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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E


FILOSÓFICAS/ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO

DANIELA JULIANO SILVA

O “MARCO REGULATÓRIO
DO TERCEIRO SETOR”
A Lei n. 13.019/14 – Confidências
e promessas

Orientador: Napoleão Miranda

NITERÓI
2018

2013
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSÓFICAS/ FACULDADE DE
DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO

DANIELA JULIANO SILVA

O “Marco regulatório do Terceiro Setor”


A Lei n. 13.019/14 – Confidências e promessas

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Direito –
PPGSD/UFF para obtenção do título de
Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Professor Doutor Napoleão


Miranda.

Niterói, 2018
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direito

S586 Silva, Daniela Juliano.


O “marco regulatório do terceiro setor” - a Lei n. 13.019/14 –
confidências e promessas / Daniela Juliano Silva. – Niterói, 2018.
460 f.

Orientador: Prof. Napoleão Miranda.

Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais) –


Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito,
Universidade Federal Fluminense, 2018.

1. Terceiro setor. 2. Administração pública. 3. Organização


social. 4. Parceria público-privada (PPP). 5. Sociedade civil. I.
Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito. II.
Título.

CDD 341.3
DANIELA JULIANO SILVA

O “MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO SETOR”


A Lei n. 13.019/14 – confidências e promessas

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora
em Ciências Jurídicas e Sociais.

Aprovada em 03 de maio de 2018.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Napoleão Miranda - Orientador

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Edson Alvisi Neves

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Gilvan Luiz Hansen

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Manoel Messias Peixinho

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Niterói, 2018
Aos meus pais, Cecília e José Gonzaga, indispensáveis na
construção de quem sou e de quem quero ser.

Ao meu irmão Bruno, sempre torcendo por mim.

Ao meu marido Rafael, pela parceria de todos os dias e o


apoio em todas as horas.
AGRADECIMENTOS

À Deus, a rocha em que me refugiei tantas vezes, “meu escudo, a força


de minha salvação” (Salmo 17).
Ao meu orientador, Professor Napoleão Miranda, pela objetividade e
clareza incomparáveis nos momentos cruciais. Você sempre fez a diferença e,
definitivamente, foi uma honra poder contar com você nesta caminhada.
À todos os professores do PPGSD/UFF, pelo apoio, incentivo e inspiração.
Aos funcionários do PPGSD pelo auxílio incondicional e a dedicação
inestimável.
Aos companheiros de jornada do PPGSD/UFF, em especial, ao “colega”
Tauã Lima Verdan Rangel, socorro, conforto e alegria em todas as ocasiões. Aos
amigos que fui encontrando pelo caminho e que também percorrem a jornada da
pesquisa acadêmica, em especial a Luciana Barros (PPGCP/UFF). Aos desde
sempre amigos Bárbara, Leandro e Fabiano que, mesmo de longe,
acompanham tudo de perto.
À CAPES, pelo auxílio financeiro, na fase final de fechamento desta tese.
A todos vocês, muito obrigada!
RESUMO

As parcerias entre o Poder Público e as entidades sem fins lucrativos para a


concretização de fins de interesse público já se perpetua há mais de duas
décadas na realidade brasileira. Frutificando em um cenário de mutações, no
qual se edifica um Estado gerencial, as parcerias em questão se fortificaram com
o discurso de uma prestação de serviços mais eficiente, pautada em uma gestão
privada menos burocratizada. Cercados de dúvidas e desconfiança, citados
ajustes com o denominado “Terceiro Setor”, ansiava-se, há tempos, por um
marco regulatório que pudesse não só “aparar as arestas” de relação tão
complexa, mas também que viesse a reconhecer o relevante papel de tais
entidades na concretização de direitos sociais de primeira grandeza. A Lei n.
13.019, de 31 de julho de 2014, vem com essa missão. Com tom de inovação,
abraçando uma nova terminologia, a norma se apresenta como mais um
exemplar legislativo a fazer parte de uma onda moralizadora em um cenário
marcadamente corruptível. Por conta disso apresenta-se como um verdadeiro
microssistema de responsabilização, monitoramento, avaliação e transparência
das parcerias. Mas ver a norma objeto deste tese somente por este viés é
desmerecer todo o projeto que ela abarca: um projeto de fortalecimento da
sociedade civil, alimentado pela participação popular e pelo controle social. A
presente tese, pautada em uma metodologia dogmático-jurídica, em um olhar
sobre os meandros do marco regulatório em questão, bem como dos decretos
que até então regulamentaram a matéria, não pretende ser um manual de
orientação para dirigentes e agentes envolvidos com as parcerias reguladas pela
norma, mas sim um material de reflexão crítica sobre o que realmente há de
novo e os reais propósitos da Lei n. 13.019/14, apelidada por seus articuladores
de “Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil” – MROSC.

Palavras-chave: Lei n. 13.019/14; “Marco Regulatório do Terceiro Setor”;


Confidências; Promessas.
ABSTRACT

The partnerships between the Public Power and non-profit entities for the
realization of public interest have been perpetuated for more than two decades
in the Brazilian reality. Growing in a scenario of mutations, in which a consensual
state is built, the partnerships in question were fortified with the discourse of a
more efficient service delivery, based on a less bureaucratized private
management. Surrounded with doubts and mistrust, with the so-called "Third
Sector" adjustments, he longed for a regulatory framework that could not only
"trim the edges" of such a complex relationship but also recognize the relevant
role of such entities in the realization of social rights of first greatness. Law n.
13,019, dated July 31, 2014, comes with this mission. With a tone of innovation,
embracing a new terminology, the norm presents itself as another piece of
legislation to be part of a moralizing wave in a markedly corruptible scenario.
Because of this, it presents itself as a true microsystem of accountability,
monitoring, evaluation and giving transparency to the partnerships. But to see the
norm object of this thesis only by this bias is to demean the whole project that it
covers: a project of strengthening civil society, fueled by popular participation and
social control. This thesis, based on a dogmatic methodology, a look at the ins
and outs of the regulatory framework does not intended to be a guidance manual
for managers and agents involved in partnerships regulated by the norm, but
rather a material for critical reflection on what is really new and the real purposes
of Law n. 13,019 / 14, dubbed by its articulators of "Regulatory Framework for
Civil Society Organizations".

Keywords: Law n. 13.019/14; “Third Sector Regulation”; Confidences;


Promisses.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

1. QUEM É QUEM SEGUNDO O “MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO


SETOR”? ......................................................................................................... 25
1.1 O TERCEIRO SETOR ........................................................................... 29
1.1.1 A FORMAÇÃO DO TERCEIRO SETOR – ORIGENS E
CONCEITOS ......................................................................................... 34
1.1.2 AS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR – QUEM É O TERCEIRO
SETOR EM TEMPOS DE REGULAÇÃO?............................................. 55
1.1.2.1 As Organizações Não Governamentais (ONGs) ............................. 55
1.1.2.2 As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) 61
1.1.2.3 As Organizações Sociais (OS’s) ..................................................... 66
1.1.2.4 As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) .................................. 73
1.2 O ESTADO COMO PARCEIRO.............................................................. 86
1.2.1 O ESTADO EM CONSTANTE MUTAÇÃO ................................... 91
1.2.2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO .................................. 98

2. O TERCEIRO SETOR E AS PARCERIAS COM O PODER PÚBLICO. UMA


QUESTÃO DE REGIME JURÍDICO? ............................................................ 108
2.1 A PARCERIA SEGUNDO A LEI N. 13.019/14 – CONCEITOS E
EXPECTATIVAS ......................................................................................... 117
2.1.1 O REGIME JURÍDICO DAS PARCERIAS SEGUNDO A LEI N.
13.019/14 ............................................................................................. 127
2.1.2 O ELEMENTO OBJETIVO DAS PARCERIAS – A PRESTAÇÃO
............................................................................................................. 143
2.1.3 AS MODALIDADES DE PARCERIAS ........................................ 175
2.1.3.1 Termo de colaboração e Termo de fomento.................................. 176
2.1.3.2 Requisitos para celebração do termo de colaboração e do termo de
fomento..................................................................................................... 186
2.1.3.3 Providências para celebração e formalização do termo de
colaboração e do termo de fomento.......................................................... 201
2.1.3.4 Do Plano de Trabalho ................................................................... 216
2.1.3.5 Acordo de cooperação .................................................................. 225
2.1.4 DA INAPLICABILIDADE E DAS VEDAÇÕES PARA
CELEBRAÇÃO DAS PARCERIAS – AS OSCs “FICHA LIMPA” ......... 230
2.1.4.1 Dos Casos de Inaplicabilidade dos Preceitos da Lei N. 13.019/14 238
2.1.5 DA FORMALIZAÇÃO E EXECUÇÃO DAS PARCERIAS ........... 245
2.1.6 DA ALTERAÇÃO DAS PARCERIAS .......................................... 265

3. A REGULAÇÃO – UM BREVE HISTÓRICO ............................................. 271


3.1 O MODELO DE REGULAÇÃO DA LEI N. 13.019/14 – QUESTÕES
INICIAIS E PANORAMA GERAL ................................................................ 275
3.1.1 ABRANGÊNCIA DA LEI 13.019/14 – LEI NACIONAL OU
FEDERAL? .......................................................................................... 279
3.1.2 Confidências e promessas do modelo de regulação proposto pela
Lei n. 13.019/14. .................................................................................. 282
3.1.2.1 Os fundamentos do marco regulatório – uma matriz principiológica a
serviço de seus fins .................................................................................. 283
3.1.2.1.1 Da participação social ....................................................................284
3.1.2.1.2 Da solidariedade, da cooperação e do direito à diferença .......294
3.1.2.1.3 Da intersetorialidade e do desenvolvimento sustentável .........305
3.1.2.1.4 Da transparência, do direito à informação e o controle social.309
3.1.2.1.5 Da integração e da transversalidade ...........................................311
3.1.2.1.6 Da promoção e defesa dos direitos humanos ............................313
3.1.2.2 As diretrizes do marco regulatório ................................................. 316
3.1.2.3 Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMIS) .......... 319
3.1.2.4 O chamamento público – o caminho da escolha da OSC parceira 332
3.1.2.4.1 O rito .................................................................................................342
3.1.2.4.2 Casos de dispensa e inexigibilidade............................................361
3.1.2.5 A atuação em rede ........................................................................ 367
3.1.2.6 Das contratações realizadas pelas Organizações da Sociedade Civil
................................................................................................................. 379
3.1.2.7 Transparência e Controle – há um legado da Lei n. 13.019/14? ... 388
3.1.2.7.1 Compliance – o que é? Por que queremos? ..............................389
3.1.2.8 Do monitoramento e avaliação das parcerias ................................ 400
3.1.2.9 A prestação de contas sob a luz da Lei N. 13.019/14 .................... 408
3.2.1.9.1 O modelo de prestação de contas do marco regulatório das
organizações da sociedade civil – conceito, rito e prazos ........................412
3.1.2.10 Da responsabilidade e das sanções ............................................ 425
3.1.2.10.1 Dos atos de improbidade administrativa ...................................431

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 435

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 441


ABREVIATURAS UTILIZADAS

CF – Constituição Federal

LGL – Lei Geral de Licitações

LAI – Lei de Acesso à Informação

LIA – Lei de Improbidade Administrativa

LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal

MROSC – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

ONGs – Organizações Não Governamentais

OS’s – Organizações Sociais

OSC – Organização da Sociedade Civil

OSCs – Organizações da Sociedade Civil

OSCIP – Organização Sociedade Civil de Interesse Público

PMIS – Procedimento de Manifestação de Interesse Social

SICONV - Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse


“Chega de ação. Queremos promessas”.
Anônimo
INTRODUÇÃO

“Chega de ação, queremos promessas”. A frase em epígrafe, um protesto


em grafite, de autor desconhecido, citado por Luís Roberto Barroso (2007), em
seu texto Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito1, retrata muito
bem a escolha da abordagem da norma objeto desta tese – a Lei n. 13.019, de
30 de julho de 2014, apelidada de “Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil” - MROSC.
Ademais o dito tom de novidade, uma vez que a norma em referência,
como se verá, cria toda uma terminologia e institutos próprios, a mesma deve
ser vista como muito mais do que isso. Muitos dos instrumentos carreados pelo
marco regulatório em estudo já vem se concretizando, há tempos, no universo
das parcerias firmadas entre o poder público e as entidades privadas sem fins
lucrativos. Para aqueles acostumados com essa dinâmica, um olhar mais
apressado sobre a norma em apreço pode causar até mesmo certo desinteresse.
Mas a Lei n. 13.019/14 tem um apelo maior e merece ser vista como uma
verdadeira promessa. Não que estruturalmente não esteja muito bem construída
em balizados elementos e complexos institutos, mas a norma em foco deve ser
percebida para além de seu modelo moralizador. É um recomeço.
De modo a construir os caminhos que levam a essa afirmativa, será
preciso reconhecer o tom de confidência de cada instituto e procedimento inscrito
no modelo de regulação das parcerias firmadas entre as ditas “organizações da
sociedade civil” e os entes públicos (União, Estados, Municípios e Distrito
Federal).
As parcerias entre as entidades filantrópicas e o Poder Público já se
perpetuam no Brasil há mais de duas décadas, na relação entre o dito “Terceiro
Setor” e o “Primeiro Setor”. Muitas das confissões presentes na Lei n. 13.019/14
são fruto da realidade destes ajustes, resposta às críticas a uma gestão
engenhosamente reconhecida como desburocratizada e, portanto, sob a ótica

1BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Revista


Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Número 9, mar/abr/mai 2007, Salvador, Bahia, pp. 1- 41.
Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/artigo/luis-roberto-
barroso/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direitoo-triunfo-tardio-do-direito-
constitucional-no-brasil. Consulta em: Mar. 2018.

11
daqueles que desconhecem seus meandros, desprovida de moralidade e palco
para irregularidades. Por conta dessas críticas a relação Terceiro Setor e Estado
foi se aprimorando, construindo-se uma dinâmica própria que já tivemos
oportunidade de perceber quando da construção da dissertação de Mestrado e
que também serve de referência a esta tese.
De todo modo, por conta desse histórico insiste-se no título desta tese na
terminologia “Terceiro Setor”, ademais as naturais críticas abarcadas por tal
opção, que também serão devidamente enfrentadas ao longo da construção
deste estudo.
A fim de se contextualizar todo o peso contido no termo “organização da
sociedade civil” abraçado pela Lei n. 13.019/14, entende-se necessária a
contextualização de todo o cenário de desenvolvimento dos entes sem fins
lucrativos em sua relação com o Estado. Tal panorama evidencia,
especialmente, as mutações sofridas pela figura estatal, bem como da evolução
da sociedade civil, transmutada na figura do denominado “Terceiro Setor”,
firmando-se nesse caminho, todas as dificuldades de sua conceituação, as
bandeiras e ideologias firmadas em seu nome e o peso de sua construção de
forma autônoma e independente.
Não é nova a percepção de que o Estado tem falhado na realização de
suas competências. Observar a evolução estatal é um reflexo disso. Do Estado
centralizador ao denominado “Estado Gerencial”, o comportamento estatal
oscilou ora da mais pura abstenção (Estado liberal) e também do maior
comprometimento possível (Estado Social), até uma conduta “necessária”,
atuando quando não puder mais agir por conta própria o particular (Estado
Subsidiário o Gerencial). Nessa dinâmica atualíssima, o Estado encontra no
particular um parceiro, chamando-o a executar competências por essência de
titularidade estatal. O Estado “chama”, “convoca”, “financia” entes privados e, por
conta desse comportamento, ganha também a pecha de “fomentador”.
É neste cenário que insurge a perspectiva de um “Terceiro Setor”, que se
desenvolve para além do “Primeiro Setor” (Estado) e do “Segundo Setor”
(mercado), e que tem como primeiros expoentes, as Organizações Não
Governamentais (ONGs), as Organizações Sociais (OS’s) e as Organizações da

12
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e, em um salto qualitativo, as
“organizações da sociedade civil” (OSC’s), terminologia firmada na norma objeto
desta tese.
É esse o panorama inicial de desenvolvimento deste estudo, com o
descortinar dos entes que compõem o Terceiro Setor, especialmente quando
atendem ao chamado do poder público para a realização de direitos sociais de
primeira grandeza (saúde, educação, cultura, meio ambiente, tecnologia,
microcrédito, dentre outros). Desde a década de 90, como meio de concretização
de um plano de reforma da administração pública2, o Brasil conta com a suposta
expertise de entes sem fins lucrativos na gestão de seus negócios privados, de
modo a ver impressa a mesma dinamicidade na concretização das necessidades
públicas.
A percepção generalista de que as parcerias firmadas entre entidades
filantrópicas e o poder público se dariam sem muito controle, com a transferência
de responsabilidades e deveres estatais, com a quebra de um regime jurídico
próprio, ofendendo paradigmas basilares do Direito Administrativo (legalidade,
moralidade, publicidade, impessoalidade), tornaram o tema capcioso, centro das
mais passionais críticas ideológicas. Construiu-se todo um discurso simplista ao
redor das parcerias de que as mesmas burlariam a regra estatal de escolha,
desrespeitando a Lei Geral das Licitações e a seleção via concursos públicos.
As parcerias seriam a desculpa perfeita para indiretamente se burlar o regime
jurídico administrativo. É preciso muito mais do que isso para ir a fundo do que
realmente acontece nas parcerias em questão, mas pareceu o suficiente para se
instituir uma nova lógica regulatória (Lei n. 13.019/14), centro de nossas
reflexões na presente tese.
A presente pesquisa, alimentada pelos desdobramentos de dissertação
de Mestrado, fruto de mais de seis anos de consultoria jurídica junto a entidades
que abraçaram toda a lógica acima pontuada e que sentem o peso das
responsabilidades assumidas e dos malabarismos para a concretização da
lógica de uma Administração Pública de resultados, relutam entre a busca pela
concretização das obrigações assumidas, as dificuldades diárias dessas

2 Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995)

13
parcerias e a luta por mais reconhecimento. Também tem de lidar com críticas,
muitas delas legítimas (tanto de seus membros como da sociedade em geral),
de que são espaços ideais para irregularidades, de que já nascem na expectativa
de captação de recursos públicos3, não tendo mais agendas alternativas e de
oposição, sujeitando-se às vontades do parceiro público/político. Essa
dubiedade certamente alimenta um cenário de desconfiança. Desconfiança não
só pelo real papel desempenhado pelos entes do Terceiro do Setor no bojo das
parcerias firmadas com entes estatais, mas também pelas sucessivas notícias
de irregularidades e atos de corrupção que usualmente revisitam o termo
“pilantropia”.
É preciso quebrar essa tendência. É preciso desmistificar o senso comum
de que as entidades sem fins lucrativos têm no poder público sua única forma de
sobrevivência. Esse pensamento generalista é geralmente utilizado para
descredenciar o universo das filantrópicas4.
O regime jurídico dos ajustes firmados entre entidades sem fins lucrativos
e o poder público é um universo de contradições é tanto o Terceiro Setor quanto
o próprio Estado acabam tirando proveito disso. Em razão de um regime jurídico

3 Existem inúmeras organizações sem fins lucrativos que se encontram à frente do trabalho de
captação de recursos, no que citamos a Associação Brasileira de Captadores de Recursos –
ABCR, que, segundo seu sítio público na internet, “tem como missão promover, desenvolver e
regulamentar a atividade de captação de recursos, vista hoje como um dos grandes desafios do
Terceiro Setor. Entre suas principais metas, destacam-se a de trabalhar para assegurar a
credibilidade e representatividade da profissão e a de apoiar, indiretamente, organizações sociais
na importante tarefa de construir uma sociedade mais justa” (Disponível em:
http://captacao.org/recursos/institucional/o-que-e-a-abcr. Acesso em: Nov. 2017). Ora, é fato que
as entidades do Terceiro Setor têm uma estrutura a sustentar. Não vivem de brisa. A crítica se
dá na ordem de entidades que se nutram apenas de tal fim. Surgem de modo a firmar parcerias
com o poder público e nada além.
4 Ciente disso, a ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, por

meio de seu projeto “Observatório da Sociedade Civil”, elaborou um documento intitulado “O


dinheiro das ONGs – Como as organizações da Sociedade Civil sustentam suas atividades – e
porque isso é fundamental para o Brasil” (2014), que tem por objetivo exatamente desmistificar
o fato de que as entidades sem fins lucrativos teriam no poder público o único meio de captação
de recursos. Referido dossiê logo nas primeiras linhas, tendo por referência estudo feito pelo
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, já afirma que não é do poder público que
vem a maior parte dos recursos das ONGs. Tal afirmação parte do estudo também conduzido
pelo IPEA e denominado “As entidades sem fins lucrativos e as políticas públicas federais:
tipologia e análise de convênios e organizações” (2003-2011), donde se concluiu que, no
universo de cerca de 300 mil entidades sem fins lucrativos (segundo a pesquisa Fundações
Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil – Fasfil, realizada pelo IBGE), somente
10 mil receberam recursos por meio de convênios com o governo federal, o que representaria
uma fatia bem pequena.

14
híbrido (público x privado), que acaba colocando, lado a lado, como parceiras,
pessoas jurídicas de direito privado (ainda que sem fins lucrativos) e pessoas
jurídicas de direito público, e suas lógicas gerenciais minimamente
incompatíveis, os entes do Terceiro Setor parecem orbitar sem rumo entre estas
duas esferas e uma solução plausível parece não ser algo palpável, ademais a
tendência regulatória. O modelo misto faz com que tanto o ente privado quanto
o ente público se aproveitem dos discursos mais convenientes, ora se
aproveitando da suposta versatilidade que o arquétipo privado impõe (autonomia
da vontade), ora das limitações e prerrogativas que o público abarca (regime
jurídico administrativo).
Há de se conformar, que existe uma interlocução constante entre tais
campos no desenvolvimento das parcerias com o Terceiro Setor, cujo diálogo
necessariamente esbarrará ora nos espaços do Direito Público, ora nos espaços
do Direito Privado. Reconhecendo-se ainda a possibilidade de se colher bons
frutos desta interlocução, o segredo estaria, portanto, em minimizar os impactos
da insegurança jurídica que essa hibridez por ventura venha causar, sendo,
senão, a nosso ver, o principal fim da regulação da matéria. Como se verá o
marco regulatório em estudo e toda a legislação correlata parecem não trazer as
respostas tão ansiosamente esperadas quanto ao regime em apreço.
Reconhecendo esse como o ponto central de críticas e dúvidas é que
entra em cena o “Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”,
popularizado como “Marco Regulatório do Terceiro Setor”. A Lei n. 13.019, de 31
de julho de 2014 5 , objeto central da presente tese, tem como propósito
estabelecer “o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a
execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de

5 O surgimento da legislação em apreço levanta a possibilidade de regulação da própria


sociedade civil e esse ponto nos leva a traçar paralelos com o pensamento de Pierre Legendre
(1985: 5) e suas reflexões acerca da “função/poder de fundar”, sob a ótica da Referência que,
segundo a lei, “garante os lugares estruturais, isto é as categorias de reprodução”. A elaboração
de citado marco regulatório parece praticamente coincidir com o poder do Estado de fundar uma
identidade ao Terceiro Setor, o que certamente atrairá ainda mais críticas e reflexões cada vez
mais balizadas.

15
trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em
acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de
colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as
Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.”6 (grifa-
se).
A ementa acima trasladada é o retrato da denominada “Administração
Pública de resultados” (“mediante a execução de atividades ou de projetos
previamente estabelecidos em planos de trabalho”), pautada na eficiência, fruto
das mutações sofridas pelo Estado e que desaguaram em uma perspectiva
gerencial/subsidiária/fomentadora do mesmo. Essa evolução certamente
merecerá o necessário destaque no desenvolvimento da presente tese.
Referida ementa também exterioriza toda a problemática a ser enfrentada
neste estudo, não só a nível de definição de novas estruturas mas também de
novas nomenclaturas que nos trazem mais perguntas do que respostas.
Assim, questiona-se, desde logo: referido marco regulatório ao se referir
ao “regime jurídico” dessas parcerias resolve, de vez, toda a problemática
encampada por sua hibridez? Certas definições trazidas pela Lei, como a de
“organizações da sociedade civil”, não engessariam as bases do associativismo,
que acaba por buscar o aval da lei e das “caricaturas” trazidas pela mesma?
Quando a lei fala em “finalidades de interesse público”, trazendo um conceito
jurídico indeterminado, não deixaria muita margem para discussões sobre que
forças e interesses reais realmente perfilam essas parcerias? Novas
nomenclaturas como, “termos de colaboração”, “termos de fomento” e “acordos
de cooperação”, trazem maturidade e reconhecimento ao tema ou são apenas
mais do bom e velho “juridiquês”? Ao definir “as diretrizes para a política de
fomento”, o Estado fará desaparecer suas incapacidades estruturais e de
planejamento, em especial, a falta de controle sobre citadas parcerias? Essas,
dentre outras inúmeras questões, serão oportunamente enfrentadas nesta tese.
Neste cenário, há de se reconhecer, que os arranjos que envolvem o
público e o privado seguem cercados de ideologias e dificuldades que os

6Ementa da Lei n. 13.019, publicada em 31 de julho de 2014, com redação dada pela Lei n.
13.204/15. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em: Nov. 2016.

16
enfraquecem e deixam em segundo plano, coeficientes de desempenho e de
efetivação de direitos. Sua verve milagrosa também deixa de lado o senso crítico
e abafa todos os melindres e facetas que o tema assume. Por conta da doutrina
(e do próprio objeto) multidisciplinar, da tímida pesquisa empírica, e do estado
da arte ainda em construção, a temática é usualmente tratada ora com
generalidades, ora com ideologias contaminadas por pensamentos político-
partidários, o que, muitas vezes, impedem uma abordagem crítica e favorecem
discursos simplistas.
As críticas usualmente feitas às parcerias firmadas entre o Terceiro Setor
e os entes públicos giram em torno, especialmente, da falta de controle das
mesmas. A ausência de procedimentos licitatórios tanto para a escolha da
entidade parceira, quanto para a aquisição de bens feitas pelo parceiro privado
na consecução de suas obrigações; o uso de bens públicos e de servidores
públicos pelo parceiro privado; as relações trabalhistas que se desenvolvem com
traços de terceirização, burlando a sistemática dos concursos públicos. Regular
parece ser o caminho ideal para responder a tais questões. Resta enfrentar cada
um dos artigos do marco regulatório em apreço, de modo a enfrentar tais
questões de frente e ver o modelo de regulação proposto pelo mesmo.
Assim que, na construção da presente tese necessário o enfrentamento
de três eixos centrais divididos ao longo de três capítulos: 1) Quem?; 2) Como?
e; 3) Porquê?
No primeiro capítulo desta tese (Quem?) debruça-se sobre os sujeitos aos
quais se destinam o marco regulatório. Daí a opção pelo descortinar de todo o
cenário evolutivo de desenvolvimento do Estado, da sociedade civil, dos
movimentos sociais e as conexões entre os mesmos e o desabrochar da
formação do Terceiro Setor, até se alcançar a preferência da Lei n. 13.019/14
pela terminologia “organizações da sociedade civil” – OSCs.
De pronto, devemos ter o cuidado de delimitar o objeto de
aprofundamento e os principais atores envolvidos no presente estudo. O objeto
central é o que aqui se preferiu chamar de “Marco Regulatório do Terceiro Setor”,
personificado na Lei n. 13.019/14, suas principais motivações, supostas

17
soluções, nomenclaturas e novos instrumentos de concretização e legitimação
dos espaços dessas parcerias.
Os atores envolvidos nesta pesquisa são, conforme opção da norma em
estudo, a administração pública e as organizações da sociedade civil, na
qualidade de parceiros realizadores do que se entenda por “finalidades de
interesse público”. Assim que os arranjos que nos interessam, não dizem
respeito às Parcerias Público-Privadas (PPP’s), firmadas sob a égide da Lei n.
11.079/2004. Também não nos interessam as entidades do denominado
“Sistema S” – Senac, Senai, Senar, que para alguns autores7, fariam parte da
sistemática do Terceiro Setor.
Interessa-nos reconhecer quem são, de fato, as denominadas
“Organizações da Sociedade Civil” (OSCs), o que nos levará a tecer comentários
acerca de nomenclaturas já eternizadas: as ONGs (Organizações Não
Governamentais), as OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público, as OS’s – Organizações Sociais. A nomenclatura proposta pelo “Marco
Regulatório do Terceiro Setor” acende, em verdade, a dúvida se a terminologia
“Terceiro Setor” subsistirá. Órgãos e entes da Administração Pública Federal já
interiorizam o uso da Terminologia “Organizações da Sociedade Civil” (OSCs)8.
A assunção dessa terminologia parece também pender para a superação do
termo “Organizações Não Governamentais”. Parece clara a intenção do
legislador de apagar todo o peso negativo que tal expressão carrega levando em
consideração seu histórico no Brasil.
Nesta medida, o primeiro desafio é buscar descortinar e enfrentar todas
as possibilidades desses significados. Como se vê, o apego (cuidado)
terminológico será crucial para o desenvolvimento deste projeto, mesmo que
seja para, em um segundo momento, desmistificá-lo. Nesta medida, o desafio do

7 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em seu “Direito Administrativo” (2014, p. 554), desenvolve
pensamento no sentido de haver aproximação entre entidades paraestatais (donde se incluem
os serviços sociais autônomos – os entes do chamado “Sistema S”) e o Terceiro Setor, o que
discordamos. A própria Lei n. 13.019/14 deixa de fora, tais entes segundo se aprofundará quando
da análise do inciso X, de seu art. 3º.
8 Citamos como exemplo, a página da Rede Sincov, que é o portal de convênios do Ministério do

Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Disponível em: http://portal.convenios.gov.br/.


Acesso em: Nov 2016. O IPEA, fundação pública federal, conforme pontuamos na nota de rodapé
2, também já internalizou citada terminologia.

18
primeiro capítulo é, pautado no levantamento bibliográfico apropriado, o de
compilar as discussões mais relevantes acerca das mutações estatais e as
mutações e significados da sociedade civil e dos movimentos sociais que
culminaram na configuração do Terceiro Setor e mais, na atual ampliação de
seus significados na aposta dada pela Lei n. 13.019/14 ao termo “Organizações
da Sociedade Civil”.
No segundo capítulo (Como?) da presente tese pretende-se os devidos
aprofundamentos acerca do objeto da Lei n. 13.019/14: as parcerias. Enfrenta-
se em definitivo, um dos pontos cruciais destes ajustes, que diz respeito ao seu
regime jurídico. No desenvolvimento do mesmo desenvolve-se o pensamento
crítico a respeito de toda a terminologia criada pelo marco regulatório em estudo,
com a apresentação dos conceitos e passos para a celebração dos “termos de
colaboração”, “termos de fomento” e “acordos de cooperação”. Aqui, percebe-se
a preocupação da Lei n. 13.019/14 em se firmar como um modelo de parcerias
exemplar, firmado na transparência, publicidade e na construção de metas e na
concretização de resultados muito bem desenhados. Há de se pensar, após feita
a devida reflexão quanto a este capítulo, se não teria o marco regulatório em
foco, criado uma burocracia própria, o que pode comprometer seus ideais e
principais objetivos, firmados em seu art. 5º.
No terceiro e último capítulo, o verdadeiro “coração” desta tese, perpassa-
se, em um primeiro momento, pelas origens e a evolução do Estado regulador,
as formas de regulação e todo seu histórico, que vai desde uma suposta
autonomia à “captura” dos agentes envolvidos na regulação e, mais, a da
perspectiva de uma regulação por incentivos, que parece ser a tônica do marco
regulatório em estudo. No capítulo em referência se desenvolverá a devida
análise do tom regulatório dado as parcerias centro da Lei n. 13.019/14, não sem
a devida crítica, refletindo-se acerca do verdadeiro “chamado” à regulação do
setor. A Lei n. 13.019/14 surge da articulação de um grupo de entidades sem
fins lucrativos 9 que, em 2010, lançam a Plataforma por um Novo Marco

9Entidades e redes que lançaram a “Plataforma MROSC”, em agosto de 2010: Articulação


Nacional de Agroecologia – ANA, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa –
ASPTA, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, Cáritas
Brasileira, Fundação AVINA, Fundação Grupo Esquel do Brasil – FGEB, Grupo de Institutos,

19
Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil que tinha dentre seus
propósitos a construção de uma regulação firmada em “processos e instâncias
efetivos de participação cidadã nas formulações, implementação, controle social
e avaliação de políticas públicas” e em “mecanismos que viabilizem o acesso
democrático aos recursos públicos e que permitam a operacionalização
desburocratizada e eficiente das ações de interesse público”10.
Nessas bases, adentra-se, portanto, no derradeiro capítulo desta tese,
nos meandros da Lei n. 13.019/14 e no seu cenário de desenvolvimento,
acentuando os pontos recebidos como “novidades” e o que realmente
acreditamos seja a grande promessa do modelo regulatório proposto: o
fortalecimento da sociedade civil e a concretização, com base nas parcerias, de
objetivos que privilegiam a participação e o controle social, a inclusão e o
desenvolvimento sustentável (preservação, a conservação e a proteção dos
recursos hídricos e do meio ambiente e do patrimônio cultural brasileiro, em suas
dimensões material e imaterial), pautado em um sistema cooperativo e
integrado, garantido o direito à diferença e perpetuando-se uma lógica de
transversalidade e transparência.
Assim que, não bastará aos propósitos da presente tese, ter-se a Lei n.
13.019/14 como uma norma dotada de boas intenções e de um arquétipo
moralizador, preocupada em dar o devido tratamento ao regime jurídico das
parcerias firmadas entre parceiro público e parceiro privado. A norma objeto
deste estudo pretende o devido reconhecimento das organizações da sociedade
civil e seu relevante papel para a consecução dos fins públicos. Assim que, o
propósito da norma vai além da “matemática” contratual e da construção de
ajustes mais transparentes. O apelo a termos tais como “consecução de
finalidades de interesse público e recíproco”, “termos de colaboração”, “mútua
cooperação”, “programas de capacitação”, “transparência e controle”, pode
trazer consigo os discursos mais atraentes e as promessas mais tentadoras, mas
a lei em referência terá de mostrar a que veio.

Fundações e Empresas – GIFE, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,
Pastoral da Criança, Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
10 Conforme proposta da “Plataforma MROSC” disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-

content/uploads/2011/10/Plataforma-principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.

20
Há de se reconhecer que a norma em referência surgiu em um panorama
de crises: uma crise de confiança - alimentada por denúncias de irregularidades
no seio dessas parcerias; uma crise financeira - com a falta de repasse dos
recursos necessários à concretização dos projetos firmados; uma crise de
identidade - com a necessidade de reconhecimento dos entes sem fins lucrativos
parceiros do Estado na realização de direitos sociais de peso. Surge,
exatamente, em um momento em que, por conta desse cenário de crises, há um
decréscimo no número de organizações da sociedade civil e, por consequência
das parcerias com o poder público11. Será preciso acompanhar de perto, com a
pesquisa incessante, o desenvolvimento e a concretização de todos os
instrumentos e institutos que formam a identidade da Lei n. 13.019/14 em um
cenário de grande desgaste institucional.
De toda forma, reste configurado que, citado marco regulatório gasta
bastante tempo em pontos frágeis das parcerias em questão, tais como, a
prestação de contas e a responsabilização dos atores envolvidos nos ajustes em
referência. Dentre os mais variados expedientes, a Lei n. 13.019/14, em sua
missão de trazer uma governança transparente para o universo do modelo em
apreço, alterou a Lei n. 8.429/92, de modo a abarcar um capítulo próprio a tratar
dos atos de improbidade administrativa. Isso condiz com os anseios da
sociedade brasileira na atualidade, aparentemente cansada das notícias de
corrupção sistêmica que praticamente nos adjetiva.
Nesses termos, a legislação em apreço não pode ser vista unicamente
como uma reunião de regras burocratizantes. Existem expedientes curiosos e
merecedores de aprofundamento, como a possibilidade de atuação das OSCs
em rede (art. 35-A da Lei n. 13.019/14) e o Procedimento de Manifestação de
Interesse Social (PMIS) “como instrumento por meio do qual as organizações da
sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos poderão apresentar propostas
ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de um

11 Infira-se tal conclusão do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, disponibilizado pelo
Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA, item 7 - “Evolução anual de OSCs com parcerias com o
Governo Federal por tamanho da OSC, Brasil - 2009-2017”. Disponível em:
https://mapaosc.ipea.gov.br/dados-indicadores.html. Consulta em: Mar. 2018.

21
chamamento público objetivando a celebração de parceria” (art. 18 da Lei n.
13.019/14).
Há de se reconhecer diante de todos esses espectros que o marco
regulatório do Terceiro Setor é uma norma peculiar. Em uma vacatio legis
sucessivas vezes alterada (para os municípios a lei só entrou em vigor em janeiro
de 2017), referido marco encontrou, logo de início, naturais resistências, antes
mesmo de ter a oportunidade de mostrar ao que veio. E não é só por conta das
dúvidas quanto a sua vigência, mas também pelo fato de que a Lei n. 13.019/14
já sofreu alterações substanciais promovidas pela Lei n. 13.204/15. Muitas das
críticas recebidas pelas parcerias em referência foram enfrentadas no texto
original do marco regulatório (como por exemplo, o sistema de aquisição de bens
pelo parceiro privado), para depois serem revogadas pela lei de 2015. Muitas
serão as reflexões a despeito dessas variáveis, donde o objeto deste estudo
ganha relevância e utilidade.
Desta feita, no caminho de construção desta tese, em termos
metodológicos, servimo-nos do método indutivo e histórico, tendo como técnica
de pesquisa, o referencial bibliográfico presente nas lições de Montaño (2008),
Moreira Neto (2016), Oliveira (2014), Carvalho (2008), Moro (2016). O estado da
arte é tímido, pautado em alguns poucos artigos e obras que apresentam uma
perspectiva generalista do tema e se apresentam mais como manuais
direcionados aos gestores e dirigentes das parcerias. Pretende-se, em uma
abordagem crítica, que contempla artigo por artigo da Lei n. 13.019/14, contribuir
para a construção de reflexões mais robustas sobre o tema.
Tem-se também por referência, na construção desta tese, os decretos que
regulamentaram a matéria no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, tendo-se como especial referência, o Decreto Federal n.
8.726/16, a apresentar relevantes desdobramentos e importante
complementação à Lei n. 13.019/14. Tem-se ainda como referência, o Decreto
do Estado do Paraná (Decreto n. 3.513/2016), por ter sido o primeiro Estado a
regulamentar a matéria, fazendo-se ainda, algumas referências ao Decreto do
Estado de São Paulo (Decreto n. 61.981/16) pela importância no cenário
brasileiro. Cite-se ainda algumas experiências do Estado de Rondônia (Decreto

22
n. 21.431/16) que tem se empenhado na concretização dos preceitos da norma
em estudo, bem como do Estado da Bahia (Decreto n. 17.091/16), pelo
compromisso com a efetividade do modelo, especialmente com sua construção
nas bases da participação popular. O Estado do Rio de Janeiro, ademais
tratativas para a regulamentação da Lei n. 13.019/14, ainda não o fez, talvez em
um claro exemplo de como o cenário de crise institucional poderá comprometer
o desenvolvimento da norma em foco.
Assente-se, desde já, o baixo interesse dos Estados 12 brasileiros na
regulamentação dos preceitos presentes no marco regulatório, havendo, até o
momento, o compromisso somente por parte de Minas Gerais, Rondônia, Bahia,
Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo e Paraná e o
Distrito Federal13.14 Ademais, o Brasil contar com mais de cinco mil Municípios,
a adesão à lei também é relativamente pequena15, interessando à presente tese
os desdobramentos do Decreto n. 42.696, de 26 de dezembro de 2016, do
Município do Rio de Janeiro.
Vale, por fim, acentuar, que a presente tese não tem o objetivo de se
tornar um manual de orientação para dirigentes, gestores e todos os agentes
interessados na efetivação das parcerias na compreensão da Lei n. 13.019/14.
Esse papel tem sido muito bem realizado pelos entes públicos na construção da
denominada “Agenda MROSC”, com cartilhas e informativos bastante
simplificados e acessíveis. A pretensão da presente tese é efetivamente refletir
acerca dos elementos motivadores e dos desafios de implementação do modelo
de regulação em foco.
Entender que o marco regulatório em estudo traga consigo um “bom”
modelo de regulação, é problema a ser respondido a longo prazo, com a devida
pesquisa empírica e o descortinar de um cenário de crise financeira, econômica

12 Reitere-se que a Lei n. 13.019/14 entrou em vigor para os Estados em 23 de janeiro de 2016.
Em pouco mais de dois anos de vigência da norma, poucos Estados se articularam em tal
propósito.
13 Segundo atualização do sítio público participa.br/MROSC. Disponível em:
http://www.participa.br/osc/paginas/decretos. Consulta em 1 de abril de 2018.
14 Ademais as tratativas para a elaboração do competente Decreto, o Estado do Rio de Janeiro

não regulamentou a matéria até o fechamento da presente pesquisa em 1 de abril de 2018.


15 Segundo se depreende do sítio público participa.br/MROSC. Disponível em:
http://www.participa.br/osc/paginas/decretos. Consulta em 1 de abril de 2018.

23
e estatal. A crise econômica que atinge o Estado brasileiro nos últimos anos
coloca em xeque não só as capacidades estatais, mas também a dos entes que
com ele contratam. A falta de repasse de verbas e as notícias de irregularidades
nas parcerias até então firmadas com entes que forma essa lógica do “Terceiro
Setor” parecem ter tornado a regulação o único caminho tolerável. É, decerto,
uma das pedras de toque do tema, mas não pode servir-lhe de limitador.

24
1. QUEM É QUEM SEGUNDO O “MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO
SETOR”?

Seria o fim do denominado “Terceiro Setor” ou o mesmo tende a perder


seu protagonismo? Foi-lhe dada uma nova chance ou pretende-se seu
esquecimento? A primeira dificuldade da presente tese se dá exatamente no
reconhecimento de que, ademais o termo “Terceiro Setor” tenha se
popularizado, com o advento da Lei n. 13.019/14, uma nova ordem vem à tona,
marcando-se a prioridade dada ao termo “Organização da Sociedade Civil –
OSC”, recebendo a norma a denominação de “Marco Regulatório das
Organizações da Sociedade Civil - MROSC”.
Insistir no título deste estudo pela alcunha de “Marco Regulatório do
Terceiro Setor”16 é provocar as reflexões postas logo nas primeiras linhas deste
tópico. É não desconsiderar toda a construção evolutiva e teórica que há
décadas aproxima as agendas e os interesses da sociedade civil organizada das
competências do poder público. Entender os motivos de uma nova terminologia
também é necessário, na medida que se evidencia uma suposta maturidade no
reconhecimento de nossa própria realidade, com a missão de se reescrever uma
nova história, deixando de lado um contexto que privilegia modelos muitas vezes
incompatíveis com nossas estruturas17. É ainda, perceber os sinais de desgaste
do modelo posto e uma resposta às sucessivas tentativas de desmerecê-lo.
Prenuncia a ementa da Lei n. 13.019/14, com as alterações promovidas
pela Lei n. 13.204/15 18, que citada norma se presta a estabelecer “o regime

16 Segundo Montaño (2010), a nacionalidade norte-americana do termo traria consigo


“procedência e funcionalidade com os interesses de classe (...) cunhado por intelectuais
orgânicos do capital”, o que sinalizaria para uma “clara ligação com os interesses de classe, nas
transformações necessárias à alta burguesia”.
17 Como se verá, o termo “Terceiro Setor” surge do modelo norte americano da third sector, em

uma lógica estrutural própria que muitas vezes não guarda qualquer semelhança com a realidade
brasileira.
18 A nosso ver, as alterações promovidas pela lei 13.204/15 são tão substanciais, que seria até

justificada a revogação da Lei n. 13.019/14. Essa afirmação restará comprovada ao longo de


toda esta tese, na medida em que relativamente poucos artigos permanecerão com sua redação
original. A redação original da ementa era a seguinte: “Estabelece o regime jurídico das
parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a
administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação,
para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de
fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração
e o termo de fomento; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março
de 1999” (grifo nosso). A alteração trazida pela Lei n. 13.204/15, parece fazer todo o sentido na

25
jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da
sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de
finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades
ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em
termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação;
define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com
organizações da sociedade civil; e altera as Leis n os 8.429, de 2 de junho de
1992, e 9.790, de 23 de março de 1999”.
Referida ementa tem muito a dizer. Traduz os elementos constitutivos da
obrigação (concretizada por meio das parcerias) retratada no marco regulatório.
Trata de seu elemento objetivo – a prestação, formalizada por meio de “termos
de colaboração, termos de fomento ou acordos de cooperação” e externalizada
no trecho “para execução de atividades ou de projetos de interesse público e
recíproco” (art. 1º Lei n. 13.019/14); de seu elemento abstrato – o vínculo
jurídico que une as partes em uma relação obrigacional e tem no seu regime
jurídico seu grande diferencial; e o elemento que nos interessa neste primeiro
capítulo, o elemento subjetivo, as partes da obrigação – a administração
pública e as organizações da sociedade civil.
A ementa acima trasladada e desdobrada no parágrafo anterior pode
conduzir a um equívoco. O marco regulatório em estudo é muito mais que uma
“matemática” contratual. É preciso vê-lo para além da lógica de escolha do
parceiro ideal a perpetuar a efetividade de direitos sociais de primeira grandeza.
É preciso percebê-lo como um instrumento, como uma diretriz, uma verdadeira
promessa. Se o Brasil não se forma como um país de grandes pretensões
associativistas, que se tenha em mente que aqueles que o tem, o façam não em
nome de interesses escusos, mas sim em prol de uma democracia concreta,
substancial. É essa a bandeira do marco regulatório. Para muito além das
parcerias a serem firmadas, o marco é um prelúdio. Anuncia a missão de
fortalecimento da sociedade civil e de reconhecimento da participação social
como direito do cidadão. Insiste na solidariedade como único caminho, não como

medida que, ao se desvencilhar do termo “parcerias voluntárias”, retira o peso de “convênio” que
a expressão possa reverenciar. Essa questão terminológica será enfrentada no momento
oportuno.

26
opção. Firma no respeito à diversidade, o elemento essencial “para a construção
de valores de cidadania e de inclusão social e produtiva”19.
Assim que, ainda que seja primordial ao desenvolvimento desta tese o
enfrentamento de todos os elementos que concretizarão as parcerias firmadas
entre organizações da sociedade civil e o poder público, tenha-se em mente não
só a mera reprodução dos mesmos, mas sim sua contextualização dentro de um
cenário evolutivo próprio, em respeito ao fim maior da norma: o fortalecimento
da sociedade civil. Essa é a promessa. Esse é o centro gravitacional do marco
regulatório.
Sendo assim, sem deixar de lado as reais pretensões da norma em
estudo, ocupa-se o primeiro capítulo desta tese, das reflexões acerca das partes
envolvidas na relação obrigacional objeto de regulação. É preciso reconhecer
quem é hoje o Estado que se diz “parceiro”. É preciso compreender hoje que a
sociedade civil organizada tem nas parcerias com o Estado mais uma alternativa.
É preciso reconhecer nos ajustes firmados não um “mercado de fornecedores”20,
mas sim um caminho de crescimento, de desenvolvimento, um modelo de
integração, um mercado de novas possibilidades. É um momento importante
para tal.
O cenário não é dos melhores. Ainda que se tenha experimentado um
verdadeiro boom na criação de entidades sem fins lucrativos a partir da década
de 90 e ademais se reconheça a importância do Terceiro Setor em sua missão
coletiva, é certo que desde 2014 o número dessas entidades vem decaindo
substancialmente21, especialmente em razão da crise financeira que tem afetado
profundamente a esfera governamental e as parcerias até então em franca
ascensão. Ante este cenário é preciso, sem deixar de lado o olhar crítico, “ouvir”
o que a Lei n. 13.019/14 tem a dizer e o legado que pretende deixar em um
espectro de desesperança.

19 Lei n. 13.019/14, art. 5º, inc. II.


20 DONNINI, Thiago Lopez Ferraz. “Polêmicas causadas pela lei nacional de parcerias
voluntárias”. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mai-11/thiago-
donnini-polemicas-causadas-lei-parcerias-voluntarias. Consulta em: Jan. 2018.
21 Infira-se tal conclusão do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, disponibilizado pelo

Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA, item 7 - “Evolução anual de OSCs com parcerias com o
Governo Federal por tamanho da OSC, Brasil - 2009-2017”. Disponível em:
https://mapaosc.ipea.gov.br/dados-indicadores.html. Consulta em: Mar. 2018.

27
Nesses termos, perpassa-se, a partir do tópico seguinte, por todos os
conceitos centrais ao desenvolvimento do tema, de modo a se ver identificados
os sujeitos que compõem o elemento subjetivo das parcerias. É necessário
contextualizar: quais pilares sustentam uma sociedade civil dita “organizada”?
Qual o cenário de evolução estatal que pressupõe terreno fértil para a existência
de um Estado pautado nos resultados e na efetividade?
De modo a se compreender o real alcance das expectativas depositadas
na Lei n. 13. 019/14, há de se ter minimamente compreendido o quadro evolutivo
da sociedade civil que culminou no denominado “Terceiro Setor”, bem como as
mutações sofridas pelo Estado, de modo que, ao se proceder à leitura do
conceito de “administração pública”, segundo arguido pelo artigo 2º, II22, da Lei
n. 13.019/14, seja possível reconhecer um compromisso muito maior do que com
uma Administração Pública de resultados, mas sim com uma administração
pública que compactua com os direitos fundamentais e com o “desenvolvimento
local, regional e nacional, inclusivo e sustentável”23.
O mesmo raciocínio se aplica à conceituação proposta pela lei em apreço,
a respeito do que se venha entender por “organização da sociedade civil” (art.
2º, inciso I). Não nos ocorre a simples reprodução do conceito legal, mas como
já antecipado, há o compromisso de rever todo o desenho histórico e evolutivo
da própria sociedade de modo a se ver refletido nos objetivos da norma, toda
sua essência formadora e as mutações que colocam as organizações da
sociedade civil como centro do que aqui, em um primeiro momento, opta-se por
aglutinar na terminologia “Terceiro Setor”.
Nesses termos, parte-se para a análise do que venha a se entender por
“Terceiro Setor”, sob uma abordagem o mais generalista possível (e não por isso
desprovida da devida técnica), não só pelo viés da praticidade conceitual contida
na norma em estudo, mas também pelas tecnicalidades impostas pela ciência
jurídica. Neste mesmo capítulo, de modo subsequente, analisa-se a figura do
Estado, suas mutações e o contexto no qual ganha corpo a noção de

22 Percebe-se, pela redação do artigo em referência, uma clara opção pelo entendimento de
administração pública em seu aspecto subjetivo o que mais adiante será enfrentado.
23 Lei n. 13.019/14 – art. 5º, inc. III.

28
administração pública gerencial, fechando-se assim o presente capítulo com o
cenário dos polos da relação obrigacional em estudo.

1.1 O TERCEIRO SETOR

De fato, poder-se-ia simplificar, substancialmente, o presente trabalho


caso fosse adotada a terminologia da Lei n. 13.019/14, que trata das
“organizações da sociedade civil”, mas não é o caminho que aqui se optou por
percorrer. Popularizou-se no dia a dia não só dos entes que formam a lógica em
estudo, mas também daqueles que com eles se relacionam, a denominação
“Terceiro Setor”. Não é incomum o tratamento da Lei n. 13.019/14 como “Marco
Regulatório do Terceiro Setor”, ainda que “oficialmente” se diga “Marco
Regulatório da Sociedade Civil - MROSC”24. A princípio, como já antecipado,
insiste-se nesta tese no termo “Marco Regulatório do Terceiro Setor” 25 , na
medida que o mesmo parece não apagar toda a memória de desenvolvimento
do tema, respeitando as construções e marcas que a evolução da matéria traz
consigo.
Existe doutrina a afirmar que “o legislador optou por chamar todas as
entidades sem fins lucrativos (associações e fundações) de Organização da
Sociedade Civil e estendeu o conceito às cooperativas e às organizações
religiosas” (destaca-se)26. Decerto restar acertado que não compactuamos com
tal posicionamento, vez que ainda que realmente a intenção do legislador parece
tenha sido esta, não há como desconsiderar todo o universo dos acordos até

24 O Governo Federal, como parte de seu compromisso na construção de sua agenda para a
concretização da Lei n. 13.019/14, lança mão de um sítio público denominado de “MROSC -
Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”. Disponível em:
http://www.participa.br/osc#.Wr0nPOjwbIU. Consulta em: Mar. 2018.
25 É a terminologia utilizada pelo grupo Observatório do Terceiro Setor, empenhado na

divulgação de ações envolvendo o Terceiro Setor. Disponível em:


http://observatorio3setor.org.br/carrossel/o-que-muda-com-marco-regulatorio-do-terceiro-setor/.
Consulta em: Mar. 2018. É também a terminologia a qual se deu preferência o governo do Distrito
Federal. Ver em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2017/07/07/encerrada-primeira-
capacitacao-do-marco-regulatorio-do-terceiro-setor/.
26 MORO, Rosangêla Wolff. Regime jurídico das parcerias da organizações da sociedade civil e

a Administração Pública – Lei 13.019/14. Rio de Janeiro: Matrix, 2016, p. 26.

29
então firmados com as entidades do dito Terceiro Setor e, como se verá, os
casos de inaplicabilidade da norma presentes no art. 3º da Lei n. 13.019/14.
Reconhece-se o peso na escolha do termo “Terceiro Setor”, suas origens
no universo das instituições estadunidenses, o que, como se verá faz todo
sentido quando se reflete acerca da própria evolução do Direito Administrativo
brasileiro que sofre ao longo de sua formação certos influxos do direito
americano. Respeitadas as diferenças e origens do termo na realidade
americana, temos um caminho a construir e o marco regulatório sinaliza para
esses novos rumos.
Há de se reconhecer, desde já, que o que aqui se entende chamar por
Terceiro Setor ocupa várias frentes. Não só realizando suas próprias agendas
(nas bases de sua formação associativista), mas também como parceiro do
Poder Público (Primeiro Setor), bem como, com inserções próprias no mercado
(Segundo Setor). Com o Primeiro Setor (Estado), vem realizando há tempos
(mais precisamente a partir de meados da década de 90), parcerias que
culminaram no marco objeto desta pesquisa. Com o Segundo Setor (mercado),
é importante aliado na construção da malfadada responsabilidade social, de
modo que as empresas se fortaleçam e se diferenciem no mercado.
A importância do Terceiro Setor, em termos econômicos, não é mais
ignorada desde que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em
uma alteração de sua metodologia (ocorrida em 2007), aferiu tal setor nas contas
nacionais, reconhecendo, naquela oportunidade, uma participação oficial de
1,4% na formação do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), o que significava um
montante de aproximadamente 32 bilhões de reais. Em levantamentos mais
recentes a participação do Terceiro Setor no PIB seria na ordem de 5%2728.
Seu poder de empregabilidade também chama atenção. Para muito além
da ideia de voluntariado que, como se verá, encontra-se no cerne de formação

27 Informação disponível em: http://gife.org.br/terceiro-setor-finalmente-no-pib/. Acesso em: set.


2017.
28 São esses números que fizeram Lester Salamon, pesquisador do Center for Civil Society

Studies, da The Johns Hopkins University e responsável pelo projeto Comparative Nonprofit
Sector Project, palestrante no Seminário Internacional Perspectivas para o Terceiro Setor no
Século XXI (SP/2002), afirmar que “O terceiro setor é uma das maiores forças econômicas
mundiais”.

30
de seus entes. Estima-se que o crescimento de pessoas formalmente ligadas ao
Terceiro Setor seja exponencial, quanto mais em cenários de crise e de
significativas perdas em termos de empregos formais29.
A que preço o Terceiro Setor tem expandido sua participação nas contas
nacionais e nos mais variados espaços em que se insere é o que deve estar em
constante reflexão e é esse tipo de contribuição que a presente tese pretende
construir30.
A nosso sentir, o Terceiro Setor é um poço de contradições e usa isso a
seu favor. Muitas vezes por conta de suas bases de formação comunitária e
filantrópica, capaz de abraçar uma sociedade civil heterogênea, em movimentos
sociais que desafiam a idealização de ordem, o Terceiro Setor parece ter livre
entrada nos mais diversos setores da sociedade. Avalizado por um atraente
discurso que tem na solidariedade todo seu poder de atração, o Terceiro Setor
acaba por criar uma lógica própria, ganhando cada vez mais aderência a
espaços que por origem não lhes pertenceria, deixando-se mostrar por debaixo
de um fino véu de representatividade social que carregaria por essência.
De todo modo, ao se optar por delimitar o objeto desta pesquisa no
tratamento recebido pelas parcerias firmadas entre o Terceiro Setor e o Poder
Público, pode-se verificar que não só o Terceiro Setor está a frente da gestão de
direitos sociais de primeira grandeza (saúde, educação, cultura, segurança
alimentar, meio ambiente, crédito, dentre outros), mas que com seu marco
regulatório, veio para ficar. Goste-se ou não. Compreenda-se ou não todos os
seus desdobramentos e tecnicismos, o fato é que a norma em estudo reforça
não só a necessidade de mais transparência quando da transferência de

29 O primeiro levantamento no Brasil com dados oficiais sobre o setor utilizou como referência o
Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE para o ano de 2002, cobrindo o universo das
organizações inscritas no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Entre 1996 e 2002, o
número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos cresceu 157%, passando de
105 mil para 276 mil. No mesmo período, o número de pessoas ocupadas no setor passou de 1
milhão para 1,5 milhão de trabalhadores, registrando um aumento de 50%.
30 Leilah Landin, uma das pesquisadoras que trabalhou no projeto Comparative Nonprofit Sector

Project, e responsável pelo levantamento dos dados brasileiros (dentre 35 países pesquisados),
“os números são importantes não só para medir a dimensão dessa área, mas também para
ocupar uma lacuna deixada pelas universidades. O terceiro setor ganhou uma extrema
importância social nestes últimos dez anos. Porém, ele não conseguiu adquirir relevância teórica.
Esse não é um assunto muito estudado pela academia”. Entrevista disponível em:
http://gife.org.br/se-fosse-um-pais-terceiro-setor-seria-a-sexta-maior-economia-do-mundo/.
Acesso em: Nov. 2016.

31
competências e recursos do poder público para tais entes privados sem fins
lucrativos, mas também que essas entidades conseguiram um lugar ao sol, um
relativo protagonismo. Era, de fato, um desejo antigo das entidades
representativas da sociedade civil3132.
Se a questão central de inserção das entidades filantrópicas no cenário
das contratações públicas seria a das eventuais denúncias de irregularidades33
que levaram até à consagração do termo “pilantropia”, por certo que o marco
regulatório busca uma redenção, pautando-se na transparência como uma de
suas principais bandeiras. Essa questão será objeto de enfrentamento em
muitas outras ocasiões.
Como se verá no momento oportuno, pela própria reestruturação da
Administração Pública brasileira e com o reconhecimento de que não é
plenamente capaz de eficazmente cumprir para com todas as suas
competências, do que necessitará de apoio, o Terceiro Setor, sem fins

31 No site da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), nas reflexões


prescritas no texto “Acabaram os Convênios, e agora? — Questões Práticas sobre a Lei
13.019/2014”, quando da entrada em vigor de referida norma, anote-se: “Para a Abong que
participou como protagonista através da Plataforma de Organizações Sociais pelo Marco
Regulatório, é fundamental reconhecer que a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção
desta lei é uma vitória da sociedade civil brasileira que, se cumpridas as normas e procedimentos
determinados na nova ordem jurídica, deixarão de estar à mercê dos governos e seus interesses
imediatos. A Lei 13019/2014 era uma peça essencial que faltava par consolidar a democracia
brasileira através do fortalecimento das organizações sociais de forma permanente e duradoura”.
32 Cite-se nesse contexto, a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações

da Sociedade Civil, criada em Agosto de 2010 e formada por um grupo bastante representativo
(74 organizações e 18 redes) de movimentos sociais, entidades religiosas, ONGs, institutos e
fundações privadas decidiram definir uma agenda comum para apresentar aos então candidatos
à Presidência da República. Restou firmado que a Plataforma “destaca o papel das organizações
da sociedade civil como patrimônio social brasileiro e pilar de nossa democracia. Os integrantes
reivindicam uma política pública de fomento à participação cidadã por meio de organizações
sociais autônomas. Comprometem-se, por sua vez, a zelar pelo sentido público de sua atuação,
além de adotar práticas de boa gestão e transparência”. Na oportunidade, as entidades firmaram
um documento que, dentre outros objetivos, pontuou os compromissos firmados pelas
subscritoras, em sendo: “As causas de interesse público, a consolidação da democracia e a
ampliação da participação democrática por meio da participação cidadã; Aprimoramento,
melhoria e intensificação da qualidade da participação das OSCs nos processos de mobilização
da cidadania para causas de interesse público; Adoção de práticas que permitam a melhor
gestão dos recursos manejados pelas OSCs, aperfeiçoando nossas práticas de auto-regulação,
transparência e prestação de contas”. É, de fato, o tom no qual se construiu a Lei n. 13.019/14.
33 Há de se citar a famigerada “CPI das ONGs”, que tinha por objeto investigar o repasse de

recursos federais para organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade


civil de interesse público (OSCIPs), no período de 1999 até 30 de abril de 2009. Tal Comissão
Parlamentar de Inquérito, instalada junto ao Senado Federal, teria sido a gênese do Projeto de
Lei n. 649/11, de autoria do Senador Aloysio Nunes, que deu origem à Lei n. 13.019/14.

32
lucrativos34 e, ao que aparenta, sempre solícito, parece ser o parceiro ideal, ou
melhor, natural.
Assim sendo, o presente capítulo perpassa pelos principais pontos para o
desenvolvimento deste estudo, na medida em que se debruça sobre o
reconhecimento dos entes para os quais a Lei n. 13.019/14 está endereçada.
Aqui, é o momento de se refletir de onde veio, onde está e para onde vai o tão
afamado Terceiro Setor. Se há uma verdadeira reinvenção de suas bases ou há
um novo capítulo a ser escrito.
Nestes termos, é preciso ter todo um preciosismo terminológico, na
medida que, dizer “quem é quem” na lógica do Terceiro Setor importa não só
para efeito de gozar dos benefícios que o mesmo possui na lógica contábil e
tributária, mas também da capacidade para ser parte nos ajustes firmados com
os entes públicos. Com o advento da Lei n. 13.019/14, resta ainda a preciosa
missão de identificar quais entes a ela se submeteriam.
A introdução de um marco regulatório, a nosso ver, tem a clara intenção
de remexer com toda a lógica contratual, especialmente em termos de
identificação dos entes privados da parceria. Identificá-los com clareza é o
primeiro passo para o desenvolvimento do presente estudo. A intenção de
esvaziar termos já naturalmente desgastados como “ONGs” e mesmo “Terceiro
Setor”, parece ser a lógica primeira da opção da norma pelo termo
“Organizações da Sociedade Civil”. A amplitude e suposta neutralidade desse
termo dentro das ciências sociais e jurídicas parece sinalizar para um recomeço.
Nos tópicos seguintes do presente capítulo justapõem-se o que se
acredita ser os elementos formadores do Terceiro Setor e o cenário que
contribuiu para sua cristalização na realidade brasileira e sua proximidade com
a proposta do MROSC – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade
Civil.

34A Constituição Federal de 1988 reproduz essa lógica ao afirmar em seu art. 199, §1º: “As
instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos” (grifo nosso).

33
1.1.1 A FORMAÇÃO DO TERCEIRO SETOR – ORIGENS E CONCEITOS

Sob o ponto de vista da ciência jurídica, parece não haver qualquer


dificuldade na conceituação do Terceiro Setor e muito menos qualquer
constrangimento ao se descrever o contexto no qual o mesmo se dissemina.
Juristas de renome tratam conceitualmente do Terceiro Setor de maneira
bastante prática e pontual.
Segundo Gustavo Justino de Oliveira, fazem parte do terceiro setor “o
conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações privadas
não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações),
realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores
(Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa
receber investimentos (públicos e privados)”35.
Para Maria Nazaré Lins Barbosa, “o Terceiro Setor corresponde ao
espaço institucional das organizações privadas, sem fins lucrativos, voltadas
para finalidades públicas ou sociais” 36 . Sílvio Luís da Rocha, por sua vez,
assevera que, “os entes que integram o terceiro Setor são entes privados, não
vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração
Pública, mas que não almejam, entretanto, entre seus objetivos sociais, o lucro
e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público”37.
Formariam o terceiro setor, segundo o conceito formulado por Andréa
Nunes, o "conjunto de organizações de origem privada e finalidade não lucrativa,
cujo objetivo é promover o bem estar social através de ações assistenciais,
culturais e de promoção da cidadania” 38 . É, em outras palavras, a linha de
entendimento de Leandro Marins de Souza, que trata de ressaltar a preocupação
do terceiro setor com os direitos sociais, em sendo “(...) toda ação, sem intuito
lucrativo, praticada por pessoa física ou jurídica de natureza privada, como

35 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Direito do Terceiro Setor. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2008, p. 28.
36 BARBOSA, Maria Nazaré L. “A Experiência dos Termos de Parceria entre o Poder Público e

as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público”. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 489.
37 ROCHA, Sílvio Luís da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 13.
38 NUNES, Andréa. Terceiro setor – Fiscalização e outras formas de controle. Recife: Nossa

Livraria, 2002, p. 23.

34
expressão da participação popular, que tenha por finalidade a promoção de um
direito social ou seus princípios”39.
Fernando Mânica, a nosso ver, é quem conceitua o Terceiro Setor, sob o
viés jurídico, da forma mais objetiva possível, pontuando tratar-se o mesmo, do
“conjunto das pessoas jurídicas de direito privado, constituídas de acordo com a
legislação civil sob a forma de associações ou fundações, as quais desenvolvam
(i) atividades de defesa e promoção de quaisquer direitos previstos pela
Constituição ou (ii) prestem serviços de interesse público”40.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira, já dando o tom de sua contribuição
para a presente tese ensina que, “a expressão ‘Terceiro Setor’ refere-se às
entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, que desempenham atividades
de interesse social mediante vínculo formal de parceria com o Estado”41.
Juridicamente poderíamos identificar três pontos principais e comuns aos
conceitos acima trasladados: O Terceiro Setor seria formado por: 1) pessoas
jurídicas de direito privado; 2) sem finalidade de lucro e 3) tendo em seu escopo
a concretização de interesses de relevância social. Nessas bases, a nosso ver,
sob o ponto de vista jurídico, o Terceiro Setor é toda forma associativa
formalizada como pessoa jurídica de direito privado, que tem por escopo a
efetividade do discurso de bem comum e, uma vez estruturando-se sem ânimo
de lucro, articula-se não só com o poder público, mas também com o mercado,
de modo a, mediata ou imediatamente, realizar um fim social.
Reconhecendo a prática e o histórico de desenvolvimento do Terceiro
Setor, o conceito jurídico, de fato, facilita as coisas, mas não neutraliza as
dificuldades reais desses entes no dia a dia de sua atuação. Reconhecer o
terceiro setor para além da sua formalização jurídica é uma missão inglória.
Gustavo Justino de Oliveira, cujo conceito inaugura o presente tópico, em
recente reflexão sobre o tema, reconhece que o Terceiro Setor é muito mais do
que a Ciência Jurídica possa conceituar, sendo, “a esfera que se aproxima da

39 SOUZA, Leandro Marins. Tributação do Terceiro Setor no Brasil. São Paulo: Dialética, 2004,
p. 96.
40 MÂNICA, Fernando Borges. Terceiro Setor e Imunidade Tributária. Belo Horizonte: Fórum,

2005, p.65.
41 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor.

3ª ed. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 335.

35
vontade da sociedade, pois, na teoria, a sua atuação é a manifestação dos
interesses e necessidades do povo”42.
A presente tese, sob a influência de seu marco regulatório, pretende
contribuir para a construção de uma espécie de reconhecimento (para além dos
enlaces legislativos) dessas entidades que tem sofrido toda espécie de “captura”
e toda sorte de críticas. Como antecipado, o aspecto terminológico que cerca o
Terceiro Setor merece pontual atenção. É no mínimo ingênuo colocar em
segundo plano tal discussão. Impropriedades terminológicas e conceituais
representam perda de oportunidades para as entidades privadas sem fins
lucrativos. Se não se encaixam perfeitamente nos conceitos e em toda a lógica
legislativa imposta, se não recebem a qualificação apropriada (caso das
Organizações Sociais – OS’s e Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público - OSCIP, tais entidades não poderão realizar as parcerias com o poder
público, nem receber as benesses fiscais que lhes são adjudicadas (art. 150, VI,
“c”; art. 195, §7º da CF/88). É o que, no fundo, querem e esperam aqueles que
se embrenham em tal universo. Por conta disso, é esse o primeiro desafio ao se
compilar as discussões e conceitos mais relevantes na construção do que se
entende por “Terceiro Setor”.
Um dos primeiros argumentos é reconhecidamente sustentado por
Rifkin43, que chama atenção para o fato de que o Terceiro Setor deveria, em
verdade, receber a denominação de Primeiro Setor, vez que a sociedade teria
surgido antes do Estado e do Mercado. Alguns autores (MONTAÑO, 2005),
condenam a divisão entre Primeiro, Segundo e Terceiro setor, “construído a

42 Assim leciona Gustavo Justino de Oliveira (2017), dando o tom da complexidade que envolve
a conceituação do Terceiro Setor: “O Terceiro Setor é o segmento que mais dialoga com a esfera
pública e privada por meio de atos voluntários dos próprios cidadãos. É a esfera que se aproxima
da vontade da sociedade, pois, na teoria, a sua atuação é a manifestação dos interesses e
necessidades do povo. É o setor que representa a sociedade civil organizada, compreendida
pela integração de pessoas, físicas ou jurídicas, sem ânimo econômico e fora do Estado, que se
unem espontaneamente para buscar soluções, proteções e efetivações de questões de
interesses coletivos. Por consistir na união livre de pessoas com o objetivo social, o Terceiro
Setor torna-se um espaço de integração entre os atores sociais de promoção dos direitos
essenciais dos indivíduos”. In: “Terceiro Setor e o Governo Temer: quais os rumos do Terceiro
Setor em um cenário de instabilidade política e de combate à corrupção?” Disponível em:
file:///D:/Downloads/Artigo_Terceiro_Setor_e_o_Governo_Temer_jun2017.pdf. Consulta em:
Jan. 2018.
43 RIFKIN, Jeremy. Identidade e natureza do terceiro setor. In: IOSCHPE, Evelyn Berg (Org.). 3º

Setor – Desenvolvimento Sustentado. São Paulo: PAZ e TERRA S.A, 2005, p. 19.

36
partir de um recorte social em esferas 44 ”, “de matizes claramente
neopositivistas”, que as distanciaria da realidade social, impondo um conceito
reducionista, “como se o ‘político’ pertencesse à esfera estatal, o ‘econômico’ ao
âmbito do mercado e o ‘social’ remetesse apenas à sociedade civil45”.
De fato esse não é o Terceiro Setor que conhecemos, mas sob esse ponto
de vista, fica claro como o tema assume rapidamente o viés político, que alimenta
discursos ideológicos infrutíferos e do qual, a princípio, busca-se se afastar.
Como já pontuado, é necessário conter a tentação de se tratar o tema com a
paixão que as convicções político-partidárias despertam. Certa frieza se faz
imprescindível, na medida em que é necessário imprimir o mínimo de
cientificidade ao tema. Ainda que a neutralidade seja o ponto de partida, é fato
que o universo essencialmente político onde os ajustes entre Terceiro Setor e os
entes públicos se firmam, lança por terra tal pretensão, mas deverão ser
oportunamente percebidos.
Existe ainda, no que se refere ao Terceiro Setor, a crítica
terminológica no sentido da confusão que poderia advir do termo Terceiro Setor,
em contraposição ao termo Setor Terciário46. Finalmente, instaura-se recorrente
conflito no sentido de que, por se portar em franca oposição ao Estado e ao
Mercado, o Terceiro Setor (como já adiantamos) não pertenceria nem à esfera
do público, nem à esfera do privado, recebendo as mais diferenciadas
nomenclaturas: “público porém privado” 47 ; “privado, porém público” 48 , “a
atividade pública desenvolvida pelo setor privado”49; o “público não-estatal”50;
“setor específico”51.

44 MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de


intervenção social. São Paulo: Cortez, 2005, p. 53.
45 Ob. cit. p. 53.
46 COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre o Brasil e

Estados Unidos. São Paulo: SENAC, 2003, p. 43.


47 MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de

intervenção social. São Paulo: Cortez, 2005, p. 18.


48 FERNANDES, Rubem César. Privado, porém público: o terceiro setor na América Latina. Rio

de Janeiro: Relume Dumará, 1994.


49 IOSCHPE, Evelyn Berg. 3º Setor – Desenvolvimento Sustentado. São Paulo: PAZ e TERRA

S.A, 2005, p. 14.


50 Bresser-Pereira, L.C.; GRAU, Nuria Cunill. O Público Não-Estatal na Reforma do Estado. Rio

de Janeiro: Editora FGV, 1999.


51 PIMENTA, Solange Maria; SARAIVA, Luiz Alex Silva; CORRÊA, Maria Laetitia. Terceiro Setor:

dilemas e polêmicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 11.

37
Filiando-se a qualquer uma dessas vertentes, o fato é que o Terceiro Setor
surgiria em contraposição aos chamados Primeiro Setor (representado pela
figura do Estado) e o Segundo Setor (Mercado)52. Nesta primeira contraposição,
existiria, segundo Montaño, uma “primeira grande debilidade conceitual”, vez
que, ao se considerar o terceiro setor como sociedade civil, historicamente, o
mesmo deveria ser contemplado como “primeiro setor”53. Citado autor assevera
ainda: “Esta falta de rigor só é desimportante para quem não tiver a história como
parâmetro”54.
De todo modo, o Terceiro Setor é tradicionalmente entendido como área
dentro da qual se encontram todas as entidades, que não fazem parte do Estado
nem do mercado. Como é possível perceber, fora da lógica jurídica, não é tarefa
das mais fáceis tentar apresentar um conceito do que venha a ser o Terceiro
Setor, tendo Maria da Glória Marcondes Gohn, apresentado ponto de vista
bastante perspicaz:

O terceiro setor é um tipo de ‘Frankstein’: grande, heterogêneo,


construído de pedaços, desajeitado, com múltiplas facetas. É
contraditório, pois inclui tanto entidades progressistas como
conservadoras. Abrange programas e projetos que objetivam tanto a
emancipação dos setores populares e a construção da sociedade mais
justa, igualitária, com justiça social, como programas meramente
assistenciais, compensatórios, estruturados segundo ações
estratégico-racionais, pautadas pela lógica de mercado. Um ponto em
comum: todos falam em nome da cidadania (...) 55.

As dificuldades terminológicas não facilitam o desenvolvimento do tema,


sendo o “não-governamental”, “sem fins lucrativos”, “da sociedade civil”,
“filantrópica” e “beneficente”, “termos que dividem os corações e mentes dos
profissionais, militantes e voluntários que atuam nesse espaço”.56

52 Como já fizemos questão de antecipar, este recorte do social em esferas foi amplamente
criticado por Montaño (ob. cit., 2010, p. 53), assim sendo: “Recorte este, claramente
neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e autonomiza a dinâmica de cada
um deles, que, portanto, desistoriciza a realidade social. Como se o ‘político’ pertencesse à
esfera estatal, o ‘econômico’ ao âmbito do mercado e o ‘social’ remetesse apenas à sociedade
civil, num conceito reducionista”.
53 MONTAÑO, 2010, p. 55.
54 MONTAÑO, 2010, p. 55.
55 GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e MST: impacto sobre o futuro das cidades e do

campo. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 60.


56 FISCHER, Rosa Maria. O desafio da colaboração: práticas de responsabilidade social entre

empresas e terceiro setor. São Paulo: Gente, 2002, p. 46.

38
De todo modo, difundiu-se a utilização, como referência para classificação
no Terceiro Setor, dos critérios estabelecidos pelo Handbook on nonprofit
institutions in the system of national accounts57, editado pela Organização das
Nações Unidas, em conjunto com a Universidade John Hopkins. Sob esta
metodologia, fariam parte do Terceiro Setor as entidades que detenham,
cumulativamente: (i) natureza privada; (ii) ausência de finalidade lucrativa; (iii)
institucionalizadas; (iv) auto-administradas; (v) voluntárias 58 . Uma simples
análise desses parâmetros sobre o viés das parcerias firmadas com o poder
público, especialmente ao que diz respeito ao “auto-administradas”, já
comprometeria a essência das entidades do Terceiro Setor.
Desta feita, ademais todo o peso da metodologia acima reproduzida, há
de se concluir que a mesma não se presta à adoção de um conceito satisfatório,
mormente pela amplitude e pelos contornos assumidos pela matéria no cenário
institucional pátrio. Há de se reconhecer que toda a percepção de Terceiro Setor
tem suas bases pautadas nas organizações que se desenvolveram nos Estados
Unidos (Third Sector), onde o Terceiro Setor é comparável à sexta economia
mundial.59 O Brasil, apesar da inspiração claramente norte-americana, tem seus
próprios percalços e uma construção histórica, como não poderia deixar de ser,
própria. Esses delineamentos também serão enfrentados no presente capítulo,
de modo a descortinar o cenário e as forças que influenciaram sua formação em
nosso país.
Com tamanho peso conceitual e tantas mentes refletindo acerca do que
venha a se entender por “Terceiro Setor”, há de se compreender a opção do
legislador em se desvencilhar de terminologia tão complexa.
De todo modo, respeitadas as peculiaridades conceituais do tema, uma
perspectiva, em especial, nos interessa, quanto mais tendo-se por referência as

57 Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/publication/seriesf/seriesf_91e.pdf. Acesso em: Nov.


2016.
58 SALAMON, Lester; ANHEIER, Helmut. The emerging sector: an overview. Baltimore, 1994.
59 Tal conclusão encontra-se no estudo United States Nonprofit Sector, disponível em:

https://www.councilofnonprofits.org/_uploads/documents/live/us_sector_report_2003.pdf.
Acesso em: Nov. 2016.

39
parcerias objeto central do marco regulatório: a ideia de delegação social60. É o
que alerta o saudoso Diogo Figueiredo Moreira Neto, ao inserir os entes do
Terceiro Setor no que denomina “entes intermédios”, para os quais haveria a
transferência de serviços de interesse público “(...) em favor de entes criados por
ela própria sociedade, dedicados à colaboração no atendimento de interesses
legalmente considerados como públicos”61. É a perspectiva que nos interessa no
presente trabalho, uma vez que as parcerias objeto do MROSC nasceram sob
tal prisma, que nos apresenta o viés de um Estado subsidiário e uma sociedade
civil com disposição para “fazer as honras” da ação estatal. É esse o ponto de
interseção entre o público e o privado. É o ponto para onde as vontades
convergirão em nome do dito “bem comum”.
Decerto que os conceitos jurídicos certamente tragam consigo toda a
praticidade (e crueza) conceitual, mas não o peso crítico necessário. Servem à
lógica da lei, do “encaixe”, do “o que devo fazer para ser isso”, do “o que devo
ser para conseguir aquilo”, mas não conseguem abraçar as particularidades, o
que está além do alcance da pura normatização. A realidade das parcerias
presentes na Lei n. 13.019/14 demandarão dos parceiros privados muito mais
do que a mera subsunção pode determinar. A imposição de um regime jurídico
diferenciado, as lógicas próprias de controle, a formação de um corpo
especializado de colaboradores exigirá dessas “organizações da sociedade civil”
um compromisso bem maior do que a mera adequação para com a lei.
Regular o universo dos entes privados sem fins lucrativos parceiros do
poder público é uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo que certos conceitos
servirão a seu reconhecimento e suas definições acalentam os corações que
clamam por segurança jurídica, definir quais são as entidades reconhecidas
como “Organizações da Sociedade Civil”, seus contornos e as exigências legais
que as legitimam, parece colocar uma “camisa de força” ao seu redor. É um
dilema que diante do marco regulatório se terá de compactuar ou se conformar.

60 Delegação social esta que se apodera da própria percepção de poder civil que encontra-se no
cerne da formação dos entes do Terceiro Setor, fruto de sua formação no seio da sociedade civil
e concebido como poder popular, poder da comunidade (NEDER, 2012: 191).
61 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p. 129-130.

40
Até aqui, absorve-se a lição de que o Terceiro Setor não pode ser pensado
de forma simplista, com um conceito tendente a uma pré-determinada direção.
Não existirá uma resposta única diante de um objeto que é tão múltiplo. Diante
da Lei n. 13.019/14, as discussões sobre o que se entende sobre Terceiro Setor
necessariamente deverá ser revisitada. Os conceitos aqui replicados certamente
serão repensados por todos aqueles que estão mergulhados nesse universo.
Hoje, mais do que nunca, as definições encontram-se em fase de consolidação.
Ao fim deste capítulo, algumas conclusões se farão necessárias, quanto mais a
respeito da contraposição do conceito de “Organizações da Sociedade Civil” com
o de “Terceiro Setor”. Por enquanto, atente-se ainda aos meandros de
construção desse último.
Falar sobre a formação do Terceiro Setor no Brasil é reconhecer nossa
própria história. Pensar no compromisso da população brasileira com o
associativismo tendo por base o modelo de colonização de exploração
oligárquica aqui implantado, bem como a vasta extensão de nosso território, é
reconhecer que a mobilização social no Brasil durante seus primeiros três
séculos foi praticamente nula. Isso se comprova com a célebre afirmação do
francês Louis Couty, que nos findos do século XIX, com relação ao processo de
abolição da escravatura e proclamação da República, declarou: “O Brasil é um
país sem povo62”.
Nosso retrato, especialmente nos primeiros anos do Brasil colônia, diz
muito sobre que somos como sociedade, tendo Caio Prado Júnior, sem meias
palavras afirmado que: “(...) no limite, portanto, nem mesmo sociedade existe
nos tempos do Brasil Colônia. O que prevalece então é a desorganização:
incoerência e instabilidade no povoamento; pobreza e miséria na economia;
dissolução nos costumes, inércia e corrupção nos dirigentes leigos e
eclesiásticos”63.
Sem a percepção de comunidade, de sociedade, de cidadania, não há
Terceiro Setor. Transfigurar o Terceiro Setor no sentido de reconhecê-lo como
fruto da sociedade civil não facilita em nada o trabalho aqui empreendido. Ao

62 COUTY, Louis. A escravidão no Brasil, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Ruy Barbosa, 1988.
63 PRADO JÚNIOR. Caio, História Econômica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 356.

41
longo dos anos, muito já se falou sobre a sociedade civil. Como não poderia de
ser, a mesma foi se transformando e, porque não dizer, se especializando na
arte de representar os desejos e anseios da sociedade. Também foi utilizada
como instrumento de legitimação de discursos e movimentos em prol dos
conceitos indetermináveis “bem comum” e “interesse público”, que serão
replicados na norma em estudo.
Foram muitos os autores clássicos que se debruçaram sobre o que se
deva entender por “sociedade civil”, apresentando-se como um daqueles temas
em que muito já foi dito e a tentativa de conceituá-la uma missão brutal que a Lei
n. 13.019/14 deixará de lado, dando mais peso propriamente às “organizações”
do que à “sociedade civil”. O legislador certamente conhece os riscos. A
sociedade civil não pode ser “estrangulada” por conceitos, não pode encontrar
amarras legais64. Precisa ser necessariamente livre, para que possa viver ao
sabor das sociedades que abraça, sob pena de incorrermos em
monstruosidades técnicas, atos pretensiosos e desprovidos de qualquer
utilidade prática. Nestes termos, entendemos que devemos partir do pressuposto
no qual a sociedade civil se configura na sua prática, no seu dia a dia e qualquer
esforço teórico de conceituá-la ou delimitá-la será não só inócuo, como polêmico.
Exatamente por conta disso, a Lei n. 13.019/14 não comete o deslize de
conceituar a sociedade civil, dispondo do termo como que adjetivando as
“organizações”, dando ao termo “Organizações da Sociedade Civil”, peso
jurídico, desvencilhado da sua força social e do peso histórico que a sociedade
civil traz consigo.
Qualquer revisão bibliográfica sobre o tema deve pontuar as contribuições
mais relevantes, de modo a contextualizar o histórico bem como o momento atual
da sociedade civil e buscar pontuar os elementos identificadores que emprestam

64 O Decreto n. 8.243, de 23 de maio de 2014, sob a pecha de instituir a “Política Nacional de


Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS)”, considerou
“sociedade civil”, “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados, ou não
institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Tal lei foi centro de discussões acirradas,
especialmente por deixar, segundo alguns críticos, margem para o entendimento de que
“sociedade civil” e “movimentos sociais” seriam termos sinônimos e teriam sob essa pecha,
intenções escusas de instaurar uma nova constituinte. Chamado de “ditatorial”, o Decreto em
referência, a nosso ver, só faz evidenciar o quão complexa é a tarefa legislativa de abarcar
questões que envolvam a sociedade civil. No dia 29 de outubro de 2014, a Câmara dos
Deputados vetou referido Decreto, mas o mesmo não foi formalmente revogado.

42
centro ao Terceiro Setor e às “organizações da sociedade civil”. Vale sempre
acentuar que o próprio Terceiro Setor, nos seus discursos de reconhecimento,
apresenta-se como legítimo representante da sociedade civil, como espaço
receptivo não só às diferenças (e aos diferentes), mas como força motriz e
alternativa (alheia ao Estado e ao Mercado) à realização do bem comum.
É certo que talvez nenhum termo goze de tanto uso e projeção no discurso
social e político contemporâneo como o termo “sociedade civil”. Não se passa
um dia sequer sem que se faça menção à “sociedade civil organizada”, seja para
legitimar movimentos sociais, seja para autenticar políticas públicas, ou mesmo
para dar um tom mais democrático aos discursos. Experimentou-se nos últimos
anos uma ampliação sem precedentes dos seus espaços institucionais de
atuação, presente nos mais diversos grupos sociais, com novas configurações e
novos atores sociais.
Não existiria hoje (se é que já existiu) um consenso sobre quem seria essa
“sociedade civil organizada”, chegando, todavia, alguns a afirmarem, que a
mesma seria representada somente pelos movimentos sociais organizados. Não
acreditamos, nem confiamos, no efeito prático da delimitação do que venha a ser
esta “sociedade civil organizada”, que ganha, a nosso ver cada vez mais força
por sua capacidade de transmutação em corpos sociais cada vez mais plurais.
É nesta medida que vai se desenhando uma nova agenda pública, construída
paulatinamente como resultado das transformações vividas por cada sociedade.
Acredita-se que, no fundo, tenha sido essa a perspectiva abraçada pela Lei n.
13.019/14.
Desta feita, importa reconhecer, desde logo, a força e a relevância das
constantes reflexões e estudos sobre a sociedade civil, quanto mais pelo fato da
mesma se apresentar como um importante instrumento de integração e
reprodução social. Além do mais, há de se reconhecer ainda, o crescente
sentimento de inadequação das esferas sociais representadas pelo Estado e
pelo Mercado, considerados os meios de integração sistêmica das sociedades
contemporâneas e tradicionalmente firmados na lógica da competição e,

43
invariavelmente, pautados pela máxima “poder e dinheiro65”. Para Giddens, a
sociedade civil “é fundamental para restringir o poder dos mercados e do
governo. Nem uma economia de mercado, nem um Estado democrático pode
funcionar com eficácia sem a influência civilizadora da associação civil66” (grifo
nosso).
Carregada dos mais diversos significados o uso, muitas vezes
indiscriminado, da expressão “sociedade civil”, acaba por evidenciar profundas
contradições que levam a sua descrença e alimenta a sanha de seus críticos.
Liszt Vieira dá o tom destas críticas, ao afirmar que “nas democracias liberais do
Ocidente, esse conceito tem sido considerado como desprovido de potencial
crítico para examinar as disfunções e injustiças da sociedade, ou como
pertencente às formas modernas iniciais da filosofia política que se tornaram
irrelevantes para as sociedades complexas de hoje67”.
No Brasil, considerado um país de baixa propensão associativa,
decorrente de um processo de colonização alimentado muito mais pelo
coronelismo (NUNES LEAL, 2012) e pelo mandonismo (DaMATTA, 1997) do que
pelo associativismo propriamente dito, a matéria ganha contornos especiais, nos
forçando a uma conclusão preliminar no sentido de se partir do pressuposto de
que cada lugar terá sua sociedade civil, que se desenhará conforme influências
sociais, políticas e econômicas próprias, não havendo fórmula única, restando
evidenciadas, desde já, as dificuldades de se buscar sua conceituação neutra.
Nessas ponderações iniciais, já é possível perceber como antecipamos,
que um conceito de sociedade civil se encontra carregado de incontáveis
variáveis, se modificando, inclusive, dentro do espaço geográfico de cada
lugar/país. A evolução do termo assume as mais variadas perspectivas e
concepções, atrelada às forças produtivas ou até mesmo à propriedade privada,
no que podemos citar Rousseau, que chegou a afirmar que: “o primeiro homem
que, tendo cercado um pedaço de terra, (...) dizendo ‘isto é meu’ e encontrando

65 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler . v. II. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 2011, p. 63.
66 GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Editora

Record, 2001, p. 69.


67 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997, p. 44.

44
pessoas simples o bastante para acreditar nele, foi o fundador real da sociedade
civil68”69.
Finley70 atesta que Aristóteles, teria sido um dos primeiros pensadores a
retratar algo próximo do que identificamos hoje por sociedade civil, tendo tratado,
no seu Koinonia politike 71 , de um “princípio associativo” dotado de cinco
dimensões básicas, em sendo: (i) a participação livre e sem coerção; (ii)
propósitos comuns, em maior ou menor escala, seja por um curto ou mais longo
espaço de tempo; (iii) realizações comuns; (iv) reciprocidade; (v) relações sociais
pautadas na concepção de justo/justiça72.
Decerto que, ainda que presentes na concepção aristotélica alguns dos
mais importantes referenciais do associativismo, é fato que as dimensões
citadas não refletem ainda o que o senso comum imediatamente associa ao
termo “sociedade civil”, qual seja, o seu desenvolvimento em contraposição ao
Estado. No desenho inicial do tema ora em desenvolvimento, não havia uma
separação entre o que se entendia por sociedade civil e o Estado, sendo os
mesmos tratados como sinônimos. Esta é a tônica presente nos textos de
Hobbes73, Locke 74, dentre outros. Havia uma preocupação de se “escapar” dos
“estados de natureza” (caracterizado pela falta de ordem, pela ausência de um
governo) e de se adentrar em uma forma contratual de governo pautado na lei,
o que verdadeiramente representaria um estágio na evolução da civilidade
humana. Esta quebra preliminar, com uma suposta ausência de ordem,

68 É comum encontrar a frase em evidência com a parte final, “foi o fundador real da propriedade
privada”. O fato somente evidencia uma singularidade histórica que nos faz ligar a sociedade
civil, em seus primeiros momentos, à sociedade civil burguesa.
69 COLÁS, Alejandro. International civil society: social movements in world politics. Oxford: Polity,

2002, p. 32.
70 FINLEY, Moses I. Democracy ancient and modern. New Jersey: Rutgers University Press,

1985, p. 23.
71 Muitos autores dão crédito à aproximação de Aristóteles ao tema, em razão da tradução feita

por Willem Van Moerberke da obra Política (Koinonia Politike), como sendo Societas civilis.
72 No original: “involves five related dimensions: free and uncoerced participation; common (or

shared) purpose whether major or minor, long-term or short-term; common holdings (such as a
fund or held resources or a repertory of shared actions); participation involving philia (a sense of
mutuality, often inadequately translated as ‘friendship’); and social relations characterized by
dikaion (fairness or justice)”.
73 HOBBES, Thomas, O leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
74 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da

Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

45
caracterizaria o impulso necessário à construção da sociedade civil desejada.
Neste momento, a questão Estado/sociedade civil era uma referência
secundária. A preocupação primeira era com o rompimento da antítese natureza-
civilização.
Muitos outros autores se embrenharam na difícil tarefa de conceituar a
sociedade civil, como Norberto Bobbio, que em expoente obra sobre o tema,
acaba por evidenciar ainda mais as intermináveis facetas e possibilidades do
tema, na medida em que considera como sociedade civil: “o lugar onde surgem
e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que
as instituições estatais têm o dever de resolver ou através de mediação ou
através de repressão. Sujeitos desses conflitos e, portanto da sociedade civil
exatamente enquanto contraproposta ao Estado são as classes sociais, ou mais
amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que a
representam ou se declaram seus representantes; ao lado das organizações de
classe, os grupos de interesses, as associações de vários gêneros com fins
sociais, e indiretamente políticos, os movimentos de emancipação, de grupos
étnicos, de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos
jovens, etc75”.
Virgínia Fontes, em sua obra Brasil e o capital-imperialismo, resume bem
o caminho de evolução do tema, acentuando:

Os aparelhos privados de hegemonia são a vertebração da sociedade


civil, e se constituem das instâncias associativas que, formalmente
distintas da organização das empresas e das instituições estatais,
apresentam-se como associatividade voluntária sob inúmeros
formatos. Clubes, partidos, jornais, revistas, igrejas, entidades as mais
diversas se implantam ou se reconfiguram a partir da própria
complexificação da vida urbana capitalista e dos múltiplos sofrimentos,
possibilidades e embates que dela derivam. Não são homogêneos em
sua composição e se apresentam muitas vezes como totalmente
descolados da organização econômico-política da vida social. Clubes,
associações culturais ou recreativas tendem a considerar-se como
desconectados do solo social no qual emergem e como distantes da
organização política do conjunto da vida social. Certamente, os
sindicatos – patronais ou de trabalhadores – sendo também formas
associativas desse jaez enfatizam sua proximidade econômica e sua
característica mais direta de defesa de interesses de tipo corporativo.
Porém muitos partidos políticos e jornais – na maioria das vezes

75BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 35.

46
diretamente comprometidos com determinados segmentos de classe –
tendem a apagar tal comprometimento, apresentando-se seja como a
expressão da “unidade nacional” ou como porta-vozes de uma
neutralidade informativa inexistente. Todos, porém, são formas
organizativas que remetem às formas da produção econômica (a
infraestrutura) e política (ao Estado), embora sua atuação seja
eminentemente de cunho cultural76. (grifo nosso)

A perspectiva acima construída representa um viés claro da evolução da


sociedade civil arrebatada pelo pensamento de Marx, Engels e Gramsci.
Sob essa perspectiva é muito presente a correlação de sociedade civil
com a sociedade capitalista de mercado do fim do século XVIII, de maneira que
o termo se tornou intimamente ligado à divisão do trabalho, à produção em
massa e o foco na propriedade privada, marcas do capitalismo moderno. Este
era o principal enfoque dado à sociedade civil por autores como Adam Smith e
Karl Marx, destacando-se aqui, portanto, o aspecto econômico de sociedade
civil, caracterizada, essencialmente, pela prosperidade e pela estabilidade.
Outro autor que também merece menção, como expoente das reflexões
primeiras acerca da sociedade civil, é Hegel, tendo contribuído com duas
inovações basilares no desenvolvimento da discussão, em sendo: (i) o
reconhecimento da importância de associações independentes como
componentes fundamentais da sociedade civil, cumprindo a missão de
verdadeiras mediadoras entre a família e o Estado e, (ii) o reconhecimento do
indivíduo consciente e ativo, responsável pela construção da sociedade civil
moderna77.
Tais lições seriam fruto do entendimento hegeliano de que o espaço de
interação promovido pela sociedade civil era condicionado a três elementos, em
sendo: um “sistema de necessidades”, a “administração da justiça” e a “polícia e
corporação”. Tais elementos reforçam o caráter econômico dado à sociedade
civil e evidenciam o fato de que para Hegel a sociedade civil é formada por
indivíduos detentores de direitos e também de um aspecto regulador tanto da
esfera econômica quanto da esfera garantidora de direitos (estes últimos

76 FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo. Teoria e história. 2ª ed. Rio de Janeiro:


Editora UFRJ, 2010, p. 133/134.
77 BOBBIO, 1987, p. 30.

47
invariavelmente perpetuados pelo Estado)78. Desta feita, a força do pensamento
de Hegel repousa no reconhecimento do papel desempenhado por corporações,
associações e comunidades, especialmente em seu aspecto mediador, servindo
de ponte para as relações estabelecidas entre o indivíduo e o Estado.
Necessário percorrer todo o caminho até então empreendido, a fim de se
adentrar em outros dois referenciais teóricos de peso da sociedade civil: Alexis
de Tocqueville e Antônio Gramsci. O primeiro, ainda se firma com grande
influência no pensamento contemporâneo, na medida em que constrói
referenciais pautados nos ideais de liberdade, igualdade e do associativismo
mais puro; o segundo, responsável por uma releitura dos ideais marxistas e pela
distinção entre sociedade política (o Estado em sentido estrito) e sociedade civil,
sugerindo a construção desta, em bases materiais próprias, fruto de um espaço
autônomo de manifestação. A construção destas bases, a promover uma
independência material, fundamentaria, ontologicamente, “a sociedade civil
como uma esfera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona como
mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado-coerção” 79 .
Imaginar a sociedade civil como parceira do Estado e sob a égide de um marco
regulatório próprio, exatamente como ocorre no MROSC, seria algo inimaginável
sob a perspectiva gramsciana.
A referência a Tocqueville, por sua vez, apresenta a exata medida do quão
diferenciada se dá a formação da sociedade civil brasileira da norte americana,
berço da lógica de Terceiro Setor por aqui apreciada. Referido autor, extasiado80

78 HEGEL, Georg W. Friedrich. Linhas fundamentais da filosofia do direito. Trad. de Marcos Lutz
Müller, Campinas, São Paulo, IFCH/UNICAMP, textos didáticos nº. 32 – Maio, 1998, p. 166.
79 COUTINHO, Carlos Nelson. “Gramsci”. In: A relação Estado/sociedade e o controle social:

fundamentos para o debate. Serviço Social e sociedade, São Paulo, n. 72, pp. 119-144, 1981.
80 Já na Introdução de “A democracia na América”, o entusiasmo de Tocqueville pelo que via na

sociedade americana era evidente: “Entre os objetos novos que, durante a minha demora nos
Estados Unidos, atraíram a minha atenção, nenhum me impressionou mais vivamente do que a
igualdade de condições. Não me custou perceber a influência prodigiosa que essa realidade
primária exerce sobre a marcha da sociedade; ela dá à opinião pública uma direção definida,
uma tendência certa às leis, máximas novas aos governos e hábitos peculiares aos governados.
Logo reconheci que esse mesmo fato estende a sua influência para muito além dos costumes
políticos e das leis e que não tem menos domínio sobre a sociedade civil que o governo; cria
opiniões, faz nascer sentimentos, sugere práticas e modifica tudo aquilo que ele mesmo não
produz. Dessa forma, à medida que estudava a sociedade americana, via cada vez mais, na
igualdade de condições, o fato essencial, do qual parecia descender cada fato particular, e o
encontrava constantemente diante de mim, como um ponto de convergência para todas as
minhas observações”.

48
com as experiências que teve em sua viagem aos Estados Unidos entre os anos
de 1831-1832, traduziu em sua expoente obra “A democracia na América”, um
estudo detalhado da sociedade civil americana emergente, pautada em diretivas
muito próximas daquelas presentes na Revolução Francesa. Impressionado não
só com o senso de igualdade dos americanos, Tocqueville ressaltou,
recorrentemente, a propensão associativa 81 dos mesmos, acentuando sua
admiração pela “arte infinita com que os habitantes dos Estados Unidos
chegavam a fixar uma finalidade comum aos esforços de grande número e a
fazê-los livremente marchar para ela”82.
O autor traça um interessante paralelo entre sociedades aristocráticas e
sociedades democráticas83, a fim de demonstrar a importância do associativismo
para estas últimas, uma vez que os povos democráticos, formados por cidadãos
independentes e frágeis, “quase nada podem sozinhos e nenhum dentre eles
seria capaz de obrigar seus semelhantes a lhe emprestar seu concurso. Por isso,
caem todos na impotência, se não aprendem a se ajudar livremente”84.
Ainda que as reflexões de Alexis de Tocqueville tenham se dado sob o
foco da realidade estadunidense, o senso de autogoverno local e o reforço
constante aos ideais democráticos presentes em seu texto, o tornam um autor
atual e de citação obrigatória. No mais, sua percepção acerca de uma cultura
cívica 85 , marcada pelo associativismo que vimos tão presente em sua obra,

81 Sobre a capacidade associativa dos cidadãos americanos, Tocqueville pontuou: “Os


americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão
constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais todos
tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito
gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas; os americanos associam-se para dar
festas, fundar seminários, construir hotéis, edificar igrejas, distribuir livros, enviar missionários
aos antípodas; assim também criam hospitais, prisões, escolas. Trata-se, enfim, de trazer à luz
ou se desenvolver um sentimento pelo apoio de um grande exemplo, eles se associam” (Ob. Cit.,
p. 353).
82 TOCQUEVILLE. Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Coleção Folha de São Paulo,

2010, p. 353.
83 Tocqueville, em citação emblemática, afirmou que: “Nos países democráticos, a ciência da

associação é a ciência mãe; o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela.
Entre as leis que regem as sociedades humanas, existe uma que parece mais precisa e mais
clara que todas as outras. Para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem, é
preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na mesma medida em
que cresce a igualdade de condições” (Ob. Cit., p. 353).
84 TOCQUEVILLE, 2010, p. 353.
85 Janoski (1998, p. 34) é quem destaca a abordagem de Tocqueville a respeito da cultura cívica,

como sendo uma das três vertentes teóricas que se ocupam dos fenômenos relacionados à
cidadania.

49
evidencia uma abordagem conceitual que denota a noção de cidadania, tão
atinente à concepção de sociedade civil.
Antônio Gramsci, por sua vez, merece menção, na medida em que seria
responsável pela construção de uma perspectiva de sociedade civil
correlacionada à estrutura social, trazendo à baila uma releitura das concepções
marxistas acerca da relação diáletica “estrutura” e “superestrutura”. Ainda que
reconhecidamente um autor marxista, Gramsci teria se afastado dos
ensinamentos de Marx no desenvolvimento do tema, aproximando-se de uma
concepção hegeliana de sociedade civil, ao tratá-la como “o conjunto de
organismos designados vulgarmente de ‘privados’ (...)” 86. Seria nesta medida
que a sociedade civil não pertenceria ao momento da “estrutura” social, mas ao
da “superestrutura” da sociedade. Desta feita, a sociedade civil se colocaria em
posição contrária à “sociedade política”, isto é, ao Estado, ao qual corresponde
a função de “domínio direto ou de comando”.
Ao privilegiar a esfera da sociedade civil no contexto da “superestrutura”,
Gramsci abre espaço para a diferenciação de dois conceitos importantes na
análise do processo de dominação social: o de classe dominante e o de classe
dirigente. Para o autor, uma classe dominante no âmbito da estrutura necessita
garantir sua hegemonia ideológica, portanto, na esfera da sociedade civil, para
afirmar-se como classe dirigente é preciso se firmar como classe capaz de
conduzir o conjunto da sociedade em função de seus interesses fundamentais87.
Neste ponto, Gramsci chama atenção para o que denominou de
“aparelhos privados de hegemonia”88, formado pelas organizações responsáveis
tanto pela elaboração quanto pela difusão das ideologias, compreendendo assim
o sistema escolar, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações
profissionais, a organização material da cultura (jornais, revistas, meios de
comunicação em massa).
Nesta ordem, estes organismos sociais coletivos, contrapostos e
autônomos aos da sociedade política (o Estado em sentido estrito), formam a

86 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Vol. 1. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 20.
87 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira 1976, p. 31.


88 GRAMSCI, 1999, p. 33.

50
sociedade civil gramsciana. Esta sociedade civil é portadora da hegemonia que
se apresenta como mediadora entre a esfera econômica e a esfera política
(Estado em sentido estrito). Nesta ordem, vale o reforço de que a sociedade civil
assume toda uma centralidade na obra de Gramsci, como arena de
transformação, espaço de luta pela hegemonia e instrumento de “persuasão” e
“direção”89. Esse tom está no Marco Regulatório em estudo e deve ser algo a ser
comemorado, ainda que não nos termos da naturalidade proposta pelo
pensamento gramsciano.
Após esse resumido olhar sobre a evolução e a doutrina mais balizada
acerca do que se entende por sociedade civil, é necessário reconhecer nessa o
espaço de disseminação e construção do Terceiro Setor, geralmente atrelado a
conceitos de cidadania, solidariedade e empoderamento. De toda forma,
sofrendo igualmente todos os influxos e dificuldades conceituais do que se venha
entender por sociedade civil, o Terceiro Setor parece se apresentar apenas como
um viés “especializado” de uma sociedade civil que, em suas bases, se conduz
de forma mais despretensiosa.
O fato é que no dia a dia das entidades do Terceiro Setor não é incomum
que estas se apropriem do discurso de representantes da sociedade civil, em
prol e em nome da vontade de grupo articulado para realizar o “bem comum”.
Colocam-se como vocacionadas a fazer o bem, a amparar os desamparados, a
dar voz aos invisíveis, encontrando-se, portanto, abertas para parcerias com
quem quer que seja. Não reconhecem as desigualdades alimentadas pelas lutas
de classes, vez que se colocam com propósitos acima dessas lutas e buscam
motivações para além delas. É preciso cautela.
Todos os pensamentos aqui construídos em torno da ideia de Terceiro
Setor se fazem necessárias, de modo a se criar a percepção de que ademais o
mesmo se apresente muitas vezes como um “Frankstein”, não se pode conceber
o Terceiro Setor como um “Frankstein bipolar”, vacilante quanto a seu real papel
e suas verdadeiras intenções. Essa linha de pensamento precisa ser superada.
É preciso reconhecer seu nascedouro no seio da sociedade civil e sua
perpetuação e desenvolvimento como proveniente dessa evolução da própria

89 GRAMSCI, 1999, p. 33.

51
sociedade civil. As vicissitudes e mesmo o despreparo dos entes que formariam
o Terceiro Setor não podem servir de argumento para descaracterizar todo seu
núcleo de virtudes e o reconhecimento de uma estrutura que pode propor o ritmo
de mudanças.
Absorver todas as lições até aqui propostas na missão de traçar qual o
cenário de desenvolvimento da noção de Terceiro Setor e até mesmo a evolução
do termo “organizações da sociedade civil” proposto pela Lei n. 13.019/14,
parece deixar em segundo plano os pontos centrais do estudo, mas não é esse
o caminho. É preciso essa pausa para pensar quem é o Terceiro Setor e de onde
veio, para que se possa reconhecer seu centro de formação como sendo a
sociedade civil e identificá-la é remexer em feridas abertas da nossa própria
formação como sociedade.
O Brasil, como já ressaltado, não tem uma tradição associativa exemplar.
Com isso quer-se dizer que em nossas bases formativas é rara a percepção de
uma formação pautada nas noções de solidariedade social. Seriam vários os
motivos para tal, o modelo de colonização oligárquica90, o extenso território, a
falta de noção de pertencimento a uma figura estatal representativa, a
indiferença na compreensão do que seja coletivo. Oliveira Viana sentenciou:
“São escassíssimas as instituições de solidariedade social em nosso povo. Em
regra, aqui, o homem vive isolado dentro dos latifúndios ou do seu círculo
familiar. O âmbito da solidariedade social é restritíssimo”91.
Segundo citado autor, em nossas raízes, como povo, seríamos
desprovidos de uma solidariedade instintiva e, portanto, duradoura. As
associações privadas, de fins morais e sociais, base da formação de nosso
Terceiro Setor, e segundo o autor provenientes de uma “solidariedade
voluntária”, teriam surgido apenas sob efeito de uma determinada ação

90 A despeito de nossa formação oligárquica e como tal estrutura influenciou nossa percepção
de solidariedade, incita Oliveira Viana (2005, p. 199): “Nada então ocorre em nossa História,
geral ou local, que force os senhores-de-engenhos e cafezais, isto é, os grandes chefes de clãs
rurais, à prática prolongada e habitual da cooperação e da solidariedade. Tudo, ao contrário,
concorre para desuni-los, para separá-los, para desintegrá-los, para isolá-los. Debalde
procurareis entre eles essas associações privadas, de fins morais ou sociais, tão numerosas nos
povos da raça germânica, especialmente entre os anglo-saxões dos três mundos”.
91 VIANA, Oliveira. Populações Meridionais do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005,

p. 185.

