¢ formas da mente e dos sentidos. A maioria dos filésofos que vieram depois de Kant adotou seu agnosticismo metafisico. Mais tarde, alguns idéias correspondem & realidade, toda verdade deve ser relativa ao modo indi- vidual de nossa mente interpretar a realidade. Disso, 0 conceito moderno de verdade chamado relativismo (toda verdade é relativa), no devido tempo, deu origem ao pluralismo (todas as visbes sao verdadeiras). rgumentaram que se no podemos saber se as RELATIVISNO & PLURALISMO FAZEM SENTIDO? O relarivismo é mais sutil do que 0 agnosticismo extremado, porque os relativistas créem que todas as concepgées da realidade sao verdadeiras den- tro do contexto cultural ou do ambiente do individuo. Se as idéias nao cor- respondem 2 realidade objetiva, logo jamais podemos estabelecer a verdade de um sistema de pensamento sobre outro. Uma opiniao pode ter coeréncia légica dentro de seu proprio conjunto de idéias, mas isso nao significa que corresponda a realidade. Se ndéo podemos conhecer a tealidade, € razodvel crer que as reivindicagées de verdade no maximo refletem um aspecto dife- rente da mesma realidade. Os relativistas nao acreditam que haja apenas um mapa verdadeiro, ou cosmovisio, que corresponda de fato & realidade. *No original, o autor faz um trocadilho, substicuindo a primeira stlaba de consequently (conse- giientemente) pelo nome do fildsofo Kant, originando “Kantsequently” (o que no inglés produz melhor efeito, j& que a prontincia é quase idéntica). (N. da E.) A veroane 41 Cosmovisio é um conjunto de convicgées, um modelo que procura explicar Toda a realidade, nao apenas alguns aspectos dela De acordo com o relativismo, todas as opiniGes descrevem a mesma realida- de de diferentes perspectivas, pois os diferentes pontos de vista do mesmo objeto podem produzir diferentes re- sultados. Por exemplo, um observador que olha um objeto de um determina- do angulo pode enxergé-lo, como ele é, um cilindro. Contudo, se outra pessoa olhasse para o mesmo cilindro de outro Angulo, ele poderia parecer um circulo. — Ainda outra pessoa poderia enxergé-lo ; \nemmeneil como um retingulo de um terceiro pon- 7 Perspectiva n.° 1 Perspectiva n. 2 Perspectiva n.? 3 Circulo, Cilindro Retingulo to de vista. O cilindro no muda de forma, a diferenga esté na mente do ob- servador. Por isso, os relativistas créem que ha muitos modos igualmente véli- dos de ver a mesma realidade. No roteiro imagindtio que apresentamos anteriormente, um aluno cristéo foi exposto ao pluralismo numa aula de filosofia. A professora disse: Uma vez que todos somos cegos para a realidade que pode existir além deste mundo fisico, podemos interpretar essa realidade @ nossa propria maneira [...] As diferentes religides tém interpretagdes diferentes da reali- dade, mas a realidade ¢ a mesma, Parece uma coisa para o budista e outra para 0 muculmano, O cristdo a enxerga de um jeito, ¢ 0 hindu, de outro, ¢ assim por diante. A realidade é uma, mas as idéias sobre ela séo muitas. Hé muitos caminhos que 0 podem conduzir ao topo da montanha. Mas se cada opiniao indica a verdade em tudo que afirma acerca da realidade, como podemos descobrir o que realmente verdadeiro? Por exemplo, os relativistas ¢ os pluralistas religiosos nos convidam a acredi- tar que 0 atefsmo indica a verdade quando os ateistas declaram que Deus nao existe, e que 0 tefsmo indica a verdade quando os tefstas declaram que Deus existe. Os relativistas querem que aceitemos tanto a crenga panteista de que Deus é 0 mundo quanto a tese teista de que Deus nao ¢ 0 mundo. Mas como algo pode existir como 0 mundo € nao como o mundo — ao mesmo tempo e no mesmo sentido? De outro modo, como