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REVISTA DE PSICOLOGÍA ISSN 0716-8039 - ISSNe 0719-0581

2021, 30(2), 1-15 www.revistapsicologia.uchile.cl

Recursos expressivos e desempenho escolar: intervenção em


grupo multifamiliar
Expressive Resources and School Performance: A Multifamily Group Intervention

Magda Pozzobon & Angela Helena Marin

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

O presente relato de experiência apresenta uma intervenção sistêmica multifamiliar na qual foram utilizados recursos
expressivos como instrumentos para reforçar o suporte familiar de adolescentes com histórico de baixo desempenho
escolar, matriculados em duas escolas da rede de ensino fundamental de um município da região metropolitana de
Porto Alegre/RS. As atividades desenvolvidas foram fundamentadas no conceito de suporte familiar e privilegiaram
as dimensões afetividade, adaptação e autonomia. Constatou-se que a utilização dos recursos expressivos (desenho,
história, escrita criativa, sucata, argila e música) propiciou um ambiente lúdico, descontraído e de cumplicidade, que
facilitou a expressão de emoções, promoveu insight e estimulou o desenvolvimento de novos comportamentos relaci-
onados ao suporte familiar, como partilhar atividades, elogiar, brincar e valorizar o grupo familiar, promovendo tam-
bém o desempenho escolar dos filhos adolescentes.
Palavras chave: intervenção sistêmica, grupo multifamiliar, recursos expressivos, desempenho escolar.

The present experience reports a systemic multi-family intervention in which expressive resources were used as in-
struments for reinforcing the support of families of adolescents with a history of low academic performance, enrolled
in two primary schools in a city in the metropolitan region of Porto Alegre/RS. The activities were based on the concept
of family support and privileged the dimensions affective-consistent, family adaptation and autonomy. The use of
expressive resources (drawing, story, creative writing, scrap metal, clay, and music) provided a playful, relaxed envi-
ronment of complicity, which facilitated the expression of emotions, insight and stimulated the development of new
behaviours related to family support, like sharing activities, praise, play and family group value, also improving the
academic performance of adolescents.
Keywords: systemic intervention, multi-family group, expressive resources, school performance.

Artigo derivado da dissertação de mestrado de Magda Pozzobon realizada sob a supervisão de Angela Helena Marin, apresentada
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo - RS, Brasil.

Financiamento: Chamada MCTI /CNPq /MEC/CAPES Nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Número do
processo: 406517/2012-6.

Contacto: A. H. Marin. Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil - Rua
Ramiro Barcelos, 2600 - Sala 221. Porto Alegre/RS. CEP: 90035-002. Correio eletrônico: angela.marin@ufrgs.br

Como citar: Pozzobon, M. & Marin, A. H. (2021). Recursos expressivos e desempenho escolar: intervenção em grupo multifamiliar.
Revista de Psicología, 30(2), 1-15.
http://dx.doi.org/10.5354/0719-0581.2021.52578
Pozzobon & Marin

A utilização de recursos expressivos no setting escrita) ou da arteterapia sobre problemas psicoló-


terapêutico, tais como desenho, pintura, modela- gicos em adultos, tais como ansiedade (Abbing et
gem, escrita criativa, entre outros, pode auxiliar o al., 2018), depressão (Karkou, Aithal, Zubala, &
psicólogo em diferentes contextos, como o clínico, Meekums, 2019), trauma (Schouten, De Niet,
o institucional e o educacional, na meta de evocar Knipscheer, Kleber, & Hutschemaekers, 2015) e
sensibilidade, intuição, ludicidade e criatividade, comportamentos aditivos (Megranahan & Lyns-
além de favorecer a ressignificação de conteúdos key, 2018; Valladares-Torres, 2021a), assim como
psíquicos, que são materializados no recurso esco- sobre doenças crônicas, particularmente o câncer
lhido, dando forma ao pensamento que conduz ao (Jiang et al., 2020; Valladares-Torres, 2021b).
insight (Martins, 2018). Para Riley (1998), as ima- Também há trabalhos que mostram os efeitos po-
gens expressam mais do que palavras, além de se- sitivos da incorporação de recursos expressivos em
rem uma linguagem transcultural e universal. Por comunidades de idosos, associando-os a desacele-
isso, muitas vezes, é mais fácil expressar uma ração do declínio cognitivo e a melhoria do bem-
emoção por meio da linguagem não verbal. estar geral (Amaral & Ohy, 2018; Freitas et al.,
Entretanto, a fundamentação teórica e técnica 2020).
do psicólogo que trabalha com recursos expressi- No tocante ao uso de recursos expressivos em
vos é fundamental, pois há distintas maneiras de intervenções que contemplem famílias, as ações
conduzir e entender o processo de aprendizagem têm sido voltadas apenas a mães ou a pais e não ao
resultante da experiência com cada material (Rei- grupo familiar como um todo (Monteiro & Santos,
sin, 2017). Na terapia de abordagem sistêmica, por 2013). No entanto, intervenções multifamiliares
exemplo, especificamente na corrente narrativa, o oportunizam a cada membro a percepção de sua
conceito de externalização do sintoma conduz o te- parcela de responsabilidade sobre a mudança pre-
rapeuta a separar o problema de seu portador. tendida, favorecendo um espaço para reflexão e
Sabe-se que a externalização de conflitos pode ser novas aprendizagens (Pozzobon, Falcke, & Marin,
feita pela narrativa do indivíduo, mas também por 2018). Portanto, elas parecem bastante indicadas
meio da utilização de recursos expressivos, dando para atender famílias na contemporaneidade, espe-
forma ao problema. A partir desta materialização cialmente com as demandas evidenciadas pela
se faz possível a sua conscientização e elaboração pandemia de Covid-19, que aumentou os estresso-
(White, 2012). res e a tensão intrafamiliar devido ao distancia-
De modo geral, os recursos expressivos são uti- mento social, sobrecarga dos pais e fechamento
lizados com a finalidade de estimular a atenção e a das escolas, afetando na aprendizagem e socializa-
imaginação de indivíduos e grupos em processos ção de crianças e adolescentes (Mata, 2020). Nessa
terapêuticos, auxiliando a expressão de potenciali- direção, a arteterapia tem sido aliada ao processo
dades individuais (Martins, 2018; Philippini, de ensino-aprendizagem (Yavorski, 2019), auxili-
2020). Estímulos auditivos, visuais ou táteis ofere- ando a concentração, reduzindo a ansiedade e,
cem a possibilidade de despertar emoções e me- como consequência, aumentando o rendimento es-
mórias, incitando a reflexão sobre conflitos vivi- colar, por dar voz à criatividade, estimular controle
dos. Dessa forma, auxiliam a comunicação dos emocional, autoconhecimento e autonomia, além
conteúdos internos mobilizados a partir de sua ex- do sentimento de pertencimento, especialmente
pressão material, viabilizando o desenvolvimento quando as atividades são em grupo de iguais ou
de habilidades de enfrentamento (Fonte, 2021). multifamiliar (Calixto, 2020).
Apesar da reconhecida importância dos recur- Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é
sos expressivos, constata-se inconsistências nos relatar o desenvolvimento e a realização de uma
métodos adotados e medidas de resultados entre as intervenção em grupo multifamiliar que utilizou
pesquisas que os utilizam, o que leva ao questio- recursos expressivos como instrumentos para faci-
namento sobre sua eficácia e efetividade em inter- litar a interação e a expressão de pais e seus filhos
venções (Abbing et al., 2018; Regev & Cohen- adolescentes com histórico de baixo desempenho
Yatziv, 2018). Entretanto, estudos recentes têm escolar, destacando-se a experiência dos partici-
buscado atender a essa lacuna avaliando o efeito pantes. O foco de intervenção foram as famílias
do uso de algum tipo de recurso (desenho, música, devido ao envolvimento dos pais com a educação
dos filhos ser apontado como elemento fundamental