52
empolgante, voltada a um fim imediato. Oliveira Viana apresenta um prognóstico
desanimador e condena:

Essas formas de solidariedade voluntária, de cooperação espontânea


e livre só aparecem entre nós sob a ação empolgante dos grandes
entusiasmos coletivos: a frio, com a automaticidade instintiva dos
anglo-saxões, não as criamos, nem as sustentamos nunca. Partidos
políticos, ou ligas humanitárias, sociedades de fins morais ou clubes
recreativos, todas essas várias formas da solidariedade têm entre nós
uma vida artificial e uma duração efêmera. Organizadas, dissolvem-se
logo, ou pela desarmonia interior, ou pelo esquecimento rápido dos fins
visados. Outras vezes, ficam apenas em simples tentativas abortícias,
que, logo lançadas, logo se dispersam e somem, de manso e em
silêncio – o que prova a sua falta de base na psicologia normal do povo.
Normalmente, o círculo da nossa simpatia ativa não vai, com efeito,
além da solidariedade de clã. É a única forma de solidariedade social
que realmente sentimos, é a única que realmente praticamos (grifo
nosso).92

Perceba-se como é difícil conceber no Brasil, nos primeiros anos de nossa


formação, os elementos fundamentais para a percepção de uma sociedade civil
organizada, comprometida e disposta. A evolução histórica brasileira parece não
se afastar muito dessa premissa inicial, reforçando Sérgio Buarque de Holanda
em seu “Raízes do Brasil” que a verdadeira solidariedade só se pode sustentar
nos círculos mais restritos, aderindo a formalismos que somente reforçam nossa
falta de espontaneidade. O autor reitera nossa capacidade como povo de
organizar campanhas, formar facções e armar motins em torno de uma ideia
nobre, mas assevera que isso somente se perfaz, em verdade, pelo triunfo de
um personalismo sobre outro93.
Se o diagnóstico até então é o de nossa baixa propensão associativa,
ressaltando nossa incapacidade para uma solidariedade voluntária
perseverante, tudo parece fazer crer que nosso Terceiro Setor surge mais como
um projeto imposto do que uma convergência de vontades e valores. Essa
conclusão seria no mínimo generalista e cruel com as lógicas associativistas que
contrariam o tempo.

92VIANA, 2005, p. 200.


93HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2004, p.183.

53
É certo que a partir da década de 70, o Brasil experimenta, como se verá,
um verdadeiro boom associativista, com o surgimento e formalização de
entidades filantrópicas, em especial de ONGs – Organizações Não
Governamentais. Tal realidade se confirma em razão não só de incentivos
financeiros privados internacionais, como também parece coincidir com a própria
configuração evolutiva do aparelho estatal, o que também se enfrentará mais
adiante, em seus pormenores.
Por ora, fica o sentimento de que o Terceiro Setor brasileiro sofre, assim
como nossa sociedade civil, com um relativo déficit de associativismo, que
parece contribuir para incutir na mente dos mais desavisados a ideia de uma
artificialidade das intenções de citados entes e a percepção de que não tem
vontade própria, existindo somente em razão das parcerias que firma. É preciso
combater essa lógica. É preciso expandir a área de alcance das entidades que
formam o Terceiro Setor para além do desenvolvimento local, para além dos
nossos “personalismos”. A Lei n. 13.019/14 reconhece tal necessidade, a ponto
de firmar como objetivo das parcerias que regula, “a promoção do
desenvolvimento local, regional e nacional, inclusivo e sustentável” (art. 5º, III) e
apontando como diretriz “o fortalecimento das ações de cooperação institucional
entre os entes federados nas relações com as organizações da sociedade civil”
(art. 6º, IV).
Na sequência, uma vez feito o panorama geral do ambiente de
desenvolvimento do Terceiro Setor, a nível de sua conceituação e surgimento,
trata-se de traçar na sequência algumas considerações sobre quais seriam as
principais entidades atreladas a sua configuração no cenário brasileiro. Nesta
oportunidade, interessa ao correto desenvolvimento do presente estudo,
algumas considerações a respeito das Organizações Não Governamentais
(ONGs), das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e
das Organizações Sociais (OSs). Por força do marco regulatório objeto da
presente tese, surgem as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e com ela o
questionamento: fariam parte do Terceiro Setor ou seriam o esvaziamento
definitivo do termo Terceiro Setor? É parte do que se pretende refletir na
sequência.

54
1.1.2 AS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR – QUEM É O TERCEIRO
SETOR EM TEMPOS DE REGULAÇÃO?

Talvez esteja neste tópico questão que mereça maior reflexão no


desenvolvimento não só deste capítulo, mas também de toda tese, uma vez que,
em tempos de regulação das atividades do Terceiro Setor, uma das
necessidades da lei foi a de dizer quem são as entidades que a ela se sujeitam.
Sobram questionamentos: quando em seu art. 2º, a Lei n. 13.019/14
delimita o que se entende por “Organização da Sociedade Civil”, exterioriza-se
a intenção de se “enterrar” o termo “ONGs”, eliminando qualquer aspecto
negativo que tal entidade historicamente carregue consigo? Quando a Lei n.
13.019/14 diz que não se aplica a lei aos ajustes firmados com Organizações
Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, há uma quebra
na lógica de formação dos entes do dito “Terceiro Setor”? Quais forças externas
fizeram com que a legislação em apreço, em sua redação original tenha
estendido seus efeitos às entidades qualificadas como OSCIP e, em profunda
alteração provocada pela Lei n. 13.204/15, as tenha excluído? Lançam-se aqui
esses questionamentos de modo que fique claro desde já que o marco
regulatório em estudo não nos conduz por seara tranquila.
A intenção de lançar tais questionamentos neste momento é apenas o de
pensar os conceitos e as entidades que fariam parte do que aqui optou-se por
denominar de Terceiro setor frente à terminologia construída pela Lei n.
13.019/14. Conforme se for verificando nas linhas seguintes o histórico e o
universo dos entes que a nosso ver são usualmente vistos como pertencentes
ao Terceiro Setor, vai se clareando o universo de construção das parcerias
assentadas na norma objeto desta tese e respostas a tais perguntas serão
devidamente processadas.

1.1.2.1 As Organizações Não Governamentais (ONGs)

Durante o desenvolvimento deste capítulo restou clara a dificuldade de se


obter um conceito suficientemente amplo para o que venha ser sociedade civil

55
e, por consequência, do que venha a ser o Terceiro Setor. Como instituição fruto
do desenvolvimento e articulação dessa sociedade civil (e inserida no Terceiro
Setor), se torna igualmente difícil conceituar as Organizações Não
Governamentais (ONGs).
Tal dificuldade se torna muito evidente no caso dessas entidades,
especialmente por conta de sua heterogeneidade, o que fomenta uma infinidade
de organizações que se intitulam como “ONGs”, tendo existido, durante muito
tempo, toda uma generalização e uma glamourização/proliferação do termo.
Junte-se a isso o fato de que dentre todas as entidades que ora se reconhece
como “Terceiro Setor”, as ONGs foram as únicas que conseguiram se manter,
até então, fora do “radar regulatório” e há uma dualidade nisso. Até então, a
ausência de um modelo específico de parcerias entre o poder público e as ONGs
conferia a liberdade necessária para que tais entidades se perpetuassem de
forma menos burocrática nos espaços de sua alçada. Por outro lado, a ausência
de um modelo regulatório próprio coloca uma infinidade de entidades sob o
conceito de ONGs e gera espaços de incompreensão. A Lei n.13.019/14 acaba
com esse limbo e isso se percebe não só pela terminologia abarcada pela norma,
mas também pelo comportamento de instituições que carregam no próprio nome
o termo “ONG”.
Veja-se, por exemplo, a mudança de perspectiva da ABONG –
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, uma das
entidades responsáveis pela articulação da Plataforma por um Novo Marco
Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil94, que teve como um de
seus frutos a Lei n. 13.019/14. O art. 2º do Estatuto da ABONG atesta: “são
consideradas Organizações Não Governamentais – ONGs, as entidades que,
juridicamente constituídas sob a forma de fundação, associação e sociedade
civil, todas sem fins lucrativos, notadamente autônomas e pluralistas, tenham
compromisso com a construção de uma sociedade democrática, participativa e
com o fortalecimento dos movimentos sociais de caráter democrático, condições

94 Disponível em: http://plataformaosc.org.br/plataforma/. Consulta em: Mar. 2018.

56
estas, atestadas pelas suas trajetórias institucionais e pelos termos dos seus
estatutos”.95
Todavia, com o advento da Lei n. 13.019/14 e uma vez revistas as
prioridades (Triênio 2016/2019) da instituição, percebe-se nitidamente a
mudança não só terminológica, mas também estratégica, senão vejamos:

1. Promoção de ambiente favorável à atuação das Organizações da


Sociedade Civil com ênfase no fortalecimento da base associativa por
meio do empoderamento comunicacional da Abong e de suas
associadas e da expansão de sua capacidade de incidência para além
do território nacional via fortalecimento das articulações com a
sociedade civil planetária, do fortalecimento da sustentabilidade
política e financeira da Associação e de sua base associativa via ação
coordenada com foco na implementação da Lei 13.019 e na construção
de novas estratégias e paradigmas de mobilização de recursos e
financiamento. Fortalecimento da base associativa ainda por meio do
fortalecimento de sua identidade política e de um plano nacional de
capacitação. Aprimoramento e fortalecimento da política de
comunicação da Abong, visando ao aumento da capacidade de
comunicação de suas associadas. Promoção e fortalecimento de
espaços de articulação horizontais por meio da construção de
posicionamentos e agendas comuns e projetos conjuntos, bem como
do aprimoramento da dinâmica de atuação em suas bases 96 (grifo
nosso).

Ainda que muito clara a mudança terminológica e de paradigma em razão


do advento da Lei n. 13.019/14, a mesma não apaga o histórico de formação das
ONGs, o que ora se pretende minimamente pontuar. No mundo, a disseminação
das organizações não governamentais se iniciou propriamente com o fim da
Segunda Guerra Mundial. Com o mundo quase que por se refazer, as
necessidades e fragilidades tomaram uma proporção ainda maior, como se
todos fossem responsáveis pela retomada e concretização de uma nova
realidade, com um senso de solidariedade quase que natural.
É nesta dinâmica que se chega a um consenso para a criação da ONU –
Organização das Nações Unidas (Conferência de São Francisco - 1945), com o
propósito de manter a paz e a segurança internacionais, tendo como pano de
fundo as atrocidades ocorridas no período da Segunda Guerra. É exatamente

95 Disponível em: http://www.abong.org.br/quem_somos.php?id=3. Acesso em: Nov. 2017.


96 Disponível em: http://www.abong.org.br/quem_somos.php. Acesso em: Mar. 2018.

57
neste contexto que surge, nos documentos da ONU, a menção às Organizações
Não Governamentais como instrumentos para a consecução de projetos
humanitários ou de interesse público97. Restava claro ainda, que a expressão
“ONG”, designava entidades “não oficiais” que recebiam ajuda financeira de
órgãos públicos para executar projetos de interesse social, “dentro de uma
filosofia de trabalho denominada desenvolvimento de comunidade” 98.
Com este viés humanizante e permeada por um espectro internacional,
as ONGs se espalharam pelo mundo, chegando ao Brasil sob a pecha de
organizações de “cooperação internacional”, formadas por entidades ligadas à
religião (católica ou protestante), “organizações de solidariedade, ou governos
de vários países.99 O envolvente discurso da solidariedade, do desenvolvimento
comunitário e da superação da pobreza despertou críticas, especialmente na
América Latina, tendo em vista o suposto uso destas organizações como
instrumentos voltados à concretização e expansão da estratégia capitalista nos
países ditos de “terceiro mundo”100. De todo modo, a proliferação das ONGs na
América Latina trouxe consigo a missão de apaziguar os conflitos sociais
causados exatamente pelas desigualdades e indiferenças provocadas pela
lógica capitalista101.
No Brasil, as ONGs seriam um fenômeno considerado recente, “calcadas
no modelo norte-americano e dentro de circuitos de cooperação global”102. O
verdadeiro boom das ONGs no país aconteceu na década de 80, ainda que
exista o histórico da existência de algumas destas entidades nas décadas de 60

97 LANDIM, Leilah. Ações em sociedade, militância, caridade, assistência, etc. Rio de Janeiro:
NAU, 1998.
98 MACHADO, Aline Maria Batista. O percurso histórico das ONGs no Brasil: perspectivas e

desafios no campo da educação popular. In: Anais eletrônicos IX Seminário Nacional de Estudos
e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”. Universidade Federal da Paraíba, 2012,
p. 3.488. Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario9/PDFs/5.05.pdf. Acesso
em: 10 dez. 2014.
99 COUTINHO, Joana. As ONGs: origens e (des)caminhos. In: Recherches Internacionales, n.

73, 2004, p. 57.


100 MACHADO, 2012, p. 3.488.
101 MACHADO, 2012, p. 3.489
102
NAVES, Rubens. Novas possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY, Jaime
(orgs.). História da cidadania. 3ª ed. São Paulo: Contexto. 2005, p. 570.

58
e 70103. De modo característico, as ONGs brasileiras que emergiram no fim dos
anos 70 não eram financiadas somente pelo capital internacional, mas também
por alas progressistas da igreja católica “que reviu suas posições quanto à
organização da população para participar de movimentos e mobilizações
conscientizadoras” 104 . A religiosidade não é uma característica exclusiva da
formação das ONGs no Brasil. As fundações e associações sem fins lucrativos
brasileiras são predominantemente voltadas à religião. Tal afirmação pode ser
perquirida tanto em dados mais antigos quanto nos mais recentes. Com base em
dados de 2002, tendo por base as 276 mil entidades sem fins lucrativos
existentes, 70.446 tinham como campo de atuação a religião 105 . Em último
levantamento divulgado pela ABONG em 2012, ademais a diminuição no ritmo
de crescimento dos entes filantrópicos entre 2006 e 2010, houve um maior
crescimento de entidades religiosas, responsáveis por quase metade (47,8%)
das instituições criadas no período (11,2 mil entidades das 23,4 então
criadas)106. Esta realidade acaba sendo absorvida pelo marco regulatório objeto
desta tese, na medida em que, como se verá em detalhes, o art. 2º, I, “c”, da Lei
n. 13.019/14, trata como pertencente ao conceito de organização da sociedade
civil, “as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de
interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins
exclusivamente religiosos;”.
De todo modo, há de se ressaltar que as ONGs sob o aspecto das
parcerias que interessam ao presente estudo, em uma perspectiva de
participação pública não-estatal se materializaram de modo especial no início da
década de 90. É sob este aspecto que as críticas se acentuam. Neste cenário
atual, as ONGs parecem ter deixado de lado a crença na construção de um
modelo de sociedade alternativa, menos desigual, utilizando-se da influência
junto as comunidades onde atua como instrumento de barganha e controle.

103 LANDIM, Leilah. A invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão impossível. Tese de
doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós‐graduação em
Antropologia Social. Rio de Janeiro, 1993, p. 26.
104 GOHN, 2000, p. 12.
105 CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria; SARAIVA, Luiz Alex Silva. Terceiro

Setor: dilemas e polêmicas. São Paulo: Saraiva, 2006, viii.


106 Dados disponíveis em: http://www.abong.org.br/ongs.php?id=18. Consulta em: 05 jan. 2015.

59
O Estado tem especial interesse neste movimento, na medida em que por
meio das parcerias que usualmente venha firmar com tais entes, acabará
adentrando em esferas e espaços que muitas vezes não alcançava. A
construção destas parcerias com os entes públicos (União, Estados e
Municípios) alterou substancialmente a configuração destas ONGs, que se
reorganizam para atender a exigências do parceiro público. Em outras palavras,
a fim de firmarem as parcerias com o poder público, seja na área da saúde,
educação, meio ambiente, cultura, dentre outros, as ONGs tem buscado
qualificações, sejam como OSCIP ou OS’s. Tal fato acabou provocando um
verdadeiro esvaziamento do termo “ONG”, praticamente tornando OS’s e OSCIP
entes exclusivos destas parcerias e principais representantes do Terceiro Setor.
Com a Lei n. 13.019/14, essa questão volta a ser redimensionada e a redenção
parece estar presente no termo “organizações da sociedade civil”, que parece
não só indicar um caminho menos burocratizado, uma vez que, como se verá, o
marco regulatório não exige, como regra, certificações e qualificações das
entidades sem fins lucrativas para a realização das parcerias, mas parece indicar
uma tendência natural de esvaziamento do termo “ONG”.
A promulgação do marco regulatório, seus novos institutos e sua
nomenclatura própria, parece pretender apagar todo o histórico de erros
abarcados pelas entidades filantrópicas, por muitos anos encabeçadas por
ONGs e toda a lógica de captação de recursos e do mau uso dos mesmos. Esse
histórico desagua na necessidade de construção de uma governança
responsável, transparente e que coloca todas as cartas na mesa, excluindo
qualquer ranço que a referência às ONGs possa provocar. Essa é uma das
promessa do marco regulatório. Essa é a bandeira que, como se verá, o modelo
proposto pretende carregar.

60
1.1.2.2 As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

A Lei n. 9. 790, de 23 de março de 1999107, foi a norma responsável pela


introdução das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
no ordenamento jurídico brasileiro. Tais Organizações nada mais são do que
uma “qualificação”, dada à pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos,
“instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não
exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante
vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria”108.
No espectro do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995),
que, como se verá, é o marco no Brasil da Administração Pública gerencial,
instituíram-se as OSCIP como mais um ente de colaboração privada na
realização dos denominados “serviços públicos não-exclusivos”. Junto às
Organizações Sociais (OS’s), as OSCIP são o verdadeiro símbolo do avivamento
do Terceiro Setor na realidade brasileira, servindo de instrumentos para a
atividade de fomento deste Estado Subsidiário que busca o compartilhamento
de suas competências.
A qualificação jurídica obtida pelos entes filantrópicos é o ponto de
aproximação entre OS’s e OSCIP, conquanto aquelas desempenhem a gestão
de serviços públicos e estas exerçam atividade de natureza privada109 110. Existe

107 Cada Estado-membro tem competência legislativa para dispor da matéria em seu âmbito de
alcance. No Estado do Rio de Janeiro é a Lei n. 5.501/2009.
108 DI PIETRO, 2014, p. 573.
109 DI PIETRO, 2014, p. 573.
110 Lei 9.790/99 - Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o

princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações,


somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos
objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:
I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das
organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das
organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos
de produção, comércio, emprego e crédito;

61
ainda uma percepção de que as OSCIP se apresentariam como instituições mais
bem estruturadas, na medida em que sua lei instituidora é mais exigente,
impondo requisitos mais rígidos para a obtenção da qualificação. Ainda assim,
tal rigidez não é suficiente para inibir os demais entes federativos, na medida
que é possível encontrar na esfera da competência legislativa dos Estados e
Municípios sobre o tema, leis híbridas que misturam as características de OS’s
e OSCIP nas suas leis instituidoras111.
A Lei n. 9. 790/99, até então apelidada de lei do Terceiro Setor112, sofreu
alterações com o advento da Lei n. 13.019/2014 (“Marco regulatório do Terceiro
Setor”). Uma das alterações mais significativas se encontra logo na nova
redação dada ao artigo 1º da Lei n. 9.790/99, se apresentando como uma
verdadeira resposta a uma das principais críticas recebidas não só por tais entes,
mas também pelo Terceiro Setor como um todo.
Os entes do Terceiro Setor são recorrentemente acusados de se
estruturarem exclusivamente para o recebimento de recursos públicos, não
possuindo mais uma agenda própria, o que os torna verdadeiros “cúmplices”,
compactuando com os interesses do Primeiro Setor (Estado), sofrendo
verdadeira “captura” do mesmo. Ao determinar que “podem qualificar-se como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem
em funcionamento regular há, no mínimo, três (03) anos, desde que os
respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos
instituídos por esta Lei”, a lei instituidora das OSCIP, alterada pelo marco

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica


gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros
valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação
de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades
mencionadas neste artigo.
XIII - estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de
tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte. (Grifo nosso)
(Inciso incluído pela Lei n. 13.019/14).
111 A respeito do tema remete-se o leitor à nossa dissertação de Mestrado, publicada sobre o

título “Sociedade civil ‘qualificada’ e parcerias na área de saúde”, donde se constatou e se


concluiu acerca desta afirmativa.
112 DI PIETRO, 2014, p. 573.

62
regulatório em estudo, sinaliza para um caminho que venha impedir a
proliferação tendenciosa destes entes.
É certo que a Lei n. 9.790/99 já possuía desde sua promulgação (art. 2º),
instrumentos limitadores à propagação desenfreada de OSCIP, excluindo de sua
abrangência sindicatos, cooperativas, fundações públicas, entidades de apoio,
instituições de crédito, dentre outras, mas não há como deixar de se imaginar
que a alteração promovida se apresenta como uma resposta clara à crítica acima
apontada.
Também é no art. 1º da Lei das OSCIP, mais especificamente em seu §1º,
que se pontifica: “Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a
pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou
associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais
excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações,
participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de
suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo
objeto social”.
A lei das OSCIP traz em seus próprios termos o que traz o marco
regulatório no seu art. 2º, I, e ao que se chamou de “organização da sociedade
civil”. O marco regulatório não revogou a lei das OSCIP, apesar de trazer
alterações em seu bojo. A princípio, parecia não haver uma lógica aparente para
a criação de uma nova nomenclatura (Organizações Sociedade Civil) sendo que
já existe todo um universo próprio abarcado pelas OSCIP (e também pelas
OS’s). Exatamente por conta dessa falta de clareza inicial, as OSCIP, que na
redação original do art. 4º da Lei n. 13.019/14113, se submetiam aos ditames do
marco regulatório, foram excluídas de sua lógica pelas alterações promovidas
pela Lei n. 13. 204/15, não se aplicando mais às mesmas as exigências da lei
(inciso VI, do art. 3º da Lei n. 13.019/14). Tal alteração faz todo sentido114, quanto

113 Redação original do art. 4º da Lei n. 13.019/14 – “Aplicam-se as disposições desta Lei, no
que couber, às relações da administração pública com entidades qualificadas como
organizações da sociedade civil de interesse público, de que trata a Lei no 9.790, de 23 de março
de 1999, regidas por termos de parceria”.
114 Como muito bem esclarecido por Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2015, p. 351), com quem

concordamos: “Não encontramos justificativa razoável para excluir da incidência do novo regime
das parcerias os contratos de gestão celebrados com organizações sociais (OS), sem excluir
também os termos de parceria com as organizações da sociedade civil de interesse público

63
tudo o mais se verá, na medida que o marco regulatório pretende firmar-se como
um campo de atuação da sociedade civil bem menos burocrático, desconectado
das qualificações e certificações exigidos de OSCIP e OS’s.
Há de se ressaltar que a Lei n. 13.019/14 também promoveu alteração em
outros artigos da Lei n. 9.790/99, acrescentando em seu art. 4º, um parágrafo
único, que autoriza a participação de servidores públicos na composição de
conselho ou diretoria das OSCIP. O marco regulatório em estudo remexe em
uma das questões mais complexas no universo dos entes objeto deste tópico.
A redação original do parágrafo único do art. 4º da Lei das OSCIP,
determinava: “É permitida a participação de servidores públicos na composição
de conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a
percepção de remuneração ou subsídio, a qualquer título” (destaca-se). Tal
parágrafo já tinha sido incluído pela Lei nº 10.539, de 2002, fruto da Medida
Provisória n. 37/2002. Por conta de citada vedação o Ministério da Justiça
responsável pela qualificação das OSCIP a nível federal passou a recomendar
que os dirigentes da entidade em busca de qualificação, prestassem declaração
individual de que não exerciam cargo, emprego ou função pública, em uma
interpretação, segundo Fernando Mânica (2010), “despropositada e ilegal”.
Segundo citado autor, que faz uma correlação entre os impedimentos aos
quais se sujeitam os servidores públicos segundo Lei n. 8.112/1990 (art. 17) e o
Código Civil de 2002, não há qualquer vedação à participação de servidores
públicos federais em cargos de direção de entidades privadas sem fins
lucrativos, qualificadas ou não como OSCIP, nem à remuneração pelo exercício
das funções inerentes a cada um deles 115 . Atenta, apenas, reconhecendo a
moralidade, a transparência e o controle social que marcam a disciplina das

(Oscips). De lado algumas diferenças pontuais, as referidas entidades possuem características


gerais semelhantes, consideradas entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham
atividades de caráter social, por meio de vínculos jurídicos com o poder público (contrato de
gestão e termo de parceria, respectivamente)”.
115 MÂNICA, Fernando. Da legalidade da participação de servidores públicos em cargos de

direção OSCIPs qualificadas como tais pelo Ministério da Justiça. 2010, p. 16. Disponível em:
http://fernandomanica.com.br/site/wp-
content/uploads/2015/10/da_legalidade_da_participacao_de_servidores_publicos_em_cargos_
de_direcao_de_oscips.pdf. Consulta em: Mar. 2018.

64
OSCIP, que devam existir regras como a delimitação do teto remuneratório e dos
valores passíveis de pagamento116.
Também firmado em um regime que prima pela lógica da transparência,
moralidade e controle social, a Lei n. 13.019/14, em seu art. 86, acresce à Lei
das OSCIP, o art. 15-B, tornando mais detalhado seu procedimento de prestação
de contas117. O marco regulatório objeto desta tese traz consigo uma missão
moralizadora, na onda do que vem se perpetuando em termos legislativos desde
que várias notícias de atos de corrupção vieram à tona envolvendo setores do
poder público.
Tal tendência já foi vislumbrada por Fernando Mânica quanto de suas
reflexões a despeito das OSCIP em 2010, donde se vê: “A Lei das OSCIP surgiu
com objetivo definido de possibilitar a atuação profissional das entidades do
Terceiro Setor voltadas às mais diversas áreas de interesse público. Sua
compreensão deve levar em conta o processo histórico e legislativo que marca
o desenvolvimento do Estado e do Terceiro Setor no Brasil, de modo que se
fortaleçam laços pautados na transparência, na prestação de contas aos órgãos
fiscalizadores e à sociedade, e na eficiência dos serviços prestados”118 (grifou-
se).
Por fim, fechando as reflexões deste tópico, vale pontuar, como já é de se
notar, que o instrumento formalizador das parcerias firmadas entre os entes

116 MÂNICA, 2010, p. 17.


117 Lei n. 13.019/14 – “Art. 86. A Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 15-A e 15-B:
Art. 15-A. (VETADO).
Art. 15-B. A prestação de contas relativa à execução do Termo de Parceria perante o órgão da
entidade estatal parceira refere-se à correta aplicação dos recursos públicos recebidos e ao
adimplemento do objeto do Termo de Parceria, mediante a apresentação dos seguintes
documentos:
I - relatório anual de execução de atividades, contendo especificamente relatório sobre a
execução do objeto do Termo de Parceria, bem como comparativo entre as metas propostas e
os resultados alcançados;
II - demonstrativo integral da receita e despesa realizadas na execução;
III - extrato da execução física e financeira;
IV - demonstração de resultados do exercício;
V - balanço patrimonial;
VI - demonstração das origens e das aplicações de recursos;
VII - demonstração das mutações do patrimônio social;
VIII - notas explicativas das demonstrações contábeis, caso necessário;
IX - parecer e relatório de auditoria, se for o caso”.
118 MÂNICA, 2010, p. 18.

65
públicos e as OSCIP, que recebe a denominação de “Termo de Parceria”, ditarão
as obrigações do parceiro privado, sua responsabilidade e os caminhos que
deverá trilhar para a execução de atividades privadas de interesse público e
como se verá, não sofrerão os influxos da Lei n. 13.019/14 (inciso VI, art. 3º).
A mesma tecnicidade inspirou a Lei 13.019/2014, que trouxe em seu bojo
(art. 2º, incisos VII e VIII) as figuras do “termo de colaboração”, “termo de
fomento” e “acordo de cooperação”, que alimentarão as devidas ponderações no
momento oportuno.

1.1.2.3 As Organizações Sociais (OS’s)

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) trouxe em seu


bojo as Organizações Sociais (OS’s).
A fim de se dar contornos concretos a dita reforma, e uma vez reconhecida
a necessidade de se ampliar a descentralização na prestação de serviços
públicos, o Governo brasileiro instituiu o Programa Nacional de Publicização –
PNP, com o objetivo de estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de
Organizações Sociais que surgiriam para absorver as atividades desenvolvidas
por entidades ou órgãos públicos. As diretrizes e critérios deste Programa
encontraram amparo na lei federal n. 9.637, de 15/5/1998. É o art. 1º de citada
lei que determina quem seriam estas Organizações Sociais, nos seguintes
termos: “O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à
proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos
requisitos previstos nesta Lei”.
A despeito do contexto/termo “publicização” provocar certo desconforto e
ser alvo de sucessivas críticas por parte da doutrina mais autorizada, o fato é
que a lei em questão mantém firme a intenção do Estado de se afastar da
prestação direta de alguns serviços públicos, delegando-os a pessoas de direito
privado não integrantes da Administração Pública. Estas pessoas, uma vez
qualificadas como Organizações Sociais (Seção I da Lei n. 9.637/1998), estarão

66
legitimadas a firmar parcerias - via contratos de gestão - com o Poder Público,
incumbindo-se da execução de serviços públicos em regime de parceria.
O desabrochar das Organizações Sociais neste cenário de “publicização”
é um dos primeiros focos de crítica do modelo, tendo Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, afirmado que: “Embora o Plano Diretor fale em publicização e a própria
lei 9.637/98, logo na ementa, fale em Programa Nacional de Publicização para
definir a forma como se substituirá uma entidade pública por uma entidade
particular qualificada como organização social, não há qualquer dúvida quanto a
tratar-se de um dos muitos instrumentos de privatização de que o Governo vem
se utilizando para diminuir o tamanho do aparelhamento da Administração
Pública119”.
Além do mais, o cenário inicial em que as OS’s se proliferaram, firmado
na absorção das atividades exercidas pelo ente estatal respectivo, no uso de seu
patrimônio público e de seus servidores públicos, também não ajudou em nada
a implementação e concretização deste modelo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro
reforça a delicadeza deste cenário inicial, afirmando:

O fato de a organização social absorver atividade exercida por ente


estatal e utilizar patrimônio público e os servidores públicos antes a
serviço desse mesmo ente, que resulta extinto, não deixa dúvidas de
que, sob a roupagem de entidade privada, o real objetivo é o de
mascarar uma situação que, sob todos os aspectos, estaria sujeita ao
direito público. É a mesma atividade que vai ser exercida pelos
mesmos servidores públicos e com a utilização do mesmo patrimônio.
Por outras palavras, a ideia é que os próprios servidores da entidade a
ser extinta constituam uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, e se habilitem como organizações sociais, para exercerem
a mesma atividade que antes exerciam e utilizem o mesmo patrimônio,
porém sem a submissão àquilo que se costuma chamar de “amarras”
da Administração Pública120.

E mais:

Trata-se de entidades de entidades constituídas ad hoc, ou seja, com


o objetivo único de se habilitarem como organizações sociais e
continuarem a fazer o que faziam antes, porém com nova roupagem.
São entidades fantasmas, porque não possuem patrimônio próprio,
sede própria, vida própria. Elas viverão exclusivamente por conta do
contrato de gestão com o poder público121.

119 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
463.
120 DI PIETRO, 2014, p. 464.
121 DI PIETRO, 2014, p. 464.

67
Nilson do Rosário Costa, por sua vez, adverte:

O modelo estabelecido para as OS teve baixa aceitação entre os


gestores públicos dos entes federativos do país, especialmente pelo
elevado custo político implícito na ideia de conversão de organizações
públicas da Administração direta em entes privados sem fins lucrativos.
Um dos aspectos igualmente sujeito a forte veto dos interesses
organizados, no modelo OS, era a possibilidade da cessão por
redistribuição dos servidores públicos para o quadro em extinção no
órgão convertido. As carreiras desses funcionários entraram em
regime de extinção. Esses aspectos de conversão motivaram uma
grande resistência do movimento sindical e profissional ao modelo das
OS em razão das perdas imediatas de direitos trabalhistas dos
servidores estatutários e baixa perspectiva de acesso a rendas
adicionais pelos servidores122.

Muito se absorve das afirmações acima. Primeiramente, é possível


verificar o contexto em que inicialmente surgiram tais Organizações Sociais,
como entes de apoio dos entes públicos, servindo exatamente de roupagem para
se escapar das normas do regime jurídico de direito público. Esse ranço ainda
persegue os entes do Terceiro Setor como um todo, sucessivamente
bombardeados pelo imaginário coletivo de que lhes sobra dinheiro e lhes falta
controle. Tratadas como verdadeiras espoliadoras dos cofres públicos, a
relevância dos serviços prestados por estas organizações acaba se tornando
questão de segunda ordem. É este cenário que necessariamente precisaria ser
regulado. E daí que surge o clamor para a implementação de um modelo que
apare as arestas e transforme a percepção negativa das parcerias com o poder
público e as filantrópicas.
De toda forma, as afirmações acima pontuadas pelas transcrições
trazidas devem ser tratadas mais como referencial histórico do que como regra.
Muito já se caminhou desde a instituição das primeiras OS’s, firmadas como
meros entes de apoio. É preciso superar este desenho inicial e reconhecer que
as Organizações Sociais, que ora se perpetuam no cenário nacional, se
formaram em suas bases como ONGs, fundações ou associações privadas e

122COSTA, Nilson do Rosário. “Alternativas de governança na gestão pública: o caso dos


hospitais no modelo parceria público-privada Organização Social no Estado de São Paulo”. In:
MODESTO, Paulo (org.). Terceiro Setor e Parcerias na área de saúde. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2011, p. 96.

68
não como entes de apoio. É certo que ainda existem OS’s que se firmaram como
entes de apoio, mas tal desenho é hoje uma exceção que se perpetua em razão
do tempo e não por mera convicção.
Pontuadas estas críticas iniciais, é possível perceber que um elemento
diferenciador (e mesmo conceituador) das OS’s seria o processo denominado
de “qualificação”, visto que nada mais seriam do que pessoas jurídicas de direito
privado que recebem uma qualificação especial, um título jurídico concedido por
lei, àquelas entidades que preencham os requisitos ali especificados.
Dita qualificação, segundo a Lei Federal das OS’s (Lei n. 9.637/1998),
resulta de um critério discricionário do Ministério competente para supervisionar
ou regular a área de atividade correspondente ao objeto social (artigo 2º, II),
passando as entidades a serem reconhecidas como de interesse social e
utilidade pública para todos os efeitos legais (artigo 11), podendo receber
recursos orçamentários, se servindo ainda de bens públicos (artigo 12) e da
cessão especial de servidores públicos (artigo 14) na consecução de seus
objetivos.
Nesta dinâmica, três fundamentos são necessários às pessoas que
desejam receber a qualificação de organizações sociais: i) a personalidade
jurídica de direito privado; ii) não possuírem fins lucrativos; e iii) devem destinar-
se ao ensino, à cultura, à saúde, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico e à preservação do meio ambiente (artigo 1º).
Junte-se a isso, o necessário preenchimento dos requisitos específicos
contidos no artigo 2º da lei instituidora das OS’s para a habilitação das entidades
como tais. Ao longo de nove alíneas (artigo 2º, I, a a i), o espírito desejado para
estas entidades fica bastante evidenciado, delineando-se não só a natureza
social de seus objetivos e sua finalidade não lucrativa, mas também verdadeira
preocupação com a interação que deverá existir, através de seus órgãos
internos, com a sociedade e o Poder Público. Exatamente por conta disto, existe
a previsão (art. 2º, I, d) de participação no seu órgão colegiado de deliberação
superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade.
Este seria o elemento estrutural diferenciador das Organizações Sociais.

69
Devidamente qualificadas, as organizações sociais celebram, com o
Poder Público, os chamados “Contratos de Gestão”, cujas bases se encontram
detalhadas ao longo dos artigos 5º ao 10º da Lei Federal das OS’s. Como se
verá, tais contratos também não sofrerão influxos dos preceitos trazidos pela Lei
n. 13.019/14 (inciso III, art. 3º).
Este seria, portanto, o cenário geral da lei 9.637/98, marcada
principalmente, pela sistemática da qualificação de entidades como
Organizações Sociais e da formalização dos respectivos Contratos de Gestão,
firmados com observância aos princípios gerais da Administração Pública e
sujeitos à competente fiscalização e à observância de prazos e metas.
Vale destacar ainda, dispositivo legal que por muito tempo foi foco de
exacerbadas discussões entre doutrinadores: o artigo 24, XXIV, da lei 8.666/93
(introduzido pela lei 9.648, de 27 de maio de 1998). Ali, resta previsto, como
hipótese de dispensa de licitação, a possibilidade de contratação direta dos
contratos de prestação de serviços feita com Organizações Sociais devidamente
qualificadas. Esse também é um dos pontos centrais na construção do modelo
de parceria objeto desta tese, apontando-se desde já a instituição do
procedimento de chamamento público (art. 23 da Lei n. 13.019/14), a balizar a
escolha dos entes parceiros. Em termos práticos, nada de novo no “reino” do
Terceiro Setor. Em dissertação que realizamos sobre as parcerias na área de
saúde firmada entre OS’s e os municípios de Uberlândia/MG e do Rio de Janeiro,
é da lógica da construção dessas parcerias um procedimento mínimo de escolha
da entidade parceira, sem dispensa de licitação123.
Mas é por essas e por outras que não faltam argumentos que proclamam
a falta de transparência, a ofensa à impessoalidade e a outros princípios
constitucionais deste dispositivo, questão que acabou por levantar
desconfianças quanto a real vocação e finalidade da lei 9.637/98, culminando no
ajuizamento por parte do Partido dos Trabalhadores – PT e do Partido
Democrático Trabalhista – PDT de Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN

123A dissertação em referência, publicada na obra sob o título “A sociedade civil ‘qualificada’ e
as parcerias na área de saúde” (2017), confirma tal perspectiva em seu capítulo 6, nas páginas
271 e 296.

70
n. 1.923/DF 124 , finalmente julgada em 16 de abril de 2015 pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, restando assim decidido:

O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido,


apenas para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº
9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8.666/93, incluído pela Lei nº
9.648/98, para que: (i) o procedimento de qualificação seja conduzido
de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios
do caput do art. 37 da Constituição Federal, e de acordo com
parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei
nº 9.637/98; (ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de
forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do
caput do art. 37 da Constituição Federal; (iii) as hipóteses de dispensa
de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga
de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, § 3º)
sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com
observância dos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal;
(iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com
terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública,
objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art.
37 da Constituição Federal, e nos termos do regulamento próprio a ser
editado por cada entidade; (v) a seleção de pessoal pelas
Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e
impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF,
e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade;
e (vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo
Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União, da aplicação de
verbas públicas, nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, que redigirá
o acórdão, vencidos, em parte, o Ministro Ayres Britto (Relator) e,
julgando procedente o pedido em maior extensão, os Ministros Marco
Aurélio e Rosa Weber. Não votou o Ministro Roberto Barroso por
suceder ao Ministro Ayres Britto. Impedido o Ministro Dias Toffoli.
Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.

Depois de mais de uma década de espera, a Corte Suprema brasileira


parece, de alguma forma, tirar de sobre os ombros das Organizações Sociais a
sombra obscura da inconstitucionalidade, colocando em seu devido lugar as
principais perspectivas que usualmente pairam sobre o tema, mesmo que em
nenhum momento cheguem a aliviar as dificuldades encontradas no dia a dia
destas instituições. A decisão acima trasladada, de certa forma, sinalizou para o
reconhecimento de anos de parcerias entre tais entes e o poder público o que
se perpetua com o modelo a ser implementado pela Lei n. 13.019/14.

124 Petição inicial disponível em


http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=1923&processo
=1923.

71
Ademais todas as formalidades e burocratizações da lei das OS’s, alguma
dessas organizações no bojo das parcerias firmadas com o poder público são,
de forma recorrente, investigadas por irregularidades e mau uso do dinheiro
público. Para se ter uma ideia, em dossiê apresentado pelo Jornal O Globo, das
dez organizações sociais contratadas pelo Município do Rio de Janeiro para a
gestão de contratos na saúde, oito estão sob investigação125.
Esse cenário fez com que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
expedisse uma recomendação ao Município do Rio de Janeiro para que o
mesmo suspendesse novas contratações com Organizações Socias (OS’s) na
área de saúde. O argumento que serve de base argumentativa para tal
documento sugere que a Secretaria Municipal de Saúde deve promover, antes
de tudo, uma reestruturação interna, de modo a ser capaz de realizar uma
fiscalização eficaz dos contratos de gestão firmados com tais entes. A
recomendação se alicerçava exatamente nos sucessivos casos de corrupção
capitaneados por OS’s, com o desvio de pelo menos quarenta e oito milhões em
recursos públicos126.
Nesse panorama de uma verdadeira crise de moralidade dessas
organizações é que se esperava que o marco regulatório fosse diretamente
envolver tais entes sob seu jugo, o que não aconteceu. A redação original da Lei
n. 13.019/14, em seu art. 3º, afirmou não se aplicar as exigências da lei, “aos
contratos de gestão celebrados com organizações sociais, na forma
estabelecida pela Lei 9. 637, de 15 de maio de 1998” (inciso III) (grifo nosso).
Ciente da despropositada exclusão das Organizações Sociais de toda a
lógica de controle do marco regulatório, o legislador, na posse de seu poder
reformador, através da Lei n. 13.204/15, muda o tom e altera citado art. 3º, inciso
III, de modo a fazer constar que não se aplicarão as exigências da lei: “aos
contratos de gestão celebrados com organizações sociais, desde que cumpridos
os requisitos previstos na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998” (grifo nosso).

125 Dossiê disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/das-dez-oss-que-operam-no-municipio-


oito-estao-sob-investigacao-18494571. Acesso em Nov. 2016.
126 Notícia disponível em: http://www.mprj.mp.br/home/-/detalhe-
noticia/visualizar/20610;jsessionid=mFaxd5a1XY83o06DprpsDzm1.node3. Acesso em: Nov.
2016.

72
A mudança é sutil, mas diz muito. Às Organizações Sociais não se
aplicarão as exigências da Lei n. 13.019/14, desde que referida entidade
preencha todos as ressalvas da Lei geral das OS’s, o que, por si só levará as
mesmas para a seara do marco regulatório. A pesquisa empírica levada a cabo
em obra de nossa autoria sobre as parcerias na área de saúde nos dá uma
amostra de como certamente o marco regulatório influenciará nas parcerias
firmadas com as OS’s 127 . Existem muitas falhas no cumprimento da lei, em
especial, no que diz respeito ao controle social na sua formação.
De todo modo, certamente seremos testemunhas do uso de citado marco
regulatório, conforme a conveniência das OS’s, ainda que em um primeiro olhar
tal norma não lhes alcance. A efetiva pesquisa empírica mostrará como tal ponto
se firmará na prática e como o devido controle fará toda a diferença.

1.1.2.4 As Organizações da Sociedade Civil (OSCs)

Conforme disposto no art. 2º, I, da Lei n. 13.019/14 (alterado pela Lei n.


13.204/15), entende-se por Organização da Sociedade Civil:

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus
sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores
ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais,
brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza,
participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o
exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na
consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio
da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de
novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou
vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e
ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as
voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores
rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão
rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de
interesse público e de cunho social.
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a
projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas
a fins exclusivamente religiosos;

SILVA, Daniela Juliano. A Sociedade Civil “qualificada” e as parcerias na área de saúde.


127

Curitiba: Editora Prismas, 2017, p. 285.

73
O artigo em referência (art. 2º), em sua redação original, tinha o seguinte
texto:

I - organização da sociedade civil: pessoa jurídica de direito privado


sem fins lucrativos que não distribui, entre os seus sócios ou
associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores,
eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou
líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu
patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que
os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social, de
forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou
fundo de reserva;

O marco regulatório é cheio de preciosismos e detalhes terminológicos


excessivos que acaba levantando mais questionamentos do que apresentando
as ansiosamente aguardadas “soluções”. É possível entender a dificuldade do
legislador em se decidir, logo na primeira oportunidade, pelo conceito de
“Organizações da Sociedade Civil”. Existem vários riscos. Há o risco de “falar
demais” e acabar engessando e estrangulando os entes em seu próprio conceito.
Há o risco de “dizer menos”, abrindo espaço para todo o tipo de brecha. Há a
opção de lançar mão de conceitos indeterminados, de modo a se empreender
mais dinamicidade à norma. Há a opção de deixar a norma o mais fechada
possível e de se pecar por torná-la estanque. O marco regulatório assume todos
esses riscos. Em sua redação original, o art. 2º foi econômico e generalista,
“pecado” que não passou incólume ao olhar de uma legião de entidades que
buscam algum tipo de enquadramento no universo das entidades sem fins
lucrativos, sem a necessidade de passar pelo burocrático sistema de
qualificação do qual fazem parte OSCIP e OS’s.
Foram inúmeras audiências públicas que se sucederam à publicação da
Lei n. 13.019/14, de 31 de julho de 2014, com medidas provisórias (MP 658/14
e MP 684/15) que não só provocaram sucessivas prorrogações do seu prazo de
vigência, como também alteraram substancialmente o texto original, com o
advento da Lei n. 13.204, de 14 de dezembro de 2015. O art. 2º não passou ileso
a essas mudanças.
De 01 de setembro a 13 de outubro de 2014 foi realizada consulta pública
eletrônica com o propósito de reunir contribuições de gestores públicos,

74
representantes da sociedade civil organizada e demais interessados para a
elaboração do Decreto regulamentador da Lei 13.019/2014. Ademais o objetivo
da consulta tenha sido a colhida de sugestões para a elaboração do decreto
regulamentador do citado marco regulatório, na oportunidade várias sugestões
de alteração da Lei n. 13.019/14 foram feitas, resultando oportunamente em um
relatório128 que dentre as recomendações colhidas teve no art. 2º um dos itens
mais comentados 129 . As definições presentes no art. 2º foram questionadas,
desde acerca da melhoria da redação até a ausência de certos corpos civis na
descrição normativa.
A respeito do inciso I, do art. 2º, que descreve o que se acredita deva ser
considerado como “organização da sociedade civil propriamente dita” está a
“entidade privada”. A redação originária do referido artigo propunha “pessoa
jurídica de direito privado”. A alteração em referência parece deixar no ar uma
dúvida: quando o marco regulatório usa o termo “entidade privada”, estaria em
verdade tratando as organizações da sociedade civil como entes pertencentes à
administração pública indireta, como faz com empresas públicas e sociedades
de economia mista? Responder afirmativamente a essa questão seria, no
mínimo, uma infelicidade, mas não há como não se fazer tão paralelo.
Ainda que somente no próximo tópico a figura da administração pública
venha a ser devidamente enfrentada, não se pode deixar sem resposta as
reflexões que inauguram o marco regulatório. Se essa norma em um segundo
momento lança mão do termo “pessoa jurídica de direito privado” para dar
preferência a “entidade privada”, essa alteração não pode passar despercebida.
Se o legislador se deu ao trabalho de se ater a tal terminologia, ela certamente
deve significar algo na lógica de implementação do MROSC.

128 Relatório disponível em:


http://www.participa.br/articles/public/0008/3550/Consulta_15dezembro.pdf. Consulta em: Jan.
2018.
129 Segundo o relatório (p. 24) fruto da audiência pública em questão, “Os artigos que tratam das

definições da própria lei e dos termos nela utilizados – ementa, artigos 1º e 2º – foram bastante
comentados justamente com problematizações ou dúvidas a respeito dessas mesmas
definições, muitas vezes apresentando situações concretas sobre como a lei incidirá na realidade
das parcerias. As 29 sugestões redigidas a respeito da Ementa, por exemplo, incluem sugestões
de melhoria de redação, dúvidas, ou mesmo sugestões sobre a lei e as parcerias em geral. O
artigo 1º, que resume e introduz a lei, e o 2º, que define seus termos, receberam respectivamente
24 e 31 sugestões”.

75
Segundo o art. 44 do Código Civil Brasileiro, são pessoas jurídicas de
direito privado, as associações, sociedades, fundações, organizações religiosas,
partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada. A
existência legal de tais entes começa, nos termos do art. 45 do CC, com a
inscrição do ato constitutivo (ata de constituição, contrato social, estatuto social,
testamento) no respectivo registro (Registro Civil das Pessoas Jurídicas),
“precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato
constitutivo”. Analisando friamente, é o que são, por essência, as filantrópicas,
nascidas de associações, sociedades de pessoas, organizações religiosas e
fundações.
A mudança que coloca em foco o termo “entidade privada” só alimenta a
dúvida. É certo que uma das questões mais polêmicas na relação entre o poder
público e as filantrópicas está na hibridez do regime jurídico no dia a dia dessas
parcerias, especialmente quando há transferência de recursos. O
comportamento do parceiro privado como executor de direitos de competência
do ente público sempre gerou uma ambiguidade que com o marco regulatório
parece restar duvidosa, ao menos no artigo ora em análise.
Falar em “entidade privada” não é o mesmo que falar em pessoa jurídica
de direito privado, mas sim em “entidade dotada de personalidade jurídica de
direito privado”130 e isso tem por si só um peso que o marco regulatório não
deveria carregar. Para o olhar mais atento, as organizações da sociedade civil
se assemelhariam às sociedades de economia mista e empresas públicas que
estão na lógica de formação da chamada “administração pública indireta”. É
certo que tais entidades contam, em sua formação, com uma estrutura que não
condiz com a própria formação131 dos entes sem fins lucrativos e imaginar que

130 É essa a terminologia utilizada pela Lei n. 13.303/16, apelidada de “Nova lei das estatais”, ao
conceituar empresas públicas e sociedades de economia mista.
131 Empresas públicas com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social

é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios,
enquanto sociedades de economia mista criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao
Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.

76
esses posam vir a fazer parte da própria administração pública, sofrendo uma
verdadeira “captura”, seria desvirtuar sua própria natureza.
Se não se pode conceber a ideia de pertencimento das filantrópicas ao
universo da administração pública, por certo absorver o “recado” do marco
regulatório em ter no termo “entidade privada”, a perspectiva de que tais entes
em não sendo pessoas jurídicas de direito privado, no que as enquadra na
classificação de “entidades públicas não estatais” que, na famigerada lição de
Luiz Carlos Bresser-Pereira seriam “organizações ou formas de controle
‘públicas’ porque estão voltadas ao interesse geral; são ‘não-estatais’ porque
não fazem parte do aparato do Estado, seja porque não utilizam servidores
públicos ou porque não coincidem com os agentes políticos tradicionais”132.
Parece se gastar muita energia com um questão que em uma leitura
superficial não mereceria qualquer consideração. Perceber as organizações da
sociedade civil como entidades privadas diz muito sobre os rumos do marco
regulatório, sinaliza para uma gestão pública democrática e mais próxima dos
administrados. Não deixa de carregar uma promessa da norma, para além das
solenidades do universo jurídico, para além de todo o peso formalista que, de
imediato, acompanha as pessoas jurídicas de direito privado.
De todo modo, no fim das contas, para a prática das parcerias reguladas
pela Lei n. 13.019/14 e ante uma interpretação sistemática da norma, o art. 34
do marco regulatório parece colocar cada coisa em seu devido lugar. Para
celebração das parcerias previstas em referida Lei, as organizações da
sociedade civil deverão apresentar, dentre outros documentos, a “certidão de
existência jurídica expedida pelo cartório de registro civil ou cópia do estatuto
registrado e de eventuais alterações ou, tratando-se de sociedade cooperativa,
certidão simplificada emitida por junta comercial” (art. 34, III). Enfim, uma
entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado.
Em verdade, o marco regulatório ainda aproveita a oportunidade para se
posicionar quanto a um aparente conflito instaurado quando do advento do
Código Civil de 2002 e a pré-existente Lei das Cooperativas (Lei n. 5.764/71)

132BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. “Entre o Estado e o Mercado: o público não-estatal”. In:


Bresser-Pereira, L.C. e Nuria Cunill Grau (orgs.). O Público Não-Estatal na Reforma do Estado.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 16.

77
quanto a quem seria o órgão apto ao registro das cooperativas – as juntas
comerciais ou o Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A lei civil
alterou o órgão competente para registro das sociedades cooperativas da Junta
Comercial para o Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 1.150 do
Código Civil) quando distinguiu as sociedades empresariais das sociedades,
enquadrando as cooperativas no rol das sociedades simples (art. 982, parágrafo
único, do Código Civil) a sociedade cooperativa é considerada sociedade
simples.
A celeuma se instaurou na medida que o Código Civil não teria revogado
a Lei das Cooperativas (Lei 5.764/71), fazendo com que a jurisprudência se
firmasse no sentido de que haveria uma especialidade da norma afeta ao
cooperativismo e, por conta disso, as cooperativas deveriam registrar seus atos
na Junta Comercial, ademais a inteligência do art. 1.093 do Código Civil ao
estabelecer que "a sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente
Capítulo, ressalvada a legislação especial".
O marco regulatório que, como se verá adiante, nas alterações
promovidas pela Lei n. 13.204/15 também veio abarcar as cooperativas sociais,
não quis alimentar as eventuais dissidências do tema e colocou verdadeira pá
de cal sobre o mesmo, firmando que a demonstração de existência das
cooperativas enquadradas como organizações da sociedade civil deverá ser
apresentado considerando o registro feito nas juntas comerciais.
Ser uma entidade privada “sem fins lucrativos”133 é a grande marca dos
entes enquadrados como organizações da sociedade civil e tão característica
não poderia ficar fora do marco regulatório. Esse é de fato seu grande trunfo. A
percepção de que uma determinada corporação se ergue para além da sanha
pelo lucro, parece alimentar toda uma legitimidade para se falar em nome de
interesses outros que não o do capital. É preciso colocar as coisas no seu devido
lugar. Nenhuma corporação vive de boas intenções. Viverão de doações,
captações de recursos, das parcerias não só com o poder público, mas também
com o mercado. A diferença está no fato de que quaisquer resultados que

A despeito da expressão “sem fins lucrativos”, adverte Bresser-Pereira (1999, p. 16) que a
133

mesma “carece de limites porque as organizações corporativas também não tem fins lucrativos,
sem que por isso sejam necessariamente públicas”.

78
obtenham venham a ser investidos em seu objeto social e não distribuídos entre
seus pares.
A princípio, o marco regulatório não quis deixar qualquer brecha, firmando
em sua redação original que sem fins lucrativos seriam aquelas pessoas jurídicas
que não distribuem134 entre “seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,
empregados ou doadores, eventuais resultados, sobras, excedentes
operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou
parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades,
e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social, de
forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de
reserva” (grifo nosso).
O “excesso” da norma em caracterizar os tipos de resultados que não
deverão ser distribuídos entre os colaboradores das filantrópicas provocou
emendas incorporadas à MP 684/15 (que, a princípio, pretendeu a prorrogação
do prazo de vacância do marco regulatório). Cite-se, por exemplo, a emenda
proposta pela Senadora Lídice da Matta (EMC 105), que sugeriu a supressão do
termo “bonificações”, tendo por justificativa o fato de que sua permanência no
texto da norma poderia impedir que organizações que concedem benefícios
variáveis a seus empregados não pudessem celebrar ajustes à luz do marco
regulatório135. Ora, as entidades sem fins lucrativos e seus colaboradores não
vivem do voluntariado como o imaginário coletivo concebe. Como já pontuado,
as filantrópicas representam hoje novas possibilidades no mercado de trabalho
e sua representatividade na economia do país é considerável.
De todo modo, o termo “bonificações” foi excluído do marco regulatório
com as substanciosas alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15, firmando-se
o entendimento de que “sem fins lucrativos” seria a entidade que “não distribua

134 De forma bastante didática, Eduardo Lemos (2016), em artigo disponível no sítio público
JusBrasil, ensina: “O valor tido como distribuição de lucros é advindo de um fechamento contábil
que irá apontar o resultado entre receitas e despesas da empresa no exercício. Se o resultado é
negativo (prejuízo) não há valor à distribuir. Se o resultado é positivo (lucro) o valor será
distribuído integral ou parcialmente aos sócios na forma combinada entre eles (acordo societário)
ou no Contrato Social”. Ainda que os entes sem fins lucrativos respeitem toda uma lógica
contábil, não haverá essa distribuição entre os sócios.
135 EMC 105/15 disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405384&filename=E
MC+105/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Jan. 2018.

79
entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados,
doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais,
brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou
parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades,
e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de
forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de
reserva” (grifamos). Acrescido o termo “isenções de qualquer natureza”, fica
clara a intenção da norma de não deixar brechas e possibilidade de
descaracterizações do núcleo de formação de tais entidades. No universo
tributário, as filantrópicas gozam de imunidades e isenções que são verdadeiros
atrativos para quem se julga na condição de “empreender”. Não é esse o espírito
das entidades privadas sem fins lucrativos.
O artigo ora objeto de análise demonstra o quão é multidisciplinar o marco
em estudo. Existe um universo contábil próprio aos entes do Terceiro Setor. É
certo que não é a missão do presente estudo adentrar nesse universo, mas é
preciso ao menos deixar claro que as organizações da sociedade civil, pelo
próprio conceito de “sem fins lucrativos”, deverão refletir em seus livros e
documentos contábeis, toda a terminologia especial que as cerca. Ademais a
estrutura contábil seja a mesma das demais sociedades empresárias,
adequações terminológicas serão utilizadas. Assim que, não há de se falar em
“Patrimônio líquido”, mas sim em “Patrimônio Social”, formado não pelo capital
social, reservas de lucros, reservas de reavaliação e lucros ou prejuízos
acumulados, mas sim, por contas com terminologias especiais, tais como:
Fundos patrimoniais – como citados pelo próprio marco regulatório; doações e
subvenções, Déficit e superávit de exercício 136.
O “fundo patrimonial ou fundo de reserva” ao qual fazem menção o art. 2º,
I da Lei n. 13.019/14, fazem parte do patrimônio social das organizações sociais
e representam a lógica de formação dos aportes feitos por seus associados ou

136 Lições absorvidas do sítio público “Portal de auditoria”, disponível em:


http://www.portaldeauditoria.com.br/tematica/contterceirosetor_caractbasicas.htm. Consulta em:
Jan. 2018.

80
subscritores (“fundo institucional”) e aqueles definidos por seus estatutos para
aplicação específica (“fundo especial”)137.
Como já se fez questão de frisar, a redação original do art. 2º do marco
regulatório levou ao questionamento de vários outros entes138 quanto a sua real
inclusão no termo “organizações da sociedade civil” e, portanto, na
impossibilidade de virem firmar as parcerias sob a ótica então implementada.
Daí ter sido sugerida a inclusão de “cooperativas de viés solidário”, de
modo a não se ver violado o comando constitucional previsto no §2º art. 174, que
determina ao Estado o apoio e estímulo ao cooperativismo e levando-se em
consideração que tais entidades cumpririam “importante missão de
fortalecimento do movimento social e contribuem com processos de superação
da miséria e afirmação da cidadania de milhares de pessoas no Brasil. Ao
contrário das cooperativas de viés empresarial capitalista, estas cooperativas
solidárias buscam o benefício dos seus integrantes e contribuem com processos
de justiça social” 139 . 140 Tal contribuição acabou sendo o retrato de inúmeras
emendas apresentadas à MPV 684/15141, havendo as mais variadas sugestões

137 Lições igualmente absorvidas pelo sítio público “Portal de auditoria”, disponível em:
http://www.portaldeauditoria.com.br/tematica/contterceirosetor_caractbasicas.htm. Consulta em:
Jan. 2018.
138 Eis o principal argumento presente nas emendas que solicitaram a alteração do conceito

prescrito no art. 2º da Lei n. 13.019/14: “O conceito de organização da sociedade civil não deve
excluir os tipos societários mais comuns nessa área, quais sejam, as associações, fundações,
organizações religiosas e cooperativas. No caso dessas últimas, há as que são voltadas para
objetos de interesse público e inclusão produtiva, cuja importância já vem sendo reconhecida
nas Leis de Diretrizes Orçamentárias da União dos últimos anos”. Ver Emenda 99/15 à MP nº
684/2015, disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405378&filename=E
MC+99/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Jan. 2018.
139 Relatório da Consulta Pública realizada pela Secretaria-Geral da Presidência da República

para a Regulamentação Colaborativa da Lei n. 13.019/2014, p. 26, disponível em:


http://www.participa.br/articles/public/0008/3550/Consulta_15dezembro.pdf. Consulta em: Jan.
2018.
140 A respeito das cooperativas de viés solidário, o relatório diz mais, acrescentando: “O objetivo

de detalhar as entidades da sociedade civil é enfrentar um problema da Lei que é a possibilidade


de incorporação das cooperativas na vedação legal. Ocorre que muitas cooperativas, além de
não possuírem finalidades lucrativas, são essenciais no desenvolvimento de muitas políticas
públicas, especialmente no campo da coleta seletiva de materiais recicláveis e da economia
solidária” (p. 26).
141 Íntegra da Emenda disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405433&filename=E
MC+152/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Jan. 2018.

81
de redação para o art. 2º, por parte de nossos senadores e deputados
federais142143.
Dentre todas as proposições sugeridas, o legislador foi prudente,
atentando-se por referenciar a Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999, que
dispôs acerca da criação e funcionamento das “cooperativas sociais”, que
incluem entre suas atividades a organização e gestão de serviços
sociossanitários e educativos, bem como o desenvolvimento de atividades
agrícolas, industriais, comerciais e de serviços (art. 1º, I e II Lei n. 9.867/1999).
Essa opção dá o tom do que se pretende com o marco regulatório. A norma em
questão privilegia a participação social, a inserção dos movimentos sociais que
abracem causas que protejam ou promovam a inclusão das pessoas em situação
de vulnerabilidade. Esse é o discurso.
As sucessivas emendas144 que propuseram alteração do art. 2º do marco
regulatório trataram de sugerir uma redação que reconhecesse a peculiaridade
do regime de distribuição das denominadas “sobras” dentro do regime das
cooperativas145. Segundo o art. 4º da Lei das Cooperativas (Lei n. 5.764/71), as

142 Cite-se como exemplo, a proposta de emenda n. 28, apresentada pelo deputado federal
Marcus Pestana que sugeriu a introdução de um parágrafo ao art. 2º, de modo a fazer constar:
“§1º Para fins desta Lei, também se consideram organizações da sociedade civil as cooperativas:
I – sociais, na forma da Lei 9.867, de 10 de novembro de 1999; II- voltadas diretamente às
atividades de coleta e processamento de material reciclável, desde que integradas por pessoas
em situação de risco social, na forma do regulamento; III – voltadas diretamente às atividades
de extrativismo, manejo de florestas de baixo impacto, pesca e agricultura de pequeno porte
realizadas por povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares, desde que integradas
por pessoas em situação de risco social, na forma do regulamento; IV – integradas por pessoas
em situação de vulnerabilidade social, risco pessoal e social, violação de direitos ou diretamente
alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e geração de trabalho e renda, nos
casos em que ficar demonstrado o interesse público, na forma do regulamento; §2º Não se aplica
a vedação de distribuição de sobras, prevista no inciso I do caput às cooperativas de que trata o
§1º, que se regerão pelas suas normas próprias”.
143 A Emenda n. 152/15, de autoria do deputado federal Osmar Serraglio, em especial, sugere a

inclusão das “cooperativas em geral” na definição de organizações da sociedade civil,


apresentando exemplos de cooperativas que não se encaixariam na perspectiva de
“cooperativas sociais” como sugerido pela maior parte das emendas propostas, mas que já
contribuiriam de forma excepcional para a realização do bem comum em convênios
anteriormente firmados. Como se verá, não foi o tom adotado pelo marco regulatório.
144 Citem-se: EMC 42, 74, 77, 99, 130, disponíveis em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas;jsessionid=4031DE0A9BF1056D62
B44D4C6B71B644.proposicoesWebExterno2?idProposicao=1594436&subst=0. Consulta em:
Jan. 2018.
145 EMC 99/15: “§ 1º Consideram-se também organizações da sociedade civil as cooperativas: I

- que aplicam, após eventual distribuição de sobras, os resultados líquidos, apurados no exercício
financeiro em suas finalidades sociais. (...) Não se aplica a vedação de distribuição de sobras,
prevista no inciso I do caput deste artigo, às cooperativas de que trata o § 1º, que se regerão

82
cooperativas tem por características, o “retorno das sobras líquidas do exercício,
proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação
em contrário da Assembléia Geral”. Esse sistema de “sobras” induz um
conhecimento acerca dos desdobramento das atividades cooperativas (“atos
cooperativos” – art. 79 da Lei n. 5.764/71) e deve reforçar a lógica de que
cooperativa é constituída com um fim específico, qual seja, prestar serviços para
seus cooperados. Muito embora seja admitida a realização de operações com
terceiros não-cooperados, os frutos deste “desvio consentido de finalidade”
devem ser revertidos em favor dos fins cooperativistas 146. Essa seria a única
conclusão possível quanto mais tendo em vista a polêmica causada pelo advento
do art. 1.094, VII, do Código Civil vigente147.
O marco regulatório insiste no termo “sobras” tanto na redação original do
art. 2º quanto na alteração trazida pela redação vigente do art. 2º, I148. Ademais
tratar-se das cooperativas no inciso II, do art. 2º, não há como se admitir, sob
pena de se incorrer em ofensa aos primados do cooperativismo, acerca da mera
distribuição de resultados (conforme admitido pelo art. 1094, VII do CC).
Imaginar tal dinâmica seria compactuar com um desvirtuamento dos próprios fins
das cooperativas.
Por fim, em termos de quem seriam as organizações da sociedade civil
para o marco regulatório, faz-se menção ao conteúdo das justificativas postas
nas emendas propostas à MPV 684/15, a título de não se deixar de fora
organizações religiosas que, como já restou evidenciado, possui grande

pelas suas normas próprias. § 3º As sobras de que trata inciso I do caput deste artigo não se
confundem com os eventuais saldos remanescentes das parcerias.
146 ALMEIDA, Hugo Netto Natrielli de. “Tratamento adequado para atos das sociedades

cooperativas”. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2006-mar-


20/tratamento_adequado_atos_sociedades_cooperativas?pagina=3. Consulta em: Jan. 2018.
147 Artigo 1.094 — São características da sociedade cooperativa:

(...)
VII — distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo
sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado”. (grifamos)
148 A lógica das sobras permanece na redação do art. 2º da Lei n. 13.019/14, ademais

argumentos presentes nas emendas à MP 684/15, no sentido de que “sugere-se retirar a


vedação da distribuição de sobras previstas na atual redação trazida pela Lei 13.019/14, para
autorizar que as cooperativas sociais, de reciclagem de resíduos sólidos, de extrativismo e
integradas por pessoas em situação de vulnerabilidade social, risco pessoal e social, possam
também celebrar parcerias com o Estado Brasileiro, nos termos do novo marco regulatório das
organizações da sociedade civil” (EMC 42/15).

83
representatividade no universo das filantrópicas. A proposta teve o cuidado de
reforçar que o âmbito de abrangência das organizações religiosas é o de
dedicação ao interesse público, excluídas atividades relacionadas destinadas a
culto ou celebrações de cunho exclusivamente religioso149.
Na alteração do art. 2º pela Lei n. 13.204/15 insiste-se na sugestão de se
excluir da estrutura legal as organizações religiosas cujas atividades e estruturas
físicas sejam relacionadas ou destinadas a culto ou a celebração de cunho
exclusivamente religioso. Decerto que a redação da norma reforça a única
conclusão possível, no sentido de que seria incompatível no relacionamento das
entidades religiosas com o poder público, laico por excelência, atividades de
conotação exclusivamente religiosa.
Traçado o panorama de quem seriam as organizações da sociedade civil
segundo a Lei n. 13.019/14, reflete-se acerca de quem seriam as instituições
com capacidade para figurar como parte no aparato contratual desenhado pelo
marco regulatório. A nosso ver, incorreto afirmar que as organizações da
sociedade civil estariam no polo passivo da ação, ainda que o ato de sua escolha
caiba ao poder público. Não é, como se verá, a receptividade que se espera de
todo o aparato concatenado pela norma em estudo. Pretende-se a abertura de
uma “nova onda” nas contratações público-privadas. Não basta o discurso dos
interesse recíprocos, convergentes, insistindo-se o parceiro público em uma
postura verticalizada. Parceiro público e parceiro privado deverão ser ao mesmo
tempo sujeito ativo e sujeito passivo na lógica das parcerias, reconhecendo-se o
peso sinalagmático de suas obrigações.
De todo modo já seria possível, ante todas as reflexões até aqui
elaboradas, tecer algumas considerações acerca das organizações da
sociedade civil serem parte ou não daquilo que se denomina “Terceiro Setor”.
Não há como negar que existe um esforço e até mesmo um compromisso da

149 É o conteúdo da Emenda 106 à MP 684/15, donde se tem: “§ 2º São também organizações
da sociedade civil incluídas no âmbito desta lei as organizações religiosas que se dedicam a
atividades de interesse público. § 3º Estão excluídas do âmbito de abrangência desta lei as
parcerias com organizações religiosas, de que trata o §2º, atividades e estruturas físicas
relacionadas ou destinadas a culto ou a celebrações de cunho exclusivamente religioso”. Íntegra
da emenda disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405385&filename=E
MC+106/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Jan. 2018.

84
Administração Pública Federal de internalizar a terminologia “Organizações da
Sociedade Civil”, no que cite-se ainda, a apresentação geral feita pela Secretaria
Geral da Presidência da República quando da promulgação do “Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”150 que, de maneira bastante
oportuna, fala mais sobre a necessidade de reconhecimento de citado marco do
que propriamente sobre questões afetas a terminologia dessas organizações.
Assim que o marco regulatório em referência tem por missão o
aperfeiçoamento do “ambiente jurídico e institucional relacionado às
organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado”151.
O documento reforça a “agenda” de tal aparato legislativo, afirmando a busca
por segurança jurídica, a valorização das organizações da sociedade civil, a
transparência na aplicação de recursos e a efetividade nas parcerias. A todo
custo, parece haver uma singela tendência de não se atrelar o marco regulatório
objeto desta tese, ao peso histórico do termo “Terceiro Setor”.
Acredita-se, concordando com as reflexões de Gustavo Justino de
Oliveira que, com a Lei n. 13.019/14, o Terceiro Setor passa, em verdade, por
um reposicionamento institucional, “para a reconquista da credibilidade das
organizações da sociedade civil, de modo a retomar o espaço de inter-relação
dos atores sociais, no qual o Poder Público e a iniciativa privada, em conjunto
com os cidadãos, por meio da participação popular, possam concentrar esforços
na efetivação dos direitos sociais e promoção de políticas públicas, com o
aperfeiçoamento do Estado Democrático no atual cenário político-jurídico”152.
Em uma atualidade marcada por crises (financeiras, econômicas,
institucionais e até mesmo uma crise de confiança) não só o Terceiro Setor terá
de se reinventar. O Estado brasileiro como parceiro também não tem sido um

150 Oficialmente, fala-se em “Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”,


terminologia que deixamos de lado, optando pela popular “Marco Regulatório do Terceiro Setor”.
Documento disponível em: http://www.secretariageral.gov.br/noticias/2014/setembro/marco-
regulatorio-das-organizacoes-da-sociedade-civil/ppt-lei-13019-apresentacao-padrao-2.pdf.
Consulta em Nov. 2016.
151 Documento disponível em: http://www.secretariageral.gov.br/noticias/2014/setembro/marco-

regulatorio-das-organizacoes-da-sociedade-civil/ppt-lei-13019-apresentacao-padrao-2.pdf.
Consulta em Nov. 2016.
152 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. In: “Terceiro Setor e o Governo Temer: quais os rumos do

Terceiro Setor em um cenário de instabilidade política e de combate à corrupção?” Disponível


em: file:///D:/Downloads/Artigo_Terceiro_Setor_e_o_Governo_Temer_jun2017.pdf. Consulta
em: Jan. 2018.

85
bom exemplo de gestão e postura. A própria sociedade brasileira, tão apática e
incapaz de se reconhecer como espelho de suas instituições precisa chamar
para si sua responsabilidade na construção de uma participação democrática
concreta. Cabe um compromisso geral compactuado com os ditames do marco
regulatório.
A título de considerações finais a respeito deste tópico, por certo refletir
acerca dos reais propósitos do marco regulatório ao imprimir à lógica das
parcerias uma terminologia própria. A princípio, os conceitos trazidos pelo artigo
ora analisado, reforçam realidades já concretizadas há tempos na dinâmica de
realização de ajustes que contemplam fins de interesse público. O que a norma
parece ter como norte, em um primeiro olhar, é uma simplificação na percepção
de quem seria o parceiro privado, o que foi imediatamente celebrado por aqueles
que vivem o dia a dia dessas parcerias.
Assim que, todas as entidades organizadas em conformidade com as
alíneas do art. 2º, I da Lei n. 13.019/14, de modo a participarem da lógica
contratual trazida pela norma (termo de colaboração, termo de fomento e acordo
de cooperação), não se encontram obrigadas a buscar a devida qualificação,
como acontece, com visto, com as OSCIP ou OS’s. Certamente instaura-se o
marco regulatório como verdadeiro instrumento de “desburocratização” ou
mesmo quiçá, por uma “nova burocratização”, o que somente o aprofundamento
maior no universo normativo nos fará capaz de concluir.
No mais, definido neste tópico um dos polos das parcerias objeto da Lei
n. 13.019/14, por certo reconhecer a outra ponta do liame da dinâmica que
pretende o fortalecimento da sociedade civil e a instauração de uma nova lógica
de realização dos fins de interesse público.

1.2 O ESTADO COMO PARCEIRO

Contratualmente falando, o Estado brasileiro não é um parceiro


“atraente”. Será preciso lidar com essa máxima desde logo. Essa conclusão é
natural, tendo-se em vista que toda a lógica contratual pressupõe seus

86
fundamentos firmados na boa-fé objetiva153, na legítima expectativa e na busca
pelo pleno adimplemento. Sob esta perspectiva, o Estado brasileiro deixa a
desejar. Como muito bem pontuado por Felipe Boselli, “a inexequibilidade dos
contratos administrativos é um problema frequentemente enfrentado pelos
particulares que buscam contratações com o Poder Público”154, obrigando-os a
levar ao Judiciário tal contenda, de modo a ver reconhecido seu direito ao
adimplemento contratual.
Estar de igual para igual em uma relação contratual sinalagmática, não
seria uma opção ao ente estatal, que, confortavelmente, se encontra balizado
por detrás dos principais dogmas de seu regime jurídico especialíssimo, dos
quais também não abrem mão nossos tribunais, não se mostrando abertos a
qualquer inovação que venha colocar a prova a noção de superioridade do
interesse público155.
A boa fé objetiva, a lealdade, a confiança são parâmetros que parecem
não estar endereçados ao Estado em sua relação com os particulares, ademais
experimentar-se um claro movimento de influência do direito privado sob o direito
público156. Nesta onda, a noção de pleno inadimplemento, significa não só o
dever de prestar, mas também a subserviência aos ditos “deveres contratuais
anexos”, no sentido de que as partes se portem de tal modo, que os negócios
jurídicos firmados se concretizem em respeito aos princípios da informação,

153 Na impecável lição de Judith Martins Costa (1995, p. 121), apreenda-se: “A expressão boa-fé
objetiva se desprende da pesquisa de intencionalidade da parte, de nada importando, para a
aplicação do princípio, a sua consciência individual no sentido de não estar lesionando direito de
outrem ou violando regra jurídica. O que importa é a consideração de um padrão objetivo de
conduta, verificável em certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo momento
histórico” (grifo no original).
154 BOSELLI, Felipe. A inadimplência no pagamento dos contratos administrativos. Florianópolis:

S. ed., 2010, p. 67.


155 Anote-se a pontual lição de Maria Adelaide de Campos França (2010, p. 169), nos seguintes

termos: “Não obstante a preocupação dos estudiosos, nossos tribunais não têm aceito qualquer
inovação que possa, de alguma forma, abalar a noção de superioridade do interesse público, o
que vem permitindo, lamentavelmente, a perpetuação de situações arbitrárias e abusivas
impostas pela Administração Pública e por seus agentes”.
156 Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a forte influência de institutos do direito privado sobre

o direito público tem a ver com a influência do sistema de common law no direito brasileiro, que
rejeita a sujeição dos contratos da Administração ao regime de direito público (DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. “Existe um novo Direito Administrativo?”. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella;
RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (coord.). Supremacia do interesse público e outros temas
relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 1-9.

87
lealdade e respeito157. Tal perspectiva parece estar muito além da “consciência”
estatal. O princípio da dignidade humana e a percepção de que as partes
realizam contratos e assumem obrigações não só a fim de atender
necessidades, mas sim de modo a realizar sonhos são parâmetros que não
podem ser ignorados no apelo por um Estado parceiro. O Estado brasileiro,
apesar de reconhecer que precisa se reciclar e ademais a doutrina de peso
assim apontar158, ainda engatinha no enfrentamento dessas perspectivas159. O
marco regulatório em estudo, como se verá, apresenta-se cheio de elementos
que representam um passo a ser dado nesse caminho.
Há, acima de tudo, de se enfrentar a realidade de que, não bastasse esse
Estado estar longe de ser um parceiro ideal (o que afugenta novos parceiros), o
mesmo não consegue se manter um parceiro interessante ao longo das
contratações que firma. Por conta do próprio desenvolvimento dos paradigmas
centrais que circundam o Direito Administrativo, a ideia pré-concebida da
supremacia do interesse público e de um regime jurídico que não deixa de
alimentar privilégios em nome do “interesse público”, contratar com o Estado é
um ato de resistência.
Em excepcional ensinamento, leciona Daniel Sarmento:

O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, ao


afirmar a superioridade a priori de um dos bens em jogo sobre o outro,
elimina qualquer possibilidade de sopesamento, premiando de
antemão, com a vitória completa e cabal, o interesse público envolvido,
independentemente das nuances do caso concreto, e impondo o
consequente sacrifício do interesse privado contraposto 160.

157 CHAVES Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Obrigações, 11ª ed. Vol. 2.
Salvador: Editora JusPodium, 2017.
158 Cite-se Alexandre Santos Aragão, Daniel Sarmento e Gustavo Binembojm, em

incomensuráveis contribuições sobre o tema quando das reflexões pontuadas na obra


“Interesses públicos versus interesses privados: descontruindo o princípio da supremacia do
interesse público”, de organização de Daniel Sarmento (2010).
159 Nesta insurgências, digna de nota as reflexões de Maria João Estorninho (1996, p. 35), no

sentido de: “Ao longo dos tempos a Administração Pública acabou muitas vezes por passar de
uma fuga que se poderia dizer quase ‘inocente’ a uma fuga ‘consciente e perversa’ para o direito
privado (...) hoje existe o perigo de a Administração através de uma fuga para o direito privado,
se libertar de suas vinculações jurídico-públicas”.
160 SARMENTO, Daniel. “Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria

e da Filosofia Constitucional.”. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses Públicos versus


Privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010, pp 23-117.

88
Superar essas premissas é um dos desafios para a compreensão de que
Estado estamos falando em termos de marco regulatório das organizações da
sociedade civil. A percepção mais basilar do conceito de “parceria”, impõe a
lógica da horizontalidade e não da verticalidade ainda tão presente nas relações
estatais. Seria a concretização, como propôs Humberto Ávila, da substituição do
princípio da supremacia por um “postulado de reciprocidade”161.
Em cenários de crise institucional como se experimenta no Brasil da
atualidade, a situação é ainda mais delicada. O Estado brasileiro parece incapaz
de cumprir com suas obrigações contratuais em termos financeiros,
escondendo-se por detrás de cláusulas exorbitantes e motivos que exaltam sua
superioridade e não o mote da cooperação e de comportamentos alimentados
pela boa fé objetiva.
Verificando toda a evolução da figura do Estado, sob a qual se pretende
debruçar neste tópico, pretende-se traçar um panorama no sentido de apontar
para o fato de que o Estado brasileiro terá de se preparar para enfrentar uma
infinidade de questões as quais seus institutos fundantes e seus paradigmas
mais arraigados não serão capazes de acompanhar. É necessário, portanto,
reconhecer que, cronologicamente, experimenta-se um descompasso entre o
que se espera do Estado como instituição e do Estado como parceiro, em
especial, ao que se refere a seu relacionamento com os seus administrados,
interferindo seriamente em seus níveis de confiança.
O marco regulatório objeto deste estudo (Lei 13.019/14) inova 162 , na
medida que cria novas formas de relacionamento com os entes públicos (termo
de colaboração, termo de fomento e acordo de cooperação), exatamente na
tentativa de estabelecer uma nova dinâmica relacional, com a construção da
devida segurança jurídica entre os envolvidos. Insiste em diversas oportunidades
na necessidade de “mútua cooperação”, abraça a moralidade163 como viés na

161 ÁVILA, Humberto. “Repensando o Princípio da supremacia do Interesse Público”. In:


SARMENTO, Daniel (org.). Interesses Públicos versus Privados: desconstruindo o princípio da
supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp 173-217.
162 “Inova”, ao menos em termos metodológicos, vez que não se pode deixar de lado, como já

pontuamos nos tópicos anteriores, os “contratos de gestão” e os “termos de parceria” trazidos,


respectivamente, pela Lei n. 9. 637/1998 e pela Lei n. 9.790/99.
163 É a redação dada pelo artigo 5o da Lei n. 13.019/14, com redação dada pela Lei n. 13.204/15,

em sendo: “O regime jurídico de que trata esta Lei tem como fundamentos a gestão pública

89
percepção de uma boa fé objetiva e busca a construção da confiança,
institucionalizando a transparência (compliance) 164 e a plena prestação de
contas (accountability)165. Aprofundamentos a respeito dessas temáticas serão
feitas no terceiro capítulo desta tese.
Nestes termos, feitas essas reflexões preliminares e tendo nos debruçado
na missão de caracterizar a figura das Organizações da Sociedade Civil (OSCs),
chegada a hora de esmiuçar o outro lado dessa relação.
Como reiteradamente firmado, as entidades do Terceiro Setor articulam-
se entre o Mercado e Estado, fazendo das parcerias com tais entes uma
bandeira em prol do coletivo e o impulso necessário para a realização de suas
agendas. Por meio de contratos e convênios (terminologia a ser enfrentada
adiante), constroem sua expertise e se colocam como imprescindíveis à
dinâmica de uma sociedade de demandas tão urgentes. Colocam-se à
disposição do mercado em nome da construção de sua “responsabilidade social”
e do Estado, frente a suas incapacidades, como os verdadeiros portadores da
“boa” gestão. Neste momento e em nome do objeto da presente tese, interessa-

democrática, a participação social, o fortalecimento da sociedade civil, a transparência na


aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade,
da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia, destinando-se a
assegurar (...) (grifo nosso)
164 São diversos os dispositivos do marco regulatório que dizem respeito à transparência. Não

podia ser diferente. Há no Brasil uma onda de moralidade após sucessivos casos de corrupção
que assolam todas as esferas de poder e, inclusive, as parcerias realizadas por entes públicos e
entidades sem fins lucrativos. Nos primeiros meses do corrente ano, o Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro expediu uma recomendação ao Município do Rio de Janeiro para que
o mesmo suspendesse novas contratações com Organizações Sociais (OS’s) na área de saúde.
A principal linha argumentativa de citado documento sugere que a Secretaria Municipal de Saúde
deva promover, antes de tudo, uma reestruturação interna, de modo a ser capaz de realizar uma
fiscalização eficaz dos contratos de gestão firmados com tais entes. A recomendação se alicerça
nos sucessivos casos de corrupção capitaneados por OS’s, com o desvio de pelo menos
quarenta e oito milhões em recursos públicos. Na oportunidade, em um dossiê apresentado pelo
Jornal O Globo, dez das Organizações Sociais responsáveis pela gestão de unidades de saúde
no Município do Rio de Janeiro, oito estariam sob investigação. Na esfera federal, os
descredenciamentos de ONG’s, OS’s e OSCIP vem crescendo exponencialmente. Foram 71
OSCIP e outras 635 instituições caracterizadas como Utilidade Pública Federal (UFP) somente
em 2013 (Notícia disponível em: http://leiamais.ba/2014/02/03/brasil-investiga-fecha-mais-de-
700-ongs-por-fraudes-ou-corrupcao). Foram inúmeras Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI), que receberam a denominação de “CPI das ONGs”, com pouco ou nenhum resultado
concreto, apenas a dúvida acerca da verdadeira “captura” de ONGs, OS’s e OSCIP na estrutura
de contratação federal e o verdadeiro conluio entre seus dirigentes e os gestores públicos. É por
conta disso que o marco regulatório é tão insistente e cauteloso no sentido de ver ao menos
regulamentada essas relações.
165 O marco regulatório em estudo dispensa à prestação de contas um capítulo inteiro (Capítulo

IV – art.63 a 72) afora diversos outros artigos dos quais toda a lógica das parcerias dependerão.

90
nos, logicamente, as parcerias que realiza com o Primeiro Setor (Estado), objeto
de regulação por parte da Lei n. 13.019/14.
Reconhece-se, na evolução do cenário estatal brasileiro, que não
faltariam motivos para essa regulação. Houve um verdadeiro boom de
contratações firmadas desde a década de 90, cenário esse já descrito quando
verificado o panorama de desenvolvimento das ONGs e que merecerá maior
aprofundamento nas linhas seguintes. Desde então, os entes que contratam com
o poder público buscam seu lugar ao sol e mais certezas do que surpresas no
cumprimento de suas obrigações.
Assim que, nesta oportunidade, pretende-se traçar o perfil do Estado
brasileiro como parceiro, o que nos leva a reflexões acerca de sua evolução e
as mutações que desaguaram na perspectiva de um Estado delegante,
consensual, gerencial, que cede, não a responsabilidade e a titularidade sobre
os direitos que tem o dever de concretizar, mas sim, sua gestão. Mais
especificamente, interessa ao correto desenvolvimento desta tese, o
desabrochar da Administração Pública, que é a terminologia utilizada pelo marco
regulatório.
É o caminho a ser trilhado na sequência.

1.2.1 O ESTADO EM CONSTANTE MUTAÇÃO

O Estado, já há algum tempo tem buscado, com a colaboração do setor


privado, o resgate de competências nas quais tem recorridamente fracassado.
Os ajustes com os entes do Terceiro Setor ocorrem em todas as frentes, em
projetos afetos à saúde, educação, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia.
As Organizações da Sociedade Civil, apresentando-se como verdadeiras
portadoras de um projeto desenvolvimentista exemplar, justificadas pelo
misericordioso discurso do “bem comum”, dão o tom de que seriam as parceiras
ideais, ou melhor, as mais naturais. No mundo ideal, de fato, o Terceiro Setor se
apresenta ao Estado como o parceiro ideal. No dia a dia dessas contratações,

91
as fragilidades tanto do parceiro público quanto do parceiro privado se tornam
expostas166.
Não interessa aos propósitos deste estudo uma exposição acerca das
teorias de formação do Estado. Interessa um breve olhar sobre sua evolução, de
um Estado centralizador para um Estado Gerencial e nesse panorama geral,
pergunta-se: Que Estado é esse que se reconhece incapaz no exercício de suas
competências e prefere se colocar como verdadeiro gerente de suas próprias
demandas? Que Estado é esse que, natural e confortavelmente, busca parceiros
que possuam um discurso convergente a seus interesses? Que Estado é esse
que, muito além da figura do “pai”, é “administrador” das necessidades e
escolhas públicas? Que estrutura de Estado é essa, a qual convém delegar
serviços que lhes são tão caros ao invés de diretamente prestá-los? É o que aqui
se espera ver retratado.
Alexis de Tocqueville, em seu excepcional “Democracia na América”,
lançado em 1835, parecia vislumbrar o caminho pelo qual o Estado
necessariamente teria de se conduzir, de modo a não sofrer um esvaziamento,
tendo afirmado: “um poder central, por mais que se possa imaginá-lo civil e sábio,
não pode abranger sozinho todos os detalhes da vida de um grande povo, não
pode, porque um trabalho assim supera as forças humanas. Quando quer criar
e fazer funcionar, apenas com as suas forças, tantos elementos diferentes, ou
contenta-se com um resultado muito incompleto, ou esgota-se em esforços
inúteis”167. É o ponto para o qual todas as reflexões deste tópico irão convergir.
Primeiramente, há de se reconhecer que a primeira forma do Estado
moderno é o Estado absoluto, central. Aqui, o poder ainda se encontra com a
aristocracia, mas aliada à burguesia, burguesia esta que não representa mera
fonte de poder, mas também as elites profissionais, passando a demandar a
garantia dos direitos civis. Nessa perspectiva, desabrocham os primeiros traços

166 Essa afirmativa se dá em razão não só dos anos de consultoria jurídica junto a organizações
sociais no Estado de Minas Gerais, mas também como fruto de pesquisa empírica realizada
quando da defesa de dissertação junto ao PPGSD/UFF, intitulada: “O privado enquanto público:
dilemas e dificuldades das parcerias públicas com a sociedade civil na área da saúde” e fruto da
obra “A sociedade civil ‘qualificada’ e as parcerias na área de saúde.
167 TOCQUEVILLE. Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Coleção Folha de São

Paulo, 2010, p. 353.

92
do Estado liberal, garantidor desses direitos, garantia pautada em uma conduta
absenteísta, avessa a qualquer tipo de intervenção.
A premissa maior no Estado Liberal de Direito sugere uma postura
negativa, um non facere. Fundado nos direitos de liberdade, propriedade e de
participação política, o Estado ausente, até mesmo indiferente, é que garantiria
as liberdades individuais. Tal sistemática fazia toda a lógica diante das
arbitrariedades estatais tão presentes no Estado Absoluto, que desconhecia
conceitos tais como o de Direitos Fundamentais.
Voltado à limitação do poder em favor das liberdades individuais, o Estado
liberal concedia à iniciativa privada toda a liberdade negocial, ficando a seu cargo
poucas atividades, ligadas à segurança, tributação e relações exteriores. Nessa
linha, sob pena de se caracterizar ofensa a essa, digamos, “ordem natural”, a
Administração correspondia à burocracia guardiã, patrimonialista, encarregada
de tarefas clássicas de segurança pública, defesa externa e distribuição de
justiça168.
Com esse afastamento estratégico do Estado, experimenta-se a
incapacidade do mercado de autocontrolar-se, provocando perdas sociais que
esse próprio mercado não conseguiu absorver. Surgem desigualdades que não
puderam mais ser dirimidas e suportadas pela sociedade. O senso coletivo
floresce e o Estado se faz presente efetivamente, no que se chamou de Estado
Social. Migra-se da concepção de uma prestação estatal negativa para uma
prestação positiva (facere).
O Estado Social ou também conhecido como Estado do Bem-Estar Social
(Welfare State) surgiu à medida que o Estado se desprendia do controle burguês
de classe. Deste enfraquecimento, surge o que Lorenz Von Stein chamou de “O
Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de
conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital 169 ”. O
público passa a prevalecer sobre o privado, estando o Estado no comando do
interesse coletivo. A retomada da gestão direta da ordem social e econômica

168 NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na constituição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981, p. 2.
169 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado Social. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p.

181.

93
tornou-se imperativo essencial à correção dos efeitos disfuncionais de um
desenvolvimento social e econômico não controlado, estruturando a sociedade
através de medidas diretas ou indiretas170.
De fato, o surgimento do Estado Social, sem se dissociar do ideal de
liberdade conquistado pelo Estado Liberal, vem reafirmar um paradigma: o da
igualdade. Reconheceu-se, portanto, a degradação do coletivo em prol do
indivíduo, pretendendo-se o resgate dos anseios das massas.
O Estado, na medida que chama para si a responsabilidade por todas as
mazelas sociais, passa a agir ativamente, o que acaba por deixar também uma
marca: a dependência. Espera-se tudo do Estado. Resta assim, a perfeita
caracterização da figura do Estado como o “pai”, aquele que controla, alimenta,
regula, quem estende a mão, quem pode tirar. Nada mais parece poder ser feito,
se não for com a concordância e “benção” desse Estado.
Paulo Bonavides brilhantemente descreve esse quadro quando pontifica
que, “O Estado Social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista,
que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais,
onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se
acha, perante fatores alheios a sua vontade, de prover certas necessidades
existenciais mínimas”171.
Esse processo evolutivo também teve seu preço. O aumento da demanda
social sobre o Poder Público forçou o crescimento do aparato administrativo, com
o incremento do número de empresas estatais, escancarando o mau
gerenciamento administrativo que acabou por conduzir ao aumento no déficit
público. Uma lista cada vez maior de necessidades sociais sem o
correspondente incentivo ao investimento eficaz, o crescimento do setor público
e a corrupção inerente ao sistema administrativo corroboraram para o colapso
do sistema172.

170 GARCIA PELAYO, Manuel. Las transformaciones Del Estado contemporâneo. Madrid:
Alianza Universidad, 1980, p. 21-23.
171 Ob. Cit. p. 196.
172 MUÑOZ, Jaime Rodrigues-Arana. Reflections on the reform and modernization of the public

administration. Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, Millano, Dott. A. Giuffré, n. 2, p. 522, apr/giu.
1996.

94
Como não poderia deixar de ser, o abalo nas estruturas do Estado do
Bem-Estar Social levaram a uma reviravolta que interessa particularmente ao
presente estudo. Passa-se à “renovação de uma modalidade de proteção que,
agora, sob a rubrica de pluralismo de bem-estar (Welfare pluralism) ou bem estar
misto vem se colocando como uma alternativa às políticas sociais do Welfare
State173”.
O Welfare Mix (denominado tanto de pluralismo de bem-estar quanto de
bem-estar misto) parte do pressuposto da divisão de responsabilidades entre
Estado, sociedade civil e mercado, onde se opera a divisão de tarefas. O Estado
não é mais o principal responsável pela proteção social, havendo o
compartilhamento entre setores não governamentais.
Nessas bases, onde se orbita entre dois extremos, entre uma sociedade
onde o indivíduo parece gozar do mais puro ‘livre arbítrio’ e outro em que suas
mãos se encontram atadas, nasce uma nova realidade: a busca pelo
fortalecimento desta sociedade, provocando sua independência e a sua
responsabilidade perante o todo.
Nesse prisma, reconhecendo a influência do abandono do paradigma do
Estado do Bem-Estar Social e as novas perspectivas apresentadas pelo
chamado Welfare Mix, por oportuno reconhecer o uso de novas terminologias
que levam ao reconhecimento de um Estado dito “Subsidiário”.
De fato, essa é uma terminologia bastante recorrente nas obras que
tratam da mutação e evolução da figura do Estado. O Estado Subsidiário
caracteriza-se por uma gestão pública indireta, executada por terceiros sob a
fiscalização do Estado, sendo os particulares seus principais atores, em imediata
colaboração com o Estado, em cumprimento do bem-estar geral. É, portanto, o
cenário e a essência das parcerias objeto desta tese.
Em impecável reflexão acerca do Estado Subsidiário, Rachel Melo Urbano
de Carvalho (2008), atenta para o fato de que o Estado Subsidiário conserva a
noção de cidadania social, que não pode ser vista apenas pela via da liberdade

PEREIRA, Potyara A. P. A questão social e as transformações das políticas sociais: respostas


173

do Estado e da sociedade civil. Ser Social e Serviço Social. Revista do Programa de Pós-
Graduação em Política Social da Unb, n.6, jan/jun, 2000, p. 119-132.

95
de participação política pela sociedade, “mas implica zelo estatal pelos direitos
individuais, políticos e sociais dos integrantes da comunidade. Torna-se
instrumento adequado para correção do déficit democrático, mediante
investimentos sociais, de modo a preparar o indivíduo a tornar-se corresponsável
pelos negócios públicos”174. É como se os articuladores da Lei n.13.019/14 não
tivessem lido outra coisa, a começar pelo reconhecimento da participação social
como direito do cidadão (art. 5º, I).
Nesse panorama ganham destaque terminologias tais quais “Estado
fomentador”, “negocial”, “gerencial”, “financiador” que vai em busca de parcerias
para realizar de forma efetiva suas competências públicas. Pedro Gonçalves
pontua com extrema clareza três momentos essenciais do processo de
transformação do Estado contemporâneo: “(i) a cooperação mais ou menos
sistemática e a conjugação ordenada dos papéis de actores públicos e privados
no desenvolvimento das tradicionais finalidades do Estado Social e de Serviço
Público; (ii) Sob o mote de uma ‘modernização administrativa’, um complexo
processo de ‘empresarialização’ que, por vezes, passa pela ‘privatização das
formas organizativas da Administração Pública’; (iii) A promoção de mecanismos
de envolvimento e de participação de particulares ‘interessados’ na gestão de
um largo leque de incumbências públicas”175.
É, de fato, sob a noção desse Estado financiador, que floresceram as
parcerias com o Terceiro Setor, e onde se valoriza a concepção de fomento, que
nas palavras de Gaspar Ariño Ortiz, se caracterizaria como a atividade de
estímulo e pressão, realizada de modo não coativo, sobre os cidadãos e grupos
sociais, para imprimir um determinado sentido a suas atuações. Para o autor,
por meio de subvenções, isenções fiscais e créditos, o Estado não obriga nem
impõe; oferece e necessita de colaboração do particular para que a atividade
fomentada seja levada a cabo176.

174 CARVALHO, Rachel Melo Urbano. Curso de Direito Administrativo – Parte Geral, Intervenção
do Estado e Estrutura da Administração. Salvador: Jus Podium, 2008. p. 204.
175 GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos. Coimbra: Almedina, 2005.

p. 13-14.
176 ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho publico econômico: modelos de Estado, géstion

pública, regulación econômica. Granada: Comares, 1999, p. 290.

96
A essa vista, há de se compreender a lógica de evolução da figura estatal,
como sendo um passo para o reconhecimento dos desdobramentos de sua
estrutura. Assim que, determinado modelo de Estado vai ditar qual o papel a ser
desempenhado por sua própria “Administração Pública”177 que o representará
com seu “corpo estrutural”178, para além de sua abstratividade. Nesses termos,
tendo-se um Estado que desempenha por si mesmo suas competências, ter-se-
á uma Administração Pública maior (Estado Social). Por outro lado, se tenho um
Estado Subsidiário, tenho um redimensionamento das atividades que
efetivamente serão prestadas pela Administração Pública, o que, de imediato,
não significará um desprestígio da mesma e sim, uma postura que deixa de dar
centralidade a uma lógica de pura verticalidade179. Aqui floresce a dinâmica das
privatizações, delegações e fomentos que ditaram, a partir da década de 80, no
mundo, o movimento de reformulação do tamanho e do papel da figura estatal.
Nesse cenário florescem as parcerias com as entidades representativas do
Terceiro Setor e, portanto, o centro de interesse desta pesquisa.
O Estado brasileiro não passou incólume pelos influxos evolutivos até aqui
delineados. Até se configurar na Administração Pública descrita no art. 2º, II da
Lei n. 13.019/14, foi um longo caminho de estruturação e reestruturação
administrativa. É o que se pretende enfrentar no tópico seguinte.

177 Ernst Forsthoff (1958, p. 35) já advertia: “Cada época da história dos Estados produz um tipo
próprio de Administração, caracterizado por seus fins peculiares e pelos meios de que se serve.
Isso não quer dizer, está claro, que uma espécie de Administração seja substituída, abrupta e
repentinamente por outra”. Pelas palavras de citado autor é possível perceber a gradação das
mudanças, que não ocorrem de forma súbita. Novos paradigmas vão sendo incorporados de
modo a respeitar as realidades históricas e sociais.
178 Vale lembrar como bem pontuou Marçal Justen Filho (2005, p. 91): “A Administração Pública

não é um sujeito de direito. A expressão não indica um ente específico, dotado de autonomia ou
de um patrimônio próprio, investido de capacidade de ser parte em uma relação jurídica ou
mesmo, exercitar direitos ou adimplir deveres”.
179 Como faz questão de alertar Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2015, p. 37), “O Estado Pós-

Social ou Subsidiário não significa uma desvalorização da Administração Pública, mas ao


contrário, representa uma redefinição das atividades administrativas que devem ser prestadas
diretamente pelo Estado e das demais atividades que podem ser prestadas por particulares,
notadamente por não envolverem a necessidade do exercício do poder de autoridade. Valoriza-
se, atualmente, a sociedade civil no desempenho de atividades socialmente relevantes”.

97
1.2.2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Não bastasse nossa baixa propensão à solidariedade e ao associativismo,


como já vislumbrado anteriormente no presente capítulo, nossa relação como
povo para com a figura estatal não é das melhores. Ao longo dos anos, vacilou
da mais absoluta indiferença e mais absoluto desprezo, até a percepção de que
todas as mazelas e erros são culpa do Estado, o que reforça, portanto, a
percepção de ser o mesmo, uma figura totalmente alheia a quem somos como
indivíduos. Não há, como elemento da nossa própria formação como país, um
meio termo. Há de se imaginar se o marco regulatório, centro de nossas
reflexões, servirá como instrumento de aproximação das representatividades de
nossa sociedade civil com um Estado, figura que nos parece tão distante. Há de
se considerar o sucesso ou não do modelo em apreço como um reflexo de nossa
história política e do povo que somos.
No Brasil colônia, como alerta Raymundo Faoro em sua obra “Os donos
do poder”, o “monopólio real não se exerceu diretamente, mas mediante
concessão: o rei permaneceria comerciante, sem envolvimento imediato no
negócio, mas vigilante, como aparelhamento estatal a serviço de seus
interesses” (grifo nosso) 180 . Nessa dinâmica e com a missão de povoar e
controlar nosso extenso território surge a lógica das capitanias, como
estabelecimento militar e econômico, voltado à defesa externa e para o
desenvolvimento de atividades capazes de estimular o comércio português181.
Constituídas como a base do sistema político-administrativo do reino, a
autoridade pública somente se constituía, como “armadura prévia, sempre que
haja produtos a exportar e plantações a fixar”182.
Uma vez que a colônia brasileira se organiza em função de objetivos
mercantis, tudo gira em torno dessa base exploratória. A estrutura social, a
organização política e as formas culturais, se subordinam, portanto, “à grande

180 FAORO, Raymundo. Os donos do poder – Formação do patronato político brasileiro. 3ª ed.
Revista, Rio de Janeiro: Globo, 2001, p. 140.
181 TAUNAY, Afonso de E. História das bandeiras paulistas. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos,

1961, p. 31.
182 FAORO, 2001, p. 140.

98
exploração”183. Assim que, estruturada nas capitanias hereditárias, inalienáveis
e indivisíveis por conta das cartas de doação e foral, sob a ordem e controle de
capitães e governadores (também colonos) que representavam os poderes do
rei (como administrador e delegado), as bases de formação do estado brasileiro
se deram como o de uma colônia de exploração, a serviço do mercantilismo de
guerra próprio da época e de nossos colonizadores. Servindo não só à defesa
(da costa e dos sertões), as capitanias ditavam a organização político-
administrativa do reino.
Nesse cenário, os capitães e governadores gozavam não só de privilégios
econômicos, sobressaindo suas funções públicas. Agindo em nome do rei, com
atribuições amplas, os capitães podiam, por exemplo, criar vilas, nomear
ouvidores, dar tabelionatos tanto de notas como judiciais, ademais o faça sob o
olhar do monarca184.
Como advertiu Faoro, a implementação do Governo-Geral em 1549 não
teria representado uma quebra do sistema, mas sim um mero ajustamento,
pautado “no comércio amplo e no círculo apertado da nobreza dos cortesãos,
burocraticamente orientados”185. Fortemente influenciado por uma obra política
e comercial apoiada na distribuição de terra, sob o claro propósito de condensar
a população e firmar a agricultura como centro de suas riquezas exportadoras,
a monarquia portuguesa tem nas sesmarias o modelo necessário para a
articulação de sua “empresa”.
As sesmarias, como modelo legislado 186 e herança das instituições
portuguesas187 denotam, em verdade, uma característica primordial – a reversão
da terra não cultivada à coroa – em franca prevalência da coisa pública (dos fins
e objetivos públicos) sobre a ordem privada 188 . Com o tempo, as sesmarias

183 RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr e a nacionalização do Marxismo no Brasil, São Paulo:
Editora 34, 2000, p. 140.
184 FAORO, 2001, p. 142.
185 FAORO, 2001, p. 144.
186 FAORO, 2001, p. 148.
187 "É no pequeno reino peninsular que vamos encontrar as origens remotas do nosso regime de

terras. A ocupação do nosso solo pelos capitães descobridores, em nome da Coroa portuguesa,
transportou, inteira, como num grande voo de águias, a propriedade de todo o nosso imensurável
território para além-mar — para o alto senhorio do rei e para a jurisdição da Ordem de Cristo”
(MAGALHÃES, José Calvet de. História do pensamento econômico em Portugal. Portugal:
Coimbra Ed., 1967, p. 24).
188 FAORO, 2001, p. 149.

99
ganham contornos de uma “concessão”, como latifúndios firmados sob o domínio
do rei. Arrima-se como instrumento da colonização e do povoamento, com
característica de investimento agrícola, ao mesmo tempo em que serve ao
desenho dos grandes latifúndios.
Durante o período que antecede nossa independência não se altera muito
a lógica das coisas. Os grandes latifundiários deixam de ser empresários
exportadores para se tornarem senhores de rendas que se ocupam em diminuir
o poder do rei e dos capitães-generais de modo a aumentar o seu próprio, em
uma nova partilha de governo que renega às classes pobres a participação
política189. Com a independência, existe a tentativa de se partir para algo novo,
além dos privilégios e sem a mesma “dança das cadeiras” nas idas e vindas do
poder, mas, invariavelmente, tudo sempre parecia mudar de modo a se
configurar como mais do mesmo190.
Em termos de organização política, vale menção ao art. 98 da
Constituição de 1824 que instaurou o “Poder Moderador”, em sendo “a chave de
toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como
Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que
incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e
harmonia dos mais Poderes Politicos”191. É o retrato do arbítrio que impera ao
longo de toda a história política brasileira e pesará sob nossa organização
administrativa. Com a Independência, firmada em uma monarquia constitucional
e alimentada por ideais liberais que serviram para perpetuar o poder daqueles
que já conheciam muito bem o poder, eterniza-se por meio do Poder Moderador,
a representação de um Estado dito liberal, mas firmado no poder pessoal do
imperador192.

189 FAORO, 2001, p. 291.


190 Segundo Faoro (2002, p. 342), com a independência, “O regime colonial não se extingue,
moderniza-se; os remanescentes bragantinos se atualizam, com a permanência do divórcio entre
o Estado, monumental, aparatoso, pesado e a nação, informe, indefinida, inquieta. Uma ordem
metropolitana, reorganizada no estamento de aristocratas improvisados, servidores nomeados e
conselheiros escolhidos, se superporia a um mundo desconhecido, calado, distante”.
191 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm.
Consulta em: Jan. 2018.
192 Em Faoro (2001, p. 344): “O Poder Moderador, apropriado pelo chefe do poder executivo,

comanda a administração e a política. A distinção entre a monarquia constitucional e a monarquia


absolutista se esgarça, num sistema criado para separá-las, ensejando a crítica ao poder pessoal
do imperador, constante azedume das correntes liberais”.

100
Também como chefe do Poder Executivo, o Imperador ditava o ritmo da
organização administrativa brasileira, incumbindo-se, dentre outras atribuições,
da representação internacional do país e da nomeação dos empregos civis e
políticos (art. 102, Constituição de 1824). Em termos de organização do Estado,
cite-se a divisão em províncias, administrada por um Presidente nomeado pelo
Imperador (art. 165, Constituição de 1824). Era essa, basicamente, a estrutura
administrativa brasileira em seu período pós independência.
Em uma histórica formação oligárquica, o que se viu no Brasil foi sempre
a substituição das velhas, por novas oligarquias que “não traziam hábitos de
governo e a grande maioria dos que a compunham eram elementos desligados
dos interesses de produção regional. Daí, nenhuma melhoria e, pelo contrário,
em geral, agravação dos defeitos da administração pública e o desenvolvimento
de um parasitismo mais extenso e caracterizado pela apropriação dos dinheiros
públicos em benefício de um grupo privilegiado”193.
No embalo da Revolução de 1930, alimentada pelo espírito da renovação
dos costumes políticos e das transformações sociais, surge a Carta
Constitucional de 1934, que na crítica de Oliveira Lima 194, não passou de uma
constituição “supostamente revolucionária” 195 , entendendo outros que o
“tenentismo” nada tem de revolucionário, tendo havido uma mera insurreição,
com um saldo de conquistas bem menor do que as esperanças ali
depositadas196.
Com a Constituição de 1934, o Estado brasileiro teria assumido o modelo
de Estado social, ocorrendo uma aproximação entre Estado e sociedade,
caracterizada por um movimento de “socialização do Estado e estadualização
da sociedade197”, ou melhor, “(...) absorção da Sociedade pelo Estado, isto é, a

193 AMARAL, Azevedo. O estado autoritário e a realidade nacional. São Paulo: Ridendo Castigat
Mores, 2002, pp. 68-69.
194 apud BONAVIDES et al, 2006.
195 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 8ª ed. Brasília:

OAB ed., 2006, p. 270.


196 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 8ª ed. Brasília:

OAB ed., 2006, p. 270.


197 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado e do direito: do Estado de Direito

Liberal ao Estado Social e Democrático de Direito. Coimbra: Coimbra Ed., 1987, p. 197.