pode alguma coisa existir e a0 mes- mo tempo nao existir? Se todos cressem que todos os principios de todas as 42 Funoamentos ineaacivers cosmovisées sfio verdadeiros, 0 que significaria a palavra verdade? Se todas as opiniées sobre a realidade sao verdadeiras, todas as opinides sobre a realidade também devem ser falsas e, em tiltima andlise, nao haveria nada que dizer a respeito de coisa alguma. Se todas as afirmagGes indicam a verdade, entéo nada indica a verdade — apontar para todas as diregdes é 0 mesmo que néo apontar para nada’ Isso se chama absurdo porque nao tem sentido ¢ viola a légica (a LNC), e a légica € necesséria para haver sentido. Com isso em mente, queremos verificar quais declaragdes a respeito da rea- lidade lhe correspondem mais precisamente que as outras. Para realizar essa tarefa, primeiro temos de refutar a declaragao do agnosticismo extremado de Kant de que a realidade € essencialmente incognoscivel. Tendo em vista que 0 pluralismo se liga ao relativismo e que o relativismo é um desdobramento do agnosticismo, as trés concepgées se mantém ou caem todas juntas. Antes de criticar essas trés concepgGes ¢ importante fazer uma distingéo com respeito ao pluralismo. Uma vez entendida essa distingao, estaremos mais bem preparados para avangar nossa argumentagio a favor da verdade absoluta. AGNOSTICISMO, RELATIVISMO E PLURALISMO SAO VERDADEIROS? defeito fundamental na posicdo do agnosticismo extremado de Kant é sua pretensio de ter conhecimento daquilo que ele declara ser incognoscivel. Em outras palavras, se Fosse verdade que a realidade nao pode ser conhecida, nin- guém, Kant inclusive, a conheceria, O agnosticismo extremado de Kant se resume a declaracéo: “Eu sei que a realidade ¢ incognoscfvel”. Portanto, preci- samos fazer algumas perguntas bésicas a respeito do agnosticismo de Kant: A idéia de Kant é verdadeira somente para ele ou de fato corresponde a realidade? Sea idéia de Kant nao corresponde & realidade, ela ¢ falsa? Se 0 agnosticismo de Kant corresponde a tealidade, entéo como ¢ que podemos saber o fato mais essencial acerca da realidade — que uma coisa existe mas nao podemos saber ¢ o conhecimento acerca da realidade é nada a respeito do que é a realidade? impossivel para qualquer um, entio também deve ser impossivel para Kant. Se a realidade fosse de fato incognoscivel, como Kant saberia que isso era verdade? Jé demonstramos que a existéncia ¢ 0 fato mais essencial que pode ser declarado de uma coisa, Retire-se a existéncia, ¢ nada resta. Pense nisto: a verdade que se infere das seqiiéncias de pensamento de Kant nos diz que ele tinha de aplicar a razio a realidade para concluit outras verdades acerca do que éa realidade além de sua determinagio de que a realidade existia A veaoane 43 Verdade ou seqiiéncias de Kant 1, Kant sabe que uma coisa real, em si mesma, existe do outro lado do abismo fixo. 2. Kant sabe que essa tealidade é a causa de todas as aparéncias (efeitos) n mente humana. 3. Kant sabe que essa realidade é poderosa bastante para causar efeito uni- versal. Isso é certamente um conhecimento critico a respeito da realidade, 0 que vai de encontro & declaracao do agnosticismo. Nao € possivel saber meramente que a realidade existe sem saber algo a respeito do que ela é, ‘Todo conhecimento requer ter nogio de algum atributo do objeto que estd sendo conhecido. E impossivel afir- mar que uma coisa existe sem declarar simultaneamen- te algo a respeito do que ela é Por exemplo, se alguém apresentasse um disposit vo eletrénico desconhecido na sala de aula (v. ilustra- cao), imediatamente saberiamos alguns faros a respeito dele — mesmo sem conhecer sua