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Intervenção multifamiliar com recursos expressivos

para o desempenho escolar (Batista, Mantovani, & zados pelo contexto de vulnerabilidade social, fo-
Nascimento, 2015). As atividades desenvolvidas ram indicadas pela Supervisão Pedagógica da Se-
foram fundamentadas no referencial sistêmico-in- cretaria Municipal de Educação (Pedagó-
tegrativo e os recursos expressivos utilizados gico/SMED), devido a terem solicitado auxílio
como instrumentos mediadores foram desenho, es- frente às sucessivas reprovações de seus alunos.
crita criativa, conto, sucata, argila e música. Cada escola fez um levantamento das famílias
que tinham filhos adolescentes matriculados entre
Método o quinto e o oitavo ano do ensino fundamental, os
quais apresentavam baixo desempenho escolar e
Delineamento não tinham diagnóstico de distúrbios de aprendi-
Trata-se de um estudo descritivo, de aborda- zagem. Um total de 166 famílias foram identifica-
gem qualitativa, que relata sobre o desenvolvi- das e convidadas para uma reunião na escola, na
mento e a realização de uma intervenção em grupo qual foram apresentados os objetivos e os procedi-
multifamiliar que utilizou recursos expressivos mentos do presente estudo. Aquelas que demons-
como instrumentos para facilitar a interação e a ex- traram interesse foram convidadas para uma entre-
pressão de pais e seus filhos adolescentes com his- vista, ocasião em que ingressariam no grupo de in-
tórico de baixo desempenho escolar. tervenção multifamiliar. Contudo, apenas 24 ade-
riram à proposta e houve um significativo índice
Participantes de abandono (n = 17), justificado com esqueci-
A amostra foi selecionada por conveniência em mentos, carga horária de trabalho intensa, distân-
duas escolas da rede municipal de São Leopoldo, cia entre trabalho-escola e presença de filhos pe-
que pertence à região metropolitana de Porto Ale- quenos. Assim, restaram sete famílias que comple-
gre, capital do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. taram a intervenção, as quais são caracterizadas na
As escolas, que se situavam em bairros caracteri- tabela 1 abaixo.

Tabela 1
Caracterização das famílias participantes
Identificação Configuração Participou intervenção Idade do adolescente Conceitos
Mat. Port.
F1 Monoparental Mãe, adolescente alvo e 2 irmãos 13 I S
F2 Monoparental Pai, adolescente alvo e irmã 15 I I
F3 Monoparental Mãe, adolescente alvo, irmão e irmã 12 I S
F4 Intacta Pai, mãe e adolescente alvo 13 I MS
F5 Intacta Mãe, adolescente alvo e irmã 16 S I
F6 Recasada Pai, mãe, adolescente alvo e 2 irmãos 12 I I
F7 Adotiva Mãe adotiva, pai adotivo e adolescente alvo 15 I S
Nota. Conceitos: I = insuficiente; S = satisfatório; MS = muito satisfatório.

Procedimentos 2014). Em termos de execução, a intervenção


Utilizou-se a modalidade de grupos uni e mul- ocorreu em três momentos desenvolvidos no es-
tifamiliares, visando a aproximação intra e interfa- paço das escolas, em salas de aula disponibilizadas
miliar para oportunizar mudanças por meio do pro- pela coordenação pedagógica. A coordenação foi
cesso de identificação e troca de experiências, evo- de uma psicóloga e arteterapeuta, primeira autora
cando novos comportamentos (Soares & Penso, deste estudo.