101
politização de toda a sociedade198”. Decerto tal ambiente não ter se concretizado
tempo suficiente para estreitar tais laços, tendo em vista a imposição, em 1937,
destituído de qualquer legitimação democrática, de uma nova carta
constitucional, instaurando uma verdadeira ditadura do Estado novo, com a
implementação da polícia política, tendo por fim a perseguição política e a
uniformização das massas, com a doutrinação ideológica do regime 199.
De todo modo, como expressão máxima do modelo intervencionista de
Estado, foram criadas nessa época, empresas públicas para atuação na área
econômica, bem como foi ampliado o aparato estatal destinado à prestação de
serviços sociais. Nesta perspectiva, cita-se a criação da Legião Brasileira de
Assistência – LBA pela Lei 4.830/42. Cite-se também, a instituição, por
determinação legal, dos denominados serviços sociais autônomos (em nível
federal, as entidades do chamado sistema “S” – SENAI, SESI, SESC, SENAC,
SEBRAE, SENAR), pessoas jurídicas de direito privado, mantidas por
contribuições sociais e dotação orçamentária, com o objetivo de prestar
educação profissional e assistência aos cidadãos vinculados ao setor produtivo.
Digno de menção na construção desse desenho histórico, a criação do
Conselho Nacional do Serviço Social – CNSS (1938), momento em que se
consolida a aliança entre Estado e as entidades prestadoras de serviços de
interesse público nas áreas de assistência social, saúde e educação. A princípio,
este órgão tinha por atribuição, a avaliação de pedidos de subvenções,
passando, tempos depois, a gerenciar um Registro Geral de Instituições (que
acaba por servir de requisito para a concessão de benefícios fiscais a estas
entidades) e a fornecer o certificado de fins filantrópicos.
O Estado brasileiro, por sua vez, não ficou imune à crise do modelo do
Estado Social que acabou por implantar uma lógica de políticas neoliberais,
defendendo a redução da atuação pública nos setores de produção, com o
desenvolvimento do setor privado, que passa a desempenhar a maioria das
funções estatais.

198 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
231.
199 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência – a polícia da era Vargas. Brasília: UnB, 1993,

p. 48.

102
Com a promulgação da Constituição de 1988 foi possível identificar dois
fenômenos sociais opostos: por um lado, experimentou-se uma desmoralização
destes instrumentos de relação entre o Estado e as entidades prestadoras de
serviços públicos, ante sucessivos escândalos envolvendo os mesmos e, de
outro lado, ocorreu a explosão no número de movimentos associativos tanto
nacional, quanto internacionalmente.
Forçoso reconhecer que não faltam no texto constitucional de 88
dispositivos que tratam acerca da sociedade civil, atribuindo à mesma, em
inúmeros dispositivos (art. 199, §1º; art. 204, I; art. 205; art. 213, I e II; art. 216,
§1º; art. 227, §1º), o dever de contribuição para a consecução dos objetivos do
Estado brasileiro. Tal perspectiva se coaduna com a necessidade de mudança
na atuação estatal, principalmente no sentido de se alcançar maior eficiência nas
atividades da Administração Pública, voltando a ação dos serviços do Estado
para o atendimento dos cidadãos. Passa-se assim a um modelo de governança
onde a Administração Pública deixa de ser verticalizada e passa a ser uma
Administração Pública horizontalizada200.
A partir da década de 90, o Brasil assim se comporta, de modo a realizar
o projeto máximo presente no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado
(1995)201, já mencionado anteriormente dentro da lógica de formalização dos
entes do Terceiro Setor e que coloca o Estado brasileiro como verdadeiro
fomentador.
Adotando um modelo conceitual baseado na distinção de quatro setores
específicos de ação estatal, conforme a natureza de suas atividades,

200 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania. São Paulo: Editora
34, 1998.
201 Nesta dinâmica, é válido reforçar: “Os primeiros modelos de reforma do Estado,

desenvolvidos no bojo da crise da governabilidade do Estado-providência a partir dos anos 1970,


restringiram-se ao próprio aparelho de Estado. Estiveram fundamentados na gestão pública
mínima, nas políticas de downsizing, na reforma do setor público sob a égide de uma good
governance e em parâmetros de uma democracia minimalista que dão ênfase quase exclusiva
às racionalidades estratégicas. Tiveram mais fundamento econômico que político, sua cartilha
foi ditada mais por fatores externos relacionados com os programas de ajuste estrutural e menos
por fatores internos próprios de cada uma das democracias nacionais (MILANI, Carlos R. S. “O
princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de
experiências latino-americanas e europeias”. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro:
FGV EBAPE, MAI/JUN, 2008, pp 551-579).

103
associando-os a modalidades de propriedade (pública, pública não-estatal e
privada) e formas de gestão, citado Plano Diretor assim dispôs:

Núcleo estratégico: Presidência da República, Ministérios,


Secretarias Executivas, cúpula do Judiciário e casas do Congresso
Nacional – Segmento responsável pela formulação e definição de
políticas públicas e diretrizes governamentais.
Setor de atividades exclusivas do Estado: envolve a implementação
das políticas públicas definidas e formuladas pelo núcleo estratégico.
É o setor das atividades típicas do Estado, a fiscalização, a
regulamentação, fomento, segurança pública, tributação, seguridade
social básica. Essas atividades não podem ser delegadas ao particular,
pois são representativas do “poder” do Estado.
Setor de serviços não-exclusivos do Estado: abrange atividades
que não implicam o poder extroverso do Estado e que são prestadas
simultaneamente pelo Estado, pela iniciativa privada e pelas entidades
do Terceiro Setor. Em qualquer hipótese, devem ser apoiados pelo
Estado, em razão de serem fundamentais para a sociedade. É o caso
dos serviços públicos sociais – assistência social, saúde, ensino,
cultura – além de atividades ligadas à ciência e à tecnologia.
Setor de produção de bens e serviços para o mercado:
corresponde às atividades econômicas que visam ao lucro e são
desempenhadas pelas empresas públicas ou sociedades de economia
mista202.

Como visto, esse Plano de Reforma do Estado previu-se a criação das


Organizações Sociais (OSs), exteriorizando a tentativa de redefinir o plano de
relações entre o Estado e as entidades prestadoras de serviços de interesse
público (Setor de serviços não-exclusivos do Estado). No desenvolvimento de
todo esse cenário destacaram-se outras entidades, no que citamos, a
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP.
Verificar o traçado histórico de desenvolvimento do Estado brasileiro nos
dá um panorama mais visível do tipo de governo e qual administração pública
temos à disposição. Não basta que o marco regulatório diga qual caminho deve
ser percorrido, se as estruturas postas à sua concretização ainda permanecem
arraigadas em uma lógica burocratizada, oligárquica e pouco comprometida.
De todo modo, feitas essas observações gerais acerca da figura do
Estado, interessa-nos a construção do termo administração pública, expressão

202BRASIL. Presidência da República. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.


Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado, 1995. P. 51.

104
utilizada pelo marco regulatório. A lei n. 13.019/14, com redação dada pela lei n.
13.204/15, considera como administração pública, conforme seu art. 2º, inciso II,
“a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias,
fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de
serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo disposto no § 9o do art. 37
da Constituição Federal”203.
Percebe-se assim, a opção do legislador pelo sentido subjetivo 204, formal
ou orgânico205 da expressão Administração Pública, a qual designa os entes que
exercem a atividade administrativa, ou seja, seus agentes públicos, os órgãos e
pessoas jurídicas que formam o aparato estatal. São tais entes, a longa manus
do Estado, responsáveis pelo exercício da função administrativa.
Todavia, chama atenção, a opção do legislador pelo termo sem o uso das
iniciais capitalizadas. Tecnicamente, há uma impropriedade nisso. Usualmente,
ao se fazer o uso da expressão grafada com letras minúsculas, estar-se-ia
fazendo menção à atividade administrativa per si, ou seja, é utilizada para
representar o sentido objetivo do termo.
No descortinar dos significados abraçados pelo marco regulatório, vigora
o “pluripersonalismo”206, perpetuado na forma federativa de nossa construção
estatal, na qual se reconhece que além da pessoa jurídica central (União,
Estados, Municípios e Distrito Federal), existindo ainda outras internas que
compõem o sistema político (órgãos).
O marco regulatório aduz especificamente às pessoas jurídicas de direito
público interno207. Na esfera do Direito Administrativo, tais entes são usualmente

203 Tenha-se em mente a redação do § 9º do art. 37 da CF/88 – “O disposto no inciso XI aplica-


se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que
receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para
pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral”.
204 Em contrapartida, tem-se a classificação da Administração Pública em seu sentido objetivo,

material ou funcional, que diz respeito à natureza da atividade exercida pelos entes incumbidos
do exercício das funções estatais. Ocupa-se, portanto, a Administração objetiva, da própria
função administrativa, de incumbência do Poder Executivo (DI PIETRO, 2014, p. 50).
205 Classificação capitaneada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua clássica obra, Direito

Administrativo (2014, p. 50).


206 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2011, p. 10.


207 Segundo aduz o art. 41 do Código Civil Brasileiro seriam: I - a União; II - os Estados, o Distrito

Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;


V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

105
tratados como pertencentes à dita “Administração Pública Direta” (União,
Estados, Municípios e Distrito Federal) e à “Administração Pública Indireta”
(Autarquias, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e Fundações
Públicas)208.
O legislador dentro da construção conceitual de “administração pública”
tem o cuidado de, no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia
mista, fazer menção às prestadoras de serviço público, não interessando às
parcerias em estudo as entidades exploradoras de atividade econômica, nos
termos do que predispõe a Constituição Federal, em seu art. 173209. Caminhou
bem o legislador.
De todo modo, pelo conceito acima trasladado, ainda não é possível
sentir, pelo que se viu até o presente momento, qual o “tom” dado a ser dado à
Administração Pública pela Lei n. 13.019/14, mas é possível reconhecer, desde
já, seu cenário de desenvolvimento. Da mesma forma que o Estado brasileiro
sofreu as insurgências do tempo, também assim foi se modificando sua longa
manus, a Administração Pública. Assim sendo, caminhou-se de uma
Administração patrimonialista por excelência, para uma Administração Pública
gerencial, característica de um État propulseur, “que nada mais é que o dedicado
a um exercício afincado do dever de fomento, que, entre nós, já se define
constitucionalmente com um macro objetivo governamental, uma vez que vem
reiteradamente contido em todos os enunciados dos objetivos fundamentais da
República, nos quatro incisos do art. 3º da Carta Federal” 210 . Este Estado
fomentador e, portanto, regulador, preocupado com a eficiência e controle de
resultados, seria o retrato da regulação posta no cerne da Lei n. 13.019/14.
Quando o marco regulatório impõe à OSC parceira a necessidade de
apresentação de um plano de trabalho (art. 22, da Lei n. 13.019/14), exige da
mesma a construção de uma metodologia, que deve prever a descrição de metas

208 Tais configuramente usualmente retirada dos conceitos propostos pelo Decreto-Lei n. 200/67.
209 Reitera-se, segundo estatuído pelo art. 173, da CF/88: “Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei”.
210 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas mutações Juspolíticas. Belo Horizonte: Editora

Fórum, 2016, p. 77.

106
a serem atingidas e de atividades a serem realizadas, bem como a definição de
parâmetros para avaliação de resultados. Esse é o retrato de uma Administração
Pública gerencial que está no cerne das parcerias em foco. Em outros termos,
quando a Administração põe em foco um controle de resultados (monitoramento
e avaliação – art. 58 da Lei n. 13.019/14), acaba por fazer um controle de
eficiência de si mesma, abarcando um controle fiscalizador de suas próprias
capacidades.
Quando o marco regulatório admite a denominada “atuação em rede” (art.
35-A da Lei n. 13.019/14), intensifica a participação e a multiplicação de figuras
consensuais, o que reforça o viés de uma Administração Pública consensual.
Não poderia ser diferente, ante a “crescente imbricação entre interesses de todo
o gênero nas sociedades contemporâneas, o que cria espaços comuns entre o
público e o privado, em que se inserem interesses individuais, individuais
homogêneos, coletivos e difusos, o que de forma alguma minimiza ou estreita o
espaço público senão que o valoriza, por ampliar-lhe as atividades de
prossecução, de defesa e de fomento, com a mobilização não apenas da
vontade e dos meios do Estado mas os de toda a sociedade convergente” 211.
De toda feita, encerrando-se o presente capítulo, tendo-se optado por
percorrer os caminhos postos pela Lei n. 13.019/14, em termos de definição
acerca dos entes que compõem o elemento subjetivo das parcerias sob sua
condução, adentra-se no capítulo seguinte no universo do objeto do marco
regulatório, observando-se o meandros das parcerias por ele disciplinadas.

211 MOREIRA NETO, 2016, p. 174.

107
2. O TERCEIRO SETOR E AS PARCERIAS COM O PODER PÚBLICO. UMA
QUESTÃO DE REGIME JURÍDICO?

Com a evolução estatal, que levou a considerável ampliação das


competências e responsabilidades públicas e, com a quase natural incapacidade
de dar vazão a tudo o que precisa ser realizado ante inesgotáveis necessidades
sociais, a Administração Pública busca parceiros. Contratar com o poder público
não é nenhuma novidade, o que muda, como vimos, são as bases destas
contratações. Não é de hoje que o Estado busca auxílio para realizar tarefas nas
quais tem sucessivamente fracassado, mas uma nova configuração precisa ser
pensada. Reitera-se:

A administração dos interesses públicos a cargo do Estado pode ser


realizada diretamente pelos órgãos executivos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios; indiretamente, pelos entes
públicos por ele criados, como autarquias, paraestatais (integrantes da
administração indireta); e associadamente, através de pessoas
jurídicas de direito privado que se aliam ao Estado sob um vínculo de
colaboração de direito público212.

Os ditos “contratos administrativos”, base da formação contratual da


Administração Pública comporta, segundo lição de Marçal Justen Filho, duas
definições: “Em sentido amplo, indica um acordo de vontades com efeitos
vinculantes, de que participa a Administração Pública e cujo objeto consiste
numa prestação de dar, fazer ou não fazer algo economicamente avaliável. Em
sentido restrito, o contrato administrativo se caracteriza pela submissão ao
regime jurídico de Direito Público”213. Como visto, a submissão a esse regime
jurídico publicístico que pressupõe uma série de prerrogativas e atribui a
Administração um conjunto de competências diferenciadas, é o “calcanhar de
Aquiles” das contratações públicas na atualidade.
A posição de justificável desnível entre os contratantes, em nome do
dogma da Supremacia do Interesse Público, não parece mais comover aqueles
que pretendem contratar com o poder público. Essa perspectiva levou, como

212MOREIRA NETO, 2016, p. 183.


213JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª
ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 645.

108
visto, a verdadeiras “teorias ‘demolicionistas’” 214 do conceito de interesse
público, em uma completa mudança estrutural. Como muito bem articulado por
Paulo Ricardo Schier, reflete-se:

Interesses públicos e privados não se contradizem, não se negam, não


se excluem. Tais interesses, antes, harmonizam-se. A realização de
um importa na realização do outro. Devem ser vistas como
excepcionais as situações de exclusão mútua.

Nestes termos, como anteviu a melhor doutrina, as modalidades


contratuais de parceria tendem a se multiplicar no Direito Administrativo
contemporâneo, tendo em vista não só as mutações sofridas pelo Estado, mas
também em razão da extrema diversidade de situações encontradas na área
econômica 215 . A Emenda Constitucional n. 19/98, que ditou o ritmo de uma
Administração Pública gerencial, confirma tal tendência216. Confirma-se assim,
nesta dinâmica contratual, uma postura associativa, coordenando-se atividades
de interesse privado com as atividades de interesse público, donde surgem
convênios, acordos de programa e joint ventures públicas 217 . A execução
cooperativa e colaborativa passa a ser a tônica nas contratações públicas, donde
ganha força a lógica dos convênios.
Conforme definição veiculada pelo artigo 1o, § 1o, inciso I, do Decreto n.
6.170, de 25 de julho de 2007, o qual dispôs sobre as normas relativas às
transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse,
considera-se convênio: “acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que

214RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. “Interesse público: um conceito jurídico determinável”. In: DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (coord.). Supremacia do interesse
público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 103-119.

215 MOREIRA NETO, 2016, p. 184.


216 Tenha-se em mente o conteúdo do art. 241 da CF/88, com redação dada pela Emenda
Constitucional n. 19/98, nos seguintes termos: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação
entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade
dos serviços transferidos”.
Veja-se também o que diz o §1º do art. 199, donde se tem:
“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de
saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo
preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.
217 MOREIRA NETO, 2016, p. 185.

109
discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos
Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de
um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta,
e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital
ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos,
visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de
projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco,
em regime de mútua cooperação”.
Consoante doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “define-se o
convênio como forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou
privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua
colaboração”218.
Com efeito, no convênio, ao contrário dos contratos administrativos em
geral, prevalece o regime de mútua cooperação. Os interesses das partes não
são opostos e contraditórios, como se pressupõe na dinâmica contratual clássica
(objeto – contraprestação). Nos convênios, a ideia é a de que os interesses são
recíprocos e as partes convergem seus atos em busca de um resultado comum,
realizando eficazmente o mesmo fim. Perceba-se, neste sentido, as reflexões de
Lucas Rocha Furtado:

No convênio, presume-se regime de mútua cooperação. O executor


tem interesse em prestar o serviço que lhe compete realizar em razão
da afinidade de objetivos entre as partes convenentes. Assim, como
condição para a existência do convênio tem-se que seu objeto deve
representar objetivo comum das partes, o qual, uma vez atingido,
possa ser usufruído por ambas219.

As noções de colaboração e mútua cooperação transbordam na proposta


regulatória da Lei n. 13.019/14. Não à toa, contam-se quatro menções diretas ao
termo “mútua cooperação” na norma objeto desta tese. São inúmeras outras
referências menos diretas, internalizadas em uma base principiológica que prega
a cooperação (inciso II do art. 5º) e firma-a como diretriz (inciso I e VI do art. 6º).

218
DI PIETRO, 2014, p. 292.
219
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010,
Pág. 353.

110
Logo em sua ementa e em seu artigo 1º, direciona-nos ao centro das reflexões
deste capítulo: a um “regime de mútua cooperação”.
As parcerias firmadas entre as entidades do Terceiro Setor e os entes
públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é a questão central de
desenvolvimento deste tópico, ou melhor, é o objeto do marco regulatório, que
se desenrola, como visto até aqui, ao sabor das mutações sofridas pelo Estado
e pela especialização da sociedade civil organizada, donde o Terceiro Setor
retiraria sua legitimidade.
A natureza dos arranjos firmados entre o Terceiro Setor e o Poder Público
e, portanto, a definição acerca do regime jurídico imposto aos mesmos é o fator
de maior dissenso. É um dos pontos centrais da Lei n. 13.019/14.
Acerca do universo dicotômico donde se desenvolvem essas parcerias,
alimentando-se ao mesmo tempo das premissas de direito privado (autonomia
da vontade) e das prerrogativas e restrições do direito público, por certo o apoio
na doutrina mais autorizada de modo a destacar todos esses melindres.
Bobbio é autor paradigma na discussão do tema, especialmente no
cuidado de especificar citada “dicotomia”, o que fez nos seguintes termos:
“Podemos falar corretamente de uma grande dicotomia quando nos
encontramos diante de uma distinção da qual se pode demonstrar a capacidade:
a) de dividir o universo em duas esferas, conjuntamente exaustivas, no sentido
de que todos os entes daquele universo nelas tenham lugar, sem nenhuma
exclusão, e reciprocamente exclusivas, no sentido de que um ente
compreendido na primeira não pode ser contemporaneamente compreendido na
segunda; b) de estabelecer uma divisão que é ao mesmo tempo total, enquanto
todos os entes aos quais atualmente e potencialmente a disciplina se refere
devem nela ter lugar, e principal, enquanto tende a fazer convergir em sua
direção outras dicotomias que se tornam, em relação a ela secundárias” 220.
Fica bastante claro no pensamento de citado autor, que não se pode
conceber no espaço desta dicotomia, um sentido de complementaridade entre
as esferas do público e do privado. A razão é, em verdade, inversa. O público só

220BOBBIO, Norberto. “A grande dicotomia: público/privado”. In: Estado, governo, sociedade:


para uma teoria geral da política. trad. por Marco Aurélio Nogueira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995, p. 13-14.

111
avança até o espaço limítrofe que o separa do privado e vice-versa. Em outras
palavras, haveria uma natural incomunicabilidade entre as esferas do público e
do privado221. Finalmente, Bobbio reflete sobre o tema sob o ponto de vista da
igualdade e da desigualdade, nos seguintes termos:

Sendo o direito um ordenamento de relações sociais, a grande


dicotomia público/privado duplica-se primeiramente na distinção de
dois tipos de relações sociais: entre iguais e desiguais. O Estado, ou
qualquer outra sociedade organizada onde existe uma esfera pública,
não importa se total ou parcial, é caracterizado por relações de
subordinação entre governantes e governados, ou melhor, entre
detentores do poder de comando e destinatários do dever de
obediência, que são relações entre desiguais; a sociedade natural tal
como descrita pelos jusnaturalistas, ou a sociedade de mercado na
idealização dos economistas clássicos, na medida em que são
elevadas a modelo de uma esfera privada contraposta à esfera pública,
são caracterizadas por relações entre iguais ou de coordenação 222.

Sob esta ótica, a dicotomia entre o público e o privado colocaria o Estado


em uma posição de exclusividade para com o público. Tudo o mais que não fizer
parte deste Estado, se encaixaria no privado. Evidencia-se, portanto, a bipartição
entre Estado x Mercado, que em suas bases, faz parte do próprio
desenvolvimento histórico da sociedade civil.
Acerca desta relação igualdade-desigualdade, Daniel Sarmento propõe
uma correlação entre as relações estabelecidas pelos sujeitos em cada um
destes campos. Nesta medida, na esfera do Direito Público, as relações de
autoridade se dariam pela subordinação entre o Estado e o cidadão, enquanto
no Direito Privado, as relações seriam de paridade e coordenação, “travadas por
agentes em situação de igualdade”223.
Há de se reconhecer neste contexto que, durante muito tempo, prevalecia
no inconsciente coletivo (e no histórico do tema) a percepção que colocava a
sociedade civil como próxima do Estado, sendo a mesma seu nascedouro, se

221BOBBIO, 1995, p. 15.


222BOBBIO, 1995, p. 16.
223SARMENTO, Daniel. “Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e

da Filosofia Constitucional.”. In: Interesses Públicos versus Privados: desconstruindo o princípio


da supremacia do interesse público. SARMENTO, Daniel (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 31.

112
confundindo com o mesmo. Como o passar dos anos e o reconhecimento de
uma sociedade cada vez mais plural, a sociedade civil ganha centralidade e um
universo próprio, se concretizando, portanto, o trinômio Estado-Mercado-
Sociedade Civil.
Na evolução do tema, como tivemos a oportunidade de enfrentar,
percebe-se a influência de duas formas de Estado que marcaram pesadamente
a dicotomia público/privado: o Estado Liberal e o Estado Social. Assim que é
comum se falar no desenvolvimento do tema, em uma privatização do direito
público, promovida pelo Estado Liberal; e uma publicização do direito privado,
promovida pelo Estado Social. Esta polarização leva o tema exatamente para a
realidade que ora nos interessa.
Com as sucessivas mutações sofridas pelo Estado, devidamente
acompanhadas por sucessivas transformações sociais, o espaço de influência
tanto do Direito Público quanto do Direito Privado parecem ter se
redimensionado. O Direito Público não representa mais, de forma absoluta e
inquestionável, os interesses coletivos e nem tudo se autoriza ser feito livremente
em nome dessa universalidade. Por sua vez, o espaço eminentemente privado
interessa sim ao coletivo, na medida em que o mesmo venha influenciar a tão
proclamada paz social e ofenda direitos individuais fundamentais. Tais
interjeições se encontram cada vez mais presentes na realidade constitucional e
normativa dos países que se proclamam democráticos. No Brasil tal perspectiva
se confirma tendo por base consistente doutrina que defende a
desconstrução/reconstrução do princípio da supremacia do interesse público,
bem como os instrumentos da função social da propriedade e da função social
dos contratos.
Assim que, da dicotomia que se assevera entre a gestão pública e a
gestão privada, emergiram verdadeiros “filhotes híbridos224”, com “a atividade de
gestão pública privatizada (regime administrativo flexibilizado) e a atividade de
gestão privada publicizada ou administrativizada (regime privado altamente
regulado) 225 ”. Essas contradições e aproximações que geram um regime

224 BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais,


democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 20.
225 BINEMBOJM, 2006, p. 20.

113
“flexível”, uma verdadeira derrogação do regime privado em favor do regime
público (ou vice-versa) e ainda, faz com que os arranjos com o Terceiro Setor
levem a um regime “misto226”, não facilitam as conclusões pretendidas.
Conforme assinala Ludwig, refletindo acerca dos riscos desta indefinição
entre as esferas do público e do privado, “há um campo de delimitação e de
condicionamento entre as esferas do público e do privado, não admitindo, nesse
sentido, a existência de um vácuo entre ambas”227. Na visão do autor, se de fato
fosse admitido um ponto de interseção entre o público e o privado, isto seria
considerado algo esdrúxulo, na medida em que ensejaria um “Direito mais-ou-
menos”228.
De acordo com essa perspectiva, as esferas do público e do privado
condicionam-se e freiam-se reciprocamente, não deixando espaço a uma
terceira esfera (tertium non datur), ou seja, uma vai até aonde começa a outra.
Admitir um espaço equivaleria, no caso, a aceitar a inadmissível existência, entre
o direito público e o direito privado, de um “Direito a meio termo”.
Outro caminho, como o encontrado por Paulo Modesto, enfrentando a
questão sob o foco da classificação do serviço prestado por estes entes,
tratando-os como “atividade submetida a regime variável, parcialmente
dependente do regime jurídico predominante do prestador, mas sempre
vinculada a obrigações de regularidade, modicidade, acessibilidade e
impessoalidade229”, também não nos traz qualquer alívio. De toda forma, citado
autor reconhece, em suas conclusões sobre o tema, a necessidade de um
melhor desenvolvimento e regulamentação desses serviços pelos entes
federativos, a fim de melhor esclarecer sua aplicação.

226 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor: regime jurídico das OSCIPs. São Paulo:
Ed. Método, 2006, p 157.
227 LUDWIG, Marcos de Campos. “Direito Público e Direito Privado: a superação da dicotomia”.

In: A Reconstrução do Direito Privado. COSTA, Judith Martins (org.). São Paulo: Revista dos
Tribunais, v.1, 2002, p. 93.
228 LUDWIG, 2002, p. 93.
229 MODESTO, Paulo. “Reforma do estado, formas de prestação de serviços ao público e

parcerias público-privadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços


de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias Público-privadas”.
In : SUNDFELD, Carlos Ari. (Coord.). Parcerias público-privadas. São Paulo: Malheiros, 2005,
p.433.

114
Essa definição tem um peso prático. Definir se o regime de contratação
das parcerias aqui firmadas é público ou privado importa não só às partes, mas
também à sociedade como um todo. Dizer que um regime é eminentemente
público implica no reconhecimento de que os bens eventualmente adquiridos no
bojo dessas parcerias não poderão ser vendidos ou penhorados ou mesmo
sujeitos à usucapião. Implica ainda em dizer que, para a aquisição de bens ou
serviços, deve-se obediência à Lei Geral de Licitações (Lei n. 8.666/1993). Junte-
se a tudo isso, a questão que envolve a contratação de servidores via concurso
público e observância das mais diversas prerrogativas e sujeições que dizem
respeito à preservação do interesse público (onde quer que esse interesse esteja
alicerçado).
Tratar os ajustes entre o Terceiro Setor e a Administração Pública como
eminentemente de direito público (como parece fazer a Lei 13.019/2014) é, ao
que tudo indica, transformar tais entes em uma nova categoria pertencente à
Administração Pública, descaracterizando-os. Una-se a isso o fato de que, uma
vez familiarizados com a gestão privada, imprimir aos entes do Terceiro Setor
uma gestão puramente pública é, de início, desastroso.
Entender tais parcerias sob o viés eminentemente privado também não
nos traz qualquer conforto. Ver todas as nuances do tema por detrás da fria
pecha “serviços não-exclusivos do Estado”, parece diminuir a importância dos
direitos sociais de primeira grandeza que estão em jogo nestas parcerias, bem
como as vultosas quantias que viabilizam a realização das mesmas.
Segundo muito bem resumido por Jessé Torres Pereira Junior e Marinês
Restelatto Dotti:230

Enquanto as relações contratuais privadas são regidas pela liberdade


das partes na negociação do objeto e do preço, nas relações de que é
parte ente público a contratação vincula-se a procedimento formal
previamente estatuído em lei, orientado pela busca da melhor proposta
encontrável no mercado. O Estado não contrata o que quer; contrata o
que deve, segundo padrão normativo estabelecido e finalidades
públicas que devem ser atendidas.

230PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto Dotti. Políticas Públicas nas
Licitações e Contratações Administrativas. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum, 2012. pp. 32-33.

115
Para onde quer que se olhe e para onde se quer que se faça um melhor
julgamento é difícil colocar o tema sob uma única perspectiva. No centro das
contratações firmadas entre os entes públicos e os entes do Terceiro Setor, não
há como conduzir a questão a fim de encontrar uma resposta, sob a ótica dos
sujeitos envolvidos, de modo que, “no âmbito do direito público as relações são
travadas sempre com a figura estatal, já nas relações circunscritas ao direito
privado, estar-se-ia consolidada a ausência dos poderes públicos” 231 . Como
vimos, não é tão simples assim.
Como também se faz questão de ressaltar, é muito confortável colocar as
parcerias ora em foco em um contexto híbrido, em uma categoria mista,
derrogadora de regimes jurídicos. É o raciocínio mais adequado quando não se
encontra o lugar de determinada coisa: que ela vá para o meio do caminho, junto
a nomenclaturas tão comuns à Ciência Jurídica como “mitigada”, “híbrida”,
“mista”, “indeterminada”, “tertium genus”.
Essa conduta, de colocar o Terceiro Setor como pertencente a um outro
setor232 ou como autorizado a transitar entre dois mundos é igualmente perigosa,
vez que causa insegurança jurídica e alimenta o imaginário coletivo no sentido
de se firmar como campo fértil para irregularidades (mesmo que isso de fato
aconteça e seja um dos motivadores da regulação do tema). Decerto que, a
nosso ver, esta indefinição é ainda mais nociva por induzir a erro os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário criando verdadeiras aberrações jurídico-
normativas.
Todas as dificuldades acima experimentadas fizeram com que a Lei n.
13.019/14 se apressa-se, já em sua ementa, a firmar que veio estabelecer o
“regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações

231 SARMENTO, Daniel. “Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria
e da Filosofia Constitucional.”. In: Interesses Públicos versus Privados: desconstruindo o
princípio da supremacia do interesse público. SARMENTO, Daniel (org.). Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010, p. 31.
232 Para Corrêa et al (2006, vii), o Terceiro Setor não é “nem setor público nem setor privado,

mas sim um setor específico, o qual congrega numerosas organizações, de diversos portes, que
empregam muitas pessoas e que têm crescido significativamente dos anos 1990 até o presente.
O Terceiro Setor abrange o conjunto dos diversos tipos de arranjos entre o Estado e a sociedade
civil no sentido de implementação e co-gestão de políticas públicas, em especial as de caráter
social, instituindo atores não governamentais na execução dessas políticas”.

116
da sociedade civil” (grifo nosso). Reconhece o marco regulatório, desde já, a
urgência em se tratar de tema que tem um peso prático considerável no dia a dia
das parcerias.
Na sequência todos esses pormenores serão enfrentados. Antes, porém, é
preciso responder ao questionamento posto no título do presente capítulo,
apresentando, em verdade, uma perspectiva a ser construída: considerar todos
os conceitos e nuances das parcerias presentes no marco regulatório como um
viés somente da necessidade de se buscar uma resposta a respeito do regime
jurídico aplicável é desconsiderar os fins a favor dos meios e mais, sua missão.
Não pode ser essa a maior lição da norma.

2.1 A PARCERIA SEGUNDO A LEI N. 13.019/14 – CONCEITOS E


EXPECTATIVAS

Advertiu Edmir Netto de Araújo ao tratar do conceito de “parceria” sob a


perspectiva da prestação de serviços públicos à luz do art. 175 da CF/88233:

Parceria também não é vocábulo jurídico (exceto a conhecida parceria


agrícola); significa a conjunção de esforços (no caso, entre Poder
Público e particulares) para algum objetivo comum, afeiçoando-se mais
à figura do convênio que à de contrato234.

O marco regulatório, como se perceberá tem o propósito de mudar tal


perspectiva, fazendo com o termo “parceria” seja sim tratado como vocábulo
jurídico e tratado com as especificidades que a norma lhe confere.
No mais, feitas todas essas reflexões introdutórias no tópico anterior e nas
linhas anteriores, antes de se adentrar no conceito e desdobramentos do termo
“parceria” sob a luz da Lei n. 13.019/14, é preciso contextualizá-la. Ainda que o
discurso sobre a natureza jurídica das parcerias leve à conclusão tratarem-se as

233 CF/88 – “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
234 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010,

p. 142.

117
mesmas de uma modalidade de convênio, o art. 84 do marco regulatório inova235,
e coloca as coisas em seu devido lugar:

Art. 84. Não se aplica às parcerias regidas por esta Lei o disposto
na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Parágrafo único. São regidos pelo art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de
junho de 1993, convênios:
I - entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;
II - decorrentes da aplicação do disposto no inciso IV do art. 3 o.
Art. 84-A. A partir da vigência desta Lei, somente serão celebrados
convênios nas hipóteses do parágrafo único do art. 84 (destaca-se).

Segundo tem-se difundido, a mudança em apreço, situada no capítulo


final da Lei n. 13.019/14 (Capítulo VI – “Disposições Finais”), implica no fim da
utilização do convênio como instrumento de parceria com entidades privadas.
Em outros termos, os convênios, com o advento da norma em referência, ficam
restritos às parcerias entre os entes federados e à participação de entidades sem
fins lucrativos nos serviços de saúde de forma complementar ao SUS, segundo
artigo 199, §1º, da Constituição Federal de 1988.
Tal ingerência levou a página do governo federal dedicada ao Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (participa. br/MROSC)
inaugurar um tópico às perguntas mais frequentes236 sobre o mesmo, donde se
encontra, “Por que criar instrumentos jurídicos próprios para as relações de
parceria e afastar os convênios?” e ao qual se responde:

Atualmente, o convênio é o instrumento jurídico mais utilizado para as


relações entre as organizações da sociedade civil e o Poder Público.
No entanto, ele foi criado inicialmente para regular as relações entre
entes do governo federal e entes estaduais e municipais. A sua
aplicação para as parcerias com organizações muitas vezes trata as
OSCs como se fossem estados ou municípios, apesar da sua natureza
jurídica de direito privado. A criação de instrumentos jurídicos
específicos para as relações de parceria com as organizações contribui
para que se reconheçam as suas peculiaridades, evitando analogias
indevidas com os entes federados e a aplicação de regras
inadequadas. Com esta mudança, substitui-se a utilização do convênio
como instrumento de parceria com entidades privadas sem fins

235 Reitere-se que o art. 84 é fruto das alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15, norma que
alterou substancialmente a Lei n. 13.019/14.
236 Disponível em: http://www.participa.br/osc/perguntas-frequentes-faq. Consulta em: Mar.

2018.

118
lucrativos, ficando este restrito às parcerias entre entes federados,
como era seu propósito original237.

A resposta em questão tem um peso simbólico. Muito já se discutiu sobre


os significados do convênio e eventuais impropriedades de sua percepção
dentro da lógica de contratação com as entidades filantrópicas. Além disso, há,
portanto, de se reconhecer um interessante peso histórico na mudança em
referência, na medida que representa um clamor antigo do entes do Terceiro
Setor. Afora tudo isso, a resposta em referência aponta para uma das questões
mais problemáticas o presente estudo e que diz respeito ao regime jurídico das
parcerias. Há de se verificar se tal questão terminológica será capaz, com uma
leitura sistemática de todo o marco regulatório, de ter um peso real no dia a dia
dos ajustes em foco.
Por conta dessa substancial alteração, a Lei n. 13.019/14 tem o cuidado
de estabelecer uma regra de transição para os convênios até então existentes,
determinando, em seu art. 83 238 , que seguirão vigentes sob o crivo de sua
legislação formadora, admitida a aplicação subsidiária dos novos mecanismos
introduzidos pelo marco regulatório para execução dos mesmos, desde que
proveitosos aos objetivos da parceria.
Feitas essas observações iniciais, considera-se “parceria” para os efeitos
do art. 2º, III, da Lei n. 13.019/14: o “conjunto de direitos, responsabilidades e
obrigações decorrentes de relação jurídica estabelecida formalmente entre a
administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco,
mediante a execução de atividade ou de projeto expressos em termos de
colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação”.
Citado artigo também foi objeto de alteração pela Lei n. 13.204/15, tendo
em sua redação original o seguinte conteúdo: “parceria - qualquer modalidade
de parceria prevista nesta Lei, que envolva ou não transferências voluntárias de

237 Resposta disponível no link “perguntas frequentes”, Disponível em:


http://www.participa.br/osc/perguntas-frequentes-faq. Consulta em: Mar. 2018.
238 Lei n. 13.019/14 – “Art. 83. As parcerias existentes no momento da entrada em vigor desta

Lei permanecerão regidas pela legislação vigente ao tempo de sua celebração, sem prejuízo da
aplicação subsidiária desta Lei, naquilo em que for cabível, desde que em benefício do alcance
do objeto da parceria”.

119
recursos financeiros, entre administração pública e organizações da sociedade
civil para ações de interesse recíproco em regime de mútua cooperação”.
A alteração demonstra maturidade legislativa. As parcerias são muito
mais do que uma “modalidade” e importam para muito além das transferências
de recursos e para o mero “interesse recíproco”. A redação vigente reforça o
caráter obrigacional das parcerias, em uma intrínseca correspondência entre
direitos, deveres e obrigações239. Nesses termos, resta constituída uma relação
sinalagmática, não no sentido clássico da expressão, de interesses
contrapostos 240 , mas sim, pautada na alteridade, na reciprocidade, na
convergência de finalidades e que não restem dúvidas: para a consecução de
fins de interesse “público e recíproco”. Também presente no conceito estatuído
pelo inc. III, do art. 2º, o elemento abstrato241 da obrigação: a relação/vínculo
jurídico, o liame estabelecido entre as partes formalizada através do competente
instrumento (“formalmente”), deixando claro o entendimento de que não há
forma livre na constituição das parcerias em apreço, consolidadas nos
respectivos termos de colaboração, termos de fomento ou em acordos de
cooperação.
Referido artigo abraça, ainda, o que se acredita ser elemento central não
só das parcerias em estudo, mas da ciência jurídica na atualidade: a cooperação.

239 O texto do artigo em análise é deveras dogmático. Explicita as diferenças entre deveres e
obrigações, conceitos que formam a dinâmica obrigacional e por certo tem níveis de diferença.
Flávio Tartuce (2016) lançando mão da lição dada por Francisco Amaral, reforça que o dever
jurídico contrapõe-se ao direito subjetivo, caracterizando-se pela necessidade do devedor de
observar um certo comportamento compatível com o interesse do titular do direito subjetivo, algo
que vai além da própria norma. A obrigação, por sua vez, pressupõe uma relação jurídica que,
em caso de inobservância, levará à busca de satisfação, no patrimônio do responsável.
240 Neste sentido, nos apegamos à ponderação de Gustavo Magalhães (2012), nos seguintes

termos: “O argumento de que nos contratos os interesses são contrapostos, por questão de
coerência, deveria abranger também os convênios administrativos. Mas ninguém exige a
contraposição de interesses como requisito da celebração de convênios. Por essa razão deve
ficar claro que a pluralidade de partes pressupõe (tanto para os contratos quanto para os
convênios) a divergência de interesses, mas não a contraposição de objetivos. Se nos convênios
os interesses fossem comuns, idênticos, não haveria negócio jurídico bilateral (que pressupõe
acordo de vontades autônomas, mas sim negócio jurídico unilateral” (grifo nosso) (MAGALHÃES,
Gustavo Alexandre, Convênios administrativos. Aspectos polêmicos e análise crítica de seu
regime jurídico. São Paulo: Atlas, 2012, p. 214).
241 Segundo lição de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2017, p. 81), é o elemento abstrato

que possibilita que um dos sujeitos venha exigir do outro o objeto da prestação, “sob pena de
excussão patrimonial através do Poder Judiciário”. Como se verá, no caso das parcerias em
apreço, as prestações estarão devidamente descritas nos competentes planos de trabalho,
envolvidas em complexos índices e metas de resultado.

120
Não haveria mais espaço, seja na lógica contratual, seja sob a ótica processual,
seja na dinâmica relacional público-privada, para relações verticalizadas. Na
esfera das decisões judiciais, na relação Administração Pública-Administrados
cresce o campo de incidência da boa-fé242, estabelecendo-se relações dialéticas
e uma conduta colaborativa. Não se concebe mais a figura do juiz alheio ao trato
processual. Não há mais espaço para o agente público que se coloca no “topo”,
abusando das prerrogativas que abarcam o regime jurídico administrativo.
Alçado à condição de princípio e ganhando centralidade e repercussão
em razão da instituição de uma nova norma processual – Lei n. 13.105/15 – o
Código de Processo Civil – art. 6º243, a cooperação no processo pressupõe a
disponibilidade das partes para a obtenção de uma decisão o mais justa possível.
O marco regulatório em estudo, abraça essa perspectiva também no âmbito das
parcerias firmadas entre o poder público e as OSCs, reforçando a postura de
coordenação e de reverência não só à prestação obrigacional, mas também aos
deveres anexos contratuais, que dizem respeito à informação, à lealdade e ao
respeito recíprocos.
Assim, a nível das parcerias em estudo, não bastará o cumprimento das
metas e resultados, como se verá, previstos nos respectivos planos de trabalho
(art. 22, Lei n. 13.019/14). Há de se reconhecer deveres que importem no
esclarecimento (informação), na prevenção244, no auxílio e na urbanidade. Há
de se “importar” de vez para o Direito Público a tão afamada boa-fé objetiva
presente na lógica das relações de Direito Privado, sem que isso se apresente
como ofensivo ao primado da supremacia do interesse público. É decerto a
ordem natural das coisas, ao se ter a cooperação e a participação social como

242 Conforme leciona Raquel Melo Urbano de Carvalho (2008), “Cresce o campo de incidência
da boa-fé na medida em que se reduz a verticalidade nas relações entre o Poder Público e o
cidadão e a seara da auto-executoriedade administrativa, com o incremento das relações de
coordenação entre o Estado e os membros da sociedade”.
243 CPC/15 – art. 6º - “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se

obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (grifo nosso).


244 Esse dever de prevenção já é uma realidade palpável no Estado do Rio de Janeiro e faz parte

de um projeto que prevê que licitantes e contratantes tenham programas de integridade que
visam prevenir e detectar ilícitos nas relações contratuais com o Poder Público. Compactua
assim a Administração Pública fluminense, conforme se depreende da Lei Estadual n. 7.753 de
17 de Outubro de 2017, com uma dinâmica procedimental de transparência, refletida em
programas de compliance, tema que será tratado mais adiante e que também dá o tom das
parcerias em estudo.

121
norte de desenvolvimento do marco regulatório. Há de se invocar, portanto, a
nobre lição de Edílson Pereira Nobre Júnior, que faz-se questão de trasladar:

Uma possível falta de intimidade entre Administração e administrado


não pode mais ser elencada para obstar a expansão da boa-fé no
direito público. Na atualidade, nota-se uma proximidade cada vez mais
intensa entre aqueles, servindo de exemplo a participação popular
como como mecanismo de controle da atividade administrativa, uma
maior transparência exigível no exercício desta, a colaboração entre o
particular e o Poder Público, o que é demonstrável na execução dos
serviços públicos e no acompanhamento da evolução patrimonial dos
agentes públicos, como prevê a Lei n. 8.429/92, etc 245.

Essas reflexões levam o Direito Administrativo para o futuro. Ao se


reconhecer a cooperação como desdobramento da boa-fé objetiva, chega-se ao
momento de ir além e refletir com maturidade, até mesmo, acerca das
obrigações pré-contratuais do parceiro público para com o parceiro privado. É
chegada a hora, portanto, de a Administração Pública deixar de se esconder por
detrás do dito “interesse público” e se colocar nas parcerias que firma, com a
postura e o compromisso necessário para fazer acontecer. Condutas que
representam má fé e abuso de direito246 no uso de prerrogativas não podem mais
ser admitidas.
Há de se compactuar com lições como a de José Guilherme Giacomuzzi
que corajosamente afirma: “Entendo que entre nós nenhuma distinção há que
ser feita. A Administração Pública deve também submeter-se ao princípio da
responsabilidade pré-contratual. Nenhuma razão há para afastá-la de tal
encargo sem que isso lhe tolha ou anule os poderes de revisão unilateral dos
contratos, presente, sempre, a possibilidade de indenização em caso de culpa
da Administração ou em razão da confiança legítima provocada no
administrado”247.

245 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito
administrativo brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 137.
246 Consoante leciona Nelson Rosenvald (2005, p. 207), “Boa-fé e abuso do direito

complementam-se, operando aquela como parâmetro de valoração do comportamento dos


contratantes: o exercício de um direito será irregular e, nesta medida, abusivo, se consubstanciar
quebra de confiança e frustração de legítimas expectativas”.
247 GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração

pública: o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 282.

122
O marco regulatório abraça essa perspectiva e assenta providencial
dispositivo (art. 87) a evidenciar a preocupação que a norma tem com um
comportamento probo ao longo de todas as fases de construção das parcerias,
reconhecendo o respeito à boa-fé e à construção da confiança desde a fase
preparatória, senão vejamos: “As exigências de transparência e publicidade
previstas em todas as etapas que envolvam a parceria, desde a fase preparatória
até o fim da prestação de contas, naquilo que for necessário, serão
excepcionadas quando se tratar de programa de proteção a pessoas ameaçadas
ou em situação que possa comprometer a sua segurança, na forma do
regulamento” (grifamos).
Note-se ainda, ser a confiança ser a grande máxima da norma em estudo.
Em tempos de crises (econômica, financeira, e de confiança) que colocaram as
instituições brasileiras em posição de total descrédito, com efeito dar-se na
atualidade grande centralidade à confiança, como “a expectativa que nasce no
seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo” 248.
Na construção desse verdadeiro “ethos de confiança”249, repousa inestimável
valor econômico e uma inquestionável relevância na eficiência das instituições
democráticas.
É todo esse o peso de se colocar o termo “cooperação” no bojo da Lei n.
13.019/14. Não se pode esperar outra coisa. É certo que essas escolhas terão
um peso real. Falar em cooperação, legítima confiança, boa-fé objetiva parece
muito distante dos fundamentos tradicionais do Direito Público. Compreender
essas novas perspectivas e novas formas de relacionamento com o
Administrado não pode ser visto como algo negativo. Necessário um
compromisso de todas as instituições envolvidas com esse horizonte que se
avizinha. Não se pode imaginar que os paradigmas do Direito Público correm
riscos. Não se prega a supremacia do individualismo sobre o coletivismo e sim
uma aposta em um individualismo que construirá um senso mais apropriado de
coletivo. É preciso acreditar no aperfeiçoamento das bases do Direito

248 FUKUYAMA, Francis. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Trad.


Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1996, p. 41.
249 PEYREFITTE, Alain. A sociedade de confiança. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto

Piaget, 1997, p. 418.

123
Administrativo. É preciso apostar em um requinte nas relações entre
Administração Pública e aqueles com quem vier a contratar. Como se verá na
sequência, falar em “interesse público” na prática das parcerias aqui estudadas,
deverá significar muito mais do que a mera transferência da execução de um fim
de competência do agente público para o agente privado.
Por contas de tantas insurgências não é tarefa fácil o enfrentamento da
terminologia posta pelo art. 2º, III, quando fala em “interesse público”, no que há
de se concordar com José Eduardo Faria ao afirmar ser “um conceito quase
mítico, cujo valor se assenta justamente na indefinição de seu sentido e que, por
ser facilmente manipulável por demagogos, populistas e tiranos da vida pública,
acaba sendo analiticamente pobre”250.
Não são poucas as reflexões sobre o que venha a ser o “interesse
público”, afinal tal expressão empresta sentido aos paradigmas da Administração
Pública, em sendo: a noção de indisponibilidade e supremacia do interesse
público. É uma questão central no desenvolvimento do Direito Administrativo.
Para Celso Antônio Bandeira de Melo, um dos mais tradicionais autores da
disciplina, o interesse público é “resultante do conjunto de interesses que os
indivíduos pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de
membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”251.
Como brilhantemente construído por Hector Jorge Escola, “a noção de
bem-estar geral encontra seu correlato jurídico na ideia de ‘interesse público’, a
qual pode ser concretizada, agora, sob o fundamento de que existe o interesse
público quando, nele, uma maioria de indivíduos, e em definitivo, cada um pode
reconhecer e extrair do mesmo seu interesse individual, pessoal, direto e atual
ou potencial. O interesse público, assim entendido, é não só a soma de uma
maioria de interesses coincidentes, pessoais, diretos, atuais ou eventuais, mas
também o resultado de um interesse emergente da existência da vida em
comunidade, no qual a maioria dos indivíduos reconhece, também, um interesse

250 FARIA, José Eduardo. “Antinomias jurídicas e gestão econômica”. In: Revista de Cultura e
Política, n. 25, Abril, 1992, p. 167-184.
251 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2007, p. 58.

124
próprio e direto” 252 . Tal conceito apesar de todo seu brilho também tem
dificuldades práticas de se realizar, sendo bastante complexa a construção da
ideia de “maioria de indivíduos”. De todo modo, assenta toda a evolução da
discussão na medida que sinaliza para a ideia atual do que se venha entender
por “interesse público”. A percepção do que venha a se entender por interesse
público tem evoluído juntamente com a noção de Estado e de Administração
Pública.
Assim, pensar conceitualmente o interesse público hoje, é pensar na
constitucionalização do Direito Administrativo e, portanto, ter os direitos
fundamentais e o sistema democrático como vetores axiológicos253.
É nesse sentido as lições de Marçal Justen Filho quando defende que o
conceito de interesse público envolve uma questão ética e não técnica,
afirmando: “Há demandas diretamente relacionadas à realização de princípios e
valores fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana. O ponto
fundamental é a questão ética, a configuração de um direito fundamental. Ou
seja, o núcleo do direito administrativo não reside no interesse público, mas nos
direitos fundamentais”254.
Não interessa ao desenvolvimento desta tese aprofundar ainda mais nos
desdobramentos do conceito de interesse público. As considerações aqui
pontualmente feitas se prestam a apontar o quão melindrosa é a tarefa de dar a
um conceito indeterminado, o mínimo de consistência. Talvez com o marco
regulatório em estudo, a ideia de interesse público se torne mais palpável, na
medida que esse venha a ser tornar mais perceptível no universo das
organizações da sociedade civil, seja presente em seus estatutos quando de sua
formação, seja em ações diárias junto das comunidades que atuam.

252 ESCOLA, Hector Jorge. “El Interés Público Como Fundamento Del Derecho Administrativo”.
APUD DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de
1988. 2º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2007, p.215.
253 BINENBOJM, Gustavo. “A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil”. Revista

Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 13,
Mar/abr/Mai. 2008, Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=262.
Acesso em: Jan.2018.
254 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43-

44.

125
De todo modo, pode-se dizer que a Lei n.13.019/14 aponta, ainda que
bem discretamente (mas sugestivamente), para o norte do que venha a se
entender por interesse público, na medida em que sinaliza:

Art. 84-C. Os benefícios previstos no art. 84-B255 serão conferidos às


organizações da sociedade civil que apresentem entre seus objetivos
sociais pelo menos uma das seguintes finalidades:
I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico
e artístico;
III - promoção da educação;
IV - promoção da saúde;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção
do desenvolvimento sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à
pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos
e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e
crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia e de outros valores universais;
XII - organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse
público e de cunho social distintas das destinadas a fins
exclusivamente religiosos;
XIII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos
técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas
neste artigo.

Note-se como a Lei n. 13.019 lança mão de um rol de “finalidades” que,


em verdade, exteriorizam a grande missão das parcerias que é a “realização do
interesse público e recíproco” (art. 1º). Não exige, como acontece na Lei das
OSCIP, que as OSCs parceiras tenham tais finalidades para obtenção de
qualquer tipo de certificação ou qualificação, mas sim para auferirem certos
benefícios, tais como o recebimento de bens móveis considerados

255 Lei n. 13.019/14 – “Art. 84-B. As organizações da sociedade civil farão jus aos seguintes
benefícios, independentemente de certificação:
I - receber doações de empresas, até o limite de 2% (dois por cento) de sua receita bruta;
II - receber bens móveis considerados irrecuperáveis, apreendidos, abandonados ou disponíveis,
administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;
III - distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou
operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua
manutenção ou custeio”.

126
irrecuperáveis, apreendidos, abandonados ou disponíveis, administrados pela
Receita Federal (inciso II, art. 84-B). Criam-se privilégios às OSCs, de modo a
reconhecer o relevante trabalho que realizam no universo de concretização de
direitos sociais, privilegiando iniciativas concretas, articuladas e efetivas em
desfavor de iniciativas aventureiras.

2.1.1 O REGIME JURÍDICO DAS PARCERIAS SEGUNDO A LEI N. 13.019/14

Como já foi objeto anteriormente de uma reflexão generalista, a questão


do regime jurídico nos ajustes firmados entre entidades do dito “Terceiro Setor”
e o poder público tem na indefinição de seu regime, um dos pontos mais
problemáticos256.
O marco regulatório objeto desta tese não foge do enfrentamento do tema
e determina, de modo impassível, no caput do seu art. 5º257, que o regime jurídico
das parcerias firmadas entre Administração Pública e organizações da
sociedade civil tem como fundamento “a gestão pública democrática, a
participação social, o fortalecimento da sociedade civil, a transparência na
aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da legitimidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência
e da eficácia (...)”.
Sob o crivo da Lei n.13.019/14, o regime jurídico das parcerias firmadas
entre a Administração pública e as OSCs tem não só fundamentos, mas também,
como se verá, os propósitos que tal regime deverá alcançar (incisos I ao X do
art. 5º). Lançando mão de uma redação cheia de conceitos jurídicos abertos e
indeterminados, o marco regulatório lança, em verdade, ainda mais dúvidas do
que soluções a tema tão sensível.

256Como muito bem refletido por Cristiana Fortini (et al) (2015, p. 94), “a discussão é impulsionada
pela ideologia oficial que alimentou (e ainda alimenta) o estreitamento das parcerias entre entes
públicos e privados, inspirada pela busca de resultados mais satisfatórios, quando comparados
aos decorrentes da atuação direta pelas entidades e órgãos públicos, vez por outra enfrenta
críticas importantes alimentadas pelo perfil não liberal da constituição brasileira”.
257 Lei n. 13.019/14 – “Art. 5o O regime jurídico de que trata esta Lei tem como fundamentos a

gestão pública democrática, a participação social, o fortalecimento da sociedade civil, a


transparência na aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da legitimidade,
da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia,
destinando-se a assegurar: (...)” (grifo nosso).

127
Ao se utilizar de termos tais como “gestão pública democrática”,
“participação social”, “fortalecimento da sociedade civil”, o marco regulatório se
apega a redundâncias que tornam o tema ainda mais tortuoso. Será preciso
conhecer sistematicamente toda a estrutura da Lei n. 13.019/14 para se arriscar
a alcançar todos os significados da norma.
Ao optar por um regime jurídico que tem por fundamento uma “gestão
pública democrática”, o marco regulatório parece sinalizar para a construção de
uma democracia substantiva, conceito “indissociável da noção de igualdade
substantiva”258. Nesta ótica, o marco regulatório presta honras não só a uma
democracia formal que diz respeito à mera escolha dos agentes políticos
eletivos, na máxima do “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”
(Parágrafo único, art. 1º CF/88), mas também a um projeto muito maior que
impõe o desenvolvimento local inclusivo e sustentável, a defesa dos direitos
humanos e o fortalecimento da sociedade civil.
Nestes termos, não bastaria à interpretação do que se venha entender por
“gestão pública democrática”, a noção de uma democracia substancial, a
envolver, por exemplo a escolha de políticas públicas, como faz o art. 18 da Lei
n. 13.019/14, com a instituição do Procedimento de Manifestação de Interesse
Social – PMIS. Há de se perceber a gestão pública democrática presente no
regime jurídico das parcerias em estudo, como uma missão, de modo que não

258Fica a lição: “Para mim, é da maior importância política, tanto na teoria quanto na prática,
contrastar nossa concepção do metabolismo social radicalmente diferente do futuro – sem o qual
a humanidade não sobreviverá – com as formas existentes. É por isso que uso a expressão
‘substantivamente democrático’ (e, é claro, ‘democracia substantiva’, cujas características
definidoras fundamentais a tornam indissociável da ‘igualdade substantiva’) em contraste
inclusive com a concepção de democracia, que já foi genuinamente liberal e que, sob nenhuma
condição, poderia ser substantiva, mesmo que tenha conseguido ser mais ou menos substancial
em um sentido político limitado. Nesse sentido limitado, a política pode ser mais ou menos
‘substancialmente democrática’ sob um regime liberal, mas jamais poderá ser substantivamente
democrática. No caso do contraste feito aqui por mim, não pode haver política ‘mais ou menos
substantivamente democrática’ ou ‘mais ou menos substantivamente igual’. Ou ela é
substantivamente democrática e substantivamente igual ou não é. Em outras palavras, no último
caso ela de modo algum é substantiva. Em contraposição, sob certas condições históricas é
perfeitamente legítimo falar de relações políticas/sociais ‘mais ou menos substancialmente
democráticas’ ou ‘mais ou menos substancialmente iguais’” (grifo nosso) (MÉSZÁROS, István.
“Igualdade substantiva e democracia substantiva”. Revista Margem Esquerda, n. 25, 2º semestre
de 2015, pp. 38-40).

128
se caia em um discurso utópico e fantasioso e o mesmo ciclo de fragilidades se
repita, com uma roupagem “democrática”.
Assim lembra Mészaros:

As ilusões associadas à noção de “democracia direta” etc. precisam


ser avaliadas nessa linha, dentro do quadro de referência do modo
radicalmente redefinido de reprodução societária. A razão disso é que
as projeções irrealizáveis da “democracia direta” permanecem
irrealizáveis precisamente por estarem presas na armadilha das
limitações estruturais do domínio político vigente, enquanto o desafio
histórico inevitável é a transformação radical de todos os níveis do
metabolismo social de uma maneira não hierárquica. A política pode
iniciar mudanças sociometabólicas importantes e de fato
fundamentais, mas não pode constituir uma mudança por si só. Ela
pode afetar de maneira significativa as condições da reprodução
material, mas ela própria é dependente – inclusive quanto ao modo de
articular suas demandas por uma mudança importante – da natureza
de dado ou visado quadro de referência reprodutivo de ordem material
(bem como, é claro, do seu correspondente cultural e ideológico) 259.

Ademais a “gestão pública democrática” possa ter um peso terminológico


que ressalta a verve de um Estado gerencial/empresarial, será preciso enxergar
além disso, de modo que não se venha a reproduzir discursos vazios e mais uma
norma sem efetividade palpável. É preciso reconhecer na terminologia
empregada pela Lei n. 13.019/14, um conjunto de aspirações da sociedade civil
no tocante a sua real participação e a mais transparência no trato com a coisa
pública, reflexos de valores abraçados por nosso texto constitucional e
replicados na essência do marco regulatório. É o caso de se falar não só em
eficiência e eficácia, mas sim em “efetividade”, para além de um mero propósito,
como uma nova postura dos parceiros ante a real concretização do interesse
público.
Como se verá, o marco regulatório tem sim considerável preocupação
com os resultados a serem obtidos em razão da parceria firmada. Para isso se
apoia em um plano de trabalho próprio, a ser monitorado e avaliado pela parceira
pública, com a verificação de metas e resultados que, inclusive, influenciarão a
prestação de contas da parceria. Todavia, pela leitura sistemática do art. 5º da
Lei n. 13.019/14, absorve-se que as intenções do marco regulatório vão além. O

259 MÉSZÁROS, 2015.

129
regime jurídico fundado na gestão pública democrática tem por propósito, o
reconhecimento da participação social como direito do cidadão (inciso I), a
construção de valores de cidadania e de inclusão social e produtiva (inciso II), a
valorização da diversidade cultural (inciso VI), dentre outros. É um complexo rol
de objetivos que justificam a opção legislativa em prol de uma “gestão pública
democrática”. Cada um dos propósitos presentes nos incisos I ao X do art. 5º do
marco regulatório serão devidamente tratados no terceiro capítulo desta tese.
De todo modo, deve restar assentado que, ao se pensar uma gestão
pública democrática, há de se considerar ali contida a “participação social”, a ser
percebida ante tudo o que se tem refletido, para além dos pleitos eleitorais,
sagrando-se em outros instrumentos, tais como coletas de opinião, audiências
públicas, reclamações e denúncias endereçadas a órgãos de controle,
apresentação de proposta que poderá vir a se concretizar em alguma política
pública. O marco regulatório, como se verá ao longo do desenvolvimento desta
tese, estrutura-se como terreno fértil para a contextualização de tais
experiências.
Há de se citar nesta lógica a “Plataforma MROSC”, fruto das articulações,
de um grupo de organizações260 que subscreveram um documento em 2010,
pleiteando a criação de um Novo Marco Regulatório que viesse consolidar “uma
relação harmônica e construtiva das Organizações da Sociedade Civil (OSC’s)
com o Estado, os governos e com a própria sociedade”261. Referida Plataforma,
tal como aduziu sua carta de intenções, pretendia a construção de um regulação
que contemplasse:
 Processos e instâncias efetivos de participação cidadã nas
formulações, implementação, controle social e avaliação de
políticas públicas;
 Instrumentos que possam dar garantias à participação cidadã
nas diferentes instâncias;

260Entidades e redes que lançaram a “Plataforma MROSC”, em agosto de 2010: Articulação


Nacional de Agroecologia – ANA, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa –
ASPTA, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, Cáritas
Brasileira, Fundação AVINA, Fundação Grupo Esquel do Brasil – FGEB, Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas – GIFE, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,
Pastoral da Criança, Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
261 Proposta da “Plataforma MROSC” disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-
content/uploads/2011/10/Plataforma-principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.

130
 O estímulo ao envolvimento da cidadania com as causas
públicas, criando um ambiente favorável para a autonomia e
fortalecimento das OSCs;
 Mecanismos que viabilizem o acesso democrático aos
recursos públicos e que permitam a operacionalização
desburocratizada e eficiente das ações de interesse público;
 Um regime tributário apropriado e favorecido às OSCs,
incluindo a criação e aprimoramento de incentivos fiscais para
doações de pessoas físicas e jurídicas (grifamos)262.

Tal iniciativa frutificou e, com base na articulação dessas OSCs, a Lei n.


13.019/14 se concretiza, instaurando uma verdadeira agenda a tratar das
organizações da sociedade civil. Neste contexto, há de se chamar atenção para
a plataforma virtual de participação social mantida pelo governo federal, o
“participa. br”, mais especificamente o “participa.br/MROSC”, que contempla a
agenda do MROSC no âmbito federal. Também nesta esfera, cite-se o Decreto
n. 8.726/15, que regulamentou a Lei n. 13.019/14, determinando a criação do
CONFOCO - Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (art. 83) que tem
por missão, divulgar boas práticas, propor e apoiar políticas e ações voltadas ao
fortalecimento das parcerias em estudo.
A nível estadual e municipal existem algumas construções neste sentido,
destacando-se a experiência baiana, com uma laboriosa rede de articulação e
desenvolvimento. Cite-se o “Projeto Rede de Inovação Ponto de Gestão
MROSC”, que tem como propósito a construção de um modelo de articulação
entre as OSCS, Universidade e Estado, tendo por missão a qualificação de
multiplicadores da agenda MROSC e a realização de painéis e debates
itinerantes. A experiência baiana serviu de modelo para a elaboração de uma
cartilha 263 pela ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais, de modo que sirva de exemplo para a disseminação da agenda
MROSC pelo país. Ali resta explicitado com se articularam e se mobilizaram os
diversos atores sociais para a construção do decreto regulamentador da Lei n.
13.019/14 no Estado da Bahia. Foram realizadas videoconferências, audiências

262 Conforme proposta da “Plataforma MROSC” disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-


content/uploads/2011/10/Plataforma-principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.
263 Disponível em: http://abong.org.br/final/download/cartilha-lei-mrosc-regulamentacao-passo-

a-passo.pdf. Consulta em: Mar 2018.

131
públicas, criados Grupos de Trabalho e comissões para a configuração de uma
efetiva participação cidadã.
O regime jurídico das parcerias, foco do presente tópico, também se faz,
segundo o caput do art. 5º da Lei n. 13.019/14, com o fortalecimento da
sociedade civil, o que a nosso ver, pressupõe a ação educativa, a articulação em
espaços de discussão, a possibilidade de interferir com propostas, bem como
com o reconhecimento de um modelo capaz de englobar todas essas frentes.
Como se verá, em suas especificidades, o marco regulatório tem ao menos a
pretensão de construir tal horizonte, reconhecendo a participação social como
direito do cidadão (inciso I do art. 5º), com a capacitação de gestores,
conselheiros e demais agentes (públicos ou privados) envolvidos nas parcerias
(art. 7º), com a atuação em rede das OSCs (art. 35-A) e ainda, com a
possibilidade de que as OSCs, os movimentos sociais e os cidadãos apresentem
propostas para eventual concretização de políticas públicas (Procedimento de
Manifestação de Interesse Social – art. 18).
O fortalecimento da sociedade civil como um dos propósitos a serem
alcançados pelo regime jurídico em questão é, decerto, um dos grandes desafios
do modelo de regulação proposto pela Lei n. 13.019/14. É quase uma questão
cultural264 a ser revista, com a construção de uma nova reputação na lógica de
alteridade até então construída entre poder público e as filantrópicas. Como
anota Valter Shuenquener de Araújo:

A reputação tem o papel de fazer com que a análise do custo-benefício


de uma relação de confiança não se restrinja a um curto período. Ela
torna vantajosa, no longo prazo, a prática de uma medida que, numa
visão mais estreita e imediata, apenas traria desvantagens 265.

E complementa:

264 Conforme reflexões de Naiana Bezerra de Brito (2013, p. 61): “Com efeito, não é a economia
que influencia a cultura; é ela que é um produto cultural. Afinal, como destaca Peyreffite, se o
homem é o ator principal do desenvolvimento econômico, não podemos admitir que se torne
vítima dos seus próprios êxitos e sucumba sob o peso das suas próprias realizações. Ou seja,
não temos o direito de tratar como secundário o custo humano da modernização, nem podemos
inferir incorretamente que a cultura é incapaz de mudar e não pode ser influenciada por atos
políticos” (grifa-se).
265 ARAÚJO, Valter Shuenquener de. O princípio da proteção da confiança: uma nova forma de

tutela do cidadão diante do Estado. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 15.

132
A despeito de a vantagem estatal ser, num horizonte próximo, maior
que um eventual prejuízo, a perda pelo Estado de sua reputação como
garantidor de suas diretrizes acaba criando um grande prejuízo na
longa caminhada266.

É o cenário que se experimenta hoje no Brasil em relação a sua


Administração Pública. Nesta ordem, deve-se se olhar para a Lei n. 13.019/14
como um instrumento que pretende mudar as regras do jogo, reconstruindo-se
no senso coletivo, uma relação sinérgica, pautada na confiança e reciprocidade.
É exatamente nesta dinâmica que o marco regulatório, também no caput do art.
5º, impõe outro elemento indissociável do regime jurídico em estudo: a
transparência na aplicação dos recursos públicos.
A Lei n. 13.019/14 acompanha a onda legislativa moralizadora que invadiu
o Brasil na atualidade. Existe considerável aparato normativo a sinalizar para
uma lógica própria de transparência (Capítulo II, Seção III, art. 10), amparada
por uma metodologia própria de avaliação e monitoramento das parcerias (art.
58), privilegiando, inclusive, o controle social, bem como substanciosas regras a
despeito da prestação de contas (art. 63). Há de se falar ainda em um aspecto
comportamental das parcerias que desagua na lógica da transparência, de modo
a não se admitir um comportamento omisso dos seus gestores (inciso II, art. 61).
Cite-se ainda, o amplo apelo à publicidade (art. 10; §1º, art. 32; art.38; inc. XVI,
art. 42; art. 87). O texto de citada norma se debruça em uma contundente missão
em prol de um modelo mais probo e transparente que tal propósito, como já se
viu, chega a ultrapassar as fronteiras da norma, tendo alterado, inclusive, a Lei
das OSCIP (art. 86 da Lei n. 13.019/14).
Tenha-se em mente ainda, o que acredita-se ser o ponto central de
dissenso, que o regime jurídico do qual trata a Lei n. 13.019/14 tem como
fundamentos, “os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade,
da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia”,
conforme também estatuído pelo caput do seu art. 5º. Os princípios em
referência são, reconhecidamente afetos à lógica dos contratos administrativos
e afetos à Administração Pública (art. 37 CF/88), o que nos leva, portanto, ao

266 ARAÚJO, 2009, p. 16.

133
raciocínio de que o regime jurídico das parcerias em estudo seria eminentemente
de direito público.
Existe um peso, como já dito, no reconhecimento do regime jurídico
administrativo no bojo destas parcerias. Não há como reconhecer uma dinâmica
efetivamente cooperativa em uma estrutura hierarquizada. Haverá, portanto,
espaço para prerrogativas e decisões unilaterais tomadas pelo parceiro público,
o que complica todo o propósito do modelo de regulação proposto. Haveria
verdadeira incompatibilidade na percepção de um regime jurídico
eminentemente público, com a lógica de um “regime de mútua cooperação”. A
mútua cooperação pressupõe que as partes estão de igual para igual, pressupõe
um redimensionamento dos dogmas do Direito Administrativo, nos leva, mais
uma vez, a um modelo de gestão híbrido, extremamente complexo em seu
desenvolvimento prático (construindo uma burocracia própria) e que pode se
mostrar incapaz de encampar os louváveis propósitos que o alimentam.
Por outro lado, de modo que não se perca todo o esforço de construção
de um marco regulatório das Organizações da Sociedade Civil, é preciso refletir
sobre a principiologia do regime jurídico das parcerias, com um olhar sistemático
sobre todo o modelo de regulação proposto. Nesses termos, ao se falar em
legalidade e legitimidade, a Lei n. 13.019/14 sinaliza para uma percepção
bastante evoluída do princípio da legalidade, para além de um mero exercício de
subsunção.
Daí ser de extrema relevância as lições muito bem engendradas pela
professora Raquel Melo Urbano de Carvalho, tendo esquematizado suas
reflexões acerca das “mutações na noção clássica de legalidade”, apontando
três momentos: i) a primeira mutação na noção clássica de legalidade: com a
ideia de legitimidade; ii) a segunda mutação na noção clássica de legalidade: a
noção de constitucionalidade e; iii) a terceira mutação na noção clássica de
legalidade: a noção de juridicidade267.
Interessa-nos, neste momento, a primeira mutação na noção clássica de
legalidade (noção de legitimidade), para a qual não bastaria apenas o

267CARVALHO, Rachel Melo Urbano. Curso de Direito Administrativo – Parte Geral, Intervenção
do Estado e Estrutura da Administração. Salvador: Jus Podium, 2008, p. 83.

134
cumprimento das regras expressas nas leis vigentes e na Constituição, sendo
necessário o atendimento da moral administrativa e da finalidade pública. Na
notável lição de Juan Francisco Linares, tal perspectiva não se trata de uma mera
garantia formal ou linguística, mas traz consigo, a razoabilidade, a igualdade e a
irretroatividade danosa da lei268.
A Lei n. 13.019/14 está recheada deste espírito. Carrega, em suas bases,
a construção de uma nova moral administrativa contratual, pautada na
transparência das ações (desde sua formação até sua entrega) e tem na
finalidade pública sua essência, sob o propósito primeiro de “consecução de
finalidades de interesse público” (art. 1º). Nessa perspectiva, desponta o
princípio da moralidade, para a consciência de que uma moralidade
administrativa se faz para além do preenchimento de atribuições legais e sim sob
uma lógica de pudor 269 , pautada em um comportamento leal por parte dos
administradores quando de sua atuação funcional.
Ao se falar em uma moral administrativa, lança-se mão de um conceito
complexo, que possui um núcleo axiológico com desdobramentos, mais ou
menos indefinidos270. Exatamente por conta disso, há de reconhecê-lo como “um
princípio jurídico ‘em branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure
em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no
Direito legislado”271. Desta feita, não se pode apontar no marco regulatório um
dispositivo único que venha abarcar tudo o que possa refletir o modelo de
moralidade posto no núcleo das parcerias em estudo. Será preciso reconhecê-
la no descortinar dos seus institutos e de toda essência normativa.

268 No original: “Pero el principio, como garantia de legitimidade jurídica, tiene um doble aspecto:
la legalidad (formal) y la razonabilidad o justedad (material). Ya temos visto que no se trata de
uma mera garantía formal, linguística, sino que lo es también de contenido, razonabilidad,
igualdad, irretroactividad dañosa de la ley” (LINARES, Juan Francisco. Derecho administrativo.
Buenos Aires: Astrea, 2000).
269 Antônio José Brandão (1996) em citação a Carlos Ayres Brito, para quem, “a lei tem o poder.

A moralidade tem o pudor. A moralidade é o tempo e a legalidade é o espaço. A lei é estática e


a moralidade é dinâmica” (grifamos). (BRANDÃO, Antônio José. “Moralidade administrativa”.
Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, NDJ, v. 12, n. 2, p. 62-72, fev. 1996).
270 JUSTEN FILHO, Marçal. O princípio da moralidade pública e o direito tributário. Revista

Trimestral de Direito Público, São Paulo, Malheiros, v.11, p. 50, 1995.


271 JUSTEN FILHO, 1995, p. 50.

135
Daí ser possível perceber claramente, o tom de moralidade que existe ao
longo de toda a Lei n. 13.019/14, como por exemplo, na obrigatoriedade da
realização de um chamamento público para a escolha da OSC parceira (art. 23),
no compromisso com a máxima publicidade das parcerias, divulgando-as nos
sítios oficiais da internet, nas sedes sociais das OSCs e nos estabelecimentos
donde estejam sendo exercidas as atividades e projetos (art. 10 e 11). A
excessiva preocupação do marco regulatório com o procedimento de prestação
de contas, que se estende ao longo de detalhados artigos (art. 63 ao 72) e, as
alterações promovidas na Lei das OSCIP e na “Lei de Improbidade
Administrativa” (Lei n. 8.429/92), também exteriorizam uma moralidade que vai
além das fronteiras da própria norma.
O princípio da impessoalidade corrobora na construção do regime
jurídico das parcerias na medida que impõe, como reflexo da moralidade, uma
atuação estatal desvencilhada de propósitos escusos, muitas vezes viabilizados
em razão de preferências dadas à vontade particular e à escolha daqueles que
não só tornarão possível a empreitada espúria, quanto dela também se
beneficiarão.
Desta feita, mais uma vez se socorre o marco regulatório, na clara
intenção de não se privilegiar uma ou outra OSC, ao procedimento do
chamamento público (art. 23 Lei n. 13.019/14), ao qual servirá à concretização
de um agir público que afaste discriminações e privilégios indevidos. O
chamamento público, como oportunamente se verá, é um procedimento
simplificado, nos moldes de um procedimento licitatório, composto por etapas e
fases que culminarão na escolha da melhor OSC parceira. Pauta-se no
cumprimento de requisitos objetivos, pontuados pelo próprio marco regulatório
(art. 33 e 34), baseado em critérios previamente estabelecidos (incisos I a IV, do
parágrafo único do art. 23).
Tenha-se em mente ainda, em prol da concretização da máxima da
impessoalidade, a diretriz posta no inciso VIII do art. 6º da Lei n. 13.019/14, pela
“adoção de práticas de gestão administrativa necessárias e suficientes para
coibir a obtenção, individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens indevidos”.

136
O princípio da publicidade, por sua vez, é o que torna possível o efetivo
controle dos atos administrativos e dá corpo à transparência, permitindo o devido
equilíbrio ante a regra do sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade
e do Estado (art. 5º, XXXIII, da CF/88). A Lei n. 13.019/14 firma seu compromisso
com a concretização de referido princípio não só para dar ciência aos
administrados das parcerias celebradas (art. 10 e 11), mas também como
instrumento para dar-lhes eficácia (art. 38). A publicidade é a regra, como se vê
na leitura do já citado art. 87 da norma em estudo: “As exigências de
transparência e publicidade previstas em todas as etapas que envolvam a
parceria, desde a fase preparatória até o fim da prestação de contas, naquilo que
for necessário, serão excepcionadas quando se tratar de programa de proteção
a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança,
na forma do regulamento” (grifamos).
Há de se perceber ainda, no alcance que deve ser dado ao princípio da
publicidade no bojo da regulação em estudo, seu serviço à informação, “capaz
de formatar as mentalidades para agir sobre os homens e preparar o futuro
coletivo”272. Nestes termos, nascem verdadeiras estratégias de ação, produto
dos mais diversos atores sociais que se interconectam pela informação e se
manifestam por meio “de um sistema sócio político voltado a convencer e
seduzir, marcando assim, a passagem de uma sociedade de autoridade, que
girava em torno do conceito de chefia, para uma sociedade de influência, que
depende da formação da adesão e do consenso”273.
Evolutivamente, há de se reconhecer no modelo proposto pelo marco
regulatório que tem por regra a publicidade, o desenvolvimento de vários centros
de controle, interno (gestores, dirigentes, comissões), externo (tribunais de
contas) e, especialmente, social, com a fiscalização dos resultados, ante a
obrigação da Administração Pública de divulgar pela internet os meios de
representação sobre a aplicação irregular dos recursos envolvidos na parceria
(art. 12, da Lei n. 13.019/14).

272 FRANÇOIS, Ludovic; HUYGHE, François-Bernard. Contre-pouvoirs, de la société d’autorité à


la démocratie d’influence. Paris: Ellipses, 2009, p. 3-10.
273 MOREIRA NETO, 2016, p. 54.

137
A economicidade citada pelo caput do art. 5º da Lei n. 13.019/14, como
princípio norteador do regime jurídico das parcerias, a nosso ver deve ser
percebido como um alerta, para além da usual percepção de que se trata da
escolha de uma solução o mais conveniente possível para a Administração
Pública, sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. Um alerta, na
medida que deve-se entender que os ditames do marco regulatório não podem
servir à construção de uma burocracia própria e a celeridade deve dar o tom das
parcerias, na medida que tem propósitos muito maiores.
De todo modo, vale ressaltar, na dinâmica usual do que se entende por
economicidade, o disposto pelo XIX do art. 42 do marco regulatório, no sentido
de restar firmada a responsabilidade exclusiva da organização da sociedade civil
pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos recursos recebidos. Esse
ponto, a nosso sentir, é o centro de contradições para a percepção de um regime
jurídico eminentemente público.
Por fim, em termos da principiologia posta no caput do art. 5º da Lei n.
13.019/14, faz-se menção à eficiência e à eficácia. Em algumas ocasiões o
marco regulatório demonstra bastante maturidade terminológica e esse é um dos
momentos dignos de nota. Eficiência e eficácia não podem ser tratados como
sinônimos e o marco regulatório em estudo reforça tal premissa. Nestes termos,
apreenda-se:

A eficácia surge como medida normativa do alcance de resultados,


estando relacionada ao sucesso no alcance dos objetivos, donde se
infere ser pertinente com aspectos externos da organização. A
eficiência, por sua vez, aparece como medida da utilização dos
recursos neste processo, estando relacionada aos meios e métodos de
trabalho empregados internamente pela instituição. Sendo assim,
eficácia tem relação com o sucesso nos objetivos (exterior a quem age)
e eficiência está vinculada aos investimentos realizados por quem age
(análise pessoal e interna)274 (grifo nosso).

O marco regulatório se vale das duas perspectivas. Sob o espectro da


eficiência cite-se a existência de um plano de trabalho (art. 22), como um
verdadeiro desenho, o caminho a ser trilhado pelos parceiros de modo a se ver
concretizado os fins das parcerias. Ali estarão presentes os parâmetros a serem

274 CARVALHO, 2008, p. 187.

138
utilizados para a aferição do cumprimento das metas. Aqueles servirão ao
equacionamento dos resultados buscados (eficácia).
Aproveita-se esta oportunidade para pontuar que na evolução da
dinâmica eficiência/eficácia, percebe-se a construção da noção de efetividade,
em sendo, “a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo
prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados.
Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível,
entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”275.
A Lei n. 13.019/14, a nosso ver, dá esse salto qualitativo, quando impõe,
nas parcerias com vigência superior a 1 (um) ano, a realização por parte da
Administração Pública, pesquisa de satisfação com os beneficiários do
respectivo plano de trabalho apresentado (§2º, art. 58), bem como, em termos
de referencial para a elaboração de pareceres técnicos, exige a avaliação do
grau de satisfação do público-alvo das ações executadas ou em execução (inciso
III, §4º, art. 67)276.
De toda forma, vale o alerta Dora Maria de Machado acerca da percepção
de eficiência/efetividade, de modo que a suposta desburocratização e celeridade
presente na essência dessas máximas venha suprimir valores fundantes do
Estado Democrático de Direito, senão vejamos:

Não obstante, a pretendida efetividade da atuação estatal, voltada para


a satisfação das necessidades dos administrados, não prescinde da
observância de todos os cânones regedores da atuação da
Administração Pública, sob pena de restar a coletividade presa ao
subjetivismo da atuação do administrador público. A eficiência norteia-
se por parâmetros objetivos, calcados em outros princípios condutores
da Administração Pública, como os princípios da legalidade,
moralidade, economicidade e impessoalidade. De outra forma estar-
se-ia atribuindo ao princípio da eficiência força de atuação que se
sobreporia aos demais princípios – o que, levado ao extremo,
configuraria risco ao Estado de Direito277.

275 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. “O começo da história: a nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro”. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, v. 232, p. 166, abr/jun 2003.
276 O § 4o do art. 67 da Lei n. 13.019/14 faz menção explícita à terminologia “efetividade”, como

se vê: “Para fins de avaliação quanto à eficácia e efetividade das ações em execução ou que já
foram realizadas, os pareceres técnicos de que trata este artigo deverão, obrigatoriamente,
mencionar (...)” (grifamos).
277 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RAMOS, Dora M. O.; SANTOS. Marcia Walquíria Batista

dos.; D’AVILA, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos. 5ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 47.

139
Sob o descortinar de todos esses princípios, não haveria dúvida: as
modalidades de parceria (termo de colaboração, termo de fomento e acordo de
cooperação) firmadas sob a égide da Lei n. 13.019/14 delineiam-se em torno de
um regime jurídico de direito público. Tal afirmativa não condiz com a proposta
de “parceria” construída pelo marco regulatório. Como temos dito, apesar do
nobre espírito da norma, esta acaba perdendo a oportunidade de colocar fim à
celeuma em torno do regime jurídico dos ajustes entre poder público e
filantrópicas. Não há como imaginar a dita “mútua cooperação” sofrendo a gestão
das OSCS as ingerência de um regime jurídico administrativo. Aproveita-se, sob
essa ótica, das reflexões de Raquel Melo Carvalho, no Parecer n. 15.387/2014,
elaborado na esfera da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais, nos
seguintes termos:

Considerando o referido conteúdo da Lei Federal n. 13.019/14,


entende-se que, apesar da diversidade das expressões, o termo de
colaboração e o termo de fomento instrumentalizam acordos que
consagram parcerias com atendimento integral dos pressupostos
conceituais da figura do contrato administrativo. Com efeito, o contrato
administrativo é uma avença firmada entre a Administração e o terceiro
contratado, submetida ao regime jurídico de direito público, com
obrigações impostas para ambas as partes, sendo lícita a fixação de
prerrogativas administrativas em favor do interesse público, com as
respectivas contrapartidas aptas a assegurar o equilíbrio do ajuste
bilateral. No caso do termo de colaboração e do termo de fomento, há
um acordo firmado entre o Poder Público e uma organização da
sociedade civil com deveres assumidos por ambas as partes; embora
haja um interesse comum na cooperação, é certo que o Poder Público
busca o atingimento de determinados resultados e a entidade privada
pretende usufruir dos incentivos viabilizados pelo Estado, sejam de
natureza econômica, pessoal, financeira ou patrimonial. A oposição
dos objetos perseguidos pelas partes evidencia a natureza contratual
do vínculo, o que torna claro tratar-se, do ponto de vista jurídico, de um
contrato administrativo, com a devida vênia das posições em sentido
contrário (grifo no original)278.

A nosso ver, essa perspectiva se evidencia, acima de tudo, em razão da


prevalência de um regime jurídico de direito público. Estaria tolhido, de vez, o
atraente discurso de uma gestão mais célere imposta pelas entidades sem fins
lucrativos na esfera pública, o que lhe conferia todo um tom de dinamicidade. Há

278
Disponível em: http://www.age.mg.gov.br/component/content/article/2016. Consulta em: Mar.
2018.

140
de se reconhecer as dificuldades práticas na observância de todos os primados
acima analisados, que não estão na essência de gestão das filantrópicas.
A imposição de um regime de direito público ante a perspectiva disposta
no inciso XIX do art. 42 da Lei n. 13.019/14, que exige como cláusula essencial
da parceria, o reconhecimento da “responsabilidade exclusiva da organização
da sociedade civil pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos recursos
recebidos, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, de investimento
e de pessoal”, também causa estranheza. A OSC tem a responsabilidade
exclusiva pela gestão administrativa e financeira dos recursos recebidos, ainda
que não possua liberdade alguma de gestão.
Há de se ponderar ainda, acerca da opção legislativa de revogação da
Seção II, do Capítulo III do marco regulatório, sob o título “Das contratações
realizadas pelas Organizações da Sociedade Civil”. Ali, mais uma vez, fazia-se
menção à base principiológica ora analisada, que deveria ser observada pelas
OSC (com base em um regulamento próprio), no momento da contratação de
fornecedores para a realização das “atividades-meio” das parcerias. A nosso ver
o legislador, com o advento da Lei n. 13.204/15 opta pela revogação de tal
preceito para não restar ainda mais evidenciada a ingerência pública na gestão
privada das organizações da sociedade civil. Como se verá adiante, a
regulamentação da questão pelo Decreto Federal n. 8.726/16 alimentará ainda
mais dúvidas a respeito do regime jurídico das parcerias.
A Lei n. 13.019/14, parece ter perdido a oportunidade de adequar o tema
à realidade das parcerias. Fica no ar o peso de uma “gestão pública democrática”
(art. 5º) que, no fundo, não traz qualquer alívio quanto a dualidade que permeia
este universo. O texto legal sinaliza para um regime jurídico prevalentemente
público, mas não deixa de evidenciar temperamentos, o que em uma reflexão
mais purista sobre o público/privado não representa qualquer avanço. De toda
forma, ainda que o caminho pareça ser o de uma verdadeira ponderação de
interesses, na prática, estas verdadeiras mitigações e temperamentos geram, no
fim das contas, insegurança jurídica.
No dia a dia dessas parcerias a definição do regime jurídico aplicável se
faz necessário. É, em verdade, a grande razão de ser do marco regulatório em

141
apreço, ainda que para os parceiros envolvidos o que importe seja a efetivação
de índices de desempenho e as metas a serem alcançadas pelos termos
contratuais firmados e os mesmos se calçarem dos mais variados instrumentos
para preservar minimamente os bens e direitos envolvidos nessas parcerias.
Assim que, bem antes do marco regulatório, tanto parceiro público quanto
parceiro privado reconhecem o “campo minado” por onde desenvolvem suas
atividades e se resguardam através da aplicação de princípios de Direito Público
(moralidade, impessoalidade, eficiência), de modo a se cercarem de um mínimo
de legitimidade dos seus atos.
O fato é que a discussão acerca das parcerias entre o Terceiro Setor
(parceiro privado) e o Poder Público (parceiro público), bem como as indefinições
quanto ao seu regime jurídico traz à tona o pior dos mundos. Por um lado ressalta
a dependência do parceiro privado a um ritmo de gestão imposto pelo parceiro
público e com o qual não está usualmente familiarizado.
Por outro lado, há de se reconhecer que ter a Administração Pública como
parceira não é nenhum mar de rosas. A crise financeira que afeta os entes
públicos compromete o repasse de verbas, afetando a gestão administrativa e
financeira de responsabilidade exclusiva da OSC. A Administração tem, em
nome de seu regime jurídico administrativo, a prerrogativa de unilateralmente
rescindir contratos, sujeitando-se a uma legalidade conveniente. Junte-se a isso
as mudanças de governo ao longo do desenvolvimento dos ajustes, que alteram
não só as perspectivas do mesmo, mas sofrem com ingerências ideológicas que
atrasam/comprometem seu prosseguimento.
As usuais críticas às parcerias colocam o Terceiro Setor como um
“vampiro”, sugador das verbas públicas, como se nada fosse dado em troca,
como se não tivesse metas a cumprir. O Estado, vítima indefesa, finge não se
aproveitar do know how daquelas entidades e dos espaços que as mesmas
ocupam em comunidades que usualmente o Estado não tem abertura. Trocar a
terminologia “Terceiro Setor” por “Organizações da Sociedade Civil”, não trará
qualquer alívio a esta realidade.
O fato é que vez ou outra, as parcerias em apreço são notícia. Muito mais
pela capacidade das entidades do Terceiro Setor de se aproveitarem das

142
incertezas que rondam o regime das parcerias e tirarem proveito disso, do que
pelas incapacidades do parceiro público de dar-lhes o suporte necessário e de
fiscalizar de perto suas atividades.

2.1.2 O ELEMENTO OBJETIVO DAS PARCERIAS – A PRESTAÇÃO

No mais, neste momento, de modo a se manter o correto desenvolvimento


desta tese, por oportuno o apontamento acerca dos conceitos de “atividade” e
“projeto”, que compõem o elemento objetivo das parcerias ora em análise e que
igualmente encontram tratamento, no art. 2º do marco regulatório, mais
especificamente em seus incisos III-A e III-B.
Assim que, para efeitos das parcerias firmadas entre o poder público e as
organizações da sociedade civil, entende-se por:

III-A - atividade: conjunto de operações que se realizam de modo


contínuo ou permanente, das quais resulta um produto ou serviço
necessário à satisfação de interesses compartilhados pela
administração pública e pela organização da sociedade civil;

III-B - projeto: conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais


resulta um produto destinado à satisfação de interesses
compartilhados pela administração pública e pela organização da
sociedade civil; (grifo nosso)

Referidos incisos foram incluídos pela Lei n. 13.204/15 e exprime o


esforço do legislador de tornar o mais claro possível o universo de
desenvolvimento das parcerias em foco.
Ao descrever a atividade e o projeto como “conjunto de operações”, resta
claro, a nosso ver, um procedimento, uma concatenação de atos a serem
formalizados pelas partes para a concretização dos fins pretendidos.
Ao atrelar ao conceito de “atividade” a qualidade de “contínuo ou
permanente”, o marco regulatório atende, a nosso sentir, a um anseio antigo das
organizações da sociedade civil, qual seja, o reconhecimento quanto ao fato de
que muitas das atividades objeto das parcerias, devem ter continuidade, não só
pela natureza das mesmas, quanto também para que se tenha maior segurança
jurídica por parte dos usuários dos serviços. Isso interfere no ato de escolha da

143
Administração Pública. Interferirá, portanto, na duração dos ajustes, na
elaboração de aditivos, nas justificativas para as contratações.
Exemplificativamente, citem-se os serviços de saúde, que não podem, de forma
alguma, sofrer com “crises de continuidade”. Assim que reconhecer na atividade
sua natureza contínua ou permanente reforça a segurança jurídica não só entre
os parceiros, mas também entre os administrados, verdadeiros usufrutuários dos
serviços prestados.
E falar em segurança jurídica é providencial ao contexto do marco
regulatório em estudo. Em síntese impecável a respeito desse princípio Raquel
Melo Urbano de Carvalho assevera: “A moderna doutrina defende a tese de que,
para se ter segurança jurídica, o comportamento administrativo deve se revestir
de utilidade, ou seja, deve ser eficaz. Não cabe ao administrador realizar
determinada conduta na hipótese de o resultado da ação ser inútil. Neste
contexto, a segurança jurídica apresenta-se com um cunho de defesa contra a
má-gestão da Administração Pública, muitas vezes arbitrária e casuística na
aplicação do direito”279 (grifo nosso). Sob o ponto de vista dos administrados,
conforme prescrito por Pedro José Jorge Coviello, a segurança jurídica
representa a confiança legítima vista sob a perspectiva dos particulares, não
representando tal afirmação, qualquer ofensa à legalidade, vez que compactua
com a juridicidade do agir estatal280. Percebe-se no marco regulatório em estudo
todos os meandros de uma atualíssima perspectiva do Direito Administrativo.
Ora, é certo que o tema central aqui é propriamente o desenvolvimento
das parcerias entre o poder público e as entidades sem fins lucrativos, mas sua
finalidade maior é a da prestação de serviços públicos para a concretização de
direitos, especialmente os de natureza social. É o retrato de toda evolução
estatal vista até aqui. Se temos uma reconfiguração do Estado, de quem é a
Administração Pública, dos conceitos basilares do Direito Administrativo, por
certo reconhecer uma reconfiguração até do que se entende por serviço público.

279 CARVALHO. Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPodium,
2008, p. 86.
280 COVIELLO, Pedro José Jorge. La protección de la confianza del administrado. Buenos Aires:

Abeledo-Perrot, 2004, p. 392

144
Daí julga-se importante abrir este parágrafo para ressaltar a lição de
Denhardt que descreve o “Novo Serviço Público” como uma alternativa para uma
“Nova Gestão Pública”, firmada em uma teoria política democrática, que conecta
cidadãos e seus governos em abordagens alternativas à gestão e ao modelo
organizacional verticalizado, sendo mais humanística na teoria da administração
pública 281 . É preciso, portanto, perceber as entrelinhas todas as nuances
presentes no marco regulatório e capazes de apontar para esse norte.
No conceito de “atividade” prescrito no marco regulatório também retira-
se a expressão “das quais resulta um produto ou serviço”. A norma em questão
não traz em seu bojo nem o conceito de produto nem o de serviço, o que ficará
a cargo da melhor norma integrativa ou interpretativa.
O Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n. 8.078/90) trata desses
conceitos de forma isolada. Nos termos dessa lei, entende-se por “Produto”,
“qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (art. 3º § 1°). Acredita-se
que tal conceito serviria muito bem ao marco regulatório em estudo, o que já não
serve ao conceito de “serviço”. Segundo o CDC, “Serviço” é “qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista” (art. 3º § 2°). Não é o que se deve ter em mente.
A Lei n. 13.019/14 é clara, na medida que deva se entender por “serviço”,
o “necessário à satisfação de interesses compartilhados pela administração
pública e pela organização da sociedade civil”. A norma foi prudente e não fez
menção ao “serviço público”, o qual, segundo a atualíssima Lei n. 13.460 de 26
de junho de 2017 (ainda não vigente), seria a “atividade administrativa ou de
prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão
ou entidade da administração pública” (inciso II, art. 2º).
O marco regulatório em estudo, sabiamente, nos poupa de uma incursão
mais profunda no tema, na medida que o “serviço público” é um dos temas mais
tortuosos do Direito Administrativo. Primeiramente, a questão de sua titularidade,
a despeito do que determina o art. 175 da CF/88, no sentido de que a prestação

281DENHARDT, Robert B. Teoria Geral de Organizações Públicas. 4a ed. Trad. Prof. Francisco
G. Heidemann. Belmont: Thompson/ Wadsworth, 2004, p. 175.

145
de serviços públicos é de incumbência do Poder Público, que o faz diretamente,
através de seus órgãos e entidades, ou indiretamente, via concessão ou
permissão (delegação). Nesta dinâmica, pungente a crítica de que somente
haveria precisão técnica na delegação de serviços públicos, pela via das
concessões e permissões. Daí o tecnicismo presente na afirmação de que
termos tais como “privatização”, “terceirização” e “parceria” não teriam a exatidão
técnica necessária para abarcar tal universo282.
Existe ainda a percepção do que se venha a entender por “serviço
público”, em um conceito mais amplo o u mais estrito. Em uma conceituação
ampla de serviço público, considera-se “toda atividade exercida pelo Estado,
através de seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) para a realização
direta ou indireta de suas finalidades”283. No sentido estrito, serviço público “é
todo aquele que o Estado exerce direta ou indiretamente para a realização de
suas finalidades, mas somente pela Administração, com exclusão das funções
legislativa e jurisdicional, sob normas e controles estatais, para satisfação de
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples
conveniência do Estado”284.
De todo modo, entenda-se que os serviços prestados no âmbito da Lei n.
13.019/14 não tem natureza de serviço público, ainda que em sua essência
tenha o mesmo contorno e o mesmo propósito, a satisfação dos interesses
públicos.

2.1.3 OS AGENTES DAS PARCERIAS

Para além da percepção de sujeito ativo e sujeito passivo, o marco


regulatório em estudo aponta as figuras centrais no desenvolvimento das
parcerias a serem firmadas entre a administração pública e as OSCs. Presentes,

282 Rememore-se, segundo Edmir Netto de Araújo (2010): “Parceria também não é vocábulo
jurídico (exceto a conhecida parceria agrícola); significa a conjunção de esforços (no caso, entre
Poder Público e particulares) para algum objetivo comum, afeiçoando-se mais à figura do
convênio que à de contrato”. (ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 142).
283 CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1990,

p. 73.
284 ARAÚJO, 2010, p. 123.

146
portanto, na estrutura conceitual do art. 2º, a figura do “dirigente”, do
“administrador público” e do “gestor”, bem como agentes coletivos, em sendo:
“conselho de política pública”, “comissão de seleção” e “comissão de
monitoramento e avaliação”.
Segundo redação do inciso IV, do art. 2º da Lei n. 13.019/14, com
alteração promovida pela Lei n. 13.204/15 285 , entende-se por “dirigente”, a
“pessoa que detenha poderes de administração, gestão ou controle da
organização da sociedade civil, habilitada a assinar termo de colaboração, termo
de fomento ou acordo de cooperação com a administração pública para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue
essa competência a terceiros”;
O artigo em referência é cheio de preciosismos. Ora lança mão de termos
generalistas, ora se esmiúça em cada detalhe. Ao dizer “pessoa”, não diz tratar-
se de pessoa natural ou jurídica, mas se dá ao trabalho de tratar diferentemente
os termos “administração, gestão e controle”. É certo que há de se imaginar que
o dirigente deverá ser pessoa natural (nos termos do Título I, do Livro I, da Parte
Geral do Código Civil Brasileiro), pela própria estrutura de formação das OSCs,
mas decerto que a norma tantas vezes apegada a melindres, deixa margem para
interpretações mais elásticas.
Administrar, gerir e controlar são conceitos que, por essência, vão além
da Ciência Jurídica, demonstrando a multidisciplinariedade da norma 286 . A
administração é tratada “como processo de planejar para organizar, dirigir e

285 A redação original do artigo tinha conteúdo bastante sintético e a julgar pelo texto vigente,
bastante incompleta, afirmando entender-se por “dirigente”, “pessoa que detenha poderes de
administração, gestão ou controle da organização da sociedade civil”. Essa suposta falta de
especificidades na redação original do termo “dirigente”, foi objeto da Emenda 141 à MPV 684/15.
Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405422&filename=E
MC+141/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Acesso em: Jan. 2018.
286 Segundo interessante artigo de Ivan Ricardo Guevara Grateron (1999), intitulado “Auditoria

de gestão: utilização de indicadores de gestão no setor público”, “O termo gestão pode ser
tratado como sinônimo de administrar, envolvendo, em alto grau, o processo de tomada de
decisões, o que, no setor público corresponde a cuidar de bens alheios; não só no que diz
respeito ao gestor, senão também da organização ou entidade auditada. A distribuição em forma
razoável dos recursos de que se dispõe, visa obter os melhores resultados da gestão. Para quem
dirige organizações do setor público, a tarefa principal é recolher impostos e, em troca, fornecer
serviços e obras de caráter público sem desequilibrar a balança das receitas e despesas
públicas” (destaca-se).

147
controlar recursos humanos, materiais, financeiros e informacionais visando à
realização de objetivos”287. A gestão, por sua vez, pressupõe o “uso das funções,
conhecimentos e informações necessários para, por intermédio de pessoas,
alcançar os objetivos de uma organização, de forma eficiente e eficaz”288. O
“controle” por sua vez, ademais os conceitos mais elásticos pressupõe o ato de
monitorar e avaliar as atividades e resultados alcançados para assegurar que o
planejamento, a organização e a direção sejam bem-sucedidos289.
Para a Ciência Jurídica importará a verificação dos instrumentos de
constituição das organizações, de modo a se averiguar a correspondência entre
aqueles e a capacidade para o exercício dos poderes (administrar, gerir ou
controlar) descritos na norma em apreço. Serão os estatutos, os contratos
sociais, ou melhor, os atos constitutivos das organizações sociais, os
documentos aptos a determinar a capacidade do dirigente de formalizar os
instrumentos das parcerias. Entende-se presente nesse ato de conferência
documental, o reconhecimento da “habilitação” do dirigente para assinar termo
de colaboração, de fomento ou acordo de cooperação.
É o que se depreende da leitura sistemática que se deve ter do marco
regulatório, em especial a de seu art. 34, incisos V e VI. Citado artigo apresenta
o rol de documentos que deverão ser apresentados de modo a que sejam
celebradas as parcerias em estudo. Daí que indispensável à luz de referidos
incisos, a apresentação de “cópia da ata de eleição do quadro dirigente atual” e
“relação nominal atualizada dos dirigentes da entidade, com endereço, número
e órgão expedidor da carteira de identidade e número de registro no Cadastro
de Pessoas Físicas - CPF da Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB de
cada um deles".
Nesses termos, crê-se estaria dispensada a necessidade de instrumento
de procuração dado ao dirigente pela OSC para o ato de formalização (entenda-
se, assinatura) das parcerias. Por outro lado, conforme inferência do próprio art.
2º, IV, o competente instrumento de mandato (art. 653 a 691 do Código Civil

287 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Campus, 2000, p. 108.
288 CHIAVENATO, 2000, p. 120.
289 CHIAVENATO, 2000, p. 205.

148
Brasileiro) será necessário, na medida em que a assinatura do termo vier a ser
delegada a terceiro.
No mais, reforce-se que o art. 2º, IV, ainda na tarefa de conceituar
“dirigente” aproveita a oportunidade, mais uma vez, para insistir no elemento
teleológico das parcerias: “a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco”.
Oportuno tratar nesta oportunidade, acerca do disposto pelo revogado art.
37 da Lei n. 13.019/14, que tratava acerca da necessidade da organização da
sociedade civil indicar “ao menos 1 (um) dirigente que se responsabilizará, de
forma solidária, pela execução das atividades e cumprimento das metas
pactuadas na parceria, devendo essa indicação constar do instrumento da
parceria”. O artigo em referência foi amplamente combatido pelas organizações
comprometidas com a regulamentação da norma objeto deste estudo e se tornou
um dos focos centrais das emendas290 sugeridas à Medida Provisória n. 684/15
que pretendeu a alteração do marco regulatório.
É certo que o marco regulatório tem como pretensão muito mais que o
fortalecimento da sociedade civil. Sempre houve a intenção de se apresentar
como uma norma moralizadora, com um programa de integridade próprio, de
modo a afastar o espectro da corrupção que ronda as parcerias firmadas entre
o poder público e as entidades sem fins lucrativos. O art. 37 acima referenciado
segue essa linha, mas há de se reconhecer que ultrapassa certos limites. Como
já afirmado, a Administração Pública brasileira não é uma parceira atrativa,
quanto mais em um cenário de crise financeira e institucional. A
responsabilização pessoal dos dirigentes das organizações da sociedade civil
certamente não teria contribuído para a dinâmica que se quer construir com o
marco regulatório.
É preciso, primeiramente, reconhecer que já existem em nosso
ordenamento jurídico formas de se punir aqueles que se locupletam da máquina
pública. A famigerada Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992) se
presta a esse papel, bem como a própria lógica de responsabilização civil que

290 Citem-se as Emendas n. 40, 76 e 87 de 2015. Disponíveis em:


http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas?idProposicao=1594436&subst=0.
Consulta em: Jan. 2018.

149
prevê a desconsideração da personalidade jurídica em casos de desvio de
finalidade e confusão patrimonial por parte de sócios e administradores das
pessoas jurídicas (art. 50 Código Civil Brasileiro). Admitir o conteúdo do
revogado art. 37 seria admitir uma confissão, atropelando o devido processo
legal e ofendendo a isonomia, vez que criaria para as organizações da sociedade
civil responsabilidade solidária que não existe em nenhuma outra forma de
contratação com a Administração Pública (como por exemplo, contratos de
gestão e termos de parceria).
A questão prioritária é fazer funcionar as estruturas, de modo que o
sistema legal sancionador efetivamente puna atos lesivos à Administração
Pública.
Por fim, a respeito da figura dos dirigentes, cite-se o disposto pelo art. 39,
inciso III do marco regulatório, que cria impedimento para celebração de
qualquer modalidade de parceria, caso a organização da sociedade civil
tenha “como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente
de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental
na qual será celebrado o termo de colaboração ou de fomento, estendendo-se a
vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros, bem como parentes em
linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau”. Note-se o
compromisso da norma com os princípios da moralidade e da impessoalidade.
Tanto a moralidade quanto a impessoalidade são princípios caros à
Administração Pública, como também o são para as parcerias em estudo,
conforme impõe seu regime jurídico fundamentado em uma gestão pública
democrática. A título de lembrança, tem-se na moralidade, o dever do agente
público de pautar seus atos na boa-fé, veracidade, dignidade, sinceridade,
respeito, ausência de emulação, de fraude e de dolo, de modo que em todos os
atos administrativos por ele praticados tais qualidades restem evidenciadas, sob
pena de serem considerados viciados e sujeitos aos efeitos da nulidade291.
A impessoalidade, por sua vez, segundo brilhante magistério de Raquel
Melo Urbano de Carvalho se prestaria a evitar a confusão da atuação do Estado

291DELGADO, José Augusto. “O princípio da moralidade administrativa e a constituição federal


de 1988”. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 1, p. 217, 1993.

150
na pessoa do agente, de modo que não ajam favoritismos nem perseguições na
esfera pública, impedindo “que os comportamentos públicos sejam atribuídos ao
servidor, porquanto imputáveis à entidade ou órgão administrativo. Sob outro
prisma, teria repercussão relativamente aos cidadãos, ao proibir qualquer
conduta pública prejudicial ou benéfica a determinados administrados, se
ausente a relação lógica de pertinência e proporcionalidade com o interesse
público”292.
Oscar Vilhena Vieira, em interessante perspectiva acerca do princípio da
impessoalidade, lança mão das lições de Sérgio Buarque de Holanda em sua
obra Raízes do Brasil, a fim de alertar para a dificuldade de se construir no Brasil
relações imparciais, em uma cultura dominada pelo “ethos cordial”, onde “O
Estado, como construção e representação social, tem dificuldades em aplicar a
lei de forma igual para todos. É doce com os amigos e cruel com aqueles que
coloca na posição de inimigos”293.
Se já é complicada a aplicação do princípio da impessoalidade na
dinâmica da Administração Pública brasileira, imagine impor seus propósitos às
organizações da sociedade civil, que terão com lidar com uma algo que não é de
sua essência, vez que formadas por pessoas que compartilham dos mesmos
ideais e muitas vezes compartilham laços familiares e de amizade. A imperativa
necessidade de respeito à impessoalidade leva certamente a discussões acerca
do nepotismo e dos limites da ingerência do parceiro público na indicação e
nomeação de membros nas OSCs, ao mesmo tempo em que podem representar
o esvaziamento dos propósitos e as inspirações iniciais dessas organizações. É
uma fronteira problemática, que deve ser constantemente refletida de modo que
o discursos em prol da realização do interesse público não venha inviabilizar os
laços de associativismo.
Feitas essas considerações a respeito da figura do “dirigente”, chegada a
hora de se analisar a figura do “administrador público”, segundo explicitado
pelo art. 2º, inciso V da norma reguladora das OSCs, como sendo o “agente
público revestido de competência para assinar termo de colaboração, termo de

292
CARVALHO, Raquel. 2008, p. 169.
293
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 289.

151
fomento ou acordo de cooperação com organização da sociedade civil para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue
essa competência a terceiros”.
O artigo em apreço também foi alterado pela Lei n. 13.204/15, dispondo
em sua redação original: “administrador público: agente público, titular do órgão,
autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista
competente para assinar instrumento de cooperação com organização da
sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público”. A
redação original era mais orgânica do que a redação vigente, mas igualmente
cheia de significados.
Ao optar pela terminologia “agente público”294, o marco regulatório amplia
ao máximo o conceito e a percepção de quem seriam as pessoas agindo em
nome da Administração Pública e no exercício da função pública. É a expressão
cunhada no art. 37, §5º da Constituição Federal 295 e no art. 2º da Lei n.
8.429/1992 296 (Lei de Improbidade Administrativa) que dispõe acerca das
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de locupletamento ilícito e
ofensas aos primados da Administração Pública. Nesta via, o marco regulatório
reconhecerá como administrador público apto a firmar as parcerias, não só
servidores públicos, mas também os detentores de cargos em comissão,
emprego público, agentes particulares em colaboração e até agentes políticos
(respeitadas as vedações presentes na Lei n. 13.019/14).