fungao. Saberfamos que o dispositivo existe; ¢ fisico; tem determinada cor ¢ forma; mostradores iluminados; funciona com ener- gia elétrica; etc. Nao podemos saber que ele é sem saber algo a respeito do que cle é (mesmo que nao saibamos por que ¢). Portanto, 0 agnosticismo extre- mado é autofrustrante e falso_ A verdade acerca da rea- lidade ¢ que ela existe ¢ podemos saber algo a respeito dela. Logo, somos capazes de descobrir alguns outros ‘atributos da realidade ¢ discernir que cosmovisio lhe corresps Achamos justo dizer que os relativistas e pluralistas, com efeito, créem na onde mais precisamente. verdade absoluta. Eles podem negar isso, mas nao podem escapar da realidade desta hipétese: os didlogos a respeito da verdadeira natureza da realidade (metafisica) 56 tém sentido se as opinides diferentes podem ser comparadas com a verdadcira realidade. Em outras palavras, alguém que tenta defender uma posigao (“toda verdade é relativa” ou “o pluralismo é verdadeiro”) sobre outra (“a verdade absoluta existe” ou “o pluralismo ¢ falso”) automaticamente presume que no final apenas uma opiniao é verdadeira porque corresponde 44 Funoamentos maparavers com mais precisio a realidade. C. S. Lewis ilustrou esse ponto utilizando um mapa.® Explicou que se duas pessoas desenhassem um mapa de Nova York, 0 nico meio de dizer que um mapa é melhor que o outro € comparar os dois com o lugar real que existe, a propria Nova York. A verdadeira realidade de Nova York é 0 padrao pelo qual os mapas devem ser medidos. Se Nova York nao existisse ou se fosse impossivel saber alguma coisa a respeito dela, como poderfamos concluir que um mapa é melhor ou mais exato que 0 outro? Um jeito de ilustrar o absurdo da “relatividade absoluta” é imaginar que estamos sentados num trem que estd preste a deixar a estago. Nosso destino é uma cidade ao norte do lugar onde estamos. Junto ao nosso esté parado outro trem também pronto para partir. Um segundo olhar nos mostra que est ocor- rendo um movimento, mas nao temos certeza de qual dos trens esta-se moven- do. Eo nosso trem que estd se movendo ou € 0 outro? O tinico meio de responder a essa pergunta ¢ olhar para um ponto fixo, uma arvore ou um prédio, do lado de fora da janela. O que acontece se a drvore ou o prédio comecar a se mover também? Seria impossfvel dizer quem ou o que est4 em movimento de fato e em que diregio. A tinica conclusio a que podemos ter dessa situagio é que ocorre movimento. Se tudo estivesse em movimento, como saberfamos se esta- mos nos movendo na diregao de nosso destino (a verdade)? Nao poderfamos afirmar se estamos fazendo progresso (desenvolvendo uma visio melhor da re- alidade). Poderiamos apenas concluir que ocorre o movimento (pensamento). Lewis aplicou essa légica & ética quando disse: Se as coisas podem melhorar, isso significa que deve haver algum padrao absoluto do bem acima ¢ fora do processo cdsmico do qual esse proceso pode se aproximar, Nao faz. sentido falar em “ficar melhor” se melhor signi- fica simplesmente “aquilo em que nos estamos transformando” — seria como alguém se congratular por alcangar seu destino ¢ definir seu destino como “o lugar a que chegou”? Do mesmo modo, nio faz sentido nenhum dizer que o relativismo ou o plura- lismo representa um modo melhor de ver a tealidade que a posigao que cré em absolutos, se essas duas posturas nao forem comparadas em relagio a um ponto fixo ou padrio absoluro. Sem ponto fixo, sé faz sentido dizer que essas posigdes sao diferentes uma da outra ¢ nenhuma é melhor que a outra. Por isso, os SCristianismo puro e simples, p.7. °God in the dock, p. 99.

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