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Tabela 2
Momentos e Componentes da Intervenção
Temática Modalidade Atividades Materiais
Momento 1 Rapport Unifamiliar Desenho da família Lápis 3B
Contação de história Folha A4
Qualidades de cada membro da família: elogios Livro: As famílias do mundinho
(Bellinghausen, I. B. 2007)
Momento 2 Suporte familiar Multifamiliar Apresentação: pais e filhos se apresentam através das Lápis 3B
qualidades Lápis de cor
Genograma criativo de cada sistema por meio de ativi- Canetinhas hidrocor
dade de desenho, a partir da história As famílias do Giz de cera
mundinho (Bellinghausen, 2007) Cartolina branca
Criar um lema da família baseado no desenho Aparelho de som
Apresentação dos genogramas criativos e partilha grupal
Ciclo vital e Suporte familiar – exposição informativa
Música “Vamos construir” (Sandy & Júnior, 1997)
Tarefa da quinzena: manter os elogios diariamente
Comunicação e Multifamiliar Reflexões sobre o encontro anterior e as tarefas recomen- Sucatas: garrafas pet, caixas,
afeto dadas papelão, papéis, fitas, botões,
Sucatas: confecção de um brinquedo em família: defini- cordões, arame
ção de tarefas e modo de jogar (música “Aquarela”- Cola branca
Toquinho e Vinícius, 1987). Cola de silicone
Troca grupal: mostrar o brinquedo e como se brinca, rela- Tesoura
tar a experiência da construção em conjunto e reflexões Fita crepe
sobre o processo de comunicação e organização do sis- Aparelho de som
tema para sua confecção
Tarefa da quinzena: manter os elogios e confeccionar
uma refeição em conjunto, desde o planejamento até a
limpeza final
Expressão da Multifamiliar Reflexões sobre o encontro anterior e as tarefas recomen- Argila
raiva dadas Água
Raiva como sentimento humano e adequado: exposição Jornal
informativa Pano para limpeza
Externalização da raiva com argila
Troca grupal: mostrar a produção na argila e refletir sobre
como é lidar com a raiva - sua e do outro - e trans-
formá-la
Tarefa da quinzena: Manter os elogios diariamente, assim
como uma refeição em família semanal e fazerem um
piquenique em família
Autonomia Multifamiliar Reflexões sobre o encontro anterior e as tarefas recomen- Livro De lagarta à borboleta
dadas (De La Bedoyere, 2010)
Contação de história - reflexões Lápis preto
Escrita criativa – Renarrando a história familiar: ”Era Folha A4
uma vez...”
Partilha com o grupo: leitura das narrativas e reflexões
sobre autonomia
Como se sentem para voar, borboletas?
Tarefa dos próximos dois meses: manter os elogios, fazer
uma refeição por semana em família, brincar juntos ou
passear uma vez por semana
Encerramento desta etapa e combinações para o encontro
de avaliação
Momento 3 Avaliação Unifamiliar Refazer o desenho livre da família Lápis 3B
Reflexões sobre as mudanças incorporadas Folha A4
Avaliação dos encontros
Partilha em grupo e despedida

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O primeiro momento consistiu em um encontro familiar, pois estudos apontam sua importância no
unifamiliar, com 90 minutos de duração, no qual desenvolvimento de competências acadêmicas e
os participantes de cada família assinaram o também afetivas e sociais dos filhos (Baptista,
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem 2009; Santos & Oliveira, 2019). Portanto, durante
como fez o desenho livre da família. Também foi os encontros foram trabalhadas as temáticas: co-
solicitado à coordenação pedagógica da escola o municação, expressão verbal e não verbal de afeti-
histórico escolar dos adolescentes, com o objetivo vidade, empatia, respeito à regras e limites, expres-
de avaliar o desempenho acadêmico. O segundo são adequada de sentimentos negativos em relação
momento consistiu em quatro encontros em grupo à família, especialmente a raiva, e a autonomia.
multifamiliar, igualmente de 90 minutos de dura- Diversos recursos expressivos foram utilizados
ção e intervalo quinzenal, quando eram desenvol- como instrumentos mediadores para facilitar a in-
vidas as atividades descritas na tabela 2, na qual se teração e a expressão de pais e seus filhos adoles-
apresentam, para cada momento, as temáticas e os centes, como desenho, contação de história, escrita
materiais utilizados. Dois meses após a conclusão criativa, sucata, argila e música. As histórias ati-
da intervenção multifamiliar houve um terceiro vam o imaginário e a produção de imagens a partir
momento que contemplou um último encontro uni- do estímulo auditivo e visual. Já a escrita criativa,
familiar para novamente fazerem o desenho da fa- utilizada logo após a história, pode incentivar o uso
mília e responderem ao questionário de avaliação da palavra como instrumento de revelação, pois é
dos encontros. Ainda, foi solicitado nova cópia do dotada de potencialidade simbólica (Philippini,
histórico escolar dos adolescentes. O tempo trans- 2020).
corrido do primeiro ao último encontro foi de qua- O desenho, por sua vez, permite integrar ele-
tro meses e foram ofertados dois horários na se- mentos nascidos da fantasia com a realidade, evo-
mana para realização da intervenção em cada es- cando novos significados. A argila, por apresentar
cola. flexibilidade e maleabilidade, proporciona uma
O material produzido nos encontros foi regis- experiência cinestésica, na qual as mãos conse-
trado por meio de filmagens, fotografias e grava- guem associar-se a ela de modo a permitir espon-
ção em áudio. Utilizou-se da análise de conteúdo taneamente sua transformação, possibilitando mu-
qualitativa dos relatos das famílias, considerando danças rápidas por adição ou subtração de mate-
tanto o grupo familiar como cada membro partici- rial. Dessa forma, oferece a vivência de poder se
pante, assim como das imagens do material que foi moldar de diferentes maneiras, ir e voltar à forma
desenvolvido. Destaca-se que, para realização original, além de facilmente remeter às questões
deste estudo, houve aprovação do Comitê de Ética regressivas como os sentimentos associados às pri-
em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos meiras fases do desenvolvimento (Oaklander,
Sinos, Unisinos (CAAE: 54646916.7.0000.5344), 1980).
instituição a qual pertenciam as pesquisadoras. A construção com sucatas pode auxiliar a busca
de novos sentidos, pois representa aspectos nega-
Resultados e discussão tivos ou desagradáveis, às vezes negados, que po-
dem ser processados em busca de novos sentidos,
Para atender ao objetivo do estudo, inicial- exigindo, ao mesmo tempo, improvisação e plane-
mente será descrito o processo de desenvolvi- jamento. A reciclagem de materiais aproxima
mento da intervenção, em especial as teorias que emoção e cognição em busca de superação e novas
foram utilizadas como fundamentação e os recur- formas de transpor obstáculos, mantendo a ideia de
sos expressivos considerados, justificando-os. continuidade (Valladares-Torres, 2021a). Por fim,
Após, será apresentado como a intervenção foi re- a música também é um excelente recurso expres-
alizada, indicando como ocorreu a interação e a ex- sivo que pode ser usada tanto como elemento esti-
pressão de pais e seus filhos adolescentes com his- mulante, para melhorar a atenção, despertar o lú-
tórico de baixo desempenho escolar. dico e os movimentos do corpo, como para favo-
recer a introspecção e a expressão emocional, além
Desenvolvimento da intervenção incitar os processos cognitivos, sendo considerado
A intervenção em grupo multifamiliar teve suas um instrumento pedagógico (Teixeira, 2017).
atividades fundamentadas no conceito de suporte