294 Consoante primorosa lição de José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 537), “A expressão
agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de pessoas que, a qualquer título,
exercem uma função pública como prepostos do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode
ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica. O que é certo é que,
quando atuam no mundo jurídico, tais agentes estão de alguma forma vinculados ao Poder
Público. Como se sabe, o Estado só se faz presente através das pessoas físicas que em seu
nome manifestam determinada vontade, e é por isso que essa manifestação volitiva acaba por
ser imputada ao próprio Estado. São todas essas pessoas físicas que constituem os agentes
públicos”.
295 Art. 37 (...) § 5º CF – “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por

qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento”. Grifo nosso
296 Art. 20, Lei 8.429/1992 – “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Grifo nosso.

152
A norma, como não poderia deixar de ser, atenta-se para a necessidade
de um ato de “provimento”, de “investidura” em determinado cargo público, de
modo que o agente se revista de competência e, portanto, capacidade para
assinar qualquer uma das modalidades de parceria abarcadas pelo marco
regulatório. Sem se adentrar nos melindres e especificidades do que se entenda
por “provimento” e “investidura” no cargo público, o que se quer pontuar, é que
o agente público deverá demonstrar que se encontra na qualidade de preposto
do ente público e, portanto, é o legítimo portador das prerrogativas, direitos e
deveres presentes no cargo que ocupa. Dessa forma, acredita-se deva restar
evidenciado ao longo de todo o procedimento de formalização das parcerias, a
competência do agente para a condução dos trabalhos, visto que será
responsável, como se verá, por decisões de peso no desenvolvimento dos
ajustes. Tal realidade nos faz refletir se não seria o caso de se admitir como
“administrador público” somente o servidor público de carreira, aprovado em
concurso público e investido em cargo de provimento efetivo.
É certo que o ato de formalização das parcerias, a assinatura por si só,
conforme inteligência do artigo 2º, V, poderá ser delegada a terceiros,
logicamente, com o total respeito à legalidade e publicidade que fundamentam
os atos da Administração Pública. Assim, o agente delegado deverá ter sido
devidamente instituído para o ato de assinatura, através do competente ato
(portaria ou decreto) pelo agente delegante competente. Não será tão simples,
todavia, a delegação das demais obrigações impostas ao administrador público
no bojo da Lei n. 13.019/14.
Por fim, em termos de conceituação da figura do “administrador público”,
percebe-se, mais uma vez, na construção do conceito de administrador público,
que o legislador não perde a oportunidade de reforçar o elemento teleológico das
parcerias, em sendo, “a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco”.
O art. 8º do marco regulatório em estudo 297 , apresenta um rol de
condições que deverão ser considerados pelo administrador público no ato de

297
Art. 8o Ao decidir sobre a celebração de parcerias previstas nesta Lei, o administrador
público:

153
decisão sobre a celebração das parcerias, cabendo-lhe: i) considerar a
capacidade operacional da administração pública para celebrar a parceria e
cumprir com as obrigações daí decorrentes, assumindo as respectivas
responsabilidades; ii) avaliar as propostas de parceria com o rigor técnico
necessário; iii) designar gestores habilitados a controlar e fiscalizar a execução
das parcerias em tempo hábil e de modo eficaz e, iv) apreciar as prestações de
contas na forma e nos prazos determinados pelo marco regulatório e pela
legislação específica.
Esses verdadeiros “requisitos de admissibilidade” das parcerias
demonstram maturidade na condução das parcerias a serem firmadas entre o
poder público e as OSCs. Evidencia-se o comprometimento do parceiro público
em estabelecer uma relação de lealdade, confiança na relação com o parceiro
privado.
Percebe-se no bojo de referido artigo traços de um programa de
integridade, que vai além da mera seriedade na análise das contas, apostando
em uma nova postura, que impõe uma capacidade de autoanálise do parceiro
público, de modo a cumprir com suas obrigações e deveres ao longo do
desenvolvimento das parcerias. O dispositivo em apreço parece se apresentar
como uma mea culpa da Administração Pública brasileira que na ânsia de
delegar competências, age sem o mínimo de planejamento e não verifica as
condições de suas estruturas físicas, financeiras e de pessoal, o que acaba por
comprometer os fins contratuais e desacreditar esse modelo de parceria.

I - considerará, obrigatoriamente, a capacidade operacional da administração pública


para celebrar a parceria, cumprir as obrigações dela decorrentes e assumir as respectivas
responsabilidades;
II - avaliará as propostas de parceria com o rigor técnico necessário;
III - designará gestores habilitados a controlar e fiscalizar a execução em tempo hábil e
de modo eficaz;
IV - apreciará as prestações de contas na forma e nos prazos determinados nesta Lei e
na legislação específica.
Parágrafo único. A administração pública adotará as medidas necessárias, tanto na
capacitação de pessoal, quanto no provimento dos recursos materiais e tecnológicos
necessários, para assegurar a capacidade técnica e operacional de que trata o caput deste
artigo.

154
É, de fato, um dos pontos críticos no dia a dia das parcerias. Não são
poucas as notícias de despreparo do poder público ao lidar com os ajustes que
envolvem a concretização de direitos sociais geridos por entes do Terceiro Setor.
Como apontado, em janeiro de 2017, o Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro expediu uma recomendação ao Município do Rio de Janeiro para que o
mesmo suspendesse novas contratações com Organizações Socias (OS’s) na
área de saúde, servindo de base argumentativa para tal documento a
necessidade da Secretaria Municipal de Saúde promover, antes de tudo, uma
reestruturação interna, de modo a ser capaz de realizar uma fiscalização eficaz
dos contratos de gestão firmados com tais entes 298. O marco regulatório em
estudo está atento a essa realidade e coloca nas mãos do administrador público
a responsabilidade no reconhecimento das capacidades e responsabilidades
públicas na missão de ser um parceiro exemplar.
Também coloca sob responsabilidade do administrador público a
necessidade de se avaliar tecnicamente as propostas de parceria. Há de se
reconhecer que avaliar com o rigor técnico necessário as propostas de parceria
não é tarefa para uma pessoa só. Os ajustes possuem os objetos mais variados
e o administrador público deverá estar devidamente cercado de pessoas com a
devida capacitação e especialização, de modo a ter à sua disposição elementos
para o julgamento das propostas.
No mais, ainda que caiba ao administrador público a palavra final quanto
a avaliação das propostas de parceria, certamente essa avaliação é um trabalho
multidisciplinar. O marco regulatório prevê a existência de órgãos colegiados de
apoio ao procedimento de seleção e monitoramento das parcerias. À comissão
de seleção (art. 2º, X) é órgão destinado a processar e julgar os chamamentos
públicos que ocasionarão a escolha da OSC. A “comissão de monitoramento e
avaliação” (art. 2º, XI), por sua vez, é um órgão colegiado destinado a monitorar
e avaliar as parcerias celebradas com organizações da sociedade civil. Pela
redação do artigo, essa comissão se prestará à avaliação e monitoramento das
parcerias já celebradas, enquanto aquela funcionaria como uma “comissão de

298
Disponível em: https://www.mprj.mp.br/home/-/detalhe-noticia/visualizar/45401. Consulta
em: Fev. 2017.

155
compras e licitação”, o que se aproximaria mais do tipo de apoio que o
administrador público precisará ter no momento de avaliação de propostas. A
nosso ver, nada impedirá, todavia, que Estados, Municípios e Distrito Federal,
ao regularem a matéria, tratem de uma comissão prévia a auxiliar o trabalho de
avaliação de propostas, independente da “comissão de seleção”. O que não se
pode conceber é que o administrador público carregue sozinho todo o peso da
avaliação técnica das propostas quando da escolha da OSC parceira.
Também é atribuição do administrador público (art. 8º, III), designar
gestores habilitados a controlar e fiscalizar a correta execução das parcerias,
“em tempo hábil e de modo eficaz”. Logo adiante, a figura do “gestor” será melhor
aprofundada, mas fica desde já estatuída a competência e por que não dizer, a
responsabilidade, do administrador público de escolhê-lo. Como consequência
dessa escolha, segundo inteligência do §3º do art. 35, também será
responsabilidade do administrador público a designação de novo gestor, na
hipótese de o gestor habilitado deixar de ser agente público ou ser lotado em
outro órgão ou entidade. Assumirá, nesse ínterim, todas as obrigações do gestor,
com as respectivas responsabilidades.
Por fim, tem o administrador público a tarefa de apreciar “as prestações
de contas na forma e nos prazos determinados pelo marco regulatório e pela
legislação específica” (art. 8º, inciso IV), respondendo penal, civil e
administrativamente pela decisão acerca da aprovação das contas ou pela
omissão na análise de seu conteúdo (art. 72, § 1o).
O marco regulatório não mede esforços quando o tema é prestação de
contas. São vários dispositivos tratando dessa questão. Existe um propósito
claro de se varrer a percepção coletiva de que as parcerias entre as entidades
sem fins lucrativos e o poder público são um terreno fértil para irregularidades.
As lógicas de accountability e todos os meandros da prestação de contas das
parcerias em estudo será objeto de aprofundamento no capítulo seguinte.
O administrador público também possui outras atribuições dispersas ao
longo do texto da norma objeto desta tese (Lei n. 13.019/14). Cite-se a obrigação
de motivar presente no art. 32, no sentido de ser o responsável por apresentar a
competente justificativa caso o procedimento de escolha da OSC, denominada

156
pelo marco regulatório de “chamamento público” não for realizado (casos de
dispensa e inexigibilidade)299. Fica ainda a critério do administrador público a
necessidade de publicação do respectivo extrato de justificativa dos casos de
dispensa e inexigibilidade do chamamento público, junto ao órgão oficial de
publicidade da administração pública (art. 32, §1º)300.
Ainda que o artigo estabeleça a necessidade de se dar publicidade à
justificativa, com a divulgação de seu extrato em sítio oficial da administração
pública e ademais se compreender a necessidade de não se onerar as parcerias
com formalidades desnecessárias, vez que para se ter efetividade muitas vezes
é preciso celeridade, por certo lançar o benefício da dúvida sobre a
discricionariedade dada ao administrador público quanto a decisão de se dar
publicidade através de outros meios.
Nestes termos, cite-se a reflexão de Gustavo Binenbojm, que levou em
consideração o fato de que, “em um país com índices bastante significativos de
exclusão digital, o efeito que se alcança com a supressão abrupta e radical da
revista impressa pela edição eletrônica é justamente o oposto, não se podendo
em tal medida vislumbrar qualquer ponderação entre os princípios
constitucionais da eficiência e da publicidade, mas, ao reverso, a cabal anulação
deste, o que é inadmissível” 301 . A ponderação em apreço parece estar na
contramão do que tem ocorrido no país, ao menos ao que se refere à
Administração Pública Federal, que desde o dia 1º de Dezembro de 2017 deu
fim à versão impressa do Diário Oficial da União 302 . Todavia, é válida ao
reconhecer que falta muito em termos de inclusão digital para os atos se firmem
somente através de sítios públicos na internet.

299 “Art. 32. Nas hipóteses dos arts. 30 e 31 desta Lei, a ausência de realização de chamamento
público será justificada pelo administrador público”.
300 Art. 32 § 1o - Sob pena de nulidade do ato de formalização de parceria prevista nesta Lei, o

extrato da justificativa previsto no caput deverá ser publicado, na mesma data em que for
efetivado, no sítio oficial da administração pública na internet e, eventualmente, a critério do
administrador público, também no meio oficial de publicidade da administração pública.
301BINENBOJM, Gustavo. “O princípio da publicidade administrativa e a eficácia da divulgação

de atos do poder público pela internet”. In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Ano 4,
n. 13, abr./jun. 2006. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 21.
302 Conforme notícia disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2017/11/decreto-
estabelece-regras-de-publicacao-do-diario-oficial-da-uniao. Consulta em: Jan. 2018.

157
Cite-se também, nesta oportunidade, a responsabilidade do
administrador público como autoridade recursal apta a analisar a impugnação à
justificativa de ausência de realização de chamamento público (art, 32, § 2º)303.
Por fim, segundo o art. 36 da Lei n. 13.019/14, também é ato de
discricionariedade do administrador público, a doação, após a consecução do
objeto e em não sendo mais necessários, dos bens remanescentes adquiridos
com recursos transferidos da parceria. Feitas essas considerações acerca da
pessoa do administrador público, passa-se ao exame da figura do “gestor”.
Assim, entende-se por “gestor”, nos termos do que determina o art. 2º,
inciso VI, do marco regulatório, o “agente público responsável pela gestão de
parceria celebrada por meio de termo de colaboração ou termo de fomento,
designado por ato publicado em meio oficial de comunicação, com poderes de
controle e fiscalização”.
A gestão como já pontuado, se difere da administração, na medida que se
apresenta como uma verdadeira missão institucional, um comprometimento real
não só com as finalidades pretendidas, mas também com a essência dos
objetivos ambicionados. O gestor da parcerias em estudo tem um compromisso
não só com a correta execução dos ajustes firmados, mas também com os
princípios, objetivos e diretrizes que inspiraram o marco regulatório em apreço.
O legislador, mais uma vez lança mão do amplíssimo conceito de “agente
público” para designar a figura do gestor da parceria, no que são cabíveis as
mesmas considerações já feitas quando das reflexões acerca do administrador
público.
O gestor é responsável pelas parcerias celebradas “por meio de termo de
colaboração ou termo de fomento”, o que nos leva a concluir que não será
necessária a figura do gestor uma vez venha se firmar um acordo de cooperação
que, como se verá, é modalidade de parceria que não envolve a transferência
de recursos financeiros. Acreditamos que o legislador andou mal ao excluir a
figura do gestor em casos de parcerias que não envolvem transferência de

303Art. 32 - § 2o - Admite-se a impugnação à justificativa, apresentada no prazo de cinco dias a


contar de sua publicação, cujo teor deve ser analisado pelo administrador público responsável
em até cinco dias da data do respectivo protocolo.

158
recursos. Conforme pontuado, existem outros valores em jogo no universo das
parcerias contidas no marco regulatório e que devem igualmente merecer a
atenção de um gestor. De todo modo, sob o império da Lei n.13.019/14, nos
acordos de cooperação somente a figura do administrador público se fará
necessária.
O gestor assim o será, uma vez for devidamente designado por ato
publicado por meio oficial de comunicação e como já se verificou, por ato de
escolha de competência do administrador público (art. 8º, inciso III). Há de
verificar, em uma interpretação sistemática do inciso III do art. 8º e dos poderes
aferidos ao gestor pelo inciso VI do art. 2º (“com poderes de controle e
fiscalização”), que o mesmo deverá ser reconhecidamente “habilitado”, contando
com a expertise necessária para controlar e fiscalizar a execução do objeto da
parceria. A qualificação técnica do gestor é levada a sério pelo marco regulatório,
que pressupõe como requisito para a celebração e formalização do termo de
colaboração e do termo de fomento, a emissão de parecer de órgão técnico da
administração pública, que deverá pronunciar-se, de forma expressa, a respeito
da designação do gestor da parceria (art. 35, V, “g”).
Há ainda de se perceber que, diferentemente do que ocorre com a figura
do administrador público, capaz de delegar a terceiro a competência para a
assinatura do termo de parceria, o mesmo não se dá com o gestor, não havendo,
portanto, delegação de suas atribuições de controle e fiscalização da execução
das parcerias.
Uma vez cumpridos todos os requisitos em apreço e estando o gestor
devidamente habilitado, em conformidade com o que dispõe a Seção VIII, do
Capítulo III, do marco regulatório, terá por obrigações: i) acompanhar e fiscalizar
a execução da parceria; ii) informar ao seu superior hierárquico a existência de
fatos que comprometam ou possam comprometer as atividades ou metas da
parceria e de indícios de irregularidades na gestão dos recursos, bem como as
providências adotadas ou que serão adotadas para sanar os problemas
detectados; iii) emitir parecer técnico conclusivo de análise da prestação de
contas final, levando em consideração o conteúdo do relatório técnico de
monitoramento e avaliação de que trata o art. 59 do marco regulatório; iv)

159
disponibilizar materiais e equipamentos tecnológicos necessários às atividades
de monitoramento e avaliação (art. 61 e incisos).
O dispositivo legal em apreço, em especial o inciso I do art. 61, reforça as
obrigações do gestor de monitorar e fiscalizar as parcerias conforme ressaltadas
pelo conceito posto no art. 2º, VI. Percebe-se na figura do gestor a personificação
do controle interno das parcerias, vez que responsável pelos vetores do controle
e da fiscalização na execução das parcerias. A execução em “tempo hábil e de
modo eficaz” (art. 8º, III) é o referencial desses atos de monitoramento que, em
nosso sentir, não pode representar um ato discricionário do gestor. O “tempo
hábil” da parceria será ditado pelos fins e objetivos que cada uma das parcerias
necessitar, respeitadas suas particularidades. A eficácia, como critério finalístico
na execução das parcerias, deverá ser percebida por índices palpáveis,
consubstanciada em um cronograma muito bem descrito nos planos de trabalho,
instrumento integrante e indissociável da contratação.
Consagra-se também no art. 61 da Lei n. 13.019/14, a necessária e
esperada qualificação técnica do gestor, na medida que será responsável por
emitir parecer técnico conclusivo de prestação de contas final (art. 61, IV). É o
mesmo sentido da imposição contida no art. 67 da norma, onde, mais uma vez,
se reforça a obrigação do gestor em emitir “parecer técnico de análise de
prestação de contas da parceria celebrada”. Nessa toada, também é de sua
responsabilidade o parecer técnico conclusivo, no caso de prestação de contas
única (art. 67, § 1º).
Nota-se ainda na essência do artigo que trata das obrigações do gestor,
a inadmissibilidade de uma conduta apática, indiferente e omissa do mesmo. O
marco regulatório inova na medida que impõe uma conduta proativa do gestor
das parcerias, no sentido de informar ao seu superior hierárquico a respeito de
fatos que comprometam o andamento das atividades, bem como indiquem
irregularidades na gestão dos recursos. Abre-se, assim, espaço para a
responsabilização daquele agente que diante da constatação de irregularidades
não toma providências de modo a saná-las ou de modo a responsabilizar os
envolvidos. Tenha-se como “superior hierárquico”, no caso, a figura do
administrador público, quanto mais tendo-se por referência o disposto pelo

160
parágrafo único do art. 62, que trata da inexecução da parceria por
responsabilidade exclusiva da OSC, restando ali configurada a obrigação do
gestor de comunicá-la ao administrador público.
Por fim, fica também a cargo do gestor, tomar as providências
necessárias a fim de disponibilizar materiais e equipamentos tecnológicos
necessários às atividades de monitoramento e avaliação das parcerias (art. 61,
V).
Há de se atentar também, para o disposto no já pontuado §3º do art. 35,
no sentido de apresentar a solução legal para o caso de o gestor habilitado deixar
de ser agente público ou ser lotado em outro órgão ou entidade. O § 6º, do art.
35 traz em seu bojo um impedimento, restando impossibilitada de participar
como gestora da parceria “pessoa que, nos últimos 5 (cinco) anos, tenha mantido
relação jurídica com, ao menos, 1 (uma) das organizações da sociedade civil
partícipes”. Mais uma vez, impõe-se respeito aos princípios da moralidade e da
impessoalidade, fundamentos da gestão pública democrática proposta pelo
marco regulatório.
Essas são as considerações a despeito das pessoas naturais que
corporificam o centro das obrigações e responsabilidades pelas parcerias em
estudo. A partir do parágrafo seguinte, lança-se um olhar sobre os órgãos que
deverão fazer parte da estrutura dos ajustes firmados entre o poder público e as
OSCs, de modo a prestar-lhes todo o suporte necessário a um projeto maior que
é o de se ter parcerias pautadas em um modelo de isonomia, transparência e
eficiência.
Trata o art. 2º, IX, de conceituar o conselho de política pública304, como
o órgão a ser criado pelo poder público “para atuar como instância consultiva, na
respectiva área de atuação, na formulação, implementação, acompanhamento,
monitoramento e avaliação de políticas públicas”. Pode-se apontar a criação
desse conselho como uma das promessas da Lei n. 13.019/14. Será, de fato, o

304Há de se citar que o conceito de “conselho de política pública” é um dos poucos artigos da
Lei n. 13.019/14 que não teve sua redação alterada pelas modificações promovidas pela Lei n.
13.204/15. Em verdade, é o único inciso do art. 2º do marco regulatório que não sofreu alteração
ou adição.

161
órgão canalizador das iniciativas que contemplem a efetivação de políticas
públicas no âmbito das parcerias em questão.
Como se verá no capítulo seguinte, o marco regulatório reconhece a
possibilidade de que as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e
cidadãos apresentem propostas ao poder público para que o mesmo avalie a
possibilidade de realização de um chamamento público objetivando a celebração
de parceria. É o que a norma chamou de “Procedimento de Manifestação de
Interesse Social”. É, afinal, o reconhecimento das forças sociais presentes em
nossa sociedade civil. É considerar tais forças como a voz que efetivamente
pode representar os anseios locais, regionais e nacionais. É finalmente legitimar
o fato de que estão nas OSCs, os melhores indicadores para a definição de
políticas públicas.
Estruturalmente, para a existência do conselho de política pública,
pressupõe-se a criação de um órgão pelo poder público. Para a criação de
órgãos, que representam verdadeiros compartimentos internos da pessoa
pública305, necessário o competente ato de deflagração do respectivo processo
legislativo. Assim, conforme inteligência do art. 61, §1º, II, “e” da Constituição
Federal de 1988, no âmbito federal, é de competência do Presidente da
República as leis que criação e extinção de Ministérios e órgãos da
administração pública. Para efeitos de simetria, caberão aos demais Chefes do
Executivo (Estadual, Municipal e Distrital) referida competência, o que receberá
a devida regulamentação306. 307
Quanto a sua função, o conselho de política pública será consultivo,
desempenhando atividades de assessoria e aconselhamento das autoridades
administrativas, emitindo pareceres e respondendo a consultas308.

305 CARVALHO FILHO, 2011, p. 12.


306 O Estado do Paraná foi o primeiro a regulamentar a Lei Federal nº 13.019/2014, por meio do
Decreto Estadual n. 3.513, de 18 de Fevereiro de 2016. Regulamento disponível em:
http://www.participa.br/osc/paginas/decretos. Consulta em: Jan. 2018.
307 Curitiba foi o primeiro Município brasileiro a regulamentar a Lei Federal nº 13.019/2014, por

meio do Decreto Municipal n. 1.100, de 18 de Novembro de 2014, editado antes das alterações
promovidas pela Lei n. 13.204/15 e, portanto, alterado pelo Decreto Municipal n. 1.067, de 27 de
Outubro de 2016. Regulamento disponível em: http://www.participa.br/osc/paginas/decretos.
Consulta em: Jan. 2018.
308 DI PIETRO, 2014, p. 583.

162
Apesar de o marco regulatório não se ater ao detalhe da composição
desse conselho, há de se acreditar que o mesmo deverá ser formado não só por
agentes públicos, mas também por representantes da sociedade civil. Os
conselhos são há tempos uma realidade na estrutura da Administração Pública
brasileira, em especial no âmbito dos Municípios, onde é recorrente a presença
de Conselhos Municipais de saúde, de Alimentação Escolar, de Assistência
Social, dentre outros, formados em uma base plural. Oportuniza-se na formação
dos conselhos a máxima do controle social (uma das diretrizes do marco
regulatório) e é essa a lição a ser absorvida das diretivas presentes no Portal da
Transparência da Controladoria Geral da União quando descreve a respeito da
formação dos conselhos municipais. Compactua-se, assim, com o seguinte
entendimento:

Os conselhos gestores de políticas públicas são canais efetivos de


participação, que permitem estabelecer uma sociedade na qual a
cidadania deixe de ser apenas um direito, mas uma realidade. A
importância dos conselhos está no seu papel de fortalecimento da
participação democrática da população na formulação e
implementação de políticas públicas. Os conselhos são espaços
públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade
civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e
controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os conselhos são
o principal canal de participação popular encontrada nas três instâncias
de governo (federal, estadual e municipal).

Nesses termos, o conselho de política pública, no universo das parcerias


com as OSCs, deve ser pensado de modo a se estruturar como um instrumento
de fortalecimento da “gestão pública democrática” 309 . Há de se considerar
também, o nível de especialização dos participantes vez que deverão contar com
a expertise necessária para a pronta contribuição na formulação,

309 Também no Portal de Transparência do Governo Federal está a formação do Conselho,


donde se absorve: “Os conselhos devem ser compostos por um número par de conselheiros,
sendo que, para cada conselheiro representante do Estado, haverá um representante da
sociedade civil (exemplo: se um conselho tiver 14 conselheiros, sete serão representantes do
Estado e sete representarão a sociedade civil). Mas há exceções à regra da paridade dos
conselhos, tais como na saúde e na segurança alimentar. Os conselhos de saúde, por exemplo,
são compostos por 25% de representantes de entidades governamentais, 25% de
representantes de entidades não-governamentais e 50% de usuários dos serviços de saúde do
SUS”. Disponível em:
http://www.portaldatransparencia.gov.br/controlesocial/ConselhosMunicipaiseControleSocial.as
p . Consulta em: Jan. 2018.

163
implementação, acompanhamento, monitoramento e avaliação de políticas
públicas.
Faça-se, por fim, uma consideração acerca do conselho de política
pública, no sentido de que o mesmo poderá apresentar propostas à
administração pública para celebração de termo de colaboração com
organizações da sociedade civil (art. 16, parágrafo único, Lei n. 13.019/14). Há
de se pontuar também, no sentido do reforço contido no §6º do art. 39, de que
seus integrantes não serão considerados como “membros de Poder”. Tal
observação é importante de modo a não se impor aos participantes de conselhos
a vedação contida no art. 39, III, da Lei n. 13.019/14.
O marco regulatório também prevê a criação de uma comissão de
seleção (art. 2º, X), em sendo um “órgão colegiado destinado a processar e
julgar chamamentos públicos, constituído por ato publicado em meio oficial de
comunicação, assegurada a participação de pelo menos um servidor ocupante
de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da administração
pública”.
A redação do inciso em apreço não é a original. Também sofreu os
influxos modificativos promovidos pela Lei n. 13.204/15. No texto original, a
comissão de seleção seria órgão colegiado “da administração pública”,
“composto por agentes públicos, designados por ato publicado em meio oficial
de comunicação, sendo, pelo menos, 2/3 (dois terços) de seus membros
servidores ocupantes de cargos permanentes do quadro de pessoal da
administração pública realizadora do chamamento público”.
A Deputada Federal Erika Kokay, por meio da Emenda 122 à MPV 684/15,
utilizando-se como base argumentativa o universo das ações artístico-culturais,
voltou-se contra a redação em foco, na medida que a mesma poderia trazer
dificuldades de execução. Afirmou na oportunidade que, “no âmbito das ações
artístico-culturais, a análise das propostas não deve ser realizada apenas por
servidores, que, muitas vezes, não possuem a qualificação específica para
compreender a área cultural apoiada. Ainda que seja possível encontrar, em
alguns casos, servidores com qualificação na área de música ou teatro,
servidores com qualificação e vivência nas áreas de circo ou cultura popular são

164
mais raros, ainda mais quando considerada a grande diversidade cultural que
permeia a sociedade brasileira” 310. Considerando essas nuances, a alteração foi
pertinente.
Assim sendo, sob a redação vigente, tem-se que a comissão de seleção
será um “órgão colegiado”, entendido, portanto, como um órgão formado “por
uma coletividade de pessoas físicas ordenadas horizontalmente, ou seja, com
base em uma relação de coligação ou coordenação, e não uma relação de
hierarquia, concorrendo a vontade de todas elas ou da maioria para a formação
da vontade do órgão” 311 . Não podia ser diferente. É da essência do marco
regulatório, como já pontuado, a relação de coordenação entre todos os
envolvidos.
Ademais, suprimida a expressão “da administração pública”, por certo que
o termo “constituído por ato publicado em meio oficial de comunicação”, dá o tom
de sua formação em bases publicísticas e em respeito à legalidade que se
espera de uma gestão pública democrática. Necessário dar-se, portanto, a
ampla publicidade na escolha dos membros da comissão de seleção.
A redação vigente, abandona a obrigatoriedade de se ter como membros
do conselho de seleção, pelo menos, 2/3 (dois terços) de servidores ocupantes
de cargos permanentes, bastando a participação de pelo menos um servidor
ocupante de cargo efetivo312 ou emprego permanente313.

310 Disponível em:


http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405402&filename=E
MC+122/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Jan. 2018.
311 DI PIETRO, 2014, pp. 582-583.
312 Entenda-se por “cargo efetivo”, consoante lição de Odete Medauar (2004, p. 310), “aquele

preenchido com o pressuposto da continuidade e permanência do seu ocupante. Ao se nomear


alguém para um cargo efetivo, há o pressuposto de permanência da pessoa no desempenho das
atribuições. Este é, portanto, o sentido do termo efetividade. É a nomeação para cargo efetivo
que possibilita a aquisição da estabilidade ordinária ou comum, conforme prevê o art. 41 da CF,
onde figura o termo ‘efetivo’”.
313 A expressão “emprego permanente” utilizada na redação do inciso em referência pode gerar

incompreensões. Não é, de fato, a escolha mais tranquila. Segundo lição de Edmir Netto de
Araújo (2010, p. 281), “o emprego público é ocupado por um agente público (o empregado
público, também considerado em algumas Administrações servidor público), mas sob o regime
jurídico de direito privado (trabalhista)”. Citado autor atenta ainda para o fato de que o regime
jurídico ao qual se sujeita o empregado público não é integralmente privado, sofrendo algumas
prerrogativas e sujeições não aplicáveis a empregados de empresas particulares, especialmente
no caso de entidades prestadores de serviços públicos. Assim sendo, aplicam-se aos
empregados públicos, dentre outras, as vedações constitucionais sobre acumulação remunerada
de cargo, empregos ou funções, a exigência de concurso público para admissão. Quando o
marco regulatório faz referência ao “emprego permanente”, toca em uma das questões mais

165
Acredita-se que o legislador deveria ter mantido a referência ao “quadro
de pessoal da administração pública realizadora do chamamento público”, uma
vez que tal circunstância tornaria a seleção mais profissionalizada. Reconhece-
se que tal circunstância poderia ser altamente burocratizante, mas acrescentaria
know how e técnica às decisões da comissão, o que a longo prazo se
apresentaria como uma alternativa interessante, demonstrando maturidade e
segurança das escolhas. Haveria de se cogitar de existir um agente público em
disponibilidade para cada órgão da Administração Pública que fosse realizar o
chamamento público. Assim, por exemplo, em caso de chamamento público a
ser realizado, no âmbito federal, pelo Ministério da Cultura e OSC, haveria ali
agente público capacitado para tratar das questões específicas deste tipo de
contratação.
De todo modo, não tendo o marco regulatório se apegado a tal questão,
o Decreto Federal n. 8.726/16, que veio regulamentar a Lei n. 13.019/14 no
âmbito federal, o faz, admitindo em seu art. 13, §1º que, para subsidiar seus
trabalhos, a comissão de seleção possa solicitar assessoramento técnico de
especialista que não seja membro desse colegiado. E mais. Existe ainda, a
possibilidade do órgão ou a entidade pública federal vir a estabelecer uma ou
mais comissões de seleção, levando-se em consideração, logicamente, o
princípio da eficiência (art. 13, § 2º).
Por fim, em termos conceituais, destina-se a comissão de seleção ao
processamento e julgamento dos denominados “chamamentos públicos”. O
chamamento público, estatuído entre os artigos 23 ao 32 da Lei n. 13.019/14 se
assemelha ao processo licitatório, mas um processo licitatório simplificado e do
qual esta tese se ocupará mais adiante. Neste momento, cabe pontuar que o
procedimento de escolha das entidades sem fins lucrativos pelo Poder Público
foi durante muito tempo um ponto crítico nesse modelo de contratação. Isso por

melindrosas do Direito Administrativo - a estabilidade do empregado público. Tanto o Tribunal


Superior do Trabalho (Súmula 390) quanto o Supremo Tribunal Federal (Ex. Recurso
Extraordinário 589.998) já se posicionaram sobre o tema, no que se tenta resumir no seguinte: i)
Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles
admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998; ii) mesmo não possuindo
estabilidade, a dispensa deve ser motivada e fundamentada. Provoca a Lei n. 13.019/14 outra
percepção sobre o tema. Crê-se que diante das realidades e conceitos dogmáticos postos, essa
perspectiva não seria possível.

166
conta de um discurso de celeridade que insistia na necessidade de imposição de
uma gestão menos burocrática e de hipóteses normativas como a dispensa de
licitação contida no artigo 24, XXIV, da lei 8.666/93, que admite a contratação
direta de Organizações Sociais para prestação de serviços contemplados em
contratos de gestão. Não foram poucas as vozes que se voltaram contra esse
cenário, alegando ofensas ao princípio da competitividade, figurando nas
escolhas públicas sempre as mesmas entidades.
Como adiantado, o chamamento público será tratado no capítulo seguinte,
com o tom de novidade (será?) que o persegue. Aqui, pontua-se, apenas no
sentido de reforçar que o julgamento das propostas serão de responsabilidade
de comissão de seleção previamente designada, nos termos do §1º do artigo 27
da lei em estudo. Cite-se também o impedimento contido no § 2º do mesmo
artigo, de modo a se vedar a participação na comissão de seleção, de pessoa
que nos últimos cinco anos tenha mantido relação jurídica com, ao menos, uma
das entidades participantes do chamamento público314. Nota-se, minimimante, a
preocupação de se dotar de o mínimo de lisura possível o procedimento de
escolha da OSC parceira.
Também compõe como órgão auxiliar no desenvolvimento das parcerias
a comissão de monitoramento e avaliação, conceituada pelo art. 2º, XI, da Lei
n. 13.019/14, como o “órgão colegiado destinado a monitorar e avaliar as
parcerias celebradas com organizações da sociedade civil mediante termo de
colaboração ou termo de fomento, constituído por ato publicado em meio oficial

314 O Decreto federal que regulamentou o marco regulatório vai além e reforça o primado da boa-
fé objetiva, que deve estar presente na postura do membro da comissão de se reconhecer e de
se declarar impedido, senão vejamos:
“Art. 14. O membro da comissão de seleção deverá se declarar impedido de participar do
processo de seleção quando verificar que:
I - tenha participado, nos últimos cinco anos, como associado, cooperado, dirigente, conselheiro
ou empregado de qualquer organização da sociedade civil participante do chamamento público;
ou
II - sua atuação no processo de seleção configurar conflito de interesse, nos termos da Lei
nº 12.813, de 16 de maio de 2013.
§ 1º A declaração de impedimento de membro da comissão de seleção não obsta a continuidade
do processo de seleção e a celebração de parceria entre a organização da sociedade civil e o
órgão ou a entidade pública federal.
§ 2º Na hipótese do § 1º, o membro impedido deverá ser imediatamente substituído, a fim de
viabilizar a realização ou continuidade do processo de seleção”.

167
de comunicação, assegurada a participação de pelo menos um servidor
ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da
administração pública”.
Da mesma forma como aconteceu com o conceito original de comissão
de seleção, a redação original do inciso XI, art. 2º, foi modificada pela Lei n.
13.204/15. A redação original tinha os mesmos elementos contidos na redação
original do conceito de comissão de seleção, o que considerem aqui feitas as
mesmas considerações ali descritas. Estrutura-se a comissão de seleção como
órgão colegiado em ato de constituição do qual se dará ampla publicidade, não
se exigindo mais a participação como membros de 2/3 (dois terços) de servidores
ocupantes de cargos permanentes do quadro de pessoal da administração
pública realizadora do chamamento público.
Como a nomenclatura sugere, destina-se a comissão ora em análise, ao
monitoramento e avaliação das parcerias celebradas com organizações da
sociedade civil, nas modalidades do termo de colaboração ou termo de fomento.
Como se vê pela redação da norma, não haverá necessidade de constituição de
comissão de avaliação e monitoramento em caso de acordo de cooperação.
Como já firmado quando da análise da figura do gestor, confia-se que outros
valores estão em jogo nas parcerias em estudo para além da mera transferência
de valores e que igualmente mereceriam o competente acompanhamento. O
tempo e o esforço tanto da Administração Pública quanto das OSCs nos acordos
de cooperação deve ser sopesado e tratado com a mesma seriedade do que os
ajustes onde haja transferência de recursos, afinal, o grande trunfo dessas
parcerias é a consecução de finalidades de interesse público e recíproco.
De todo modo, vale ressaltar, dando continuidade à análise, que a
constituição e designação da comissão de monitoramento e avaliação é de tal
forma relevante para as parcerias que a celebração e a formalização tanto do
termo de colaboração quanto do termo de fomento disso dependerão da
competente análise de tal ato de designação, devidamente concretizada em
parecer de órgão técnico da administração pública (art. 35, V, “h”).
Da mesma forma como acontece com o gestor da parceria, está impedida
de figurar como membros da comissão de monitoramento e avaliação qualquer

168
pessoa que, nos últimos 5 (cinco) anos, tenha mantido relação jurídica com, ao
menos, 1 (uma) das organizações da sociedade civil participantes (§6º, art. 35).
Em caso de confirmação do impedimento, o membro impedido deverá ser
substituído por outro que possua qualificação técnica equivalente a sua (§7º, do
art. 35).
A Lei n. 13.019/15 possui uma Seção (VII, capítulo III) somente para tratar
do monitoramento e avaliação das parcerias (arts. 58 a 60), o que opta-se por
tratar no capítulo seguinte de modo a se traçar o perfil da regulação em estudo,
em especial às “boas práticas” de gestão. Nas ditas “sociedades de risco”315,
nada parece ser mais importante do que sua previsão e monitoramento,
exatamente para que se possa aplicar de forma eficaz os devidos instrumentos
de prevenção e de controle, seja jurídico ou político. Essa perspectiva está por
todo o marco regulatório que exterioriza a crescente preocupação social de que
seja criado um sistema de controle de resultados sobre os atos da Administração
e para com todos aqueles que com ela se relacionam.
Por hora, há de se ver tomando forma o prognóstico feito por Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, em sua obra “Novas mutações juspolíticas” de que
será, “pela adoção de procedimentos como os de monitoramento de tendências,
de projeção de tendências e de avaliação de tendências, que se tornará possível
acompanhá-las, para eliminar ou reduzir aquelas socialmente indesejáveis,
através do emprego de instrumentos jurídicos de dissuasão ou, exatamente ao
revés, para provocar e estimular tendências socialmente positivas, pelo emprego
do fomento, não importando se atuando através de controle sobre entes da
sociedade ou sobre entes e órgãos do próprio Estado (...)”316.
No mais, o trabalho da comissão de monitoramento e avaliação será
considerado em relatório técnico pelo administrador, o que também será objeto
de aprofundamento no capítulo seguinte. Por ora, cumpre pontuar acerca da
inteligência do artigo 59 do marco regulatório, a despeito da competência da
comissão de monitoramento e avaliação devidamente designada de homologar
o relatório técnico de monitoramento e avaliação emitido pela administração

315BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Londres: Sage, 1992.
316MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas mutações Juspolíticas. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2016, p. 82.

169
pública. Acredita-se que tal fato se trata de uma mera formalidade, vez que a
homologação se firmará independentemente da obrigatoriedade de
apresentação da prestação de contas devida pela organização da sociedade
civil.
Encerrando as considerações deste tópico a respeito dos sujeitos à frente
da parcerias, necessário reconhecer que o marco regulatório opta por trazer as
figuras que recorrentemente farão parte dos atos de formalização da parceria.
São muitos outros os agentes e colaboradores que constroem o universo dessas
parcerias. Quando o marco regulatório fala, por exemplo, em seu art. 30
“administração pública”, ali se engloba um universo de servidores, empregados
e trabalhadores que não cabe nas especificações da norma. No mesmo sentido,
quando a norma, no inciso VI, do art. 30 fala em “órgão gestor”, estar-se-á diante
de uma estrutura composta por Ministérios, Secretarias, autarquias, fundações,
empresas públicas, que não pode passar em branco. Da mesma forma nas
organizações da sociedade civil. Há um número respeitável de colaboradores,
empregados e voluntários que são a força dessas entidades.
Por certo, portanto, reconhecida essa estrutura, seja o momento ideal
para se reforçar o que acredita-se seja ao mesmo tempo um ato confessional e
uma promessa do MROSC. Consiste no instituído pelo art. 7º317, intitulado “Da
capacitação de Gestores, Conselheiros e Sociedade Civil Organizada”, ipsis
literis:

Art. 7º A União poderá instituir, em coordenação com os Estados, o


Distrito Federal, os Municípios e organizações da sociedade civil,
programas de capacitação voltados a:
I - administradores públicos, dirigentes e gestores;
II - representantes de organizações da sociedade civil;
III - membros de conselhos de políticas públicas;
IV - membros de comissões de seleção;
V - membros de comissões de monitoramento e avaliação;

317O art. 7º também sofreu alteração pela Lei n. 13.204/15. A redação original do artigo era bem
mais enxuta e não contemplava todo o universo de pessoas que efetivamente participa das
parcerias. O texto vigente abraça a necessidade de que todos os envolvidos tenham
conhecimento da estrutura e dos fundamentos que formar o modelo em estudo. Essa era a
redação do art. 7º em sua origem: “A União, em coordenação com os Estados, Distrito Federal,
Municípios e organizações da sociedade civil, instituirá programas de capacitação para gestores,
representantes de organizações da sociedade civil e conselheiros dos conselhos de políticas
públicas, não constituindo a participação nos referidos programas condição para o exercício da
função”.

170
VI - demais agentes públicos e privados envolvidos na celebração e
execução das parcerias disciplinadas nesta Lei.
Parágrafo único. A participação nos programas previstos no caput não
constituirá condição para o exercício de função envolvida na
materialização das parcerias disciplinadas nesta Lei.

Uma das questões mais problemáticas no desenvolvimento das parcerias


em apreço, que como visto já acontecem há mais de duas décadas por meio dos
mais variados instrumentos, é, de fato, o despreparo dos envolvidos. Tanto o
parceiro público quanto o parceiro privado enfrentam dificuldades para
desenvolver seu papel. Cada qual acostumado a regimes jurídicos equidistantes
e a uma gestão própria se veem unidos a um fim comum. Muitas vezes o parceiro
privado impõe um ritmo que o parceiro público não pode acompanhar. Muitas
vezes o parceiro público exige uma postura que o parceiro privado não sabe
como responder. Conhecer os fundamentos e propósitos do modelo, estabilizar
os anseios e ditar os rumos da parceria, se faz por meio da competente
capacitação.
É por conta disso que o art. 7º tem tanta importância para a correta
implementação das parcerias entre poder público e OSC, de modo que o modelo
possa se desenvolver com sucesso ao longo dos próximos anos. Certo que é
um conjunto de fatores aliado a uma conjuntura favorável o que ditará o ritmo
dessas parcerias, mas os programas de capacitação dos agentes ali envolvidos
torna o caminho mais aprazível.
A técnica, a especialização, a construção de uma expertise em torno do
modelo das parcerias em estudo é fundamental para sua frutificação. Existe todo
um compromisso do governo federal nesse sentido, reconhecendo a importância
do marco regulatório como instrumento de fortalecimento da sociedade civil,
firmando a importância das organizações da sociedade civil no contexto de
desenvolvimento do país e o comprometimento com a construção de uma
agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil se fez
prioritário. É o que se concretiza no sítio público da Secretaria de Governo da
Presidência da República, no “Participa.br”318, apresentando-se como norte para
a compreensão do universo do marco regulatório.

318 http://www.participa.br/osc#.WmczzainHIV

171
Cite-se, no contexto em análise, o documento “Gestão de Parcerias com
Organizações da Sociedade Civil - Subsídios para Capacitação sobre a Lei
13.019/2014” (2014)319, que se apresenta como proposta de aperfeiçoamento do
ambiente jurídico e institucional relacionado às OSCs e suas relações de
parceria com o Estado. O texto em referência reconhece a necessidade de se
“reverter a realidade de desconhecimento e insegurança que ainda permeia o
processo de parcerias e exigirá avanços significativos quanto à produção de
conhecimento” 320 . Nesse projeto de capacitação a Administração Pública
Federal se alia à Escola Nacional de Administração Pública – Enap, à Escola
Superior de Administração Fazendária – Esaf, à Escola da Advocacia-Geral da
União, ao Programa “Capacita” da Controladoria-Geral da União e aos os
Ministérios parceiros das OSCs, além das instituições que compõem o Sistema
de Escolas de Governo da União.
O documento em questão apresenta ainda, a proposta de uma “matriz
curricular” 321 , constituída em módulos, a integrar tanto dimensões políticas
quanto técnico-científicas, reconhecendo, portanto, o contexto multidisciplinar do
marco regulatório. Cite-se, por fim, neste universo, uma infinidade de atividades
formativas que deverão fazer parte do dia a dia dos entes federativos de modo
a dar vida ao art. 7º da Lei n. 13.019/14, em sendo: cursos sequencias, cursos

319 Cite-se (2014, p. 4): “Este documento visa apresentar subsídios ao desenvolvimento de
atividades formativas relacionadas ao Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.
As proposições apresentadas têm o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de processos
formativos que ofereçam espaços de convivência, troca de experiências e construção conjunta
de conhecimentos entre diferentes atores sociais, para que se possa fortalecer uma cultura de
relações colaborativas e contribuir com uma prática de gestão pública democrática, capaz de
construir consensos mínimos acerca da relação entre Estado e organizações da sociedade civil
no país”. Disponível em:
http://www.participa.br/articles/public/0008/6059/GestaoDeParceriasSubsidios.pdf. Consulta
em: Jan. 2018.
320 Disponível em:
http://www.participa.br/articles/public/0008/6059/GestaoDeParceriasSubsidios.pdf. Consulta
em: Jan. 2018.
321 Do documento “Gestão de Parcerias com Organizações da Sociedade Civil - Subsídios para

Capacitação sobre a Lei 13.019/2014” (2014, pp. 8-9), cite-se: “Os módulos que compõem a
matriz curricular são os seguintes: Módulo 1 - Organizações da Sociedade Civil, Políticas
Públicas e Participação Social Gestão de Parcerias com Organizações da Sociedade Civil
Subsídios para capacitação sobre a Lei 13.019/2014 9 Módulo 2 - Princípios, Fundamentos,
Direito e legislação aplicada às Organizações da Sociedade Civil e suas relações com o Estado
Módulo 3 - Parcerias entre o Estado e Organizações da Sociedade Civil – do planejamento à
prestação de contas Módulo 4 - Operando o Sistema Gerencial para Termos de Colaboração e
Fomento Módulo 5 - Controle social, monitoramento e avaliação”.

172
livres, seminários, congressos, eventos temáticos, cursos de especialização,
atividades de extensão universitária, cursos de graduação.
Uma última observação a respeito do art. 7º se faz necessária. Ademais
o reconhecimento da importância da capacitação para o desenvolvimento e até
mesmo da reconstrução de uma nova percepção das parcerias, o parágrafo
único do art. 7º faz um adendo no sentido de afirmar que a participação dos
agentes em programas de capacitação não constituirá condição para o exercício
de função envolvida na materialização das parcerias. Em outros termos, na
prática, nenhuma consequência advirá da indiferença dos agentes em termos de
comprometimento com programas de capacitação.
A nosso ver erra o marco regulatório. Se há todo um discurso por detrás
dos programas de capacitação, uma promessa de revigoramento ali depositada,
bem como o reconhecimento de que faltou a devida especialização dos agentes
ao longo dos anos de parcerias entre poder público e filantrópicas, por certo o
marco regulatório ter tratado a questão com mais peso. Mais uma vez o discurso
pode ficar sem a devida efetividade.
Nessa toada, fica a cargo da sensibilidade dos agentes envolvidos na
parceria o cumprimento da diretriz presente no art. 6º, VII, referente a
capacitação dos gestores públicos para a implementação de atividades e
projetos de interesse público. Também torna-se vazia a proposição do parágrafo
único do art. 8º, que reforça a necessidade da “administração pública adotar as
medidas necessárias, tanto na capacitação de pessoal, quanto no provimento
dos recursos materiais e tecnológicos necessários, para assegurar a capacidade
técnica e operacional”.
A missão é muito maior. Haveria de se pensar senão em uma lógica
sancionatória, ao menos em uma lógica compensatória. Assim,
exemplificativamente, se cogitaria nos procedimentos de escolha das OSCs, a
preferência a propostas que incluíssem programas de capacitação em seus
planos de trabalho, ou até mesmo em termos de empate no chamamento
público, se estabelecer como critério de desempate, entidade que apresentasse
comprovantes de realização de cursos de capacitação de seus colaboradores.

173
O Decreto n. 8.726, de 27 de abril de 2016322, que veio regulamentar a Lei
n. 13.019/14 a nível de administração pública federal não lança qualquer olhar
neste sentido, mas chega a dispensar alguns poucos artigos à matéria da
capacitação. Apresenta, ao menos, canais facilitadores da capacitação, mas
nada que considere seu tratamento como requisito de admissibilidade para o
correto desenvolvimento das parcerias.
O Decreto Estadual n. 3.513, de 18 de fevereiro de 2016, do Estado do
Paraná, o primeiro a regulamentar a Lei n. 13.019/14, trata da capacitação em
um de seus artigos finais – art. 88 e seu §1º. Ali resta pontuado que os programas
de capacitação “serão desenvolvidos pela Escola de Governo do Estado do
Paraná, universidades, organizações da sociedade civil, órgãos e entidades
públicas, priorizando processos formativos conjunto de gestores e servidores
públicos, representantes de organizações da sociedade civil e conselheiros dos
conselhos de políticas públicas e de direitos”323. O decreto em questão inova em
seu §1º, ao determinar que os órgãos e entidades públicas estaduais que
mantiverem relações de parceria com OSCs deverão incluir nos programas de
capacitação, sob sua responsabilidade, “temas também relacionados à política
pública a qual está vinculada a execução dos programas e ações que serão
desenvolvidas pelas organizações da sociedade civil”.
Até o presente momento apenas oito 324 Estados regulamentaram
efetivamente a Lei n. 13.019/14 e a respeito da capacitação adequam a sua
redação à semelhança do Decreto Federal ou do conteúdo do §1º acima

322 Decreto n. 8.726, de 27 de abril de 2016 – “Art. 7º Os programas de capacitação de que trata
o art. 7º da Lei nº 13.019, de 2014, priorizarão a formação conjunta dos agentes de que tratam
os incisos I a VI do caput do referido art. 7º e poderão ser desenvolvidos por órgãos e entidades
públicas federais, instituições de ensino, escolas de governo e organizações da sociedade civil.
§ 1º Os temas relativos à aplicação da Lei nº 13.019, de 2014, poderão ser incorporados aos
planos de capacitação dos órgãos e das entidades públicas federais elaborados em
conformidade com o disposto no Decreto nº5.707, de 23 de fevereiro de 2006.
§ 2º As ações de capacitação afetas à operação da plataforma eletrônica serão coordenadas
pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 3º Os programas de capacitação deverão garantir acessibilidade às pessoas com deficiência,
independentemente da modalidade, do tempo de duração e do material utilizado”.
323 Disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Jan. 2018.
324 Informação disponível em: http://www.participa.br/osc/paginas/decretos. Consulta em: Jan.

2018.

174
trasladado. Na contramão, cite-se o Decreto regulamentador do Estado de São
Paulo (Decreto nº 61.981, de 20 de Maio de 2016), que nada diz diretamente
sobre a capacitação325. O Estado do Rio de Janeiro, ademais as tratativas para
a regulamentação da Lei n. 13.019/14326, ainda não formalizou a matéria. Ainda
assim, há um constante comprometimento da Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro e da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais no sentido de sensibilizar as pessoas, especialmente nos
municípios mais afastados acerca da implementação do marco regulatório327.

2.1.3 AS MODALIDADES DE PARCERIAS

Como já se teve oportunidade de refletir quando das reflexões a respeito


da construção do termo “parceria”, teria ficado claro o intuito da Lei n. 13.019/14
de inovar não só em termos metodológicos, mas também o de construir uma
nova configuração, afastando-se da dinâmica contratual da Administração
Pública, usualmente afeta aos contratos administrativos e convênios.
A estrutura colaborativa que surge no cerne da perspectiva conceitual
apresentada pelo marco regulatório o aproxima da dinâmica dos convênios, mas
como o próprio art. 84 de referida norma faz questão de firmar, não se admite,
ao menos tecnicamente, tal assunção.
Como já se teve oportunidade de verificar, a Lei n. 13.019/14 teria
extinguido parcialmente a figura do convênio, contudo, “na essência, ainda
podemos dizer que o que era compreendido por convênio agora será ou termo
de colaboração ou termo de fomento ou acordo de cooperação”328. Essa nova
roupagem é o objeto de análise dos tópicos seguintes.

325 Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2016/decreto-61981-


20.05.2016.html. Consulta em: Jan. 2018.
326 Notícia disponível em: http://plataformaosc.org.br/rio-de-janeiro-da-primeiros-passos-para-a-

regulamentacao-estadual-do-mrosc/. Consulta em: Jan. 2018


327 Notícia de 21/09/17, disponível: https://gife.org.br/abong-e-defensoria-publica-do-rj-
promovem-curso-sobre-implementacao-do-mrosc/. Consulta em: Jan.2018.
328 MORO, Rosangêla Wolff. Regime jurídico das parcerias da organizações da sociedade civil e

a Administração Pública – Lei 13.019/14. Rio de Janeiro: Matrix, 2016, p. 22.

175
2.1.3.1 Termo de colaboração e Termo de fomento

Ainda que se tratem de duas modalidades diferentes de parcerias


instituídas pela Lei n. 13.019/14, opta-se por analisar ambas nesta mesma
oportunidade, vez que, como se verá muito pouco as diferencia.
Conceitua o art. 2º em seu inciso VII, o termo de colaboração, em sendo,
o “instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas
pela administração pública com organizações da sociedade civil para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pela
administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros”
(grifo nosso).
Já o inciso VIII, do art. 2º é quem dita o que se deve entender por termo
de fomento, em sendo o “instrumento por meio do qual são formalizadas as
parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da
sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco
propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência
de recursos financeiros (grifo nosso);
Absorve-se, desde já, o elemento diferenciador dessas modalidades: o
termo de colaboração pressupõe uma “proposta feita pela administração
pública”, enquanto o termo de fomento pressupõe “uma proposta feita pelas
organizações da sociedade civil”. Quando a Lei n. 13.019/14 fala em “proposta”,
diz muito mais do que sobre a decisão acerca de qual instrumento será o
utilizado para a exteriorização das vontades dos sujeitos envolvidos na parceria.
Aponta, em verdade, para os atores participantes do processo de construção de
políticas públicas.
É preciso perceber a essência do marco regulatório. Uma interpretação
teleológica é a indicada na tarefa de descortinar as pretensões da Lei n.
13.019/14. Resta subentendido nos artigos ora em análise a força das parcerias
entre poder público e OSCs, no sentido de representarem os atores na
formulação e concretização das políticas públicas que pretendem ver

176
implementadas329. Legitima-se, portanto, o papel das organizações sociais como
propositoras e executoras dessas políticas e o marco em estudo terá um
importante papel nessa lógica.
O marco regulatório reflete, portanto, uma abordagem multicêntrica do que
se entenda por “políticas públicas”. Segundo muito bem esclarecido por
Leonardo Secchi, a abordagem multicêntrica ou policêntrica, ao contrário da
abordagem estatista ou estadocêntrica, “considera organizações privadas,
organizações não governamentais, organismos multilaterais, redes de políticas
públicas (policy networks), juntamente com os atores estatais, protagonistas no
estabelecimento de políticas públicas”330. Como será aprofundado no capítulo
seguinte, a Lei n. 13.019/14 se apresentará como um veículo na construção
dessa realidade.
Nos instrumentos aqui em foco está somente a “ponta do iceberg”. A
escolha da modalidade de parceria dentro da dinâmica instituída pelo marco
regulatório é apenas um dos passos dessa caminhada. Exteriorizam uma lógica
que impõe reconhecimento, planejamento e execução de políticas públicas e tem
por fim maior, a economicidade, a eficiência, o resultado. Evidenciam novos
rumos dentro da dinâmica de controle social. Representam em verdade, um salto
qualitativo, rumo a uma gestão democrática, essência de uma sociedade cada
vez mais plural.
Traçado os rumos da análise do termo de colaboração e do termo de
fomento e o elemento que os diferencia, chegada a hora de perceber as
similaridades conceituais dos institutos, em sendo: i) ambos se apresentam
como instrumentos de formalização das parcerias; ii) estabelecidos pela
administração pública com as organizações da sociedade civil; iii) para a

329 O Decreto Federal n. 8.726/16, regulamentador da Lei n. 13.019/14, dá o tom dessa realidade
ao pontuar:
Art. 2º (...)
§ 1º O termo de fomento será adotado para a consecução de planos de trabalhos cuja
concepção seja das organizações da sociedade civil, com o objetivo de incentivar projetos
desenvolvidos ou criados por essas organizações.
§ 2º O termo de colaboração será adotado para a consecução de planos de trabalho cuja
concepção seja da administração pública federal, com o objetivo de executar projetos ou
atividades parametrizadas pela administração pública federal. Grifo nosso
330 SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas – Conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2ª

e. São Paulo: Cencage Learning, 2014, p. 3.

177
consecução de finalidades de interesse público e recíproco e, iv) que envolvam
a transferência de recursos financeiros.
Em sendo “instrumentos de formalização”, pressupõe novas espécies
contratuais e reforçam, como não poderia deixar de ser, a impossibilidade de
que os ajustes objeto da norma em estudo se concretizem de forma livre. Uma
vez que devem ser “estabelecidos pela administração pública”, tem-se que os
mesmos serão por ela “adotados”, o que se coaduna com a inteligência dos
artigos 16 e 17 da Lei n. 13.019/14331. Tal referência representa, na prática, que
citados termos serão elaborados pelos representantes jurídicos da
Administração Pública. Certamente que cada ente público terá a liberdade para,
dentro da lógica trazida pela lei, de articular a forma de seu instrumento, mas fica
evidenciada a sua responsabilidade de fazê-lo e não da OSC parceira.
A “consecução de finalidades de interesse público e recíproco” é da
essência do próprio marco regulatório e pressuporá o cuidado da Administração
Pública, em especial no ato de escolha da OSC parceira (via competente
chamamento público), de deixar claramente definido quais os interesses públicos
em jogo e se os mesmos são coincidentes com a missão da OSC candidata.
Tanto o termo de colaboração quanto o termo de fomento pressupõe
transferência de recursos, ao que é dado um peso maior ao necessário controle.
Como visto, nessas modalidades de contratação deverão ser designados
gestores e uma comissão de avaliação e monitoramento (art. 35, V, “g” e “h”).
A última característica a reunir essas modalidades de parceria é a
existência de transferência de recursos financeiros. A transferência de recursos,
na lógica financeira, se qualifica como despesas e segundo classificação da Lei
n. 4.320/64, que estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal, divide-se em: despesas correntes e despesas de capital.

331Lei n. 13.019/14 - “Art. 16. O termo de colaboração deve ser adotado pela administração
pública para consecução de planos de trabalho de sua iniciativa, para celebração de parcerias
com organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos financeiros”.
“Art. 17. O termo de fomento deve ser adotado pela administração pública para consecução de
planos de trabalho propostos por organizações da sociedade civil que envolvam a transferência
de recursos financeiros”.

178
Dentro das despesas correntes estão englobadas as despesas de custeio
e as transferências correntes, enquanto nas despesas de capital estão os
investimentos, as inversões financeiras e as transferências de capital (art. 12,
Lei n. 4.320/64).
As transferências correntes, nos termos do §2º, do art. 12 da Lei n.
4.320/64, são “as dotações para despesas as quais não corresponda
contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e
subvenções destinadas a atender à manutenção de outras entidades de direito
público ou privado”. O artigo 13 da lei em referência trata de exemplificar tal
conceito na prática, formando-o, as Subvenções Sociais, Subvenções
Econômicas, Inativos, Pensionistas, Salário Família e Abono Familiar, Juros da
Dívida Pública, Contribuições de Previdência Social e Diversas Transferências
Correntes.
Por sua vez, são transferências de capital, “as dotações para
investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou
privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens
ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições,
segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especialmente
anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública (§6º, art. 12,
da Lei n. 4.320/64)”. O artigo 13 também trata de pontuar exemplos de
transferências de capital citando, a Amortização da Dívida Pública, Auxílios para
Obras Públicas, Auxílios para Equipamentos e Instalações, Auxílios para
Inversões Financeiras e Outras Contribuições.
Pelos conceitos acima trasladados é possível perceber que as
transferências de recursos que guardariam proximidade com as “transferências
de recursos financeiros” citadas pela Lei n. 13.019/14 são as ditas
“transferências correntes”, na qualidade de “subvenções sociais” 332 , que são
aquelas destinadas a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural, sem finalidade lucrativa (art. 12, §3º, I, da Lei n. 4.320/64).

332 Ainda que o art. 16 da Lei n. 4.320/64 determine que as subvenções sociais se prestem
fundamentalmente a dar suporte a prestação de serviços essenciais de assistência social,
médica e educacional, a nível de suplementação, visto que há também recursos de origem
privada envolvidos, não se pode afastar, de pronto, essa nomenclatura da lógica de
categorização dos recursos a serem recebidos por OSCs.

179
Todavia, a conclusão não é assim tão simples. Segundo lição de J. R.
Caldas Furtado:

Subvenções sociais são as transferências correntes destinadas a


cobrir despesas de custeio de instituições públicas ou privadas de
caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, quando a
transferência deriva de previsão constante na lei orçamentária
(LOA)333.

E mais:

O que caracteriza qualquer transferência é a ausência de


contraprestação direta em bens e serviços, ou seja, se houver
recebimento de bens ou aproveitamento de serviços por parte do ente
público em contrapartida ao valor entregue não há que se falar em
transferência (grifo nosso)334.

Percebe-se, conforme lição acima trasladada que, para a caracterização


das transferências, não poderia haver "contraprestação direta em bens ou
serviços", o que leva a entendimentos de que as subvenções sociais não
alcançariam o marco regulatório, modelo que prevê a imposição de um plano de
trabalho e a prestação de serviços335. Além disso, as subvenções sociais, sob a
ótica do art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), dependem
de autorização legislativa para serem válidas, o que não condiz com o modelo
de parcerias ora em estudo que, “se incluem na esfera de discricionariedade do
Poder Executivo, que as firmará de acordo com as suas diretrizes de
desenvolvimento de políticas públicas”336.
Percebe-se sem aprofundar ainda mais no tema em referência e se afastar
demais dos propósitos dessa tese, como o marco regulatório é multidisciplinar e
denota alto nível de técnica e comprometimento dos envolvidos. Certamente
deverão estar aptos à execução de todas as fases e desdobramentos que a

333 FURTADO, J. R. Caldas. Direito financeiro. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 217.
334 FURTADO, 2012, p. 217.
335 MOREIRA, Mariana; ARAÚJO, Kleyton Rogério Machado. “Subvenções sociais não são

alcançadas pelo MROSC”. Revista Consultor Jurídico, Fev/2015, Disponível em:


https://www.conjur.com.br/2015-fev-08/subvencoes-sociais-nao-sao-alcancadas-
mrosc#_ftnref5. Consulta em: Fev. 2018.
336 MOREIRA; ARAÚJO, 2015.

180
transferência de valores impõe. Tal matéria também deverá ter enfoque nos
programas de capacitação que envolve o domínio dos trâmites financeiros. A
temática é central para o desenvolvimento das parcerias, vez que pode
comprometer a execução do plano de trabalho. Daí necessária a clareza das
informações nos termos e nos cronogramas de trabalho a constar, o início da
execução do recurso, o pleno conhecimento das vedações e condições para
liberação dos recursos, as situações que podem gerar suspensão parcial e
definitiva na liberação de recursos, bem como situações transversas tais quais,
a contratação de colaboradores e dirigentes de OSCs337 e aquisição de bens e
serviços com recursos públicos. Há também de se terem claras as situações de
recolhimento dos saldos financeiros e aditamento de valores.
É toda preocupação presente nos artigos 48 a 50 (“Da Liberação dos
Recursos”), bem como nos artigos 51 a 53 (“Da Movimentação e Aplicação
Financeira dos Recursos”). Assim que, as parcelas dos recursos transferidos no
âmbito da parceria serão liberadas em conformidade com os respectivos
cronogramas de desembolso, salvo as exceções contidas nos incisos338 do art.
48, quando ficarão retidas até o saneamento das impropriedades.
É também a preocupação reforçada nos artigos 33 a 35 do Decreto
Federal n. 8.726/16 que veio regulamentar a Lei n. 13.019/14. Ali resta assentado
que a liberação dos recursos se fará em obediência ao respectivo cronograma
de desembolso, condizente com as metas das parcerias. A movimentação de

337 Nada escapa do controle da Lei. 13.019/14 quanto ao uso dos recursos transferidos. Há uma
preocupação com a transparência como verdadeira bandeira do marco regulatório o que justifica
a preocupação com a figura dos colaboradores e dirigentes das OSCs e legitima a redação do
artigo aqui translado, nos seguintes termos: Art. 11. A organização da sociedade civil deverá
divulgar na internet e em locais visíveis de suas sedes sociais e dos estabelecimentos em que
exerça suas ações todas as parcerias celebradas com a administração pública. (...) VI - quando
vinculados à execução do objeto e pagos com recursos da parceria, o valor total da remuneração
da equipe de trabalho, as funções que seus integrantes desempenham e a remuneração prevista
para o respectivo exercício. (grifo nosso)
338 Lei n. 13.019/14 – “Art. 48 (...)

I - quando houver evidências de irregularidade na aplicação de parcela anteriormente recebida;


II - quando constatado desvio de finalidade na aplicação dos recursos ou o inadimplemento da
organização da sociedade civil em relação a obrigações estabelecidas no termo de colaboração
ou de fomento;
III - quando a organização da sociedade civil deixar de adotar sem justificativa suficiente as
medidas saneadoras apontadas pela administração pública ou pelos órgãos de controle interno
ou externo”.

181
recursos se fará a partir do depósito em conta corrente específica339, isenta de
tarifa bancária, em instituição financeira pública, “que poderá atuar como
mandatária do órgão ou da entidade pública na execução e no monitoramento
dos termos de fomento ou de colaboração” (art. 33, §1º, Decreto Federal n.
8.726/16). Referido decreto prevê ainda a aplicação financeira dos recursos
enquanto não empregados na sua finalidade340.
Por fim, tenha-se em mente, nos termos do art. 53 do marco regulatório,
que toda a movimentação de recursos no âmbito da parceria será
prioritariamente realizada mediante transferência eletrônica, com a devida
identificação do beneficiário final e a obrigatoriedade de depósito em sua conta
bancária. Ressalte-se ainda, que os pagamentos deverão ser realizados
mediante crédito na conta bancária de titularidade dos fornecedores e
prestadores de serviços (art. 53, §1º), admitindo-se, ante a impossibilidade física,
que o termo de colaboração ou de fomento contemple a realização de
pagamentos em espécie (art. 53, §2º).
Em termos práticos reforce-se ainda, o previsto pelo art. 3º do Decreto
Federal n. 8.726/16, ao esclarecer que o processamento das parcerias que
envolvam transferência de recursos financeiros será realizado por meio da
plataforma eletrônica do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de
Repasse - Siconv ou de outra plataforma eletrônica única que venha a substituí-
lo 341 . Os regulamentos de Estados e Municípios também regulamentarão o

339 A norma reforça a determinação contida no art. 51 da Lei n. 13.019/14, onde se tem: “Os
recursos recebidos em decorrência da parceria serão depositados em conta corrente específica
isenta de tarifa bancária na instituição financeira pública determinada pela administração
pública”.
340 Art. 33, §2º, do Decreto Federal n. 8.726/16 – “Os recursos serão automaticamente aplicados

em cadernetas de poupança, fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de


mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, enquanto não empregados na sua
finalidade”.
341 Cumpre ressaltar que o Estado do Rio de Janeiro, ademais não ter ainda regulamentado a

Lei n. 13.019/14, faz parte da Rede do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse
Federais (Rede SINCOV), concretizada por meio da parceria com o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG) e a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), por meio
de acordo de adesão em 25 de julho de 2016. Notícia disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/tesouro/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/paginaDocumento
s.jspx?datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC193249&_afrLoop=56638121091516&
_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null&_adf.ctrl-
state=11rbpro8qt_1#!%40%40%3F_afrWindowId%3Dnull%26_afrLoop%3D56638121091516%
26datasource%3DUCMServer%2523dDocName%253AWCC193249%26_afrWindowMode%3D
0%26_adf.ctrl-state%3D11rbpro8qt_5. Consulta em: Fev. 2018.

182
órgão responsável pelo processamento das parcerias, sendo comum, todavia, a
preferência pelo processamento por meio de plataforma eletrônica342.
Ainda a respeito das transferências de recursos nas parcerias em apreço,
há de se apontar a inteligência do art. 12 da Lei n. 13.019/14, que impõe a
obrigação da Administração pública de divulgar pela internet os meios de
representação em caso de aplicação irregular dos recursos envolvidos na
parceria. Evidencia-se a mesma essência na redação do art. 50 da norma em
referência343. Mais uma vez o marco regulatório objeto desta tese segue firme
em seus propósitos. Pretende a construção de um instrumento regulatório de
controle policêntrico, aberto aos cidadãos e a todos aqueles preocupados com o
abuso no uso de recursos públicos. A norma em foco reforça ainda o
compromisso da Administração Pública com a transparência, projeto
concretizado na Lei Complementar n. 131/2009 (apelidada de “Lei da
Transparência) e na Lei n. 12.527/2011(Lei de Acesso à informação).
Como já vislumbrado, a Lei n. 13.204/15 alterou substancialmente a Lei n.
13.019/14 e não foi diferente com os incisos ora em análise344. A redação original
trazia em seu texto a expressão “sem prejuízo das definições atinentes ao
contrato de gestão e ao termo de parceria, respectivamente, conforme as Leis
9.637, de 15 de maio de 1998, e 9.790, de 23 de março de 1999”. Tal observação
não tem mais razão de ser visto que restou assentado no art. 3º da Lei n.

342 Vide art. 24 do Decreto Estadual n. 3.513/16 do Estado do Paraná. O Decreto Estadual n.
61.981/16, do Estado de São Paulo vai além dispondo em seu artigo 16 que, “A Secretaria da
Fazenda efetuará estudos visando a disponibilizar a plataforma da Bolsa Eletrônica de Compras
do Estado de São Paulo - BEC às organizações da sociedade civil para o processamento das
compras e contratações que envolvam recursos financeiros provenientes de parceria”.
343 Lei 13.019/14 – art. 50 – “A administração pública deverá viabilizar o acompanhamento pela

internet dos processos de liberação de recursos referentes às parcerias celebradas nos termos
desta Lei”.
344 Redação original Lei n. 13.019/14 – “termo de colaboração: instrumento pelo qual são

formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da


sociedade civil, selecionadas por meio de chamamento público, para a consecução de
finalidades de interesse público propostas pela administração pública, sem prejuízo das
definições atinentes ao contrato de gestão e ao termo de parceria, respectivamente, conforme
as Leis 9.637, de 15 de maio de 1998, e 9.790, de 23 de março de 1999”.
“termo de fomento: instrumento pelo qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela
administração pública com organizações da sociedade civil, selecionadas por meio de
chamamento público, para a consecução de finalidades de interesse público propostas pelas
organizações da sociedade civil, sem prejuízo das definições atinentes ao contrato de gestão e
ao termo de parceria, respectivamente, conforme as Leis 9.637, de 15 de maio de 1998, e 9.790,
de 23 de março de 1999;”. (grifos nossos)

183
13.019/14 (também alterado), sua inaplicabilidade no universo de Organizações
Sociais (OS’s) e OSCIP.
O capítulo II, Seção I, do marco regulatório, intitulado “Da celebração do
termo de colaboração ou fomento”, inaugura, a partir do art. 5º, os fundamentos,
princípios, diretrizes, requisitos e procedimentos sob os quais se processarão as
parcerias firmadas entre entes públicos e as OSCs.
No art. 5º, como já pontuado, define-se o regime jurídico da lei,
fundamentada na gestão pública democrática, a participação social, o
fortalecimento da sociedade civil, a transparência na aplicação dos recursos
públicos. Tais fundamentos reforçam a base evolutiva do Estado
contemporâneo, firmado em quatro vetores resultantes das mutações sofridas,
em sendo: os direitos fundamentais, a subsidiariedade, a participação e a
Constituição como norma de aplicação direta345. Tudo isso está presente na Lei
n. 13.019/14.
Cada um dos objetivos presentes no art. 5º serão oportunamente
analisados no capítulo seguinte que tratará de apontar os elementos centrais da
regulação em estudo, mas nesta oportunidade adianta-se que para a celebração
tanto do termo de colaboração quanto do termo de fomento deverá estar bem
claro a todos os envolvidos o projeto maior concretizado tanto no art. 5º quanto
no art. 6º do marco regulatório. A cooperação, o reconhecimento da participação
social como direito do cidadão, o desenvolvimento inclusivo e sustentável, a
promoção dos direitos humanos, a transparência e a eficiência deverão estar
presentes nas mentes e nos propósitos daqueles responsáveis pela condução e
execução das parcerias em referência.
Uma gestão transparente e efetiva, diretriz elementar para a concretização
dos termos de colaboração e de fomento se faz, antes de tudo, com
planejamento. Esse planejamento é essencial à celebração dos termos e ganha
corpo na figura do “Plano de Trabalho” (art. 22, Lei n. 13.019/14). Nenhuma
novidade aqui. Apropria-se o marco regulatório dos planos de trabalho, com
metas de resultado muito claras e indicadores de avaliação desses resultados,

345MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas mutações juspolíticas. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2016, p. 163.

184
há tempos, uma realidade nas contratações que envolvem o Terceiro Setor
(termos de parceria nas OSCIP e contratos de gestão nas OS’s).
Resta apenas, nesta oportunidade, a normatização da questão em termos
de contratação com OSCs e também no universo dos termos de colaboração e
fomento. Nesses termos, conforme instituído pelo art. 22, deverá constar do
plano de trabalho de parcerias celebradas mediante termo de colaboração ou de
fomento:

i) descrição da realidade que será objeto da parceria, devendo ser


demonstrado o nexo entre essa realidade e as atividades ou projetos e metas a
serem atingidas;
ii) descrição de metas a serem atingidas e de atividades ou projetos
a serem executados;
iii) previsão de receitas e de despesas a serem realizadas na
execução das atividades ou dos projetos abrangidos pela parceria;
iv) forma de execução das atividades ou dos projetos e de
cumprimento das metas a eles atreladas;
v) definição dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do
cumprimento das metas.

O artigo em referência foi substancialmente alterado pela Lei n.


13.204/15 346 . O que originariamente consubstanciava um universo de dez
requisitos (incisos), foi reduzido aos acima trasladados. Os elementos
formadores do Plano de Trabalho evidenciam um esforço conjunto tanto dos
agentes do poder público quanto da OSC escolhida, no sentido de retratar da
forma mais fiel possível o cenário das parcerias e o caminho que a mesma irá

346Acredita-se que as alterações do art. 22 promovidas pela Lei n. 13.204/15, que suprimiram
vários incisos do mesmo, tiveram o propósito de tornar a contratação menos burocratizada.
Haviam muitas exigências, como a contida no inciso V, que previa como requisito a constar do
plano de trabalho, “elementos que demonstrem a compatibilidade dos custos com os preços
praticados no mercado ou com outras parcerias da mesma natureza, devendo existir elementos
indicativos da mensuração desses custos, tais como: cotações, tabelas de preços de
associações profissionais, publicações especializadas ou quaisquer outras fontes de informação
disponíveis ao público”. Racionalmente isso traria muitas dificuldades práticas, o que foi
devidamente revogado.

185
trilhar. Isso demonstra o mínimo de planejamento e o comprometimento com as
metas traçadas. É um trabalho que requer expertise tanto do parceiro público
quanto do parceiro privado. Demonstra o quão profissionalizados deverão
ser/estar aqueles que se embrenharem no desenvolvimento desses ajustes. No
mais, referidos Planos de Trabalho necessariamente farão parte dos termos de
colaboração e fomento, devendo ser anexados aos mesmos.
Há de se pontuar, sem maiores elucubrações, que ficarão para o capítulo
seguinte, que a formalização dos termos de colaboração e fomento é apenas um
dos momentos de concretização das parcerias que se inicia no procedimento de
escolha da OSC parceira, o que se dará pela via do denominado “chamamento
público”347 (art. 23 a 32, Lei n. 13.019/14), o que também será aprofundado no
capítulo seguinte.
Na sequência abre-se um tópico para a análise e os desdobramentos dos
procedimentos e requisitos para a concretização dos termos de colaboração e
fomento.

2.1.3.2 Requisitos para celebração do termo de colaboração e do termo de


fomento

O título deste tópico é o mesmo que inaugura a Seção IX do capítulo I da


Lei 13.019/14. Determina seu artigo inaugural (art. 33348) que, para a celebração
das parcerias em estudo, as OSCs, deverão reger-se internamente no sentido
de:

347 Lei n. 13.019/14 - Art. 24. Exceto nas hipóteses previstas nesta Lei, a celebração de termo
de colaboração ou de fomento será precedida de chamamento público voltado a selecionar
organizações da sociedade civil que tornem mais eficaz a execução do objeto. Grifo nosso
348 O art. 33 também sofreu modificações em razão do advento da Lei n. 13.204/15. O único

inciso/alínea que não foi suprimido, alterado ou revogado por referida norma foi o inciso I do art.
33. As alterações encontram a devida justificativa, na medida que, caso se perpetuassem,
determinariam a imposição de uma insustentável burocratização das entidades sem fins
lucrativos, que como visto, nascem da coincidência de vontades, geralmente entre amigos,
conhecidos ou mesmo parentes. Os incisos e alíneas revogados exigiriam um nível de
profissionalização e comprometimento das instituições que não é condizente com a maioria das
sociedades empresárias brasileiras. É o que se percebe do revogado inciso II do art. 33, donde
se tinha a obrigatoriedade de constituição de Conselho Fiscal. Ou ainda, da igualmente revogada
alínea “b”, do inciso IV, do art. 33, em que constava a necessidade de se dar publicidade, “por
qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e
demonstrações financeiras da entidade, incluídas as certidões negativas de débitos com a
Previdência Social e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, colocando-os à
disposição para exame de qualquer cidadão”.

186
i) ter objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de
relevância pública e social (art. 33, I);
ii) que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio
líquido seja transferido a outra pessoa jurídica de igual natureza que preencha
os requisitos da Lei n.13.019/14 e cujo objeto social seja, preferencialmente, o
mesmo da entidade extinta (art. 33, III);
iii) ter sua escrituração de acordo com os princípios fundamentais de
contabilidade e com as Normas Brasileiras de Contabilidade (art. 33, IV);
iv) possuir, no mínimo, um, dois ou três anos de existência, com
cadastro ativo, comprovados por meio de documentação emitida pela Secretaria
da Receita Federal do Brasil, com base no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
- CNPJ, conforme, respectivamente, a parceria seja celebrada no âmbito dos
Municípios, do Distrito Federal ou dos Estados e da União, admitida a redução
desses prazos por ato específico de cada ente na hipótese de nenhuma
organização atingi-los; experiência prévia na realização, com efetividade, do
objeto da parceria ou de natureza semelhante e; instalações, condições
materiais e capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das
atividades ou projetos previstos na parceria e o cumprimento das metas
estabelecidas (art. 33, V, “a”, “b” e “c”).
O artigo em apreço traz consigo uma confissão. Uma das críticas mais
pontuais às parcerias firmadas entre o Poder Público e o Terceiro Setor é que o
mesmo só se embrenharia na execução de competências públicas para garantir
uma fatia dos recursos públicos disponibilizados para a realização das mesmas.
A maioria das instituições não teria a especialização necessária para assumir a
execução de serviços de tamanha importância. Como se pode notar, isso foi
tratado com bastante seriedade pelo marco regulatório. Não que isso já não
viesse sendo feito no bojo das contratações com o Terceiro Setor. Antes mesmo
do advento do marco regulatório objeto desta tese, já havia uma preocupação
das partes de dar uma resposta às críticas recebidas. O “chamamento público”,
como já dito, é um desses instrumentos e presente há tempos no dia a dia das
parcerias com o Terceiro Setor e ponto amplamente discutido na ADI n. 1923/DF
que tratou da discussão sobre a constitucionalidade da lei das OS’s. O

187
chamamento público, que se processa na mesma linha de um processo
licitatório, delineará os caminhos da contratação e pontuará os requisitos a
serem observados.
Assim que, deverão as OSCs, em seus regulamentos internos ou mesmo
em seus atos constitutivos, ter o cuidado de fazer constar todos os requisitos do
art. 33 349 , sob pena de serem julgadas inabilitadas na fase de verificação
documental do chamamento público, restando impossibilitadas de celebrar
parcerias, conforme se pode concluir da leitura do art. 28 da Lei n. 13.019/14350.
Nesses termos, ao ser verificar os contratos sociais e estatutos da OSCs,
ou mesmo seus regimentos internos, deverá ser possível absorver quais
atividades e fins a mesma se dedica. Deverá haver uma “pertinência temática”351
entre a missão da OSC e o interesse público a ser concretizado. Funcionaria
como uma legitimação das parcerias, de modo a se garantir, minimamente, que
os fins pretendidos pelo poder público sejam convergentes aos fins das OSC
parceiras. É o verdadeiro significado do termo “interesses recíprocos” que
permeia os conceitos centrais da Lei n. 13.019/14.
A dificuldade de se definir o que venha a se entender por “relevância
pública e social” (inciso I, art. 33) é a mesma enfrentada no momento da
definição de “interesse público”. Como muito bem sentido por Agamben (2002),
“(...) na vida dos conceitos, há um momento em que eles perdem a sua

349 Quando da publicação da Lei n. 13.019/14, muitas entidades lançaram em seus portais
orientações no sentido de que antes da vigência da mesma, tais filantrópicas aproveitassem
referido intervalo para a revisão de seus estatutos, promovendo adequações conforme o art. 33.
É o que se absorve por exemplo, do sítio público da UNICAFES – União Nacional das
Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária. Disponível em:
http://unicafes.org.br/unicafes/orientacoes-para-mudancas-estatutarias-a-partir-do-novo-marco-
regulatorio. Consulta em: Jan. 2018.
350 “Art. 28. Somente depois de encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, a

administração pública procederá à verificação dos documentos que comprovem o atendimento


pela organização da sociedade civil selecionada dos requisitos previstos nos arts. 33 e 34”.
351 Toma-se emprestado aqui, o termo “pertinência temática” utilizado no universo do Direito

Constitucional no tocante aos legitimados à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade


(art. 103, CF/88). A pertinência temática funciona como requisito implícito de legitimação,
consistente no nexo entre a norma questionada e os objetivos institucionais específicos do órgão
ou entidade. Assim que, os denominados “legitimados ativos especiais”, quais sejam, a Mesa de
Assembleia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado e
do Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional
deverão demonstrar a pertinência entre seus fins e a norma supostamente eivada de
inconstitucionalidade (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Editora
Método, 2009, p. 260/261).

188
inteligibilidade imediata e, como todo termo vazio, podem carregar-se de
sentidos contraditórios” 352 . Não é o que aqui se deseja. Para evitar o
esvaziamento dos termos e o risco de se mergulhar em sentidos contraditórios,
é preciso ir direto ao ponto.
Parte-se assim, do grande salto evolutivo representado pelo
constitucionalismo do segundo Pós-Guerra, responsável por uma reestruturação
do Direito Público contemporâneo e pela reintrodução de uma ordem de valores
com alicerce nas constituições. Daí nascido o movimento de
“constitucionalização do Direito Administrativo”, rumo à efetividade de direitos,
para além do reconhecimento de um rol de direitos fundamentais somente no
papel.
A nosso ver, está no reconhecimento dos deveres constitucionais do
Estado e na necessidade de atingir resultados que concorram efetivamente para
o atendimento de objetivos governamentais, a real noção das expressões
“relevância pública e social”. Exemplificativamente, cite-se o conteúdo do art.
197 da Constituição Federal de 1988, donde, “São de relevância pública as
ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei,
sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado” (grifo nosso). Está também no reconhecimento do rol de
direitos fundamentais e sociais (presentes em todo o texto constitucional, em
especial art. 5º e 6º da CF/88), que aguardam realização.
No dia a dia das contratações envolvendo as OSCs a questão parece estar
sendo resolvida de forma mais direta, mas não menos burocrática. Em edital (n.
002/16) de chamamento público relacionado à execução de ações para a
promoção dos direitos da pessoa com deficiência, o Estado do Paraná, primeiro
Estado a regulamentar a Lei n. 13.019/94, opta pelo processo de concessão de
Título de Utilidade Pública às entidades que preencham os requisitos da Lei
Estadual n. 17.826/13353, como reconhecimento e preenchimento de requisito

352 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique
Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 88.
353 Legislação disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=112488&codI
temAto=713635#713635. Consulta em: Jan. 2018.

189
quanto a demonstração de que a entidade possui uma “gestão administrativa e
patrimonial que garanta e preserve o interesse público” (art. 1º, V Lei Estadual
n. 17.826/13). A cópia simples da Lei que declara a OSC como de Utilidade
Pública Estadual é documento que deve ser apresentado junto a proposta da
OSC participante, sob pena de descumprimento de requisitos e
desclassificação354.
Entende-se que o marco regulatório não deve apresentar-se como uma
oportunidade para a burocratização das organizações da sociedade civil. Exigir
que para participar dos chamamentos públicos as entidades tenham de se
certificar ou obter qualquer tipo de qualificação é onerar ainda mais a
participação das mesmas. Os requisitos dos artigos 33 e 34 da Lei n. 13.019/14
já seriam suficientes para que se demonstre o compromisso das OSCs com
interesses de maior relevância. Além disso, o art. 84-B do marco regulatório faz
questão de trazer um rol de benefícios os quais farão jus as OSCs,
independentemente de certificação355. Além disso, não se pode deixar de notar
que o art. 84-C356 do marco regulatório em estudo, trata de um rol de finalidades

354 Edital disponível em:


http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/editais/Edital_002_16_Praias_Acessiv
eis.pdf. Consulta em: Jan. 2018.
355 Lei n. 13.019/14 – “Art. 84-B. As organizações da sociedade civil farão jus aos seguintes

benefícios, independentemente de certificação:


I - receber doações de empresas, até o limite de 2% (dois por cento) de sua receita bruta;
II - receber bens móveis considerados irrecuperáveis, apreendidos, abandonados ou disponíveis,
administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;
III - distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou
operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua
manutenção ou custeio” (grifo nosso).
356 Art. 84-C. Os benefícios previstos no art. 84-B serão conferidos às organizações da
sociedade civil que apresentem entre seus objetivos sociais pelo menos uma das seguintes
finalidades:
I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III - promoção da educação;
IV - promoção da saúde;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII - promoção do voluntariado;

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;


IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos
de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica
gratuita de interesse suplementar;

190
para obtenção dos benefícios então citados que, a nosso ver, sinaliza para a
temática principal que o poder público quer ver como objeto das parcerias.
O requisito presente no inciso III, do art. 33 da Lei n. 13.019/14 denota
uma preocupação de outra ordem: de que não se perca no tempo o espírito
associativista da entidade dissolvida. Uma preocupação com a perpetuação de
uma missão coletiva, que não se esvaeça com o fim da entidade. Ocupa-se da
continuidade e não a perda de um histórico de representatividade. Almeja a
segurança jurídica nas relações.
O requisito contido no inciso IV do art. 33 reforça o óbvio. As entidades
do Terceiro Setor, com já pontuado, têm uma nomenclatura própria em termos
de apresentação de sua contabilidade, o que não significa estarem alheias às
Normas Brasileiras de Contabilidade. Devem escriturar seus livros de acordo
com resolução e instruções normativas próprias, inclusive para que possa
usufruir das imunidades constitucionais que possuem (art. 150, VI, “c”, CF/88).
O inciso V, do art. 33 em análise traz consigo uma verdadeira confissão,
no sentido do compromisso do marco regulatório de garantir que assumirá a
execução da parceria não uma OSC despreparada ou “aventureira” e sim, uma
organização capaz de assumir todo o peso das obrigações firmadas. Certamente
que o preenchimento dos requisitos ali contidos não é um atestado de que não
haverá problemas durante a execução das parcerias, mas evidencia-se um
mínimo preparo e de planejamento.
O requisito da alínea “a”, do inciso V, do art. 33357, apresenta-se como
verdadeiro empecilho a entidades firmadas em um associativismo oportunista
que, como já citado por Nerfin, deseja apenas “sua ração no caldeirão das
verbas” 358 . Assim que, como regra, haverá de se considerar apta a firmar
parcerias com o poder público, as organizações da sociedade civil que tenham

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros


valores universais;
XII - organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse público e de cunho social
distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;
XIII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação
de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades
mencionadas neste artigo.
357 Tal inciso foi inserido pela Lei n. 13.204/15 e não constava da redação original da Lei n.

13.019/14.
358 NERFIN, 1992, p. 32.

191
no mínimo, um ano de existência se a parceria se der na esfera municipal, dois
anos se na esfera Estadual ou do Distrito Federal e três anos de existência no
âmbito da União. A diferença de prazo entre os entes, a nosso sentir, se justifica
não só por uma questão de competências, mas, em especial, pela área de
abrangência das mesmas.
Tal demonstração se faz com a presença de um cadastro ativo,
comprovado por meio de documentação emitida pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil, com base no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ.
O prazo de existência, nos termos da alínea em referência, poderá ser reduzido
por ato específico de cada ente, na hipótese de nenhuma organização vir a
atingi-los. Entende-se que tal possibilidade constará do devido processo de
contratação (habilitação), em ato devidamente motivado e acompanhado das
respectivas comprovações. Respeita-se assim a transparência e evitam-se
desvios de conduta na tentativa de privilegiar determinada entidade.
A despeito de referida alínea, julga-se extremamente válida a ponderação
de Cristiana Fortini (et al, 2015) quando de sua análise do revogado inciso VII,
do §1º do art. 24 da Lei n. 13.019/14359. Tal advertência nos aproveita, na medida
que com as alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15, houve um
redimensionamento da exigência de tempo prévio de constituição da OSC,
transposta para o inciso ora em análise (inciso V do art. 33). Com as devidas
adequações, reflita-se:

A respeito da exigência de tempo prévio de constituição, cabe ponderar


que o requisito isoladamente não se presta a acautelar o interesse

359 Lei n. 13.019/14 – Redação original das alíneas “a” a “c” do inciso VII, do §1º do art. 24,
revogadas pela Lei n.13.204/15:
“Art. 24 - Exceto nas hipóteses previstas nesta Lei, a celebração de termo de colaboração ou de
fomento será precedida de chamamento público voltado a selecionar organizações da sociedade
civil que tornem mais eficaz a execução do objeto.
§ 1o O edital do chamamento público especificará, no mínimo:
(...)
VII - a exigência de que a organização da sociedade civil possua:
a) no mínimo, 3 (três) anos de existência, com cadastro ativo, comprovados por meio de
documentação emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com base no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
b) experiência prévia na realização, com efetividade, do objeto da parceria ou de natureza
semelhante;
c) capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades previstas e o
cumprimento das metas estabelecidas” (grifamos).

192
público. A mera existência por três anos nada significa. O que importa,
se o que se pretende é afastar aventureiros, está na alínea “b”, do
inciso VII do art. 24360, qual seja, a experiência prévia na realização,
com efetividade, do objeto da parceria ou de natureza semelhante. E,
para tal requisito, não se impôs período mínimo. Logo, parece
inconveniente exigir que a OSC tenha 3 anos de existência com
cadastro ativo, quando o que se deve examinar é acúmulo de
experiência. O inconveniente se agravará, em casos concretos,
quando se perceber a ausência de entidades que consigam cumprir a
alínea “a”, embora cumpram os demais requisitos (destaca-se)361.

Decerto que as alíneas “b” e “c”, do inciso V, do art. 33, seguem os


mesmos propósitos da alínea “a”, complementando-a. Assim que, não basta a
existência da OSC por no mínimo um ano. Será preciso que a mesma demonstre
experiência para a condução do objeto da parceria e que possua condições
estruturais para o desenvolvimento da mesma.
Nessa ordem exige a Lei n. 13.019/14, experiência prévia não só para a
mera execução do objeto, mas que o tenha realizado “com efetividade”.
Conforme primorosa lição do mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, as
mutações pelas quais passou o Estado, alteraram os paradigmas do Direito
Administrativo. Em termos, não é mais suficiente a mera eficácia jurídica, nem o
atraente discurso da eficiência (na ideia de celeridade e economicidade). Há uma
outra fase dessa lógica presente no termo “efetividade”, que faz parte de todo
um “complexo processual em causa – decisório e executório – desde a sua
formulação à sua execução: em suma, até o efetivo atingimento de seu
pretendido resultado” (grifamos)362. O marco regulatório é criterioso quanto a
isso. Reconhece as urgências e necessidades públicas e o rigor na sua
realização. Há um compromisso com a realidade e a imperatividade de nortear
suas ações com os mandamentos constitucionais aos quais deve obediência.
Ao transferir a execução de suas competências a terceiros, o poder
público não se exime de suas responsabilidades. O cuidado no ato de escolha
de suas parceiras evidencia o mínimo de seriedade na condução dos trabalhos.

360 Com a alteração promovida pela Lei n. 13.204/15, há um verdadeiro remanejamento de tal
alínea, para a alínea “b”, do inciso V, do art. 33 do marco regulatório.
361 FORTINI, Cristiana; PIRES, Priscila Giannetti Campos. “O regime jurídico das parcerias

voluntárias com as organizações da sociedade civil: inovações da Lei n. 13.019/14”. A&C Revista
de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 15, n. 61, jul-set 2015, pp. 93-116.
362 MOREIRA NETO, 2016, p. 100.

193
Daí o contido na alínea “c”, do inciso V, do art. 33, ser um excelente indicador
para o parceiro público. Uma OSC que conta com uma estrutura mínima para a
realização do objeto a ser desenvolvido é um primeiro passo no cumprimento de
metas e no alcance de resultados. Nesses termos, espera-se que a OSC tenha
condições materiais, bem como capacidade técnica e operacional para o
cumprimento dos fins da parceria. Não basta a estrutura física, mas também um
corpo de pessoal especializado e preparado para os desafios impostos à
concretização de comandos constitucionais caros.
O Decreto Federal n. 8.726/16 que regulamentou a Lei n. 13.019/14, em
seu art. 26, inciso III, admite como comprovação da experiência prévia: “a)
instrumentos de parceria firmados com órgãos e entidades da administração
pública, organismos internacionais, empresas ou outras organizações da
sociedade civil; b) relatórios de atividades com comprovação das ações
desenvolvidas; c) publicações, pesquisas e outras formas de produção de
conhecimento realizadas pela organização da sociedade civil ou a respeito dela;
d) currículos profissionais de integrantes da organização da sociedade civil,
sejam dirigentes, conselheiros, associados, cooperados, empregados, entre
outros; e) declarações de experiência prévia e de capacidade técnica no
desenvolvimento de atividades ou projetos relacionados ao objeto da parceria ou
de natureza semelhante, emitidas por órgãos públicos, instituições de ensino,
redes, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, empresas públicas
ou privadas, conselhos, comissões ou comitês de políticas públicas; ou f)
prêmios de relevância recebidos no País ou no exterior pela organização da
sociedade civil”.
No mais, em ocasião da análise da alínea “c”, inciso V, art. 33, faz-se uma
observação acerca do conteúdo do seu §5º do art. 33, que determina: “Para fins
de atendimento do previsto na alínea c do inciso V, não será necessária a
demonstração de capacidade instalada prévia”. Referido parágrafo precisa ser
interpretado à luz dos propósitos abraçados pelo marco regulatório. De nada
adianta a alínea “c”, do inciso V, do art. 33 exigir das OSCs parceiras que as
mesmas possuam instalações e condições mínimas para operacionalizar o

194
objeto das parcerias, se o §5º afirma não ser necessária a demonstração de
capacidade instalada prévia.
Ora, a OSC pode até não ter toda a estrutura necessária para o
desenvolvimento das atividades ou projetos previstos nas parcerias, podendo no
plano de trabalho restar evidenciada a necessidade de aquisição de bens e/ou
realização de obras363 (art. 46, IV, da Lei n. 13.019/14)364, mas não se pode
admitir que assuma obrigações sem ter o mínimo de capacidade para operá-las
imediatamente. É certo que uma visita prévia365 da comissão de seleção ou do
conselho gestor da parceria pode vir a burocratizar o processo de contratação,
mas pode evitar muitos problemas futuros e não pode ser indevidamente
descartado. Tal vistoria seria uma opção ao revogado inciso IV, do art. 34, que
instituía mais um requisito para a celebração das parcerias, em sendo a
apresentação de documento que evidenciasse “a situação das instalações e as
condições materiais da entidade, quando essas instalações e condições forem
necessárias para a realização do objeto pactuado”366.
O Decreto Federal n. 8.726/16, regulamentador do marco regulatório em
estudo, tratou a questão com o rigor técnico necessário, apregoando, em seu
art. 26, §1º, que, “a capacidade técnica e operacional da organização da
sociedade civil independe da capacidade já instalada, admitida a contratação de

363 Essa foi uma questão a princípio refutada do texto original do art. 45 da Lei n. 13.019/14. A
alínea “d”, do inciso IX, do art. 45, vedava a realização de despesas com “obras que caracterizem
a ampliação de área construída ou a instalação de novas estruturas físicas”. A questão foi
combatida em emendas à MP 684/2015. Uma, porque apresentava uma contradição com o
estatuído pelo art. 46, IV (EMC n. 96) e outra, porque ao se impossibilitar a realização de obras
com recursos da parceria, perder-se-ia a oportunidade de promover a inclusão e beneficiar
populações que careçam de incentivos ao desenvolvimento (EMC n. 85). Emendas disponíveis
em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas?idProposicao=1594436&subst=0.
Consulta em: Jan. 2018.
364 Lei n. 13.019/14 – “art. 46 Poderão ser pagas, entre outras despesas, com recursos

vinculados à parceria:
(...)
IV - aquisição de equipamentos e materiais permanentes essenciais à consecução do objeto e
serviços de adequação de espaço físico, desde que necessários à instalação dos referidos
equipamentos e materiais”.
365 Neste ponto, faz-se um paralelo com o expediente presente no inciso I, do parágrafo único,

do art. 66 da Lei n. 13.019/14 que admite a visita técnica in loco realizada durante a execução
da parceria.
366 Tenha-se em mente, com base no raciocínio ora empreendido, o que o Decreto Federal n.

8.726/15, que regulamentou a Lei n. 13.019/14, tratou, em ocasião do disciplinamento dos


procedimentos de monitoramento e avaliação das parcerias, a respeito da possibilidade de
realização de visitas técnicas in loco (art. 52).

195
profissionais, a aquisição de bens e equipamentos ou a realização de serviços
de adequação de espaço físico para o cumprimento do objeto da parceria” (grifo
nosso). Citado Decreto determina ainda, nas contratações dessas parcerias
pela Administração Pública Federal, a exigência de “declaração do
representante legal da organização da sociedade civil sobre a existência de
instalações e outras condições materiais da organização ou sobre a previsão de
contratar ou adquirir com recursos da parceria” (art. 26, X).
Os §§ 1º, 2º e 3º do art. 33 da Lei n. 13.019/14 tratam dos casos de
inexigibilidade dos requisitos. Nesse sentido, os acordos de cooperação, as
organizações religiosas e as cooperativas estariam dispensados de atender o
requisito do inciso I, do art. 33, não havendo necessidade de demonstrar a
pertinência dos seus objetivos sociais. Organizações religiosas e cooperativas
também estão dispensadas do atendimento do inciso III, do art. 33, não sendo
obrigadas, em caso de dissolução, de transferir seu patrimônio líquido a outra
pessoa jurídica de igual natureza.
Apesar da omissão do §2º, do art. 33, entende-se que organizações
religiosas não estão dispensadas da escrituração e apresentação de seus livros
e documentos em conformidade com os princípios da contabilidade e segundo
as Normas Brasileiras de Contabilidade, assim como, explicitamente, não
estariam as sociedades cooperativas (art. 33, §3º). Tanto organizações
religiosas quanto cooperativas devem demonstrar os requisitos presentes no art.
33, V que, em nosso sentir, é a grande razão de ser dos requisitos estatuídos
pelo marco regulatório.
O art. 34 da Lei n. 13.019/14 também apresenta outro rol de requisitos,
mas sob uma perspectiva mais prática. Daí ser também necessário para a
celebração das parcerias previstas por referida lei, a apresentação de:

i) certidões de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de


contribuições e de dívida ativa, de acordo com a legislação aplicável de cada
ente federado;

196
ii) certidão de existência jurídica expedida pelo cartório de registro
civil ou cópia do estatuto registrado e de eventuais alterações ou, tratando-se de
sociedade cooperativa, certidão simplificada emitida por junta comercial;
iii) cópia da ata de eleição do quadro dirigente atual;
iv) relação nominal atualizada dos dirigentes da entidade, com
endereço, número e órgão expedidor da carteira de identidade e número de
registro no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF da Secretaria da Receita Federal
do Brasil - RFB de cada um deles;
v) comprovação de que a organização da sociedade civil funciona no
endereço por ela declarado;

O artigo em apreço também foi substancialmente alterado pela Lei n.


13.204/15, restando suprimida, por exemplo, a apresentação de alguns
documentos, tais como: a “prova da propriedade ou posse legítima do imóvel,
caso seja necessário à execução do objeto pactuado” (revogado inciso I, art. 34)
e ; o “regulamento de compras e contratações, próprio ou de terceiro, aprovado
pela administração pública celebrante, em que se estabeleça, no mínimo, a
observância dos princípios da legalidade, da moralidade, da boa-fé, da
probidade, da impessoalidade, da economicidade, da eficiência, da isonomia, da
publicidade, da razoabilidade e do julgamento objetivo e a busca permanente de
qualidade e durabilidade” (revogado inciso VII, do art. 34).
O marco regulatório perde a oportunidade de dar tratamento a uma das
questões práticas de maior peso no universo do Terceiro Setor e que diz respeito
às contratações realizadas pelas entidades sem fins lucrativos gestoras de
recursos públicos. A elaboração de um regulamento de compras e contratações
é uma exigência comum na prática dos contratos de gestão firmados por OS’s.
Naquele, usualmente encontra-se descrito um processo seletivo para aquisição
de bens e contratação de serviços pelo parceiro privado, fazendo-se menção à
observância dos princípios da Administração Pública, uma vez que tais despesas
são pagas com recursos transferidos do poder público. A Lei n. 13.204/15
revogou todos os dispositivos que tratavam de tal matéria, inclusive a seção que
especificamente tratava da “Das Contratações Realizadas pelas Organizações

197
da Sociedade Civil” – artigos 43 e 44. Pode-se pensar que o propósito foi o de
deixar a norma mais enxuta, vez que o regime jurídico das parcerias já privilegia
a gestão pública democrática e o respeito aos princípios da Administração
Pública (art. 5º, Lei n. 13.019/14) mas tal postura não nos convence.
No mais, os requisitos e documentos do vigente art. 33 são os que
efetivamente demonstrarão a efetiva habilitação da OSC para a concretização
seja do termo de colaboração ou do termo de fomento. Como já pontuado, tais
documentos deverão ser verificados quando da realização do respectivo
chamamento público no momento posterior ao encerramento da etapa
competitiva (art. 28) e aptos a demonstrar a capacidade jurídica, a saúde fiscal
da OSC que teve a proposta selecionada, quem são os agentes por ela
responsáveis, bem como seu domicílio.
É inegável a semelhança do artigo 33 do marco regulatório com os artigos
que tratam “Da habilitação” na Lei Geral de Licitações - LGL (Lei n. 8.666/1993).
Os documentos exigidos para a fase de habilitação das licitações geridas pela
LGL é muito similar ao que se exigirá da OSC que se sagrou vencedora da fase
competitiva do chamamento público. É certo que não se chega ao nível de
exigência da Lei 8.666/93, mas as entidades terão de se acostumar com essa
burocracia própria. Acostumadas a contratos privados mais diretos que
usualmente se preocupam apenas com a capacidade jurídica das partes e
quando muito com sua saúde financeira, as parceiras privadas devem se
acostumar a um nível maior de exigências quando na gestão do dinheiro público,
de modo a que se tenha em mente o máximo de segurança e transparência.
A certidão de regularidade fiscal, conforme se absorve da página oficial da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional na rede mundial de computadores, é
“o documento, expedido em conjunto pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional - PGFN e pela Receita Federal do Brasil - RFB, que certifica a situação
fiscal do contribuinte, pessoa física ou jurídica, perante a Fazenda Nacional, em
relação aos débitos previdenciários e aos não previdenciários inscritos em Dívida
Ativa da União (DAU) pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e aos
débitos previdenciários e aos não previdenciários administrados pela Receita
Federal do Brasil. A certidão de regularidade fiscal poderá ser Negativa (CND),

198
Positiva com efeitos de negativa (CPEN) ou Positiva (CP)” 367 . Cada ente
federado tem suas regras para a emissão de suas respectivas certidões de
regularidade fiscal, as quais se submeterão as OSC candidatas à parceria.
A despeito dos documentos afetos à regularidade fiscal, cite-se a
inteligência do art. 29, incisos I a III, da Lei n. 8666/1993, donde se tem: i) prova
de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de
Contribuintes (CGC); ii) prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual
ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao
seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; iii) prova de
regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou
sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; iv) prova de regularidade
relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais
instituídos por lei.
A Lei Geral de Licitações fala também em “regularidade trabalhista”, “com
a prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho”,
mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da
Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de
maio de 1943” (art. 29, V). O decreto regulamentador da Lei n. 13.019 na esfera
da administração pública federal, em seu art. 26, inciso VI exige a Certidão
Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT. Como se verá, percebeu-se uma
tendência na prática dos chamamentos públicos de se incluir essa declaração
de regularidade nos ajustes entre OSC e a Administração Pública Estadual,
escorada nos decretos estaduais regulamentadores da lei objeto desta tese.
Essa preocupação é legítima e deve ser acompanhada com seriedade, quanto
mais as discussões que se levantam a respeito da suposta solidariedade da
Administração Pública quanto a esses débitos.
As certidões de existência jurídica dizem respeito ao ato de registro das
entidades classificadas como OSCs. São cópias de seus atos constitutivos,
estatutos ou contratos sociais devidamente registrados no Cartório de Registro

367 Disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/divida-ativa-da-uniao/todos-os-


servicos/informacoes-e-servicos-para-pessoa-juridica/certidoes-de-regularidade-fiscal/certidao-
conjunta. Consulta em: Jan. 2018.

199
Civil das Pessoas Jurídicas ou, em caso de cooperativas, como já discutido, na
junta comercial. É também o registro junto ao Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas – CNPJ.
A apresentação da cópia da ata de eleição do quadro dirigente atual da
OSC, com a relação nominal atualizada de cada um deles, constando,
necessariamente, o endereço, número e órgão expedidor da carteira de
identidade e número de registro no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF da
Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, identifica os responsáveis pela
OSC e aqueles que, a princípio, responderão pelas irregularidades e
insuficiências da contratação. Nessa ordem, reforce-se a obrigação contida no
§5º, do art. 26 do Decreto Federal n. 8.726/16, no sentido de que a OSC “deverá
comunicar alterações em seus atos societários e em seu quadro de dirigentes,
quando houver”.
Por fim, como documentação a ser apresentada para fins de
preenchimento dos requisitos do art. 34 da Lei n. 13.019/14, cite-se a
comprovação de que a organização da sociedade civil funciona no endereço por
ela declarado. Nos chamamentos públicos aqui pesquisados, observa-se a
tendência de exigir a cópia simples dos talões de luz ou água, fatura telefônica
ou, ainda, do contrato de locação368. É o caminho proposto pelo art. 26, inciso

368 Tendo como base o modelo de chamamento público utilizado pelo Estado do Paraná, o
primeiro Estado a regulamentar a matéria, a respeito do preenchimento dos requisitos do art. 33
e 34 da Lei n. 13.019/14, tem-se o seguinte:
Art. 5º (...) “§ 3° As propostas deverão ser entregues no formato dos Anexos I, II e III e
acompanhadas da seguinte documentação: I – inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas – CNPJ, emitido pelo site da Secretaria da Receita Federal do Brasil, comprovando a
existência mínima de 2 (dois) anos, admitida a redução desses prazos na hipótese de nenhuma
organização atingi-los, conforme o disposto no art. 33 alínea “a” da Lei 13.019 de 2014; II – cópia
simples do estatuto social vigente, devidamente registrado; III – cópia simples da ata de eleição
da diretoria atual; IV – relação nominal atualizada contendo todos os dirigentes da entidade,
acompanhada do endereço residencial, número e órgão expedidor da carteira de identidade e
número de registro no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (modelo disponível no Anexo V); V – comprovação de que a organização da sociedade
civil funciona no endereço declarado no CNPJ, sendo aceitos para tal comprovação, cópia
simples dos talões de luz ou água, fatura telefônica ou, ainda, do contrato de locação; VI –
documentos que comprovem a capacidade técnica e operacional, bem como a experiência prévia
da OSC na realização de ações iguais ou semelhantes ao objeto da parceria; VII – declaração
firmada pelo representante legal da OSC, informando que a entidade e seus dirigentes não
incorrem em qualquer das vedações previstas no art. 39 da Lei Federal 13.019, de 31 de Julho
de 2014 e no artigo 20 do Decreto Estadual 3.513, de 2016 (modelo disponível no Anexo VI); VIII
– declaração firmada pelo representante legal da OSC, informando não possuir no quadro de
empregados da OSC, menores de 18 (dezoito) anos em labor noturno, perigoso ou insalubre e,
também, menor de 16 (dezesseis) anos em qualquer atividade, salvo na condição de aprendiz,

200
VIII, do Decreto Federal n. 8.726/16369. Tal exigência se presta a evidenciar, na
prática, o domicílio da OSC, para cumprimento dos desígnios do artigo 75 do
Código Civil370, e para efeitos dos artigos 42 a 53 do Código de Processo Civil.