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Intervenção multifamiliar com recursos expressivos

Em relação a fundamentação teórica, a inter- ber” junto às famílias. Assim, também pode-se di-
venção orientou-se por uma visão sistêmico-inte- zer que as concepções do construcionismo social
grativa, privilegiando algumas das muitas escolas foram contempladas (Ravagnane, 2015).
de terapia familiar sistêmica. Do olhar construti-
vista de Riley (1998) buscou-se a neutralidade, Realização da intervenção
mantendo aliança com cada membro dos sistemas Cada um dos momentos da intervenção será
familiares e evitando coalizões. A escola estraté- descrito e ilustrado com o material produzido pelas
gica (Haley, 1976) inspirou a prescrição das tare- famílias, acompanhados por fragmentos de falas.
fas ao final de cada encontro, a serem realizadas Para manter o anonimato dos participantes, eles se-
em casa por todos os membros do sistema, além da rão designados por uma letra, que indica sua fun-
inclusão de um ritual: confecção de uma refeição ção familiar, e um número, que representa a ordem
em conjunto, visando reunir a família em torno de em que foi acessado. Portanto, tem-se as seguintes
uma atividade simples que poderia oportunizar o identificações: Pf1 = pai da família 1; Mf1 = mãe
estabelecimento de novas regras de convívio fami- da família 1; Ff1 = filho da família 1 e assim su-
liar, servindo de modelo para estratégias futuras do cessivamente. As orientadoras pedagógicas de
sistema. O modelo narrativo (White, 2012) funda- cada escola acessada foram identificadas como:
mentou a provocação de transformações a partir da OEA = orientadora escola A; OEB = orientadora
externalização do sintoma por meio dos recursos escola B.
expressivos e o renarrar através da escrita criativa, Em um primeiro momento da intervenção, foi
baseada na contação de história e na reflexão sobre realizada uma triagem com cada família. Após o
as vivências oportunizadas pela intervenção. cumprimento das questões éticas, foi inserido o
A técnica do genograma familiar (McGoldrick, primeiro recurso expressivo utilizado, o desenho,
Gerson, & Petry, 2012) inspirou o desenho de um sendo solicitado que desenhassem individual-
genograma criativo e teve a finalidade de oportu- mente sua família na intenção de obter um retrato
nizar uma visão global do sistema, o resgate de e expressão livre da percepção de estrutura e sen-
memórias passadas e motivar a busca de novos sig- timento de família de cada um dos membros. Sur-
nificados a serem somados às histórias atuais, além giram dúvidas sobre o que era família e quem de-
de colocar em evidência a configuração da família veria ser desenhado, sendo incentivados a dese-
e ajudá-la a identificar os subsistemas ou suprasis- nharem o que e quem consideravam que perten-
temas importantes no momento. Assim, foi possí- ciam a sua família. Não houve rechaço pela tarefa,
vel trabalhar as fronteiras rígidas (limites forte- mas algumas pessoas demonstraram timidez, ex-
mente demarcados entre os sistemas que levam ao pressando que havia muito tempo que não dese-
distanciamento emocional entre os membros da fa- nhavam ou alegaram que não sabiam desenhar.
mília, prejudicando a formação de sentimentos de Contudo, todas as famílias cumpriram a atividade.
lealdade e de pertencimento) ou difusas (limites A Mf1 incluiu no desenho de sua família os pa-
frágeis entre os sistemas, o que faz com que os rentes mais próximos, como mãe, sobrinhos, ir-
membros da família reajam de maneira exagerada mãs, e a empresa na qual trabalhava. Quando soli-
e intrusiva uns com os outros) encontradas, evo- citada a falar livremente sobre o seu desenho, rela-
cando nos filhos a assunção de novos papéis e fun- tou que havia incluído a empresa porque “ela faz
ções pertinentes à fase em que se encontravam, a parte da minha família. É onde passo a maior parte
adolescência, possibilitando que se movessem do meu dia” (Mf1), explicando que trabalhava
com mais autonomia. Dessa forma, pode-se con- cerca de doze horas diárias. No terceiro momento
templar pressupostos do modelo estrutural (Minu- da intervenção, quando o desenho da família foi
chin & Nichols, 2009) e, ao mesmo tempo, provo- refeito, essa mãe desenhou apenas seu núcleo fa-
car a aproximação do sistema por meio da comu- miliar e, quando lhe foi mostrado o primeiro dese-
nicação e da afetividade. nho, deu-se conta do quanto registrou dois mo-
Na medida em que o trabalho foi sendo desen- mentos diferentes de sua vida, um antes e outro de-
volvido, incentivou-se o diálogo e a busca de no- pois dos encontros, pois se conscientizou de que
vos significados. A coordenadora absteve-se de in- seus filhos eram prioridade neste momento: “a mi-
terpretações e adotou-se uma postura de “não sa- nha família são meus filhos. A única coisa que me

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prende são estas três pessoinhas. Agora eu dese- não posso ficar numa empresa que suga tanto a mi-
nhei eu e mais os três passeando felizes!” (Mf1). nha energia! Eles têm o direito de ter uma mãe, já
Nesta mesma ocasião, ela relatou que havia pedido que eles não têm o pai presente” (Mf1). Com um
demissão da empresa porque percebeu que o ex- novo trabalho de oito horas diárias, disse que con-
cesso de horas que trabalhava lhe roubava a possi- seguia fazer a supervisão dos temas e tarefas esco-
bilidade de estar com os filhos, supervisionar as ta- lares, sentia-se mais motivada e alegre em sair,
refas da escola e apoiá-los quando necessário: “eu passear e brincar com as crianças e fazer algumas
refeições em família.

Figuras 1 y 2. Família estendida incluindo a empresa (Mf1, triagem); família passeando feliz (Mf1, avaliação).

Ainda na triagem, como a literatura destaca a A atividade proposta aos participantes envol-
culpabilização dos alunos (Hjörne & Säljö, 2014; veu um recurso expressivo que todos utilizavam
Pezzi, Marin, & Donelli, 2016) e/ou de suas famí- no dia a dia escolar: a escrita. Foi solicitado a cada
lias (Pozzobon, Mahendra, & Marin, 2017) pelo participante que escrevesse seu próprio nome no
baixo desempenho acadêmico ou reprovação esco- topo de uma folha e repassasse para que cada fa-
lar, entendeu-se como importante oferecer um am- miliar escrevesse pelo menos três qualidades que
biente acolhedor e já trabalhar parte da primeira identificavam nele. Pais e filhos apresentaram di-
dimensão do suporte familiar, que é a afetividade ficuldade em encontrar palavras e entender o que
(Baptista, 2009), e com ela as expressões verbais e eram qualidades. Alguns insistiram em querer fa-
não verbais de afeto, empatia e comunicação. lar sobre as dificuldades que os filhos apresenta-
Dessa forma, estimulou-se a valorização uns dos vam, mas reforçar a necessidade de focalizarem as
outros por meio de elogios para facilitar a aproxi- qualidades os ajudou a romper a resistência para
mação entre os membros do sistema, além de realizar a atividade.
deixá-los mais à vontade.

Figura 3. Qualidades (Ff1 e Mf1, triagem).

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Depois da escrita, todos foram incentivados a livro que teve a intenção de esclarecer que não
ler as qualidades que lhes foram atribuídas. Sim- existem configurações familiares que possam ser
ples palavras escritas em um pequeno pedaço de consideradas modelos e que cada família é única e
papel podem estar repletas de força simbólica, pois definida pelo vínculo, sentimento de pertenci-
carregam significados capazes de grandes resso- mento e modo como se afetam. Dessa forma, o ter-
nâncias. O grau de satisfação e alegria ficou evi- ceiro recurso utilizado foi a contação de história, a
dente, trazendo à tona muita emoção: partir do livro Famílias do mundinho (Bellinghau-
sen, 2006), para que fossem para casa com a sen-
Adorei, amei os elogios! Eu chorei porque a sação agradável causada pelos elogios e a resso-
gente não está acostumada a elogiar, pela cor- nância de uma história que presenteou a família
reria. Foi muito bom colocar pra fora coisas que com a valorização de sua configuração.
a gente não consegue no dia a dia. Escutar que Passados quinze dias da triagem, deu-se início
a mãe é carinhosa, linda, querida, cheirosa é de ao segundo momento da intervenção, quando
emocionar (Mf6). ocorreu o primeiro encontro multifamiliar que ini-
ciou com reflexões sobre o encontro anterior e os
Ao longo dos encontros foi reforçada a impor- reflexos dos elogios na família. Foi retomada a his-
tância de elogiar, pois o reconhecimento das qua- tória contada e, em seguida, solicitado o desenho
lidades é fundamental para a autoestima, senti- do genograma criativo de cada sistema. As famí-
mento de ser valorizado e amado. Ao encontro do lias revelaram no desenho sentimentos de perten-
pensamento sistêmico, os participantes descreve- cimento, simbolizando familiares em cores, folhas,
ram que, de alguma forma, os membros da família frutos, raízes, sol, estrelas e outras formas. Em
que não compareciam aos encontros também fo- suas falas, trouxeram muitos significados impor-
ram beneficiados: “o que aconteceu aqui, mesmo tantes, inclusive em relação a familiares distantes
que o outro filho não tenha vindo, já funcionou ou já falecidos: “minha mãe já não está mais aqui,
com ele também. Então o trabalho está sendo im- mas para mim é como se ela estivesse. Ela sempre
portante também para ele” (Mf1). me ajudou a superar as dificuldades. Ela foi tudo
Após os elogios, seguiu-se com a leitura de um pra mim!” (Mf6).