2.1.3.3 Providências para celebração e formalização do termo de colaboração e


do termo de fomento

Determina o art. 35 da Lei n. 13.019/14, com as modificações sofridas


pela Lei n. 13.204/15:

Art. 35. A celebração e a formalização do termo de colaboração e do


termo de fomento dependerão da adoção das seguintes providências
pela administração pública:
I - realização de chamamento público, ressalvadas as hipóteses
previstas nesta Lei;
II - indicação expressa da existência de prévia dotação orçamentária
para execução da parceria;
III - demonstração de que os objetivos e finalidades institucionais e a
capacidade técnica e operacional da organização da sociedade civil
foram avaliados e são compatíveis com o objeto;
IV - aprovação do plano de trabalho, a ser apresentado nos termos
desta Lei;
V - emissão de parecer de órgão técnico da administração pública, que
deverá pronunciar-se, de forma expressa, a respeito:
a) do mérito da proposta, em conformidade com a modalidade de
parceria adotada;
b) da identidade e da reciprocidade de interesse das partes na
realização, em mútua cooperação, da parceria prevista nesta Lei;

a partir dos 14 (quatorze) anos, nos termos do inciso III do artigo 7º da Constituição Federal de
1988, bem como de que não remunerará a equipe de trabalho que incorrer nas vedações
previstas no § 5° do artigo 60 do Decreto Estadual 3.513, de 2016 (modelo disponível no Anexo
VII); IX – cópia simples da Lei declarando a OSC como de Utilidade Pública Estadual”. Disponível
em:
http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/editais/Edital_002_16_Praias_Acessiv
eis.pdf. Consulta em: Jan. 2018.
369 Decreto Federal n. 8.726/16 – art. 26 (...) “VIII - cópia de documento que comprove que a

organização da sociedade civil funciona no endereço por ela declarado, como conta de consumo
ou contrato de locação”.
370 Código Civil Brasileiro – “Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:

I - da União, o Distrito Federal;


II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles
será considerado domicílio para os atos nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da
pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar
do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder”.

201
c) da viabilidade de sua execução;
d) da verificação do cronograma de desembolso;
e) da descrição de quais serão os meios disponíveis a serem utilizados
para a fiscalização da execução da parceria, assim como dos
procedimentos que deverão ser adotados para avaliação da execução
física e financeira, no cumprimento das metas e objetivos;
f) (Revogada);
g) da designação do gestor da parceria;
h) da designação da comissão de monitoramento e avaliação da
parceria;
i) (Revogada);
VI - emissão de parecer jurídico do órgão de assessoria ou consultoria
jurídica da administração pública acerca da possibilidade de
celebração da parceria. (grifamos)

O artigo trasladado, diferentemente do que acontece com os artigos 33 e


34 do marco regulatório e, ainda que inserido no capítulo afeto aos “requisitos
para a celebração dos termos de colaboração e fomento”, não pode ser tratado
como tal. As providências contidas no art. 35 não merecem ser tratadas como
meros requisitos a serem preenchidos. Delas dependerá toda a existência das
parcerias em estudo. São verdadeiros atos preparatórios para a celebração e
formalização tanto do termo de colaboração quanto do termo de fomento. O
artigo 35 exterioriza mais do que uma promessa, demonstra planejamento, ou
melhor, compromisso. Traçar o caminho de uma parceria com base nas
premissas contidas no artigo em referência é deixar evidenciada a maturidade
com que os agentes deverão se conduzir para a sua estruturação e realização
de seus propósitos.
Reforça o art. 35, I, a imperativa necessidade de realização do
competente chamamento público, para o correto processamento da escolha da
OSC parceira. Como já adiantado, os pormenores do tema serão tratados no
capítulo seguinte, mas reitera-se, mais uma vez, o compromisso da Lei n.
13.019/14 com um processo transparente e isonômico de escolha da entidade
privada parceira do poder público. Pretende-se dificultar o conluio, os privilégios,
tão arraigados na cultura contratual brasileira, Por ora, cabe aqui adiantar,
portanto, a indispensabilidade do chamamento público, cujas exceções são
propriamente prescritas pelo marco regulatório, como casos de dispensa e
inexigibilidade (artigos 30 e 31, respectivamente).

202
O inciso II, do art. 35, exterioriza o óbvio. Não há como cogitar da correta
execução do objeto da parceria se não houver a clara indicação de prévia
dotação orçamentária. As parcerias em apreço não podem ser um projeto político
ou uma bandeira em nome da realização de determinados direitos sem qualquer
peso prático. Não há espaço para tentativas nem para tropeços pelo caminho. A
indicação das fontes dos recursos e o respectivo número da dotação
orçamentária deverá constar do processo de chamamento público, sugerindo às
OSCs participantes deste processo de seleção que existe recurso específico
direcionado à execução de seus propósitos. O Decreto n. 8.726/16 que
regulamenta as parcerias entre OSCs e a administração pública federal faz
importante adendo no § 8º, de seu art. 9º, determinando: “O órgão ou a entidade
da administração pública federal deverá assegurar que o valor de referência ou
o teto indicado no edital seja compatível com o objeto da parceria, o que pode
ser realizado por qualquer meio que comprove a estimativa do valor
especificado”. É, de fato, questão crítica no desenvolvimento do modelo em
estudo.
A providência contida no inciso III, do art. 35, quanto a exigência de se
demonstrar que os objetivos e finalidades institucionais e a capacidade técnica
e operacional da organização da sociedade civil foram avaliados e que existe
compatibilidade com o objeto, deve ser tratado como requisito para a escolha da
OSC parceira e complementa o disposto pelo art. 33, V, “c”. Tal fato deverá ser
sopesado quando da descrição dos requisitos no chamamento público e, na
prática, demandará a verificação de documentos ou a formalização de
declarações. Espera-se assim, quando da apresentação dos documentos nos
envelopes de propostas em chamamento público, verificar a presença da lista de
colaboradores da OSC diretamente responsáveis pelo setor técnico e
respectivas qualificações, em sendo: registros em órgãos de classe, diplomas,
projetos que já tenham participado, contratos de trabalho, registro em carteira de
trabalho, declarações que evidenciem a capacidade técnica dos mesmos. O
edital do chamamento público realizado pelo Estado do Paraná para escolha de
OSC para execução de ações relacionadas a promoção de direitos das pessoas
com deficiência, em seus anexos X e XI, apresenta um modelo de currículo a ser

203
preenchido pelo coordenador técnico da OSC, bem como uma lista de
documentos a serem apresentados371.
A capacidade operacional também haverá de ser comprovada pelos meios
mais adequados. Seja com uma declaração da OSC de que conta com os bens
necessários para operacionalizar a parceria, seja com uma vistoria à estrutura
da mesma, a depender do objeto contratado. O plano de trabalho (art. 22, Lei n.
13.019/14) é o instrumento que dará a proporção correta dos bens disponíveis,
a estrutura necessária e o que deverá ser adquirido com os recursos
transferidos. Daí a importância de sua aprovação conforme citado pelo inciso
IV, do art. 35 e sua indispensabilidade para a concretização das parcerias e
formalização dos respectivos termos. Tópico próprio será dedicado ao plano de
trabalho, uma vez findas as considerações ao artigo 35.
As parcerias tratadas pela Lei n. 13.019/14 apresentam-se como mais
uma alternativa para a Administração Pública na busca por auxílio na realização
de fins públicos de absoluta relevância (direitos fundamentais). Respeitada a sua
estrutura descentralizada (Administração Pública indireta – autarquias,
fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista) e/ou
desconcentrada (órgãos, Secretarias, Ministérios) e, em franca consonância com
o conceito firmado pelo art. 2º, II da norma em foco, entenda-se a amplitude do
que está em jogo ao se escolher um parceiro para tão importante tarefa.
Ciente do peso dessa escolha, a Administração Pública deverá,
conscientemente, encontrar as razões que a motivem. O art. 35, inciso V, do
marco regulatório trata de prestar-lhe esse auxílio, pontuando acerca dos

371“EDITAL nº 002/2016 ANEXO XI – Relação de documentos aceitos para comprovação de


experiência do Coordenador Técnico do Projeto:
1) Para a experiência profissional: a) Cópia da Carteira de Trabalho, acompanhada de
declaração do empregador descrevendo as atividades realizadas; b) Cópia de Contrato de
Trabalho ou Prestação de Serviços; c) Cópia de Termo de Adesão ao Serviço Voluntário (Lei
Federal 9.608, de 18 de Fevereiro de 1998); d) Declaração firmada pelo representante legal, com
reconhecimento notarial, atestando o período trabalhado e as funções desempenhadas.
2) Para a atuação em projetos similares: a) Declaração firmada pelo representante legal da
entidade em que tenha sido realizado o projeto; b) Cópia da Deliberação ou da Resolução do
Conselho Municipal ou Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência aprovando a realização
do projeto; c) Relatório de atividades apresentado a órgão oficial atestando a execução das
ações do projeto”. Disponível em:
http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/editais/Edital_002_16_Praias_Acessiv
eis.pdf. Consulta em: Jan. 2018.

204
elementos que deverão ser considerados, atente-se, “por órgão técnico da
administração pública”, para a formalização da parceria.
Por “órgão técnico da administração pública” acredita-se que o marco
aponte para o órgão solicitante da parceria ou a quem a OSC tenha sugerido
determinada política pública (Ex. Autarquia de processamento de dados,
Ministério da Educação, Secretaria de Desenvolvimento Social). A emissão de
parecer por esse órgão, em sendo um dever e não opção da Administração, tem
caráter vinculativo e não meramente opinativo. Lembrando a ilustre lição de
Oswaldo Aranha Bandeira de Melo (2010), temos:

O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-


lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi
indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por
corresponder à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório
quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A
obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe
imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer
jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo;
embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de
ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a
autoridade que não o acolhe deverá motivar a sua decisão. O parecer
é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar
sua conclusão372.

A conclusão não poderia ser outra quanto mais pela carga motivacional
presente no parecer em questão. O parecer de órgão técnico a se manifestar a
respeito do “mérito da proposta” (art. 35, V, “a”) evidencia sua indispensabilidade
nos casos em que a Administração Pública optar pela contratação da parceria
sem a realização do competente chamamento público. São os casos de dispensa
e inexigibilidade do chamamento público (art. 30 e 31 da Lei n. 13.019/14), que
contemplariam o exame de mérito da proposta, ou seja o juízo de conveniência
e oportunidade da mesma. Não há como se interpretar de outra forma, sob pena
de se burocratizar ainda mais o trâmite dessas parcerias. Em outras palavras, o
parecer técnico do art. 35, V, diz respeito aos casos de contratação direta das
parcerias, seja por não ser possível a competição, seja porque essa competição
não é a melhor opção.

372BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3ª ed.


Vol. I . São Paulo: Malheiros, 2010, p. 43.

205
Nesses termos, o parecer do órgão técnico 373 deverá demonstrar a
justificativa e motivação para a admissão da proposta feita pela OSC, a
coincidência e, portanto, o “casamento” dos interesses da Administração com os
da OSC, a viabilidade da execução, a plausibilidade do cronograma de
desembolso, demonstrando maturidade no planejamento das parcerias, a
descrição dos meios de fiscalização e avaliação adotados, a designação do
gestor da parceria, bem como da comissão de monitoramento e avaliação.
O parecer em apreço deverá expressamente se pronunciar, portanto,
acerca de todos os elementos contidos nas alíneas “a” a “h”, do inciso V, do
art. 35 do marco regulatório, devendo, quando for o caso, concluir pela
possibilidade ou não da concretização da parceria na modalidade prevista. Além
disso, poderá, sob força do §2º do art. 35, concluir pela possibilidade de
celebração da parceria, com ressalvas. Em resumo, são três as conclusões do
parecer técnico: i) pela impossibilidade de celebração da parceria; ii) pela
possibilidade de celebração da parceria e, iii) pela possibilidade de celebração
da parceria com ressalvas.
As ressalvas serão endereçadas tanto à OSC quanto à própria
Administração para saneamento. Pensa-se que o prazo para providências
quanto as ressalvas feitas deva ser assinado no próprio parecer, respeitada a
razoabilidade e as circunstâncias de cada caso. Ao administrador público
designado caberá sanar as ressalvas apontadas, conforme inteligência do art.
35, §2º, justificando a preservação ou exclusão das mesmas, mediante ato
formal correspondente.
Por fim, como última providência presente no art. 35, em seu inciso VI,
tem-se a necessidade de emissão de parecer jurídico do “órgão de assessoria
ou consultoria jurídica da administração acerca da possibilidade de celebração
da parceria”. O primeiro ponto é a definição de qual seria o “órgão de assessoria

373A despeito do parecer de órgão técnico, atente-se para a determinação contida no art. 30 do
Decreto Federal n.8.726/16, nos seguintes termos:
“Art. 30. O parecer de órgão técnico deverá se pronunciar a respeito dos itens enumerados no
inciso V do caput do art. 35 da Lei nº 13.019, de 2014.
Parágrafo único. Para fins do disposto na alínea “c” do inciso V do caput do art. 35 da Lei nº
13.019, de 2014, o parecer analisará a compatibilidade entre os valores apresentados no plano
de trabalho, conforme disposto no § 1º do art. 25, e o valor de referência ou teto indicado no
edital, conforme disposto no § 8º do art. 9º”.

206
ou consultoria jurídica da administração pública” responsável pelo parecer em
referência. Segundo os artigos 131 e 132 da Constituição Federal de 1988, cabe
à advocacia pública (Advocacia Geral da União, Procuradorias do Estado e do
Distrito Federal e Procuradorias Municipais), as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo.
No âmbito da Administração Pública Federal a questão foi clarificada pelo
Decreto Federal n. 8.726/16 (art. 31), que não deixa dúvida: “o parecer jurídico
será emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelos órgãos a ela
vinculados ou pelo órgão jurídico da entidade da administração pública
federal”. De acordo com o art. 2º da Lei Complementar n. 73/93 (Lei Orgânica da
Advocacia-Geral da União), são seus órgãos de direção superior, o Advogado-
Geral da União; a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional; a
Consultoria-Geral da União; o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
e; a Corregedoria-Geral da Advocacia da União. Como órgãos de execução da
AGU, têm-se, as Procuradorias Regionais da União e as da Fazenda Nacional e
as Procuradorias da União e as da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito
Federal e as Procuradorias Seccionais destas; a Consultoria da União, as
Consultorias Jurídicas dos Ministérios, da Secretaria-Geral e das demais
Secretarias da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas
e, como órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União, o
Gabinete do Advogado-Geral da União;
Apesar do extenso rol e da extensa estrutura, a União tem, segundo dados
do Ministério da Transparência (2016)374, quantidade razoável de contratos com
escritórios de advocacia, especialmente em suas estatais, questão controversa
e em inúmeras oportunidades levadas ao judiciário por conta de contratações
diretas feitas a base de processos de inexigibilidade de licitação. Só no Supremo
Tribunal Federal duas ações analisam a questão da contratação de bancas de

374Segundo relatório do Ministério da Transparência intitulado “Contratação de Serviços de


Advocacia nas Empresas Estatais no âmbito do Poder Executivo Federal”, de 2016, a União tem
em vigor contratos no valor de R$ 2,2 bilhões, em serviços de consultoria e defesa jurídica,
submetidos ao regime de inexigibilidade de licitação, conforme Lei 8.666/1993. Relatório
disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-cgu-terceirizacao-advogados.pdf. Consulta
em: Fev. 2018.

207
advocacia sem a realização de processo licitatório: a Ação Declaratória de
Constitucionalidade n. 45 e o Recurso Extraordinário (RE) n. 656.558.
No RE n. 656.558, que envolve questão de contratação sem licitação de
escritório de advocacia de município paulista que conta com quadro de
procuradores, restou assentado, em voto de relatoria do Ministro Dias Toffoli, a
possibilidade da contratação de advogados sem licitação, pela carga de
confiança que deve haver em tal escolha, ainda que o ente público tenha
procuradores. Alertou, todavia, que tal contratação não deverá ser feita por
qualquer razão, mas devidamente justificada por inequívoca necessidade, a
exigir um “primor técnico diferenciado” ou melhor um “toque do especialista” 375
O marco regulatório em estudo parece desejar fugir de qualquer celeuma
e portanto, reforça que o parecer jurídico a respeito das parcerias, na esfera
federal, deverá ser emitido pela AGU e seus órgãos.
No mais, entenda-se, sob a ótica do inciso VI, do art. 35, por “possibilidade
de celebração da parceria”, os requisitos presentes no § 1º, do art. 31 do Decreto
Federal n. 8.726/16, que abrangerá: i) a análise da “juridicidade” das parcerias
e; ii) consulta sobre dúvida específica apresentada pelo gestor da parceria ou
por outra autoridade que se manifestar no processo de contratação.
Mais uma vez as palavras não são vãs no marco regulatório. Ao lançar
mão do termo “juridicidade” no universo das parcerias em estudo, atenta-se para
uma evolução da própria percepção de legalidade. A legalidade, como
referencial na construção de um Estado de Direito e responsável pelas bases de
formação do Direito Administrativo, também sofreu mutações, não podendo mais
ser percebida como um mero exercício de subsunção da norma com a realidade
fática.
É como já fizemos questão de pontuar acerca dos ensinamentos
construídos por Raquel Melo Urbano de Carvalho, quando de suas reflexões
acerca das “mutações na noção clássica de legalidade”, percebendo-se na
juridicidade, o respeito não só às leis, mas sim, às regras jurídicas, as quais

375BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 656.558/SP. Relator: Ministro


Dias Toffoli. Julgamento em 14 de junho de 2017. Voto disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE656558DT.pdf. Consulta em: Fev.
2018.

208
englobam os princípios gerais de Direito, de modo que a atuação do Poder
Executivo deva conformidade não apenas à lei, mas ao Direito, decomposto em
regras e princípios376.
Essa é a perspectiva presente na Lei n. 13.019/14. Não é o
reconhecimento de mais uma norma a serviço das contratações públicas. É a
estruturação de uma lógica principiológica a serviço de um propósito: o
fortalecimento da sociedade civil. O marco regulatório é cheio de significados.
Compreendê-lo vai além do seu reconhecimento como uma norma que veio
instituir novas modalidades de parcerias e uma estrutura altamente
moralizadora. É preciso ter a presteza necessária para entender as entrelinhas
e todo o peso do universo que carrega consigo.
Feitas essas reflexões a respeito dos incisos do art. 35, passa-se à análise
de seus parágrafos que retratam opções legislativas que reforçam o modelo ora
estudado.
Assim que, quando o §1º do art. 35 fala que “não será exigida
contrapartida financeira como requisito para celebração de parceria”, a Lei n.
13.019/14, se afasta de qualquer tentativa de tratar a matéria com generalidades
próprias dos convênios (devidamente redimensionados pelo marco regulatório)
e das exigências que lhes são alcançadas por força da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000). Conforme inteligência do §1º do art. 25
da LRF, as transferências voluntárias de recursos necessariamente devem
conter “previsão orçamentária de contrapartida”.
A contrapartida representa, a comprovação, por parte dos entes públicos
que celebram convênios com órgãos ou entidades da Administração Pública
Federal, que existe igual disponibilidade de valores a ser aplicada na consecução
do objeto do convênio, perpetuando-se seu regime de mútua cooperação. Desta
forma, no momento da celebração do ajuste, há a fixação no termo de convênio
do valor a ser transferido pelo concedente, assim como do valor a ser aplicado
pelo convenente referente à contrapartida financeira. Pactua-se assim, a parcela
financeira que cada ente terá a obrigatoriedade de aplicar na consecução do

376 Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 31) ressalta que “Substitui-se, no Direito
Administrativo, ‘o princípio da submissão da administração a uma normação pré-fixada’ pelo
‘princípio da submissão da administração ao Direito”.

209
objeto conveniado. Fica ajustado, portanto, o valor e a proporção dos recursos
que cada um aplicará no financiamento do objeto377.
Ainda que os termos de colaboração e termos de fomento firmem-se na
“consecução de finalidades de interesse público e recíproco”, resta claro que os
mesmos não tem natureza, nem recebem tratamento de convênio (art. 3º, IV e
seu Parágrafo único; art. 84 da Lei n. 13.019/14). Desta feita, não lhes é exigida
a contrapartida financeira, mas faculta-se a faculdade de exigir a contrapartida
“em bens e serviços cuja expressão monetária será obrigatoriamente identificada
no termo de colaboração ou de fomento” (§1º, art. 35, segunda parte). Nestes
termos, deverá constar no corpo (ou anexo) do termo de colaboração ou de
fomento, a relação de bens ou serviços disponibilizados em contrapartida pelo
parceiro privado. A declaração de tais itens será primordial até mesmo para a
escolha da OSC parceira, o que acredita-se também deva fazer parte da própria
proposta e do respectivo edital no procedimento do chamamento público378.
Ao que se refere à contrapartida de bens e serviços no bojo das parcerias
em estudo, o Decreto Federal n. 8.726/16 tratou de traçar seus limites em seu
art. 12, restando assim assentado “É facultada a exigência justificada de
contrapartida em bens e serviços, cuja expressão monetária será identificada no
termo de fomento ou de colaboração, não podendo ser exigido o depósito do
valor correspondente” (grifamos). Resta clarificado pelo decreto que a
contrapartida deverá ser prontamente justificada e conter a descrição dos bens
e serviços com sua respectiva expressão monetária, sem que isso, em hipótese
alguma, venha servir de base para referenciar uma eventual caução ou garantia
da parceria. O decreto também coloca um limite na faculdade da Administração
Pública de exigir a contrapartida, determinando o parágrafo único do art. 12 que,

377 TORRES, Michell Laureano. “Convênios administrativos: contrapartida e incidência da regra


de proporcionalidade”. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF, dez. 2012. Disponível em:
http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.41459&seo=1. Acesso em: Fev. 2018.
378 É a conclusão que se tem diante da leitura do inciso VI, do art. 9º do Decreto Federal n.

8.726/16, no qual:
“Art. 9º - O edital de chamamento público especificará, no mínimo:
(...)
VI - a previsão de contrapartida em bens e serviços, se for o caso, observado o disposto no art.
12”. (grifamos)

210
“Não será exigida contrapartida quando o valor global da parceria for igual ou
inferior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais)”.
A respeito do § 2º do art. 35 da Lei n. 13.019/14, já tivemos oportunidade
de pontuar no momento da análise do parecer técnico previsto pelo inciso V do
art. 35, restando na oportunidade assentado que, uma vez o parecer técnico
conclua pela possibilidade da celebração da parceria com ressalvas, o
administrador público terá a opção de saná-las ou, por ato formal, justificar a
preservação ou exclusão dos aspectos ressalvados. Neste momento, vale o
apontamento no sentido de reforçar que essa também será o mesmo caminho a
ser trilhado, caso o parecer jurídico (art. 35, VI) conclua pela possibilidade
celebração do ajuste com ressalvas379.
É delicada a percepção sobre a discricionariedade no âmbito das
contratações públicas na atualidade. Tenha-se por base o conturbado período
pelo qual passa o Brasil com sucessivos escândalos envolvendo tal matéria. O
regime jurídico administrativo ora com prerrogativas, ora com muitas restrições
não nos salvou de ver verdadeiras atrocidades com o dinheiro público. A
sensação é que o aparato normativo à disposição da Administração Pública é
inútil. Nesses termos, ainda que o marco regulatório se apresente como uma
norma que prima pela transparência, pela publicidade e por um projeto claro e
célere de gestão, creditar ao agente público, em um juízo de conveniência e
oportunidade, a preservação ou exclusão de uma ressalva apontada em parecer
pelo corpo técnico e/ou jurídico das parcerias é, de fato, um ponto crítico. Neste
ponto, o controle social, também uma das bandeiras do modelo em estudo é o
que deverá fazer toda a diferença.
O § 3o do art. 35 também já foi abordado quando da análise da figura do
gestor (art. 2º, VI), e trata das providências necessárias quando o mesmo deixar
de ser agente público ou lotado em outro órgão ou entidade. Como visto, caberá
ao administrador público a designação de novo gestor, assumindo, enquanto

379 Lei n. 13.019/14 – art. 35. (...) “§2º - Caso o parecer técnico ou o parecer jurídico de que
tratam, respectivamente, os incisos V e VI concluam pela possibilidade de celebração da parceria
com ressalvas, deverá o administrador público sanar os aspectos ressalvados ou, mediante ato
formal, justificar a preservação desses aspectos ou sua exclusão”.

211
isso não ocorrer, todas as obrigações e responsabilidades do agente a ser
substituído.
O §4º do art. 35 foi revogado pela Lei n. 13.204/15, em especial pela
revogação do inciso VII do § 1º do art. 24 do marco regulatório380. A revogação
se deu por conta da absorção de seu conteúdo pelos requisitos presentes no art.
33, V, da Lei n. 13.019/14. Houve, em verdade, um redimensionamento, uma
readequação. Os requisitos presentes no revogado inciso VII do § 1º do art. 24
e afetos ao chamamento público, dizem respeito ao processo de celebração dos
termos de colaboração e de fomento como um todo, inclusive, a nosso ver, para
os casos de dispensa e inexigibilidade de chamamento público.
O art. 35, § 5º toca em um dos pontos críticos que usualmente afetam as
parcerias com o Terceiro Setor como um todo. Os Contratos de Gestão das OS’s
e os Termos de Parceira, no caso das OSCIP, têm sempre essa dúvida e
questionamento pairando sobre os mesmos e isso não foi ignorado pela Lei n.
13.019/14. A questão da aquisição de bens, com recursos públicos,
especialmente quando é feito pela parceira privada e o fim desses bens, seja
pelo termo final da parceria, seja como sugere o §5º do art. 35, com a extinção
da OSC parceira, há tempos merece o correto direcionamento.
O marco regulatório não deixa espaço para dúvidas. Segundo o inciso XIII,
do seu art. 2º, entenda-se por “bens remanescentes”: “os de natureza
permanente adquiridos com recursos financeiros envolvidos na parceria,
necessários à consecução do objeto, mas que a ele não se incorporam”. Não
se podia cogitar de outra postura do marco em estudo, quanto mais se tendo

380 Era a seguinte a redação original do inciso VII do § 1º do art. 24:


“Art. 24. Para a celebração das parcerias previstas nesta Lei, a administração pública deverá
realizar chamamento público para selecionar organizações da sociedade civil que torne mais
eficaz a execução do objeto.
(...)
VII - a exigência de que a organização da sociedade civil possua:
a) no mínimo, 3 (três) anos de existência, com cadastro ativo, comprovados por meio de
documentação emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com base no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
b) experiência prévia na realização, com efetividade, do objeto da parceria ou de natureza
semelhante;
c) capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades previstas e o
cumprimento das metas estabelecidas”.

212
como direcionamento um regime jurídico que prima por uma “gestão pública
democrática”.
O §5º do art. 35, ora em análise vai além e determina: “Caso a organização
da sociedade civil adquira equipamentos e materiais permanentes com recursos
provenientes da celebração da parceria, o bem será gravado com cláusula de
inalienabilidade, e ela deverá formalizar promessa de transferência da
propriedade à administração pública, na hipótese de sua extinção”381.
Ainda a despeito dos bens remanescentes, cite-se o estatuído pelo artigo
36, que também compõe a seção da Lei n. 13.019/14 que trata “Dos Requisitos
para Celebração do Termo de Colaboração e do Termo de Fomento”, donde se
firma a obrigatoriedade de “estipulação do destino a ser dado aos bens
remanescentes da parceria”. É o parágrafo único do art. 36, o qual disciplina o
destino dos bens remanescentes adquiridos com recursos transferidos após seu
termo final. Será também por um ato de discricionariedade do administrador
público a verificação da possibilidade de sua doação 382 , “quando, após a
consecução do objeto, não forem necessários para assegurar a continuidade do
objeto pactuado, observado o disposto no respectivo termo e na legislação
vigente”.
Além disso, a questão da definição da titularidade dos bens e direitos
remanescentes adquiridos em razão da execução da parceria, com recursos
repassados pela administração pública, no momento da conclusão ou extinção

381 No caso de dissolução da OSC, atente-se para o estatuído pelo §5º, incisos I e II, do art. 24
do Decreto Federal n. 8.726/15, nos seguintes termos:
“Art. 24.
(...)
§ 5º Na hipótese de dissolução da organização da sociedade civil durante a vigência da parceria:

I - os bens remanescentes deverão ser retirados pela administração pública federal, no prazo de
até noventa dias, contado da data de notificação da dissolução, quando a cláusula de que trata
o caput determinar a titularidade disposta no inciso I do caput; ou
II - o valor pelo qual os bens remanescentes foi adquirido deverá ser computado no cálculo do
valor a ser ressarcido, quando a cláusula de que trata o caput determinar a titularidade disposta
no inciso II do caput”.
382 Uma vez definida a titularidade dos bens remanescentes para a Organização da Sociedade

Civil, conforme inteligência do art. 23, II do Decreto Federal n. 8.726/16, e prevista a possibilidade
em cláusula contratual, a OSC poderá realizar doação dos bens a terceiros, inclusive
beneficiários da política pública objeto da parceria, desde que demonstrada sua utilidade para
realização ou continuidade de ações de interesse social.

213
da mesma, é cláusula essencial quando da formalização dos termos de
colaboração e de fomento (art. 42, X, da Lei n. 13.019/14).
O Decreto federal que regulamenta a Lei n. 13.019/14, em seu art. 43,
inciso I e II, direciona sobre a possibilidade de que seja determinada a
titularidade dos bens tanto para o órgão ou entidade pública federal quanto para
a organização da sociedade civil, na medida que forem úteis à continuidade da
execução de ações de interesse social383.
O Decreto Estadual n. 3.513, de 18 de Fevereiro de 2016384, do Estado do
Paraná, o primeiro Estado a regulamentar a matéria, ao que se refere aos bens
remanescentes, preferiu a cisão dos artigos da Lei n. 13.019/14 com o Decreto
Federal n. 8.726/15, não indo além do que neles disposto. O Decreto Estadual
do Estado de São Paulo (n. 61.981, 20 de maio de 2016)385, nada fala sobre os
bens remanescentes, o que a nosso impõe as mesmas conclusões quando da
análise do artigo em questão. O Estado de Rondônia, a que nos parece um dos
Estados mais comprometidos com questões afetas ao Terceiro Setor, tendo
inclusive uma Gerência de Fomento ao Terceiro Setor (Gets) 386, vinculada à
Superintendência Estadual de Assuntos Estratégicos (SEAE), em seu Decreto
regulamentador (n. 21.431, de 29 de novembro de 2016)387, inova na questão
dos bens remanescentes e chega a dispor em seu art. 39, inciso XVIII, acerca
da titularidade de bens submetidos a regime jurídico de propriedade intelectual.

383 Decreto Federal n. 8.726/15 – “Art. 23. A cláusula de definição da titularidade dos bens
remanescentes adquiridos, produzidos ou transformados com recursos repassados pela
administração pública federal após o fim da parceria, prevista no inciso X do caput do art. 42 da
Lei nº 13.019, de 2014, poderá determinar a titularidade dos bens remanescentes:
I - para o órgão ou a entidade pública federal, quando necessários para assegurar a continuidade
do objeto pactuado, seja por meio da celebração de nova parceria, seja pela execução direta do
objeto pela administração pública federal; ou
II - para a organização da sociedade civil, quando os bens forem úteis à continuidade da
execução de ações de interesse social pela organização”.
384 Disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Fev. 2018.
385 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2016/decreto-61981-

20.05.2016.html. Consulta em: Fev. 2018.


386 Funcionamento, objetivo e atividades do Gets, disponível em:
http://www.rondonia.ro.gov.br/seae/institucional/gets/sobre-a-gets/. Consulta em Fev. 2018.
387 Disponível em: http://ditel.casacivil.ro.gov.br/cotel/Livros/detalhes.aspx?coddoc=27032.
Consulta em: Fev. 2018.

214
O Estado do Rio de Janeiro não regulamentou a matéria, mas o Município
do Rio de Janeiro o fez, através do Decreto Municipal n. 42.696, de 26 de
dezembro de 2016 e, a despeito dos bens remanescentes, optou por uma
conduta conservadora e austera que contemplaria, na prática, o retorno dos bens
ao parceiro público quando do termo final da parceria (cláusula terceira do
modelo de termo de colaboração/fomento anexo ao Decreto) e a doação para a
OSC quando os bens tenham “tornado obsoletos, imprestáveis, de recuperação
antieconômica ou inservíveis ao serviço público” (cláusula sexta do modelo de
termo de colaboração/fomento anexo ao Decreto)388.
Retomando a análise do art. 35 da Lei n. 13.019/14, têm-se, por fim, seus
§ 6º e 7º, que guardam correlação entre si, na medida que um representa uma
vedação, sobre a qual o outro dá o devido direcionamento. Assim, encontra-se
impedido de participar “como gestor da parceria ou como membro da comissão
de monitoramento e avaliação pessoa que, nos últimos 5 (cinco) anos, tenha
mantido relação jurídica com, ao menos, 1 (uma) das organizações da sociedade
civil partícipes” (art. 35, §6º). Configurado tal impedimento, a substituição tanto
do gestor quanto de membro impedido se dará levando em consideração
qualificação técnica equivalente à do substituído (art. 35 § 7º).
Ainda no capítulo referente a seção da Lei n. 13.019/14 que trata “Dos
Requisitos para Celebração do Termo de Colaboração e do Termo de Fomento”,
cite-se o polêmico e combatido art. 37, que já tivemos oportunidade de pontuar
e trazia a obrigação da OSC indicar ao menos um dirigente para
responsabilização pessoal e solidária pelo cumprimento das metas pactuadas.
Pelas razões já grifadas, tal expediente não vingou e foi revogado.
O último artigo da seção responsável por definir os requisitos para
celebração dos termos de colaboração e fomento, é o artigo 38 que, a nosso ver,
deveria estar localizado na seção referente à formalização e execução das
parcerias (capítulo III, seção I, art. 42). De todo modo, o artigo em questão
reforça o óbvio. Reitera a necessidade de publicação dos extratos dos termos de
colaboração e fomento firmados nos meios oficiais de publicidade, de modo a se

388 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-


janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.

215
estabelecer o momento a partir do qual se produzirão seus efeitos jurídicos 389.
Esse expediente é indispensável para o funcionamento das engrenagens do
marco regulatório, vez que com informação e publicidade se alcançará a tão
celebrada transparência e se apresenta os meios para a concretização do
controle social das parcerias.
Faça-se uma observação final a respeito da seção em referência que vai
do art. 33 ao art. 38. Incluído pela Lei n. 13.204/15, o artigo 35-A trata da
possibilidade de “atuação em rede” por duas ou mais organizações da sociedade
civil na execução do objeto descrito no termo de colaboração ou no termo de
fomento. A atuação em rede, revela não só a evolução social provocada pela
“transformação informacional” 390 proporcionada pelo desenvolvimento
tecnológico, mas também a evolução estatal no sentido de deixar de lado uma
postura de subordinação, migrando para uma conduta colaborativa. Em sendo
uma das novidades trazidas pelo marco regulatório, será abordado em seus
pormenores no capítulo seguinte.
Na sequência, fazemos um adendo, de modo a tratar de forma mais
aprofundada, da providência presente no inciso IV, do art. 35, que diz respeito
ao plano de trabalho.

2.1.3.4 Do Plano de Trabalho

O plano de trabalho é questão central na lógica das parcerias, parte


integrante dos termos de colaboração e de fomento, dispensando-lhe tratamento
o Capítulo II, Seção VII, artigo 22, da Lei n. 13.019/14391.

389 Lei n. 13.019/14 – “Art. 38. O termo de fomento, o termo de colaboração e o acordo de
cooperação somente produzirão efeitos jurídicos após a publicação dos respectivos extratos no
meio oficial de publicidade da administração pública”.
390 CASTELLS, Manuel. “Sociedade em rede”. Vol. 1. A era da informação: economia, sociedade

e cultura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999, p. 24.


391 O plano de trabalho é referencial inclusive para efeitos de conceituação e diferenciação entre

o termo de colaboração e o termo de fomento, conforme se denota do Decreto Federal n.


8.726/15:
Art.2º.
(...)
§1º O termo de fomento será adotado para a consecução de planos de trabalhos cuja concepção
seja das organizações da sociedade civil, com o objetivo de incentivar projetos desenvolvidos ou
criados por essas organizações.

216
Após a realização do competente processo de seleção e feita a escolha
da OSC parceira, a mesma terá o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar seu
plano de trabalho, nos termos do que dispõe o caput do art. 25 do Decreto
Federal n. 8.726/16. Os Estados e Municípios dentro de sua competência
legislativa e quando da elaboração de seus decretos assinarão o prazo que
julgarem razoável para tal apresentação. O Decreto Estadual n. 3.513, de 18 de
Fevereiro de 2016 (art. 41)392, do Estado do Paraná, que tem servido de exemplo
ao longo deste estudo, traz solução interessante e que condiz com toda a
essência da regulação da matéria, admitindo que as partes cheguem a um
consenso sobre o prazo de apresentação do plano de trabalho.
Segundo a Lei n. 13.019/14, do plano de trabalho, deverá
obrigatoriamente constar:

(i) descrição da realidade que será objeto da parceria, devendo ser


demonstrado o nexo entre essa realidade e as atividades ou projetos e metas a
serem atingidas (art. 22, I);
(ii) descrição de metas a serem atingidas e de atividades ou projetos a
serem executados (art. 22, II);
(iii) previsão de receitas e de despesas a serem realizadas na execução
das atividades ou dos projetos abrangidos pela parceria (art. 22, II-A);
(iv) forma de execução das atividades ou dos projetos e de cumprimento
das metas a eles atreladas (art. 22, III);
(v) definição dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do
cumprimento das metas (art. 22, IV).

§2º O termo de colaboração será adotado para a consecução de planos de trabalho cuja
concepção seja da administração pública federal, com o objetivo de executar projetos ou
atividades parametrizadas pela administração pública federal” (grifamos).
392 “Art. 41. Na etapa de aprovação do plano de trabalho e do regulamento de compras e

contratações, a administração pública do Estado do Paraná convocará as organizações da


sociedade civil selecionadas para apresentar o plano de trabalho e seu respectivo regulamento
de compras e contratações para serem aprovados, ambos podendo ser consensualmente
ajustados, observados os termos e condições constantes no edital e na proposta selecionada”
(grifamos). Disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Fev. 2018.

217
O artigo 22 não passou ileso pelas mudanças trazidas pela Lei n.
13.204/15, tendo sofrido substanciais alterações que, em nosso sentir, serviram
para desburocratizá-lo. Os revogados incisos V, VI, VII, VIII, IX e X, de fato,
representam excessivos detalhes que comprometeriam a fluidez da contratação.
Cite-se, como exemplo, a redação do revogado inciso V do art. 22 que
determinava ser necessário estar contido no plano de trabalho “elementos que
demonstrem a compatibilidade dos custos com os preços praticados no mercado
ou com outras parcerias da mesma natureza, devendo existir elementos
indicativos da mensuração desses custos, tais como: cotações, tabelas de
preços de associações profissionais, publicações especializadas ou quaisquer
outras fontes de informação disponíveis ao público”.
A redação original do caput do art. 22, afirmava ainda que “Deverá constar
do plano de trabalho, sem prejuízo da modalidade de parceria adotada:”, o que
deixou de fazer sentido quando da inclusão da modalidade de parceria do acordo
de cooperação pela Lei n. 13.204/15, insistindo-se essa norma na necessidade
de plano de trabalho para os termos de colaboração e de fomento.
O inciso I, do art. 22 teve o termo “diagnóstico” alterado para “descrição”,
de modo a aproximar ainda mais seus propósitos de uma realidade palpável, que
o texto da norma faz questão de perpetuar. A opção do legislador pelo termo
“realidade” tem uma aura de significados dentro do Direito Administrativo. Não
há como não se lembrar das lições do mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto
(2002), no seguinte sentido:

O entendimento do princípio da realidade parte de considerações bem


simples: o Direito volta-se à convivência real entre os homens e todos
os atos partem do pressuposto de que os fatos que sustentam suas
normas e demarcam seus objetivos são verdadeiros. São os fatos que
regularmente ocorrem ou podem ocorrer, na natureza física ou
convivencial, e só excepcionalmente, e por disposição expressa, a
ordem jurídica acolhe ficções ou presunções. Em outros termos, a
vivência do Direito não comporta fantasias; o irreal tanto não pode ser
a fundamentação de um ato administrativo quanto não pode ser o seu
objetivo. O Direito Público, ramo voltado à disciplina da satisfação dos
interesses públicos, tem, na inveracidade e na impossibilidade,
rigorosos limites à discricionariedade. Com efeito, um ato do Poder
Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado,
no impreciso e no duvidoso não está, por certo, seguramente voltado
à satisfação de um interesse público; da mesma forma, o ato do Poder
Público que se destine à realização de um resultado fático inalcançável
não visa a satisfazer a um interesse público. O perigo da violação do

218
princípio da realidade é, ainda por cima, a desmoralização da ordem
jurídica pela banalização da ineficiência e a vulgarização do
descumprimento, além do pesado tributo do ridículo393. (grifamos)

Como se absorve do texto que se fez questão de trasladar acima, o plano


de trabalho não pode ser tratado pelos gestores públicos, órgãos gestores,
dirigentes das OSCs e todos aqueles envolvidos nas parcerias como uma mera
formalidade. Contém uma promessa, o caminho rumo à execução de serviços
públicos de primeira ordem, da realização de direitos sociais de primeira
grandeza.
Mas descrever a realidade não pode se tornar um discurso vazio. E o
marco regulatório conhece esses riscos e impõe, nas parcerias com vigência
superior a um ano, o dever de realizar pesquisas de satisfação com quem a
norma chama de “beneficiários do plano de trabalho”.394 Percebe-se, portanto,
quem são, verdadeiramente, segundo a lei em estudo, os destinatários do plano
de trabalho.
O inciso II, do art. 22, aponta para a exposição da metodologia do plano
de trabalho, com a “descrição de metas a serem atingidas e de atividades ou
projetos a serem executados”. A redação original de tal inciso falava “em metas
quantitativas”395, o que ainda persiste na prática das parcerias396. A mudança no

393 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade – Novas Reflexões


Sobre os Limites e Controle da Discricionariedade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002,
p. 37
394 Lei n. 13.019/14 – art. 58 – (...) “§ 2o Nas parcerias com vigência superior a 1 (um) ano, a

administração pública realizará, sempre que possível, pesquisa de satisfação com os


beneficiários do plano de trabalho e utilizará os resultados como subsídio na avaliação da
parceria celebrada e do cumprimento dos objetivos pactuados, bem como na reorientação e no
ajuste das metas e atividades definidas”.
395 O Decreto Federal n. 8.726/2016, que regulamentou a Lei n. 13.019/14 insiste na terminologia

“metas quantitativas, em seu art. 25, III.


396 No modelo de chamamento público do Estado do Paraná para escolha de OSC executora de

ações relacionadas a promoção de direitos das pessoas com deficiência, que tem servido de
referência em algumas ocasiões deste estudo, prevalece ainda o uso do termo “metas
quantitativas e qualitativas”. No plano de trabalho em questão tem-se como metas quantitativas:
“1) Funcionamento em 05 (cinco) horas diárias, conforme tabela abaixo; 2) Banhos de mar com
duração de 30 (trinta) minutos, podendo ser reduzido em caso de fila de espera; 3) Pelo menos,
20 atendimentos diários por ponto”; e como metas qualitativas “1) Elevar a autoestima do público-
alvo; 2) Fortalecer a dignidade da pessoa com deficiência e da pessoa com mobilidade reduzida;
3) Ampliação da rede social do público-alvo”. Disponível em:
http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/editais/Edital_002_16_Praias_Acessiv
eis.pdf. Consulta em: Jan. 2018.

219
texto tem um peso importante, na medida que torna a linguagem da norma mais
acessível e não tão técnica.
A necessidade de se fazer constar a previsão de receitas e de despesas
a serem realizadas na execução das atividades ou dos projetos abrangidos pela
parceria (art. 22, II-A) coincide com o desdobramento prático da necessidade de
se ter expressamente indicada a respectiva e prévia dotação orçamentária para
sua execução (art. 35, II). Assim deverá restar clarificado no plano de trabalho,
a receita disponível, bem como a natureza das despesas (investimento em
estrutura, custeio). O Decreto Federal regulamentador do marco regulatório,
reforça, no §1º do seu art. 25 que, a previsão de receitas e despesas deverá
incluir “os elementos indicativos da mensuração da compatibilidade dos custos
apresentados com os preços praticados no mercado ou com outras parcerias da
mesma natureza, tais como cotações, tabelas de preços de associações
profissionais, publicações especializadas ou quaisquer outras fontes de
informação disponíveis ao público”.
Note-se que o inciso II-A, do artigo 22, da Lei n. 13.019/14, tem
significativos desdobramentos dentro do desenvolvimento das parcerias e uma
missão ímpar, de modo a deixar o mais transparente possível a celebração das
mesmas. Daí se atentar para toda a estrutura representada pela seção
especialmente destinada às despesas (art. 45 e 46) e à liberação dos recursos
(art. 48 e 49).
As despesas relacionadas à execução das parcerias é
de responsabilidade exclusiva da organização da sociedade civil, sendo,
portanto, “responsável pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos
recursos recebidos, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, de
investimento e de pessoal”, nos termos do que prevê o art. 42, XIX da Lei n.
13.019/14.
O artigo 45 se preocupa em pontuar as vedações em termos de despesas,
não estando autorizada a parceira privada a utilizar recursos para finalidade
alheia ao objeto da parceria (art. 45, I), nem a pagar, a qualquer título, servidor
ou empregado público com recursos vinculados à parceria, salvo nas hipóteses
previstas em lei específica e na lei de diretrizes orçamentárias (art. 45, II). O

220
artigo 45 sofreu profundas alterações com o advento da Lei n. 13.204/15. Não
fossem as modificações propostas por citada norma, não seria possível utilizar
os recursos provenientes da parceria, para realização de obras para ampliação
de área ou instalação de novas estruturas (era o conteúdo da revogada alínea
“d”, do inciso IX, do art. 45). Entendeu-se que haveria uma contradição entre o
disposto pelo inciso XIX, do art. 42 e todas as vedações previstas nos incisos do
art. 45, tolhendo a liberdade da OSC em gerir os recursos transferidos 397.
O artigo 46, por sua vez, apresenta uma contrapartida, apontando as
despesas que poderão ser pagas com recursos vinculados às parcerias, em
sendo: i) remuneração da equipe encarregada da execução do plano de
trabalho, inclusive de pessoal próprio da organização da sociedade civil, durante
a vigência da parceria, compreendendo as despesas com pagamentos de
impostos, contribuições sociais, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -
FGTS, férias, décimo terceiro salário, salários proporcionais, verbas rescisórias
e demais encargos sociais e trabalhistas (art. 46, ,I); ii) diárias referentes a

397
Era essa a redação original do artigo 45 da Lei n. 13.019/14:

“Art. 45 - As parcerias deverão ser executadas com estrita observância das cláusulas pactuadas,
sendo vedado:
I - realizar despesas a título de taxa de administração, de gerência ou similar;
II - pagar, a qualquer título, servidor ou empregado público com recursos vinculados à parceria,
salvo nas hipóteses previstas em lei específica e na lei de diretrizes orçamentárias;
III - modificar o objeto, exceto no caso de ampliação de metas, desde que seja previamente
aprovada a adequação do plano de trabalho pela administração pública;
IV - (VETADO);
V - utilizar, ainda que em caráter emergencial, recursos para finalidade diversa da estabelecida
no plano de trabalho;
VI - realizar despesa em data anterior à vigência da parceria;
VII - efetuar pagamento em data posterior à vigência da parceria, salvo se expressamente
autorizado pela autoridade competente da administração pública;
VIII - transferir recursos para clubes, associações de servidores, partidos políticos ou quaisquer
entidades congêneres;
IX - realizar despesas com:
a) multas, juros ou correção monetária, inclusive referentes a pagamentos ou a recolhimentos
fora dos prazos, salvo se decorrentes de atrasos da administração pública na liberação de
recursos financeiros;
b) publicidade, salvo as previstas no plano de trabalho e diretamente vinculadas ao objeto da
parceria, de caráter educativo, informativo ou de orientação social, das quais não constem
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal;
c) pagamento de pessoal contratado pela organização da sociedade civil que não atendam às
exigências do art. 46;
d) obras que caracterizem a ampliação de área construída ou a instalação de novas estruturas
físicas.

221
deslocamento, hospedagem e alimentação nos casos em que a execução do
objeto da parceria assim o exija (art. 46, II); iii) custos indiretos necessários à
execução do objeto, seja qual for a proporção em relação ao valor total da
parceria (art. 46, III) e; iv) aquisição de equipamentos e materiais permanentes
essenciais à consecução do objeto e serviços de adequação de espaço físico,
desde que necessários à instalação dos referidos equipamentos e materiais (art.
46, IV).
Conforme já pontuado, as receitas – os recursos transferidos na esfera
das parcerias – serão liberadas em estrita conformidade com o respectivo
cronograma de desembolso (art. 48, caput, Lei n. 13.019/14). Aliás, o
cronograma de reembolso é elemento que minimamente deve constar do plano
de trabalho segundo o Decreto Federal n. 8.726/16 (art. 25, VI). Acompanhou
essa tendência o já citado Decreto Estadual do Estado do Paraná (art. 9º, VIII).
Acrescente-se, nesta oportunidade que, em havendo evidências de
irregularidades na aplicação de parcelas anteriormente recebidas, quando
constatado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, o inadimplemento
por parte da OSC e quando essa deixar de adotar sem justificativa as medidas
saneadoras apontadas pela Administração Pública ou por órgãos de controle
interno ou externo, as parcelas dos recursos ficarão retidas até o saneamento
das impropriedades (art. 48, I, II e III, Lei n. 13.019/14).
Entende-se a gana do marco regulatório em estudo de se apresentar como
um instrumento moralizador e combativo de condutas maculosas, mas não se
pode admitir que tal desejo ultrapasse os limites normativos, nem que se torne
um instrumento especulativo. Só há como se respeitar a intenção do inciso I do
art. 48, que autoriza o parceiro público, diante de “evidências de irregularidade”
suspender o repasse de valores, uma vez respeitado o devido processo legal,
máxima constitucional assentada nos incisos LIV e LV do art. 5º, da CF/88.
De volta à seção que trata do plano de trabalho, o inciso III, do art. 22,
da Lei n. 13.019/14 fala sobre a necessidade do mesmo retratar a “forma de
execução das atividades ou dos projetos e de cumprimento das metas a eles
atreladas”. Resta necessário, portanto, deixar evidenciado o cronograma de
atividades e respectivas metas a serem alcançadas. É o ponto central das

222
parcerias, evidenciando um padrão de eficiência que se pretende construir.
Evidencia também o peso do planejamento no desenvolvimento das parcerias e
a construção de um modelo de gestão palpável e o mais próximo possível da
realidade.
O inciso IV, do art. 22, do marco regulatório complementa o determinado
pelo inciso III, exigindo que conste do plano de trabalho, a definição dos
parâmetros a serem utilizados para a aferição do cumprimento das metas. O
inciso demonstra o compromisso, especialmente do poder público, em dar a
dimensão do que se pretende alcançar em termos de realização do objeto da
parceria. É também o tom perseguido pelo art. 4º do Decreto Federal n. 8.726/16,
no sentido de assentar que caberá à administração pública federal adotar
“procedimentos para orientar e facilitar a realização de parcerias e estabelecerá,
sempre que possível, critérios para definir objetos, metas, custos e indicadores
de avaliação de resultados” (grifamos).
Será o edital de chamamento público o instrumento no qual deverá conter
dados e informações sobre a política, o plano, o programa ou a ação em que se
insira a parceria para orientar a elaboração das metas e indicadores da proposta
pela organização da sociedade civil. No instrumento convocatório de seleção da
OSC parceira é onde restarão evidenciadas as pretensões da parceria. Qual a
política pública em foco? O número de atendidos/beneficiários? Os objetivos da
parceria? Qual a área de alcance? A intenção é a expansão da área de
atendimentos? Qual o prazo para a execução das ações e cumprimento das
metas? Esses seriam algum dos indicativos que se pretende ver explicitado no
edital e que servirá de elemento para a construção do plano de trabalho. Os
indicativos de resultados deverão evidenciar o cronograma de atendimentos, de
cadastramentos, baseados em experiências anteriores ou mesmo em projeções
futuras. Caberá à administração pública estabelecer os indicadores,
quantitativos ou qualitativos, dessa avaliação de resultados (art. 23, parágrafo
único, II, Lei n. 13.019/14).
Definir as metas da parceria é de extrema relevância para o
desenvolvimento das mesmas de modo que, uma vez não estejam claramente
definidas, comprometida estará a liberação dos recursos e, por consequência, o

223
cronograma de desembolsos398. Nesses termos, a liberação de recursos sem a
observância do disposto no plano de trabalho pode configurar ainda um ato de
improbidade administrativa que causa lesão ao erário, segundo alterações
promovidas pelo marco regulatório na Lei n. 8.429/92399.
E não é só isso, conforme se depreende da leitura do § 2º do art. 34 do
Decreto Federal n. 8.726/16, o atraso injustificado no cumprimento de metas
pactuadas no plano de trabalho configura inadimplemento de obrigação
estabelecida no termo de fomento ou de colaboração.
Há de se reforçar ainda que, esses indicadores estabelecidos no plano de
trabalho servirão de referência para o relatório técnico de monitoramento e
avaliação das parcerias, que se presta a verificar o cumprimento das metas e o
impacto do benefício social obtido em razão da execução do objeto até o período
determinado (art. 59, §1º, II, Lei n. 13.019/14).
Feitas essas considerações gerais acerca dos requisitos presentes no art.
22 do marco regulatório, em sessão especificamente dedicada ao plano de
trabalho, importante pontuar sua conexão e importância na sistemática de
desenvolvimento das parcerias. Neste sentido, não se pode deixar de ressaltar
que a aprovação 400 do plano de trabalho apresentado pela OSC parceira é
requisito para a celebração do termo de colaboração e do termo de fomento,
conforme preceitua o já visitado inciso IV, do art. 35 da norma objeto desta tese.
Em termos de formalização do termo de colaboração e fomento, o plano
de trabalho constará como anexo, sendo deles parte integrante e indissociável
(parágrafo único do art. 42 Lei n. 13.019/14).
Como no plano de trabalho estará retratado todo o desenvolvimento das
parcerias, ele é o instrumento de referência no seu controle, partindo-se de sua

398 É o que nos diz o art. Art. 33 do Decreto Federal n. 8.726/15, em sendo: “A liberação de
recursos obedecerá ao cronograma de desembolso que guardará consonância com as metas da
parceria”.
399 O art. 77 da Lei n. 13.019/14, alterou o art. 10 da Lei n. 8.429/92, a “Lei de Improbidade

Administrativa”, acrescentando a seu inciso XXI, o seguinte: “liberar recursos de parcerias


firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das
normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”.
400 Por aprovação do plano de trabalho, entenda-se, nos termos do § 2º, do art. 25 do Decreto

Federal n. 8.726/14: “Somente será aprovado o plano de trabalho que estiver de acordo com as
informações já apresentadas na proposta, observados os termos e as condições constantes no
edital” (grifamos).

224
análise, em um verdadeiro exercício de subsunção entre as pretensões e as
realizações das parcerias, o ato de prestação de contas. São inúmeros
dispositivos do capítulo do marco regulatório destinado à prestação de contas
que prestam reverência ao plano de trabalho (Ex. art. 63, art. 64, §4º, art. 66 Lei
n. 13.019/14). No momento oportuno, eles serão melhor enfrentados.
O plano de trabalho também é referencial na aplicação de sanções, caso
a execução da parceria estiver em desacordo com o mesmo (art. 73 da Lei n.
13.019/14 e art. 71 do Decreto Federal n. 8.726/16).
Por fim, como se viu no caput do art. 22 da Lei n. 13.019/14, o plano de
trabalho deverá constar das parcerias celebradas mediante termo de
colaboração e termo de fomento. O marco regulatório instituiu três modalidades
de parcerias, restando, portanto, fora da exigência de referido artigo 401, o acordo
de cooperação. Vejamos do que se trata essa modalidade no tópico seguinte e
as incongruências em seu tratamento.

2.1.3.5 Acordo de cooperação

Antes de serem enfrentados os pormenores desta modalidade de


parceria, é prudente contextualizar. A princípio, por força do que determina o
marco regulatório em estudo, para a celebração do acordo de cooperação,
muitos dos requisitos e providências presentes na Seção IX, capítulo II, lhes são
dispensados. O processamento do acordo de cooperação se dá de forma menos
laboriosa se comparado ao termo de colaboração e ao termo de fomento. É o
que se pretende pontuar nesta oportunidade. Rosângela Wolff Moro, tratando o
tema de forma bastante direta, afirma que tem-se como exemplo de acordo de
cooperação, aqueles acordos em que a Administração Pública fornece

401A leitura do parágrafo único do art. 42 do marco regulatório nos dá outra percepção dessa
questão, restando ali assentado: “Constará como anexo do termo de colaboração, do termo de
fomento ou do acordo de cooperação o plano de trabalho, que deles será parte integrante e
indissociável”. O artigo em comento foi incluído pela Lei n. 13.204/15, que alterou o próprio caput
do art. 22. O legislador parece não ter se dado conta da incompatibilidade dos mesmos.
Acreditamos que o plano de trabalho é o coração do planejamento das parcerias e demonstra o
mínimo de organização de modo a se alcançar a tão festejada eficiência. Confia-se, assim, nos
termos do revogado caput do art. 22, que toda modalidade de parceria deveria conter o
respectivo plano de trabalho.

225
servidores de seus quadros ou bens móveis para a execução de uma
determinada parceria402.
Primeiramente cumpre definir o que venha entender-se por acordo de
cooperação, o que nos presta auxílio o inciso VIII-A, do art. 2º da Lei n.
13.019/14, incluído pela Lei n. 13.204/15, nos seguintes termos:

Acordo de cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas


as parcerias estabelecidas pela administração pública com
organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de
interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de
recursos financeiros;

Na mesma linha vem o conceito contido no Decreto Federal n. 8.726/16


(art. 5º), o que traslada-se: “O acordo de cooperação é instrumento por meio do
qual são formalizadas as parcerias entre a administração pública federal e as
organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse
público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros”.
Note-se, da leitura dos artigos em questão que, o grande diferencial do acordo
de cooperação com os termos de colaboração e fomento está no fato de que nos
mesmo não ocorre transferência de recursos financeiros.
Há de se pontuar que o termo “acordo de cooperação” pode gerar
confusão prática, vez que é muito comum no universo dos convênios, o apego
ao “acordo de cooperação técnica” firmado entre entes da administração pública
direta e indireta403. É também o direcionamento que se encontra na doutrina,
donde usualmente se absorve: “A cooperação pode ser acordada por
consórcios, convênios, acordos de programa ou conferência de serviços
celebrados com outras entidades públicas, porque terão todas o dever comum
de prossecução do interesse público”404 (grifo no original). Há de se ter o tino
necessário para perceber tais proximidades, ao mesmo tempo que se rememora
que o marco regulatório em estudo reitera seu afastamento do tema, reforçando

402 MORO, Rosângela Wolff. Regime jurídico das parcerias da organizações da sociedade civil e
a Administração Pública – Lei 13.019/14. Rio de Janeiro: Matrix, 2016, p. 24.
403 Tenha-se como exemplo o acordo de cooperação técnica firmado entre a ADIN e o Tribunal

de Contas da União. Disponível em:


https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A14B12BE1B014B17E2
03124157&inline=1. Consulta em: Fev. 2018.
404 MOREIRA NETO, 2016, p. 185.d

226
no seu art. 84-A que, a partir de sua vigência, somente serão celebrados
convênios nas hipóteses do parágrafo único do art. 84405.
No mais, seguindo adiante, diferentemente do que ocorre na Lei n.
13.019/14, o decreto federal regulamentador dispensa ao acordo de cooperação
uma Seção própria 406 , aprofundando nos elementos necessários a sua
celebração. Isso faz todo o sentido. Na medida que a Lei n. 13.019/14 dispensa
bastante energia em requisitos e providências aos termos de fomento e

405 Lei n. 13.019/14 – “Art. 84. Não se aplica às parcerias regidas por esta Lei o disposto na Lei
nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Parágrafo único. São regidos pelo art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
convênios:
I - entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;
II - decorrentes da aplicação do disposto no inciso IV do art. 3 o”.

406 Nos termos do Decreto Federal n. 8.726/16:


Seção II
Do acordo de cooperação
Art. 5º O acordo de cooperação é instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias
entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil para a consecução
de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos
financeiros.
§ 1º O acordo de cooperação poderá ser proposto pela administração pública federal ou pela
organização da sociedade civil.
§ 2º O acordo de cooperação será firmado pelo Ministro de Estado ou pelo dirigente máximo da
entidade da administração pública federal, permitida a delegação.
§ 3º O acordo de cooperação poderá ser prorrogado de acordo com o interesse público, hipótese
que prescinde de prévia análise jurídica.
Art. 6º São aplicáveis ao acordo de cooperação as regras e os procedimentos dispostos no
Capítulo I, Seção I - Disposições preliminares, e, no que couber, o disposto nos seguintes
Capítulos:
I - Capítulo II - Do chamamento público;
II - Capítulo III - Da celebração do instrumento de parceria, exceto quanto ao disposto no:
a) art. 24;
b) art. 25, caput, incisos V a VII, e § 1º; e
c) art. 32;
III - Capítulo VIII - Das sanções;
IV - Capítulo IX - Do procedimento de manifestação de interesse social;
V - Capítulo X - Da transparência e divulgação das ações;
VI - Capítulo XI - Do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração; e
VII - Capítulo XII - Disposições finais.
§ 1º As regras e os procedimentos dispostos nos demais Capítulos são aplicáveis somente a
acordo de cooperação que envolva comodato, doação de bens ou outras formas de
compartilhamento patrimonial e poderão ser afastadas quando a exigência for desproporcional à
complexidade da parceria ou ao interesse público envolvido, mediante justificativa prévia.
§ 2º O órgão ou a entidade pública federal, para celebração de acordo de cooperação que não
envolva comodato, doação de bens ou outras formas de compartilhamento patrimonial, poderá,
mediante justificativa prévia e considerando a complexidade da parceria e o interesse público:
I - afastar as exigências previstas nos Capítulos II e III, especialmente aquelas dispostas nos art.
8º, art. 23 e art. 26 a art. 29; e
II - estabelecer procedimento de prestação de contas previsto no art. 63, § 3º, da Lei nº 13.019,
de 2014, ou sua dispensa.

227
colaboração, ao regulamento federal coube disciplinar os pormenores acerca do
acordo de cooperação.
Primeiramente, é preciso pontuar que, como regra, os acordos de
cooperação serão celebrados sem a realização de chamamento público, salvo
se o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma
de compartilhamento de recurso patrimonial, nos termos do disposto pelo art. 29
da Lei n. 13.019/14. Neste ponto, o legislador foi sensato e não deixa margem
para brechas e manobras daqueles que possam encontrar nos acordos de
cooperação uma via para burlar o princípio licitatório407 na disponibilidade de
bens públicos. Essa preocupação está presente nos decretos estaduais e
municipais que regulamentaram a matéria, no que cite-se, o Decreto Estadual n.
61.981/16 (SP), O Decreto Estadual n. 9.639/16 (PR) e o Decreto Municipal n.
42.696/15 (Município do Rio de Janeiro).
Como já pontuado, segundo o caput do art. 22 do marco regulatório, o
plano de trabalho é instrumento indissociável das contratações que se firmarem
mediante termo de colaboração e termo de fomento. A Lei n. 13.204/15, que
alterou substancialmente o marco regulatório também alterou citado artigo, o que
acredita-se tenha pecado o legislador.
Peca porque não se ateve ao contido no art. 1º408 e no parágrafo único do
artigo 42409, o que alimenta uma contradição e peca também porque não respeita
a essência dos princípios e fundamentos que balizam o marco regulatório. Ora,
o simples fato do acordo de cooperação se ajustar sem a transferência de
recursos financeiros, não significa que não existam outros valores em jogo. A
existência de um plano de trabalho dá clareza à contratação. Demonstra

407 Rememore-se o conteúdo do art. 2º da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual: “As obras, serviços,
inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da
Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas
de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.
408 Lei 13.019/14 – “Art. 1o Esta Lei institui normas gerais para as parcerias entre a administração

pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução


de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos
previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em
termos de fomento ou em acordos de cooperação” (grifamos).
409 Lei 13.019/14 - “Art. 42 – (...)

Parágrafo único - Constará como anexo do termo de colaboração, do termo de fomento ou do


acordo de cooperação o plano de trabalho, que deles será parte integrante e indissociável”
(grifamos).

228
planejamento, apresenta os elementos e as referências para um efetivo controle,
especialmente, o controle social. Antes o legislador tivesse mantido o caput do
artigo 22 em sua redação original, cabendo o plano de trabalho em todas as
modalidades de parceria, como é a conclusão que se deve ter quando da leitura
sistemática do marco regulatório. O decreto regulamentador da Lei n. 13.019/14
no âmbito do Município do Rio de Janeiro tem fórmula interessante e apresenta
em seu anexo minuta de acordo de cooperação, ao qual faz menção ao
necessário plano de trabalho410. É a opção mais prudente.
Superada essa questão, vale pontuar que o acordo de cooperação poderá
ser proposto tanto pela Administração Pública federal quanto pela OSC,
conforme balizado pelo §1º do art. 5º do Decreto Federal n. 8.726/16. Esse
expediente não se repete nos regulamentos pesquisados havendo em verdade
regras bastante genéricas quanto ao acordo de cooperação como, por exemplo,
o conteúdo do Decreto do Estado do Paraná que, no §1º do seu art. 11, estatuiu
que, “Aplicam-se aos acordo de cooperação, no que for compatível, as mesmas
regras a que se sujeitam os termos de colaboração e os termos de fomento”411.
Em termos de requisitos e providências para celebração de acordos de
cooperação, a Lei n. 13.019/14, no §1º do art. 33, é categórica ao afirmar que
somente será exigido o requisito previsto no inciso I, do art. 33. Para celebração
de acordos de cooperação, as OSCs somente precisarão demonstrar que
possuem objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de
relevância pública e social, estando dispensadas dos demais requisitos do art.
33, cite-se, por exemplo, da experiência prévia na realização, com efetividade,
do objeto da parceria ou de natureza semelhante (art. 33, V, “b”). Os requisitos
presentes no art. 35 do marco regulatório, como já oportunamente pontuado,
dizem respeito à celebração de termos de colaboração e fomento.

410 Anexo IV, do Decreto Municipal n. 42.696/16. Disponível em:


https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-
2016-consolida-as-normas-de-parcerias-voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-
municipal. Consulta em: Fev. 2018.
411 Decreto disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Fev. 2018.

229
Por não envolver transferência de recursos ou compartilhamento de
recurso patrimonial, parece não haver motivos para qualquer tipo de
burocratização na escolha da parceira privada. Insiste-se que as parcerias
criadas pelo marco regulatório significam muito mais que a mera transferência
de recursos. Existem direitos de grande envergadura na delegação em apreço.
Existem direitos fundamentais e serviços públicos de relevância em jogo, afinal,
estar-se-á falando o tempo todo de consecução de finalidades de interesse
público. Os requisitos e providências não podem ter peso somente quando se
fala em recursos públicos.
No mais, por óbvio, para a celebração de acordo de cooperação a OSC
deve respeito ao estatuído pelo art. 34 da Lei n. 13.019/14, apresentando toda a
documentação de regularidade fiscal, jurídica, previdenciária e tributária ali
exigidas.
Em termos de formalização, vedações e sanções, estendem-se aos
acordos de cooperação as mesmas regras impostas aos termos de colaboração
e fomento e que serão tratados nos tópicos seguintes.

2.1.4 DA INAPLICABILIDADE E DAS VEDAÇÕES PARA CELEBRAÇÃO DAS


PARCERIAS – AS OSCs “FICHA LIMPA”

O tópico em referência, como se tem insistido em inúmeras outras


ocasiões, dá o tom da regulação em estudo. Existe um peso moralizador na
construção dos institutos e instrumentos presentes na Lei n. 13.019/14, a ponto
de tudo o mais parecer secundário. O marco regulatório carrega consigo a
missão de construção de um modelo de parceria entre o poder público e as
organizações sociais que sirva como verdadeiro exemplo de uma conduta
padrão. As situações impeditivas para celebração das parcerias representam um
viés desta perspectiva, havendo o claro propósito de afastar do trato contratual,
parceiros inábeis, que já tenham demonstrado inaptidão na condução e
realização dos fins públicos.
Em termos de vedações para a celebração dos acordos de cooperação
termos de colaboração e termos de fomento é necessário um juízo de valor
acerca das restrições presentes nos artigos 39 a 41 da Lei n. 13.019/14.

230
Assim que, no caminho para a definição da OSC parceira e da
formalização dos instrumentos de parceria, o marco regulatório apresenta um
respeitável rol de vedações que exteriorizam sua missão de se firmar como
norma moralizadora e comprometida com a onda anticorrupção e de
transparência que ronda toda a construção normativa brasileira na atualidade.
Aduz o art. 39 da Lei n. 13.019/14:

Art. 39. Ficará impedida de celebrar qualquer modalidade de parceria


prevista nesta Lei a organização da sociedade civil que:
I - não esteja regularmente constituída ou, se estrangeira, não esteja
autorizada a funcionar no território nacional;
II - esteja omissa no dever de prestar contas de parceria anteriormente
celebrada;
III - tenha como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público,
ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma
esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração
ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou
companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o segundo grau;
IV - tenha tido as contas rejeitadas pela administração pública nos
últimos cinco anos, exceto se:
a) for sanada a irregularidade que motivou a rejeição e quitados os
débitos eventualmente imputados;
b) for reconsiderada ou revista a decisão pela rejeição;
c) a apreciação das contas estiver pendente de decisão sobre recurso
com efeito suspensivo;
V - tenha sido punida com uma das seguintes sanções, pelo período
que durar a penalidade:
a) suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar
com a administração;
b) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
administração pública;
c) a prevista no inciso II do art. 73 desta Lei;
d) a prevista no inciso III do art. 73 desta Lei;
VI - tenha tido contas de parceria julgadas irregulares ou rejeitadas por
Tribunal ou Conselho de Contas de qualquer esfera da Federação, em
decisão irrecorrível, nos últimos 8 (oito) anos;
VII - tenha entre seus dirigentes pessoa:
a) cujas contas relativas a parcerias tenham sido julgadas irregulares
ou rejeitadas por Tribunal ou Conselho de Contas de qualquer esfera
da Federação, em decisão irrecorrível, nos últimos 8 (oito) anos;
b) julgada responsável por falta grave e inabilitada para o exercício de
cargo em comissão ou função de confiança, enquanto durar a
inabilitação;
c) considerada responsável por ato de improbidade, enquanto durarem
os prazos estabelecidos nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei no 8.429,
de 2 de junho de 1992 (grifo nosso).

Resta claro, ao longo de seus sete incisos e algumas alíneas que o art.
39 do marco regulatório faz alusão a impedimentos à OSC, impedimentos esses

231
que dizem respeito desde à sua regularidade jurídica, mas especialmente à sua
postura em contratações anteriores.
Neste sentido o art. 39, I, alça à condição de “impedimento”, o requisito
presente no já visitado inciso III, do art. 34. A regularidade jurídica da OSC, no
sentido de que a mesma tenha sido regularmente constituída, a nosso sentir, é
condição que a mesma terá de manter ao longo de todo o desenvolvimento da
relação de parceria. Assim sendo, não se pode perceber o impedimento do inciso
I do art. 39, como condição prévia, mas como condição que impera ao longo de
toda a contratação. É o paralelo que se percebe da leitura do §5º do art. 26 do
Decreto Federal n. 8.726/16, ao afirmar: “A organização da sociedade civil
deverá comunicar alterações em seus atos societários e em seu quadro de
dirigentes, quando houver”.
O que o inciso I, do art. 39 faz questão de pontuar é acerca da
possibilidade de organizações estrangeiras participem das parcerias em estudo,
desde que estejam autorizadas a funcionar no território nacional. Certamente
que quando o marco regulatório, em referido inciso, dá à organização da
sociedade civil o predicado de “estrangeira”, está, a nosso sentir, a caracterizar
as “entidades destinadas a fins de interesse coletivo”, cujo conteúdo do art. 11
e §§ da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.
4.657/1942), transcreve-se:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como


as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se
constituírem.
§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou
estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo
Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de
qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam
investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens
imóveis ou susceptíveis de desapropriação (grifamos).

Percebe-se, portanto, que as organizações estrangeiras que possuem


fins lucrativos se constituirão em obediência às normas dos seus países de
origem, mas deverão requerer a autorização para funcionamento no Brasil junto
ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, segundo as
normas estabelecidas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

232
Exterior, e em conformidade com as normas estabelecidas pela Instrução
Normativa nº 81 do Diretor do Departamento Nacional de Registro do Comércio
– DNRC, de 5 de janeiro de 1999412. No mais, no sítio público do Ministério da
Justiça existe uma lista em construção das organizações estrangeiras
autorizadas a exercer suas atividades no Brasil. É o caso de cobrar e
acompanhar sua atualização413.
Os incisos II, IV e VI do art. 39 guardam correlação entre si na medida
que tratam do histórico da OSC em relação a sua responsabilidade fiscal em
parcerias que já tenha firmado, julgando-as impedidas não só por conta de sua
conduta omissiva (não apresentação da prestação de contas devida), mas
também aquelas que tenham tido contas rejeitadas ou julgadas irregulares.
O inciso II, do art. 39 declara impedida de celebrar qualquer modalidade
de parceria, a OSC omissa quanto a sua obrigação de prestar contas em parceria
anteriormente celebrada. Na prática das parcerias, isso se provará com uma
declaração geral de impedimentos a ser apresentada pelo representante legal
da OSC selecionada, cujo modelo geralmente segue anexo ao edital de
chamamento público414. Arcará com as consequências de uma declaração falsa,
a OSC que de forma descompromissada assinar as declarações que compõem
o processo de formação da celebração da parceria.
O inciso IV do art. 39, por sua vez, trata de impedimento de OSC que já
tenha tido suas contas rejeitadas pela Administração Pública nos últimos cinco
anos, e não tenha sobre as mesmas ocorrido nenhuma das exceções presentes
nas alíneas “a”, “b” e “c”. Neste sentido, não gera impedimento as contas
rejeitadas, mas que: i) foram sanadas e devidamente quitados os débitos ali
imputados (art, 39, IV, “a”); ii) a decisão de rejeição tiver sido reconsiderada ou

412 Disponível em: http://www.justica.gov.br/central-de-atendimento/entidades/organizacoes-


estrangeiras. Consulta em: Fev. 2018.
413 “Organizações autorizadas – Lista em atualização”. Disponível em:
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/entidades-sociais/organizacoes-estrangeiras. Consulta
em: Fev. 2018.
414 O inciso IX do art. 26 do Decreto Federal n. 8.726/16, assina o prazo de quinze dias para a

OSC selecionada apresentar “declaração do representante legal da organização da sociedade


civil com informação de que a organização e seus dirigentes não incorrem em quaisquer das
vedações previstas no art. 39 da Lei nº 13.019, de 2014, as quais deverão estar descritas no
documento” (grifamos).

233
revista (art. 39, IV, “b”)415 ou; iii) a apreciação das contas estiver pendente e
houver recurso com efeito suspensivo (art. 39, IV, “c”). É o Sistema de Gestão
de Convênios e Contratos de Repasse – Siconv quem servirá de apoio à
administração pública para a verificação do impedimento assentado no inciso
ora em análise416.
No mais, ressalte-se ainda nesta oportunidade, nos termos do que prevê
o § 4º do art. 39 que, para os fins do disposto na alínea a do inciso IV, “não serão
considerados débitos que decorram de atrasos na liberação de repasses pela
administração pública ou que tenham sido objeto de parcelamento, se a
organização da sociedade civil estiver em situação regular no parcelamento”.
Nesta linha, por fim, a organização da Sociedade Civil que já tenha tido
suas contas julgadas irregulares, nos últimos oito anos, por qualquer Tribunal ou
Conselho de Contas do país, em decisão irrecorrível, estará impedida de realizar
qualquer das modalidades de parceria da Lei n. 13.019/14. É a previsão do
inciso VI do art. 39.
Além das declarações que deverão ser apresentadas pelas organizações
sociais no momento do chamamento público, será prudente a verificação dessas
informações pelo parceiro público junto aos cadastros e sistemas que promovem
esse controle. Exemplificativamente, no momento da verificação do cumprimento
dos requisitos para a celebração de parcerias, a administração pública federal
tem a seu dispor para verificação de impedimentos: o Cadastro de Entidades
Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas – Cepim417; o Sistema de Gestão de
Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal – Siconv; o Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi; o Sistema de
Cadastramento Unificado de Fornecedores - Sicaf e; o Cadastro Informativo de

415 Esse inciso prevê o competente processo administrativo, cujo recurso tenha sido devidamente
analisado e tenha sido proferida a competente decisão (inclusive de reconsideração), ao que se
dará ampla publicidade pelos meios oficiais.
416 É o que se absorve do §1º, do art. 29 do Decreto Federal n. 8.726/15, nos seguintes termos:

“Para fins de apuração do constante no inciso IV do caput do art. 39 da Lei nº 13.019, de 2014,
o gestor da parceria verificará a existência de contas rejeitadas em âmbito federal, estadual,
distrital ou municipal que constem da plataforma eletrônica de que trata o art. 3º, cujas
informações preponderarão sobre aquelas constantes no documento a que se refere o inciso IX
do caput do art. 26, se houver” (grifamos). O art. 3º do Decreto faz menção ao Sincov.
417 Verifique-se em: http://www.portaltransparencia.gov.br/faleconosco/perguntas-tema-
empresas-impedidas.asp. Consulta em: Fev. 2018.

234
Créditos não Quitados do Setor Público Federal – Cadin418. Cada ente público
encontra-se responsável por seus sistemas de compras e de transparência,
sendo o conhecimento e desenvolvimento dos mesmos essencial para a
dinâmica das parceiras em foco419.
Os incisos III e VII do art. 39 se correlacionam, na medida que têm
compromisso com a construção de uma gestão pública democrática (caput, art.
5º da Lei n. 13.019/14) pautada, neste caso específico, nos princípios da
impessoalidade e moralidade. Como se tem insistido, o marco regulatório
apresenta-se como um recomeço na história de desconfianças do modelo de
contratação entre filantrópicas e o poder público. Tem clara missão
moralizadora, a começar pela construção de uma impessoalidade, contraposta
à usual “cordialidade” brasileira em privilegiar aqueles com quem se tem afeto e
afinidade e ser severo com quem não compartilha os mesmos círculos de
convivência e interesse420.
Assim que, o inciso III do art. 39 do marco regulatório reforça
impedimento no sentido de inadmitir que a OSC tenha como dirigente “membro
de Poder ou do Ministério Público 421 , ou dirigente de órgão ou entidade da
administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado
o termo de colaboração ou de fomento”, de modo a se obstaculizar a influência
que venham a ter nas parcerias em razão de seus cargos. Por via indireta, de
modo a se descaracterizar qualquer forma de nepotismo, a proibição também se
estende aos seus “cônjuges ou companheiros, bem como parentes em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o segundo grau”.
Acresça-se nesta oportunidade, a observação feita pelo § 5º do art. 39,
no sentido de reforçar que, “a vedação prevista no inciso III não se aplica à
celebração de parcerias com entidades que, pela sua própria natureza, sejam
constituídas pelas autoridades referidas naquele inciso, sendo vedado que a

418 É o conteúdo do art. 29 do Decreto Federal n. 8.726/15.


419 Cite-se o Sistema Integrado de Gestão de Aquisições – SIGA, do Estado do Rio de Janeiro.
Disponível em: https://www.compras.rj.gov.br/publico/informacoes.asp. Consulta em: Fev. 2018.
420 BUARQUE DE HOLANDA, 2004, p. 149.
421 Nunca é demais lembrar as vedações, aos quais se sujeitam os membros do Ministério

Público, segundo o inciso II, do §5º, do art. 128 da Constituição Federal de 1988, dentre elas, a
de participar de sociedade comercial (alínea “c”).

235
mesma pessoa figure no termo de colaboração, no termo de fomento ou no
acordo de cooperação simultaneamente como dirigente e administrador
público”. Reforce-se ainda, o explicitado pelo § 6º do art. 39, no sentido de
explicitar que “não são considerados membros de Poder os integrantes de
conselhos de direitos e de políticas públicas”.
Em tom de moralidade, o inciso VII do art. 39, veda da celebração das
parcerias, OSC que tenha entre seus dirigentes pessoa cujas contas tenham
sido julgadas irregulares (decisão irrecorrível, nos últimos oito anos), julgada por
falta grave e inabilitada para exercer cargo em comissão ou função de confiança,
ou que tenha sido responsabilizada por ato de improbidade segundo os ditames
da Lei n. 8.429/1992.
Por fim, o inciso V do art. 39 abarca vedações que tem a ver com
punições já aplicadas à OSC e que tenham a ver com a suspenção ou
impedimento de contratarem com a administração pública, a declaração de
inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (o que
acredita-se deva ser verificado em todas as esferas), bem como das penalidades
previstas nos incisos II e III do marco regulatório, que tem a ver com a suspensão
e declaração de inidoneidade no bojo das parcerias aqui estudadas.
O §1º do art. 39 chama atenção para o comportamento do parceiro
público, em termos de transferência de recursos, caso, ao longo do
desenvolvimento das parcerias venha a ser averiguado algum dos impedimentos
presentes no art. 39. Assim que, vedada estará a transferência de novos
recursos no âmbito das parcerias então em execução, salvo em caso de serviços
essenciais inadiáveis, cujo comprometimento das atividades vier a gerar maiores
prejuízos ao erário ou à população favorecida. Tal fato, sob pena de se configurar
responsabilidade solidária da Administração Pública, deverá ser expressamente
fundamentando e autorizado pelo dirigente máximo do órgão ou entidade da
Administração Pública.
Ao menos em uma ocasião o marco regulatório parece colocar o mais
importante em primeiro lugar. Deixa de lado, ao menos por um breve instante,
sua lógica moralizadora, para reconhecer que as parcerias se dão em nome da
realização e efetivação de direitos caros aos cidadãos que deles se valem. Há

236
um pesado juízo de responsabilização nesta escolha, que deverá ser
devidamente motivado e amplamente divulgado.
Diante de toda esta dinâmica, o § 2º do art. 39 reforça o caminho mais
lógico: persistirá o impedimento para celebração da parceria enquanto não
houver o ressarcimento do dano ao erário, pelo qual seja responsável a OSC ou
seu dirigente.
Também no capítulo e Seção do marco regulatório afetos às vedações,
tem-se o art. 40 que faz questão de deixar claro importante recado,
especialmente valioso àqueles que não compreendem a lógica do modelo de
parcerias firmadas entre o poder público e, de um modo geral, a todas as
entidades do Terceiro Setor. Citado artigo tem o tom de esclarecimento, trazendo
consigo respostas àqueles que acreditam que os projetos e parcerias com o
Terceiro Setor serviriam à autorresponsabilização dos sujeitos, com a des-
responsabilização do Estado422.
Assim temos:

Art. 40. É vedada a celebração de parcerias previstas nesta Lei que


tenham por objeto, envolvam ou incluam, direta ou indiretamente,
delegação das funções de regulação, de fiscalização, de exercício do
poder de polícia ou de outras atividades exclusivas de Estado.

O artigo 40 é autoexplicativo, mas indispensável na lógica de


concretização do modelo em estudo. Serve ao menos para desmistificar que
quando o Estado realiza com o particular as mais diversas parcerias, não o faz
abrindo mão de suas competências e de suas obrigações. Reforça, portanto, a
dinâmica de que o poder público não transfere a titularidade de suas
competências, mas sim, a execução daquilo que lhe cabe delegar.
É certo que o Estado em suas sucessivas evoluções foi assumindo as
mais diversas competências, mas segundo o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado (1995), corresponderia ao Núcleo de Atividades Exclusivas
do Estado aquele onde serão prestados serviços que só o mesmo pode realizar.
Nessa esfera é exercido o “poder extroverso”423, que se materializa no poder

422 MONTAÑO, Carlos et al. O canto da sereia – crítica à ideologia e aos projetos do ‘Terceiro
Setor’. São Paulo: Cortez, 2014, p. 41.
423 Segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 383), o dito “poder

extroverso” configura aquele “que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da

237
estatal de regulamentar, fiscalizar, fomentar, cobrar e fiscalizar tributos, no poder
de polícia, na prestação de serviços previdenciários básicos, etc. Integrá-lo-iam,
portanto, as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos e
também as agências reguladoras, as agências de fomento, de financiamento e
controle dos serviços sociais e da seguridade social424.
Por fim, encerra a Seção afeta às vedações o art. 41, norma que como o
art. 40, presta, acima de tudo, um serviço de esclarecimento ao modelo em
estudo. Encerra o art. 41 que: “Ressalvado o disposto no art. 3º e no parágrafo
único do art. 84, serão celebradas nos termos desta Lei as parcerias entre a
administração pública e as entidades referidas no inciso I do art. 2º”.
A redação acima transcrita, fruto das alterações promovidas pela Lei n.
13.204/15, deixou o texto mais direto425, reforçando os casos de inaplicabilidade
das exigências do marco regulatório assentadas em seu artigo 3º, bem como de
sua inaplicabilidade aos convênios regidos pelo art. 116 da Lei n. 8.666/1993.
No mais, destrinchando o art. 41 da forma mais objetiva possível, reforça-se que
a celebração de termos de colaboração, termos de fomento e acordos de
cooperação se farão em obediência aos preceitos firmados pela Lei n.
13.019/14. Vejamos, portanto, os casos de inaplicabilidade do marco regulatório
em estudo.

2.1.4.1 Dos Casos de Inaplicabilidade dos Preceitos da Lei N. 13.019/14

O art. 3º da Lei n. 13.019/14426, por todo o seu peso, merece a devida


transcrição e análise, nos seguintes termos:

esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas,
constituindo-as unilateralmente em obrigações”.
424 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração Pública Gerencial: estratégia e estrutura

para um novo Estado. Brasília: MARE, 1996, p. 25.


425 A redação original do artigo 41, determinava: “É vedada a criação de outras modalidades de

parceria ou a combinação das previstas nesta Lei”. Seu parágrafo único fazia menção à lógica
dos contratos firmados com OSCIP e OS’s, acentuando: “Parágrafo único. A hipótese
do caput não traz prejuízos aos contratos de gestão e termos de parceria regidos,
respectivamente, pelas Leis nos 9.637, de 15 de maio de 1998, e 9.790, de 23 de março de 1999”.
Os casos de inaplicabilidade dos preceitos do marco regulatório vão além dessa lógica
inicialmente proposta, tendo sido bastante adequada a modificação promovida pela Lei n.
13.204/15.
426 Como aconteceu com toda a Lei n. 13.019/14, o art. 3º também foi substancialmente alterado

pela Lei n. 13.2014/15.

238
Art. 3o Não se aplicam as exigências desta Lei:
I - às transferências de recursos homologadas pelo Congresso
Nacional ou autorizadas pelo Senado Federal naquilo em que as
disposições específicas dos tratados, acordos e convenções
internacionais conflitarem com esta Lei;
II – revogado;
III - aos contratos de gestão celebrados com organizações sociais,
desde que cumpridos os requisitos previstos na Lei nº 9.637, de 15 de
maio de 1998;
IV - aos convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas
e sem fins lucrativos nos termos do § 1o do art. 199 da Constituição
Federal;
V - aos termos de compromisso cultural referidos no § 1o do art. 9o da
Lei no 13.018, de 22 de julho de 2014;
VI - aos termos de parceria celebrados com organizações da sociedade
civil de interesse público, desde que cumpridos os requisitos previstos
na Lei no 9.790, de 23 de março de 1999;
VII - às transferências referidas no art. 2o da Lei no 10.845, de 5 de
março de 2004, e nos arts. 5º e 22 da Lei no 11.947, de 16 de junho de
2009;
VIII - (VETADO);
IX - aos pagamentos realizados a título de anuidades, contribuições ou
taxas associativas em favor de organismos internacionais ou entidades
que sejam obrigatoriamente constituídas por:
a) membros de Poder ou do Ministério Público;
b) dirigentes de órgão ou de entidade da administração pública;
c) pessoas jurídicas de direito público interno;
d) pessoas jurídicas integrantes da administração pública;
X - às parcerias entre a administração pública e os serviços sociais
autônomos.

O inciso I do art. 3º é autoexplicativo. O marco regulatório poderá vir a


servir de referência nas transferências de recursos homologadas pelo
Congresso Nacional ou autorizadas pelo Senado Federal em disposições
específicas de tratados, acordos e convenções internacionais, desde que não
entrarem em conflito com o estabelecido pelo mesmo. O inciso em questão foi
alterado pela Lei n. 13.204/15 que, em sua redação original, continha outra
ressalva: “quando os recursos envolvidos forem integralmente oriundos de fonte
externa de financiamento”.
O revogado inciso II, do art. 3º, fazia menção à inaplicabilidade do marco
regulatório “às transferências voluntárias regidas por lei específica, naquilo em
que houver disposição expressa em contrário”. Como as expressões
“transferências voluntárias” e “parcerias voluntárias” foram expurgadas da Lei n.
13.019/14, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15, muito foi
simplificado. A intenção foi exatamente a de não se adentrar na questão da

239
classificação das transferências de recursos feitas no modelo em estudo na
lógica das subvenções sociais prescritas em conformidade com a Lei n. 4.320/64
(reflexão esta já aludida no tópico 2.1.2.1), destinadas, especialmente, a cobrir
despesas de custeio.
O inciso III, do art. 3º, igualmente alterado pela Lei n. 13.204/15, que lhe
conferiu mais clareza gramatical, causou discórdia, em um primeiro momento,
em sua contraposição ao disposto pelo revogado art. 4º, que previa: “Aplicam-se
as disposições desta Lei, no que couber, às relações da administração pública
com entidades qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse
público, de que trata a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, regidas por termos
de parceria”. Na oportunidade, refletiu, acertadamente, Rafael Carvalho
Rezende Oliveira (2015a):

Não encontramos justificativa razoável para excluir da incidência do


novo regime das parcerias os contratos de gestão celebrados com
Organizações Sociais (OS), sem excluir também os termos de parceira
com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIPs). De lado algumas diferenças pontuais, as referidas entidades
possuem características gerais semelhantes, consideradas entidades
privadas sem fins lucrativos que desempenham atividades de caráter
social, por meio de vínculos jurídicos com o Poder Público (contrato de
gestão e termo de parceria, respetivamente)427.

É, de fato, as reflexões que trouxemos à presente tese quando da análise


das entidades do Terceiro Setor e a análise pontual acerca das OS’s e OSCIP.
Por conta da celeuma acima levantada, o art. 4º foi revogado e o inciso VI,
incluído ao art. 3º, tornou também inaplicável os preceitos da Lei n. 13.019/14,
aos termos de parceria firmados com OSCIP, uma vez cumpridos os requisitos
da Lei n. 9.790/1999.
Neste ponto, o marco regulatório parece deixar clara sua intenção de, com
o advento da Lei n. 13.019/14, instituir novas modalidades de parcerias,
mantendo incólume o universo das contratações com OS’s e OSCIP, o que
requer qualificações específicas e, como é muito bem rememorado pelo marco
regulatório, o respeito aos requisitos da Lei nº 9.637/1998 e da Lei n. 9.790/1999,
respectivamente. Como o marco regulatório em estudo não impõe a

427OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos. 4ª ed. Rio de


Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 307.

240
qualificação como requisito para a realização das modalidades de parceria por
ele contempladas, nem limita seu campo de atuação, servirá, em verdade, como
facilitador, como “ponte” entre a sociedade civil organizada e o poder público.
Além do mais, caminha bem, assinalando e reconhecendo a importância
histórica dos contratos de gestão e termos de parceria que, como também já se
reiterou, há décadas é o caminho encontrado pelo poder público no exercício do
fomento.
É também digno de nota o cuidado que tanto o inciso III quanto o inciso
VI do art. 3º tiveram ao alertar para os requisitos das leis que tratam das OS’s e
OSCIP. Como já dito, nos Estados e Municípios que tem competência para
legislar sobre a matéria, existem verdadeiras aberrações jurídicas que acabam
servindo de subterfúgio para a desobediência a tais requisitos. O marco
regulatório servirá de referência, portanto, em citados casos.
Também não se aplicam as exigências da Lei n. 13.019/14, segundo o
inciso IV do art. 3º, os convênios e contratos celebrados com entidades
filantrópicas e sem fins lucrativos que vierem a atuar, em caráter de
complementariedade, no SUS (Sistema Único de Saúde), nos termos do que
prevê o § 1o do art. 199 da Constituição Federal. O inciso coaduna-se ainda com
o particularizado pelo art. 2º-A do marco regulatório, na medida que deve-se
respeito especial respeito às normas específicas das políticas públicas setoriais
e respectivas instâncias de pactuação e deliberação.
É muito comum na lógica de implementação do SUS, a participação do
Terceiro Setor, especialmente das Organizações Sociais, o que demanda um
nível de especialidade e um conhecimento ímpar do setor428.429 Na prática, ante
toda esta lógica, uma vez firmados convênios, estar-se-á, como visto, sob a

428 Anote-se, ante a relevância do tema, o Manual de Orientações para Contratação de Serviços
no Sistema Único de Saúde, editado pelo Ministério da Saúde, em 2007, servindo-se de
referência ao desenvolvimento e conhecimento do tema. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_orientacoes_contratacao_servicos_sus.pdf.
Consulta em: Fev. 2018.
429 Outro documento que vale a pena ser visitado é o estudo realizado no âmbito da parceria

entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde, estabelecida por meio


do 88º Termo de Cooperação – Aperfeiçoamento e Qualificação da Gestão Estratégica e
Participativa do Sistema Único de Saúde, intitulado “Aplicação do Novo Marco Regulatório das
Organizações da Sociedade Civil no Âmbito do Sistema Único de Saúde”. Disponível em:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/janeiro/34/14.Estudo-sobre-a-
aplicabilidade-das-disposicoes-da-Lei-n-13019-DEZ2016.pdf. Consulta em: Fev. 2018.

241
regência do 116 da Lei n. 8.666/1993 (parágrafo único, art. 84, Lei n. 13.019/14).
No mesmo sentido, uma vez firmados contratos de gestão com OS’s e
preenchidos os requisitos da sua lei instituidora, não se aplicam as exigências
da Lei n. 13.019/14.
O inciso V, do art. 3º ressalta as peculiaridades das parcerias firmadas
sob a ótica da “Política Nacional de Cultura Viva”, regulamentada pela Lei n.
13.018/14, conforme disposto pelo art. 215 da Constituição Federal de 1988. O
§1º do art. 9 da lei em referência cita o Termo de Compromisso Cultural e toda
sua lógica de desenvolvimento. A Secretaria da Cidadania e da Diversidade
Cultural do Ministério da Cultura (SCDC/MinC), atendendo à determinação do
Artigo 64 da Instrução Normativa MinC nº 01/2015, colocou à disposição dos
interessados o modelo de Termo de Compromisso Cultural (TCC) e respectivos
Anexos 430 . O marco regulatório em estudo, portanto, não se aplica a essa
dinâmica.
O inciso VII, do art. 3º, afasta da regência do marco regulatório as
transferências que dizem respeito ao “Programa de Complementação ao
Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência -
PAED” (Lei n. 10.845/2004), bem como a norma afeta ao “Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE” e ao “Programa Dinheiro Direto na Escola –
PDDE”, ambos fruto da Lei n. 11.947/2009.
Segundo primoroso estudo realizado no âmbito da parceria entre o
Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde, estabelecida
por meio do 88º Termo de Cooperação – Aperfeiçoamento e Qualificação da
Gestão Estratégica e Participativa do Sistema Único de Saúde intitulado
“Aplicação do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil no
Âmbito do Sistema Único de Saúde”, cite-se as reflexões acerca do inciso VII:

A Lei nº 10.845 define “unidades executoras” como as entidades civis


sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos na modalidade de
educação especial, assistência financeira proporcional ao número de
educandos portadores de deficiência.
No PNAE e PDDE, são consideradas como “unidades executoras” as
entidades civis sem fins lucrativos instituídas por iniciativa da escola,
da comunidade, ou de ambas, para administrarem recursos

430 Disponível em: http://www.cultura.gov.br/tcc. Consulta em: Fev. 2018.

242
transferidos por órgãos federais, estaduais, distritais e municipais a
escolas públicas, embora a Lei não estabeleça a sua conceituação.
Por autorização presente nas duas leis, as transferências para as
“unidades executoras” são realizadas automaticamente à entidade civil
beneficiária, sem necessidade de convênio, ajuste, acordo ou contrato,
mediante depósito em conta corrente específica.
Essas transferências não objetivam o fomento à atuação privada, visto
que os recursos públicos são destinados a financiar atividades e
projetos realizados dentro da escola pública8. As “unidades
executoras”, na qualidade de “parceiras” são meras intermediadoras –
recebem o recurso e “contribuem” com o Poder Público na sua
aplicação, segundo programação e prioridades da própria escola
pública431.

O inciso IX do art. 3º do marco regulatório, reforça a inaplicabilidade dos


seus preceitos “aos pagamentos realizados a título de anuidades, contribuições
ou taxas associativas em favor de organismos internacionais ou entidades que
sejam obrigatoriamente constituídas por: a) membros de Poder ou do Ministério
Público; b) dirigentes de órgão ou de entidade da administração pública; c)
pessoas jurídicas de direito público interno e; d) pessoas jurídicas integrantes da
administração pública.
O inciso em questão contempla, por exemplo, as transferências de
recursos públicos feitas aos Conselhos de Saúde (CONASS, CONASEMS,
COSEMS) 432 , em sendo entidades civis sem fins lucrativos, integradas por
secretários de saúde e reconhecidas pela Lei nº 8.080, de 1990 (art. 14-B), como
representativas dos entes estaduais e municipais para tratar de matérias
referentes à saúde. Prevê o §2º do art. 14-B da Lei em referência, que o
CONASS e o CONASEMS recebam recursos do orçamento geral da União, por
meio do Fundo Nacional de Saúde, de modo a auxiliar o custeio de suas
despesas institucionais, podendo, ainda, celebrarem convênios com a União,
para outras finalidades relacionadas com as matérias pertinentes à saúde
pública433.

431 “Aplicação do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil no Âmbito do
Sistema Único de Saúde” (2016, p. 31). Disponível em:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/janeiro/34/14.Estudo-sobre-a-
aplicabilidade-das-disposicoes-da-Lei-n-13019-DEZ2016.pdf. Consulta em: Fev. 2018
432 Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS; Conselho Nacional de Secretarias

Municipais de Saúde – CONASEMS; e Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde –


COSEMS.
433“Aplicação do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil no Âmbito do

Sistema Único de Saúde” (2016, p. 34). Disponível em:

243
Por fim, anda corretamente o inciso X do art. 3º da Lei n. 13.019/14 ao
firmar a inaplicabilidade do marco regulatório “às parcerias entre a administração
pública e os serviços sociais autônomos”. Como já posicionado, não é possível
crer que os serviços sociais autônomos caibam na lógica do Terceiro Setor,
sendo entidades paraestatais que, em verdade, contam com incentivos
parafiscais para existirem.
Como o marco regulatório foi bastante genérico no uso do termo “serviços
sociais autônomos”, entende-se que ali cabem não só os integrantes do
denominado “Sistema S” (Senac, Sesi, Senar, dentre outros), beneficiários de
recursos de origem paraestatal segundo preceituado pelo art. 240 da CF/88,
como também as entidades paraestatais prestadoras de serviços de interesse
público434, criadas mediante autorização legislativa, destinatárias de recursos
públicos por previsão legal específica, atreladas à celebração de contratos de
gestão, convênios ou outra modalidade de ajuste com o Poder público.
Excluir do campo de alcance da Lei nº 13.019/14, as parcerias
estabelecidas pelo Poder Público com esse tipo de entidade civil reforça as
diferenças com o modelo proposto pelo marco regulatório, quanto mais pelo fato
de essas parcerias estarem sujeitas à observância de disposições específicas
estabelecidas, comumente, nas suas leis autorizativas. Dessa feita, a celebração
de contratos de gestão ou convênios não parte de decisão discricionária do
Administrador Público mas sim, de decisão tomada na esfera do Poder
Legislativo.
Os casos de inaplicabilidade das exigências da Lei n. 13.019/14 dispostos
em seu art. 3º é crucial para a presente tese. Resta clara a intenção de se
apresentar com algo novo e não como apto a reestruturação de algo pré-

http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/janeiro/34/14.Estudo-sobre-a-
aplicabilidade-das-disposicoes-da-Lei-n-13019-DEZ2016.pdf. Consulta em: Fev. 2018
434 Cite-se como exemplo desse tipo de “Serviço Social Autônomo”, a Associação das Pioneira

Sociais (Rede Sarah Kubitschek), “que se trata de uma entidade civil sem fins lucrativos instituída
pelo Poder Executivo Federal, por autorização da Lei nº 8.246, de 22 de outubro de 1991, para
a atuação, exclusivamente, no âmbito do SUS. A Rede Sarah recebe recursos financeiros
oriundos do Orçamento Público da União, transferidos por força de contrato de gestão que
celebra com o Ministério da Saúde, conforme previsto em sua lei autorizativa”. Em: “Aplicação
do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil no Âmbito do Sistema Único
de Saúde” (2016, p. 33). Disponível em:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/janeiro/34/14.Estudo-sobre-a-
aplicabilidade-das-disposicoes-da-Lei-n-13019-DEZ2016.pdf. Consulta em: Fev. 2018

244
existente. Nestes termos, pela intenção da Lei, não haveria de se falar em um
“Marco Regulatório do Terceiro Setor”, mas sim, como se tem visto, no “Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil - MROSC”.
No mais, uma vez considerados todos os impeditivos e situações que
afastam a aplicação da Lei n.13019/14, devidamente identificada a modalidade
de parceria a ser firmada, uma vez realizado o competente processo de escolha
que definirá a OSC parceira, apresentado o respectivo plano de trabalho (quando
for o caso) e feito o devido juízo de admissibilidade das parcerias em termos de
não haver qualquer impedimento para sua celebração, passa-se ao trâmite de
formalização das mesmas, do qual se ocupa o tópico seguinte.

2.1.5 DA FORMALIZAÇÃO E EXECUÇÃO DAS PARCERIAS

Adverte o art. 20 do Decreto Federal n. 8.726/16: “O termo de fomento ou


de colaboração ou o acordo de cooperação deverá conter as cláusulas
essenciais previstas no art. 42 da Lei nº 13.019, de 2014”. É esse o caminho
para a formalização das parcerias no mundo dos fatos.
É o artigo 42 que inaugura a Seção I, do Capítulo III, da Lei n. 13.019/14,
intitulada “Da Formalização e da Execução”. Assim que, para a formalização e
execução dos instrumentos de parceria, o art. 42 do marco regulatório não deixa
espaço para a imaginação e ao longo de vinte incisos e um parágrafo único,
delimita o espaço de instrumentalização dos mesmos. Tenha-se, portanto:

Art. 42. As parcerias serão formalizadas mediante a celebração de


termo de colaboração, de termo de fomento ou de acordo de
cooperação, conforme o caso, que terá como cláusulas
essenciais:
I - a descrição do objeto pactuado;
II - as obrigações das partes;
III - quando for o caso, o valor total e o cronograma de
desembolso;
IV -(revogado);
V - a contrapartida, quando for o caso, observado o disposto no § 1o do
art. 35;
VI - a vigência e as hipóteses de prorrogação;
VII - a obrigação de prestar contas com definição de forma,
metodologia e prazos;
VIII - a forma de monitoramento e avaliação, com a indicação dos
recursos humanos e tecnológicos que serão empregados na atividade

245
ou, se for o caso, a indicação da participação de apoio técnico nos
termos previstos no § 1o do art. 58 desta Lei;
IX - a obrigatoriedade de restituição de recursos, nos casos previstos
nesta Lei;
X - a definição, se for o caso, da titularidade dos bens e direitos
remanescentes na data da conclusão ou extinção da parceria e que,
em razão de sua execução, tenham sido adquiridos, produzidos ou
transformados com recursos repassados pela administração
pública;
XI - (revogado);
XII - a prerrogativa atribuída à administração pública para assumir ou
transferir a responsabilidade pela execução do objeto, no caso de
paralisação, de modo a evitar sua descontinuidade;
XIII - (revogado);
XIV - quando for o caso, a obrigação de a organização da sociedade
civil manter e movimentar os recursos em conta bancária específica,
observado o disposto no art. 51;
XV - o livre acesso dos agentes da administração pública, do controle
interno e do Tribunal de Contas correspondente aos processos, aos
documentos e às informações relacionadas a termos de colaboração
ou a termos de fomento, bem como aos locais de execução do
respectivo objeto;
XVI - a faculdade dos partícipes rescindirem o instrumento, a qualquer
tempo, com as respectivas condições, sanções e delimitações claras
de responsabilidades, além da estipulação de prazo mínimo de
antecedência para a publicidade dessa intenção, que não poderá ser
inferior a 60 (sessenta) dias;
XVII - a indicação do foro para dirimir as dúvidas decorrentes da
execução da parceria, estabelecendo a obrigatoriedade da prévia
tentativa de solução administrativa, com a participação de órgão
encarregado de assessoramento jurídico integrante da estrutura da
administração pública;
XVIII - (revogado);
XIX - a responsabilidade exclusiva da organização da sociedade civil
pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos recursos recebidos,
inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, de investimento
e de pessoal;
XX - a responsabilidade exclusiva da organização da sociedade civil
pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e
comerciais relacionados à execução do objeto previsto no termo de
colaboração ou de fomento, não implicando responsabilidade solidária
ou subsidiária da administração pública a inadimplência da
organização da sociedade civil em relação ao referido pagamento, os
ônus incidentes sobre o objeto da parceria ou os danos decorrentes de
restrição à sua execução.
Parágrafo único. Constará como anexo do termo de colaboração, do
termo de fomento ou do acordo de cooperação o plano de trabalho,
que deles será parte integrante e indissociável.