Figura 4. Desenho da configuração e lema familiar (F3).

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Ao final do genograma criativo foi solicitado No segundo encontro multifamiliar o objetivo


que cada grupo familiar escolhesse uma frase que foi estimular a comunicação, bem como a possibi-
representasse sua família: o lema familiar. Os re- lidade de troca, estabelecimento de regras e outras
latos remeteram a diferentes membros, que deixa- combinações necessárias sobre a rotina familiar,
ram um legado de amor, respeito, força, trabalho seguindo o trabalho com a dimensão afetivo-con-
ou perseverança. Foram expressas falas como: sistente do suporte familiar (Baptista, 2009). Utili-
“nós somos simples e únicos” (F2); “a grande fa- zou-se para este fim, a construção com sucatas,
mília unida” (F4); “nossa pequena família, grande que objetivava oferecer uma experiência viva e di-
amor: um por todos e todos por um” (F6). Quanto nâmica de comunicação afetiva e efetiva durante a
à atividade desenvolvida, expressaram prazer e execução da tarefa, que foi idealizar e construir um
alegria em sua realização: jogo em família que implicasse em regras que de-
veriam ser formuladas em conjunto. A meta tam-
Eu gostei, distrai e a gente fica mais unido. No bém foi estimular a ludicidade e explorar a ideia
estresse do dia a dia a gente acaba não tendo de que nem tudo custa dinheiro, pois os pais sina-
este tempo de parar e desenhar, parar com o fi- lizaram, ao longo dos encontros, dificuldades no
lho e conversar, dar risada, porque a gente riu. lazer em família para evitar gastos. Essa atividade
Não sabíamos muito o que a gente ia fazer. Daí serviu de exemplo de como eles poderiam criar op-
foi legal! (Mf7). ções interessantes e divertidas com baixo ou ne-
nhum custo.
Essa atividade foi concluída ao som da música A tarefa despertou o interesse de todos, moti-
“Vamos construir” (“Love can build a bridge”; vando diálogo, proximidade e diversão. Os pais
Barlow, Overstreet, & Judd, 1990) e o grande resgataram memórias da infância, e se permitiram
grupo, formado por pequenas famílias, cantou de contar um pouco de suas histórias aos filhos, rela-
mãos dadas um refrão que sugere que amor e união tando experiências vividas com seus próprios pais
podem construir pontes relacionais importantes. A ou avós. A F6 confeccionou um jogo de trilha, com
música, neste caso, foi utilizada ao mesmo tempo diversas regras e condições para avançar, retornar,
como elemento estimulante e motivador de intros- parar e ficar preso. Ao falarem ao grupo sobre seu
pecção e para introduzir a ideia de ludicidade nos jogo, expressaram a relevância dos encontros, pois
encontros, inspirando os movimentos circulares da fizeram descobertas importantes quanto à vida em
brincadeira de roda, o que trouxe alegria e descon- família: “é como uma trilha: às vezes a gente pode
tração aos participantes, além de provocar aproxi- seguir livre, outras temos que pensar e voltar atrás.
mação carinhosa entre as pessoas do mesmo sis- Outras vezes temos que parar um pouco pra repen-
tema e dos sistemas entre si (Batista & Ribeiro, sar nossos erros e depois recomeçar” (Mf6).
2016; Teixeira, 2017).

Figura 5. Jogo de Trilha (F6).

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No terceiro encontro do grupo multifamiliar, na sou uma manteiga (Mf4).


perspectiva de trabalhar a próxima dimensão do
suporte familiar, a adaptação, foi utilizada a argila. Comprovou-se a adequação do material à ex-
Teve-se como objetivo explorar níveis de tensão e pressão da agressividade, como sugere Oaklander
agressividade, sentimentos de raiva, proporcio- (1980) e Mascarenhas (2011), pois da força para
nando uma experiência repleta de movimentos po- amassar, rasgar, torcer, bater, nasceram imagens e
tencialmente emocionais: amassar, bater, torcer, metáforas, como um pássaro livre para voar e
rasgar, para depois incentivar o resgate de emo- construir novos caminhos, que surgiu das mãos do
ções ou palavras que poderiam estar encobertas pai de uma das famílias, que havia se separado da
pela raiva, refazendo o trabalho. A argila esposa há pouco mais de um ano e ainda sinalizava
necessidade de processar alguns ressentimentos,
ajudou a colocar pra fora a raiva que eu sentia. especialmente a raiva. Ele conseguiu expressar o
Eu fiz um tijolo porque acho que era como a desejo de superar o rancor que sentia, pois somente
minha raiva, talvez porque eu queria atirar um assim poderia alçar novos voos e cuidar mais do
tijolo na cabeça de alguém. Depois eu transfor- filho: “eu tinha que me aproximar mais dele; es-
mei o tijolo num coração, que é como eu sou, quecer a raiva que eu tinha da mãe dele!” (Pf2).
porque eu pareço tão durona, mas no fundo eu

Figuras 6 e 7. Processando a raiva com argila: amassar, bater, rasgar (F2); transformação da raiva em novos voos
(Pf2).