Como firmado pelo caput do art. 42, as cláusulas essenciais presentes nos
incisos I a XX estendem-se aos termos de colaboração e fomento e aos acordos
de cooperação.
O inciso I do art. 42 é o elemento central da contratação e diz respeito à
descrição de seu objeto. Será o mesmo objeto a estar presente no edital do

246
chamamento público (art. 23, §1º, III, Lei n. 13.019/14), no processo de dispensa
ou inexigibilidade de chamamento público (art. 31), no plano de trabalho
apresentado pela OSC parceira. O objeto em questão, caracteriza o interesse
público e recíproco, os fins pretendidos, o serviço público a ser prestado, a
política pública a ser implementada. Deverá respeitar, portanto, nos termos do
disposto no artigo 2º-A do marco regulatório, as normas específicas das políticas
públicas setoriais e suas respectivas instâncias de pactuação e deliberação.
Definir o objeto significa definir quais bens deverão estar à disposição para
a execução e realização das parcerias e quais deverão ser adquiridos. Significa
definir a equipe necessária a sua consecução e o nível de especialização e
preparo desse pessoal. É através do objeto que se define o valor necessário
para sua realização (art. 24, §1º, VI, da Lei n. 13.019/14), bem como por meio
de suas características, evidenciam-se situações especiais, como medidas de
acessibilidade para pessoas com deficiência ou de mobilidade para idosos (art.
24, §1º, X, da Lei n. 13.019/14).
Partirá da definição do objeto, a prestação de contas, que se pauta na
verificação do cumprimento do mesmo (art. 2º, XIV, Lei n. 13.019/14). Nessa
medida, a descrição do objeto é elemento essencial na lógica de controle e
transparência das parcerias, devendo estar claramente definido, dando-se ao
mesmo a devida divulgação nos sítios oficiais na internet, tanto da administração
pública quanto da OSC parceira (art. 10 e art. 11, p.u, inciso III, da Lei n.
13.019/14).
No momento da escolha da OSC parceira, o objeto servirá de critério de
julgamento, na medida que servirá à verificação do grau de adequação das
propostas “aos objetivos específicos do programa ou da ação em que se insere
o objeto da parceria” (art. 27, Lei n. 13.019/14).
Rememore-se também que, se o objeto envolver a celebração de
comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso
patrimonial, o acordo de cooperação necessariamente será precedido de
chamamento público (art. 29, Lei n. 13.019/14).
Ademais, é com base no objeto que se verificará a experiência prévia da
OSC parceira, para fins de preenchimento dos requisitos presentes no inciso V

247
do art. 33 do marco regulatório, bem como a providência exigida pelo inciso III
do art. 35, no sentido de restar demonstrado que os objetivos e finalidades
institucionais e a capacidade técnica e operacional da organização da sociedade
civil foram avaliados e com o objeto são compatíveis.
De toda forma, são inúmeras referências ao objeto ao longo de todo o
marco regulatório e sua importância resta evidenciada em várias oportunidades.
Cite-se, por fim, a inteligência do art. 40 da Lei n. 13.019/14, no sentido de restar
reafirmado que não se admitirá como objeto das parcerias aqui estudadas,
aquele que envolva ou inclua, direta ou indiretamente, delegação das funções
de regulação, de fiscalização, de exercício do poder de polícia ou de outras
atividades exclusivas de Estado.
O inciso II, do art. 42, reitera o óbvio. Não há como se pensar em
formalização do instrumento das parcerias onde não esteja clarificada as
obrigações do parceiro privado e do parceiro público. Geralmente, de modo a
dar mais clareza e organização aos termos e acordos, um capítulo específico
será designado a tais obrigações. O Decreto Municipal n. 42.696/16, do
Município do Rio de Janeiro, em seu anexo III, apresenta minutas de termo de
colaboração e fomento, dispensando a sua cláusula terceira o título “Das
obrigações da Organização da Sociedade Civil” e na cláusula quarta “Das
obrigações do Município” 435 . As obrigações das OSC são infinitamente mais
substanciais que a do parceiro público, cujas obrigações se limitam à
fiscalização, monitoramento e repasse de recursos.
O inciso III, do art. 42 concretiza o que já deve estar minimamente
definido em termos de recursos a serem disponibilizados e os custos para a
execução da contratação. Acredita-se que quando o inciso faz menção a
“quando for o caso”, o faz em tom de excepcionalidade. A regra é que o valor
total da contratação e seu respectivo cronograma de desembolso façam parte
do instrumento de parceria desde logo. Isso dá segurança jurídica à contratação
e serve de garantia para sua continuidade. A saúde das parcerias depende
diretamente desta cláusula que é um dos pontos críticos do modelo de parceria

435 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-


janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.

248
aqui estudados. As contratações realizadas entre o Terceiro Setor e o poder
público têm sofrido com o desrespeito a esta cláusula contratual. A falta de
repasses nos moldes do contratado sucateia o modelo e gera descrença quanto
a seu futuro.
O inciso V do art. 42 trata da contrapartida, que, como visto, deverá
respeito aos preceitos firmados no § 1º do art. 35, não sendo admitida, portanto,
a contrapartida financeira, facultada a contrapartida em bens e serviços. É esta
contrapartida que deverá estar devidamente identificada no instrumento de
parceria, ou melhor, deverá estar devidamente discriminada, prevista sua forma
de aferição - bens e serviços/bens ou serviços - todos à disposição da
consecução do objeto.
Outra cláusula indispensável nos instrumentos de parceria aqui
formalizados diz respeito a sua vigência e as hipóteses de prorrogação (inciso
VI, art. 42). Os contratos com o poder público não podem, como acontecia no
passado, se perpetuarem no tempo (prazo indeterminado). O marco regulatório,
inclusive, tem o cuidado de reconhecer essa realidade e dar-lhe o devido
encaminhamento, valendo a transcrição do §2º do art. 83, nos seguintes termos:

Art. 83. (...)


§ 2o As parcerias firmadas por prazo indeterminado antes da data de
entrada em vigor desta Lei, ou prorrogáveis por período superior ao
inicialmente estabelecido, no prazo de até um ano após a data da
entrada em vigor desta Lei, serão, alternativamente:
I - substituídas pelos instrumentos previstos nos arts. 16 ou 17,
conforme o caso;
II - objeto de rescisão unilateral pela administração pública (grifamos).

Desta feita, o capítulo final do marco regulatório, que trata de suas


“Disposições Finais”, reforça o período de um ano após a data da entrada em
vigor do marco regulatório436 para a regularização da vigência dos contratações
assemelhadas às parcerias objeto dessa norma, dando como solução, em sendo
possível, que sejam transformadas em termos de colaboração ou termos de
fomento, ou sejam rescindidas unilateralmente pelo poder público.

436Apesar das sucessivas alterações do art. 88 da Lei n. 13.019/14, a lei entrou em vigor em 23
de Janeiro de 2016 para Estados e o Distrito Federal e para os Municípios em Janeiro de 2017.

249
O Decreto Federal n. 8.726/16, prudentemente, determinou em seu art.
20, que a cláusula de vigência deverá estabelecer “prazo correspondente ao
tempo necessário para a execução integral do objeto da parceria, passível de
prorrogação, desde que o período total de vigência não exceda cinco anos”. O
art. 79 do Decreto regulamentador do Estado do Paraná repete esse
preceito437. O Decreto do Município do Rio é mais restrito quanto a vigência e,
em seu art. 25, determina: “O prazo de vigência do Termo de Colaboração ou de
Fomento será de, no máximo, 12 (doze) meses, podendo, no caso de metas de
caráter continuado, ser prorrogado em períodos iguais e sucessivos, limitados à
duração máxima de 60 (sessenta) meses, desde que previsto no edital de
chamamento público, demonstrada a vantajosidade para a Administração
Municipal e cumpridas as metas e indicadores estabelecidos”438.
O expediente utilizado pelo Decreto do Município do Rio de Janeiro é o
mais comum nas contratações realizadas pelo Poder Público, por força de toda
normativa que cerceia a matéria. Nota-se, neste viés, do mesmo modo que
ocorrerá com “as hipóteses de prorrogação” que, no fim das contas, o prazo de
vigência e as hipóteses de prorrogação da parceria farão parte de uma lógica de
escolha da Administração Pública, pautada no objeto pactuado, na realização
das metas e nas vantagens de sua continuidade. Em cabendo esse ato de
discricionariedade ao parceiro público, que o faça motivadamente e em respeito
ao devido processo legal.
De todo modo, a despeito da prorrogação do prazo de vigência, atente-se
para o disposto no parágrafo único do art. 55 da Lei n. 13.019/14, no sentido de
ser obrigatória sua prorrogação, de ofício, pela Administração Pública, quando a
mesma der causa a atraso na liberação de recursos financeiros. A prorrogação
restará, portanto, limitada ao exato período do atraso verificado.
Tanto nos termos de colaboração e fomento como nos acordos de
cooperação deverá restar explicitado, nos termos do inciso VII, do art. 42, a

437 Decreto Estadual n. 3.513/16. Disponível em:


http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=. Consulta em: Fev. 2018.
438 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-
janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.

250
obrigação de prestar contas, restando definida sua forma, metodologia e prazos.
Essa parece, na prática, a grande missão do marco regulatório. Apresenta-se
como uma norma moralizadora por excelência, em pronta resposta aos
escândalos e notícias de corrupção envolvendo a Administração Pública
brasileira. Dedica capítulos, seções e numerosos artigos à prestação de contas,
como se nada mais merecesse ser abstraído das parcerias em apreços. Na
realidade, as parcerias parecem se resumir a metas, resultados, prestação de
contas e fiscalização. Esta tese, aprofundará esse tortuoso tema no capítulo
seguinte, tratando o tema com o peso que merece e sem o tom de novidade que
parece se impor.
Pari passu com a questão da prestação de contas está o inciso VIII, do
art. 42, que diz respeito à necessidade de existência de cláusula que contemple
a forma com a qual se dará o monitoramento e a avaliação das parcerias. Impõe
a necessidade de descrição dos recursos disponíveis para a realização da
atividade e se será necessária a participação de terceiros como apoio técnico. O
monitoramento e avaliação das parcerias é também outro ponto central do marco
regulatório. Parece ser uma das únicas obrigações do parceiro público afora sua
obrigação de providenciar o repasse de recursos. Avaliando-se friamente a
prática, perde-se o discurso da cooperação e da pretensa busca pelo
fortalecimento da sociedade civil para se dar centro a uma Administração Pública
que volta a suas origens fiscalizadoras. O tema também será tratado no capítulo
seguinte desta tese.
O inciso IX do art. 42 reforça a essencialidade de cláusula que venha
firmar a obrigatoriedade de restituição de recursos, nos casos previstos no marco
regulatório. A obrigação de ressarcir surgirá da análise das contas prestadas e
da verificação da necessidade de repor as perdas provenientes da parceria,
especialmente em termos de dano ao erário. Como oportunamente se verá, a
Lei n. 13.019/14 possui um processamento para a verificação de irregularidades
que oportuniza ao parceiro privado a possibilidade de saneá-las. Caso
permaneça omisso, a autoridade da Administração Pública tomará as devidas
providências, sob pena de, se não o fizer, responder solidariamente (art. 70, §1º
e §2º). Além disso, haverá a compulsória obrigação de restituir, em

251
conformidade com o que prevê o art. 73, III, do marco regulatório, caso venha a
ocorrer a declaração de inidoneidade da OSC parceira.
Como também oportunamente se verá, existem no marco regulatório
algumas ocasiões de reconhecimento da responsabilidade solidária da
Administração Pública. Isso demonstra a real essência da norma em estudo. Não
basta o repasse de recursos, a entrega de sua gestão nas mãos da OSC
parceira, uma análise das contas e a verificação de resultados para que o modelo
objeto desta tese se caracteriza em sua plenitude. A cooperação como
fundamento dessas parcerias significa, igualmente, o reconhecimento de uma
lógica de responsabilização que vai além da definição de culpa (Note-se o
disposto no §1º do art. 39 da Lei n. 13.019/14439).
O inciso X do art. 42 ressalta questão já tratada anteriormente e diz
respeito à definição da titularidade dos bens e direitos remanescentes
adquiridos, produzidos ou transformados com recursos públicos quando da
conclusão ou extinção das parcerias. Espera-se, portanto, que uma vez tenha o
ente público optado pelas modalidades de parceria aqui instituídas, e ainda que
não trate dos bens e direitos remanescentes em seu decretos regulamentadores,
que tal questão seja devidamente tratada em seus respectivos instrumentos de
ajuste. De todo modo, ganha corpo na cláusula essencial contida no inciso X do
art. 42, o estatuído pelo art. 36 do marco regulatório que reforça a
obrigatoriedade de se estipular o destino a ser dado aos bens remanescentes da
parceria440.

439 Lei 13.019/14 – “art. 39 (...)


§ 1º Nas hipóteses deste artigo, é igualmente vedada a transferência de novos recursos no
âmbito de parcerias em execução, excetuando-se os casos de serviços essenciais que não
podem ser adiados sob pena de prejuízo ao erário ou à população, desde que precedida de
expressa e fundamentada autorização do dirigente máximo do órgão ou entidade da
administração pública, sob pena de responsabilidade solidária” (grifo nosso).
440 Rememore-se aqui o disposto no art. 23 do Decreto n. 8.726/15, em sendo: “A cláusula de

definição da titularidade dos bens remanescentes adquiridos, produzidos ou transformados com


recursos repassados pela administração pública federal após o fim da parceria, prevista no inciso
X do caput do art. 42 da Lei nº 13.019, de 2014, poderá determinar a titularidade dos bens
remanescentes:
I - para o órgão ou a entidade pública federal, quando necessários para assegurar a continuidade
do objeto pactuado, seja por meio da celebração de nova parceria, seja pela execução direta do
objeto pela administração pública federal; ou
II - para a organização da sociedade civil, quando os bens forem úteis à continuidade da
execução de ações de interesse social pela organização”.

252
Se ainda paira alguma dúvida sobre qual regime jurídico prevalece no
âmbito das parcerias em estudo, o inciso XII, do art. 42, trata de dirimir qualquer
dúvida. Exterioriza, sob a ótima do regime jurídico administrativo, a prerrogativa
da Administração Pública de assumir ou transferir a responsabilidade pela
execução do objeto, no caso de paralisação, de modo a evitar sua
descontinuidade. O objeto voltado à realização do interesse público, sua
eventual continuidade e a inexecução por culpa exclusiva da OSC parceira são
a fórmula perfeita a justificar providências por parte da parceira pública, de modo
que não sofram os beneficiados com essas intercorrências. Nestes moldes, está
a Administração Pública autorizada a contratar com dispensa de chamamento
público por até cento e oitenta dias (art. 30, I, Lei n. 13.019/14).
Aproveita-se a oportunidade para reforçar, nesta mesma linha de
raciocínio, o atributo da autoexecutoriedade, presente no art. 62 do marco
regulatório, na medida que autoriza que a Administração Pública tome as
providências necessárias para assegurar a manutenção de serviços essenciais
à população, independentemente de autorização judicial. Daí a possibilidade de
se retomar os bens públicos disponibilizados à OSC parceira, bem como
assumir a responsabilidade pela execução do restante do objeto previsto no
plano de trabalho, no caso de paralisação (art. 62, I e II, da Lei n. 13.019/14).
Há de se ressaltar que a Lei n. 13.019/14, ao contrário do que possa
parecer, não é uma via de mão única. Reconhece a responsabilidade do parceiro
público pelos atrasos nos repasses de recursos, o que não pode onerar o
parceiro privado. É o que se depreende, por exemplo do §2º, do art. 46, que
reconhece que a inadimplência da organização da sociedade civil em
decorrência de atrasos na liberação de repasses relacionados à parceria não
poderá acarretar restrições à liberação de parcelas subsequentes, muito menos
transfere à organização da sociedade civil a responsabilidade pelo pagamento
de obrigações vinculadas à parceria com recursos próprios (§1º, art. 46). Na
prática, as dificuldades têm muito mais peso.
O inciso XIV do art. 42 corporifica na prática das parcerias o instituído na
Seção V, do Capítulo III, afeto à movimentação e aplicação financeira dos
recursos. Como já pontuado, nos termos do art. 51 do marco regulatório, os

253
recursos recebidos em decorrência da parceria serão depositados em conta
corrente específica isenta de tarifa bancária na instituição financeira pública
determinada pela administração pública. No ato de formalização dos
instrumentos da parceria, deverá restar identificada a instituição financeira
designada, em conta de titularidade da OSC parceira, bem como atrelada à
respectiva tabela com o cronograma de reembolso.
Aproveita-se a oportunidade para acentuar que, como regra, toda a
movimentação de recursos no âmbito da parceria será realizada mediante
transferência eletrônica sujeita à identificação do beneficiário final e à
obrigatoriedade de depósito em sua conta bancária (art. 53). Somente, na
impossibilidade física de pagamento mediante transferência eletrônica, admitir-
se-á a excepcionalidade do pagamento em espécie (§2º, art. 53).
Deverá haver ainda, nos termos do inciso XV do art. 42, cláusula que
determine “o livre acesso dos agentes da administração pública, do controle
interno e do Tribunal de Contas correspondente aos processos, aos documentos
e às informações relacionadas a termos de colaboração ou a termos de fomento,
bem como aos locais de execução do respectivo objeto”. Vê-se essa cláusula no
Decreto Municipal do Rio de Janeiro, como “Obrigações da Organização da
Sociedade Civil”441.
Os fundamentos e diretrizes presentes no seio do marco regulatório objeto
deste estudo não pode ser mais um discurso vazio. É certo que o controle ganha
toda uma centralidade na norma em apreço, mas há de se reconhecer um algo
mais em todos os seus ensinamentos. É mais do que legítimo que a OSC tenha
uma postura o mais aberta e transparente possível, não oferecendo nenhum
óbice à fiscalização e ao monitoramento do parceiro público, do seu controle
interno e dos órgãos de controle externo, mas é preciso parcimônia sobre o que
se entenda por “livre acesso”. Acima de tudo deve estar o atendimento do
cidadão/beneficiário do plano de trabalho, a exemplar prestação do serviço. O
acesso dos agentes descritos no inciso XV do art. 42 não pode tumultuar, em

441 Cláusula terceira, inciso XII do anexo referente ao modelo de termo de colaboração e fomento
e Cláusula terceira, II, “e”, do modelo de acordo de cooperação presente no Decreto Municipal
do Rio de Janeiro n. 42.696/16. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-
janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.

254
nosso sentir, o fim maior das parcerias. É no mínimo prudente o agendamento,
independente do elemento surpresa, para que haja planejamento da OSC
parceira, disponibilidade de pessoal para atendimento das demandas dos
agentes em questão, em outros termos, para que não ocorra comprometimento
da estrutura da parceria e se privilegie a correta execução da mesma.
Resgate-se, nesta oportunidade, tudo o que já se refletiu a respeito da
boa-fé, da confiança e acerca da teoria do abuso do direito. Não é porque os
agentes da administração pública, do controle interno e do Tribunal de Contas
devam ter livre acesso aos processos, aos documentos e às informações
relacionadas aos instrumentos de parceria, que o farão com excessos e sem o
devido bom senso. Deve-se, acima de tudo, respeito à proporcionalidade,
princípio cuja observância se espera em qualquer Estado Democrático de
Direito, a exigir da Administração Pública, o exercício moderado de suas
prerrogativas.
Nas lúcidas palavras de Raquel Melo Urbano de Carvalho, entenda-se: “O
Estado não pode atuar arbitrária e irracionalmente, estando proibidos o excesso
e a insuficiência da ação administrativa. Em razão da proporcionalidade, impõe-
se a conduta adequada, necessária e suficiente na espécie, bem como o dever
de perseguir, de modo refletido, o equilíbrio entre a proteção da liberdade
individual e dos direitos da coletividade, vale dizer, entre o interesse privado e o
interesse público” (grifo nosso)442.
O inciso XVI do art. 42, da Lei n. 13.019/14 trata da natural necessidade
de se ter nos instrumentos de parceria uma cláusula que disponha sobre a
rescisão. Ressalta citado inciso, acerca da possibilidade de rescisão a qualquer
tempo, atrelada às respectivas condições, sanções e delimitações de
responsabilidades, assinando prazo mínimo de antecedência para dar-se
publicidade dessa intenção (competente notificação), que não poderá ser inferior
a sessenta dias.
O Decreto Estadual do Paraná (n. 3.513/16) traz interessante redação
quando da análise das possibilidades de rescisão dos termos de colaboração e
fomento. Em seu art. 81, contempla os motivos para a rescisão destas

442 CARVALHO, 2008, p. 126.

255
modalidades de parceria, pautados em casos de má execução ou inexecução
das parcerias ou a verificação de circunstâncias que provoquem a instauração
de tomada de contas especial443. É o caminho também percorrido pelo Decreto
Federal n. 8.726/16444.
No Decreto do Município do Rio de Janeiro (n. 42.696/16), em seu art. 36,
tem-se o seguinte expediente: “Por ocasião da conclusão, denúncia, rescisão ou
extinção da parceria, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os
provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas, serão
devolvidos à Administração Municipal no prazo improrrogável de trinta dias, sob
pena de imediata instauração de tomada de contas especial do responsável,
providenciada pela autoridade competente da Administração, com
encaminhamento posterior à conclusão à Controladoria Geral do Município”
(grifamos)445.
De todo modo, ademais perceba-se no inciso XVI do art. 42 da Lei n.
13.019/14 que o mesmo oportuniza que parceiro público e privado rescindam as
parcerias, na prática e em alguns outros pontos do marco regulatório, há uma
prerrogativa maior da Administração Pública em fazê-lo, unilateralmente.
Prevalece ainda no imaginário coletivo e no dia a dia das parcerias, as
prerrogativas (cláusulas exorbitantes) de seu regime jurídico administrativo.
Parece não haver a intenção de que a OSC parceira também deixe de livremente
ter o interesse no fim do ajuste.
É um dos pontos que precisam ser constantemente revistos com atenção,
de modo que o Estado se firme como um parceiro atraente. O fato de reconhecer

443 Disponível em:


http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Fev. 2018.
444 Ver art. 61, §4º, II, “a” e “b”, do Decreto Federal n. 8.726/15, onde se vê:

“Art. 61 (...)
§4º - Na hipótese do § 2º, se persistir irregularidade ou inexecução parcial do objeto, o relatório
técnico de monitoramento e avaliação:
II - caso conclua pela rescisão unilateral da parceria, deverá determinar:
a) a devolução dos valores repassados relacionados à irregularidade ou inexecução apurada ou
à prestação de contas não apresentada; e
b) a instauração de tomada de contas especial, se não houver a devolução de que trata a alínea
“a” no prazo determinado”.
445 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-
janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.

256
que o ajuste não atende mais o interesse das partes, ainda que seu objeto seja
de relevância ímpar, demonstra a maturidade com que as parcerias merecem
ser tratadas. Não se pode perpetuar a ideia de que quem contrata com a
Administração Pública, dela não consiga se ver livre.
O inciso XVII do art. 42 trata da cláusula de eleição de foro, devendo
restar indicado nos instrumentos de parceria, o local escolhido para dirimir as
dúvidas decorrentes da execução da parceria. Neste ponto cabem as mesmas
ponderações feitas ao inciso XVI. O marco regulatório oportuniza o diálogo, que
as partes elejam o foro onde os focos de discussão serão levados para solução,
mas a prática das parcerias indica a imposição do mesmo pelo Poder Público.
Tenha-se por exemplo o Decreto do Município do Rio de Janeiro (n. 42.696/16)
que, em no inciso XIV, de seu art. 23 determina a” indicação do foro central da
Comarca da Capital do Rio de Janeiro para dirimir as dúvidas decorrentes da
execução da parceria (...)”446. Percebe-se assim, a intenção dialética presente
no marco regulatório, mas ainda prevalece o apego a uma relação hierarquizada,
centralizada no parceiro público. Existe um pacto pela consensualidade, mas
ainda há o forte apelo da imperatividade.
Trata também referido inciso (XVII, art. 42), da “obrigação de prévia
tentativa de solução administrativa, com a participação de órgão encarregado de
assessoramento jurídico integrante da estrutura da administração pública”.
Neste ponto inova o marco regulatório ao sinalizar para o futuro das contendas
que envolvem a perspectiva de uma Administração Pública consensual. Sinaliza,
portanto, para a busca por “soluções negociadas, nas quais a consensualidade
aplaina as dificuldades, maximiza os benefícios e minimiza as inconveniências
para todas as partes, pois a aceitação de ideias e de propostas livremente postas
sob argumentação e livremente discutidas é o melhor reforço que possa existir
para o cumprimento espontâneo e frutuoso das decisões tomadas”447.

446 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-


janeiro/decreto/2016/4270/42696/decreto-n-42696-2016-consolida-as-normas-de-parcerias-
voluntarias-no-ambito-da-administracao-publica-municipal. Consulta em: Fev. 2018.
447 MOREIRA NETO, 2016, p. 296.

257
Avizinha-se, portanto, do Direito Administrativo, o universo dos
instrumentos alternativos de solução de conflitos – arbitragem448, mediação –
que denotam a intenção de uma relação mais cooperativa, dialética, que não
pode ficar somente no papel. É um passo para o surgimento de uma
Administração Pública dialógica, em oposição a uma Administração Pública
monológica449.
O Decreto Federal n. 8.726/2016, em seu art. 88 trata de regulamentar o
inciso em análise, restando assentado: “No âmbito da União e de suas
autarquias e fundações públicas, a prévia tentativa de conciliação e solução
administrativa de dúvidas de natureza eminentemente jurídica relacionada à
execução da parceria, prevista no inciso XVII do caput do art. 42 da Lei nº
13.019, de 2014, caberá aos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico,
sob a coordenação e supervisão da Câmara de Conciliação e Arbitragem da
Administração Federal - Ccaf, órgão da Advocacia-Geral da União”. Os Decretos
Estaduais e Municipais estudados não enfrentaram a questão em seus
pormenores, seguindo a redação genérica do inciso XVII do art. 42 do marco
regulatório.
O inciso XIX do art. 42 correlaciona-se com o explicitado pelo inciso XIV
e com toda a lógica de movimentação e aplicação de recursos financeiros no
âmbito das parcerias, restando acentuada “a responsabilidade exclusiva da
organização da sociedade civil pelo gerenciamento administrativo e financeiro
dos recursos recebidos, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, de
investimento e de pessoal”.
Há de se reconhecer no bojo do instrumento de parceria, uma cláusula
que evidencie que o ritmo da gestão será minimamente definido pela OSC
parceira. Por tudo o que foi até aqui pontuado, fica-se com a sensação que uma

448 Cite-se, nesta oportunidade a Lei n. 9.307/1996, apelidada de “Lei da Arbitragem”, alterada
pela Lei n. 13.129/15 que veio traçar os meandros da arbitragem quando envolver a
administração pública.
449 É a lição de Nicole Belloubet-Frier e Gérard Timsit, apud Gustavo Justino de Oliveira (2010,

p. 18), nos seguintes termos: “(...) alude-se à figura de um Estado ‘que conduz sua ação pública
segundo outros princípios, favorecendo o diálogo da sociedade consigo mesma’ (...) aponta-se
para o surgimento de uma Administração Pública dialógica, a qual contrastaria com uma
Administração Pública monológica, refratária à instituição e ao desenvolvimento de processos
comunicacionais com a sociedade”.

258
margem muito pequena de ação fica nas mãos da OSC parceira, vez que o
marco regulatório tece em seus pormenores as questões de liberação de
recurso, sua movimentação e aplicação e, como se verá adiante, o ritmo das
alterações e vedações as quais se sujeitam as parcerias.
Como restou assentado, a Lei n. 13.019/14 dedica uma seção às
despesas relacionadas à execução das parcerias, determinando seu art. 45 que
as mesmas sejam executadas em consonância com o firmado no inciso ora em
análise e no inciso XX do art. 42. Como visto, a OSC não pode utilizar os recursos
transferidos para finalidade alheia ao objeto da parceria, nem, como regra, pagar,
a qualquer título, servidor ou empregado público com recursos vinculados à
parceria. Além disso, a OSC parceira deve respeito ao plano de trabalho, parte
integrante e indissociável dos instrumentos de parceria, sendo o instrumento de
referência para o monitoramento e avaliação dos objetivos a serem alcançados.
Mesmo com tantas ressalvas e pormenores, há de se reconhecer na
cláusula de responsabilidade da OSC sobre a gestão financeira e administrativa
dos recursos recebidos um peso prático ímpar, de modo que a mesma possa
ditar o ritmo de desenvolvimento das parcerias, deixando a seu cargo decisões
que a conduzam na construção dos fins pretendidos. Parece, no fim das contas,
uma tentativa de não se reconhecer nas parcerias um regime jurídico
eminentemente público. Como afirmado, tal postura, parece gerar, em verdade,
mais dúvidas.
O inciso XX do art. 42 da Lei n. 13.019/14 trata de uma das questões
mais delicadas não só na relação de parceria entre poder público e as
filantrópicas, como nas contratações públicas como um todo. Diz respeito ao
conteúdo de cláusula que deva tratar das obrigações/responsabilidades das
Organizações da Sociedade Civil e determina, “a responsabilidade exclusiva da
organização da sociedade civil pelo pagamento dos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais relacionados à execução do objeto previsto
no termo de colaboração ou de fomento, não implicando responsabilidade
solidária ou subsidiária da administração pública a inadimplência da organização
da sociedade civil em relação ao referido pagamento, os ônus incidentes sobre
o objeto da parceria ou os danos decorrentes de restrição à sua execução”.

259
A questão chama atenção no universo das parcerias firmadas com os
entes do Terceiro Setor. Em 08 de fevereiro de 2018, a Seção Especializada em
Dissídios Coletivos (Sedic) do Tribunal Regional do Trabalho no Rio de Janeiro,
presidida pela desembargadora Rosana Salim Villela, deu um ultimato à
prefeitura do Município do Rio de Janeiro para que, no prazo de oito dias, viesse
a apresentar um “cronograma salarial factível” para o pagamento dos salários
atrasados de funcionários das OS’s que prestam serviços de saúde ao município.
A decisão é fruto de uma audiência de conciliação em dissídio coletivo, em razão
de greve deflagrada pela falta de repasse de recursos, o que gerou o atraso no
pagamento dos salários do quadro de colaboradores das OS´s e
comprometimento de seu funcionamento. Segundo dados levantados em
audiência, a prefeitura deve R$ 350 milhões às Organizações Sociais de
saúde450. Exemplos como esse certamente estão por todo o Brasil. A falta de
repasse de recursos coloca na corda bamba o modelo de parcerias em estudo,
gerando o descrédito não só das organizações parceiras, mas também da real
capacidade do poder público de honrar com suas obrigações.
A nosso ver, o que o inciso XX, do art. 42 faz, é mais uma tentativa vã de
retirar a responsabilidade da Administração Pública ante o inadimplemento da
OSC frente o pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e
comerciais. Isso não é nenhuma novidade em nosso ordenamento jurídico e já
existe um longo histórico de discordâncias nos tribunais brasileiros,
especialmente a respeito dos encargos trabalhistas.
Preceitua o art. 71 da Lei nº 8.666/93 que regulamenta as licitações e
contratações na administração pública e que claramente inspirou o inciso ora em
análise: “O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato”. Reza
ainda o §1º do art. 71: “A inadimplência do contratado, com referência aos
encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública
a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato

450 Notícia completa disponível em: http://www.trt1.jus.br/web/guest/materia-


completa?nID=66874054. Consulta em: Fev. 2018.

260
ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o
Registro de Imóveis”.
Ademais a clareza e objetividade do artigo em questão, o Tribunal
Superior do Trabalho (TST), em entendimento sumulado, tem imposto a
responsabilidade trabalhista subsidiária ao “tomador de serviço”, no caso a
Administração Pública, sempre que esta falhar por ação ou omissão culposa na
fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa
contratada. Esse argumento sustentou o conteúdo do inciso IV da famigerada
Súmula 331 do TST, que preleciona: “O inadimplemento das obrigações
trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do
tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos
da administração direta, das Autarquias, das fundações públicas, das empresas
públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da
relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei
nº 8.666/93)”.
Esse posicionamento conta com o apoio de substanciosa doutrina,
fazendo-se questão de trasladar o posicionamento de Alice Monteiro de Barros,
no seguinte sentido:

Ao resguardar os interesses do poder público, isentando-o do


pagamento dos direitos sociais aos que venham a lhe prestar serviços,
subverte a teoria da responsabilidade civil e atenta contra a
Constituição vigente. Ora, admitir a isenção contida nessa norma
implica conceder à Administração Pública, que se beneficiou da
atividade dos empregados, um privilégio injustificável em detrimento da
dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho
preconizados pela própria Constituição, como fundamentos do Estado
Democrático de Direito (art. 1º, III e IV).Ressalte-se, ainda, que a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços funda-se na
existência do risco, assumido pela Administração Pública ao contratar
com prestadora de serviços inadimplente, e ter-se beneficiado da força
de trabalho dos empregados contratados por esta última451.

451 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

261
O Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar, por meio da Ação
Declaratória de Constitucionalidade - ADC n. 16 452 , restando ali julgada
procedente a ação, no sentido da constitucionalidade do art. 71 e o seu §1º.
Restou ainda explicitado a impropriedade da generalização da responsabilidade
subsidiária da Administração Pública, devendo, se verificar, caso a caso, se a
inadimplência da empresa prestadora teve por causa principal a falha ou a falta
de fiscalização do órgão público contratante.
Tal decisão alterou a redação da Súmula 331 do TST que hoje conta com
o inciso V, reafirmando-se:

Súmula 331
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da
relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta
respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso
evidenciado a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da
Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de
serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre
de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada453.

Em sensata reflexão sobre o tema, Gustavo Cauduro Hermes atenta para


a dificuldade da Administração Pública em realizar uma fiscalização que venha
garantir uma integral averiguação da regularidade das obrigações trabalhistas.
Citado autor reforça a necessidade de se optar pela mitigação dos riscos,
cumprindo ao “tomador então cauteloso a conter possível configuração de
vínculo empregatício, também eleger um prestador de serviços idôneo e em boa
condição financeira, além de fiscalizar o cumprimento de suas obrigações
trabalhistas, inclusive e, sobretudo, no tocante aos encargos, mas também sobre
documentos cotidianos das obrigações trabalhistas e mesmo em auditorias

452 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). AÇÃO DECLARATÓRIA DE


CONSTITUCIONALIDADE N. 16 (ADC N. 16). Rel. Ministro Cezar Peluso, 24 de novembro de
2010. IN: NOTÍCIAS STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/. Consulta em: Fev. 2018.
453 BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). SÚMULA 331, DEJT 31 de maio

de 2011.

262
sobre a realidade laboral dos empregados dos terceiros, a fim de minimizar a
possível e indesejável hipótese de ser instado a pagar dívidas que não gerou”454.
Nas contratações que envolvem o Terceiro Setor a questão já vem sendo
enfrentadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, levando em consideração o
decidido pelo STF na ADC n.16, nos seguintes termos:

CONTRATAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL PARA


INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA. ADC 16/DF. O STF, ao julgar, recentemente, a ADC
16/DF que trata da responsabilidade subsidiária do ente público, não
afastou a aplicação da aludida jurisprudência cristalizada do TST,
apenas reconheceu a constitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666/93,
mas deixou consignado que nada impediria que fosse constatada a
responsabilidade de forma subsidiária se restasse comprovada a falha
na fiscalização da terceirização.

O marco regulatório em estudo, tendo-se apropriado da mesma lógica do


art. 71 da Lei Geral de Licitações, caminhará por esses tortuosos caminhos,
afora, logicamente, se considerar a responsabilização pela falta de repasses de
recursos. Tortuoso porque o próprio marco regulatório se preocupa com o peso
contratual do tratamento a ser dado à administração pública inadimplente, mas
não se preocupa com o peso prático dessa inadimplência. Assim que, não basta
o argumento presente no § 1º do art. 46, da Lei n. 13.019/14, de que “a
inadimplência da administração pública não transfere à organização da
sociedade civil a responsabilidade pelo pagamento de obrigações vinculadas à
parceria com recursos próprios”. O discurso não paga os encargos devidos aos
colaboradores das OSC e esta, tendo a responsabilidade pela gestão
administrativa e financeira da parceira, deverá dar andamento às demandas que
vier a responder. É acompanhar e ver.
Além do mais, não haverá nenhuma comoção prática o disposto pelo §3º
do art. 46, do marco regulatório, no sentido de apregoar que “O pagamento de
remuneração da equipe contratada pela organização da sociedade civil com
recursos da parceria não gera vínculo trabalhista com o poder público”, vez que
só há três formas constitucionais de contratação de pessoal para compor o

454HERMES, Gustavo Cauduro. “Terceirização e os riscos jurídico-trabalhistas dos contratos de


prestação de serviços”. Revista RJML Licitações e Contratos. Curitiba: JML Editora. Nº 24, Seção
Doutrina, julho/setembro 2012.

263
quadro da Administração Público: por concurso, por nomeação para cargo em
comissão e por contratação por tempo determinado (mão de obra temporária), a
suprir necessidade emergencial temporária.
Por fim, em termos de análise do art. 42, trata seu parágrafo único de
preceito já tratado quando da análise do plano de trabalho e que diz respeito ao
fato de que o mesmo será anexado ao termo de colaboração, ao termo de
fomento ou ao acordo de cooperação, deles sendo parte integrante e
indissociável.
Em termos de execução das parcerias, vale mais o reforço no sentido de
ressaltar as premissas presentes nos artigos 48 e 53 do marco regulatório que
foram pontuados ao longo do desenvolvimento deste capítulo, vez que guardam
proximidade com a própria estrutura da celebração das parcerias. Daí a questão
central para o desenvolvimento das parcerias ser a liberação e movimentação
de recursos que é o ponto mais delicado na implementação do modelo conduzido
pela Lei n. 13.019/14. Daí também perceber-se, como a questão da liberação de
recursos é um tema central não como instrumento para dar real efetividade às
parcerias, mas sim como uma etapa de verificação de regularidade na execução
das mesmas. É a conclusão que se tem da leitura do contido no art. 48 do
marco455.
Em outras palavras, o que importa em termos de execução das parcerias
é o quanto a mesma se desenvolvem de forma transparente e o quão fiel se
mantem em seus propósitos.

455 “Art. 48. As parcelas dos recursos transferidos no âmbito da parceria serão liberadas em
estrita conformidade com o respectivo cronograma de desembolso, exceto nos casos a seguir,
nos quais ficarão retidas até o saneamento das impropriedades:
I - quando houver evidências de irregularidade na aplicação de parcela anteriormente
recebida;
II - quando constatado desvio de finalidade na aplicação dos recursos ou o inadimplemento da
organização da sociedade civil em relação a obrigações estabelecidas no termo de colaboração
ou de fomento;
III - quando a organização da sociedade civil deixar de adotar sem justificativa suficiente as
medidas saneadoras apontadas pela administração pública ou pelos órgãos de controle interno
ou externo” (grifamos).

264
2.1.6 DA ALTERAÇÃO DAS PARCERIAS

Opta-se por tratar nesta oportunidade, acerca da alteração dos


instrumentos de parceria, uma vez que questão igualmente afeta tanto ao termo
de colaboração e o termo de fomento quanto ao acordo de cooperação.
A Lei n. 13.019/14, em sua redação original, fazia constar no inciso XV do
art. 2º o conceito de termo aditivo, como sendo, “instrumento que tem por objetivo
a modificação de termo de colaboração ou de termo de fomento celebrado,
vedada a alteração do objeto aprovado”. Referido inciso foi revogado pela Lei n.
13.204/15, que também alterou profundamente a Seção VI, do Capítulo III, do
marco regulatório, a tratar “Das alterações”, tornando-a muito mais modesta do
que suas pretensões iniciais.
Referido inciso foi questionado na Emenda à Medida Provisória 684/15,
especialmente ao que se referia à impossibilidade de alteração do objeto, mas
não se cogitou de sua total supressão como efetivamente ocorreu456.
Por conta desse histórico, a questão da alteração das parcerias foi
substancialmente tratada pelo Decreto Federal n. 8.726/16, que lhe dispensa
tratamento nos artigos 43 e 44. Decerto que o Decreto Federal trata o tema de
modo a dar-lhe forma, admitindo não só a elaboração de termos aditivos, como
também a admitir alteração via certidão de apostilamento, reforçando a
impossibilidade de modificação do objeto da parceria. Anote-se:

Art. 43. O órgão ou a entidade da administração pública federal poderá


autorizar ou propor a alteração do termo de fomento ou de colaboração
ou do plano de trabalho, após, respectivamente, solicitação
fundamentada da organização da sociedade civil ou sua anuência,
desde que não haja alteração de seu objeto, da seguinte forma:
I - por termo aditivo à parceria para:
a) ampliação de até trinta por cento do valor global;

456A Emenda 151 à MPV 684, ao sugerir a alteração do inciso XV do art. 2º para que não
houvesse restrição a alteração do objeto, deu como justificativa o seguinte: “A redação sugerida
exclui a vedação a alteração do objeto aprovado através de termo aditivo, já que entendemos
que Poder Público e organizações civis poderão ajustar o objeto até então avençado através de
aditivo, obedecendo, assim, os princípios da economicidade, eficiência e eficácia. Como as
organizações da sociedade civil executam seus projetos de forma inovadora e criativa, muitas
vezes consegue otimizar a utilização dos recursos, gerando saldos que, se não puderem ser
aproveitados no objeto da parceria firmada, são devolvidos ao concedente”. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405432&filename=E
MC+151/2015+MPV68415+%3D%3E+MPV+684/2015. Consulta em: Fev. 2018.

265
b) redução do valor global, sem limitação de montante;
c) prorrogação da vigência, observados os limites do art. 21; ou
d) alteração da destinação dos bens remanescentes; ou
II - por certidão de apostilamento, nas demais hipóteses de alteração,
tais como:
a) utilização de rendimentos de aplicações financeiras ou de saldos
porventura existentes antes do término da execução da parceria;
b) ajustes da execução do objeto da parceria no plano de trabalho; ou
c) remanejamento de recursos sem a alteração do valor global.

Primeiramente, há de se reconhecer que o Decreto não inova em termos


estruturais, na medida que toma de empréstimo expedientes que permeiam toda
lógica de contratação da Administração Pública presente na Lei n. 8.666/1993.
Ainda que o art. 84 do marco regulatório determine que não se aplica às
parcerias regidas pela Lei n. 13.019/14 o disposto na Lei nº 8.666/1993, repete-
se em seu Decreto regulamentador a lógica da Lei Geral de Licitações. É o caso
da “certidão de apostilamento” referida no inciso II, do art. 43 do Decreto Federal
que tem clara inspiração no disciplinado pelo §8º do art. 65 da Lei 8.666/1993457.
Ao se adentrar no tema da alteração e aditamento contratuais, não é
possível esquecer a lição de Diógenes Gasparini, nos seguintes termos:

O instrumento de alteração do contrato é o aditamento (complemento


do contrato para dele ficar constando o que a contratante determinou
ou o que as partes ajustaram). Pode ser de natureza uni ou plurilateral.
É unilateral quando a alteração decorre apenas da vontade da
Administração Pública contratante. O termo aditivo vem a ser um
instrumento que demanda uma segurança jurídica maior do que o
termo de apostilamento, pois se trata de uma alteração contratual, que
decorre de fatores externos, assim como sucede na revisão e na
repactuação458(grifo nosso).

Essa diferença impacta substancialmente o expediente de modificação


dos contratos, uma vez que com a realização da apostila dispensada estaria a
análise por parte de órgão jurídico, e por regra, não precisaria ter seu extrato

457 Lei 8.666/1993 – “Art. 65 - Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as
devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio
contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das
condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias
suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo,
podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento” (grifo
nosso).
458 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 82.

266
publicado nos órgãos oficiais459. É também o que reforça o art. 44460 do Decreto
Federal ora em foco. Nesses termos, a certidão de apostilamento é ato
simplificado de modificação contratual, vez que representa alterações que não
tem grandes implicações nos ajustes, tais como mudanças de endereço,
retificações de informações e repactuação e remanejamento de valores que não
caracterizem alteração substancial das contratações. É o que se absorve das
alíneas do inciso II, art. 43 acima trasladadas.
No mais, o caput do art. 43 do Decreto Federal n. 8.726/16, se mantém
firme no propósito de proibir a alteração do objeto nos moldes do revogado inciso
XV do art. 2º do marco regulatório.
Se a nosso sentir há uma inovação na matéria, ela está na intenção
presente no caput do art. 43 do Decreto em referência. Ali fica claro o sinalagma,
a possibilidade de que tanto o parceiro público quanto o parceiro privado
proponham a alteração do termo de fomento ou colaboração e do plano de
trabalho. Não há privilégios à Administração Pública. No mais, atente-se que
mesmo não tendo o artigo em análise feito menção ao acordo de cooperação,
não há motivo para não incluí-lo nesta lógica, desde que haja compatibilidade.
Note-se apenas que, se for órgão ou entidade da Administração Pública o
propositor da alteração, que a mesma deverá contar com a anuência da OSC
parceira. Se a proposta de modificação partir da parceira privada, a
Administração Pública deverá dar sua autorização, manifestando-se no prazo de
30 dias (art. 43, §2º Decreto Federal n. 8.726/16). Tecnicidades que, no fundo,
reforçam a expectativa dialógica da alteração das parcerias e neste ponto o
universo proposto é irreparável.
Ressalte-se, todavia, nesta lógica, o disposto no § 1º do art. 43 do Decreto
Federal n. 8.726/15, no sentido de afirmar que não será necessária a anuência
da OSC parceira para alteração por meio de certidão de apostilamento, caso se

459 GASPARINI, Diógenes. “Aditamento apostilamento”. Fórum de Contratação Gestão


Horizonte, ano n. 49, jan. 2006.
460 Decreto Federal n. 8.726/15 – “Art. 44. A manifestação jurídica da Advocacia-Geral da União,

de seus órgãos vinculados ou do órgão jurídico da entidade da administração pública federal é


dispensada nas hipóteses de que tratam a alínea “c” do inciso I e o inciso II do caput do art. 43
e os incisos I e II do § 1º do art. 43, sem prejuízo de consulta sobre dúvida jurídica específica
apresentada pelo gestor da parceria ou por outra autoridade que se manifeste no processo”.

267
trate de: i) “prorrogação da vigência, antes de seu término, quando o órgão ou a
entidade da administração pública federal tiver dado causa ao atraso na
liberação de recursos financeiros, ficando a prorrogação limitada ao exato
período do atraso verificado” (art. 43, §1º, inciso I) ou; ii) indicação dos créditos
orçamentários de exercícios futuros (art. 43, §1º, inciso II). De fato, pela
excepcionalidade das circunstâncias, não poderia haver outra solução.
O Decreto Federal n. 8.726/16 tem o cuidado ainda, de tratar no § 3º de
seu art. 43 acerca da solicitação de alteração da destinação dos bens
remanescentes, quando do término da execução. Resta ali assentado que
referidos bens ficarão sob os cuidados e responsabilidade da OSC até decisão
final acerca do pedido461.
Opta-se até aqui por tratar os pormenores da alteração das parcerias sob
o olhar do Decreto Federal, uma vez que a Lei n. 13.019/14, substancialmente
alterada neste assunto pela Lei n. 13.204/15, em seus artigos 55 e 57, foca mais,
como visto, na alteração do prazo de vigência das parcerias e na alteração do
plano de trabalho. O Decreto tem um peso mais prático no desenvolvimento do
tema.
Tem-se assim, portanto, no caput do art. 55 do marco regulatório, a
possibilidade de alteração da vigência da parceria, por meio de solicitação feita
pela OSC à Administração Pública, via competente notificação, devidamente
justificada e apresentada, no mínimo trinta dias antes do termo inicialmente
previsto.
O parágrafo único do art. 55 da Lei n. 13.019/14 admite a possibilidade da
prorrogação “de ofício” pela Administração Pública, da vigência do termo de
colaboração ou de fomento, quando der causa a atraso na liberação dos
recursos destinados à parceria. A prorrogação neste caso, se dará pelo período
em que se verificou o atraso.

461 O Decreto Estadual do Paraná (n. 3.513/16) repete esse expediente no §2º de seu art. 43,
firmando: “Na hipótese de pedido devidamente justificado de alteração, pela organização da
sociedade civil, da destinação dos bens remanescentes previstos no termo, o gestor público
deverá promover a análise de conveniência e oportunidade, permanecendo a custódia dos bens
sob responsabilidade da organização até a aprovação final do pedido de alteração”. Disponível
em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=152722&indic
e=1&totalRegistros=1. Consulta em: Fev. 2018.

268
O art. 56 do marco regulatório que fazia parte da seção destinada às
alterações, foi todo revogado pela Lei n. 13.204/15. Tratava basicamente da
possibilidade de remanejamento de recursos, seu trâmite e limite462.
O art. 57, como aconteceu com toda a Seção VI, do Capítulo III, do marco
regulatório, também foi todo alterado pela Lei n. 13.204/15 463 . Tratava da
possibilidade de utilização de rendimentos, aplicações financeiras e saldos
remanescentes pela OSC parceira para ampliação de metas do objeto da
parceria. A questão, como visto, foi enfrentada pela alínea “a”, do inciso II, do
art. 43 do Decreto Federal n. 8.726/16.
O art. 57 da Lei n. 13.019/14 se resume a: “O plano de trabalho da parceria
poderá ser revisto para alteração de valores ou de metas, mediante termo aditivo
ou por apostila ao plano de trabalho original”. Apreenda-se, portanto, a
possibilidade de revisão do plano de trabalho, de modo a alterar valores e metas.
Para referida alteração lançar-se-á mão ou do termo aditivo ou de certidão de
apostilamento, o que se remete às reflexões a despeito do art. 43, incisos I e II
do Decreto Federal n. 8.726/16.
O marco regulatório parece admitir a alteração do objeto da parceria, uma
vez tendo revogado o inciso XV do art. 2º e não haver nenhuma outra restrição
ao longo de toda a norma. O Decreto Federal regulamentador da Lei n. 13.019/14
é que toma esse caminho que, a nosso ver, é o mais prudente, fazendo, neste

462 Preceituava o revogado art. 56 da Lei n. 13.019/14 – “Art. 56. A administração pública poderá
autorizar o remanejamento de recursos do plano de aplicação, durante a vigência da parceria,
para consecução do objeto pactuado, de modo que, separadamente para cada categoria
econômica da despesa, corrente ou de capital, a organização da sociedade civil remaneje, entre
si, os valores definidos para os itens de despesa, desde que, individualmente, os aumentos ou
diminuições não ultrapassem 25% (vinte e cinco por cento) do valor originalmente aprovado no
plano de trabalho para cada item.
Parágrafo único. O remanejamento dos recursos de que trata o caput somente ocorrerá mediante
prévia solicitação, com justificativa apresentada pela organização da sociedade civil e aprovada
pela administração pública responsável pela parceria”.
463 Tratava o art. 57 do marco regulatório em sua redação original: “Art. 57. Havendo relevância

para o interesse público e mediante aprovação pela administração pública da alteração no plano
de trabalho, os rendimentos das aplicações financeiras e eventuais saldos remanescentes
poderão ser aplicados pela organização da sociedade civil na ampliação de metas do objeto da
parceria, desde que essa ainda esteja vigente.
Parágrafo único. As alterações previstas no caput prescindem de aprovação de novo plano de
trabalho pela administração pública, mas não da análise jurídica prévia da minuta do termo
aditivo da parceria e da publicação do extrato do termo aditivo em meios oficiais de divulgação”.

269
ponto, prevalecer a segurança jurídica em contraposição à economicidade e
eficiência.
Por fim, atente-se também ao disposto no Decreto Federal n. 8.726/16
quanto as alterações no plano de trabalho. Também prevalece a prudência e a
razoabilidade de modo que a revisão do plano de trabalho não sirva de pretexto
e “ponte” para a alteração do objeto da parceria.
Daí, ter-se em mente o disposto nos §§2º ao 4º do art. 25464 do Decreto
Federal regulamentador do marco regulatório que retrata o procedimento para a
realização de alteração no plano de trabalho, por solicitação da Administração
Pública Federal. Assim que, para a realização de ajustes no plano de trabalho,
deverão ser respeitados os termos e condições da proposta e do edital, dando-
se à OSC, o prazo de quinze dias, contados da solicitação, para a concretização
das alterações. Insiste-se mais uma vez, nesta oportunidade, que a OSC
escolhida, no prazo assinado pelo Decreto, tenha a oportunidade de praticar os
atos que julgar pertinentes no exercício do devido processo legal.
Percorrido todo o caminho traçado pela Lei n. 13.019/14 para a construção
das parcerias, passa-se a refletir no capítulo seguinte acerca do legado do marco
regulatório, tanto em termos “confessionais”, no sentido das respostas presentes
na norma às críticas que as contratações com o Terceiro Setor há tempos
recebem, como no sentido de suas “promessas”, em tempos, principalmente, de
uma crise de confiança deste modelo.

464 Decreto Federal n. 8.726/15


“Art.25 -
(...)
§ 2º Somente será aprovado o plano de trabalho que estiver de acordo com as informações já
apresentadas na proposta, observados os termos e as condições constantes no edital.
§ 3º Para fins do disposto no § 2º, a administração pública federal poderá solicitar a realização
de ajustes no plano de trabalho, observados os termos e as condições da proposta e do edital.
§ 4º O prazo para realização de ajustes no plano de trabalho será de quinze dias, contado da
data de recebimento da solicitação apresentada à organização da sociedade civil na forma do §
3º” (grifo nosso).

270
3. A REGULAÇÃO – UM BREVE HISTÓRICO

Neste momento adentra-se no ponto central do presente estudo: a


reflexão acerca do modelo de regulação proposto pela Lei n. 13.019/14. Antes,
porém, acredita-se prudente, um olhar panorâmico sobre a regulação em si
mesma, seu histórico formativo e sua configuração no cenário brasileiro.
A princípio, vale-se do seguinte pressuposto:

O que precedeu o Estado regulador contemporâneo não foi algum


regime laissez faire puro, mas outro Estado regulador. O que mudou
foi o modo, o escopo e/ou o nível de regulação, bem como a
importância relativa de políticas reguladoras em relação a outras
funções governamentais, como redistribuição de renda465.

Sob esta perspectiva, conclui-se que, de forma mais ou menos incisiva, a


visão de um Estado regulador parece se desprender de sua essência
fiscalizadora. É inegável, portanto, que o processo de transformação do Estado
e o papel que o mesmo vem desempenhando na vida econômica e social, vai
ditar a trajetória e as perspectivas contextuais da regulação. Tal dinâmica diz
muito a respeito das mudanças experimentadas nas funções e na própria
natureza da Administração Pública, “enxergando a regulação a partir de uma
perspectiva mais macro, que se refere a uma transformação profunda das
relações que o Estado estabelece com a sociedade, incluindo aqui o mercado e
a sociedade civil organizada, destacando-se a governança como modus
operandi da administração pública e as características da rede de relações
contratuais que a sustenta”466.
Neste ponto, retoma-se tudo o que foi dito a respeito da evolução estatal,
partindo-se, em especial, da crise do denominado Estado de Bem-Estar Social,
em um cenário de insuficiência de recursos, com a substituição de um Estado
executor para um Estado direcionador das ações realizadoras do interesse
comum. Sob este aspecto, a regulação “é enquadrada como resultado do

465 MAJONE, Giandomenico. “As transformações do Estado regulador”. Revista de Direito


Administrativo, vol. 262, Rio de Janeiro, Editora FGV, p. 11-43, jan./abr. 2013.
466 PECI, Alketa. “Regulação e administração Pública”. In: GUERRA, Sérgio (org.). Regulação no

Brasil – uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014, p. 58.

271
processo de desestatização, do qual não foi possível o Estado furtar-se em razão
da falência das suas estruturas administrativas e do esgotamento econômico-
financeiro que o atingiu”467.
Historicamente, é na realidade norte-americana, entre o fim do século XIX
e o início do século XX, que a regulação ganha seus primeiros contornos,
especialmente sob a construção do modelo de agências independentes, ante a
crescente indignação pública em relação às tarifas do transporte ferroviário
(criação, em 1887, da Interstate Commerce Comission – ICC468). No final do
século XX, sofrendo influências da reforma de cunho liberal, o modelo de
regulação americana se apresenta como verdadeira defesa diante do cenário de
excessiva competição, assumindo um caráter intervencionista, marcado por uma
ideologia adepta à maior participação do Estado na vida econômica e social.
Neste cenário, conforme argumento de Guilherme Lemos Sant’Anna
Gomes, a regulação assumiu o papel “ora como salvaguarda de um ambiente
competitivo, a fim de resguardar a livre concorrência num dado mercado, ora
monitorar e afastar os efeitos deletérios em setores informados por monopólio,
ora como instrumento utilizado para interpor-se entre o interesse do Estado e o
interesse da empresa prestadora de serviço pública e, finalmente, o interesse do
usuário desse serviço, visando a adequada prestação dessa utilidade
necessidade social”469.
O modelo de regulação brasileiro, na maioria das vezes atrelado à ideia
de que somente se frutificou com o movimento de privatização ocorrido na
década de 90, momento em que ocorre um verdadeiro boom de criação de
agências reguladoras470, deixa de lado um histórico marcado por um modelo de
forte intervenção estatal direta.

467 CARVALHO, 2008, p. 842.


468 PECI, 2014, p. 59.
469 GOMES, Guilherme Lemos Sant’Anna. Contornos jurídicos da regulação normativa. In:

SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito Empresarial Público. Rio de Janeiro:
LumenJuris, 2002, p. 198.
470 Como anotado por Raquel Melo Urbano de Carvalho (2008, p. 843), entidades tais como o

Banco Central, o Conselho Monetário Nacional, o CADE e a CVM não são instituições recentes
no cenário regulatório brasileiro, reforçando a realidade de que “sempre existiram órgãos e
entidades encarregados do exercício da atividade de planejamento, acompanhamento e
fiscalização das atividades particulares e públicas realizadas mediante delegação ou outorga”.

272
Sérgio Guerra reitera que com o fim do governo ditatorial militar e com
base no clamor social por melhores condições de vida, constrói-se o processo
de mutação das estruturas estatais e, por sua vez, da organização administrativa
brasileira, notoriamente inserida em um padrão neoliberal, vislumbra-se assim,
o panorama ideal à adoção de um novo modelo de regulação471.
Em um salto progressivo, tem-se na Carta Constitucional de 1988 a
premissa necessária à percepção da lógica regulatória brasileira. Ademais estar
também firmada na livre iniciativa (art. 170, CF/88), a ordem econômica brasileira
parte de outras premissas tais como a dignidade da pessoa humana, servindo
de base para a construção da perspectiva de um Estado social, que visa
assegurar garantias e direitos fundamentais aos cidadãos.
O Estado brasileiro, portanto, por suas mutações e sob a luz do seu texto
constitucional, é regulador, como se absorve da leitura de seu art. 174, donde se
vê: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”
(grifa-se).
Esse cenário, edificado sob a expectativa de uma gestão eficaz, de modo
a equilibrar o aspecto econômico e a concretização do interesse público,
impulsiona a tão propalada reforma da Administração Pública brasileira que teve
no Plano Diretor de Reforma do Estado (1995), seu maior expoente.
Como muito bem resume Luiz Carlos Bresser Pereira, “O resultado dessa
reforma será um Estado mais eficiente, que responde a quem de fato deve
responder: o cidadão”. Logo, será um Estado que estará agindo em parceria com
a sociedade e de acordo com seus anseios, “será um Estado menos voltado para
a proteção e mais para a promoção da capacidade de competição. Será um
Estado que não utilizará burocratas estatais para executar os serviços sociais e
científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas não
estatais”472.

471 GUERRA, Sérgio. “Regulação estatal sob a ótica da organização administrativa brasileira”. In:
GUERRA, Sérgio (org.). Regulação no Brasil – uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2014, p. 373.
472 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. “A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos

de controle”. MARE, Caderno 1, Brasília, pp. 7-56, 1997.

273
Percebe-se nessas linhas gerais a perspectiva de uma Administração
Pública gerencial ou melhor, uma perspectiva mais abrangente, onde a
regulação modifica substancialmente a relação do Estado com o setor privado e
com a própria sociedade civil organizada 473 . Esse movimento é usualmente
denominado por “governança”.
O termo “governança” tem os mais diferentes apelos. Desde uma
perspectiva que denota ser a governança um conceito essencialmente
democrático, na dinâmica do New Public Management (NPM), marcado
ideologicamente pelo neoliberalismo e tornando as organizações públicas
similares às privadas, reconhecendo a importância das organizações públicas
na rede de articulação com o privado, até a perspectiva de que não existe um
modelo único de governança, na contramão de um modelo burocrático, sendo
multifacetada e plural, a exigir de seus articuladores, flexibilidade, eficiência
adaptativa e experimentação474.
Bresser-Pereira, de forma bastante contundente, assevera: “Existe
governança em um Estado quando seu governo tem as condições financeiras e
administrativas para transformar em realidade as decisões que toma” 475.
Experimenta-se no Brasil atual um novo fôlego do discurso voltado à
governança. Não só em razão do modelo de regulação em estudo, que traz
consigo traços desta interlocução entre entes públicos e a sociedade civil
organizada, mas também com uma legislação voltada especificamente para tal
questão. Cite-se, portanto, o atual Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017,
que veio dispor sobre “a política de governança da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional”, dispondo no inciso II, do seu art. 2º, acerca de
um conceito de “governança pública”, em sendo: “conjunto de mecanismos de
liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e
monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação
de serviços de interesse da sociedade”.
Inicia-se um novo capítulo da regulação brasileira, ao que tudo indica,
pautada nas velhas ideologias aparentemente muito bem intencionadas, a

473 PECI, 2014, p. 72.


474 PECI, 2014, pp. 73-74.
475 BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 40.

274
pregar uma base principiológica eminentemente gerencial, pautada na
capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória,
prestação de contas, responsabilidade e transparência (art. 3º do Decreto n.
9.203/17). Neste panorama, chama atenção a reverência ao dito “princípio da
melhoria regulatória”, referindo‐se a alterações positivas que incrementam a
qualidade da regulação, no que diz respeito à efetividade, considerando‐se todos
os custos associados a ela associados476.
Sob a ótica dessa verdadeira “Governança Regulatória”, firmam-se as
regras e as práticas que regem o processo regulatório, toda a sistemática de
articulação entre os atores envolvidos, o desenho institucional no qual estão
inseridas as Agências Reguladoras, bem como os meios e instrumentos
utilizados pelos reguladores em nome de uma regulação eficiente, transparente
e legítima477.
Em brevíssimos apontamentos a respeito do histórico da regulação (como
um nova “função” estatal), nota-se que sua evolução coincide com o cenário de
desenvolvimento dos entes do Terceiro Setor e “casa” perfeitamente, como se
verá na sequência, com as premissas do modelo proposto pela Lei n. 13.019/14.

3.1 O MODELO DE REGULAÇÃO DA LEI N. 13.019/14 – QUESTÕES INICIAIS


E PANORAMA GERAL

O modelo de regulação posto na Lei n. 13.019/14 inicia-se, como já


ressaltado, no ano de 2010, pela articulação de importantes entidades sem fins
lucrativos por meio da denominada Plataforma por um Novo Marco Regulatório
para as Organizações da Sociedade Civil478.
As entidades e redes que lançaram a plataforma em agosto de 2010, em
um grupo bastante representativo de instituições 479 , sempre imbuídas em

476 RAMALHO, Pedro Ivo Sebba. “Governança e Análise de Impacto”. In: RAMALHO, Pedro Ivo
Sebba. ALBUQUERQUE, Kelvia. GAETANI, Francisco Regulação e Agências Reguladoras:
governança e análise de impacto regulatório. Brasília: Anvisa, 2009, p. 288.
477 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial Básico de Governança. Brasília: TCU,

Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, Coordenação‐ Geral de Controle Externo


dos Serviços Essenciais ao Estado e das Regiões Sul e Centro‐Oeste, 2013, p. 53.
478 Ver sítio público da Plataforma, disponível em: http://plataformaosc.org.br/plataforma/.

Consulta em: Mar. 2018.


479 São elas: a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA; Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa – ASPTA; Associação Brasileira de Organizações Não

275
iniciativas e propostas para dar visibilidade e aperfeiçoar o ambiente de atuação
de organizações sem fins lucrativos, se empenharam na definição de uma
agenda comum a ser apresentada aos então candidatos à Presidência da
República, o que culminou no lançamento da Plataforma em questão.
A carta de intenções da Plataforma avança no sentido do reconhecimento
do “dinamismo e a capacidade de mobilização desse segmento contribuindo,
definitivamente, na reconstrução do estado democrático do País e, ultimamente,
associados a uma maior sensibilidade do Estado brasileiro, colaborando para
que, nos últimos anos, se aumentasse, significativamente, a participação
democrática das OSCs nos vários espaços públicos, bem como, sua incidência
na política, na gestão e na operacionalização, com transparência, da agenda
pública”480.
Na oportunidade firmou-se o compromisso das instituições que
subscreveram referido documento com:

 As causas de interesse público, a consolidação da democracia e a


ampliação da participação democrática por meio da participação
cidadã.
 Aprimoramento, melhoria e intensificação da qualidade da
participação das OSCs nos processos de mobilização da cidadania
para causas de interesse público.
 Adoção de práticas que permitam a melhor gestão dos recursos
manejados pelas OSCs, aperfeiçoando nossas práticas de auto-
regulação, transparência e prestação de contas 481.

Reconheceu-se, por fim:

Entende-se que um ambiente regulatório estável e sadio favorece a


emergência e potencialização de energias sociais que hoje se
encontram bloqueadas pelo contexto hostil que se vivencia. Essa é
uma tarefa urgente e necessária para que as OSCs e o governo
brasileiro se coloquem à altura das esperanças da nação quanto ao

Governamentais – ABONG; Cáritas Brasileira; Fundação AVINA; Fundação Grupo Esquel do


Brasil – FGEB; Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE; Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; Pastoral da Criança e; Fórum Brasileiro de Economia
Solidária.
480 Disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-content/uploads/2011/10/Plataforma-
principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.
481 Disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-content/uploads/2011/10/Plataforma-
principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.

276
desenvolvimento político e social do país e quanto ao papel que o país
tem a desempenhar no cenário internacional (grifamos)482.

Percebe-se pelas articulações iniciais da Plataforma por um Novo Marco


Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil a construção dos
meandros e da essência da Lei n. 13.019/14. Intenta-se o reconhecimento da
colaboração das OSC nas agendas públicas e principalmente, na consolidação
de uma participação democrática.
A Plataforma, por meio de seu sítio público na internet
(plataformaosc.org.br) continua se firmando como um instrumento aberto e
atuante. Aberto, no sentido de continuar recebendo adesões de entidades sem
fins lucrativos e atuante, no sentido de continuar a “colher opiniões e propostas
de legislação, normas e políticas que promovam de um ambiente estimulante e
seguro para o engajamento cidadão em causas de interesse público”483.
Como fruto das articulações da “Plataforma MROSC”, cria-se, em 2011,
um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), instituído pelo Decreto 7. 568/2011,
formado pelo governo e sociedade civil, tendo por propósito a avaliação, revisão
e o aperfeiçoamento da legislação federal que rege as parcerias entre Estado e
organizações da sociedade civil. Em 2012, com base nas conclusão do relatório
do citado grupo Interministerial, construiu-se um diagnóstico e propostas para o
aprimoramento e os desafios da construção de uma “agenda do Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”.
Em 2014, é sancionada a norma objeto desta tese, a Lei 13.019/2014,
apelidada de “Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil –
MROSC”, com o propósito de estabelecer um novo regime jurídico das parcerias
entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. No mesmo
ano, ocorre a edição da Medida Provisória n. 658/2014, que alterando o artigo
88 da Lei n. 13.019/2014 e prorrogando sua entrada em vigor, dos originais 90
(noventa) dias, para 360 (trezentos e sessenta) dias (em 27 de julho de 2015).

482 Disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-content/uploads/2011/10/Plataforma-


principal.pdf. Consulta em: Mar. 2018.
483 Conforme página inicial da “Plataforma MROSC”, disponível em:
http://plataformaosc.org.br/plataforma/. Consulta em: Mar. 2018.

277
A questão da vigência do marco regulatório é de início, um dos pontos
que mais chama atenção na regulamentação da matéria. Como se verá, ao longo
do cronograma de regulamentação da Lei n. 13.019/14, foi o artigo mais vezes
alterado, sob a alegação de que pelo peso das mudanças, União, Estados,
Municípios, Distrito Federal e as próprias OSC precisariam de tempo para se
adequar ao novo modelo regulatório. Ante tudo o que se analisou até o momento,
decerto acreditar que tal argumento seja por demais suficiente, mas não se pode
deixar de pensar nas pressões ideológicas e nas forças de poder que a lei em
apreço tenham sofrido.
Seguindo nesta dinâmica de construção do desenho da regulação em
estudo, em de julho de 2015, edita-se a Medida Provisória n. 684/2015 que, mais
uma vez, prorroga a entrada em vigor da Lei 13.019/2014, agora, para 23 de
janeiro de 2016 (540 dias). Nos bastidores da tramitação desta MP, percebeu-
se, como já pontuado ao longo desta tese, as forças políticas que atuaram com
inúmeras emendas à Medida Provisória em apreço, o que culminou na
aprovação, em 11 de novembro de 2015, do Projeto de Lei de Conversão nº 21
de 2015. Tal projeto culminou na Lei n. 13.204, de 14 de dezembro de 2015,
que alterou profundamente a Lei 13.019/2014, alterando não só a questão da
vigência (art. 88). Somente vinte e cinco artigos (ao menos em seu caput), de
um total de oitenta e oito, mantiveram sua redação original.
Em 2016, o marco regulatório finalmente entra em vigor, no dia 23 de
janeiro, para União, Distrito Federal e Estados. Também em 2016, mais
especificamente no dia 28 de abril, publica-se o Decreto n. 8.726 de 2016, que
regulamentou a Lei 13.019/2014 no âmbito federal. Tal normativa foi
intensamente citada ao longo da construção desta tese, como norte para a
construção da dita “Agenda MROSC”, na esfera federal.
Por fim, em 1º de janeiro de 2017, a Lei n. 13.019/14 entra em vigor para
os Municípios. A abrangência do marco regulatório e sua regulamentação na
esfera de estados e municípios serão tratadas no tópico seguinte.
Conclui-se ante todo o exposto e diante de todo o caminho percorrido na
construção da norma em estudo, que o tipo de regulação desejado pela Lei n.
13.019/14 está muito bem construída nas intenções iniciais da Plataforma

278
MROSC, firmada “em um ambiente regulatório estável”, pontencializador das
energias sociais.
É o que se tem percebido ao longo de toda a construção desta tese. A
participação social e o fortalecimento da sociedade civil são os elementos-chave
na construção da regulação em apreço. A transparência também é elemento
indissociável do modelo de regulação proposto pela Lei n. 13.019/14, no claro
propósito de construir não só um ambiente regulatório eficiente, mas também o
de construir uma nova reputação das parcerias em referência.
No mais, o presente capítulo se dedica à análise das principais
“novidades” (ou ao menos celebradas como tal), ou como preferiu-se dizer –
confissões e promessas – do modelo de regulação objeto desta tese. Antes
desse enfrentamento, oportuno um olhar sobre a abrangência da norma e sua
influência sobre os demais entes públicos.

3.1.1 ABRANGÊNCIA DA LEI 13.019/14 – LEI NACIONAL OU FEDERAL?

O primeiro ponto a se pensar em termos de regulamentação da Lei n.


13.019/14 é a de se tratar a mesma de uma lei federal ou uma lei nacional. A
esta altura de desenvolvimento desta tese, feitas incontáveis menções aos
regulamentos e experiências de Estados e Municípios, há de se concluir, tratar-
se a Lei n. 13.019/14 de uma lei nacional, nos contornos traçados na sequência.
Tal reflexão tem importância central no desenvolvimento deste estudo,
na medida em que as parcerias entre entidades sem fins lucrativos e o poder
público se desenvolvem em todas as esferas da federação - União, Estados,
Municípios e Distrito Federal e, portanto, haveria de prevalecer a autonomia de
tais entes, respeitadas suas realidades, considerável liberdade legislativa.
A redação do art. 1º, consolidada pelas alterações promovidas pela Lei n.
13.204/15, determina: “Esta Lei institui normas gerais para as parcerias entre a
administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua
cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco,
mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos

279
em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de
fomento ou em acordos de cooperação” (destaca-se).
A postura da Lei n. 13.019/14 ao assumir a competência para instituição
de normas gerais é polêmica e parece não abraçar a lógica contraposta
contratos-convênios. Ao conferir legitimidade à União para legislar sobre as
regras gerais das parcerias, o legislador parece partir da premissa de que as
parcerias seriam tratadas por sua natureza contratual, abalizando-se, portanto,
a competência constitucional contida no inciso XXVII, do art. 22 da CF/88484.
A despeito desta realidade, pondera Cristiana Fortini:

O legislador federal parte da premissa de que os ajustes sem finalidade


econômica entre o Poder Público e as organizações da sociedade civil
são modalidades contratuais, motivo pelo qual a União teria
competência constitucional para criar regras gerais. Tanto é assim que
o Projeto de Lei recorre ao art. 22, XXVII, da Constituição para editar
as normas gerais sobre parcerias que recheiam a Lei n. 13.019/14485.

Uma vez, como já pontuado, reconhecendo-se as parcerias, como


instrumentos mais aproximados da lógica de convênios do que contratos, não
haveria justificativa suficiente para se admitir tal ingerência da União na
instituição de normas gerais. É como conclui referida autora, quando afirma: “Na
medida que se reconhece a identidade dos convênios, não faz sentido apoiar a
criação de normas gerais no dispositivo constitucional que nada menciona a esse
respeito”486. E adverte:

A opção constitucional pelo federalismo importa a autonomia dos


múltiplos entes políticos que integram a república para a definição dos
seus contornos organizacionais e jurídicos, desde que competência
diversa não tenha sido previamente fixada no texto constitucional. Vale
dizer, o texto constitucional original pode, como de fato o fez, criar

484 CF/88 – “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades
de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III” (destaca-se).
485 FORTINI et al, 2015, p. 98.
486 FORTINI et al, 2015, p. 99.

280
‘cicatrizes’ 487 na autonomia federativa, reservando à União a
competência para criar normas gerais 488.

Também é este o pensamento do Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

Não vislumbramos, em análise preliminar, autorização constitucional


para a União elaborar normas gerais sobre parcerias entre as
Administrações Públicas, Direta e Indireta, com entidades privadas
sem fins lucrativos. Isso porque as referidas parcerias são
instrumentalizadas por convênios (termo de colaboração ou termo de
fomento) e não por contratos propriamente ditos.

E propõe a seguinte conclusão:

Em síntese, é possível concluir que a Lei n. 13.019/14 deve ser


interpretada em conformidade com a Constituição para ser
considerada, em princípio, lei federal (e não nacional) aplicável à
União, não obstante seja recomendável que os demais entes
federados adotem, em sua respectivas legislações, as exigências, os
princípios e as demais ideias consagradas pelo legislador federal,
especialmente pelo caráter moralizador das referidas normas.

Na prática das normas regulamentadoras que surgiram no âmbito federal


e municipal, tais entes parecem seguir tal “conselho”. A maioria dos Estados e
Municípios que já regulamentaram a Lei n. 13.019/14 se posicionaram
confortavelmente ao redor do que dita o marco regulatório, como “normas
gerais”.
Como já tivemos oportunidade de ressaltar, o Estado do Paraná foi o
primeiro a regulamentar a Lei n. 13.019/14, preservando, salvo alguns
posicionamentos pontuais, a essência do marco regulatório. O Município de
Curitiba, no Estado do Paraná, foi o primeiro Município brasileiro a regulamentar
a matéria, também mantendo-se próximo dos ditames da Lei n. 13.019/14. O

487 Thiago Lopes Ferraz Donnini (2015), chama atenção para os riscos de “infantilização” de
Estados e Municípios sob a ótica do art. 1º do marco regulatório, advertindo: “De qualquer forma,
estados e municípios não devem aceitar a posição de ‘infantilização’ que aparentemente a Lei
13.019/14 pretende lhes impor – como se fossem os ‘menores incapazes’ do nosso sistema
federativo. Experiências já consolidadas em leis de convênios nas áreas de assistência social,
educação e saúde, por exemplo, devem ser consideradas em uma disciplina de âmbito local ou
estadual”. (DONNINI, Thiago Lopez Ferraz. “Polêmicas causadas pela lei nacional de parcerias
voluntárias”. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mai-11/thiago-
donnini-polemicas-causadas-lei-parcerias-voluntarias. Consulta em: Jan. 2018).
488 FORTINI et al, 2015, p. 99.

281
município do Rio de Janeiro também segue de perto o desenho traçado pelo
marco regulatório, salvo algumas especificidades tratadas ao longo desta tese.
O Estado do Rio de Janeiro até o momento não regulamentou a matéria e no
âmbito de interesse local, o município de Niterói/RJ também não o fez489.
Por fim, anote-se a reflexão de Donnini, no sentido de afirmar ser o art. 1º
da Lei n. 13.019/14, “o primeiro grande questionamento quanto à
constitucionalidade” da norma, “exatamente, na pretensão de amplitude nacional
da lei, uma vez que o artigo 22, XXVII, da Constituição, não abriga, claramente,
as relações contratuais regidas pela Lei 13.019/14. Por outro lado, uma
interpretação “elástica” das competências da União para dispor sobre normas
gerais de contratação já foi defendida por alguns juristas quando da instituição
da Lei 11.107/05, que define normas gerais de contratação dos consórcios
públicos. Os argumentos podem ser testados, quem sabe, agora, em uma ação
direta de inconstitucionalidade”490.
Anote-se que o artigo ora em análise ainda não foi objeto de
questionamento via Ação Direta de Inconstitucionalidade.

3.1.2 Confidências e promessas do modelo de regulação proposto pela Lei n.


13.019/14.

Neste tópico, especificamente, entra-se no “coração” da presente tese.


Enfrenta-se, em seus pormenores, os principais pontos do marco regulatório que
ora se apresentam como resposta às críticas que essa lógica de contratação
sempre despertou, ora como um horizonte de possibilidades e promessas que
ansiosamente se esperou.
Ainda que se concorde com a afirmativa de Josenir Teixeira, no sentido
de que toda a “polvorosa em relação à aplicabilidade das novidades trazidas pela
Lei n. 13.019/14” não tem razão de ser, “pois as regras trazidas pela lei não são
novas para quem já atua no segmento de parceria entre as OSC e o Poder

489 Na página do “Participa.br”, a plataforma virtual de participação social mantida pelo governo
federal, tem uma página dedicada ao MROSC, na qual é possível acessar e ver atualizados,
todos os decretos regulamentadores da Lei n. 13.019/14 pelo país. Disponível em:
http://www.participa.br/osc/paginas/decretos. Acesso em: Mar. 2018.
490 DONNINI, 2015.

282
Público”491, é preciso mergulhar nos melindres e na essência dos institutos que,
ao menos na prática, já se concretizam há tempos no bojo dos ajustes firmados
entre filantrópicas e o entes públicos.
É preciso ver além do óbvio. É preciso conter o ímpeto de comparação e
ver na Lei n. 13.019/14, um propósito muito maior do que um novo aparato de
instrumentos de contratação. É a proposta das próximas linhas.

3.1.2.1 Os fundamentos do marco regulatório – uma matriz principiológica a


serviço de seus fins

Repousa no art. 5º da Lei n. 13.019/14 o que acredita-se ser o coração


da regulação em estudo. De nada adianta toda a “matemática” contratual muito
bem engendrada para evitar desvios de finalidade e condutas corruptíveis, se
não estiver bem claro o real propósito da norma. Daí que o marco regulatório
deve ser tratado muito mais que do um mero programa de integridade ou uma
resposta a um projeto de Terceiro Setor que venha reforçar uma ideologia
predeterminada. Deve ser respeitada sua base formativa, o histórico de
formação da sociedade civil organizada no Brasil, a vontade desta de ver
reconhecido em uma norma, esse longo caminho de parcerias com o poder
público, um caminho de erros e acertos, mas um modelo que precisava ter seu
espaço e voz.
Nesse viés, o artigo 5º, apresenta-se como essa força confessional, no
sentido de deixar claro seus desígnios, sob um regime jurídico, como já
pontuado, que prima por uma “gestão pública democrática”. Não é hora para

491 Reflete citado autor: “As entidades sem fins lucrativos (ou Organizações da Sociedade Civil –
OSC) e os governos municipais e estaduais estão em polvorosa em relação à aplicabilidade das
novidades trazidas pela Lei n. 13.019/14, que foi promulgada em 31 de julho de 2014, publicada
no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2014 e que entrou em vigor em 23 de janeiro de
2016, tendo seu texto-base sido bastante alterado pela Lei n. 13.204, de 14 de dezembro de
2015. Creio ser a azáfama desproporcional, pois as regras trazidas pela lei não são novas para
quem já atua no segmento de parceria entre as OSC e o Poder Público. Na verdade, a lei nada
mais fez do que positivar práticas há muito tempo realizadas por diversas entidades. Trata-se [a
lei] de norma estruturante e de abrangência nacional que busca incrementar as parcerias entre
o Primeiro e o Terceiro Setores”. (TEIXEIRA, Josenir. “Oposição à afirmativa de que a lei n.
13.019/14 seria o "marco regulatório das organizações da sociedade civil". Direito do Estado,
ano 2016, número 194, disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/josenir-
teixeira/oposicao-a-afirmativa-de-que-a-lei-n-13019-14-seria-o-marco-regulatorio-das-
organizacoes-da-sociedade-civil. Consulta em: Mar. 2018).

283
pessimismos, não é hora para insistir em desvios ideológicos que o marco
regulatório possa esconder. O momento é de fragilidade das instituições. O
próprio Estado brasileiro está na corda bamba. As parcerias com o Terceiro Setor
sofrem com crises de toda ordem (crise financeira, crise de confiança). É um
momento de promessas e elas estão, com todo garbo, no artigo 5º que se passa
a analisar passo a passo.
São dez incisos colocados a serviço dos intentos contidos no caput do art.
5º, em prol de uma gestão pública democrática, da participação social, do
fortalecimento da sociedade civil, da transparência na aplicação dos recursos
públicos e dos princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia.

3.1.2.1.1 Da participação social

Ante a crise do modelo burocrático de Administração Pública,


evidenciando com maior clareza a própria crise do Estado, reconhecidamente
incapaz de atender às demandas geradas pela população de forma satisfatória,
trilha-se um caminho de reconstrução do aparato estatal, de modo a primar-se
pela eficiência, eficácia e efetividade das ações, ganhando centralidade
processos de avaliação e resultados, de modo a possibilitar a reorientação
estratégica da administração pública492.
Nesse longo processo de organização, segundo Carlos Milani busca-se a
solução para duas questões centrais. Primeiramente, em não sendo possível
confiar nos representantes políticos, como seria possível controlar a burocracia?
Tempos depois, a questão se aprofunda e se torna mais complexa: havendo
desconfiança em relação aos atos dos representantes políticos e sendo a
burocracia ineficiente e pouco transparente aos cidadãos, o que fazer para não
comprometer as instituições políticas democráticas e assegurar a efetividade da
gestão pública?493

492 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública
gerencial. São Paulo: FGV, 1998, p. 34.
493 MILANI, Carlos R. S. “O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais:

uma análise de experiências latino-americanas e europeias”. Revista de Administração Pública.


Rio de Janeiro: FGV EBAPE, MAI/JUN, 2008, pp 551-579.

284
A resposta, segundo reflexões do próprio Milani estaria na construção de
modelos tendentes a instituir estratégias de descentralização, a começar pela
“adoção de mecanismos de responsabilização dos gestores (responsiveness e
accountability), a gestão pública por resultados, o incremento do controle social,
além de dispositivos de participação social que visam chamar cidadãos e
organizações cívicas para atuarem como atores políticos da gestão pública”494
(grifo nosso). É tudo o que se vê e ainda mais do que se verá no marco
regulatório em estudo.
Junte-se a isso, a “crescente imbricação entre interesses de todo o gênero
nas sociedades contemporâneas, o que cria espaços comuns entre o público e
o privado, em que se inserem interesses individuais, individuais homogêneos,
coletivos e difusos, o que de forma alguma minimiza ou estreita o espaço do
público, senão que o valoriza, por ampliar-lhe as atividades de prossecução, de
defesa e de fomento, com a mobilização não apenas da vontade e dos meios do
Estado mas os de toda sociedade convergente” 495 . É o caminho no qual se
perpetua a dita “Administração Pública Consensual”, que encontra no consenso
(convênios, consórcios, contratos e acordos), na participação social e na
processualidade (entendida como a forma adequada de formação da vontade
participativa), instrumentos de construção democrática.
Em engenhosa obra sobre a participação, Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, apresenta alguns critérios de classificação de suas modalidades, dividindo-
os em: subjetivo, finalístico, formalístico, conteudístico, objetivo e funcional.
Interessa ao desenvolvimento do presente estudo, a participação sob o critério
conteudístico, que admite a possibilidade de construção da participação sob o
ponto de vista dos particulares, servindo não só como eventual elemento de
controle, mas também como elemento a dar legalidade à ação do Estado496. Há
nessa percepção de participação, a adoção de políticas públicas desejadas pela
sociedade, em uma verdadeira provocação da ação do Estado, um “fomento
invertido”497. E não é somente através da iniciativa de leis dadas aos cidadãos e

494 MILANI, 2008, p. 553.


495 MOREIRA NETO, 2016, p. 174.
496 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da Participação Política – Fundamentos e

técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 72.


497 MOREIRA NETO, 2016, p. 174.

285
aos grupos sociais que essa participação se concretiza. A complexidade dos
problemas e das soluções políticas exige novas fórmulas de participação
voltadas, propriamente, à escolha de políticas públicas, “com grau de
diferenciação suficiente para atender às especificidades dos diversos subgrupos
sociais reivindicantes”498.
Nota-se, já nessas linhas iniciais, o quão vasto é o tema e o quanto é
valorizado na perspectiva da construção de uma sociedade mais igualitária, mais
dialética. Falar em participação social hoje, é falar em inclusão e não uma
inclusão que fica nas bases de um processo de delegação representativa de
vontades. Dentro da expressão “participação social” vivem muitas perspectivas.
Ali está o cidadão, o “popular”, o que é democrático, comunitário. Na perspectiva
abraçada pelo marco regulatório em estudo, a participação social referir-se-á à
prática de inclusão dos cidadãos e das OSCs no processo decisório de políticas
públicas (PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse Social - art. 18) e
na construção de estratégias de inovação (atuação em rede – art. 35-A). É como
deve ser compreendido o conteúdo do inciso I do art. 5º da Lei n. 13.019/14 ao
prever, “o reconhecimento da participação social como direito do cidadão”
(grifamos).
As origens desse discurso são múltiplas. O uso de ferramentas
participativas servem de pano de fundo para incontáveis propósitos. Encontram-
se referências ao uso de ferramentas participativas nos manuais das agências
internacionais de cooperação 499 para o desenvolvimento, no âmbito dos
programas de reforma do Estado e de suas políticas de descentralização, mas
também na prática de alguns governos locais como estratégias de reforço da
democracia local. A participação social também é reivindicação histórica de
alguns movimentos sociais e, politicamente, serve a alguns pensamentos
ideológicos pela construção de uma cidadania ativa.

498 MORÓN, Miguel Sanchez, La participación del ciudadano em la Administración Pública.


Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1980, p. 75.
499 Carlos Milani (2008, p. 556), em primorosa pesquisa sobre o tema, intitulada “O princípio da

participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-
americanas e europeias”, adverte sobre o papel das agências de cooperação internacional na
construção de mitos associados à participação.

286
Uma vez se fundamentando em fontes tão diversas e apoiado por atores
tão diferentes (Banco Mundial, a OCDE, União Europeia, as Nações Unidas,
muitas organizações não-governamentais e integrantes do Fórum Social
Mundial), o princípio participativo sofre com os mais diversos questionamentos
críticos acerca do significado e do fundamento da participação social nos
diferentes contextos500.
Adverte John Randolph Lucas, que “a participação está em voga. Está
nos lábios de todos. Mas como muitas palavras da moda, ela é vaga. Todos a
desejam, mas não está claro o que ‘ela’ é; e os prováveis participantes não estão
muitas vezes satisfeitos com todas as tentativas para satisfazer as suas
pretensões” 501. Leciona ainda que “nenhuma forma de participação é totalmente
satisfatória”, vez que “essencialmente incompleta”, na medida que o “velho Adão
que existe em cada um, nunca ficará satisfeito com menos que o controle
completo”502.
Carlos Milani 503 , em interessante trabalho comparativo entre América
Latina e Europa acerca da questão da participação social, alerta sobre a
importância “no âmbito de pesquisas contextualizadas e de realidades
específicas, de se colocar em diálogo práticas que tentaram ou vêm tentando
demonstrar a efetividade do princípio participativo na renovação política da
democracia local” 504. Todavia, citado autor alerta para a necessidade de se ter
um olhar crítico sobre a realidade, “sob duas óticas de análise: quem participa e

500 MILANI, 2008, p. 553.


501 LUCAS, John Randolph. Democracia e Participação. Brasília: Editora UnB, 1975, p. 109.
502 LUCAS, 1975, p. 109.
503 Referido autor apresenta interessante panorama comparativo de desenvolvimento da

participação social tanto na Europa como na América Latina, pontuando: “Após período de
expansão (entre meados dos anos 1980 e fim dos anos 1990), os processos locais de
participação social encontram em ambos os contextos geográficos, pelo menos, dois limites
críticos. Em primeiro lugar, a participação de atores diversificados é estimulada, mas nem sempre
é vivida de forma equitativa. O termo “parceria” é corriqueiro nos discursos políticos dos
atores governamentais e não-governamentais, mas sua prática efetiva parece ter
dificuldades em influenciar os processos de deliberação democrática local. Em segundo
lugar, os atores não-governamentais (e somente alguns deles) são consultados e solicitados
durante o processo de tomada de decisões, participando, assim e no melhor dos casos, somente
antes e depois da negociação. A participação praticada dessa forma pode aumentar a qualidade
da transparência dos dispositivos institucionais; contudo, ela não garante, de modo necessário e
automático, a legitimidade do processo institucional participativo na construção do interesse
coletivo” (grifo nosso).
504 MILANI, 2008, p. 555.

287
que desigualdades subsistem na participação; e como se dá o processo de
construção do interesse coletivo no âmbito dos dispositivos de participação
social”505.
Rosabeth Moss Kanter atenta para o fato de que não se pode tratar a
participação sob qualquer perspectiva, da mera “participação pela participação”,
mas sim de uma “participação significativa” 506 , definida como “a que ocorre
quando uma pessoa tem um senso de envolvimento na totalidade do que se está
empreendendo, um senso de que seus esforços têm cabimento no plano geral,
quando eles se identificam com os objetivos coletivos, tem uma sensação de
eficácia com respeito ao alcance dos resultados e de que deixa uma marca nas
consequências finais do que se empreendeu” 507 . Imaginar um nível de
participação tão comprometida em um cenário de baixa capacidade associativa
como vimos historicamente ser o Brasil, parece soar utópico, mas parece ser o
único caminho a ser trilhado.
É neste mesmo sentido a reflexão da obra “O canto da sereia – crítica à
ideologia e aos projetos do ‘Terceiro Setor’”, de organização de Carlos Montaño.
A “participação” não pode ser um discurso isolado pautado na ideia heroica de
autorresponsabilização do próprio indivíduo. Por conta disso a obra se volta
contra os discursos de “participação”, como sendo a ‘segunda melodia” que
entoam as “Sereias”, no paralelo traçado pelos autores com a mitologia grega,
no sentido do quão sedutor é o discurso do empoderamento e do sujeito
autônomo na ideia do participativo. No capítulo “A autoação dos sujeitos: a
panaceia da ‘Participação Democrática’ e do Empoderamento”, vale a
transcrição:

A doce melodia aqui entoada soa sedutora aos ouvidos do marinheiro


a caminho de Ítaca, que confia na autoação, no lugar da contradição,
das lutas de classes para chegar a destino. Aqui, ‘motivar-se’,
‘empoderar-se’, ‘capacitar-se’ e ‘participar’, parecem conquistas de um
indivíduo, e seu grupo, fora das relações sociais fundamentais. Como
se o poder de um não fosse um lado de uma correlação de forças,
como se participar não fosse um processo de lutas. ‘Participação’ e

505 MILANI, 2008, p. 555.


506 KANTER, Rosabeth Moss. "Some Social Issues in the Community Development Corporations
Proposal". In: The Case for Participatory Democracy. BENNELLO, C. G; ROUSSEOPOULOS,
D. (Org). New York: Grossman Publishers, 1971, p. 65.
507 KANTER, 1971, p. 65.

288
‘Empoderamento’ passam a ser os ‘cantos’ para o navegante
mergulhar na procura do herói dentro de cada um.
Assim, por um lado, o ‘canto’ da ‘Participação’ é entoado por todos os
corais. Mas a consideração desta participação, em tanto tomar ou fazer
parte de algo, não pode ignorar o conteúdo da questão em torno do
qual se desenvolve, os interesses em jogo, os sujeitos envolvidos e os
resultados esperados, diretos ou de maior alcance; ou seja, participar
com quem, contra quem, para que, com que objetivos ou
finalidades?508 (grifamos)

Decerto que o marco regulatório em estudo não quis deixar dúvida e se


pautou na ideia de uma “participação social” (art. 5º, I), condizente com a
perspectiva de uma união de forças, ao mesmo tempo que a reconhece como
direito fundamental de cada cidadão. Ainda que a obra acima citada chame
atenção para os riscos do discurso da participação, do empoderamento e da
economia solidaria servirem a ideologias progressistas, mas servirem a
propósitos conservadores509, não se pode esquecer do histórico de construção
da Lei n. 13.019/14, como fruto de um conjugação de vontades centralizada na
“Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade
Civil”.
Daí que, pensar em participação social no bojo das parcerias aqui
estudadas, é ir além da perspectiva de uma administração pública consensual,
negocial. É pensar na adoção de instrumentos determinantes na formação da
vontade administrativa, tais como, o referendo, o plebiscito, a audiência pública,
o debate público, a assessoria externa, a delegação atípica510. É preciso, sem
que isso se torne mais um elemento de burocratização, que existam debates

508 MONTAÑO, Carlos et al. O canto da sereia – crítica à ideologia e aos projetos do ‘Terceiro
Setor’. São Paulo: Cortez, 2014, p. 99.
509 Cite-se: “Este verdadeiro Projeto do ‘Terceiro Setor’, segundo seus fundamentos de

autorresponsabilização do indivíduo e des-responsabilização do Estado, desdobra-se em


diversas propostas, também disfarçadas pelos termos que as denominam, tais como os projetos
de: ‘Economia Solidária’, ‘Empoderamento’, ‘Empreendedorismo’ e ‘Empregabilidade’, Políticas
de ‘Combate à Fome e à Pobreza’ e de ‘Geração de Emprego e Renda’, ‘Democratização da
Sociedade Civil’, Responsabilidade Social Empresarial’ e ‘Responsabilidade Ambiental’, dentre
outros. Cada uma destas propostas, destes projetos, funda-se na autorresponsabilização dos
indivíduos e des-responsabilização estatal, desonerando o capital; muitas delas são
explicitamente propostas do Banco Mundial, do FMI, de governos neoliberais, de corporações
capitalistas transnacionais” (MONTAÑO, 2014, p. 43) (grifamos).
510 São todas espécies de institutos consensuais abordados por Diogo de Figueiredo Moreira

Neto, na obra “Novas mutações juspolíticas”. Interessa ao presente estudo, o que o autor chamou
de “espécies de consenso na execução administrativa”, donde se encaixariam os “contratos
administrativos de parceria e os acordos administrativos de coordenação” (2016, p. 183).

289
públicos, bem como audiências públicas seja quando uma OSC venha
apresentar um Procedimento de Manifestação de Interesse Social que
exteriorize uma determinada política pública, seja quando a iniciativa surgir do
poder público. Deve haver um comprometimento da própria OSC, no sentido de
compreender seu papel na construção dessa participação, dando-se o máximo
de publicidade dos seus propósitos. É uma participação social que evidencia ao
mesmo tempo um controle prévio das parcerias.
Mas há de se fazer um parêntese para ressaltar também a crítica às
formas de participação sociais, como fóruns, conselhos e as tão exaltadas
“audiências públicas”.
Os argumentos para a descrença de alguns autores (BAKER, 2000)
(VALLA, 1998) (VIANNA, 1998) quanto a eficiência de fóruns e conselhos de
participação popular se firmam em dois sentidos: i) o arranjo dos fóruns e
conferências não garantiria o acesso universal à participação, sendo restrito a
alguns cidadãos, que participam diretamente ou por representação; ii) os fóruns
se apresentariam como terreno fértil de dominação de grupos políticos com mais
recursos e poder. Nesta medida, aqueles que naturalmente se encontram
excluídos das dinâmicas sociais e de poder, estariam igualmente excluídos de
tais processos participativos. Assim que, “as relações de poder existentes na
sociedade civil – relacionadas a recursos desiguais e ao patriarcado, por
exemplo, afetariam as possibilidades de processos deliberativos equânimes”511.
Em outro sentido, estão aqueles autores (JACOBI, 2002) (SANTOS,
2001) (SCHNEIDER; GOLDFRANK, 2002) que acreditam no processo de
democratização da gestão pública por meio dos mecanismo de participação. Seu
principal argumento repousa exatamente na percepção de que, em verdade, tal
formato seria o único capaz de absorver o interesse de atores sociais
tradicionalmente excluídos dos processos de decisão, obrigando os gestores de
políticas públicas a tomar decisões levando em conta tais interesses. Seguindo
este pensamento, os fóruns e conselhos institucionalizados tem o condão de
aperfeiçoar os modos limitados de participação política.

511CÔRTES, Soraya M. Vargas. “Céticos e esperançosos: perspectivas da literatura sobre


participação e governança”. In: Saúde e Cidadania: experiências do Brasil e do Quebec. HARTZ,
Zulmira; GERBIER, Marion (org.). Campinas: Editora Saberes, 2010, p. 37.

290
No Brasil, esta perspectiva ganha contornos interessantes, vez que há
sempre o desafio, como democracia periférica e país em desenvolvimento, de
se conciliar a convivência entre instituições tipicamente representativas de um
quadro democrático, em oposição à manutenção de padrões autoritários e
ajustes clientelistas presentes na relação entre governos e interesses
majoritários.
De todo modo, há de se reconhecer a promessa contida no bojo da Lei n.
13.019/14, no sentido de se ter a participação social ao longo do
desenvolvimento das parcerias, com pesquisas de satisfação dos cidadãos
beneficiados (art. 58, §2º) e linhas de comunicação para reclamações e
sugestões512. Além disso, em seu Capítulo II, o marco regulatório dedica uma
Seção própria (IV) a tratar “Do Fortalecimento da Participação Social e da
Divulgação das Ações”, reconhecendo o papel da Administração Pública em
divulgar campanhas publicitárias e programações desenvolvidas por
organizações da sociedade civil, no âmbito das parcerias previstas no MROSC
(art. 14).
Nesta órbita, admitiu a Lei n. 13.019/14, a possibilidade de criação, na
esfera do Poder Executivo federal, do “Conselho Nacional de Fomento e
Colaboração”, composto, de forma equitativa, por representantes
governamentais e organizações da sociedade civil, “tendo por finalidade divulgar
boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações voltadas ao fortalecimento
das relações de fomento e de colaboração previstas nesta Lei” (art. 15).
O §1º do art. 15 determinou que sua composição e funcionamento ficariam
a cargo do competente regulamento, o que se concretizou com o advento do

512Desde o advento da Lei n. 12.527/11, apelidada de Lei de Acesso à informação, há de se


reconhecer o compromisso da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com a transparência
das informações, com o controle social e a criação de um canal de comunicação com o cidadão
em termos de redimensionamento de sua posição na lógica de fiscalização do uso de recursos
públicos. Nesses termos, cite-se o “Portal da Transparência” do Governo Federal, bem como o
SIMEC – Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, com um portal específico
para o acompanhamento da execução de obras provenientes de recursos do FNDE – Fundo
Nacional de Desenvolvimento (http://simec.mec.gov.br/painelObras/index.php). Cite-se também
o endereço http://brasil.gov.br/barra#participe, que “Com o propósito de informar, estimular a
participação social e prestar serviços ao cidadão, o Governo Federal disponibiliza diversos
canais que facilitam a comunicação entre o Estado e a Sociedade”. Na órbita das parcerias objeto
desta tese, cite-se, mais uma vez, o sítio público “participa. gov/osc”, com informações sobre o
Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, com esclarecimentos e orientações.

291
Decreto Federal n. 8.726/16, que em seu art. 83 instituiu: “Fica criado o Conselho
Nacional de Fomento e Colaboração - Confoco, órgão colegiado paritário de
natureza consultiva, integrante da estrutura do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, com a finalidade de divulgar boas práticas e de propor e
apoiar políticas e ações voltadas ao fortalecimento das relações de parceria das
organizações da sociedade civil com a administração pública federal”.
Em substancioso capítulo, o Decreto Federal em referência, se debruça
sobre os pormenores do CONFOCO, sua competência, sua composição, a
indicação e escolha de seus membros, a natureza do serviço público ali
prestado, a fonte de seus recursos orçamentários e financeiros e sua estrutura
integrada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável
pelos atos iniciais de sua formação (art. 83 a 85).
Verifica-se pelas competências 513 atribuídas ao CONFOCO pelo
parágrafo único do art. 83 do Decreto Federal n. 8.726/16, a missão de pautar
suas ações, de modo que sirvam de estímulo à “participação social nas políticas
de fomento, de colaboração e de cooperação” (art. 83, p.u, inciso V).
As pretensões presentes em todo o aparato normativo que compõe o
universo das parcerias em estudo e tem como missão maior o fortalecimento das
OSCs, não podem ser mais um mero pedaço de papel. O discurso não pode ser
fantasioso e a eficácia é uma necessidade que deve ser palpável para os
administrados/beneficiários. Em termos práticos, o CONFOCO parece ser
inacessível, vez que em pesquisa realizada no sítio público do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, ainda que haja sua indicação em link
apropriado, constando de “Órgãos Colegiados”, nada existe de concreto,
havendo uma mensagem de “está página não está funcionando”. 514 Peca,

513 Decreto Federal n. 8.726/15 – “art. 83. (...)


Parágrafo único. Ao Confoco compete:
I - monitorar e avaliar a implementação da Lei nº 13.019, de 2014, e propor diretrizes e ações
para sua efetivação;
II - identificar, sistematizar e divulgar boas práticas de fomento, de colaboração e de cooperação
entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil;
III - propor, opinar e manter diálogo com organizações da sociedade civil sobre atos normativos;
IV - propor e apoiar a realização de processos formativos para qualificar as relações de parceria;
V - estimular a participação social nas políticas de fomento, de colaboração e de cooperação; e
VI - aprovar seu regimento interno e eventuais alterações”.
514 Em busca realizada em 10 de fevereiro de 2018, no site do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, o CONFOCO consta de sua página em “órgão colegiado”, mas não há

292
portanto, o CONFOCO na esfera federal, em sua competência de monitorar e
avaliar a implementação do marco regulatório e propor diretrizes e ações para
sua efetivação (art. 83, p.u, inciso I, Decreto Federal n. 8.726/16).
De toda forma, a iniciativa do CONFOCO não está de todo abandonada,
graças ao disposto pelo § 2º do art. 15 da Lei n. 13.019/14, que admite que
Estados, Municípios e Distrito Federal possam criar suas instâncias
participativas. Isso oportuniza o resgate da real missão desse Conselho, com
experiências merecedoras de enfoque. Daí especial menção à experiência do
CONFOCO Bahia, criada no bojo de seu Decreto Estadual n. 17.091, de 05 de
Outubro de 2016 515 e que tem servido de modelo para os demais Estados
brasileiros516.
O cidadão também deve ser capaz de reconhecer seu papel como fiscal
dessas parcerias, percebendo sua função no projeto de construção de uma
administração mais transparente e eficiente. O “Participa.br” é uma importante
referência neste caminho, servindo como espaço para que o cidadão tome
conhecimento de editais de fomento e participe de consultas públicas online
sobre temas de interesse público517.
É preciso também ir além, reconhecendo-se no uso da arbitragem, como
método alternativo de resolução de conflitos, um elemento de manutenção do
diálogo e de negociação de interesses nas parcerias.
Feitas todas essas reflexões, é preciso restar claro que, ademais todas as
dificuldades, o marco regulatório objeto desta tese e toda sua legislação
correlata, trazem consigo uma perspectiva real de uma participação social mais
ativa. As organizações da sociedade civil, os movimentos sociais e os cidadãos

qualquer conteúdo quando se clica no link que direcionaria para página do mesmo, com a
mensagem “Esta página não está funcionando”. Link disponível em:
http://www.planejamento.gov.br/rodape/coluna-3/orgaos-colegiados/comissao-nacional-de-
fomento-e-colaboracao#
515 Disponível em:
http://www.participa.br/articles/public/0054/9181/Decreto_Bahia_17.091_05_10_2016.pdf.
Consulta em: Fev. 2018.
516 O CONFOCO/BA realizou processo seletivo de indicação para a composição de seus

membros e também organiza inúmeros eventos de modo a divulgar iniciativas e esclarecer sobre
os ditames da Lei n. 13.019/14. Disponível em:
http://www.serin.ba.gov.br/search.php?query=CONFOCO&inst-bar-pesquisar-
submit=&action=results. Consulta em: Fev. 2018.
517 Disponível em: http://www.participa.br/. Consulta em: Fev. 2018.

293
devem estar aptos a reconhecer tal possibilidade e tal caminho. Isso se fará com
esclarecimento, com o conhecimento dos propósitos da norma, com discussões
e reflexões, respeitadas cada realidade posta.
Além do mais, não custa rememorar que não é o marco regulatório quem
introduz no universo jurídico brasileiro a participação popular como primado. A
Constituição Federal de 1988, apelidada de “Constituição Cidadã”, tem em seus
fundamentos essa prerrogativa, reconhecendo a repetida lógica de que “todo
poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único CF/88). Que a Lei n. 13.019/14
se fortaleça como mais um instrumento a tirar o exercício desse poder do papel
e não seja mais uma norma a utopicamente embalar muitos sonhos.

3.1.2.1.2 Da solidariedade, da cooperação e do direito à diferença

Em um só fôlego, resta assentado no inciso II, do art. 5º da Lei n.


13.019/14, que o regime jurídico das parcerias se prestará a assegurar: “a
solidariedade, a cooperação e o respeito à diversidade para a construção de
valores de cidadania e de inclusão social e produtiva”.
Falar em solidariedade não é tarefa das mais simples. Como muito bem
pontuado por Phillippe Perrenoud, “ninguém pode ser solidário sozinho. A
solidariedade é um fato social”518, e acrescenta:

Naturalmente, assim como todas as pessoas de boa vontade, a


solidariedade parece-me mais simpática, mais humana, mais positiva
que seu contrário. Porém, se todos estivéssemos de acordo sobre esse
ponto, todos seriam solidários com todos, e não haveria nem guerra,
nem miséria, nem desigualdades, nem dominações, nem segregações,
nem violências, nem exclusões. Assim, ninguém teria necessidade de
se questionar a esse respeito519.

No Brasil, como já pontuado, um país de baixa capacidade associativa


e, ao longo de sua história, com uma lógica de solidariedade social voltada a
poucos episódios significativos, não bastará o reconhecimento no inciso I, do art.
3º do nosso texto constitucional, como objetivo de nossa República, a construção

518 PERRENOUD, Philippe. “As competências a serviço da solidariedade”. Pátio: Revista


Pedagógica, Porto Alegre, v. 7, n. 25, p.19-27, fev. 2003. Trimestral. Disponível em:
http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php. Acesso em: Fev. 2018.
519 PERRENOUD, 2003, p. 25.

294
de uma “sociedade livre, justa e solidária” (grifo nosso). Será preciso muito mais.
Não basta alavancar a solidariedade a princípio e objetivo da Lei n. 13.019/14. É
preciso que o ordenamento jurídico se volte para a construção dessa máxima,
dando-lhe subsídios. É o que parece desejar o marco regulatório ao firmar a
solidariedade em suas bases teleológicas.
Certamente não ser possível depositar no marco regulatório todas as
fichas rumo a construção de uma sociedade mais solidária, mas é preciso
reconhecer ali, com o mínimo de senso crítico, algumas condições:

1. O princípio de solidariedade deve fazer parte das ideias e dos


valores centrais da maior parte dos indivíduos. Cada um deveria saber
não apenas do que se trata, mas acreditar firmemente nele, incorporar
a ele uma parte de sua identidade e de sua autoestima, sentir que,
quando se mostra solidário, está de acordo com a cultura do grupo a
que pertence, não aparecendo como um ingênuo, e sim como uma
pessoa generosa e sensata.
2. Deve existir uma forma de reciprocidade, pelo menos a meio-termo.
Apenas um santo poderá dar sem jamais receber nada, certamente
porque a alegria de dar dispensa-o de outras satisfações. A maior parte
dos seres humanos comuns não pode ser permanentemente solidária
em sentido único. É preciso que pelo menos a meio-termo e na média
a solidariedade seja um bom cálculo, inscreva-se em um contrato
social, em uma forma de reciprocidade.
3. A solidariedade não é sempre dada por antecipação; ela é obtida à
custa de lutas individuais e sociais (grifamos)520.

Acredita-se ser esse o perfil de solidariedade mais próximo das


pretensões da Lei n. 13.019/14. Para muito além de um dito “direito fundamental
de terceira dimensão” 521 , os discursos de solidariedade levantam outros
caminhos que o presente estudo também precisa considerar.
Pedro Demo, em lúcida reflexão sobre os efeitos do poder por detrás das
ideologias que pregam a solidariedade, alerta:

(...) as relações de poder são repletas de artimanhas, das quais a mais


conhecida é a ideologia, no sentido mais preciso de Thompson (1995):
ideologia é reflexo necessário do poder e se configura como tentativa
sempre renovada de justificação do cultivo e manutenção do poder.
Ideologia é discurso orientado, em primeiro lugar, para justificar,

520PERRENOUD, 2003, p. 26.