Para trabalhar a dimensão autonomia do su- percebeu que, embora alguns pais e muitos dos fi-
porte familiar, no quarto encontro multifamiliar, lhos tivessem algumas dificuldades em se expres-
foi utilizada a contação da história do livro De la- sar por meio da escrita, as histórias surgiram com
garta à borboleta (De La Bedoyere, 2010), associ- certa facilidade, revelando o nascimento de uma
ada à escrita criativa, tarefa que remete à redação, nova consciência e postura acerca do significado
tema inerente à escola, lugar e motivo dos encon- de família e do suporte familiar.
tros. O livro conta a trajetória da larva que cresce O objetivo da atividade foi proporcionar a cada
lentamente até criar asas, depois de um tempo de família a possibilidade de refletir sobre o trabalho
maturação no casulo, buscando, através desta me- realizado nos encontros anteriores, culminando
táfora, uma analogia à adolescência e à necessi- nesta narrativa final, para poderem recontar sua
dade de maior autonomia, bem como com as famí- própria história, como propõe White (2012). Para
lias, que estavam se percebendo mais seguras para Mf7 os encontros significaram, além da melhora
poderem seguir seus voos “solo” e sentirem-se do desempenho escolar da filha, o resgate da rela-
tranquilas com o encerramento da intervenção. ção desta com o pai, a adoção do hábito de elogia-
Desta forma, foi incentivada a reflexão sobre os rem-se e a melhora da comunicação e do compa-
signos e símbolos da história, momento no qual se nheirismo entre eles, conforme pode ser visto na
figura 8.

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Figura 8. Renarrando a história familiar (F7).

Algumas famílias tiveram diversas dificulda- apoiar e estimular essas famílias por meio de tele-
des em comparecer aos encontros, por entraves na fonemas e mensagens, sendo que esta atenção ge-
organização familiar ou na administração de seus rou um sentimento de gratidão e valorização da co-
horários, o que resultou em atrasos e ausências. ordenadora reafirmado nos encontros: “não desis-
Houve, ainda, outros percalços, como fortes chu- tiu de nós” (MF7).
vas que assolaram a região metropolitana de Porto A intervenção com as famílias também rever-
Alegre no período da realização deste estudo, fa- berou no ambiente escolar, pois, ao final do traba-
zendo com que muitas famílias ficassem desabri- lho, a orientadora pedagógica da escola A fez um
gadas. Para dar conta dessas diversas situações, depoimento emocionante, que revela a solidão e a
buscou-se recuperar alguns encontros em datas e sobrecarga dos professores, a necessidade de mais
horários alternativos, mantendo-se a mesma orga- apoio e o desejo da parceria entre universidade e
nização da intervenção. Foi necessário acessar, escola, visando maior valorização e melhor apro-
veitamento das pesquisas e do espaço escolar:

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Gostaria que este tipo de trabalho existisse A avaliação da intervenção realizada pelos par-
sempre e que conseguisse atingir mais famílias ticipantes revelou um elevado grau de satisfação.
e alunos porque nós somos simplesmente pro- Muitos expressaram que a intervenção como um
fessores e professor hoje tem papel de psicó- todo fez com que aumentasse a qualidade de vida
logo, de médico, de enfermeiro e de outras coi- em família e estimulasse a aproximação e afetivi-
sas para as quais não temos formação, nem ca- dade entre os membros. A maioria gostou de todas
pacidade. Tentamos entender e ajudar, mas não as atividades, mas a argila e a sucata foram apon-
somos profissionais destas áreas e a educação tadas como os recursos expressivos que mais auxi-
vai mais além! Então, o apoio através de con- liaram nessa mudança. A argila acrescentou um
vênios ou projetos com as universidades, traba- gosto de novidade, pois muitos dos participantes
lhos da graduação e pós-graduação sempre se- jamais haviam experimentado o material: “eu
rão muito bem-vindos! (OEA). nunca tinha mexido nela, é muito gostoso, bom de
amassar” (Ff4). A sucata, por sua vez, foi descrita
A orientadora pedagógica da escola B também como um recurso capaz de ajudar a aproximar a
solicitou que sua instituição continuasse a fazer família em torno de uma tarefa que necessitava ser
parte da rede de parceiros para pesquisas, especi- feita em grupo, exigindo planejamento, comunica-
almente se estas fossem no modelo de interven- ção, diálogo e criação de regras. O envolvimento
ções, pois sentia que este tipo de estudo agregava de toda a família foi destacado: “muito legal mon-
conhecimento que refletia na escola como um tar um brinquedo junto com toda a família” (Ff7);
todo. As escolas reconheceram e enfatizaram os “trabalhamos unidos, ninguém fez mais do que o
efeitos positivos da intervenção sobre as famílias e outro, todo mundo ajudou” (Mf4) e além do mais
no desempenho escolar dos alunos que participa- “é um material que não precisa gastar e pode reunir
ram do processo. Além disso, perceberam uma toda a família” (Mf7).
maior aproximação entre as famílias e a escola: “as O desenho da configuração familiar inspirado
famílias ainda não têm consciência da importância no genograma também foi apontado como uma ati-
da educação, da escola e do trabalho de equipe, en- vidade afetivamente envolvente, pois evocou lem-
tão eles evitam ou desistem, até porque sentem-se branças do passado, trazendo à memória alguns fa-
culpados e esta realidade tem sido difícil de modi- miliares distantes, mas que foram importantes:
ficar” (OEB). “têm familiares que estavam meio esquecidos e
O terceiro momento da intervenção ocorreu distantes e eu lembrei deles e coloquei na minha
dois meses após o quarto encontro, no formato uni- árvore e eles se aproximaram através do desenho”
familiar, e teve a finalidade de avaliar a interven- (Pf5). Encontrar a frase que representasse a família
ção, obter novo desenho livre da família e fazer e seus legados, de igual forma, foi um exercício
uma escuta sobre as mudanças percebidas no sis- que uniu a todos em torno de uma representação
tema. Em conjunto, foi possível constatar que a de seu sistema.
presença de recursos expressivos como ferramenta Como um todo, a intervenção com recursos ex-
em todos os encontros da intervenção foi um ali- pressivos em famílias foi descrita como muito pro-
ado no sentido de oferecer uma acolhida afetiva veitosa, prazerosa e de grande relevância, pois “se
aos participantes, bem como acrescentar sensibili- cada família pensasse como eu estou pensando
dade, prazer e ludicidade, desinibindo e aproxi- agora ia unir mais os pais com os filhos, porque na
mando os membros das famílias e os diferentes minha casa foi o que aconteceu: mais união, mais
grupos familiares. Tais recursos propiciaram a co- compreensão! Um curso como este deveria acon-
municação com os jovens, uma vez que se mostra- tecer mais vezes na vida!” (Mf3). É importante res-
vam verbalmente econômicos, mas participativos saltar que não houve interpretações acerca das pro-
e motivados quando convidados às atividades pro- duções dos participantes, pois a materialização de
postas. Igualmente, os pais juntaram-se às tarefas sentimentos e pensamentos por meio dos recursos
com entusiasmo e foi possível observar o aumento expressivos utilizados propiciou o surgimento es-
de diálogo, planejamento em conjunto, exercício pontâneo de palavras, frases, exclamações, lágri-
de errar e concertar tais erros após novos planeja- mas e a revelação livre dos significados para o
mentos em equipe, satisfação ao concluir as metas grupo como um todo. A presença da coordenadora
e orgulho ao apresentar os resultados ao grupo.