521 Sobre o tema, como muito bem lembrado por Celso Lafer (1988, p. 131), os direitos
fundamentais de terceira dimensão, também denominados direitos de fraternidade ou de
solidariedade, tem como característica, se desprenderem da figura do homem-indíviduo como
seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos – povo, nação – caracterizando-se, por
consequência, como direitos de titularidade transindividual (coletiva ou difusa).

295
encobrir, pregar subalternidades, por vezes de modo ostensivo, mas
mais comumente de modo sibilino. Ideologia inteligente vende-se como
ciência, evolução lógica, rodeios aparentemente fundamentados,
números reveladores, porque sabe que a relação de poder torna-se
mais aceitável quando manejada sob o véu do envolvimento lógico e
emocional522.

A respeito da construção de uma ideologia pautada na solidariedade tão


presente na lógica dos projetos do Terceiro Setor, Carlos Montaño alerta:

Hoje, setores da intelectualidade da esquerda (possibilista), da classe


trabalhadora, e da população em geral, são seduzidos pela origem e
pela aparência destes termos (que representaram históricas bandeiras
de lutas: ‘democracia’, ‘participação’, ‘empoderamento’,
‘solidariedade’, etc), pelo poder ideológico neles contido, e acabam por
abrir as portas e deixar entrar, para dentro das muralhas e quebrando
suas defesas, aceitando e aderindo a estes projetos, como ‘uma
oferenda dos deuses’, um ‘presente de grego’. Não percebem eles que
escondidos nestes projetos, nestes ‘cavalos de Tróia’, estão,
incólumes e fortes, os valores, os interesses, as visões de mundo da
grande burguesia neoliberal (grifamos)523.

Há de se reconhecer o grande apelo “temático” da solidariedade na


construção e direcionamento de políticas públicas e projetos dos mais variados,
mas, acima de tudo, é preciso dar-se um crédito à Lei n. 13.019/14, construída
a partir de um projeto embalado por entidades sociais de grande
representatividade e com respeitável histórico de participação524.
O modelo finalístico proposto pelo inciso II do art. 5º da Lei n. 13.019/14
abarca também a cooperação, decerto o princípio mais celebrado na atualidade,
conferindo à solidariedade um peso prático. Referido objetivo deve ser
compreendido em sentido lato, para muito além da perspectiva de formação de
sociedades cooperativas, a exemplo do que impõe o §2º do art. 174 da

522 DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez Editora, 2002, p. 29.
523 MONTAÑO, 2014, p. 44.
524 Lembre-se aqui da iniciativa impulsionada pela Plataforma por um novo Marco Regulátorio

para as Organizações da Sociedade Civil lançada em 2010 pela Articulação Nacional de


Agroecologia – ANA, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – ASPTA,
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, Cáritas Brasileira,
Fundação AVINA, Fundação Grupo Esquel do Brasil – FGEB, Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas – GIFE, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Pastoral da Criança
e Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Conforme informações disponibilizadas em:
http://plataformaosc.org.br/plataforma/. Consulta em: Fev. 2018.

296
Constituição Federal e seu reconhecimento pela alínea “b”, do inciso I, do art. 2º
do marco regulatório. Há de se pensar a cooperação também, para além da
projeção que recebeu recentemente no universo processual quando o art. 6º do
Código de Processo Civil determinou que todos os sujeitos do processo deverão
cooperar entre si.
Como já pontuado, o marco regulatório faz menção à cooperação desde
sua ementa, tendo, em inúmeros dispositivos, se atentado para a “mútua
cooperação”, de onde partirá todo o ritmo das parcerias em estudo. Dá lógica da
cooperação, brota a ideia de colaboração, impõe-se a boa-fé contratual,
conquista-se mais segurança nas relações. Em nome da cooperação,
reconhece-se a evolução da figura estatal, desenhada em uma Administração
Pública dialógica, consensual, com a paulatina substituição da decisão
administrativa unilateral, pela decisão administrativa plurilateral, tomada pelo
acordo entre as partes, inaugurando-se assim, “uma era de relações paritárias
entre os dois protagonistas da cena política, mais precisamente entre os
cidadãos e o Estado Administrador”525.
Resgate-se, neste momento, tudo o que foi dito em termos de construção
da boa-fé na relação de parceria que deve existir entre Administração Pública e
a OSC, bem como, entre todos aqueles que estiverem participando desta relação
(agentes públicos, dirigentes das OSCs, colaboradores das OSCs, fornecedores
de bens e serviços). Nestes termos, falar em cooperação no bojo das parcerias
em estudo é levar em conta o aspecto social do exercício das competências
públicas, contrapondo os efeitos do comportamento administrativo ante as
carências dos destinatários da atuação estatal. Como se pode ver, não é uma
via de mão única. Espera-se do administrado e do parceiro privado uma atuação
igualmente reflexiva, sem abusos, pautada na lealdade, de modo a se ver
concretizado o interesse público no caso concreto.
Por conta dessas e por outras que é tão importante considerar a boa-fé
objetiva, como um viés desse comportamento colaborativo. É a reflexão de
Raquel Melo Urbano de Carvalho ao firmar que, “a boa-fé objetiva implica
cooperação entre Estado e administrado a fim de que se cumpram os objetivos

525 MOREIRA NETO, 2016, p. 161.

297
públicos com satisfação de ambos interesses, sem que se confunda tal premissa
como mera exigência de comportamento ético, sobressaindo neste contexto,
elementos tais como: confiança, transparência, cooperação, lealdade” 526.
De todo modo, não é tarde para se referendar que, não há de se falar em
cooperação a não ser com o reconhecimento de um Estado Democrático de
Direito, donde se é possível reconhecer o papel das instituições consensuais,
construindo sociedades livres.
Por fim, como contraponto, traz-se à baila, a reflexão de Pedro Gonçalves,
colocando à prova a real vocação do ente privado para a realização do interesse
público em modelos regulatórios colaborativos, afirmando:

Em vista da realização deste objetivo, importa, quando da adoção de


soluções de regulação ou de colaboração público-privada, ter
consciência de que não se afigura razoável nem sensato esperar-se
uma atuação desinteressada dos particulares – ou uma espécie de
atuação privada naturalmente vocacionada para a realização do
interesse público. Sem se pôr em causa a possibilidade e a ocorrência
efetiva deste fenômeno, o normal é que os particulares se orientem por
critérios de interesse privado e egoísta. Como escrevemos numa outra
oportunidade, só a Administração Pública, e não os particulares, se
encontra institucionalmente adstrita à prossecução do interesse
público. Ter isto presente revela-se muito útil para se perceber que a
(acima referida) mobilização de particulares para a realização de
finalidades públicas não significa, nem reclama que aqueles
abandonem o objetivo de realização de seus legítimos interesses.”
(grifo nosso)527.

Não pode haver espaço na lógica das parcerias tratadas pela Lei n.
13.019/14 para comportamentos egoísticos e escusos. Toda a regulação se
estrutura, inclusive subjetivamente, de modo a se conduzir pela lógica do
interesse recíproco, alimentado por objetivos comuns. A promessa que a
cooperação traz consigo é de uma mudança estrutural nas relações entre o
poder público e a sociedade civil organizada, não podendo se firmar em uma
construção utópica e descompromissada.
Outro objetivo abraçado pelo inciso II do art. 5º do marco regulatório, tem
a ver com “o respeito à diversidade”, o que acredita-se seja uma especial

526
CARVALHO, 2008, p. 116.
527
GONÇALVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra:
Coimbra Editora, 2013, p. 74.

298
referência ao dito direito à diferença. O direito à diferença encontra guarida em
nossa Carta Constitucional, no inciso V, de seu art. 1º, sob a usual denominação
de “princípio do pluralismo político”. Tenha-se em mente, nesta perspectiva, a
lição de Gilmar Mendes, a respeito do real alcance do mesmo, nos seguintes
termos:

Embora a Constituição brasileira, assim como tantas outras, utilize a


expressão pluralismo agregando-lhe o adjetivo político, fato que à
primeira vista poderia sugerir tratar-se de um princípio que se refere
apenas a preferências políticas e/ou ideológicas, em verdade a sua
abrangência é muito maior, significando pluralismo na polis, ou seja,
um direito fundamental à diferença em todos os âmbitos e expressões
da convivência humana – tanto nas escolhas de natureza política
quanto nas de caráter religioso, econômico, social e cultural, entre
outras”528.

A nosso sentir, o respeito à diversidade surge diretamente do princípio da


dignidade humana (art. 1º, III, CF/88), conforme construção delineada por Paul
Ricoeur (apud MENDES et al, 2008) a respeito das três fases pelas quais passou
o pluralismo até se proclamar o “direito à diferença”, como inerente à própria
dignidade humana, em sendo: “a) inicialmente, tolera-se aquilo que se
desaprova mas não se pode impedir; b) a seguir, tenta-se compreender as
convicções contrárias às nossas, mas sem aderir a elas; c) e, finalmente,
reconhece-se o direito ao erro, ou seja, o direito de todo indivíduo de acreditar
no que bem entender e de levar a vida como lhe convier, com a só condição de
que as suas escolhas pessoais não causem prejuízo a outrem, nem impeçam o
exercício de igual direito pelos demais integrantes do grupo”529.
Sob a ótica das parcerias em estudo, o princípio em apreço dá vazão ao
que Karl Larenz (2001) denominou de “princípio do respeito recíproco”,
pontuando:

O princípio fundamental do Direito, do qual procede toda regulação, é


o respeito recíproco, o reconhecimento da dignidade pessoal do outro
e, por consequência, da indenidade da pessoa do outro em tudo que
concerne à sua existência exterior no mundo visível (vida, integridade
física, salubridade) e em sua existência como pessoa (liberdade,
prestígio pessoal). Desde este ponto se projeta uma nova luz sobre a

528 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 156.
529 MENDES et al, 2008, p. 157.

299
paz jurídica é aquele estado no qual as relações entre os homens não
se regem pelo direito do mais forte, mas pelo princípio do respeito
recíproco, cujo cumprimento fica assegurado530.

Firme-se, ante essas breves considerações a respeito do direito à


diferença, que as parcerias reguladas pela Lei n. 13.019/14 devem, acima de
tudo, servirem como espaço para a diversidade, para a salvaguarda de um
mundo cada vez mais plural e multicultural. Como espectro de referida realidade,
junte-se o estatuído pelos incisos VI e IX do art. 5º do marco regulatório, no
sentido de que o regime jurídico das parcerias venha também assegurar: “a
valorização da diversidade cultural e da educação para a cidadania ativa” (inciso
VI) e; “a valorização dos direitos dos povos indígenas e das comunidades
tradicionais”. (inciso IX).
Prestar-se-ia a base teleológica contida no inciso II do art. 5º da Lei n.
13.019/14 à “construção de valores de cidadania e de inclusão social e
produtiva”. De que “valores de cidadania” estaria falando o marco regulatório?
Analisando sistematicamente toda sua estrutura regulatória, há de se apostar em
um conceito o mais amplo possível. Mais uma vez, a norma em estudo parte de
escolhas terminológicas profundas e complexas. Mais uma vez, a opção
normativa por conceitos tão abertos pode causar insegurança jurídica e um
trabalho hermenêutico que tem tudo para fugir do alcance dos
administrados/beneficiários.
Nestes termos, há de se desconsiderar uma concepção de cidadania
clássica apegada às noções de nacionalidade ou de deveres e direitos políticos,
como o faz nossa Constituição Federal (art. 12 e 14) e vislumbrar a cidadania,
nos moldes do que pensou Marshall531, em 1949, como elemento de mudança
social. Não basta um rol de deveres e direitos fundamentais, é preciso
consciência deles e seu alcance ao maior número de pessoas. É a perspectiva
de uma cidadania ativa, que parte de uma sociedade civil atuante. É como Liszt
Vieira asseverou:

530 LARENZ, Karl. Derecho justo - Fundamentos de ética jurídica. Madrid: Civitas, 2001, p. 57.
531 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

300
A sociedade civil cria grupos e pressiona em direção a determinadas
opções políticas, produzindo, consequentemente, estruturas
institucionais que favorecem a cidadania. Uma sociedade civil fraca,
por outro lado, será normalmente dominada pelas esferas do Estado
ou do mercado. Além disso, a sociedade civil consiste primordialmente
na esfera pública, onde associações e organizações se engajam em
debates, de forma que a maior parte das lutas pela cidadania são
realizadas em seu âmbito por meio dos interesses dos grupos, embora
– cabe a ressalva – a sociedade civil não possa constituir o locus dos
direitos de cidadania, por não se tratar da esfera estatal, que assegura
proteção oficial mediante sanções legais 532.

Atente-se para a lição acima trasladada, como referência para a regulação


em estudo. A Lei n. 13.019/14 tem como um de seus fundamentos, como já visto,
o fortalecimento da sociedade civil. Somente uma sociedade civil forte, como
espaço agregador será capaz de transpor para esta esfera estatal seus reais
anseios, suas agruras e a consagração de uma cidadania efetiva.
Pensar em termos de inclusão social e produtiva também não é tarefa das
mais fáceis, quanto mais reconhecendo sua interdisciplinaridade conceitual.
Como se falar em “inclusão” conduz aos mais diferentes caminhos, há de se
pensar a “inclusão social e produtiva” do marco regulatório, unicamente sob sua
perspectiva teleológica. Existe uma tendência de se atrelar o termo inclusão à
situação das pessoas portadoras de deficiência, mas a perspectiva da Lei n.
13.019/14 é, certamente, de ir além.
Em conceito referência, Romeu Sassaki (apud MAGALHÃES, 2007, p. 67)
leciona: “A inclusão social é um processo pelo qual a sociedade se adapta para
poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades
especiais e, (...) simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis
na sociedade. (...) Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser
modificada a partir do entendimento de que ela é que precisa ser capaz de
atender às necessidades de seus membros. (...) A prática da inclusão social
repousa em princípios até então considerados incomuns, tais como: a aceitação
das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro

532
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro:
Record, 2001, p. 37.

301
da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação” 533 (grifo
nosso).
Percebe-se pelo conceito acima trasladado tudo o que tem-se dito até o
momento em termos das finalidades a serem construídas pelas parcerias
conforme o disposto pelo inciso II, do art. 5º da Lei n. 13.019/14.
Ailton Cocurutto, em obra essencial sobre o tema, alça a inclusão a
condição de princípio, reconhecendo-o como “uma verdade universal, portanto
algo que é idêntico em qualquer lugar e em toda ocasião e circunstâncias”534.
Percebe-se, na perspectiva construída por citado autor, como o enfoque
político é fundamental para uma percepção o mais ampla possível de inclusão
social, devendo haver um comprometimento de todos os órgãos de todos os
Poderes. Cocurutto atrela a inclusão social à dignidade da pessoa humana pois,
“A dignidade emerge com a inclusão social mediante a eliminação da pobreza e
marginalização, redução das desigualdades sociais, e a promoção do bem de
todos, sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação, para que se tenha
uma sociedade livre, justa e solidária”535.
A inclusão produtiva tem as mesmas intenções da dita “inclusão social”,
de modo a se ver concretizada uma sociedade livre, justa e solidária. A questão
é que a inclusão produtiva parte do desenho de uma lógica alternativa que
propõe um novo modelo de produção, para além das mazelas e desigualdades
presentes no modelo de produção capitalista. Daí falar-se na tão celebrada
“economia solidária” que encampa várias frentes de inclusão produtiva, desde o
cooperativismo até a concessão de crédito (programas de microcrédito – tais
como, bancos comunitários e moedas sociais).
A respeito desse movimento reflete criticamente Pedro Demo:

Provavelmente, a ciência não tem o poder de decidir se as expressões


econômicas dos marginalizados significam condenação às sobras do
sistema ou gestação de alternativas. Talvez as duas, porque, na

533 MAGALHÃES, Abigail Guedes. “Desafios de uma educação inclusiva: utopia ou realidade”.
Instrumento: revista de estudo e pesquisa em educação, Juiz de Fora, v. 9, p. 61-70, jan./dez.
2007. Disponível em: http://www.editoraufjf.com.br/revista/index.php/revistainstrumento/article
/view/66. Acesso em: Mar. 2018.
534 COCURUTTO, Ailton. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da inclusão social.

São Paulo: Malheiros, 2010.


535 COCURUTTO, 2010, p. 45.

302
ambivalência da realidade, é bem possível que da miséria ressurjam
alternativas, como também é possível que a pobreza política ainda nos
domine536.

De toda forma, é recorrente o entendimento de que a economia solidária


“foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como
resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão ‘desregulamentada’
das máquinas-ferramenta e do motor a vapor no início do século XIX” (SOUZA,
2003)537. Neste cenário, desponta o trabalho cooperativo, em uma tentativa dos
trabalhadores de recuperarem sua autonomia econômica, aproveitando novas
forças de produção. A empresa dita solidária se propõe a combater a separação
entre trabalho e a posse dos meios de produção, alicerces do capitalismo.
Paul Singer, como expoente autor do tema pontua muito bem:

A economia solidária surge como modo de produção e distribuição


alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que
se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho.
A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso
dos meios de produção e distribuição (da produção simples de
mercadorias) com o princípio da socialização desses meios (do
capitalismo)538.

Perceba-se, nesta ordem, que as iniciativas de economia solidária não


dizem respeito somente a novas alternativas de trabalho. Englobam, dentre
outras, o acesso ao mercado, ao capital, ao conhecimento.
Carlos Montaño acautela os ânimos mais efusivos com os projetos da dita
“economia solidária”, alertando sobre seu alto poder de sedução e seus riscos,
uma vez que sugere um processo de “autoprodução baseada nos laços internos
da solidariedade e da cooperação, induzindo, ideologicamente, a concebê-la
como uma alternativa à produção capitalista”539. Adverte o autor que tal caminho
de suposta superação da ordem capitalista esconde, em verdade, a principal
função deste processo, em sendo: “gerar força de trabalho barata, hiper-
explorada, e numa desregulada relação terceirizada para o capital, configurando

536 DEMO, 2002, p. 221.


537 SOUZA, André Ricardo de. Uma outra economia é possível, Paul Singer e a economia
solidária, São Paulo: Editora Contexto, 2003, p. 830.
538 SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002,

p. 27.
539 MONTAÑO, 2014, p. 188.

303
antes de uma forma de ‘salário por peça’, e ainda, pulverizando a classe
trabalhadora e levando-a a abandonar as lutas de classe contra o capital”540.
De toda forma, ademais todas as vertentes e possibilidades que o tema
venha ganhar, Boaventura de Sousa Santos dá sua contribuição, apontando um
conjunto de cinco pressupostos e propostas que constituiriam “a coluna vertebral
da teoria”, quais sejam: i) o desenvolvimento alternativo não somente com foco
no aspecto econômico, alcançando outras vertentes (sociais, políticos, culturais
e naturais), “contra a ideia de que a economia é uma esfera independente da
vida social”; ii) as economias alternativas tomam impulso a partir de suas bases,
constituindo-se a partir de iniciativas e da decisão da sociedade civil e não do
Estado ou das elites econômicas, em um influxo “de baixo para cima” e não “a
partir de cima”; iii) o fortalecimento local; iv) programas de microcrédito; v)
movimentos sociais populares541.
Com estes pressupostos percebe-se um reforço em pontos centrais da
economia solidária, como a melhoria nas condições de vida e sustento de
comunidades marginalizadas, bem como o reconhecimento do poder local ou
“relocalização” 542 , com a construção do poder comunitário e de cidadãos
responsáveis por suas realidades.
Outra questão que merecer ser pontuada e aflora dos pressupostos acima
levantados, diz respeito à dimensão política que brota das iniciativas de
economia solidária. Como visto, não há como se falar do desenvolvimento
alternativo dissociado de sua verve econômica. Todavia, não se pode levar o
tema adiante sob esta única vertente. É certo que a dimensão econômica dos
empreendimentos solidários garantem os meios de vida de seus integrantes,
mas acredita-se que sua dimensão política e social, é a que verdadeiramente
concretiza estas iniciativas no cenário donde surgem. A verve social dos
empreendimentos solidários resgata o senso de pertencimento a uma
coletividade, fortalece laços de confiança e respeito mútuos, aumenta o
reconhecimento, e no plano pessoal, promove a capacidade de expressão, a

540 MONTAÑO, 2014, p. 189.


541 SANTOS, Boaventura de Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção não
capitalista, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 46.
542 MANDER, J; GOLDSMITH, E. The case against the Global Economy, São Francisco, Sierra

Club Books, 1996, p. 87.

304
autoestima e a existência de projetos de vida. Sua verve política, coloca tais
iniciativas no centro das preocupações do poder público, a ponto de se tornarem
políticas públicas. 543
No mais, a despeito de toda essa reflexão, o discurso da economia
solidária ganha força, tendo o devido reconhecimento com a criação da
Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES (2003). Vinculada ao
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, a criação da Senaes possibilitou o
fortalecimento de inúmeras iniciativas econômicas solidárias e o desocultamento
de outras tantas, “construindo uma nova forma de inclusão social com a
participação de todos”544.
É essa a perspectiva a ser construída no cerne das parcerias em estudo.
Essa é a perspectiva finalística que a inclusão social e produtiva deve abarcar,
com base nos princípios da solidariedade, do respeito à diferença e na
cooperação.

3.1.2.1.3 Da intersetorialidade e do desenvolvimento sustentável

A Lei n. 13.019/14 articula-se também para a “a promoção do


desenvolvimento local, regional e nacional, inclusivo e sustentável”, conforme
inteligência do inciso III, do seu art. 5º.
Na perspectiva inclusiva apontada no inciso II do art. 5º analisada no
tópico anterior nascem as consequências postas no presente inciso. Somente
com uma perspectiva que imponha não só uma inclusão social, mas também
produtiva, se poderá experimentar em escalas consideráveis, o desenvolvimento
local, regional de nacional.
Mais uma vez a Lei n. 13.019/14 faz uso de terminologia que insiste na
construção de um modelo de regulação inclusivo, o que como se verá, coaduna-
se com as diretrizes do regime jurídico de parceria posto no art. 6º da norma.

543 Cite-se o engajamento do Governo Federal com tal perspectiva, com a criação da Secretaria
de Inclusão Social e Produtiva. Disponível em: http://mds.gov.br/acesso-a-
informacao/institucional/quem-e-quem/secretaria-de-inclusao-social-e-produtiva-1. Consulta em:
Mar. 2018.
544 Trecho extraído da lista de desafios propostos na 2ª Conferência Nacional de Economia

Solidária – 2ª Conaes, em Brasília, julho de 2010, p. 14.

305
Ao se ter por finalidade a promoção do desenvolvimento local, regional e
nacional, em bases inclusivas e sustentáveis, o marco regulatório reitera sua
preocupação com a constituição de uma igualdade substantiva e compromete-
se para com a construção de um ambiente de emancipação. A proposta de
promoção de desenvolvimento local, regional e nacional, inclusivo e sustentável
não pode ser vista como um discurso de autorresponsabilização dos sujeitos por
suas próprias condições de vida e des-responsabilização do Estado da ação
social 545 , mas no âmbito das parcerias ganham novo prisma as
responsabilidades tanto de parceiro privado quanto de parceiro público.
Segundo as reflexões de Adriane Vieira Ferrarini, apreenda-se: “Estudos
e pesquisas demonstram que superar a pobreza de forma emancipatória e
sustentável supõe a transcendência da dinâmica de compensação e de reação
rumo à proatividade através do estímulo a processos de produção material e
imaterial que permitam à população envolvida ‘andar com as próprias pernas’
após o término do programa ou dos recursos alocados”546. E mais:
Perspectivas metodológicas de políticas emancipatórias supõem uma
nova matriz de ordenamento e governança, mais flexível, que procura
apreender as novas formas de organização e interseção do tecido
social nas suas relações diversificadas com a gestão da democracia,
fortalecimento da cidadania e enfrentamento da pobreza. A eficácia de
tais princípios normativos e estratégias institucionais está condicionada
pelas relações políticas locais e sua capacidade de organização, bem
como pela forma como as forças econômicas do território têm
encaminhado o processo de desenvolvimento local547.

O marco regulatório tem o cuidado de considerar o desenvolvimento local,


juntamente com o regional e nacional, de modo a não se ver tais esferas
afastadas, desvinculadas. É preciso um olhar para o desenvolvimento local não
só para que se possa perceber as singularidades dessas experiências, mas não
pode se imaginar tal experiência dissociada da lógica de participação e
cooperação que o marco regulatório também propõe.
Daí a perspectiva da intersetorialidade que “visa promover o
desenvolvimento humano sustentável, a equidade e aumentar a capacidade das

545 MONTAÑO, 2014, p. 41.


546 FERRARINI, Adriane Vieira. “Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável: uma
metodologia para políticas e programas de superação da pobreza”, INTERAÇÕES, Campo
Grande, v. 13, n. 2, p. 233-241, jul./dez. 2012.
547 FERRARINI, 2012, p. 235.

306
comunidades de agir sobre as questões que lhes afetam”548. Sob esta ótica,
desenvolve-se o seguinte panorama: “(...) a participação da sociedade, o
fortalecimento das comunidades, a intersetorialidade, a formação de parcerias e
a utilização de instrumentos gerenciais que visem à eficácia e à eficiência das
ações. Esses princípios e diretrizes formam um todo sinérgico, em que cada
elemento desempenha um papel específico, mas também contribui para a
potencialização dos demais. Nesse contexto, a intersetorialidade procura
superar alguns problemas tradicionais nas políticas e nos programas sociais,
como a fragmentação, a dispersão ou a sobreposição de projetos e ações”
(destaca-se).
Essa expectativa está presente ao longo de toda a Lei n. 13.019/14. Há o
cuidado de se evitar a sobreposição de projetos e ações afetas às parcerias em
apreço (é a diretriz presente no inciso VI, do art. 6º), bem como a coordenação
de atos entre as três esferas de poder, de modo que ajam em cooperação para
a capacitação dos atores sociais envolvidos nas parcerias (art. 7º).
Nesta perspectiva emancipatória não fica de lado um dos grandes
baluartes da atualidade: não há de se falar em desenvolvimento inclusivo se o
mesmo não for sustentável. Há um compromisso público com esse princípio, de
modo a se ver combalido o seguinte cenário:

A questão ambiental adquire importância crescente, denunciando os


limites do modelo de desenvolvimento hegemônico também na esfera
social dada a indissociabilidade entre ambas as dimensões. As
agressões ao ser humano e à natureza inscrevem-se na mesma lógica
de priorização das necessidades do capital sobre a vida, sendo as
populações pobres aquelas mais duramente afetadas pelos problemas
ambientais. O meio ambiente passou a demandar atitudes e ações
imediatas que, sem o acompanhamento do trabalho social, não se
mostraram efetivas549.

Pensar o desenvolvimento sustentável usualmente reforça a necessidade


de se equilibrar metas econômicas com os aspectos sociais e ambientais, na

548 MAGALHÃES, E.P. “Inclusão social e intersetorialidade: o longo caminho dos princípios às
estratégias de ação”. In: CARNEIRO, C.; COSTA, B.L.; DINIZ, B.L. (orgs). Gestão social: o que
há de novo? Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. 2004, p. 35. Disponível em:
http://tupi.fisica.ufmg.br/~michel/docs/Artigos_e_textos/
Responsabilidade_social/Gestao%20Social%20o.pdf. Acesso em: Mar. 2018.
549 FERRARINI, 2012, p. 234.

307
lógica do triple bottom line (profit, people, planet)550. Na dinâmica das parcerias
em estudo, há de se pensar no desenvolvimento sustentável com ênfase nas
formas associativistas aliadas a estratégias de desenvolvimento alternativo.
Nestes termos, fica a lição:

Esses modos de produção, intercâmbio e consumo não capitalistas


geram dois efeitos de alto conteúdo emancipador. Em primeiro lugar,
no nível individual implicam frequentemente mudanças fundamentais
nas condições de vida dos seus atores. Em segundo lugar, no nível
social, a difusão de experiências bem-sucedidas implica a ampliação
dos campos sociais em que operam valores e formas de organização
não capitalistas. Sua atuação se dá por meio de grupos marginalizados
mediante estratégias econômicas coletivas. Sua viabilidade encontra
respaldo inclusive por formular alternativas que são suficientemente
utópicas para implicarem um desafio ao status quo, e suficientemente
reais para não serem facilmente descartadas por serem inviáveis 551.

Há de se pensar a sustentabilidade não só pela ótica de desenvolvimento


de formas alternativas de produção, mas também sob o aspecto da preservação
ambiental e de sua valorização. Essa é a perspectiva presente nos incisos VIII
e X do art. 5º da norma em estudo, que determinam, respectivamente: “a
preservação, a conservação e a proteção dos recursos hídricos e do meio
ambiente” e; “a preservação e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, em
suas dimensões material e imaterial”.
Por fim, há de se absorver que a essência da regulação disciplinada
portanto, no âmbito das parcerias, em incentivos a projetos que abarquem,
facilitem a disseminem um programa de inclusão alimentado por forças de
empoderamento local sustentável, capazes de disseminação para além do seu
território, na construção de uma grande rede de fortalecimento da sociedade civil.

550 NOHARA, Irene Patrícia. “Desafios jurídicos das Parcerias Público-Privadas (PPPs) e
desenvolvimento nacional sustentável”. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba,
v. 5, n. 2, p. 184-203, jul./dez. 2014.
551 SILVA, Guilherme Felipe da. “A importância das formas associativas de organização e do

desenvolvimento local integrado sustentável no resgate da cidadania: a Cooperativa 100


Dimensão”. Revista Eletrônica dos Pós Graduandos em Sociologia Política da UFSC, vol. 2, n.
1(2), jan-jul, 2004, pp. 52-74. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/download/13622/12488. Consulta em Mar.
2018.

308
3.1.2.1.4 Da transparência, do direito à informação e o controle social.

Também faz parte da base teleológica da Lei n. 13.019/14, segundo o


inciso IV do seu art. 5º, “o direito à informação, à transparência e ao controle
social das ações públicas”.
O direito à informação, como máxima constitucional imposta no inciso
XXXIII do art. 5º, da CF/88, tem papel indispensável na missão moralizadora das
parcerias em estudo e mais, tem profundo impacto na regra do sigilo quando
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
A informação, pela via da ampla publicidade (uma das máximas do regime
jurídico das parcerias, é o que tornará possível o controle social e a construção
de um modelo pautado na transparência. A informação faz parte de um projeto
de integridade do poder público brasileira já há algum tempo, tendo seu mais
importante expoente na Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, apelidada de
“Lei de Acesso à Informação” – LAI.
Resta assentado como diretriz primeira de referida norma (LAI), a
publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção (inciso I, do art. 3º).
Some-se a esta diretriz, outras tantas, que emprestam suporte à presente tese
na construção do direito à informação no bojo das parcerias em estudo, em
sendo: i) a divulgação de informações de interesse público, independentemente
de solicitações; ii) a utilização de meios de comunicação viabilizados pela
tecnologia da informação; iii) o fomento ao desenvolvimento da cultura de
transparência na administração pública; e iv) o desenvolvimento do controle
social da administração pública552.
A informação no âmbito do marco regulatório se fará com o incentivo de
tecnologias de informação e comunicação, com o uso do sítio público na internet
das parceiras, e com o uso dos mais variados mecanismos, de modo que se dê
o maior alcance possível às informações. Assim, caso a caso, verificar-se-á qual
instrumento será o mais adequado a proporcionar o mais amplo acesso à
informação.

552 Tais diretrizes se encontram nos incisos II a V do art. 3º da LAI – Lei de Acesso à Informação.

309
A transparência, como princípio e finalidade máxima das parcerias em
estudo, deve ser percebida de forma inerente ao Estado Democrático de Direito
e um dos maiores propósitos da Administração Pública brasileira na atualidade,
de modo a construir uma relação mais próxima com seus administrados e mais,
uma nova reputação. A transparência se concretiza, segundo Martins Júnior
(2010), “pela publicidade, pela motivação, e pela participação popular nas quais
os direitos de acesso, de informação, de um devido processo legal articulam-se
como formas de atuação”553.
Há de se perceber o apelo à transparência não só como um discurso
atraente, mas como um compromisso do governo brasileiro, quando da
assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada
pelo do Decreto Presidencial n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Citada
Convenção estabelece que, “tendo em conta a necessidade de combater a
corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais
de sua legislação interna, adotará medidas que sejam necessárias para
aumentar a transparência em sua administração pública (...)”. (grifo nosso). O
compromisso do governo brasileiro com tal princípio provocou uma mudança
estrutural, com a extinção da Controladoria Geral da União, para se tornar o
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União554.
O marco regulatório tem um compromisso com a transparência,
dedicando-lhe seção própria (arts. 10 a 12) e uma infinidade de instrumentos e
diretrizes postos à disposição de gestores públicos e dirigentes das OSCs, de
modo que se estreitem seus laços e promovam conexão com os administrados.
O controle social não é nenhuma novidade no universo de transformação
da relação Administração Pública – administrados. Faz parte, na lição de Diogo
de Figueiredo Moreira Neto da própria evolução da Administração Pública, a
reconhecer o “controle pela cidadania”, concorrendo não só para a “legitimidade
corrente” da atividade da regulação (pela fiscalização que ocorre em paralelo

553 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: publicidade, motivação e


participação popular. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 40.
554 Ver histórico e normativa da alteração em: http://www.cgu.gov.br/noticias/2016/09/lei-cria-

ministerio-da-transparencia-fiscalizacao-e-controladoria-geral-da-uniao. Consulta em: Mar.


2018.

310
com a participação decisória), mas também para a “legitimidade finalística”, com
a fiscalização dos resultados555. E acrescenta:

Pode-se mesmo afirmar que será o desenvolvimento dessa atividade


de controle social, descentralizando e capilarizando a atividade
participativa cidadã, que poderá concorrer ponderavelmente para o
futuro da regulação no País, uma vez que não somente atua para a
legitimação da atuação das agências reguladoras, como para a própria
legitimação do instituto da regulação, pela maturação da oppinio
necessitas popular sobre sua eficiência, dentro do sistema da
administração pública brasileira (grifo nosso)556.

Sob esse prisma, há de se reconhecer que a lei n. 13.019/14 firma sua


contribuição para o futuro da regulação no país, servindo-se não só de uma
principiologia que deposita na gestão pública democrática seu principal baluarte,
mas também em um compromisso claro com o controle social um de seus
fundamentos, criando uma estrutura que permite a ingerência popular não só no
momento da construção das parcerias557 (art. 23) e do controle de resultados
(art. 12), como autorizará o encaminhamento de proposta para a concretização
de determinada política pública (art. 18) e a configuração da oppinio necessitas
popular.

3.1.2.1.5 Da integração e da transversalidade

O regime jurídico das parcerias também tem por objetivo, “a integração e


a transversalidade dos procedimentos, mecanismos e instâncias de participação
social” (inciso V, art. 5º). Nestes termos surge uma dinâmica que reforça toda a
lógica da cooperação estampada no marco regulatório.
A integração, a nosso ver, contida na ideia de transversalidade catapulta
a construção de redes de articulação, para troca não só de instrumentos de
participação social, mas de ideias e experiências. O marco regulatório admite o
processamento das compras e contratações que envolvam recursos financeiros

555 MOREIRA NETO, 2016, p. 120.


556 MOREIRA NETO, 2016, p. 120.
557 Ademais a Lei n. 13.019/14 não ter contemplado expressamente a possibilidade do cidadão

impugnar o procedimento do chamamento público, com impugnações e recursos às decisões e


ao edital, tal fato decorre, acima de tudo, do direito de petição constitucionalmente garantido
(alínea “a”, do inciso XXXIV, do art. 5º da CF/88).

311
provenientes de parceria por meio de sistema eletrônico disponibilizado pela
administração pública às organizações da sociedade civil, aberto ao público via
internet, que permita aos interessados formular propostas. É a inteligência do
art. 80 da Lei n. 13.019/14.
Neste regime integrativo, admite-se também o uso do Sistema de
Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF, mantido pela União, aos
demais entes federados (parágrafo único do art. 80 da Lei n. 13.019/14).
A transversalidade, que em seu sentido literal significa “linha que corta ou
atravessa outra linha ou plano”558, assinala para uma conjuntura de dialética e
efetividade. O princípio da transversalidade guarda usual correlação com as
políticas de educação, aplicada à produção e à circulação dos saberes559. Neste
aspecto, a transversalidade se apresenta como um princípio de resgate do
conhecimento em suas mais múltiplas acepções, donde se tem:

Assim, Deleuze e Guattari trabalham com o conceito de


transversalidade e a idéia de rizoma; Foucault caracterizou a
capilaridade do poder; Lefebvre, Certeau e Latour introduzem a noção
de conhecimento em rede; Boaventura de Souza Santos vem
desenvolvendo a idéia de rede de subjetividades a partir do
entendimento das redes de contextos cotidianos (...) ao que Morin
acrescenta que os conhecimentos são gerados pela complexidade
social e que, dialética e dialogicamente, geram a complexidade
social560.

Essa perspectiva também está presente na Lei n. 13.019/14 (art. 7º), na


medida que por atos de cooperação, os entes públicos se comprometem em
iniciativas para a capacitação de todos os atores que fazem ou pretendam fazer
parcerias.
Acima de tudo a transversalidade serve ao regime jurídico das parcerias
como ideal de transposição, de modo que se ultrapasse a linha perfeitamente
desenhada dos ajustes, criando redes de comunicação e troca de experiência.

558 Dicionários Porto Editora. INFOPÉDIA. Disponível em:


https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/transversal. Consulta em: Mar. 2018.
559 GALLO, Sílvio. “Transversalidade e meio ambiente”, Ciclo de Palestras sobre meio ambiente,

Programa conheça a Educação do Cibec/Inep – MEC/SEF/COEA, 2001, p. 20. Disponível em:


http://interacao2008.pbworks.com/f/transversalidade%20e%20meio%20ambiente.pdf. Consulta
em: Mar. 2018.
560 ALVES, N.; GARCIA, R. L. (Org.). O sentido da escola. 3ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.

24.

312
Sob esse olhar, tenha-se em mente o conceito de transversalidade presente no
Decreto-Lei n. 191/2009 de Portugal, que tratou de sua política de turismo e que
em seu art. 5º acentuou:

O princípio da transversalidade traduz-se na necessidade de


articulação e de envolvimento harmonizado de todas as políticas
sectoriais que influenciam o desenvolvimento turístico, nomeadamente
nos domínios da segurança e da protecção civil, do ambiente, do
ordenamento do território, dos transportes e das acessibilidades, das
comunicações, da saúde e da cultura 561.

É uma interessante perspectiva para o desenvolvimento das parcerias em


apreço que contemplam a essência de todos esses referenciais e será
especialmente abraçada pela dinâmica da atuação em rede, proposta pelo art.
35-A da norma em estudo e sobre a qual mais adiante se aprofundará.

3.1.2.1.6 Da promoção e defesa dos direitos humanos

O inciso VII do art. 5º da Lei n. 13.019/14 determina que o regime jurídico


das parcerias assegurará, “a promoção e a defesa dos direitos humanos562”.
Como muito bem pontuado por Costas Douzinas:

Os direitos adquiriram recentemente uma proeminência incomparável


na filosofia jurídica e na prática política. Após o colapso do comunismo,
os direitos humanos tornaram-se a expressão máxima da moralidade
da lei, da política governamental e das relações internacionais.
Vivemos em uma cultura dos direitos humanos. E como a nossa época

561 Disponível em: http://bdjur.almedina.net/item.php?field=item_id&value=1442988. Consulta


em: Mar. 2018.
562 Uma questão terminológica merece especial atenção, a traçar uma distinção entre as

expressões “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Lançando mão da


lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 31), nos seguintes termos: “A utilização da expressão
‘direitos do homem’, de conotação marcadamente jusnaturalista, prende-se ao fato de que se
torna necessária a demarcação precisa entre a fase que, nada obstante sua relevância para a
concepção contemporânea dos direitos fundamentais e humanos, precedeu o reconhecimento
destes pelo direito positivo interno e internacional e que, por isso, também pode ser denominada
de uma ‘pré- história’ dos direitos fundamentais”. Afirma ainda que, “a distinção entre direitos do
homem e direitos humanos (que efetivamente também podem, se assim se preferir, ser tidos
como equiparados, desde que o conteúdo que lhes é atribuído seja o mesmo) prende-se ao fato
de advogarmos a tese da possível diferenciação entre os direitos fundamentais na condição de
direitos constitucionais e sujeitos ao duplo regime da fundamentalidade formal e material e
direitos humanos como direitos positivados no plano internacional” (SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais – uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009).

313
é a época dos fins (o fim da modernidade, da ideologia, da história, da
utopia), os direitos representam a ideologia do fim 563.

Em indispensável obra sobre os direitos humanos citado autor relembra


as incursões para a construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), reforçando que “as cores ideológicas da Declaração Universal eram
evidentemente ocidentais564 e liberais”565. Assevera que, ainda que tenha havido
a tentativa de se reduzir o impacto das ideias ocidentais e assegurar alguns
postulados da democracia social, a mesma foi vista como “um amontoado de
frases devotas” e mesmo, “uma carta para Papai Noel” 566 . Ressaltou a
superioridade que foi dada aos direitos civis e políticos sobre os econômicos e
sociais, restando abandonada a tentativa de produzir uma Declaração de Direitos
inclusiva.
Norbert Rouland, em imperiosas reflexões sobre o tema, alerta para o fato
de que o ocidente não pode ser o único depositário dos direitos do homem, vez
que levantaria uma “lógica unitarista fundadora unicamente da modernidade
ocidental”, na qual “os direitos do homem seriam apenas um cavalo de Tróia” 567.
Ainda assim, pondera:

Cumprirá então denegar todo valor às declarações dos direitos do


homem? Deixemos de nos fechar em falsos dilemas. Pois as
declarações têm uma história. No final do século XVIII, elas visam fazer
os direitos do indivíduo prevalecerem sobre os grupos estatutários.
Vem em seguida uma segunda geração, dita dos direitos sociais e
econômicos, gerada pela luta de certos grupos (movimentos operários
a partir do século XIX) e povos (descolonização no século XX). Hoje é
o tempo da terceira, os direitos de solidariedade que concernem a
todos os povos e ao conjunto da humanidade (direito ao
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação etc).
Portanto, temos de repensar a dialética dos direitos do homem, não
mais a partir das relações entre o indivíduo e o Estado, mas daquelas
mantidas pelo conjunto dos povos que forma a humanidade. Atitude
que possui três vantagens. Fica-se mais próximo da realidade: o
homem não é em nenhum lugar um indivíduo isolado, sempre pertence,

563 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução de Luzia Araújo. São Leopoldo:
Unisinos, 2009, p. 253.
564 Como pontuado por Latouche (1989, p. 113): “O ocidente só encanta o mundo pela técnica e

pelo bem-estar. Não é pouco, mas não é o bastante” (LATOUCHE, S. L’occidentalisation du


monde. Paris: La Découverte, 1989).
565 DOUZINAS, 2009, p. 134.
566 DOUZINAS, 2009, p. 135.
567 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: antropologia jurídica da modernidade. Tradução

de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 266.

314
em graus diversos, a um conjunto de grupos cuja articulação forma um
povo. Acrescem-se aos direitos deveres, que lhes são o corolário
obrigatório: situado numa hierarquia (nem todas são injustas...), o
homem é investido de responsabilidades, as quais deve levar em
conta. Devolvendo às culturas não ocidentais um direito à palavra nos
discursos dos direitos do homem, compreende-se melhor sua
mensagem, mas também a do Ocidente (grifamos)568.

Falar em promoção dos direitos humanos no bojo das parcerias em estudo


é ter uma visão sistemática da norma. É reconhecer naquelas, a terceira
dimensão acima apontada por Rouland, firmadas nos ideais de solidariedade que
devem alimentar não só as pretensões, mas também as ações dos atores nelas
envolvidos.
Há de se reconhecer o papel das OSCs como indissociável desta
dinâmica, vez que atuam como espaço de resgate, de reconfiguração da
realidade e de utilidade, de modo que se venha perceber a noção de direitos
humanos (em consonância com o rol de direitos fundamentais abraçado por
nosso texto constitucional), da maneira mais próxima possível dos cidadãos.
Ademais todas as generalidades, como bem afirma Rouland, “os direitos
do homem ou o caos”569, há de reconhecer:

(...) as sociedades de todos os quadrantes, sem importar qual a cultura


e qual o grau de desenvolvimento atingido, sentem ingente
necessidade das âncoras de certeza proporcionadas pelos direitos
humanos e anseiam por um Estado de Segurança habermasiano para
protegê-las. E mais: nessa Era das Comunicações, o efeito
demonstração é muito poderoso e só pelo fato de existirem e
proliferarem as declarações de direitos humanos pelo planeta,
desenvolve-se e robustece-se a consciência de que eles são
inderrogáveis e invioláveis pelos governos570.

Note-se a seriedade e a profundidade teleológica do marco regulatório


objeto desta tese. A norma em apreço tem um compromisso muito maior do que
com que um modelo transparente e probo. As parcerias em estudo são fonte de
uma nova reconfiguração das contratações com o poder público e instrumento
cheio de promessas de desenvolvimento, participação e inclusão. Isso é
novidade pela clareza com que tais fundamentos e finalidades se encontram

568 ROULAND, 2008, p. 269-270.


569 ROULAND, 2008, p. 270.
570 MOREIRA NETO, 2016, p. 156.

315
expostos no texto da norma e junto das diretrizes do regime jurídico que serão
analisadas na sequência, formam a nosso ver, o grande trunfo do modelo em
estudo.

3.1.2.2 As diretrizes do marco regulatório

São, segundo disciplinado pelo art. 6º da Lei n. 13.019/14, as diretrizes


fundamentais do regime jurídico de parceria:

I - a promoção, o fortalecimento institucional, a capacitação e o


incentivo à organização da sociedade civil para a cooperação com o
poder público;
II - a priorização do controle de resultados;
III - o incentivo ao uso de recursos atualizados de tecnologias de
informação e comunicação;
IV - o fortalecimento das ações de cooperação institucional entre os
entes federados nas relações com as organizações da sociedade civil;
V - o estabelecimento de mecanismos que ampliem a gestão de
informação, transparência e publicidade;
VI - a ação integrada, complementar e descentralizada, de recursos e
ações, entre os entes da Federação, evitando sobreposição de
iniciativas e fragmentação de recursos;
VII - a sensibilização, a capacitação, o aprofundamento e o
aperfeiçoamento do trabalho de gestores públicos, na implementação
de atividades e projetos de interesse público e relevância social com
organizações da sociedade civil;
VIII - a adoção de práticas de gestão administrativa necessárias e
suficientes para coibir a obtenção, individual ou coletiva, de benefícios
ou vantagens indevidos;
IX - a promoção de soluções derivadas da aplicação de
conhecimentos, da ciência e tecnologia e da inovação para atender
necessidades e demandas de maior qualidade de vida da população
em situação de desigualdade social.

As diretrizes postas no artigo acima transladado dá o tom da regulação


em estudo e apresenta seus pilares essenciais. Os nove incisos em apreço
combinados aos princípios presentes no caput do art. 5º e nos objetivos
abraçados por seus incisos, sinalizam para o real propósito das parcerias
desenhadas pela Lei n. 13.019/14. Como tem-se insistido, o marco regulatório
objeto desta tese deve ser visto não só como uma proposta moralizadora na
construção de uma gestão pública democrática, mas sim uma direção, um
projeto maior.

316
Há de se dar crédito ao movimento de construção da norma, surgida da
iniciativa de entidades sem fins lucrativos unidas na Plataforma por um Novo
Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil.
As diretrizes do modelo em foco giram em torno de quatro núcleos: a
participação social, a cooperação, a efetividade e a construção de uma igualdade
substantiva.
A despeito da participação social, tenha-se em mente o disposto no inciso
I do art. 6º, reforçando um dos grandes baluartes do marco regulatório a despeito
do fortalecimento da sociedade civil, o que se fará com iniciativas para o
fortalecimento institucional das OSCs, a depender de ações educativas e a
compreensão dos mecanismos que se encontram à disposição para a
articulação junto ao poder público.
A cooperação presente não só como motivação no inciso I do art. 6º, serve
como mote para os incisos IV e IV do artigo em referência. Resta mais uma vez
assentada, a contínua necessidade de fortalecimento das ações de cooperação
institucional entre os entes federados nas relações com as organizações da
sociedade civil. Isso se fará não só com a capacitação de todos os atores
envolvidos nesta relação, mas especialmente, por meio de uma ação integrada,
na qual, União, Estados, Distrito Federal e Municípios agirão de forma
complementar e descentralizada, não só com recursos, mas também com ações
devidamente articuladas, de modo que não haja sobreposição de iniciativas nem
fragmentação de recursos.
O terceiro núcleo de diretrizes opostas no art. 6º do marco regulatório se
assenta sob a bandeira da efetividade. Tendo-se a efetividade, como já visto,
como “a atuação prática da norma”571. Quando o inciso II do art. 6º fala em
“priorização do controle de resultados”, busca-se, objetivamente, que se
experimente na realidade das parcerias, ações concretas, palpáveis. Não à toa,
essa é a principal motivação na elaboração dos planos de trabalho. O incentivo
ao uso de tecnologias de informação e comunicação, presente no inciso III do
art. 6º, também serve à efetividade, na medida que a publicidade dos atos e

571 BARROSO; BARCELLOS, 2003, p. 166.

317
procedimentos se fará com base nessas plataformas, que devem estar o mais
atualizadas possível.
O inciso III do art. 6º encontra complemento no inciso V, que incentiva o
estabelecimento de mecanismos que venham ampliar a gestão da informação,
o que se correlaciona com a publicidade, gerando mais transparência. Os
incisos VII e VIII do art. 6º também dizem respeito ao núcleo da efetividade. O
inciso VII, nitidamente correlacionado ao art. 7º da Lei n. 13.019/14, reforça a
necessidade de ações educativas, com a correta capacitação, entenda-se,
sensibilização e aperfeiçoamento dos gestores públicos. O inciso VII do art. 6º
traz consigo uma das grandes lições para o poder público parceiro. O
reconhecimento de que o mesmo tem de se planejar melhor e nisto está
compreendida a capacitação de seus agentes.
O inciso VIII, do art. 6º, coaduna-se com o disposto pelo art. 15 do marco
regulatório e reconhece, no caminho da construção da efetividade, a adoção “de
práticas de gestão administrativa necessárias e suficientes para coibir a
obtenção, individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens indevidos”. A
criação do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (art. 15), que tem por
propósito a divulgação de “boas práticas” nas relações de fomento e colaboração
encampa essa diretriz. Entenda-se por “boas práticas”, uma clara menção ao um
modelo de gestão que prega a transparência e a responsabilização dos atores
envolvidos nas parcerias. O inciso VIII do art. 6º reforça, portanto, a premente
necessidade de construção não só de uma mentalidade proba, mas de
mecanismos capazes de coibir desvios de finalidade e atos de improbidade. Tal
projeto está presente ao longo de todo o caminho de construção das parcerias,
com as sanções e restrições experimentadas pelos agentes parceiros.
Por fim, sob o núcleo da construção de uma igualdade substantiva tenha-
se em mente o peso da diretriz contida no inciso IX, do art. 6º, acendendo a
importância da ciência e tecnologia sob o aspecto da inovação. O inciso em
apreço, um dos poucos que não foi modificado pela Lei n.13.204/15 inova no
sentido de antecipar mudança que o texto constitucional veio a sofrer, por meio
da Emenda Constitucional n. 85/15, que alterou o capítulo referente à “Ciência e
Tecnologia”, para “Ciência, Tecnologia e Inovação”.

318
O uso da ciência, tecnologia e inovação no bojo da Lei n. 13.019/14 tem
um projeto muito maior: o de promover soluções que venham proporcionar mais
qualidade de vida para a população em situação de desigualdade social.
Percebe-se neste tópico a inovação no sentido de que o modelo
regulatório presente na Lei n. 13.019/14 apresenta um rol de justificativas para a
construção das parcerias em estudo. Que reste claro aos atores e agentes
envolvidos nesta dinâmica contratual, os reais propósitos que a motivam e neste
ponto, as diretrizes em foco, são sua grande promessa.

3.1.2.3 Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMIS)

O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)572 não é nenhuma


novidade no universo do Direito Público. Deu-lhe vida, segundo pontua a melhor
doutrina573, o art. 21 da Lei n. 8.987/1995, a conhecida “Lei das Concessões”.
Citado expediente ganha ainda mais força com o advento da norma apelidada
de “Lei das Parcerias Público-Privadas”, a Lei n. 11.079/2004 (art. 3º) e “corpo”
definitivo com o Decreto n. 8.428/15, que veio dispor, conforme sua ementa,
“sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse a ser observado na
apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa
física ou jurídica de direito privado, a serem utilizados pela administração
pública”.
Segundo lição de Gustavo Schiefler, o PMI é "instrumento voluntário e
consensual de compartilhamento, confronto e alinhamento de interesse entre a
Administração Pública e os particulares em etapa preliminar à licitação
pública"574. Pode-se notar, portanto, que o Procedimento de Manifestação de
Interesse é um retrato da Administração Pública colaborativa e coaduna-se com
o que temos dito acerca do reconhecimento de uma Administração

572 Atente-se para a nomenclatura também utilizada neste universo e, muitas vezes, utilizadas
como sinônimos das “Propostas Não Solicitadas (PNS)”, fruto da experiência internacional das
“unsolicited proposals”, “unsolicited bids” (GUERRA, 2014, p. 216).
573 SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 21.


574 SCHIEFLER, 2014, p. 35.

319
consensual 575 , que possui uma postura dialógica. Oportuniza-se com
instrumentos como o PMI, a aproximação entre administração e administrados,
apresentando-se como ocasião em que ambos trocam ideias, discutem sobre o
que é mais conveniente, proveitoso e útil para determinado projeto576.
O PMI é uma verdadeira aposta na evolução estatal rumo a uma postura
mais organizativa, funcional e democrática. É o que Rosario Ferrara denominou
de “administração concertada” 577 , em sendo, “os novos modelos da ação
administrativa, ou seja, aqueles módulos organizativos e funcionais
caracterizados por uma atividade ‘consensual’ e ‘negocial’”. Tal modelo, como
adverte Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em pouco tempo passou a ser
empregado não só no dia a dia da Administração Pública, mas, principalmente,
“para o desenvolvimento de projetos conjuntos entre a iniciativa privada e as
entidades administrativas públicas e até para a solução de conflitos”578. Percebe-
se claramente, nestes moldes, na opção da Lei n. 13.019/14 em se fazer menção
a um “Procedimento de Manifestação de Interesse Social”, que o Poder Público
com essa consensualidade pretende muito mais do que “estimular a prática de
condutas privadas de interesse público, passando a estimular a criação de
soluções privadas de interesse público, concorrendo para enriquecer seus
modos e formas de atendimento”579.
Foram muitas as apostas no PMI como importante referencial na
construção de uma nova dinâmica relacional entre Administração e
administrados. Com o tempo, o mesmo foi mostrando seus pontos fracos, tais
como: conflito de interesses, informação assimétrica, eficiência alocativa e
captura regulatória.

575 Segundo auspiciosa lição de Patrícia Baptista (2003, p. 272), o “consenso quer dizer acordo,
concordância de opiniões, harmonização. Por Administração consensual, assim, entende-se
aquela que vai pautar a sua atuação na busca do consenso e da harmonia com a sociedade,
como alternativa às imposições unilaterais que marcavam o Direito Administrativo clássico. A
ideia de consensualidade engloba, ainda, a de conjugação de esforços, de laboração comum,
na realização de tarefas públicas, sentido que mais se aproxima de concerto” (destaca-se). Nota-
se, especialmente no trecho em destaque, como o PMI se apresenta, muitas vezes, como o
exemplo ideal de instituto que representa o consenso, havendo apostas em sua real capacidade
de realização.
576 SCHIEFLER, 2014, p. 35.
577 FERRARA, Rosario. Gli Accordi di Programa. Milão: Cedam, 1993, p. 3.
578 MOREIRA NETO, 2016, p. 178.
579 MOREIRA NETO, 2016, p. 191.

320
Como o PMI sustenta um modelo de colaboração, estabelecido, em,
princípio, em uma base não contratual, na qual um particular provê insumos de
ordem técnica, econômico-financeira e jurídica à Administração (que servirão
como base ao procedimento licitatório), facilitando a elaboração de um projeto
que poderá (ou não) vir a assumir por via de concessão ou Parcerias Público-
Privadas, abre-se espaço para uma potencial “captura” dos agentes privados
nesta interação com o Estado. A “captura”, conceito essencialmente econômico
e objetivamente delineado por Posner, consiste na manobra da autoridade
pública das dimensões fundamentais da atividade regulatória (normatização,
fiscalização e sancionamento), de modo a conceder privilégios a determinados
grupos 580 . No universo do PMI configura-se também, a problemática das
informações assimétricas, vez que o particular que tenha participado da
construção do PMI, terá acesso a informações relevantes, o que leva ao conflito
de interesses e a descrença de outros possíveis interessados, na participação
do processo licitatório respectivo581. Assenta-se nesses pontos a desconfiança
em tal instituto.
Nessas poucas linhas iniciais nota-se o espírito do instituto em apreço e,
ademais pairar sobre o mesmo certa desconfiança, serve de clara inspiração
para a Lei n. 13.019/14, especialmente, em sua lógica colaborativa, dedicando
ao “Procedimento de Manifestação de Interesse Social” - PMIS, a Seção VI de
seu capítulo II, donde se tem:

Art. 18. É instituído o Procedimento de Manifestação de Interesse


Social como instrumento por meio do qual as organizações da
sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos poderão apresentar
propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de
realização de um chamamento público objetivando a celebração de
parceria.

580 POSNER, Richard A., Theories of Economic Regulation. The Bell Journal of Economics and
Management Science, Vol. 5, No. 2. (Autumn, 1974), pp. 335-358. Disponível em:
http://links.jstor.org/sici?sici=0005-
8556%28197423%295%3A2%3C335%3ATOER%3E2.0.CO%3B2-A. Consulta em: Fev. 2018.
581 Ver BELSITO, Bruno Gazzaneo. O Procedimento de Manifestação de Interesse/PMI na

estruturação de contratos de concessão: Exame crítico e propostas de aperfeiçoamento do


instrumento no Direito brasileiro. Dissertação de Mestrado. Centro de Ciências Sociais.
Faculdade de Direito. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 2015. Disponível em:
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/7581/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Bruno%
20Gazzaneo%20Belsito.pdf. Consulta em: Fev. 2018.

321
Há de se reconhecer uma outra proposta do Procedimento de
Manifestação de Interesse Social abraçado pelo marco regulatório. Há nele, de
fato, uma peso mais social do que econômico. Há embutido ali, a promessa de
que o PMIS não seja exclusivamente um palco para construção de informações
privilegiadas e de captura regulatória de algumas OSCs, mas tem potencial para
se apresentar como um via de participação e diálogo entre o poder público, os
movimentos sociais e, melhor, com os cidadãos. Essa perspectiva tem muito a
ver com o disposto pelo § 1º do art. 75 do Decreto Federal n. 8.726/16, donde se
absorve: “O Pmis tem por objetivo permitir a oitiva da sociedade sobre ações de
interesse público e recíproco que não coincidam com projetos ou atividades que
sejam objeto de chamamento público ou parceria em curso no âmbito do órgão
ou da entidade da administração pública federal responsável pela política
pública” (destaca-se).
Não é tarefa fácil, como tem-se insistido, a análise das escolhas
terminológicas trazidas pela Lei n. 13.019/14. Quando o art. 18 582 fala em
“movimentos sociais” e “cidadãos”, fala-se em um universo de significados e um
tortuoso caminho conceitual. Não se tem a intenção de se aprofundar
indefinitamente nestas questões, mas é preciso, pela missão e por todo o peso
principiológico do marco regulatório, dar-lhes o conceito mais alargado possível.
Daí que não se pode entender a legitimidade para apresentação de proposta ao
PMIS apenas ao “cidadão” sob a percepção jurídica, em sendo aquele que esteja
no pleno gozo de seus direitos políticos – capacidade de votar e ser votado (art.
14 CF/88). A noção clássica de cidadão também está atrelada à ideia de
nacionalidade, excluindo os “não-cidadãos” dos direitos da cidadania,
“constituindo fator de desigualdade em relação a estrangeiros”583.
Conforme alerta Liszt Vieira, a “dissociação entre nacionalidade e
cidadania confere a esta última uma dimensão puramente jurídica e política,
afastando-se da dimensão cultural existente em cada nação. A cidadania

582 Como não poderia deixar de ser, o art. 18 do marco regulatório admite que as Organizações
da Sociedade Civil apresentem proposta de abertura de PMIS. Rememore-se que a Lei n.
13.019/14 traz em seu art. 2º, inciso I, o que deva se entender por tais entes.
583 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro:

Record, 2001, p. 240.

322
passaria a ter uma proteção transnacional, como os direitos humanos. Por esta
concepção, seria possível pertencer a uma comunidade política e nela ter
participação, independentemente de ser ou não nacional”584. Com bases nestes
traços o autor mergulha na construção da perspectiva de uma cidadania global,
não como aspiração ideal, mas como propósito firme na “noção de
sustentabilidade, fundada na solidariedade, na diversidade, na democracia e nos
direitos humanos, em escala planetária”585.
Acredita-se, por tudo o que se tem visto em termos de sua construção
teleológica e de suas diretrizes, ser essa a perspectiva que a Lei n. 13.019/14
abraça.
Daí ter-se por referência o conceito mais alargado possível de cidadão,
como o proposto pelo sítio público do Governo Federal, donde se lê: “Cidadão é
aquele que se identifica culturalmente como parte de um território, usufrui dos
direitos e cumpre os deveres estabelecidos em lei. Ou seja, exercer a cidadania
é ter consciência de suas obrigações e lutar para que o que é justo e correto seja
colocado em prática” (Grifo nosso)586.
Interessante observar como tal questão se delineia na prática das
parcerias. O Município de Monte Aprazível, no Estado de São Paulo, no sítio
público “Portal MROSC”, disponibiliza formulário especial para a apresentação
de proposta a desencadear o PMIS. No item “Tipo de Pessoa”, existe a opção
“pessoa física” ou “pessoa jurídica”, não havendo necessidade de menção ou
apresentação de nenhum documento afeto à nacionalidade do proponente ou de
sua condição de eleitor 587 . É como, acredita-se, devem os entes públicos
proceder, ante o peso dos princípios e diretrizes que regem o modelo de
regulação proposto pela Lei n. 13.019/14.
Outro dos legitimados a apresentação de proposta de abertura de PMIS
são os “movimentos sociais”. Dizer o que se entende por “movimentos sociais”
também não é das tarefas mais fáceis, mas merece enfrentamento vez que

584 VIEIRA, 2001, p. 239.


585 VIEIRA, 2001, p. 253.
586 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2010/01/direitos-e-deveres.
Consulta em: Fev. 2018.
587 Formulário disponível em: http://sisamo.com.br/mrosc/sp/monte-aprazivel/pmis/. Consulta

em: Mar. 2018.

323
impacta não só a real aplicação do PMIS, mas também diz respeito a noção de
“rede” a ser tratada mais adiante.
Celso Fernandes Campilongo, nos moldes do que também acontece com
as definições e contextualizações do tema “sociedade civil”, atenta para a
dificuldade de se ter uma definição unívoca para o conceito de “movimentos
sociais”, apontando, por sua vez, um elenco dos elementos mais usuais nas
definições disponíveis. Destaca dez deles: 1) na origem dos movimentos sociais
sempre estariam conflitos que contrapõem formas de utilização de recursos
sociais escassos, sejam econômicos, valorativos ou simbólicos; 2)
Discriminações e desigualdades censitárias estão na raiz de movimentos
sociais; 3) Os movimentos sociais protestam contra os modos de organização e
produção das decisões que lhes afetam e contra a falta de decisões; 4)
Organizações formais e sistemas parciais tornam-se alvos de protestos dos
movimentos sociais; 5) Os movimentos sociais são produzidos e produtores da
elevada variabilidade (mudanças tecnológicas, econômicas, ambientais,
comportamentais, na estrutura de poderes) presente na sociedade moderna; 6)
Alternativas rejeitadas são matéria prima para protesto; 7) os movimentos sociais
desenvolvem autonomia não institucionalizada em relação aos sistemas
parciais; 8) Os movimentos sociais não são “atores” políticos convencionais; 9)
os movimentos sociais não possuem unidade de fins, coesão interna e
uniformidade de ação; 10) Os movimentos sociais exigem um grau de liberdade
e de informalidade que contrasta com os códigos binários e a especialização
funcional dos sistemas parciais.588
As entidades do Terceiro Setor, umas mais outras menos, reconhecem-
se na lógica acima pontuada. Colocam-se como alternativa ao sistema posto,
como apaziguadoras de conflitos e realizadoras de uma agenda paralela, que
abarca a pluralidade, as diferenças, o que é “desimportante” para os donos do
poder, o que usualmente se encontra à margem do sistema. O fato de se
institucionalizarem, de buscarem qualificações jurídicas não apagaria sua
autonomia, seu “conhecimento de causa”, sua força mobilizadora das estruturas.

588CAMPILONGO, Celso Fernandes. Interpretação do Direito e Movimentos Sociais. Rio de


Janeiro: Editora Elsevier, 2012, pp. 13-17.

324
Captar recursos, burocratizar-se nas parcerias junto ao poder público, articular-
se junto ao mercado e outras formas tradicionais de interação social (partidos,
sindicatos, igrejas), compactuar com outras agendas que não são suas agendas
primárias, não comprometeriam a lógica de lutas, de protesto, de alternatividade
que as teriam formado. Ao que tudo indica, não é essa a perspectiva da Lei n.
13.019/14. De todo modo, essas “distorções” teriam provocado o
desenvolvimento de teorias que chamam atenção para os “Novos Movimentos
Sociais - NMS”.
Os teóricos desses novos movimentos sociais partem exatamente de um
diagnóstico sobre as transformações da sociedade moderna, o surgimento de
novas formas de conflito e mesmo, novas formas de interlocução. Parte-se do
reconhecimento da mudança de rumo da sociedade capitalista, afastando-se os
novos movimentos da política institucional de partidos e dos sistemas
tradicionais de representação. Segundo Campilongo, as preocupações desses
novos movimentos sociais são “inegociáveis”, não tendo de dar nada em troca e
não tendo “como fazer concessões sem negar a si próprios”589.
Ilse Scherer-Warren, ao falar dos “novos movimentos sociais”, reflete:
“‘novos’ em relação a que? Ou mais precisamente: este caráter novo dos
movimentos sociais estabelece-se a partir de uma delimitação temporal-histórica
ou territorial?” Com tais questionamentos a autora chama atenção para a
necessidade de se buscar as particularidades desses novos movimentos,
especialmente segundo a realidade brasileira, confrontando a tendência de se
internacionalizar essa discussão. Warren alerta para o fato de que os “novos”
movimentos sociais vem construindo “uma nova cultura política de base”,
contraposta aos “movimentos sociais tradicionais” que, no contexto da sociedade
industrial, traziam em seu cerne o projeto de uma sociedade sem classe 590. É,
segundo a autora, exatamente o “fato ‘cultural’” 591592 que dá a forma da

589 CAMPILONGO, 2012, p. 29.


590 SCHERER-WARREN, Ilse. “O caráter dos novos movimentos sociais”. In: SCHERER-
WARREN, Ilse; KRISCHKE, Paulo. J. (Orgs.). Uma Revolução no Cotidiano? Os novos
movimentos sociais na América do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 36.
591 SCHERER-WARREN, 1987, p. 40.
592 Segundo Scherer-Warren (1987: 50), esta cultura se constrói a partir da identidade em torno

dos seguintes aspectos: 1) reação às formas autoritárias e de repressão política; 2) reação às

325
organização dos movimentos, onde está a identidade dos novos movimentos
sociais. A regulação proposta pela Lei n. 13.019/14 parece se alimentar deste
espectro.
Hartmut Kärner reconhece a força decisiva no cenário social
contemporâneo dos novos movimentos sociais, surgindo, de forma ascendente,
para além dos partidos tradicionais de esquerda, organizando-se “em frentes
populares e organizações de base, comitês de defesa dos cidadãos e
associações de vizinhos, que funcionam conjuntamente, ou de modo totalmente
independente” 593 . Percebe-se, nessas bases, a clara posição dos “novos
movimentos sociais”, como instrumentos de interlocução, de verdadeiras
“pontes” entre as mais diferentes demandas e na construção de novas bases
sociais. Os desdobramentos desta evolução serão tratados quando da reflexão
da “atuação em rede” no bojo das parcerias em estudo.
Neste momento, feitas essas considerações acerca dos legitimados para
apresentação de propostas para instituição do PMIS, parece ficar claro que, ao
menos para o modelo de regulação traçado pela Lei n. 13.019/14, não se tratam
como sinônimos as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais,
representando o art. 18 em foco, a percepção mais alargada possível do que se
venha a entender por “movimentos sociais”.
Ainda a despeito do art. 18 do marco regulatório, resta assentada a
competência do “poder público”, entenda-se “Administração Pública”, em ato
discricionário 594 , para a avaliação das propostas apresentadas pelas OSC,

formas centralizadoras do poder, defendendo autonomias locais e; 3) reação ao caráter


excludente do modelo econômico adotado no Brasil.
593 KÄRNEN, Hartmut. “Movimentos sociais: uma revolução no cotidiano”. In: SCHERER-

WARREN, Ilse; KRISCHKE, Paulo. J. (Orgs). Uma revolução no cotidiano? Os novos


movimentos sociais na América do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 19.
594 A despeito desta discricionariedade adverte José dos Santos Carvalho Filho (2017): “Não há

dúvida, portanto, que a instauração do procedimento depende de avaliação discricionária da


Administração, e isso significa que esta não tem a obrigação de deflagrar o processo, se não
estiverem presentes os fatores de conveniência e oportunidade. Como bem registra Lucia Valle
Figueiredo, a discricionariedade ocorre ‘quando o critério da decisão deixa de ser jurídico para
converter-se em político’, e isso é o que a lei assinala na hipótese, o que se confirma pelo fato
de que o administrador consultará apenas a política pública a que se refere a proposta, para
então decidir se instaura, ou não, o processo”. O Decreto Federal n. 8.726/15 em expediente
digno de nota, apresenta em seu art. 77, ao longo de seus quatro incisos, as etapas da avaliação
da proposta de instauração de PMIS deverá considerar. Vê-se que citado Decreto dá a exata
medida da discricionariedade em tela.

326
movimentos sociais ou cidadãos, refletindo-se acerca da possibilidade de
realização do respectivo chamamento público, de modo a ser celebrada a
designada parceria.
Refletindo sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho assevera que o
PMIS pode ser caracterizado sob duas vertentes: “Sob o aspecto material,
representa a manifestação de vontade da sociedade civil expressa pela proposta
apresentada à Administração. Retrata uma sugestão ao poder público para o
desempenho de certa atividade de interesse público e despida de fins lucrativos.
Sob o aspecto formal, o instrumento decorre da instauração de processo
administrativo no qual estarão acostadas todas as peças pertinentes à sua
finalidade, como a proposta da entidade ou do cidadão, a manifestação de
órgãos administrativos e sua avaliação sobre a conveniência e a oportunidade
da parceria, a decisão final da Administração sobre a proposta e, enfim, todos
os dados que tenham pertinência com o objetivo do instrumento” (grifos do
original)595.
Concordamos com citado autor, mas não se pode deixar de considerar
que o PMIS deve representar muito mais em termos estruturais, especialmente
em termos de evolução estatal, bem como na percepção de uma abordagem
multicêntrica na construção e definição de políticas públicas. Há de se perceber
na construção do Procedimento de Manifestação de Interesse Social uma nova
categorização das políticas públicas, não só no campo da Ciência Política, mas
também no Direito.
Assim, como já tivemos oportunidade de pontuar, assinalando as lições
de Leonardo Secchi, a perspectiva multicêntrica de política pública adota um
enfoque mais interpretativo e menos positivista, significando com isso dizer que
a vontade de se enfrentar um problema público aflora naqueles atores políticos
envolvidos com o tema, o que abarca os cidadãos em geral596. Por sua vez, uma
nova categorização jurídica das políticas públicas, significa ver nas mesmas um
“complexo de processos que partem da formulação de atividades coerentes

595 CARVALHO FILHO, José dos Santos. “O procedimento de manifestação de interesse social”.
GEN Jurídico. São Paulo, Janeiro 2017, disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/01/16/o-
procedimento-de-manifestacao-de-interesse-social/. Consulta em: Mar. 2018.
596 SECCHI, 2013, p. 04.

327
finalisticamente vinculadas, passam pelo planejamento, orçamentação e
chegam à execução dos cometimentos administrativos postos
constitucionalmente a cargo do Estado”597.
A nosso ver, o PMIS no corpo da regulação proposta pela Lei n. 13.019/14
representa um salto qualitativo nesta dinâmica, havendo a possibilidade de
realização de um verdadeiro controle social logo no ciclo inicial de formação das
políticas públicas, construindo-se propostas que apresentam um retrato
específico das realidades a serem modificadas, aprimoradas ou desenvolvidas.
Essa conclusão parte da percepção acerca da necessidade de se construir um
criterioso planejamento democrático, de modo a se recobrar a segurança no
futuro, o que exige conforme lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2016),
em um cenário de formulação aberta de políticas públicas, formado por institutos
jurídicos específicos que privilegiem a “prospecção e o controle social,
permitindo-se que “se ponha em marcha um instrumento cívico autorregulatório
das relações altamente instáveis”598. O marco regulatório parece apostar nisso
e aponta as diretivas no seu art. 19, estatuindo os requisitos de
admissibilidade599 do PMIS, em sendo:

Art. 19. A proposta a ser encaminhada à administração pública deverá


atender aos seguintes requisitos:
I - identificação do subscritor da proposta;
II - indicação do interesse público envolvido;
III - diagnóstico da realidade que se quer modificar, aprimorar ou
desenvolver e, quando possível, indicação da viabilidade, dos custos,
dos benefícios e dos prazos de execução da ação pretendida.

A Lei n. 13.019/14 não admite que a proposta que dá o pontapé inicial no


Procedimento de Manifestação de Interesse Social seja anônima, devendo haver
a devida identificação do subscritor da proposta (inciso I, art. 19). O Decreto
Federal n.8.726/16 que regulamentou o marco regulatório a nível federal trouxe
interessante expediente no caput de seu art. 76, que se apresenta como

597 MOREIRA NETO, 2016, p. 92.


598 MOREIRA NETO, 2016, p. 83.
599 O inciso I do art. 77 do Decreto Federal n. 8.726 reconhece a análise de tais requisitos como

uma etapa A avaliação da proposta de instauração de Pmis observará, no mínimo, as


seguintes etapas:
I - análise de admissibilidade da proposta, com base nos requisitos previstos no art. 76;

328
elemento facilitador na procedimentalização da proposta, especificando: “A
administração pública federal disponibilizará modelo de formulário para que as
organizações da sociedade civil, os movimentos sociais e os cidadãos possam
apresentar proposta de abertura de Pmis, que deverá atender aos seguintes
requisitos(...)” (grifo nosso)600.
Outro requisito que deverá estar contido na proposta é a indicação do
interesse público envolvido, o que confere pertinência ao objeto proposto, dando-
lhe o peso de política pública. O inciso III do art. 19 da Lei n. 13.019/14 tem
interessante redação, no sentido de incentivar a participação e não burocratizá-
la, tornando-a inviável. Exige-se o “diagnóstico da realidade que se quer
modificar, aprimorar ou desenvolver”, o que se fará por meio da metodologia que
estiver ao alcance do proponente, não sendo indispensável, a indicação da
viabilidade, dos custos, dos benefícios e dos prazos de execução da ação
pretendida, o que certamente exigirá um nível de expertise muito mais elevado.
Uma vez recebida a proposta nos termos do art. 19 acima transladado, a
Administração Pública dará publicidade da proposta em seu sítio eletrônico e
feita a análise de mérito do ato, verificando sua conveniência e oportunidade,
instaurará o PMIS dando à sociedade oportunidade de se manifestar sobre o
tema. É a redação do art. 20 da Lei n.13.019/14. Seu parágrafo único determina
que os prazos e regras procedimentais do PMIS serão regulamentados por cada
ente federado, no exercício de sua competência legislativa.
Nestes termos, o Decreto Federal n. 8.726/16 determinou, no §2º do seu
art. 76 que caberá aos órgãos e as entidades da administração pública federal
estabelecerem período para o recebimento de propostas que visem à
instauração de Pmis, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias por
ano. O Decreto Estadual do Paraná, opta por um prazo geral de 30 dias para a
realização das etapas e procedimentos afetos ao PMIS 601 O Decreto do

600 Neste sentido, aponta-se a iniciativa do Município de Monte Aprazível, Estado de São Paulo,
em seu “Portal MROSC”, no qual se encontra disponível Formulário para preenchimento de
proposta (PMIS), com espaço apropriado para se anexar documentos e itens pontuais que fazem
expressa menção aos incisos do art. 19 da Lei n. 13.019/14. Disponível em:
http://sisamo.com.br/mrosc/sp/monte-aprazivel/pmis/. Consulta em : Mar. 2018.
601 Decreto Estadual do Paraná n. 3.513/16 – “Art. 6.º As organizações da sociedade civil, os

movimentos sociais e os cidadãos poderão apresentar aos órgãos ou entidades públicas do


Estado do Paraná manifestação de interesse social, para que haja parceria de consecução de

329
Município do Rio de Janeiro (n. 42.696/16), em seu art. 65, determina o PMIS
terá regulamentação em ato normativo próprio, o que ainda não aconteceu.
Por fim, reflita-se acerca do disposto pelo art. 21 da Lei n. 13.019/14 que
fecha a seção que trata do PMIS. No caput de citado artigo encontra-se, mais
uma vez presente, a discricionariedade da Administração Pública, no sentido de
que o processamento do PMIS, não significará, necessariamente a execução do
chamamento público. Há neste ponto uma segunda avaliação discricionária
sobre a conveniência da celebração da parceria602.
O § 1º do art. 21 do marco regulatório, por sua vez, apresenta o
contraponto. Como visto, a Administração Pública não se encontra obrigada,
uma vez realizado o Procedimento de Manifestação de Interesse Social à
execução do chamamento público. O parágrafo em referência aduz, na mesma
medida que, a realização do PMIS não dispensa a convocação por meio de
chamamento público para a celebração de parceria.
O § 2º do art. 21, reforça, nos moldes do que acontece no Procedimento
de Manifestação de Interesse analisado nas linhas iniciais deste tópico, a
possibilidade de que a OSC proponente da abertura do PMIS possa participar

finalidades de interesse público, a partir de diagnóstico da realidade que se quer modificar,


aprimorar ou desenvolver.
§ 1.º O órgão ou entidade pública estadual divulgará a manifestação de interesse social em seu
sítio oficial na internet, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de seu recebimento, após
verificar o cumprimento dos seguintes requisitos:
I - identificação do subscritor da proposta;
II - indicação do interesse público envolvido;
III - diagnóstico da realidade que se quer modificar, aprimorar ou desenvolver e, quando possível,
indicação da viabilidade, dos custos, dos benefícios e dos prazos de execução da ação
pretendida.
§ 2.º A administração pública do Estado do Paraná terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável,
findo o prazo de que trata o § 1º para avaliar a conveniência e a oportunidade de realização do
procedimento de manifestação de interesse social.
§ 3.º Na hipótese de a administração pública do Estado do Paraná instaurar o procedimento de
manifestação de interesse social, abrirá oitiva da sociedade sobre o tema, disponibilizando em
seu sítio oficial na internet prazo de 30 (trinta) dias para contribuições dos interessados.
§ 4.º O órgão ou entidade da administração pública do Estado do Paraná deverá tornar público,
em seu sítio oficial na internet, a sistematização da oitiva com sua análise final sobre o
procedimento de manifestação de interesse social em até 30 (trinta) dias após o fim do prazo
estabelecido para apresentação das contribuições dos interessados” (grife-se).
602 Adverte José dos Santos Carvalho Filho (2017) a esse respeito: “Não obstante, o fato de

instaurar o processo não obriga a Administração a acolher a proposta e proceder ao chamamento


público. No curso do procedimento, ela se socorrerá dos dados acostados no processo para
tomar a sua decisão. Esta só será positiva se estiver de acordo com os interesses da
Administração, como destaca o art. 21 da lei. Significa que a Administração aqui terá uma
segunda avaliação discricionária sobre a celebração da parceria”.

330
de eventual chamamento público subsequente, não havendo impedimento neste
sentido. Tal dispositivo é da essência do instituto e dá o tom da regulação em
estudo, se afastando do universo das licitações, donde é proibida a participação
do autor de projeto básico ou executivo (direta ou indiretamente) no respectivo
processo licitatório (art. 9º, inciso I, da Lei n. 8.666/93).
José dos Santos Carvalho Filho, em reflexões a despeito do parágrafo em
referência, esclarece: “Em outra vertente, incide no procedimento o regime
de não competitividade estrita, expresso no art. 21, § 2º, da lei, segundo o qual
a proposição ou a participação no processo não impede a organização da
sociedade civil de participar do chamamento público subsequente. Não há
conflito de interesses. Conquanto o chamamento seja de caráter licitatório,
inexiste a disputa conflituosa própria das licitações para contratos de natureza
econômica. O caso aqui – relembre-se – é de parceria, em que as metas são
comuns e decorrem da cooperação recíproca dos pactuantes” (grifo no
original)603.
Anota também referido autor, acerca do “regime de dispensabilidade”
presente no § 3º do art. 21604, no sentido de restar esclarecido que o PMIS “não
se caracteriza como conditio sine qua no que tange à realização do chamamento
público ou à celebração da parceria. Trata-se apenas de um instrumento de
convencimento e de apoio para a tomada de decisão, mas isso não o torna
compulsório para o órgão administrativo se a política pública já se tiver inserido
em seus projetos. No caso, o procedimento é dispensável, à semelhança do que
ocorre com o inquérito policial ou o inquérito civil em relação à ação penal e à
ação civil pública, respectivamente”605. A título de curiosidade, cumpre ressaltar
que o parágrafo ora em referência foi incluído pela Lei n. 13.204/15 que, ademais
ter alterado substancialmente o marco regulatório, deixou intacta a seção afeta
ao PMIS em seus demais artigos e incisos.
No mais, é preciso ter senso crítico quanto o real alcance e as intenções
da implementação da lógica do PMIS, de modo que não se caia no discurso

603 CARVALHO FILHO, 2017.


604 Lei n. 13.019/14 – art. 21 (...) “§ 3º É vedado condicionar a realização de chamamento público
ou a celebração de parceria à prévia realização de Procedimento de Manifestação de Interesse
Social”.
605 CARVALHO FILHO, 2017.

331
utópico e o mesmo se apresente como mais um instrumento para a
disseminação de privilégios e informações privilegiadas. O marco regulatório ao
insistir na ampla publicidade e na participação da sociedade em geral no
processamento do PMIS caminha bem. Nos resta acompanhar e ver se tal
instituto trilhará os caminhos a ele designados606.

3.1.2.4 O chamamento público – o caminho da escolha da OSC parceira

Chegado o momento de se focar nos pormenores do chamamento


público, procedimento ao qual o marco regulatório dedica laboriosa Seção (VIII),
do Capítulo II, que vai dos artigos 23 a 32. Há de se reconhecer, desde já, que
o procedimento do chamamento público607 não é nenhuma novidade dentro da
lógica de parcerias firmadas entre o poder público e entidades sem fins
lucrativos, mas durante muitos anos foi cogitado ou realizado, mais como um ato
de redenção, do que por obrigatoriedade.
Leciona Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

No campo normativo, a legislação tem estabelecido, de forma


crescente, exigências de procedimento seletivo para escolha
impessoal de conveniados, como ocorre, por exemplo, nas seguintes
hipóteses: a) chamamento público para seleção de projetos ou
entidades que tornem mais eficaz o objeto do convênio (arts. 4º e 5º do
Decreto n. 6.170/2007, com redação dada pelo Decreto n. 7.568/2011,
e arts. 7º a 9º da Portaria Interministerial MP/MF/CGU n. 507/2011; b)
concurso de projetos para escolha da organização da sociedade civil
de interesse público (Oscip) que celebrará o termo de parceria com o
poder público (arts. 23 a 31 do Decreto n. 3100/1999, com redação
dada pelo Decreto n. 7.568/2011, que regulamenta a Lei n.
9.790/1999)608.

606 Reflete José dos Santos Carvalho Filho (2017): “Seja como for, a ferramenta depende da
sensatez de administradores, cidadãos e entidades do setor privado. De um lado, a
Administração não deve estar blindada contra propostas e ideias do setor privado. De outro, não
pode este valer-se do instrumento para fins diversos do que aquele que a lei previu, pena de ser
cometido desvio de finalidade”.
607 Atente-se para o conteúdo do art. 4º do Decreto 6.170/2007, que dispõe sobre as normas

relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, a


determinar: “A celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins
lucrativos será precedida de chamamento público a ser realizado pelo órgão ou entidade
concedente, visando à seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do
ajuste” (destacamos).
608 OLIVEIRA, 2015, p. 353.

332
Como já pontuado, especialmente no universo das OS’s, a escolha das
entidades se fez com a dispensa do respectivo procedimento licitatório, conforme
autorizado pelo inciso XXIV, do art. 24 da Lei Geral de Licitações (Lei n.
8.666/93). Essa dispensa foi foco de inúmeras discussões, quanto mais por ditas
ofensas ao princípio da impessoalidade, o que gerava um verdadeiro monopólio
de certas filantrópicas no trânsito com o poder público.
O marco regulatório não deixa espaço para dúvidas. O respeito ao
princípio da impessoalidade é um dos fundamentos do regime jurídico que
norteia as parcerias em estudo. A realização do chamamento público é da
essência do ato de celebração de termos de colaboração/fomento e de acordos
de cooperação e verdadeiro ato confessional, no sentido de reconhecê-lo como
instrumento na busca e construção de um ato de escolha transparente, sem troca
de favores, sem privilégios. Certamente que experimenta-se hoje no Brasil, um
descrédito desse discurso. Nada mais burocrático e penoso do que os processos
licitatórios sob o jugo da Lei n. 8.666/93 e, ainda assim, somam-se notícias de
atos de corrupção e privilégios dados a uma ou outra empresa. Ainda assim, é
preciso, acima de tudo, olhar o marco regulatório como uma norma bem
intencionada, que deposita na realização dos chamamentos públicos, uma lógica
mínima de transparência.
Conceitua-lhe o inciso XII do art. 2º da Lei n. 13.019/14609, como sendo,
o “procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para
firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se
garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo e dos que lhes são correlatos”. Referido inciso resume o que, por
excelência, serve de fundamento ao procedimento licitatório, tendo-se valido,
portanto, dos primados da Lei Geral de Licitações, em conformidade com o que
preceitua seu art. 3º610.

609 A título de curiosidade, o inciso em referência foi um dos únicos incisos que não sofreu
alteração pela Lei n. 13.204/15.
610 Lei n. 8.666/93 – “Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio

constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a


promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita

333
O conceito apresentado pelo marco regulatório e acima trasladado diz
muito. Primeiramente, reforça versar-se em um “procedimento”, admitindo-se,
portanto, a lógica de que se trata de uma série ordenada e concatenada de atos
rumo a determinado fim: a escolha da OSC parceira. Ademais, ainda que citado
inciso tenha dito que o chamamento público destina-se a “firmar parceria por
meio de termo de colaboração ou de fomento”, em uma interpretação sistemática
da Lei n. 13.019/14, levando-se em consideração a essência da norma e tudo o
mais quanto diz seu art. 23 611, o “espírito” do procedimento do chamamento
público servirá a todas as modalidades de parceria presentes no marco
regulatório612.
Tenha-se em mente ainda que, os princípios norteadores do chamamento
público não representam qualquer novidade sob a ótica das contratações com o
poder público. Não há tom de menosprezo nesta afirmação, na medida que se
reconhece que, acima de tudo, “o princípio é relevante porque impregna todo o
sistema, impondo ao conjunto de normas certas diretrizes axiológicas. O
princípio é importante não exatamente por ser a ‘origem’ das demais normas,
mas porque todas elas serão interpretadas e aplicadas à luz dele”613.
No mais, uma base principiológica representa um primado de garantias
não só para a Administração Pública em busca da melhor proposta que também
é um objetivo correlato nesta dinâmica de escolha, mas também preserva
aqueles que com o poder público pretendem contratar.

conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da


igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (grifo nosso).
611 Lei 13.019/14 – “Art. 23. A administração pública deverá adotar procedimentos claros,

objetivos e simplificados que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus
órgãos e instâncias decisórias, independentemente da modalidade de parceria prevista nesta
Lei” (destacamos).
612 Nesta oportunidade, pede-se licença para no estudo do chamamento público fazer-se um

paralelo com a licitação, donde se absorve a primorosa lição de Marçal Justen Filho, em sua
reverencial obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, no seguinte
sentido: “Existe uma espécie de ‘presunção jurídica’. Presume-se que a observância das
formalidades inerentes à licitação acarretará a mais adequada e satisfatória realização dos fins
buscados pelo Direito. Mas isso não autoriza transformar a licitação numa espécie de solenidade
litúrgica, em que se ignora sua natureza teleológica. Dito em outras palavras, o administrador e
o intérprete têm o dever de verificar, em cada caso, se as solenidades escolhidas realizam de
modo efetivo e concreto os valores protegidos pelo Direito” (grifo nosso) (ob. Cit., 2008, p. 57).
613 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed.

São Paulo: Dialética, 2008, pp 57-58.

334
Assim sendo, falar em legalidade sob a ótica das parcerias,
especialmente dentro do procedimento do chamamento público é, acima de
tudo, falar do respeito e da vinculação ao instrumento convocatório. O edital de
convocação para a escolha da OSC ditará toda o caminho da parceria e tudo o
que se espera da OSC parceira. É, no fundo, um ato de planejamento da
Administração Pública e uma referência para a entidade sem fins lucrativos que
dela venha participar.
De todo modo, não é demais lembrar, como já pontuado, que a legalidade
na atualidade do Direito Administrativo deve ser percebida para muito além de
um mero ato de subsunção à norma. É preciso perceber as mutações sofridas
pela noção clássica de legalidade a ponto de reconhecer na mesma, a ideia de
legitimidade, a noção de constitucionalidade e a perspectiva da juridicidade.
Transpondo para o chamamento público, as lições construídas no campo
das licitações, a legalidade impõe a observância das regras traçadas para a
realização do procedimento. Segundo pontual lição de José dos Santos Carvalho
Filho, a legalidade no campo da escolha dos entes a serem contratados pela
Administração Pública, diz respeito à correta aplicação do devido processo legal,
donde se espera a adequada escolha da modalidade a ser firmada, a clareza
quanto aos critérios de seleção, a verificação do preenchimento dos requisitos
por parte dos interessados, a intenção de se alcançar os objetivos traçados614.
Ao se falar em isonomia, tem-se o reforço ao corolário do princípio da
igualdade (art. 5º CF/88), como direito fundamental a indicar o dever da
Administração em dispensar o mesmo tratamento a todos os seus
administrados, na medida que estiverem na mesma situação jurídica. A isonomia
no chamamento público tem direto paralelo com o primado estatuído pelo inciso
XXI do art. 37 da CF/88, que firma “igualdade de condição a todos os
concorrentes”, em procedimentos licitatórios. O princípio em análise está
claramente relacionado ao princípio da impessoalidade, de modo que não haja
privilégios de uns em detrimento de outros.
Na prática, a isonomia vedaria a imposição de diferenças entre os
participantes do chamamento público, a prescrição de empecilhos tais como

614 CARVALHO FILHO, 2011, p. 224.

335
naturalidade, sede ou domicílio, a “proibição de tratamento diverso de natureza
comercial, legal, trabalhista, previdenciária entre empresas brasileiras e
estrangeiras”615, bem como, entender como método de averiguação da proposta
mais vantajosa, “valores relativos a impostos pagos ao ente federativo que
realiza a licitação”616.
Percebe-se, portanto, que a isonomia está presente ao longo de todo o
procedimento de chamamento público: tanto no momento da elaboração do
instrumento convocatório (edital), quanto no momento da verificação das
propostas e documentos apresentados, devendo a isonomia permear todo o
procedimento até no momento da execução do chamamento público.
Observe-se que o inciso XII do art. 2º da Lei n. 13.019/14 faz alusão, ao
mesmo tempo, à isonomia e à igualdade como que merecessem reconhecimento
e tratamento distintos. Não entraremos nesses pormenores, ainda que se
reconheça as teorias que apontem para esse nível de detalhamento (isonomia x
igualdade material e formal). Compreenda-se acima de tudo, a profundidade
desses primados, e seu peso prático no sentido de evitar favoritismos e impedir
perseguições.
Como já ressaltado, a impessoalidade ecoa da isonomia e, na lógica
principiológica afeta ao chamamento público, se inter-relaciona com a legalidade
(no especial sentido de vinculação ao ato convocatório) e com a moralidade.
Impera, ao se falar em impessoalidade, a noção de que não pode haver
subjetivismos da Administração Pública na escolha da OSC parceira. Acima de
tudo, é a impessoalidade que impõe ao Estado uma postura neutra e imparcial
em todos os seus comportamentos.
Como muito bem pontuado por Marçal Justen Filho, em suas reflexões a
respeito da impessoalidade nos procedimentos licitatórios, “a decisão será
impessoal quando derivar racionalmente de fatores alheios à vontade
psicológica do julgador. A impessoalidade conduz a que a decisão independe da
identidade do julgador”617. Em racional conclusão, citado autor adverte que a
impessoalidade deve significar ainda, “o afastamento de conveniências

615 CARVALHO FILHO, 2011, p. 225.


616 CARVALHO FILHO, 2011, p. 225.
617 JUSTEN FILHO, 2008, p. 72.

336
puramente políticas dos governantes” 618 , ofendendo tal princípio, decisões
pautadas nas urgências da opinião pública e não no previsto na lei ou no
respectivo ato convocatório.
A impessoalidade é igualmente relevante na construção da moralidade
administrativa, na medida que não se trata, apenas, “de afastar a prática de atos
administrativos assentados em laços de amizade ou de desafetos, mas de
obrigar condutas positivas de tratamento impessoal na Administração Pública.
Além de impedir que se faça cortesia com normas jurídicas, comprometendo a
coercitividade e imparcialidade que lhes deve ser característica, exclui-se a
possibilidade de desmoralização administrativa presente diante de ações e
omissões inspiradas em hostilidades, desavenças ou preferências subjetivas e
parciais” (destaca-se) 619 . O marco regulatório, no processamento do
chamamento público reitera, mais uma vez, seu compromisso com essa máxima.
Como sinceramente afirmado por Carlos Pinto Coelho Motta, “o cidadão
tem direito a um governo honesto”620. Essa é a perspectiva e o peso de se afirmar
que o chamamento público se desenvolverá em respeito à moralidade e à
probidade administrativa.
Moralidade e probidade administrativa são faces da mesma moeda, na
construção de uma Administração Pública que reconhece seu papel na
valorização da dignidade humana, no respeito à cidadania e na construção de
uma sociedade mais justa e solidária, não se fazendo suficiente para tal fim,
somente sua atuação em consonância com a ordem legal 621. Além do mais,
como já houve oportunidade de pontuar, a probidade decorre diretamente da
boa-fé, conduzindo-se todos aqueles que participarem do chamamento público
com honestidade e seriedade. Acima de tudo, espera-se um compromisso e a
lealdade com o interesse coletivo e não com interesses particulares das partes.
Agir de forma ímproba gera, como visto, impedimentos à celebração das
parcerias previstas no marco regulatório, tendo a Lei n. 13.019/14 se empenhado
na construção de novas figuras sancionatórias (art. 77 a 79-A – “Dos atos de

618 JUSTEN FILHO, 2008, p. 72.


619 CARVALHO, 2008, p. 169.
620 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. “Licitação”. Revista de Direito Público, jan/mar 1991, pp-97/104.
621 DELGADO, José Augusto. “O princípio da moralidade administrativa e a Constituição Federal

de 1988”. Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 81, n. 680, p. 35, jun/1992.

337
Improbidade Administrativa”), de modo a, inclusive, alterar a Lei n. 8.429/92. Não
poderia se esperar outro comportamento das partes no procedimento de
chamamento público.
A publicidade é, de fato, um dos grandes vetores na construção de uma
Administração Pública mais transparente. Não que falar em publicidade seja
alguma novidade dentro da lógica administrativa, mas na atualidade existe um
compromisso com a mesma, sob a ótica da transparência. Desde que a
publicidade foi alçada a princípio da Administração Pública no art. 37 da CF/88
são inúmeras as normas que tratam de colocá-la em prática, muitas vezes sem
sucesso a despeito dos inúmeros casos de negociações espúrias firmadas na
mais completa escuridão. A lei em estudo (Lei n. 13.019/14) faz seu papel nesta
lógica, fazendo, em inúmeras oportunidades reforço à publicidade, não só como
princípio formador (caput art. 5º e inciso XII, do art. 2º), mas também como
diretriz (art. 6º, V) a ser perseguida e como instrumento para o fortalecimento da
participação social (art. 14)622.
No desenvolvimento dos procedimentos de chamamento público, como
não poderia deixar de ser, a publicidade também se traceja. Como
oportunamente se reforçará, a ausência de publicação no sítio oficial da
administração pública na internet de extrato de justificativa nos casos de
dispensa, inexigibilidade e ausência de chamamento público, gerará a nulidade
do ato de formalização da parceria (art. 32, §1º). O princípio da publicidade sai
do papel para ter peso real no desenvolvimento das parcerias e é isso que se
espera na construção do modelo.
Ainda na questão principiológica contida no conceito presente no inciso
XII do art. 2º do marco regulatório, temos os princípios “da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
correlatos” (destaca-se).
Como já restou assentado, a vinculação ao instrumento convocatório
no procedimento do chamamento público, além de estar diretamente atrelada à

622 Reforce-se nesta oportunidade, o conteúdo do art. 38 da Lei n. 13.019/14, no sentido de que:
“O termo de fomento, o termo de colaboração e o acordo de cooperação somente produzirão
efeitos jurídicos após a publicação dos respectivos extratos no meio oficial de publicidade da
administração pública” (destacamos).

338
legalidade, tem compromisso com a construção da segurança jurídica, e por
consequência, com a própria moralidade e a probidade na escolha do parceiro
do parceiro.
O competente edital de chamamento público (§1º, art. 24 da Lei n.
13.019/14) funcionará como verdadeira garantia da Administração e dos
administrados, evitando despropositadas alterações nos critérios de julgamento,
bem como qualquer desrespeito à impessoalidade e à moralidade. No fim das
contas, o respeito ao instrumento convocatório serve como uma certeza de
racionalidade e adequação, firmando-se uma certa presunção de que o
procedimento de escolha da OSC parceira dar-se-á sem surpresas.
Por sua vez, o princípio do julgamento objetivo, nos moldes de como
está assinado na própria lógica de contratação firmada na Lei n. 8.666/93, se
correlaciona ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, na medida
que os critérios e elementos de escolha das OSC parceiras sejam os utilizados
no momento do julgamento das propostas, não se afastando deles a comissão
de seleção, responsável pelo processamento e julgamento dos chamamentos
públicos. É igualmente um referencial a dar segurança aos participantes, de
modo que não sejam surpreendidos na ocasião do julgamento do certame.
Por fim, igualmente traçando-se um paralelo da matéria com o universo
da Lei Geral de Licitações, tem-se na doutrina afeta ao tema, um vasto rol do
que se venha entender por “princípios correlatos”. Racionalizando-os, na
tentativa de não tornar o tema altamente burocrático e as reflexões aqui
empreendidas uma réplica do que se discute no bojo da Lei n. 8.666/93 (vez que
o universo licitatório tem sua própria via-crúcis para suportar), muito menos de
caracterizar o chamamento público como um procedimento simplificado de
licitação, como subterfúgio para se burlar tal sistema de compras, busca-se o
meio termo.
Assim, citem-se, como exemplos desses “princípios correlatos, os
princípios da vantajosidade (que contemplaria a economicidade) e o da
competitividade. Marçal Justen Filho pede licença para o uso do termo
“vantajosidade”, expressão que segundo ele “não existe em bom vernáculo”,

339
mas na ausência de uma mais satisfatória, entender-se-á como a “qualidade de
vantajoso que algo apresenta”623.
O princípio da vantajosidade, segundo o festejado autor, “caracteriza-
se como a adequação e satisfação do interesse coletivo por via da execução do
contrato”624. Nestes termos, a vantajosidade configura-se como uma faceta da
proporcionalidade, donde se tem que a Administração haverá de assumir o
compromisso de realizar a prestação menos onerosa enquanto o particular se
obriga a realizar a melhor e mais completa.
Como faceta da vantajosidade, tem-se a famigerada “economicidade”,
corolário da eficiência, no sentido de que: “não bastam honestidade e boas
intenções para validação dos atos administrativos. A economicidade impõe
adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão
dos recursos públicos”625. Essa racionalidade no uso dos recursos públicos é
central no desenvolvimento das parcerias em estudo, mas reforce-se não é a
mera “economicidade pela economicidade”. A economicidade não pode ser uma
motivação isolada. É apenas mais um ponto a se considerar na construção de
uma sólida decisão administrativa. Não será sempre a maior vantagem
econômica o critério de seleção prevalente.
A respeito do princípio da competitividade ou oposição626, reforça-se a
percepção da regra que indica a necessidade de disputa entre os interessados.
Parece óbvio e da essência do próprio chamamento público a referência e esse
princípio e a dinâmica da competição em busca da proposta mais atraente para
a Administração, mas opta-se por citá-lo, na medida que seus desdobramentos
devem ser necessariamente pontuados. Como muito bem pontuado por Carlos
Ari Sundfeld, o procedimento deve possibilitar a disputa, o confronto entre
licitantes, para que a seleção ocorra da melhor forma. Percebe-se, assim, sua
correlação com o princípio da igualdade627.

623 JUSTEN FILHO, 2008, nota de rodapé n. 57, p. 62.


624 JUSTEN FILHO, 2008, p. 63.
625 JUSTEN FILHO, 2008, p. 64
626 MUKAI, Toshio. Estatutos jurídicos de licitações e contratos administrativos. 2ª ed. São Paulo:

Saraiva, 1990, p. 19.


627 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros. 1995, p.

21.

340
No universo das parcerias em estudo, a competitividade entre as OSC
pode se tornar, na prática, um campo arenoso, mas foi abarcada pelo §2º do art.
24. Em razão de objetos muito específicos, fruto da construção de políticas
públicas muitas vezes extremamente detalhadas, será necessário um juízo de
ponderação adequado, de modo a se perceber o real limite da competitividade.
Não é de se espantar se, na dinâmica as parcerias da Lei n. 13.019/14,
prevalecerem situações onde a competitividade não será possível ou não será a
melhor opção. Daí a preocupação do marco regulatório em prever os casos de
inexigibilidade e dispensa de chamamento público (arts. 30 e 31). Veremos tais
questões no momento oportuno, mas fica registrada desde já a presente
observação.
No mais, outros princípios ditos “correlatos” são pontuados pela doutrina
no campo das licitações, tais como: princípio da motivação628, da inalterabilidade
do edital, do formalismo procedimental, da vedação à oferta de vantagens e da
obrigatoriedade 629 , a nosso sentir, estão em maior ou menor proporção
embutidos nos “princípios correlatos” aqui eleitos. No universo dos
chamamentos públicos nas parcerias em apreço, não tivemos contato com
doutrina que tecesse tais pormenores.
Encerrando as considerações acerca do conceito e da base
principiológica do chamamento público há de se considerar o peso prático de
tamanha estrutura. A ofensa aos princípios ora pontuados, acarretará a nulidade
do chamamento público, o que deve ser evitado a todo custo com o compromisso
e ciência das partes dos seus desdobramentos. A declaração de nulidade do
chamamento público é custosa para todos os envolvidos, vez que investem
tempo e energia em seu processamento, desmoralizam e geram descrença no
modelo ante os administrados.

628 JUSTEN FILHO, 2008, p. 73


629 CARVALHO FILHO, 2011, p. 227-230.

341
3.1.2.4.1 O rito

Analisar o sistema de compras e contratações da Administração Pública,


a partir do que está por detrás da Lei n. 8.666/93 não é o melhor dos mundos,
nem é a melhor referência. A Lei Geral de Licitações a cada dia dá mais sinais
de “cansaço” e porque não dizer, dá sinais de suas inconsistências. Seu sistema
burocratizado não foi capaz de cumprir com uma lógica que tem por pilares a
competividade, a transparência, a impessoalidade e a publicidade. Não são
poucas as notícias de burla ao procedimento licitatório, de privilégios e desvios
em seus ritos. Não é de hoje que se multiplicam projetos de lei para sua alteração
e neste caminho outros modelos foram instituídos, cite-se: Lei n. 10.520/02 – “Lei
do Pregão” e Lei n. 12.462/11 – “Lei do RDC – Regime Diferenciado de
Contratação”630.
Faz-se essa observação inicial, na medida que é necessário conter o
natural impulso de analisar o procedimento de chamamento público sob a já
consolidada Lei n. 8.666/93. É inegável a proximidade e a inspiração entre o
procedimento de licitação e o chamamento público, mas há neste uma clara
objetividade, sem que isso venha configurar uma brecha para contratações
espúrias. Faltam obras que, com a profundidade necessária, reflitam sobre a
questão. Pretende-se contribuir sob esta perspectiva.
Inaugura a Seção VIII, do Capítulo II, intitulada “Do chamamento público”,
o art. 23 631 que em sua redação, alterada pela Lei n. 13.204/15, prevê: “A

630 Cite-se, por exemplo, a PL n. 6814/2017 que visa instituir “normas para licitações e contratos
da Administração Pública e revoga a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de
17 de julho de 2002, e dispositivos da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011”. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122766. Consulta
em: Fev. 2018.
631 A redação original do art. 23, previa: “A administração pública deverá adotar procedimentos

claros, objetivos, simplificados e, sempre que possível, padronizados, que orientem os


interessados e facilitem o acesso direto aos órgãos da administração pública,
independentemente da modalidade de parceria prevista nesta Lei” (grifamos). O dito princípio da
padronização está insculpido no inciso I, do art. 15 da Lei n. 8.666/93. Segundo lição de Marçal
Justen Filho (2008, p. 144), a padronização serve como “instrumento de racionalização da
atividade administrativa, com redução de custos e otimização da aplicação de recursos. Significa
que a padronização elimina variações tanto no tocante à seleção de produtos no momento da
contratação como também na sua utilização, conservação, etc”. Nesta ordem, percebe-se a
padronização como corolário do princípio da vantajosidade e seu correlato, a economicidade. O
marco regulatório evita, logo de início, a polêmica muito bem arguida por Jessé Torres (2002, p.

342
administração pública deverá adotar procedimentos claros, objetivos e
simplificados que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus
órgãos e instâncias decisórias, independentemente da modalidade de parceria
prevista nesta Lei” (destaca-se).
Ficam claras, desde logo, as intenções do marco regulatório de, ao longo
do processamento de escolha da OSC parceira, primar-se em um procedimento
que preze pela objetividade e celeridade, restando indubitável a
responsabilidade da Administração Pública quanto ao desenvolvimento de todo
o rito. Em outras palavras, cabe à Administração Pública demonstrar que é uma
parceira interessante, preocupada com procedimentos que não gerem dúvidas
e esvaziamento do rito do chamamento público, ou mesmo, no processamento
dos seus casos de dispensa e inexigibilidade.
Insiste também citado art. 23 na responsabilidade da Administração
Pública na construção de uma relação dialógica com as OSC interessadas, o
que se fará com um acesso fácil e direto com seus órgãos e instâncias
decisórias. O art. 23 reforça ainda, a obrigatoriedade (“deverá”) na adoção de
procedimentos simplificados em todas as modalidades de parceria previstas no
marco regulatório.
O parágrafo único do art. 23 da Lei n. 13.019/14 parece trazer à tona o
que sua redação original e seu revogado caput haviam expurgado. Apesar de
ter recebido a denominação de “critérios”, referido parágrafo único está a firmar,
a obrigação da Administração Pública de, na medida do possível, ditar um
padrão para as parcerias. É certo que espera-se da Administração Pública o
direcionamento no desenrolar no procedimento de escolha da OSC parceira,
parecendo natural que a mesma conduza seu processamento e aponte o
caminho. Tal postura não pode, todavia, configurar subterfúgio par ofensa aos
princípios da igualdade e da competitividade.
Assim prescreve o parágrafo único do art. 23 da Lei n. 13.019/14:

174), no sentido de se ver no princípio da padronização um álibi para se contornar os princípios


da igualdade e da competitividade.

343
Parágrafo único. Sempre que possível, a administração pública
estabelecerá critérios a serem seguidos, especialmente quanto às
seguintes características:
I - objetos;
II - metas;
III - (revogado);
IV - custos;
V - (revogado);
VI - indicadores, quantitativos ou qualitativos, de avaliação de
resultados.