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se caracterizou pelo acolhimento, proposta de tra- um espaço para reflexão e novas aprendizagens,
balho, oferta dos materiais e estímulo à participa- além de oportunizar a cada família a percepção de
ção. sua parcela de responsabilidade sobre a mudança a
Em síntese, destaca-se que foram verificadas que se propuseram ao ingressarem no grupo. Em
mudanças importantes no suporte familiar, em to- relação aos adolescentes, especificamente, os re-
das as dimensões analisadas: afetivo-consistente cursos utilizados facilitaram a comunicação, tradu-
(expressões verbais e não verbais de afetividade, zindo sentimentos e ideias em imagens e formas.
tais como empatia, comunicação e respeito a re- A escolha de materiais simples se revelou indi-
gras); adaptação familiar (expressão de sentimen- cada, pois auxiliou a elaboração e ressignificação
tos e comportamentos negativos em relação à fa- do suporte familiar, além de se tornar exemplo de
mília, tais como raiva e isolamento); e autonomia como se pode criar opções divertidas e econômicas
familiar (liberdade, privacidade e confiança). Ao para brincar em família.
mesmo tempo, foram verificadas alterações de Trabalhar com grupos multifamiliares favore-
comportamento dos adolescentes em relação aos ceu o surgimento de maior aceitação do outro, suas
estudos e maior comprometimento e autonomia dificuldades e limitações, de troca de experiências
para realização das atividades sob sua responsabi- e de empatia, o que auxiliou o despertar da auto-
lidade, resultando em melhor desempenho escolar aceitação, princípio da mudança familiar. Ao se
expressos em termos de conceitos. Todos adoles- sentirem entre iguais, cada família conseguiu, pro-
centes apresentaram elevação dos conceitos após a gressivamente, expressar-se livremente, o que pos-
intervenção, com exceção Ff2, cuja mãe negou-se sibilitou um processo psicoeducativo entre elas,
a participar dos encontros. bem como uma ampliação da rede social, uma vez
Destaca-se que a realização deste estudo no que muitos pais e filhos passaram a contar com ou-
ambiente escolar favoreceu a sintonia entre a utili- tros membros do grupo fora do ambiente da inter-
zação de recursos expressivos, as propostas dos venção. As atividades propiciaram o desenvolvi-
encontros e os participantes, pois muitos dos ma- mento de novos comportamentos na dinâmica fa-
teriais são comumente utilizados neste contexto miliar, como a partilha das atividades de cuidados
em vários momentos do processo de ensino-apren- com a casa, maior comunicação, elogios, brinca-
dizagem e foram rapidamente aceitos. A utilização deiras e valorização da família.
do espaço escolar, tão disponível e pertencente à Entretanto, alguns desafios se apresentaram.
comunidade, também promoveu a aproximação Um deles foi lidar com a dificuldade de algumas
entre as famílias e a escola, como recomendam di- famílias manterem data e hora marcada para os en-
versos autores, especialmente para demandas rela- contros. Dessa forma, teve-se que lançar mão de
cionadas à aprendizagem (Pereira, 2017). Nesse algumas estratégias para evitar a evasão dos parti-
sentido, é preciso repensar alguns conceitos do fa- cipantes fazendo um bom rapport desde o início,
zer profissional dos psicólogos, pois a escola pode mantendo contato constante com as famílias e
ser utilizada para o desenvolvimento de interven- tendo alimento durante os encontros, pois muitos
ções de caráter preventivo, na busca de contraba- pais vinham direto do trabalho. Foi criado também
lançar a demanda crescente, especialmente nas co- um sistema de recuperação para as famílias que
munidades periféricas, e o número reduzido de não pudessem comparecer à intervenção realizada
profissionais que atende a rede pública de saúde e durante a semana no turno da noite, mas todos es-
educacional. tes cuidados não impediram a significativa evasão,
questão que foi discutida no estudo de Marin, Al-
Considerações finais varenga, Pozzobon, Lins e Oliveira (2019).
Diante do exposto, acredita-se que a proposta
Este estudo apresenta a utilização de recursos de intervenção apresentada oferece um modelo
expressivos em intervenções com famílias, de- que pode ser replicado mediante treinamento, com
monstrando que são muitas as possibilidades que vistas a prevenção e promoção de saúde no con-
eles oferecem no setting terapêutico. No presente texto escolar. Os ganhos da pesquisa foram impor-
estudo, os recursos expressivos viabilizaram maior tantes e de grande aprendizagem para todos os en-
espontaneidade, criatividade e ludicidade entre os volvidos no processo, pois facilitou mudança e
indivíduos e no grupo como um todo, favorecendo transformação nos sistemas por meio da integração

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