O parágrafo trasladado não passou ileso pelas modificações


promovidas pela Lei n. 13.204/15, tendo incisos com redação alterada (inciso VI)
e outros revogados (III e V). Interessante perceber a revogação do inciso V, que
abria espaço para a Administração Pública estabelecer critérios acerca do plano
de trabalho. Certamente um contrassenso. Se a apresentação do plano de
trabalho é um ato de competência da OSC escolhida, que dentro de sua
responsabilidade (exclusiva) pelo gerenciamento administrativo e financeiro dos
recursos (inciso XIX, do art. 42), a ingerência da Administração Pública, ainda
que mínima, representaria uma incoerência.
Os incisos I, II e IV do parágrafo único do art. 23, ora em análise, são
autoexplicativos, na medida que se deve considerar a capacidade da
Administração no direcionamento do objeto, das metas e dos custos das
parcerias.
O inciso VI, do parágrafo único do art. 23 trata dos indicadores 632
quantitativos ou qualitativos que servirão de parâmetro para a avaliação de
resultados. A respeito do cenário de utilização de indicadores de gestão no setor
público, ensina Miguel Guzmán, com propriedade:

Os governos e as instituições enfrentam, na atualidade, grandes


desafios. Garantir que está obtendo o maior benefício possível dos
fundos públicos que gastam em suas organizações é um deles. Outro,
é o de convencer ao público de sua transparência e a capacidade de
render contas, assim como o uso de adequadas práticas

632 Segundo interessante artigo de autoria de Maria Cecília de Souza Minayo (2009, p. 84),
absorve-se o seguinte conceito de “indicador”: “A definição do termo “indicador”, do ponto de
vista científico, varia pouco de um autor para outro. Em geral, os pesquisadores consideram que
os indicadores constituem parâmetros quantificados ou qualitativos que servem para detalhar se
os objetivos de uma proposta estão sendo bem conduzidos (avaliação de processo) ou foram
alcançados (avaliação de resultados). Como uma espécie de sinalizadores da realidade, a
maioria dos indicadores dá ênfase ao sentido de medida e balizamento de processos de
construção da realidade ou de elaboração de investigações avaliativas”.

344
administrativas. O governo não só deve ser econômico, eficiente e
eficaz como deve ser capaz de demonstrá-lo.

Compreenda-se, portanto, dentro de toda a lógica evolutiva da figura


estatal a caracterização de uma Administração Pública que se comporta como
uma empresa. Como visto, tal postura é fruto de uma mudança de atitude do
Estado, substituindo-se a lógica puramente institucional pela dos negócios633.
Os entes do Terceiro Setor floresceram nesta dinâmica. É o caminho, como se
vê, perpetuado pela norma objeto desta tese.
Considerar o uso de indicadores quantitativos ou qualitativos como
critérios avaliativos no bojo das parcerias em estudo é reflexo da dinâmica que
se concretiza no dia a dia da Administração Pública, o que se nota, com clareza
nos ensinamentos de Ivan Ricardo Guevara Grateron que se faz questão de
trasladar:

O controle de gestão baseado na avaliação da legalidade das ações


dos gestores públicos e, em medições tradicionais exclusivamente
sobre aspectos quantitativos (monetários e financeiros) da gestão, não
é suficiente para suportar, adequadamente, o processo de tomada de
decisões. Aspectos qualitativos da gestão devem ser considerados,
junto aos primeiros, na avaliação da performance pública através dos
indicadores de gestão.
Critérios de eficiência, eficácia e economia foram, até pouco tempo,
quase exclusivos das empresas do setor privado na medição dos
resultados alcançados. Nas instituições públicas, onde o ânimo de
lucro é entendido como a satisfação das necessidades da sociedade e
os recursos administrados são cada vez mais limitados frente à
crescente população; resulta obrigatório a gestão sob estes critérios
com a finalidade de otimizar e maximizar os recursos utilizados na
prestação de serviços e produção de bens de uso público 634.

Citado autor adverte ainda sobre a inadequação dos sistemas de controle


quando a Administração se preocupa mais com o critério quantitativo da gestão
do que com seu critério qualitativo635. O marco regulatório perdeu a oportunidade

633 SUNDFELD, Carlos Ari. “Direito público e regulação no Brasil”. In: GUERRA, Sérgio (org.).
Regulação no Brasil uma visão interdisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014, p. 115.
634 GRATERON, Ivan Ricardo Guevara. “Auditoria de gestão: utilização de indicadores de gestão

no setor público”. Caderno de estudos n. 21, São Paulo, Mai/Ago 1999.


635 Grateron (1999), reitera: “Um dos principais problemas que atinge as administrações públicas

contemporâneas é a corrupção, e esta muitas vezes relacionada à falta de controle adequado


sobre uma determinada gestão, implica um conjunto de atos que resultam no uso indevido dos
recursos pertencentes ao Estado em benefício próprio ou de terceiros. Como alimento para o

345
de tratar com a devida tecnicidade a questão, tendo sido alterado o inciso VI do
parágrafo único do art. 23, de modo a retirar a conjunção aditiva “e”, fazendo
constar a conjunção alternativa “ou”636.
Absorve-se, portanto, de todas as lições acima pontuadas, que os
indicadores quantitativos usualmente levarão em consideração os aspectos
monetários e financeiros das parcerias, enquanto os aspectos qualitativos, em
sendo um critério mais subjetivo, buscariam “mensurar valores, opiniões,
relações e vivências intersubjetivas” 637 . A construção 638 desses indicadores
reforça o quanto o marco regulatório reitera a necessidade de se ter, na base
das parcerias, uma Administração Pública técnica e operacionalmente
capacitada.
Há de se cogitar que todas as reflexões acerca do parágrafo único do art.
23 se darão no espectro interno da Administração Pública, como se fosse em
uma fase interna de formação do chamamento público, juntamente com a
formação da respectiva comissão de seleção e seu ato de designação, do qual
se dará a devida publicidade.

vício da corrupção, encontra-se, nas administrações públicas contemporâneas, entre outras


falhas, um crescimento da burocracia sem a devida adaptação dos sistemas de controle,
acompanhado de desordem administrativa, falta de transparência nas transações
governamentais realizadas, incoerência das leis ou ausência delas, clientelismo político,
influência dos partidos políticos nos processos de controle, inexistência, obsolência e
inadequação dos sistemas de controle, nos quais predomina o critério quantitativo sobre o
qualitativo e legal da gestão”.
636 Redação original do inciso VI, do parágrafo único do art. 23 falava em: “indicadores,

quantitativos e qualitativos, de avaliação de resultados” (grifamos).


637 MINAYO, 2009, p. 86.
638 Em primorosa lição a despeito da construção de indicadores qualitativos Minayo (2009. p. 87)

ensina: “Para construir indicadores qualitativos, é importante assumir sua natureza


hermenêutica. Ou seja:
• A origem da produção de indicadores deve ser a realidade empírica e concreta (no caso, a
dinâmica das escolas médicas). Os indicadores não devem ser colocados como um produto a
ser provado pela realidade e, sim, a partir da realidade social para a construção do sistema de
indicadores.
• É preciso entender que os atores sociais, ao se comunicarem sobre qualquer assunto do mundo
da vida o interpretam e julgam a partir de um estoque de referências, como classe, gênero, grupo
de pertinência, etnia, idade e função social, entre outros.
• Igualmente, os pesquisadores que analisam tais interpretações (como construto de segunda
ordem, como diria Shutz) devem se colocar dentro do processo de construção da realidade,
buscando valorizar a relação entre observador e observado que convivem no mesmo tempo
histórico e estão marcados por diversos fatores sociais comuns.
• Geralmente não vamos encontrar listagens de indicadores qualitativos, pois, diferentemente
das escalas de mensuração, esses são construídos com os próprios atores que fazem parte do
estudo avaliativo e, a não ser em casos culturais mais ou menos homogêneos, não podem e não
devem ser replicados”.

346
O art. 24 (e seus §§) da Lei n. 13.019/14, que compõe a seção afeta ao
chamamento público, firma em seu caput, como regra, a obrigatoriedade de
realização do competente procedimento de chamamento público para
celebração de termo de colaboração ou de fomento639, mencionando ainda as
possíveis exceções contidas no próprio marco regulatório (artigos 30 e 31)640. O
caput do art. 24 reforça o fato de que o chamamento volta-se à seleção das
organizações da sociedade civil, de modo a tornar “mais eficaz a execução do
objeto” (grifo nosso). Ao utilizar-se do termo “eficaz”, a norma em estudo está
preocupada com o sucesso dos objetivos pretendidos com a realização do
chamamento público. Não é aqui uma questão de eficiência que guarda
correlação com os meios de realização e os instrumentos utilizados pelo
caminho641. Note-se o nível de detalhe e a maturidade do legislador ante tal
questão terminológica.
De modo a cumprir com o princípio da vinculação ao instrumento
convocatório prevê o §1º do art. 24, tudo aquilo que deverá, minimamente
constar do instrumento convocatório do chamamento público. Referido
instrumento recebe do marco regulatório a denominação de “edital”. O edital,
uma vez não sendo conceituado pela Lei 13.019/14 nem por seu decreto
regulamentador e, em franco paralelo com o que preceitua a Lei Geral de
Licitações, fixa os requisitos para a participação dos interessados, define o objeto
e as condições básicas do contrato e convida a todos para que apresentem suas

639 Na mesma ordem está o art. 8º do Decreto Federal n. 8.726/15, que disciplina:
“Art. 8º A seleção da organização da sociedade civil para celebrar parceria deverá ser realizada
pela administração pública federal por meio de chamamento público, nos termos do art. 24 da
Lei nº 13.019, de 2014”.
Atente-se ainda, para a redação do §1º de referido artigo que autoriza:
“§ 1º O chamamento público poderá selecionar mais de uma proposta, se houver previsão no
edital” (grifamos).
640 Determina o Art. 24 da Lei n. 13.019/14: “Exceto nas hipóteses previstas nesta Lei, a

celebração de termo de colaboração ou de fomento será precedida de chamamento público


voltado a selecionar organizações da sociedade civil que tornem mais eficaz a execução do
objeto”.
641 Segundo importante magistério de Onofre Alves Batista Júnior (2004, p. 113), “A eficiência

representa a relação entre os recursos aplicados e o produto final obtido, ou seja, a razão entre
o esforço e o resultado, entre o custo e o benefício resultante (relação entre meios e fins). Está
voltada para a melhor maneira pela qual as coisas deve ser feitas ou executadas (métodos), a
fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível. (...) quando as
preocupações se voltam para os resultados fornecidos por aqueles que executam para avaliar o
alcance dos fins, ingressamos na seara da eficácia” (grifo nosso).

347
propostas 642 . Tomou-se de costume dizer que o edital é a “lei interna das
licitações”, tendo por base o art. 41 da Lei 8.666/93.
Segundo a Lei n. 13.019/14, o edital deverá especificar:
§ 1o O edital do chamamento público especificará, no mínimo:
I - a programação orçamentária que autoriza e viabiliza a celebração
da parceria;
II - (revogado);
III - o objeto da parceria;
IV - as datas, os prazos, as condições, o local e a forma de
apresentação das propostas;
V - as datas e os critérios de seleção e julgamento das propostas,
inclusive no que se refere à metodologia de pontuação e ao peso
atribuído a cada um dos critérios estabelecidos, se for o caso;
VI - o valor previsto para a realização do objeto;
VII - (revogado);
a) (revogada);
b) (revogada);
c) (revogada);
VIII - as condições para interposição de recurso administrativo;
IX - a minuta do instrumento por meio do qual será celebrada a
parceria;
X - de acordo com as características do objeto da parceria, medidas
de acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade
reduzida e idosos.

A Lei n. 13.019/14 é bem parcimoniosa ao pontuar os elementos que


necessariamente deverão estar especificados no edital do chamamento público.
Como se tem insistido, o marco regulatório não pode sufocar e ser um peso no
desenvolvimento das parcerias que tem objetivos tão nobres. Marçal Justen
Filho, em sua celebrada obra “Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos”, alerta para o fato de que a maioria dos problemas práticos
ocorridos em licitações deriva da elaboração equivocada dos editais, com o
aproveitamento de atos convocatórios anteriores, em um comportamento de
verdadeira “inércia gerencial” da Administração Pública643. Assevera que cada
procedimento de compra deve ser planejado com racionalidade e, isso significa,
“em primeiro lugar, que o edital deve conter apenas os requisitos necessários e
úteis. Formalismos excessivos devem ser eliminados, na medida em que não
produzam algum benefício para a seleção da proposta mais vantajosa”644.

642 DI PIETRO, 2014, p. 389.


643 JUSTEN FILHO, 2008, p. 500-501.
644 JUSTEN FILHO, 2008, p. 501.

348
O Decreto Federal n. 8.726/16 que regulamentou a Lei n. 13.019/14, em
seu art. 9º também reforça os elementos que deverão constar do edital do
chamamento público, praticamente repetindo o que aduz o §1º do art. 24 em
análise. O Decreto, em alguns pontos é mais detalhado, como quando no inciso
II do seu art. 9º, infere que ao se especificar o objeto da parceria, faça-se a
“indicação da política, do plano, do programa ou da ação correspondente”.
Mencione-se também a inteligência do inciso VI do art. 9º que alerta para
necessidade de especificação no edital, a previsão de contrapartida em bens e
serviços. São pontos importantes.
Indicar no edital do chamamento público, por meio de dados e
informações, acerca da política, do plano, do programa ou da ação na qual se
inserirá a parceria, serve como norte na elaboração das metas e indicadores da
proposta pela OSC participante, conforme ressaltado pelo § 7º do art. 9º do
Decreto Federal regulamentador da Lei n. 13.019/14.
Além do mais, o Decreto cumpre muito bem seu papel regulamentador e
se atém aos detalhes de desenvolvimento do próprio chamamento público. É o
caso da complementação do §1º do art. 9º do Decreto Federal, ao inciso I do §1º
do art. 24 do marco regulatório. Notório, portanto, que o edital deverá especificar
a programação orçamentária que autorizará e viabilizará a celebração da
parceria, mas é o § 1º do art. 9º do Decreto que acrescenta que, “Nos casos das
parcerias com vigência plurianual ou firmadas em exercício financeiro seguinte
ao da seleção, o órgão ou a entidade pública federal indicará a previsão dos
créditos necessários para garantir a execução das parcerias nos orçamentos dos
exercícios seguintes”. Isso é uma verdadeira constante nos projetos do Terceiro
Setor e não é diferente no bojo da lei em estudo, uma vez que usualmente
fomentados projetos e políticas de prestação continuada.
A despeito da questão orçamentária, atente-se ainda, para o conteúdo
dos § 2º do art. 9º do Decreto Federal, no sentido de que “O chamamento público
para celebração de parcerias executadas com recursos de fundos específicos,
como o da criança e do adolescente, do idoso e de defesa de direitos difusos,
entre outros, poderá ser realizado pelos respectivos conselhos gestores,

349
conforme legislação específica, respeitadas as exigências da Lei nº 13.019, de
2014, e deste Decreto”.
No mesmo exercício de contraposição do Decreto Federal com o previsto
no marco regulatório, atente-se ao disposto pelo §2º do art. 9º do Decreto
Federal, em relação ao que determina o inciso V e IV do §1º do art. 24 do marco
regulatório. Estes, genericamente, determinam que o edital especifique as datas
e os critérios de seleção e julgamento das propostas, bem como o valor previsto
para sua realização. Aquele, reforça que os critérios de julgamento das
propostas deverão abranger o grau de adequação da propostas tanto aos
objetivos da política, do plano, do programa ou da ação em que se insere a
parceria, quanto ao valor de referência ou teto constante do edital.
O Decreto regulamentador do Município do Rio de Janeiro (Decreto n.
42.696/16) traz, em criterioso trabalho legislativo, um modelo de anexo ao
chamamento público que apresenta um quadro com os critérios de julgamento
da proposta, divididos em “Fator grau de adequação”, “Fator experiência”, “Fator
capacidade operacional” e “Fator Preço (quanto maior, menor será a
pontuação)”, aos quais específica pontuações que variam de “0 a 10”, de “0 a
20” e de “0 a 60”645.
Ainda a respeito do inciso VI, do §1º, do art. 24 da Lei n. 13.019/14, que
trata do valor previsto para a realização do objeto, é interessante observar seus
desdobramentos, tendo por base o Decreto Federal que a regulamentou, em
especial os §§ 3º, 4º e 8º do art. 9º 646 . Daí que o decreto em referência,
inteligentemente, deixa claro que o critério de julgamento não deve se pautar
apenas no fator econômico, exteriorizado pelo valor apresentado para a
proposta. Com base na melhor interpretação do princípio da economicidade, o

645 Ver página 72 Decreto Municipal do Rio de Janeiro, disponível em:


http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_consulta/53246Dec%2042696_2016.pdf . Consulta em: Fev.
2018.
646 Decreto Federal n. 8.726/16: “art. 9º (...) § 3º Os critérios de julgamento não poderão se

restringir ao valor apresentado para a proposta, observado o disposto no § 5º do art. 27 da Lei


nº 13.019, de 2014.
§ 4º Para celebração de parcerias, poderão ser privilegiados critérios de julgamento como
inovação e criatividade, conforme previsão no edital”.
(...)
“§ 8º O órgão ou a entidade da administração pública federal deverá assegurar que o valor de
referência ou o teto indicado no edital seja compatível com o objeto da parceria, o que pode ser
realizado por qualquer meio que comprove a estimativa do valor especificado”.

350
Decreto Federal n. 8.726/16 reforça a necessidade de que outros critérios de
julgamento venham a ser privilegiados, tais como “inovação e criatividade”, tudo
com a devida previsão editalícia. O § 8º do art. 9º do Decreto Federal reforça a
transparência e a seriedade com que a construção do valor da parceria deverá
ser tratada pela Administração Pública, valendo-se o gestor nesse exercício
de mensuração, da verificação da compatibilidade dos custos com os preços
praticados no mercado ou com outras parcerias da mesma natureza. Fala-se
assim, por exemplo, em cotações, tabelas de preços e publicações
especializadas.
O Decreto Federal se atém ainda, às cláusulas que poderão vir a ser
incluídas no edital e que tenham por objetivo: i) - redução nas desigualdades
sociais e regionais; ii) promoção da igualdade de gênero, racial, de direitos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT ou de direitos das
pessoas com deficiência; iii) promoção de direitos de indígenas, de quilombolas
e de povos e comunidades tradicionais ou; iv) promoção de direitos de quaisquer
populações em situação de vulnerabilidade social (incisos I a IV, do §6º, do art.
9º do Decreto Federal n. 8.726/15).
O Decreto regulamentador do Município do Rio de Janeiro (Decreto n.
42.696/16) está atento a essas diretrizes e em sua página 71 apresenta um
modelo de anexo a seu edital de chamamento público que contempla a
declaração a ser assinada pela OSC parceira, no sentido de se firmar que a
mesma observa as cotas mínimas para pessoas de cor negra e mulheres
(segundo Decreto Municipal n. 21.083/02)647.
Neste trabalho de reflexão acerca dos elementos que deverão ser
especificados no edital do chamamento público, atente-se ao conteúdo do
revogado inciso II, do §1º do art. 24, que determinava a necessidade de se
mencionar no ato de convocação, o “tipo” de parceria a ser celebrada. Ainda que
não seja mais necessário a especificação de qual modalidade de chamamento

647 “Declaração de cota mínima” - Ver página 71. Decreto Municipal disponível em:
http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_consulta/53246Dec%2042696_2016.pdf . Consulta em: Fev.
2018.

351
público se trata (termo de fomento ou colaboração), tal questão, na prática das
parcerias, permanece648.
Por fim, vale menção, o esforço do governo federal de dar vida ao marco
regulatório, o que se exterioriza através de seu sítio público “Participa. br/OSC”,
donde se extrai modelos de edital de chamamento público para fomento e para
colaboração, elaborados pela Comissão de Convênios e Instrumentos
Congêneres da Advocacia Geral da União649.
O §2º do art. 24 da Lei n. 13.019/14 foi citado quando da análise do
princípio da competitividade como “princípio correlato” no chamamento público,
determinando:
Art. 24. (...)
§ 2o É vedado admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de
convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou
frustrem o seu caráter competitivo em decorrência de qualquer
circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto da
parceria, admitidos:
I - a seleção de propostas apresentadas exclusivamente por
concorrentes sediados ou com representação atuante e reconhecida
na unidade da Federação onde será executado o objeto da
parceria;
II - o estabelecimento de cláusula que delimite o território ou a
abrangência da prestação de atividades ou da execução de projetos,
conforme estabelecido nas políticas setoriais (grifamos).

Percebe-se, como essência do §2º do art. 24 o reforço à necessária


competição no bojo do procedimento de chamamento público, de modo a se
alcançar, com a maior eficiência, a melhor proposta. Reforça-se também em
referido parágrafo, como sempre se tem insistido, que referido procedimento não
pode se perder em meio a uma burocracia própria, afastando-se de sua essência
e da promoção de seus verdadeiros fins. Há de se desconsiderar, portanto, no
desenvolvimento do objeto da parceria, qualquer circunstância impertinente ou
irrelevante. Certamente que, vez ou outra o marco se perde em termos
extremamente subjetivos e por demais abertos, mas caberá à Administração
Pública, o juízo acerca daquilo que se entenda por impertinente ou irrelevante.

648 Verifique-se o “edital de chamamento público para termo de colaboração” realizado pela
Advocacia Geral da União e disponível em:
http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/36463421. Consulta em: Fev. 2018.
649 Disponível em: http://www.participa.br/osc/paginas/modelos-de-documentos-para-
implementacao-da-lei-13.0192014. Consulta em: Fev. 2018.

352
Admitidas, todavia, exceções à regra da plena competitividade (inciso I e
II, do §2º do art. 24), sendo legítima a preferência dada a OSCs sediadas ou
com representação atuante na Unidade da Federação onde será executada a
parceria, bem como, não há vedação ao estabelecimento de cláusula que
delimite o território ou a abrangência da prestação de atividades ou da execução
de projetos, em respeito às políticas setoriais. Perceba-se a situação de
excepcionalidade das situações previstas nos incisos em referência. As
exceções privilegiam situações comprovadamente diferenciadas, devendo ser
dada, a nosso ver, a devida motivação650 e publicidade ao ato que as justifique.
Uma última observação a respeito do edital faz-se necessária antes de
adentrarmos na fase externa do chamamento público. É o conteúdo do § 5º, do
art. 9º, do Decreto Federal n. 8.726/16, que assevera:

O edital não exigirá, como condição para a celebração da parceria, que


as organizações da sociedade civil possuam certificação ou titulação
concedida pelo Estado, exceto quando a exigência decorrer de
previsão na legislação específica da política setorial.

Tem-se no parágrafo acima trasladado uma das características mais


marcantes do modelo trazido pela Lei n. 13.019/14 e algumas vezes já ressaltado
nesta tese, especialmente quando comparado ao modelo de contratação das
OS’s e OSCIP. Não pode o edital exigir qualificações ou certificações das OSCs,
a não ser que as mesmas estejam previstas em lei específica de política setorial.
A área de saúde é um exemplo de setor que exige as mais diversas certificações
dos agentes atuantes e exatamente a isso não se contrapõe o marco regulatório.
O revogado art. 25 tratava da permissão para a denominada “atuação em
rede”, que compreendia a execução, com mais de uma OSC, em iniciativas
agregadoras de pequenos projetos. A questão da atuação em rede foi
transplantada para o art. 35-A quando da alteração promovida pela Lei
n.13.204/15 e recebeu capítulo próprio quando da regulamentação via Decreto
Federal n. 8.726/16. Cumpre ressaltar, todavia, ademais citado remanejamento,

650Faz-se uma leitura transversa do § 5º do art. 27 da Lei n. 13.019/14, donde se tem: “Será
obrigatoriamente justificada a seleção de proposta que não for a mais adequada ao valor de
referência constante do chamamento público”.

353
que para a parceria se efetivar via atuação em rede, deverá haver expressa
disposição no edital651.
O art. 26 da Lei n.13.019/14 concretiza, no âmbito das parcerias, o
princípio da publicidade, de modo que seja dado ao edital a mais ampla
divulgação possível, em página oficial da Administração Pública na internet, com
antecedência mínima de trinta dias. A respeito da publicidade em sítios públicos
na internet, já fizemos questão, oportunamente, de alertar que, ademais as
facilidades de tal sistema, existem falhas, acima de tudo a considerar que
estamos em um país que não tem ampla cobertura desses serviços.
Reconhecendo tal realidade o Decreto Federal n. 8.726/16 inova, na
medida que preceitua:

Art. 10. O chamamento público será amplamente divulgado no sítio


eletrônico oficial do órgão ou da entidade pública federal e na
plataforma eletrônica.
Parágrafo único. A administração pública federal disponibilizará,
sempre que possível, meios adicionais de divulgação dos editais de
chamamento público, especialmente nos casos de parcerias que
envolvam indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e
outros grupos sociais sujeitos a restrições de acesso à informação
pelos meios tradicionais de comunicação (Grifo nosso).

De fato, o marco regulatório e legislação correlata, pela importância de


seu objeto e pelos fins almejados não pode perder a oportunidade de abraçar a
realidade, de modo a se construir uma relação muito mais transparente entre
parceiros e beneficiários. No mais, dada publicidade ao edital, instaura-se a “fase
externa” do chamamento público.
Os artigos 27 e 28 do marco regulatório guardam relação, na medida que
disciplinam as fases do chamamento público, desde a apresentação das
propostas, seu julgamento, a divulgação e homologação do resultado do
certame.
O art. 27 da Lei n. 13.019/14652 dispõe acerca de critério obrigatório de
julgamento, que diz respeito à aferição, por meio de graus de adequação, da

651É o que preceitua o §9, do art. 9º do Decreto Federal n. 8.726/16.


652Disciplina o art. 27 da Lei n. 13.019/14, com as alterações promovidas pela Lei n.
13.204/15: “O grau de adequação da proposta aos objetivos específicos do programa ou da ação

354
proposta apresentada pela OSC, em relação aos objetivos específicos do
programa ou da ação em que se insere o objeto da parceria e, conforme o caso,
ao valor de referência. Conforme já pontuado, os critérios de julgamento podem
levar em considerações outros referenciais, tais como a criatividade e a
inovação653, o que será avaliado caso a caso.
A avaliação de citado critério pressupõe estágio avançado do
procedimento de chamamento público. Pressupõe a fase de avaliação das
propostas. Neste ritmo, conclui-se que todas as OSC interessadas na execução
do objeto da parceria já apresentaram suas propostas dentro do prazo, da data
e na forma estabelecida no edital.
De modo a conferir agilidade ao procedimento do chamamento público,
acredita-se que deva-se dar prevalência ao processamento eletrônico do
certame, com a apresentação das proposta pelas OSCs, através do Sistema de
Gestão de Convênios e Contratos de Repasse – SICONV, até que tenham sido
feitos as adequações devidas no âmbito de cada unidade da federação 654 .
Certamente que, em não havendo possibilidade, a Administração Pública deverá
optar pela realização do chamamento público em sessão própria, presidida pela
designada comissão de seleção, marcada para acontecer em dia e hora
especificados em edital, assinado um prazo razoável para ciência e preparação
das OSCs interessadas. Independente do rito, assevera o art. 11 do Decreto
Federal n. 8.726/16 que, “o prazo para a apresentação de propostas será de, no
mínimo, trinta dias, contado da data de publicação do edital” (destaca-se).
Como já oportunamente enfrentado quando da análise do conceito de
comissão de seleção à luz do inciso X do art. 2º do marco regulatório (no
segundo capítulo desta tese), é de responsabilidade desta comissão,
previamente designada nos termos previstos no marco regulatório ou constituída
pelo respectivo conselho gestor da política pública, caso o projeto venha a ser

em que se insere o objeto da parceria e, quando for o caso, ao valor de referência constante do
chamamento constitui critério obrigatório de julgamento”.
653 Conforme §4º, do art. 9º do Decreto Federal n. 8.726/16.
654 É o que se conclui da leitura do art. 81 da Lei n. 13.019/14, nos seguintes termos: “Mediante

autorização da União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal poderão aderir ao Sistema


de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV para utilizar suas funcionalidades
no cumprimento desta Lei”.

355
financiado com recursos de fundos específicos, o julgamento das propostas (§1º,
art. 27). O §2º do art. 27 do marco regulatório, como também já pontuado, trata
de impedimento ao qual se sujeitam os membros da comissão de seleção,
dando-lhe a devida solução o §3º do art. 27.
Uma vez instaurada a comissão de seleção legítima, caberá à mesma, a
avaliação das propostas apresentadas, fase que terá caráter eliminatório e
classificatório, segundo critérios de julgamento pré-estabelecidos no edital655. O
§2, do art. 16 do Decreto Federal n. 8.726/16, adverte acerca dos casos em que
a proposta da OSC participante deverá ser eliminada, em sendo: i) quando em
desacordo com os termos do edital; ii) quando faltar-lhe informação acerca da
descrição da realidade objeto da parceria e o nexo com a atividade ou o projeto
proposto; iii) quando faltar informação acerca das ações a serem executadas, as
metas a serem atingidas e os indicadores que aferirão o cumprimento das metas;
iv) quando não contiver informações acerca dos prazos para a execução das
ações e para o cumprimento das metas; e v) deixe de informar o valor global656.
Realizada a fase de julgamento das propostas, a qual o marco regulatório
denomina de “etapa competitiva” (caput do art. 28) e, uma vez ordenadas as
propostas, a comissão de seleção procederá à verificação dos documentos que
comprovem que a OSC mais bem classificada preenche os requisitos dos artigos
33 e 34. Essa fase se assemelha à denominada “fase de habilitação”, que no
caso do marco regulatório se firma, nos moldes do que ocorre na modalidade
licitatória do pregão (inciso XII, art. 4º da Lei n. 10.520/02) e no Regime
Diferenciado de contratação (inciso II, art. 14 da Lei n. 12.462/11). Primeiro
instaura-se a fase de competição, promovendo-se somente em oportunidade

655 É a redação do art. 16 e de seu §1º do Decreto Federal n. 8.726/15, donde se tem:
“Art. 16. A avaliação das propostas terá caráter eliminatório e classificatório.
§ 1º As propostas serão classificadas de acordo com os critérios de julgamento estabelecidos no
edital”.
656 Verifiquem-se os requisitos para a no caput e incisos do §2º do art. 16 do Decreto Federal n.

8.726/15.
“Art. 16. (...) § 2º Será eliminada a organização da sociedade civil cuja proposta esteja em
desacordo com os termos do edital ou que não contenha as seguintes informações:
I - a descrição da realidade objeto da parceria e o nexo com a atividade ou o projeto proposto;
II - as ações a serem executadas, as metas a serem atingidas e os indicadores que aferirão o
cumprimento das metas;
III - os prazos para a execução das ações e para o cumprimento das metas; e
IV - o valor global”.

356
posterior, a verificação dos documentos apenas do primeiro colocado. É o
caminho mais prático.
Caso a OSC selecionada em primeiro lugar não atenda aos requisitos
exigidos nos arts. 33 e 34 da Lei n. 13.019/14, aquela imediatamente melhor
classificada poderá ser convidada a aceitar a celebração de parceria nos termos
da proposta por ela apresentada. É a inteligência do §1º do art. 28 do marco
regulatório, que inova no sentido da segunda colocada vir a celebrar a parceria
não nos termos da proposta vencedora, mas sim nos limites da sua proposta
apresentada. Uma vez, a OSC convidada nos termos do §1º do art. 28 aceite
celebrar a parceria, far-se-á, portanto, a verificação dos documentos que
comprovem o atendimento dos requisitos presentes nos arts. 33 e 34 (§2º do art.
28).
Na ordem de desenvolvimento da Seção do marco regulatório afeta ao
chamamento público, os §§ 4º e 6º do art. 27 do marco regulatório falam na
homologação e divulgação do resultado do chamamento público, o que
demonstra, a nosso ver, muita confusão no entendimento acerca do
processamento do chamamento público. Como está, o marco regulatório parece
deixar a entender que o ato de homologação do certame é ato intermediário entre
o julgamento e a habilitação, o que não se pode compactuar.
O §6º do art. 27 afirma que a homologação não gera à OSC direito à
celebração da parceria, o que gera ainda mais confusão quanto à real percepção
dos efeitos da homologação e quanto à ausência do ato de adjudicação do objeto
a ser executado.
O chamamento público advém de um princípio licitatório, cravado na
CF/88, mais especificamente no inciso XXI do art. 37657, no capítulo dispensado
à Administração Pública, donde se abstrai a obrigatoriedade da realização de um
processo de licitação pública para a contratação de obras, serviços, compras e
alienações. Ademais, não ser o ideal, e guardadas as devidas proporções, é

657CF/88 – “art. 37 (...)


XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições
a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas
as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

357
impossível não analisar o marco regulatório ao tratar do procedimento de
chamamento público sem fazer um paralelo com os institutos presentes na
dinâmica licitatória, quanto mais pelo estado da arte da matéria ainda em
construção. Neste exercício comparativo surge o conceito de homologação, que
segundo doutrina mais balizada, demanda um juízo de legalidade e validade do
procedimento licitatório. Com a homologação, a administração pública examina
os atos praticados, de modo a verificar sua conformidade com o edital e com a
lei, apurando algum vício que possa comprometer a licitação. Uma vez realizada
a homologação, reconhece-se a validade dos atos praticados e a conveniência
do procedimento realizado, possuindo, ao mesmo tempo, eficácia declaratória e
constitutiva658.659
Como antecipado, o §6º do art. 27 da Lei n. 13.019/14, ao citar a
homologação, afirmando que a mesma não gera direito para a OSC à celebração
da parceria, o marco regulatório gera uma confusão dos institutos já conhecidos
(homologação x adjudicação), firmando uma lógica própria. Na dinâmica
licitatória, a adjudicação do objeto da licitação ao vencedor é o ato que confere
mera expectativa de direito de contratar. A adjudicação, como ato formal da
Administração, coloca fim ao procedimento licitatório, atribuindo ao vencedor o
objeto da licitação660. Só existe a adjudicação do objeto ao vencedor do certame,
tendo havido a devida homologação.
Outra reflexão imposta pelo §6º do art. 27, afora a questão terminológica
homologação-adjudicação diz respeito ao direito à contratação x direito à
adjudicação. Nestes termos, uma coisa é a OSC ter direito à confirmação de que
é efetivamente a vencedora do certame e tem qualidade suficiente para firmar
com a Administração o ajuste previsto no edital (direito à adjudicação) e outra,
bem diferente, é o direito de exigir do Poder Público a realização dessa
contratação. Como temos insistido, ainda que caiba um juízo de

658 JUSTEN FILHO, 2008, p. 558-559.


659 Segundo Marçal Justen Filho (2008, p. 559), “A homologação possui eficácia declaratória
enquanto confirma a validade de todos os atos praticados no curso da licitação. Possui eficácia
constitutiva enquanto proclama a conveniência da licitação e exaure a competência discricionária
sobre esse tema”.
660 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002, p.

159.

358
discricionariedade da Administração Pública em nome do interesse público
quanto a conveniência para a celebração da parceria, sendo possível sua
revogação mesmo depois da adjudicação do objeto, essa postura monológica
precisa ser repensada. É preciso pensar no marco regulatório como um
instrumento que represente, de fato, um compromisso da Administração Pública
de não se comportar de maneira hierarquizada. Há de se pensar na cooperação
como algo possível. A OSC não pode também viver à deriva frente as
prerrogativas e faculdades da Administração Pública. É preciso um compromisso
desta com a segurança jurídica e boa-fé que se espera nesta lógica cooperativa
das parcerias em estudo. A OSC tem suas expectativas, que certamente não
podem ultrapassar os interesses a serem protegidos, mas também não pode se
conduzir o chamamento público como uma simples aposta.
Ante todas essas reflexões é preciso o mínimo de cuidado interpretativo.
Neste sentido, publicado o edital do chamamento público, recebidas as
propostas nos prazos e formas especificados, realizada pela comissão de
licitação o julgamento das propostas e encerrada a fase competitiva, promove-
se, respeitada a ordem de classificação das propostas, sucessivamente e em
sendo o caso, à fase de habilitação, com a verificação dos documentos exigidos
pelos arts. 33 e 34 do marco regulatório. Verificados todos os requisitos, será
divulgado o resultado do julgamento em página do sítio oficial da Administração
Pública na internet.
Dessa publicação, conta-se o prazo para apresentação de recursos contra
tal resultado preliminar. O Decreto Federal que regulamentou a Lei n. 13.019/14,
em seu art. 18, assina o prazo de cinco dias para apresentação dos recursos por
parte das organizações da sociedade civil, endereçado à comissão de seleção.
Seria mais interessante se o decreto tivesse sido mais razoável e tivesse dito
“cinco dias úteis”, mas não o fez. O decreto também só fala em recurso a ser
apresentado pelas OSC, nada mencionando acerca da possibilidade de
manifestação por parte de qualquer cidadão. A nosso ver, qualquer cidadão pode
apresentar recurso contra o resultado preliminar do chamamento público,
mantendo-nos fiéis às bases principiológicas e diretrizes do marco regulatório de
participação popular, desde que tal ato não seja manifestamente concretizado

359
no intuito de tumultuar o desenvolvimento do certame. Aliás, a qualquer cidadão
deve ser reconhecido o direito de acompanhar o desenvolvimento do
chamamento público, concretizando traços de um controle social, devendo
manter uma postura proativa e não impeditiva.
Pode haver a reconsideração da decisão por parte da comissão da
seleção (primeira parte do §1º, do art. 16 do Decreto Federal n. 8.726/16),
também no prazo de cincos dias contados do recebimento do recurso. Caso não
haja reconsideração, o recurso deverá ser encaminhado à autoridade
competente (no caso, o administrador público) para decisão final. O Decreto
Federal assinala que o meio para apresentação dos recursos será a plataforma
eletrônica, no que insistimos, deverá ser avaliado caso a caso. No mais, é
irrecorrível a decisão que analisar o recurso em questão (§4º, do art. 16 do
Decreto Federal n. 8.726/16).
Como ato subsequente, ultrapassada a fase recursal (ou transcurso do
prazo para interposição de recurso), tem-se o ato de homologação, que, como
visto, é um juízo de validade e conveniência a cargo do administrador público, a
autoridade superior na estrutura destas parcerias, a quem cabe a assinatura dos
termos de colaboração e fomento (Inciso V, do art. 2º, Lei n. 13.019/14). Como
ato contínuo da homologação, promove-se a publicação do resultado definitivo
do processo de seleção661. No mais, há de se entender que, terminologicamente,
no ato de homologação previsto pelo §6º do art. 27 está compreendido, em
verdade o ato de adjudicação, que confirma o vencedor do certame,
reconhecendo na OSC vencedora as qualidades necessárias para a celebração
da parceria.
Em termos de rito, esse é o caminho que deverá servir de norte para a
Administração Pública no processamento do chamamento público662. O marco

661 É o que se conclui da leitura do art. 19 do Decreto Federal n. 8.726/15.


662 Cumpre pontuar que o Decreto Municipal do Rio de Janeiro (Decreto n. 42.696/16), em seu
art. 7º, que trata do chamamento público impõe outros requisitos, cite-se: “(...)VI – o prazo de
vigência do Termo e, quando admitidas, as hipóteses de prorrogação; VII – as condições de
participação, os requisitos de habilitação e as condições para a assinatura do Termo”. Cada
Estado, dentro da sua competência legislativa também o fará. Atente-se, somente, para o limiar
entre o que é prático e justificável para os excessos e a construção de um sistema burocrático
próprio.

360
regulatório traça as hipóteses nas quais não haverá necessidade do
chamamento público. É do que se tratará na sequência.

3.1.2.4.2 Casos de dispensa e inexigibilidade

Atente-se, desde já, para o conteúdo do art. 29 da Lei n. 13.019/14 que,


com a redação dada pela Lei n. 13.204/15, preceitua: “Os termos de colaboração
ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares
às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem
chamamento público, exceto, em relação aos acordos de cooperação, quando o
objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de
compartilhamento de recurso patrimonial, hipótese em que o respectivo
chamamento público observará o disposto nesta Lei”.
A redação introduzida pela Lei n. 13.204/15 alimentou a polêmica, uma
vez que escancara uma das questões mais delicadas no universo das
contratações das entidades sem fins lucrativos com o poder público: as
contratações diretas sem observância do princípio licitatório. A respeito da clara
possibilidade de celebração de ajuste direto, sem a realização de chamamento
público, transcreve-se importante reflexão elaborada pela professora Rita
Tourinho (2016), com a qual concordamos:

Assim, sem qualquer justificativa plausível, o chamamento público


deixa de incidir em ajustes firmados com recursos decorrentes de
emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais. Parece um
verdadeiro paradoxo que uma lei supostamente fundamentada em
princípios administrativos, dentre os quais o da impessoalidade e o da
moralidade, exclua a incidência do instrumento voltado à efetivação de
tais princípios aos ajustes firmados com recursos decorrentes de
emendas parlamentares, cujas denúncias de desvios e prática de
crimes, infelizmente, já fazem parte do cotidiano, gerando
questionamentos quanto a real destinação de tais verbas. Somente a
título de exemplo, tem-se o suposto esquema de corrupção no
Ministério do Turismo, no ano de 2011, originado por desvios de verbas
de convênios com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de
Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), para atuação no estado do Amapá,
relacionados com duas emendas parlamentares. Este é apenas um
dos milhares de casos facilmente encontrados em pesquisas
realizadas em sites de notícias. A exceção trazida pela Lei garantirá

361
que os autores das emendas parlamentares continuem a indicar o ente
que pretende ter como gestor do recurso repassado663.

Segundo conclusões da autora o marco regulatório teria andado bem ao


prever, no texto original da lei, poucos casos de dispensa e inexigibilidade do
chamamento público, se mostrando muito mais coerente com os princípios que
acolheu, o que teria se perdido com as modificações realizadas pela Lei n.
13.204/15 (inciso VI, do art. 30). É o que se faz necessário refletir.
Em clara alusão ao que dispõe os artigos 24 e 25 da Lei Geral de
Licitações (Lei n. 8.666/93), o marco regulatório em estudo trata de traçar as
situações nas quais o procedimento de chamamento público não será possível
ou não será a melhor opção.
Conforme usualmente se absorve da doutrina sobre o tema, quando a lei
se reporta às hipóteses de dispensa de licitação está se referindo às situações
nas quais, embora viável a competição entre os interessados, a mesma se
mostrará objetivamente incompatível com os valores da atividade administrativa.
A inexigibilidade, por sua vez, contempla os casos em que não há esse juízo de
conveniência e oportunidade, caracterizando hipótese onde a competição não é
possível664. É o mesmo paralelo que deve ser feito ao se analisar os casos de
dispensa e inexigibilidade do chamamento público contempladas pelos artigos
30 e 31 da Lei n. 13.019/14.
Temos assim, os casos de dispensa segundo o art. 30 do marco
regulatório:
Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do
chamamento público:
I - no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de
paralisação de atividades de relevante interesse público, pelo prazo de
até cento e oitenta dias;
II - nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da
ordem pública ou ameaça à paz social;
III - quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas
ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança;
IV - (VETADO).
V - (VETADO);

663 TOURINHO, Rita. “O Chamamento Público e os Ajustes Diretos Firmados com Organizações
de Sociedade Civil: A Interpretação Sistemática da Lei nº 13.019/14”. Revista REDE, 2016.
Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rita-tourinho/o-chamamento-
publico-e-os-ajustes-diretos-firmados-com-organizacoes-de-sociedade-civil-a-interpretacao-
sistematica-da-lei-n-1301914. Consulta em: Fev. 2018.
664 JUSTEN FILHO, 2008, Pp. 287-288.

362
VI - no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de
educação, saúde e assistência social, desde que executadas por
organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão
gestor da respectiva política.

O inciso I do art. 30 justifica a dispensa do chamamento pública, em caso


de urgência, causada pela paralisação ou iminente paralisação de atividades de
relevante interesse público, pelo prazo de até cento e oitenta dias. A hipótese
evidencia a dispensabilidade do chamamento, uma vez que sua realização (em
especial, o tempo gasto em seu trâmite), poderia vir a causar prejuízo maior para
aqueles diretamente beneficiados pela prestação de serviços.
Há de se ter cautela na interpretação da proclamada urgência assentada
no inciso I do art. 30, servindo-nos a advertência lançada por Lúcia Valle
Figueiredo e Sérgio Ferraz (1994), no sentido de que não poderá servir de
desculpa a encobrir clara desídia do administrador público665. A urgência deve
ser tratada, como em todos as hipóteses de dispensa, como a exceção que é.
Daí aproveitar-se também, o ensinamento de Carlos Ari Sundfeld (1995),
fazendo os devidos ajustes, no sentido de que, havendo a possibilidade de se
encurtar prazos, adotar expediente mais rápido, deve-se fazê-lo, ao invés de se
optar pela dispensa666.
O inciso II do art. 30 trata de situações de clara excepcionalidade –
guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à
paz social. Segundo importante lição de José dos Santos Carvalho Filho (2011)
que nos serve, sem necessidade de maiores elucubrações: “guerra é conflito que
põe em risco a soberania, e sua declaração é privativa do Presidente da
República com autorização ou referendo do Congresso Nacional (art. 84, CF).
Perturbação da ordem é a situação que afeta a paz e a disciplina social e política,
gerando as medidas de estado e defesa (art. 136, CF) e estado de sítio (art. 137,
I, CF). Todavia, não basta qualquer comoção interna, é preciso que se
caracterize como grave pra justificar a dispensa. Outro caso de dispensa é
aquele em que ocorre a calamidade pública, situação, natural ou não, que destrói

665 FIGUEIREDO, Lúcia Valle; FERRAZ, Sérgio. Dispensa e inexigibilidade de licitação. 3ª ed.
São Paulo: Malheiros, 1994, p. 49.
666 SUNDFELD, 1995, p. 65.

363
ou põe em risco a vida, a saúde ou os bens de certos agrupamentos sociais”
(grifos do original)667.
O inciso III do art. 30 inova, no sentido de trazer hipótese de dispensa
prevista unicamente pelo marco regulatório não encontrando paralelo em
nenhuma outra norma e que diz respeito à realização de “programa de proteção
a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua
segurança”. Nesta seara, atente-se para a legislação afeta ao tema (Lei n.
9.807/99 e Decreto n. 3.518/2000) e as diretrizes setoriais do “Programa de
Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas”, da Secretaria de Direitos
Humanos668. Atente-se nesta oportunidade, ao disposto pelo art. 87669 do marco
regulatório, reconhecendo as peculiaridades dos programas de proteção à
pessoa, aduzindo a necessidade de mitigação quanto as exigências de
transparência e publicidade, o que é mais do que justificado ante o objeto em
referência.
A respeito do inciso VI, do art. 30 do marco regulatório, incluído pela Lei
n. 13.204/15, extremamente válidas as reflexões de Rita Tourinho (2016), que já
nos advertiu acerca da ampliação demasiada das hipóteses de dispensa, em
razão do acréscimo em questão. Adverte referida mestra, que ao se utilizar do
terminologia “credenciadas”, sem render-lhe sentido específico, o marco
regulatório, autorizaria a formalização de ajuste, sem a realização do competente
chamamento público, quando a organização de sociedade civil já se encontrar
previamente “credenciada” pelo órgão gestor da respectiva política670.
Reflete ainda:

Por certo que o credenciamento constante do dispositivo distancia-se


do sentido conferido pela doutrina e jurisprudência, que o definem
como hipótese de inexigibilidade de licitação, ocorrendo quando a
Administração pretende contratar, de forma igualitária, todos os
interessados que atendam às condições previamente estabelecidas

667 CARVALHO FILHO, 2011, pp. 232-233


668 Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/combates-as-violacoes/programas/programa-
de-protecao-a-vitimas-e-testemunhas-ameacadas. Consulta em: Fev. 2018.
669 Lei n. 13.019/14 – “Art. 87. As exigências de transparência e publicidade previstas em todas

as etapas que envolvam a parceria, desde a fase preparatória até o fim da prestação de contas,
naquilo que for necessário, serão excepcionadas quando se tratar de programa de proteção a
pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança, na forma do
regulamento”.
670 TOURINHO, 2016.

364
para a satisfatória prestação do serviço de que necessita o Poder
Público. Na hipótese do art. 30, parece que o credenciamento
aproxima-se do sentido de cadastramento, trazido no art. 34, da Lei nº
8.666/93.
Ora, sabendo-se que a grande maioria dos vínculos formalizados com
entidades do Terceiro Setor está vinculada à saúde, educação e
assistência social, e que existindo organizações previamente
credenciadas a Administração Pública poderá dispensar o
chamamento público, questiona-se, como será efetivado o princípio da
impessoalidade na hipótese de existirem diversas entidades
credenciadas aptas à formalização do ajuste?
Tentando responder a tal questionamento, pode-se afirmar que o
chamamento público em tal caso somente poderá ser dispensado
quando a Administração Pública dispuser de recursos suficientes para
fomentar a atuação de todas as organizações de sociedade civil
previamente credenciadas, que possuam interesse em formalizar
determinada parceria (Grifo no original)671.

Lançadas as ponderações necessárias acerca das situações de dispensa


de chamamento público, passa-se a análise das hipóteses de inexigibilidade
contidas no art. 31 da Lei n. 13.019/14, em sendo:

Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na


hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da
sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou
se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade
específica, especialmente quando:
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato
ou compromisso internacional, no qual sejam indicadas as instituições
que utilizarão os recursos;
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade
civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada
expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da
subvenção prevista no inciso I do § 3o do art. 12 da Lei no 4.320, de 17
de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei
Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

Conforme antecipado, as hipóteses de inexigibilidade pressupõe


inviabilidade de competição, apresentando-se como “uma imposição da
realidade extranormativa”672, ante a ausência de alternativas.
O inciso I do art. 31 é autoexplicativo, na medida que exterioriza situação
nascida de acordo, ato ou compromisso internacional, os quais já discriminam
as instituições agraciadas com recursos e não a ato de escolha a ser feito.

671 TOURINHO, 2016.


672 JUSTEN FILHO, 2008, p. 340.

365
O inciso II do art. 31, por sua vez, trata da transferência de subvenções
sociais para organização de sociedade civil. As subvenções sociais como já
tivemos oportunidade de refletir, tem previsão legal no art. 12, parágrafo 3º, I, da
Lei nº 4320/64, prestando-se, exclusivamente, à realização de despesas de
custeio da entidade, vedada a utilização para despesas de capital
(investimentos).
O inciso em questão é bastante exigente, havendo a necessidade de
consideração de toda uma lógica própria atrelada à Lei de Responsabilidade
Fiscal e a norma que dispõe acerca da normas gerais de Direito Financeiro, de
modo a restar caracterizada a hipótese de inexigibilidade em apreço 673.
Não é demais observar que o rol do art. 31 é exemplificativo, de modo que
haverá a consideração caso a caso das situações onde a competição for inviável.
O art. 32 da Lei n. 13.019/14 é o que encerra a seção afeta ao
chamamento público, tratando de temas centrais para o correto processamento
dos casos de dispensa e inexigibilidade. Reforça o art. 32 o princípio da
motivação que permeia toda a lógica do regime jurídico em apreço e assenta a
necessidade da devida justificativa por parte do administrador público, ante a
ocorrência de alguma das hipóteses de dispensa e inexigibilidade previstas pelo
marco regulatório.
O §1º do art. 32 ressalta, sob pena de nulidade do ato de formalização da
parceria, a obrigatoriedade de publicação do extrato da referida justificativa no
sítio oficial da Administração Pública na internet e, a critério do administrador,

673 Reflete acerca do inciso II, do art. 31, a professora Rita Tourinho (2016), asseverando: “A Lei
nº 4.320/64 estabeleceu diretrizes a serem seguidas quando da realização de transferência de
recursos pelo Poder Público a entidades privadas. No artigo 16 da citada Lei, determinou-se que
as subvenções sociais, que devem atender despesas de manutenção de entidades sem fins
lucrativos, visam à prestação de serviços nas áreas de assistência social, médica e educacional
e ainda, mostrar-se mais econômica do que a atuação direta do ente federado, portanto, este
procedimento não deve ser regra e sim complementador à atividade estatal. O parágrafo único
do citado artigo, trata a base de cálculo dos valores a serem transferidos, qual seja, unidade de
serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados, obedecidos os
padrões mínimos de eficiência previamente fixados
Em sintonia com a Lei 4.320/64, a Lei Complementar 101/2000, também abordou a matéria sobre
a transferência de recursos públicos ao setor privado, determinando que a destinação pode se
dar quando devidamente autorizada por lei específica, atender condições estabelecidas na lei de
diretrizes orçamentárias e se consignada na lei orçamentária ou em créditos adicionais, de
acordo com o artigo 26 e parágrafos. Vê-se, então, que a incidência da referida hipótese de
inexigibilidade de chamamento público perpassa pelo preenchimento de diversos requisitos”.

366
onde mais se fizer necessário (meio oficial de publicidade). O §2º do art. 32,
abre a possibilidade para o recurso de “impugnação à justificativa”, a ser
apresentada no prazo de cinco dias (aqui o marco regulatório também não fala
em “dias úteis”, como seria mais proveitoso). O administrador público designado
é o responsável pelo julgamento da impugnação, à qual se dará resposta
também em cinco dias, contados de sua protocolização.
Sob a luz do §3º do art. 32, sendo julgada procedente a impugnação, o
ato que declarou a dispensa ou considerou inexigível o chamamento público será
revogado, iniciando-se, imediatamente, procedimento para a realização do
chamamento público.
Por fim, mencione-se o conteúdo do §4º do art. 32, no sentido de reforçar
que as hipótese de dispensa e inexigibilidade de chamamento público e o tratado
pelo art. 29, não afasta a aplicação dos demais dispositivos do marco regulatório,
o que se reforça, especialmente, os atos de formalização das parcerias e os
dispositivos afetos à prestação de contas.

3.1.2.5 A atuação em rede

Observa Rosa Maria Fischer, que o termo “rede” vem sendo aplicado tanto
como um conceito teórico, auxiliando na interpretação e compreensão de
determinada realidade, quanto como uma metodologia de análise científica,
como instrumento de organização de dados para análise 674. Interessa-nos, a
princípio, seu conceito teórico, surgido na área da Biologia e da Ecologia,
compreendendo a noção de rede, como um sistema de laços realimentados,
fruto dos estudos a respeito das teias alimentares e ciclos da vida,
reconhecendo-a como o único padrão de organização comum a todos os
sistemas vivos675.

674 FISCHER, Rosa Maria; BOSE, Monica; LIN, Fu Kei. “Redes sociais – novos arranjos para a
sustentabilidade”. In: CABRAL, Antonio; COELHO, Leonardo (Org.). Mundo em transformação:
caminhos para o desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 67.
675 FISCHER (et al), 2006, p. 67.

367
Adverte a autora que, a imagem metafórica da rede, não é nenhuma
novidade para os estudiosos de Ciências Sociais, servindo-se à Antropologia
como poderosa ferramenta de pesquisa etnográfica, vez que “permitia visualizar
como as interações e os contatos sociais criavam normas de comportamento e
estabeleciam redes de relações, as quais garantiam a sobrevivência e o
desenvolvimento do grupo, tanto no plano das necessidades físicas, quanto nos
níveis de o equilíbrio emocional e da transcendência espiritual”676.
Na Sociologia, a noção de rede tem sido empregada para o estudo de
ações coletivas e movimentos sociais que, de maneira geral, compreendem-na
como sendo a conexão de elos de relacionamento que formam um tecido social
comunitário, ou geograficamente mais amplo, cuja articulação em rede, dá-se
com base na interação entre os atores que são indivíduos, famílias,
organizações. Dessas bases surgem duas correntes de pensamento: a corrente
da Teoria da Mobilização de Recursos e a Teoria dos Novos Movimentos
Sociais677.
A denominada “Teoria dos Novos Movimentos Sociais” - NMS, que ganha
cada vez mais impulso a despeito da evolução tecnológica informacional é, como
já visto, tema cercado de polêmicas e questão recorrente no desenvolvimento
desta tese. O marco regulatório em estudo é uma norma densa, por toda a
complexidade de suas escolhas, por todos os caminhos e palavras utilizadas.
Cada termo significa muito. Cada termo pode desagradar muito.
A despeito da Teoria dos Novos Movimentos Sociais destaque-se o
pensamento de Mellucci para quem a rede representa um local de movimento
composto por pequenos grupos e pessoas dotadas de uma identidade coletiva,
que compartilham uma cultura de mobilização, composta por mensagens
simbólicas que desafiam os padrões dominantes, propondo inovações678. Para
citado autor, redes são formadas por indivíduos que partilham dos mesmos
códigos culturais e solidariedades construídas no cotidiano, podendo se tornar

676 FISCHER (et al), 2006, p. 67.


677 FISCHER (et al), 2006, p. 67.
678 MELLUCI, A. Challenging codes: Collective action in the information age. Cambridge: USA,

1996, p. 27.

368
visíveis apenas quando os grupos se mobilizam para manifestar seus intentos
ou interferir nas políticas públicas679.
A denominada “Revolução das Comunicações” mexeu com as estruturas
do mundo. Com mais informação e com mais consciência de seus direitos,
instaurou-se no seio da sociedade civil uma era de não-reverência ao Estado
(verticalidade), mas de questionamentos, de modo a reduzir seu poder,
tornando-o não um fim em si mesmo, mas um instrumento (horizontalidade)680.
Como muito bem sustentado por Manuel Castells, com as atuais redes
digitais de comunicação, a análise das relações de poder provocou uma nova
abordagem acerca das formas e dos processos da comunicação que, na
atualidade, estão cada vez mais socializados, em razão das redes horizontais de
participação, tendo-se produzido o fenômeno que denominou de
“autocomunicação de massa”681.
Manuel Castells, é de fato um dos grandes nomes a descortinar essa
dinâmica social, e em sua celebrada obra “Redes de indignação e esperança –
movimentos sociais na era da internet”, chama especial atenção para os novos
espaços de interlocução propiciados pela internet, tecnologia que possibilita a
constituição de redes significativas, uma vez que fornecem uma “plataforma para
essa prática continuada e que tende a se expandir, evoluindo com a mudança
de formato do movimento” 682 . O autor parte do pressuposto no qual os
movimentos sociais emergentes encontram-se conectados em rede de múltiplas
formas e alerta: “O uso das redes de comunicação da internet e dos telefones
celulares é essencial, mas a forma de conectar-se em rede é multimodal. Inclui
redes sociais on-line e off-line, assim como redes preexistentes e outras
formadas durante as ações do movimento”683.
Ademais a relevância de citado autor para as reflexões acerca do tema
deste tópico, a percepção da articulação da sociedade civil em “rede” não é
nenhuma novidade. Encontra-se há tempos imbricada na concepção de “redes

679 MELLUCI, 1996, p. 27.


680 MOREIRA NETO, 2016, p. 178.
681 CASTELLS, Manuel. Communication Power. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 4.
682 CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 160.
683 CASTELLS, 2013, p. 159.

369
de solidariedade” presente na obra de Rainer Randolph684. Tais redes, que se
firmam especialmente no campo da esfera pública, evidenciam uma grande
diversidade de relações, englobando os grupos mais heterogêneos e alterando
consideravelmente a relação Estado-Sociedade. Granovetter 685 ressalta a
relevância das redes para a inclusão social, enquanto Wellman686 atenta para o
fato de que as redes sociais de solidariedade se prestam ao enfrentamento da
insegurança econômica e da ineficiência dos serviços públicos.
De fato, o diferencial dessas “redes” na atualidade estaria nas tecnologias
como “espaços livres”, no que Castells adverte não ser o suficiente, sendo o
grande desafio ir além, alcançando o que o autor denominou de “espaços de
autonomia” 687 . Nesta medida, o desafio para os movimentos sociais na
atualidade é romper as redes sociais da internet e ocupar o espaço urbano,
“reclamar” o espaço nas cidades.
Castells, na obra em referência, apresenta uma série de características
dos movimentos sociais em rede, reconhecendo neles: 1) uma estrutura
descentralizada, horizontalizada, autogovernada, sem uma liderança formal; 2)
a característica de serem ao mesmo tempo locais e globais; 3) atemporais,
transcendem tempo e espaço; 4) espontâneos em sua origem; 5) são virais; 6)
autorreflexivos; 7) em princípio, não são violentos; 8) raramente são
programáticos, sendo múltiplas suas demandas e ilimitadas suas motivações; 9)
pretendem transformar o Estado, mas não se apoderar dele; 10) propõe uma
nova utopia: a autonomia do sujeito em relação às instituições da sociedade 688.

Em toda essa lógica proposta, repousa nas tecnologias e, portanto, nas


redes sociais digitais, um importante instrumento de superação da dominação
institucionalizada, podendo os movimentos sobreviverem, deliberarem,
expandirem-se para além dos espaços físicos, criando novas formas de

684 Apud COSTA, Maria Alice Nunes. Teias e tramas da responsabilidade social – o investimento
social empresarial na saúde. Apicuri: Rio de Janeiro, 2011, p. 88.
685 GRANOVETTER, M. The strenght of weak ties: a network theory revisited. Albany Conference

on Contributor of Networks Analysis to Structural Sociology, 1981, p. 121.


686 WELLMAN, Barry. Structural analysis: from method and methapor to theory and substance.

Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 35.


687 CASTELLS, 2013, p. 160/161.
688 CASTELLS, 2013, p. 159/166.

370
convivência. É de onde emergem os contrapoderes, com o aperfeiçoamento da
comunicação social, firmando a consciência do coletivo689.
No fim das contas, a estruturação em rede é uma grande aposta no poder
da sociedade civil global que, “atuando sobre a mentalidade pública por via da
mídia e das redes de comunicação, poderá, eventualmente, superar a inércia
histórica dos Estados-nação e assim levá-los a aceitar a realidade de seu poder
limitado em troca de incremento de sua legitimidade e eficiência”690.
Mas há quem pense de forma diferente. Caio Martins, a despeito da
formação de uma identidade coletiva proveniente dessa lógica de articulação em
redes e como baluarte dos Novos Movimentos Sociais, adverte que se trata, em
verdade, de um “novo paradigma” que “elimina também a centralidade da classe
trabalhadora como sujeito histórico na luta pela emancipação humana. Em seu
lugar, haveria um sujeito coletivo difuso, não hierarquizado, em luta contra
discriminações e opressões”691.
Lechner (apud COSTA, 2011) já advertia para o fato de que a
coordenação via redes não corresponde necessariamente a uma forma de
integração social692, enquanto Boltanski e Chiapello também alertaram para o
perigo da construção de um individualismo próprio dentro das redes, com a
exploração de posições vantajosas. Assim sendo, corre-se o risco na prática, de
se desenvolver relações distantes, colocando-se as organizações em pontos de
conexão que lhes garanta uma reputação, como meio para se lucrar
individualmente, seja de forma utilitária ou oportunista693. Em outras palavras, o
pertencimento a uma rede passa a ser bandeira para se obter benefícios
individuais.
De todo modo, “Fomentar a participação dos diferentes atores sociais em
sentido abrangente e criar uma rede que informe, elabore, implemente e avalie

689 MOREIRA NETO, 2016, p. 48.


690 CASTELLS, 2009, p. 42.
691 MARTINS, Caio. “Movimentos sociais e luta de classes: crítica às teorias dos ‘novos

movimentos sociais’ e dos ‘movimentos socioterritoriais’”. In: MONTAÑO, Carlos (org.). O canto
da sereia – crítica à ideologia e aos projetos do “Terceiro Setor”. São Paulo: Cortez Editora, 2014,
p. 350.
692 COSTA, Maria Alice Nunes. Teias e tramas da responsabilidade social. Rio de Janeiro:

Apicuri, 2011, p. 91.


693 BOLTANSKI, Luc. CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins

Fontes, 2009, p. 179.

371
as decisões políticas tornou-se o paradigma de inúmeros projetos de
desenvolvimento local (auto) qualificados de inovadores e de políticas públicas
locais (auto) consideradas progressistas”694. A fórmula regulatória proposta pela
Lei n. 13.019/14 não foge desta tendência. Reconhece a dinâmica de coesão
presente na articulação em rede, que se concretiza, de fato, na lógica do dito
Terceiro Setor e dentro das OSCs, segundo terminologia abarcada pela norma
em estudo695.
Como já visto e entende-se ser oportuno rememorar, o próprio marco
regulatório articulou-se, em suas tratativas iniciais, em rede, fruto da reunião de
várias entidades sob a “Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as
Organizações da Sociedade Civil”696.
Nascido desta iniciativa, tem-se assim, sob a luz da Lei n. 13.019/14:

Art. 35-A. É permitida a atuação em rede, por duas ou mais


organizações da sociedade civil, mantida a integral responsabilidade
da organização celebrante do termo de fomento ou de colaboração,
desde que a organização da sociedade civil signatária do termo de
fomento ou de colaboração possua:
I - mais de cinco anos de inscrição no CNPJ;
II - capacidade técnica e operacional para supervisionar e orientar
diretamente a atuação da organização que com ela estiver atuando em
rede.
Parágrafo único. A organização da sociedade civil que assinar o termo
de colaboração ou de fomento deverá celebrar termo de atuação em
rede para repasse de recursos às não celebrantes, ficando obrigada a,
no ato da respectiva formalização:
I - verificar, nos termos do regulamento, a regularidade jurídica e fiscal
da organização executante e não celebrante do termo de colaboração
ou do termo de fomento, devendo comprovar tal verificação na
prestação de contas;
II - comunicar à administração pública em até sessenta dias a
assinatura do termo de atuação em rede.

O artigo compunha, originalmente, a redação do art. 25 do marco


regulatório na seção afeta ao chamamento público. Foi redimensionado pelas

694 MILANI, 2008.


695 Segundo lição de Fischer (et al), é cada vez maior o número de articulações de Organizações
da Sociedade Civil que se apoiam mutuamente com o objetivo de integrar esforços e alcançar
objetivos comuns, gerando a criação de redes temáticas que funcionam como fóruns de trocas
de informações e espaços de reflexão. Seriam exemplos dessas articulações a ECO/92, as
Redes de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, o Fórum Social Mundial, a Rede para
Informação do Terceiro Setor (RITS) e a ABONG (FISCHER; BOSE; LIN, 2006, p. 72).
696 Compromisso disponível em: http://plataformaosc.org.br/wp-
content/uploads/2011/10/Plataforma-principal.pdf. Consulta em: Fev. 2018.

372
alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15, o que não significa, como já dito,
não deva a atuação em rede deixar de constar do respectivo procedimento de
chamamento público697. A Administração Pública precisa sinalizar para essa
possibilidade nos termos de colaboração e fomento que pretender celebrar. Com
isso se busca evitar eventuais críticas de que, com a atuação em rede, estar-se-
ia burlando a regra da obrigatoriedade de realização de chamamento público698.
Há de restar claro que a atuação em rede também não pode deixar
transparecer nenhum resquício de que há, em verdade, a subdelegação do
objeto da parceria a outra organização que não seja a celebrante. É o conteúdo
que se absorve do § 3º, do art. 45 do Decreto Federal n. 8.726/16, o qual reitera:
“A atuação em rede não caracteriza subcontratação de serviços e nem
descaracteriza a capacidade técnica e operacional da organização da sociedade
civil celebrante” (destaca-se). É certo que os desdobramentos desta questão
ficarão a cargo dos respectivos decretos estaduais e municipais que
regulamentam a matéria699.700

697 Atente-se para o tom do § 5º, do art. 4º do Decreto Estadual n. de São Paulo (n. 61.981/16),
donde se tem: “Se o edital de chamamento público expressamente permitir a atuação em rede,
a organização da sociedade civil interessada deverá, adicionalmente, comprovar as exigências
aludidas no artigo 35-A da Lei federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014” (grifo nosso).
698 O Decreto Estadual do Estado da Bahia, n. 17.091/16, que veio regulamentar a Lei n.

13.019/14 é de clareza exemplar ao tratar do tema, no que trasladamos:


“Art. 16 - É permitida a atuação em rede, por duas ou mais organizações da sociedade civil,
devendo constar em edital, mantida a integral responsabilidade da organização celebrante do
termo de fomento ou de colaboração, observadas as regras dispostas no art. 35-A da Lei Federal
nº 13.019, de 31 julho de 2014.
(...)
§ 2º - Tratando-se de parcerias celebradas com dispensa ou inexigibilidade de chamamento
público, definidas nos arts. 30 e 31 da Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014, a atuação
em rede dependerá de previsão no termo de fomento ou no termo de colaboração
(...)”(grifos nossos).
699 Reitere-se nesta oportunidade o conteúdo do art. 16 do Decreto Estadual n. 17.091/16 da
Bahia, que reforça:
“Art. 16 - É permitida a atuação em rede, por duas ou mais organizações da sociedade civil,
devendo constar em edital, mantida a integral responsabilidade da organização celebrante do
termo de fomento ou de colaboração, observadas as regras dispostas no art. 35-A da Lei Federal
nº 13.019, de 31 julho de 2014” (grifo nosso).
Reforce-se ainda, o conteúdo do § 1º, do art. 16 de citado Decreto, de modo que fique esclarecido
que há de motivado a decisão que julgar pela inadmissibilidade da atuação em rede, em sendo:
“A inadmissibilidade de execução da parceria por meio da atuação em rede deverá ser
expressamente justificada pela autoridade competente e prevista no edital”.
700 A título de curiosidade, cumpre ressaltar que o Decreto Municipal do Rio de Janeiro (n.

42.696/16) não regulamentam a questão da atuação em rede, o que não pode ser interpretado
como sua inadmissibilidade.

373
O caput do art. 35-A da Lei n. 13.019/14 reconhece e autoriza a
denominada “atuação em rede”701. O Decreto Federal n. 8.726/16, de modo a
deixar o tema o mais claro possível, o que acredita-se deva ser seguido pelos
decretos regulamentadores estaduais e municipais, determina:

Art. 45 – (...)
§ 2º A rede deve ser composta por:
I - uma organização da sociedade civil celebrante da parceria com a
administração pública federal, que ficará responsável pela rede e
atuará como sua supervisora, mobilizadora e orientadora, podendo
participar diretamente ou não da execução do objeto; e
II - uma ou mais organizações da sociedade civil executantes e não
celebrantes da parceria com a administração pública federal, que
deverão executar ações relacionadas ao objeto da parceria definidas
em comum acordo com a organização da sociedade civil celebrante
(destaca-se).

Decerto que citada atuação não acontecerá de forma natural, como


usualmente ocorre na prática de formação das conexões em “redes”. Não
poderia ser de outra forma, vez que, acima de tudo, estamos diante de uma
lógica contratual que impõe um regime jurídico eminentemente de direito público.
Impõe-se, portanto, dentro desta dinâmica de “colaboração dentro da
colaboração”, o preenchimento de certos requisitos por parte da OSC que tenha
celebrado termo de colaboração ou fomento com o Poder Público.
A OSC parceira para que possa atuar em rede no bojo das parcerias
deverá, segundo se depreende do determinado pelos incisos I e II do art. 35-A,
possuir know-how. O marco regulatório parte do pressuposto que para ser capaz
de atuar em rede na lógica das parcerias em estudo, uma OSC terá de
demonstrar por meio de circunstâncias temporais, técnicas e operacionais que
tem capacidade para fazê-lo. Por conta disso, a Lei n. 13.019/14 exige que
possua mais de cinco anos de existência jurídica (inscrição no CNPJ), tendo,
portanto, de certa forma, se concretizado no seu meio de atuação, bem como,
capacidade técnica e operacional suficiente para supervisionar o trabalho da
organização que com ela vier a atuar em rede.

701O Decreto Federal n. 8.726/15, em seu art. 45 repete o mesmo conteúdo, com mais detalhes,
nos seguintes termos: “A execução das parcerias pode se dar por atuação em rede de duas ou
mais organizações da sociedade civil, a ser formalizada mediante assinatura de termo de
atuação em rede” (Grifo nosso).

374
O Decreto Federal n. 8.726/16 trata de tecer os pormenores e o alcance
das exigências descritas pelos incisos I e II do art. 35-A, pontificando:

Art. 47. A organização da sociedade civil celebrante deverá comprovar


à administração pública federal o cumprimento dos requisitos previstos
no art. 35-A da Lei nº 13.019, de 2014, a serem verificados por meio
da apresentação dos seguintes documentos:
I - comprovante de inscrição no CNPJ, emitido no sítio eletrônico oficial
da Secretaria da Receita Federal do Brasil, para demonstrar que a
organização da sociedade civil celebrante existe há, no mínimo, cinco
anos com cadastro ativo; e
II - comprovantes de capacidade técnica e operacional para
supervisionar e orientar a rede, sendo admitidos:
a) declarações de organizações da sociedade civil que componham a
rede de que a celebrante participe ou tenha participado;
b) cartas de princípios, registros de reuniões ou eventos e outros
documentos públicos de redes de que a celebrante participe ou tenha
participado; ou
c) relatórios de atividades com comprovação das ações desenvolvidas
em rede de que a celebrante participe ou tenha participado.
Parágrafo único. A administração pública federal verificará se a
organização da sociedade civil celebrante cumpre os requisitos
previstos no caput no momento da celebração da parceria.

Como se vê, pelo nível de exigência do artigo acima trasladado, a atuação


em rede no bojo do modelo de parceria implementado pela Lei n. 13.019/15 não
é para aventureiros e não se constrói naturalmente, em nome de agendas e
projetos similares.
Uma vez autorizada a atuação em rede e havendo necessidade de
repasse de recursos à outras organizações não pertencentes à parceria de
origem (“não-celebrantes” “executante”), haverá a necessidade de formalização
de um instrumento próprio, denominado pelo parágrafo único do art. 35-A de
“termo de atuação em rede”, dependente da verificação, por parte da OSC
celebrante, do preenchimento do requisito disposto pelo inciso I, do parágrafo
único do art. 35-A da Lei n. 13.019/14 - regularidade jurídica e fiscal da
organização executante.
Por fim, em excepcional referência ao dever anexo de informação que
deve existir em toda estrutura contratual que se conduz pelo primado da boa-fé,
o marco regulatório determina, no inciso I, do parágrafo único, do seu art. 35-
A, a obrigação da OSC parceira em comunicar à Administração Pública, em até

375
sessenta dias, sobre a assinatura do termo de atuação em rede702. Atente-se,
nesta ocasião, para o disciplinado pelo §3º do art. 46 do Decreto Federal n.
8.726/16, no sentido de que a rescisão do termo de atuação em rede também
deverá igualmente ser comunicado à Administração Pública pela OSC
celebrante, o que deverá ser feito no prazo de quinze dias, contados da data da
rescisão.
Apesar do marco regulatório não exigir, presume-se que a organização
que vier atuar em colaboração com a OSC parceira guarde algum tipo de
pertinência em seus fins, com os fins a serem concretizados por meio da
parceria. Isso garante um tom de moralidade e impessoalidade a essa relação,
primados basilares na construção da regulação em estudo703.
O Decreto Federal n. 8.726/16, como não poderia deixar de ser, é mais
minucioso ao tratar do termo de atuação em rede, dispondo, no §1º do art. 46
que o mesmo deverá especificar, “direitos e obrigações recíprocas, e
estabelecerá, no mínimo, as ações, as metas e os prazos que serão
desenvolvidos pela organização da sociedade civil executante e não celebrante
e o valor a ser repassado pela organização da sociedade civil celebrante”. O
Decreto também é mais detalhista quanto aos requisitos a serem observados
pela OSC parceira quando da celebração do termo de atuação em rede, em
termos de regularidade jurídica, exigindo desde a cópia do estatuto e de suas
alterações, até a “declaração do representante legal da organização da
sociedade civil executante e não celebrante de que não possui impedimento no
Cepim, no Siconv, no Siafi, no Sicaf e no Cadin”704.

702 O prazo de sessenta dias para se dar a devida ciência à Administração Pública é contado da
data de assinatura do termo de atuação em rede, nos termos do § 2º do art. 46 do Decreto
Federal n. 8.726/15.
703 Não deixa de ser um desdobramento do que está contido no §1º do art. 45 do Decreto Federal

n. 8.726/15 ao afirmar: “A atuação em rede pode se efetivar pela realização de ações


coincidentes, quando há identidade de intervenções, ou de ações diferentes e complementares
à execução do objeto da parceria”.
704 Entenda-se por regularidade jurídica e fiscal da organização executante, a apresentação

dos seguintes documentos, conforme incisos do §4º do art. 46 do Decreto Federal n. 8.726/15:
“Art. 46. (...)
§ 4º A organização da sociedade civil celebrante deverá assegurar, no momento da celebração
do termo de atuação em rede, a regularidade jurídica e fiscal da organização da sociedade civil
executante e não celebrante, que será verificada por meio da apresentação dos seguintes
documentos:

376
Cite-se, por fim, o conteúdo do §5º do art. 46, bem como o do art. 48 do
Decreto Federal n. 8.726/16. Evidencia aquele, preocupação em ressaltar os
impedimentos à participação em rede705, de modo que a mesma não sirva como
forma de burlar as vedações contidas no marco regulatório e não restem
configuradas ofensas à moralidade e impessoalidade.
O último artigo do Decreto Federal n. 8.726/16 a cuidar da atuação em
rede (art. 48), traz substanciosos preceitos a respeito da responsabilização das
partes, bem como ao monitoramento e avaliação da atuação em rede. O caput
do art. 48 determina quase que uma “responsabilidade integral” da OSC
parceira/celebrante, pelos atos realizados pela rede. Havendo dano ou não,
culpa ou não, tudo é de responsabilidade da organização da sociedade civil
celebrante da parceria 706 . Exageros à parte, firma-se um verdade
responsabilidade objetiva solidária da OSC parceira/celebrante em relação à
OSC executante/não celebrante.
Neste viés, o §1º do art. 48, do Decreto Federal reitera o óbvio: a OSC
executante do termo de atuação em rede e não celebrante da parceria não se
sub-roga707 dos direitos e obrigações da OSC parceira/celebrante.
Em termos de responsabilização, diante do ritmo ditado pelo caput do art.
48 do Decreto Federal, instaura-se a responsabilidade objetiva, subsidiária e
limitada da OSC executante/não celebrante, na hipótese de irregularidade ou
desvio de finalidade na aplicação dos recursos da parceria. Assim sendo, a OSC
executante/não celebrante, em primeiro plano, somente responderá, caso a OSC

I - comprovante de inscrição no CNPJ, emitido no sítio eletrônico oficial da Secretaria da Receita


Federal do Brasil;
II - cópia do estatuto e eventuais alterações registradas;
III - certidões previstas nos incisos IV, V e VI do caput do art. 26; e
IV - declaração do representante legal da organização da sociedade civil executante e não
celebrante de que não possui impedimento no Cepim, no Siconv, no Siafi, no Sicaf e no Cadin”.
705 Decreto Federal n. 8.726/15 – “Art. 46 (...) §5º - Fica vedada a participação em rede de

organização da sociedade civil executante e não celebrante que tenha mantido relação jurídica
com, no mínimo, um dos integrantes da comissão de seleção responsável pelo chamamento
público que resultou na celebração da parceria”.
706 Ipsis literis: “Art. 48. A organização da sociedade civil celebrante da parceria é responsável

pelos atos realizados pela rede”.


707 Em conceito típico da esfera do direito privado, conforme ensinamento de Cristiano Chaves e

Nelson Rosenvald (2017, p. 493), entenda-se: “Temos o fenômeno da sub-rogação quando na


relação jurídica se verifica a substituição de uma pessoa por outra, ou de um objeto por outro.
Portanto, o verbo sub-rogar sempre exalta a ideia de substituir, modificar”.

377
parceira/celebrante não promova o devido ressarcimento ao erário. A
responsabilidade daquela também é limitada, na medida que encontra-se
responsável até o limite do valor dos recursos recebidos ou pelo valor devido em
razão de dano ao erário (§2º art. 48, Decreto Federal n. 8.726/16). Este artigo
guarda estreita correlação com o §5º do art. 48, na medida que resta neste
assentado que, “o ressarcimento ao erário realizado pela organização da
sociedade civil celebrante não afasta o seu direito de regresso contra as
organizações da sociedade civil executantes e não celebrantes”. Não poderia ser
de outra forma, sob pena de configuração de enriquecimento ilícito.
Por fim, em termos de monitoramento e avaliação da atuação em rede,
tenha-se em mente o disposto pelos §§ 3º e 4º do art. 48 do Decreto Federal n.
8.726/16. A Administração Pública tem poder fiscalizatório sobre a OSC
celebrante e é sobre esta que recairá todos os questionamentos a respeito dos
prazos e metas executadas pela OSC não celebrante. A Administração Pública
não tem ingerência sobre a OSC não celebrante (§3º, art. 48). Tal determinação,
a nosso ver, só pode ser entendida sob o viés da celeridade. O modelo de
parceria imposto pela Lei n. 13.019/14 tem na cooperação um de seus pilares.
Todos que nesta dinâmica se envolverem devem obediência ao mesmo. Avaliar
e monitorar nestes casos somente a OSC celebrante deve ter mais a ver com
questões de razoabilidade e celeridade, do que com questões formais de
formação contratual.
Por fim, tenha-se em mente o disposto pelo §4º do art. 48 do Decreto
Federal n. 8.726/16, restando firmado o dever anexo informacional das OSC
executantes/não celebrantes, no sentido de: “As organizações da sociedade civil
executantes e não celebrantes deverão apresentar informações sobre a
execução das ações, dos prazos e das metas e documentos e comprovantes de
despesas, inclusive com o pessoal contratado, necessários à prestação de
contas pela organização da sociedade civil celebrante da parceria, conforme
descrito no termo de atuação em rede e no inciso I do parágrafo único do art. 35-
A da Lei nº 13.019, de 2014”.
Nota-se como a atuação em rede é tratada com seriedade pelo marco
regulatório. Será preciso ver como tal questão se formatará no dia a dia de

378
implementação deste modelo. Em buscas realizadas em sítios públicos e de
apoio à implantação do MROSC (participa. br), não foi encontrado nenhum
modelo de termo de atuação em rede que pudesse ser contabilizado, nem
nenhuma iniciativa que tenha do disposto se valido.

3.1.2.6 Das contratações realizadas pelas Organizações da Sociedade Civil

Neste tópico afigura-se uma das questões mais problemáticas que


sempre orbitaram nas contratações que envolvem o Terceiro Setor. A Lei n.
13.019/14, em um primeiro olhar, parece se acovardar e perde a chance de tratar
em sua estrutura a respeito das contratações realizadas pelas OSC.
Se por um lado, com a revogação da Seção II, do Capítulo III pela Lei n.
13.204/15, imprime-se menos ingerência na forma como a OSC realizará a
gestão dos recursos públicos, vez que conforme já ressaltado diversas vezes,
tanto a gestão administrativa e financeira é de responsabilidade do parceiro
privado (art. 42, inciso XIX, Lei n. 13.019/14), por outro gera-se uma percepção
aos olhos daqueles que não compreendem o modelo em estudo, de insegurança
jurídica. Fica marcado no inconsciente coletivo que, uma vez não sendo
obrigadas a licitar para a escolha dos prestadores de serviços e auxiliares na
execução do objeto da parceria, existirão aí desvios de finalidade. Como se a
licitação fosse garantia de lisura e contratações transparentes e probas. Não é o
que se tem notícia. Essa era a redação original dada à seção:

Seção III
Das Contratações Realizadas pelas Organizações da Sociedade
Civil

Art. 43. As contratações de bens e serviços pelas organizações da


sociedade civil, feitas com o uso de recursos transferidos pela
administração pública, deverão observar os princípios da legalidade,
da moralidade, da boa-fé, da probidade, da impessoalidade, da
economicidade, da eficiência, da isonomia, da publicidade, da
razoabilidade e do julgamento objetivo e a busca permanente de
qualidade e durabilidade, de acordo com o regulamento de compras e
contratações aprovado para a consecução do objeto da
parceria.
§ 1o O processamento das compras e contratações poderá ser
efetuado por meio de sistema eletrônico disponibilizado pela
administração pública às organizações da sociedade civil, aberto ao
público via internet, que permita aos interessados formular
propostas.

379
§ 2o O sistema eletrônico de que trata o § 1o conterá ferramenta de
notificação dos fornecedores do ramo da contratação que constem do
cadastro de que trata o art. 34 da Lei no 8.666, de 21 de junho de
1993.
Art. 44. O gerenciamento administrativo e financeiro dos recursos
recebidos é de responsabilidade exclusiva da organização da
sociedade civil, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio,
investimento e pessoal.
§ 1o (VETADO).
§ 2o Os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
relativos ao funcionamento da instituição e ao adimplemento do termo
de colaboração ou de fomento são de responsabilidade exclusiva das
organizações da sociedade civil, não se caracterizando
responsabilidade solidária ou subsidiária da administração pública
pelos respectivos pagamentos, qualquer oneração do objeto da
parceria ou restrição à sua execução.

Houve um verdadeiro remanejamento da maioria dos artigos da seção em


apreço, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 13.204/15. Os §§ 1º e
2º do art. 43 foram transplantados para os artigos 80 e 81. O art. 44, caput e seu
§2º se dissolveram ao longo do marco regulatório. O primeiro no inciso XIX do
art. 42. O segundo no inciso XX do art. 42. O que realmente ficou de fora da
regulação foi o disposto pelo revogado art. 43. Era, de fato, o coração do tema.
Pode-se afirmar que o caput do art. 5º da Lei n. 13.019/14 ao tratar do regime
jurídico das parcerias e o rol de seus princípios norteadores já teria contemplado
o tratamento a ser dado às contratações a serem realizadas pela parceira
privada, mas o que se tem, quanto mais ao se analisar o conteúdo do Decreto
Federal regulamentador e um embaralhado de perspectivas.
Sob o panorama do que já se tinha construído no bojo dos ajustes
firmados com os demais entes do Terceiro Setor – cite-se OS’s – o art. 43 não
traria nada de novo708. Se o marco regulatório pretendia se afastar do modelo
em questão e ditar uma regulação pautada em outro referencial, agiu
corretamente. As parcerias sob a ótica da Lei n. 13.019/14 devem, acima de
tudo, como instrumento de fortalecimento da sociedade civil, se apresentar como
um caminho possível para as OSC. Daí entender-se a opção regulatória de não

708 Vejam-se as conclusões de nossa dissertação de Mestrado publicada sob o título “A


sociedade civil ‘qualificada’ e as parcerias na área de saúde” (2017), que partiu de um estudo
comparativo das contratações entre OS’s no Município do Rio de Janeiro/RJ e no Município de
Uberlândia/MG, donde se viu a realização, por parte das Organizações Sociais parceiras do
Poder Pública, de processos seletivos muito semelhantes a licitações, para a contratação de
fornecedores, baseados em regulamentos próprios. É exatamente o que pretendia desenhar o
art. 43 da Lei n. 13.019/14.

380
se exigir das mesmas certificações e qualificações desnecessárias 709 . Daí
compreender-se a opção do legislador em revogar o então disposto pelo art. 43,
evitando-se exigências quanto a elaboração de regulamento de compras e
aquisição de serviços e o engessamento do gerenciamento financeiro e
administrativo que lhes cabe.
Além disso, os princípios firmados no revogado art. 43710 estão imbricados
na lógica do regime jurídico das parcerias e em toda sua base principiológica e
finalística, tornando desnecessário seu reforço. Seria simples entender toda a
dinâmica que levou à revogação do art. 43 sob a perspectiva assim delineada. A
questão se complica ao se ter como base o determinado pelo seu Decreto
Federal regulamentador.
O Decreto Federal n. 8.726/16 também dispensa seção (Seção II,
Capítulo IV) específica a tratar do tema intitulada “Das compras e contratações
e da realização de despesas e pagamentos”. Determina seu art. 36:

Art. 36. As compras e contratações de bens e serviços pela


organização da sociedade civil com recursos transferidos pela
administração pública federal adotarão métodos usualmente utilizados
pelo setor privado (destaca-se).

Causa-nos espanto como a questão foi conduzida pelo Decreto. Pode até
se compreender seus motivos, mas sua essência contraria tudo o que tem-se
dito até o momento. Ao se referir a “métodos usualmente utilizados pelo setor
privado”, somos novamente sugados para o universo de um regime misto que
sempre imperou na lógica dos ajustes que envolvem o Terceiro Setor e o faz
orbitar entre uma nébula de desconfiança, ao mesmo tempo em que se exalta
sua capacidade de gestão. É um turbilhão de sentimentos. Não pode ser o cerne
da regulação em estudo.
Como conciliar “métodos do setor privado” que primam por uma ótica de
contratação direta e ágil com um regime jurídico que se fundamenta em uma
“gestão pública democrática” que deve respeito a princípios essenciais do Direito

709Conforme se depreende do §5º do art. 9º do Decreto Federal n. 8.726/16.


710 Em sendo: “princípios da legalidade, da moralidade, da boa-fé, da probidade, da
impessoalidade, da economicidade, da eficiência, da isonomia, da publicidade, da razoabilidade
e do julgamento objetivo e a busca permanente de qualidade e durabilidade”.

381
Público (legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da
publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia)? Como respeitar o
princípio da impessoalidade em uma dinâmica de contratação que legitima a
adoção de métodos de compra utilizados pelo setor privado, fiel a seus usuais
fornecedores e a sua própria lógica de parceiras? Como se falar em legalidade
sem um regulamento próprio de compras e de serviços? Poder-se-ia seguir
infinitamente com esse tipo de questionamento. No mais, teria sido mais honesto
por parte do legislador se tivesse insistido nos preceitos firmados pelo revogado
art. 43.
Além de tudo, o Decreto Federal acaba sendo por si só contraditório.
Parecer dar à OSC a falsa sensação de liberdade, dando-lhe o sentimento de
que não se encontra atada às lógicas de contratação de compras e serviços do
universo público, mas, ao mesmo tempo, sufoca-a com uma infinidade de
requisitos e pressupostos, que teria sido mais prático ter assumido toda a
amplitude do que venha significar um regime jurídico com fundamento na gestão
pública democrática.
Assim que, o Decreto Federal n. 8.726/16 ressalta as preocupações com
o uso do recurso público para o pagamento das despesas com as contratações,
a responsabilidade exclusiva das OSC quanto aos encargos trabalhistas
previdenciários, fiscais e comerciais relacionados à execução do objeto e mais,
a utilização do portal de compras disponibilizado pela administração pública
federal. Tudo o que está disseminado na Lei n. 13.019/14 e ressaltam os traços
de um regime jurídico de direito público por essência.
Interessante observar que a Administração Pública, se desresponsabiliza
pelo pagamento de encargos trabalhistas previdenciários, fiscais e comerciais
mesmo ciente de que o pagamento das mesmas depende da sua
responsabilidade pelo repasse dos recursos, o que nos leva de volta às
discussões já travadas anteriormente. Interessante observar também que o art.
36 do Decreto Federal acima trasladado, deixa transparecer que a OSC estaria
suficientemente livre para ditar o ritmo de suas contratações, mas o decreto em
questão determina como deverão ser feitos os pagamentos (art. 38), bem como,

382
em caso de necessidade, o limite de valor para o pagamento em espécie (§2º do
art. 38)711.
Além do mais, não bastará a OSC “obter de seus fornecedores e
prestadores de serviços notas, comprovantes fiscais ou recibos, com data, valor,
nome e número de inscrição no CNPJ da organização da sociedade civil e do
CNPJ ou CPF do fornecedor ou prestador de serviço, para fins de comprovação
das despesas”, o que faz normalmente como método de compra do setor
privado, deverá registrá-los em plataforma eletrônica (art. 37, caput e §1º).
Reflita-se ainda, a despeito do disposto pelo caput do art. 41 do Decreto
Federal e seu nível de ingerência conceitual, determinando até mesmo o que
deva se entender por “equipe de trabalho”712. É decerto uma das questões que
mais gera desconfiança713 dentro do modelo de contratação em estudo e a Lei
n. 13.019/15 preferiu fugir do embate. No pensamento daqueles que veem nos
ajustes em estudo uma forma de terceirização do serviço público, a contratação
de pessoal por parte da OSC parceira seria uma forma de burlar a

711 Decreto Federal n. 8.726/15: “Art. 38. Os pagamentos deverão ser realizados mediante
transferência eletrônica sujeita à identificação do beneficiário final na plataforma eletrônica.
§ 1º O termo de fomento ou de colaboração poderá admitir a dispensa da exigência do caput e
possibilitar a realização de pagamentos em espécie, após saque à conta bancária específica da
parceria, na hipótese de impossibilidade de pagamento mediante transferência eletrônica,
devidamente justificada pela organização da sociedade civil no plano de trabalho, que poderá
estar relacionada, dentre outros motivos, com:
I - o objeto da parceria;
II - a região onde se desenvolverão as ações da parceria; ou
III - a natureza dos serviços a serem prestados na execução da parceria.
§ 2º Os pagamentos em espécie estarão restritos ao limite individual de R$ 1.800,00 (mil e
oitocentos reais) por beneficiário, levando-se em conta toda a duração da parceria, ressalvada
disposição específica nos termos do § 3º.
§ 3º Ato do Ministro de Estado ou do dirigente máximo da entidade da administração pública
federal disporá sobre os critérios e limites para a autorização do pagamento em espécie.
§ 4º Os pagamentos realizados na forma do § 1º não dispensam o registro do beneficiário final
da despesa na plataforma eletrônica” (grifos nossos).

712 Decreto Federal n. 8.726/15 – “Art. 41. Para os fins deste Decreto, considera-se equipe de
trabalho o pessoal necessário à execução do objeto da parceria, que poderá incluir pessoas
pertencentes ao quadro da organização da sociedade civil ou que vierem a ser contratadas,
inclusive os dirigentes, desde que exerçam ação prevista no plano de trabalho aprovado, nos
termos da legislação cível e trabalhista” (grifo nosso).
713 De modo a tentar “acalmar os ânimos” e impingir mais transparência no trato desta questão

o Decreto Federal n. 8.726/15 determinou no §4º de seu art. 42, que: “A organização da
sociedade civil deverá dar ampla transparência, inclusive na plataforma eletrônica, aos valores
pagos, de maneira individualizada, a título de remuneração de sua equipe de trabalho vinculada
à execução do objeto e com recursos da parceria, juntamente à divulgação dos cargos e valores,
na forma do art. 80”.

383
obrigatoriedade de contratação de pessoal via concurso público, ferindo preceito
constitucional (art. 37, II, CF).
Mas não se pode desconsiderar tudo o que o Decreto Federal n. 8.726/16
tenha feito para o tema em análise. Há de se dar o devido crédito ao disposto
pelo parágrafo único de seu art. 41, que disciplina: “É vedado à administração
pública federal praticar atos de ingerência na seleção e na contratação de
pessoal pela organização da sociedade civil ou que direcionem o recrutamento
de pessoas para trabalhar ou prestar serviços na referida organização”.
O disposto pelo parágrafo acima trasladado representa um verdadeiro
trunfo nas mãos das OSC parceiras, na medida que é recorrente no
desenvolvimento do modelo em apreço, a influência da Administração Pública
na questão, especialmente determinando nos instrumentos de formalização dos
ajustes, como deverá ser feito o processo de seleção de pessoal714.
No mais, abra-se um parêntese importante no desenvolvimento deste
tópico e que representa interessante questão procedimental na execução das
parcerias. Trata-se da faculdade de que as organizações da sociedade civil se
utilizem do portal de compras disponibilizado pela Administração Pública para a
realização de suas compras.
O art. 80 da Lei n. 13.019/15 admite que o processamento das compras e
contratações que envolvam recursos financeiros provenientes de parceria se
faça por meio de sistema eletrônico disponibilizado pela Administração Pública
às OSC. Tal sistema, aberto ao público via internet, permitirá, inclusive, a
formulação de propostas pelos interessados quando da realização do
chamamento público.
O marco regulatório, a fim de viabilizar a implementação de referido artigo,
colocou à disposição de Estados, Municípios e Distrito Federal, o “Sistema de
Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF”, mantido pela União
(parágrafo único, art. 80). Segundo seu sítio público na internet, “SICAF é o
Sistema Unificado de Cadastramento de Fornecedores. É um sistema que
viabiliza o cadastramento de fornecedores de materiais e serviços para os

714Remetemos o leitor a nossas reflexões a respeito do tema assentados nas conclusões de


nossa dissertação de Mestrado publicada sob o título “A sociedade civil ‘qualificada’ e as
parcerias na área de saúde” (2017).

384
órgãos/entidade da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e
Fundacional, no âmbito do Sistema Integrado de Serviços Gerais – SISG. Uma
vez inscrito no SICAF através da Unidade SICAFnet, o fornecedor estará
cadastrado perante qualquer órgão/entidade integrante do SISG, em todo
território Nacional”715.
Talvez o tópico em reflexão seja o mais frustrante para aqueles que
reconhecem as dificuldades do dia a dia dos ajustes firmados entre o Poder
Público e as organizações sem fins lucrativos. A omissão do marco regulatório
em enfrentá-lo de forma apropriada e a forma vacilante com que faz o Decreto
Federal regulamentador, aumenta a descrença quanto as reais pretensões e os
propósitos da regulação.
Há de se verificar, através da observação de iniciativas práticas, no bojo
dos termos de colaboração e fomento já firmados, como tais questões irão se
configurar. Acredita-se que mesmo não sendo exigido, as OSCs, repetindo o
comportamento cauteloso de OS’s e OSCIP, insistirão na elaboração de
regulamentos próprios e na realização de processos seletivos simplificados para
a contratação de bens e pessoal. É, de fato, tema de maior tensão no dia a dia
desses ajustes.
O Município do Rio de Janeiro já se posicionou a respeito e conforme
previsto, não só não abriu mão de um regulamento de compras e contratações,
como também determinou que o mesmo deverá ser aprovado pela
Administração Municipal 716 . E não é só. O apresentação pela OSC de
regulamento de compras e contratações aprovado pela Administração Municipal
é requisito essencial para a celebração dos termos de colaboração e fomento
(inciso XIV, do art. 17 do Decreto Municipal n. 42.696/16). É, de fato o que mais
faz sentido tendo-se por referência, uma gestão pública democrática.

715 Disponível em:


https://sicafnet.com.br/?gclid=EAIaIQobChMI996dlufQ2QIVgSSGCh0x2AiyEAAYASAAEgI0x_D
_BwE. Consulta em: Fev. 2018.
716 Decreto Municipal n. 42.696/16 – “Art. 27. As contratações de bens e serviços pelas

organizações da sociedade civil, feitas com o uso de recursos transferidos pela Administração
Municipal, deverão observar regulamento de compras e contratações a ser aprovado pela
Administração Municipal, cujos requisitos gerais serão estabelecidos em ato normativo próprio”.

385
O Estado do Paraná, o primeiro a regulamentar a Lei n. 13.019/14, em seu
Decreto Estadual n. 3.513/16, dedica considerável esforço à matéria, em
exercício legislativo merecedor de nota. Neste sentido, anote-se:

Art. 45. Para compras e contratações de bens e serviços pela


organização da sociedade civil com recursos transferidos pelo órgão
ou entidade pública estadual, será observado o regulamento de
compras e contratações da organização previamente aprovado pela
administração pública, sendo da organização da sociedade civil a
responsabilidade de observância dos procedimentos e da realização
de compras e contratações.
§ 1.º No regulamento de compras e contratações da organização da
sociedade civil deverão ser previstos procedimentos de forma a
resguardar a adequação da utilização dos recursos da parceria, tais
como:
I - realização de despesas de pequeno valor, a ser determinado pelo
edital ou pelo termo de colaboração ou pelo termo de fomento;
II - cotação prévia de preços, que poderá ser realizada por item ou
agrupamento de elementos de despesas, por meio de e-mail, sítios
eletrônicos públicos ou privados, ou quaisquer outros meios;
III - utilização de atas de registro de preços, em vigência, adotados por
órgãos públicos vinculados ao Estado do Paraná, preferencialmente da
região onde será executado o objeto da parceria ou da sede da
organização, como forma de adoção de valores referenciais pré-
aprovados;
IV - utilização de tabelas de preços de associações profissionais,
publicações especializadas ou quaisquer outras fontes de informação
disponíveis ao público que sirva de referência para demonstrar a
compatibilidade dos custos com os preços praticados no mercado ou
com outras parcerias da mesma natureza;
V - priorização da acessibilidade, da sustentabilidade ambiental e do
desenvolvimento local como critérios, especialmente nas hipóteses
diretamente ligadas ao objeto da parceria; e
VI - contratação direta de bens e serviços compatíveis com as
especificidades do objeto da parceria, podendo prever as seguintes
hipóteses:
a) quando se tratar de profissional ou empresa que seja prestador
regular de serviços para a organização, desde que previsto no plano
de trabalho e que o valor do contrato seja compatível com os preços
praticados pelo fornecedor em relação a outros demandantes e não
excedam o valor de mercado da região onde atuam;
b) quando não existir pluralidade de opções, em razão da natureza
singular do objeto ou de limitações do mercado local da execução do
objeto;
c) nas compras eventuais de gêneros alimentícios perecíveis, no
centro de abastecimento ou similar, realizada com base no preço do
dia; e
d) quando se tratar de serviços emergenciais para evitar paralisação
de serviço essencial à população.

Julga-se que, se há de existir um modelo de regulação adequado ao tema


objeto de análise neste tópico, o mesmo está no caminho trilhado pelo Estado

386
do Paraná nas linhas acima. Digno de especial apontamento, o disposto pelo
inciso III, do §1º do art. 45 acima trasladado, a admitir no âmbito das
contratações a serem conduzidas pelas OSC o uso do expediente que se
convencionou chamar de “carona”.
O “registro de preços”, ao qual faz menção o inciso citado, na honorável
lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “é um procedimento que a
Administração pode adotar perante compras rotineiras de bens padronizados ou
mesmo na obtenção de serviços. Neste caso, como presume que irá adquirir os
bens ou recorrer a estes serviços não uma, mas múltiplas vezes, abre um
certame licitatório em que o vencedor, isto é, o que ofereceu a cotação mais
baixa, terá seus preços ‘registrados’. Quando a promotora do certame necessitar
destes bens ou serviços irá obtê-los, sucessivas vezes se for o caso, pelo preço
cotado e registrado”717.
O efeito “carona” é um expediente tratado pelo art. 8º do Decreto
3.931/2001718, que admite a possibilidade de um órgão distinto do que realizou
o registro de preços se utilizar do mesmo, ou melhor, um ente administrativo
toma “carona” no registro realizado por outro ente. Com isso poupa-se tempo,
vez que ao invés de determinado ente percorrer todos as etapas da licitação para
obter o registro de preços, simplesmente, contrata, diretamente, beneficiando-se
do registro de preços que outro ente concretizou.
Ademais ser um expediente polêmico, sendo vez e outra acusado de
ofensivo ao princípio da legalidade 719 , a “carona” vem sendo admitida pelo
Tribunal de Contas da União, como instrumento que concorre para celeridade e
economia aos processos de aquisição e contratação720. Como se pode notar, a
regulação das parcerias é tema denso e provocador que, com o tempo se
desenhará com contornos próprios.

717 MELLO, 2007, p. 547.


718 Decreto n. 3.931/2001 – “Art. 8. A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá
ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha 8 participado do
certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente
comprovada a vantagem”.
719 JUSTEN FILHO, 2008, p. 260.
720 Ver Tribunal de Contas da União. AC-1487-32/07-P. Relator Ministro Valmir Campelo,

03.08.2007.

387
3.1.2.7 Transparência e Controle – há um legado da Lei n. 13.019/14?

Conceitos tais como governança, atuação em rede, gestão de risco estão


cada vez mais atrelados à noção de uma gestão pública mais responsiva, retrato
de uma Administração Pública gerencial e de resultados. A essa terminologia
junte-se outros notórios anglicismos, estampados nos termos compliance e
accountability, que tem servido de paradigma no resgate de uma suposta
perspectiva ética da Administração Pública brasileira.
Tem-se insistido ao longo do desenvolvimento desta tese que o marco
regulatório em estudo não pode servir apenas como mais um programa de
integridade, focado em um complexo sistema de prestação de contas, controle
e transparência, mas pelo peso dado a matéria, parece ser a única coisa que o
mesmo está fadado a se tornar. É do que se trata o presente tópico: um olhar
acerca do denso modelo de controle e transparência imposto pelo marco
regulatório.
Abre-se um parêntese neste capítulo para a reflexão acerca das lógicas
de compliance e accoutability que parecem ditar o ritmo das mudanças e contam
com uma legião de adeptos, servindo, no fim das contas a modismos e
tendências, deixando ao esquecimento práticas e normas que há tempos tratam
(direta ou indiretamente) do tema. O apego a tais termos faz com que se gaste
mais energia tentando compreendê-los721 do que absorvendo o que realmente
tem a contribuir, mas, acredita-se, será preciso enfrentá-los.

721 Elisa Rodrigues Alves Larroudé, em dissertação de Mestrado (2006) intitulada “Accountability
de organizações do espaço público não estatal: uma apreciação crítica da regulação brasileira”,
na tentativa de dar significado ao termo “accountability” brilhantemente leciona: “A transposição
do conceito de accountability para o contexto da América Latina vem sendo tema de especial
preocupação para o Centro Latino Americano de Administración para el Desarrollo (CLAD), para
quem o termo alude, em sua acepção original, “al cumplimiento de una obligación del funcionario
público de rendir cuentas, sea a un organismo de control, al parlamento o a la sociedad misma”
(CLAD, 1999, p. 329, ênfases no original) e não encontra um equivalente direto e preciso nos
idiomas latinos. A conclusão oferecida para tanto é que “si un idioma es incapaz de expresar
conceptos […] con una sola palabra, ello se debe a que la idea que subyace a esos conceptos
no forma parte de la cultura vigente” (CLAD, 1999, p. 329)”.

388
3.1.2.7.1 Compliance – o que é? Por que queremos?

O termo compliance, originário do verbo em inglês “to comply”, que


significa, em suas diversas acepções – conformar-se, aquiescer, observar,
odedecer, respeitar, submeter-se – reflete, portanto, a ideia de agir de acordo ou
em conformidade com algo, tendo surgido no universo das instituições
financeiras americanas, quando do descortinamento de escândalos financeiros
em Wall Street (2002). Exteriorizou-se, especialmente, na expressão “risco de
compliance”, então definida como um risco legal, de sanções regulatórias, de
perda financeira ou perda de reputação, que uma organização pode sofrer como
resultado de falhas no cumprimento de leis, regulamentações, códigos de
conduta e das boas práticas722.
Nesse viés e por conta desse peso histórico, a ABBI - Associação
Brasileira de Bancos Internacionais e a FEBRABAN - Federação Brasileira de
Bancos, desenvolveram um estudo intitulado “Função Compliance”723, de modo
a servir de norte para sua implementação nas instituições financeiras brasileiras.
Referido documento apresenta conceitos fundamentais para a compreensão do
tema, afirmando, logo de início, que “compliance está relacionado ao
investimento em pessoas, processos e conscientização”724 e mais:

Para que a “Função de Compliance” seja eficaz, é necessário o


comprometimento da Alta Administração e que esta faça parte da
cultura organizacional, contando com o comprometimento de todos os
funcionários. Todos são responsáveis por compliance. Um Programa
de Compliance eficaz pode não ser o suficiente para tornar uma
empresa à prova de crises. Mas certamente aprimorará o sistema de
controles internos e permitirá uma gestão de riscos mais eficiente 725.

Por essas e por outras que o discurso atrativo migrou para o universo de
“boas práticas” empresariais e, o compromisso com programas de

722 COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa A. Manual de Compliance. São Paulo:
Editora Atlas, 2010, p. 42.
723 “Função Compliance” (2009). Disponível em:
http://www.abbi.com.br/download/funcaodecompliance_09.pdf. Consulta em: Fev. 2018.
724 “Função Compliance” (2009, p. 8). Disponível em:
http://www.abbi.com.br/download/funcaodecompliance_09.pdf. Consulta em: Fev. 2018.
725 “Função Compliance” (2009, p. 6). Disponível em:
http://www.abbi.com.br/download/funcaodecompliance_09.pdf. Consulta em: Fev. 2018.

389
compliance/integridade, parecem ter se tornado a maior missão das empresas
brasileiras no momento, em busca de visibilidade e confiança de mercado726.
Sob esse viés, o compliance apresenta-se como uma faceta da famigerada
responsabilidade social, vez que pautado em padrões éticos, sustentáveis e de
controle interno. As entidades do Terceiro Setor também não ficaram de fora
dessa onda, com a constante preocupação com o controle e a necessidade de
se comportarem como portadores da “boa gestão”. O setor público, por questões
evolutivas e sucessivas notícias de corrupção, também não ficou alheio a tais
influências.
Neste cenário (aqui muito resumidamente desenhado), adveio na
realidade brasileira a Lei n. Federal n. 12.846/13, apelidada de Lei Anticorrupção,
que, segundo sua ementa, “dispõe sobre a responsabilização administrativa e
civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira”. Por conta desta configuração, atrela-se a terminologia
“compliance” como sinônima de responsabilização, na ideia de imposição de
sanções. Pelo pouco até então pontuado, há de se concluir que os programas
de integridade são um projeto muito maior, pautados em uma questão
comportamental, mais transparente e mais planejada.
Complementa a lógica da Lei Anticorrupção, o Decreto n. 8.420/2015. De
fato, a lei em referência inaugura uma nova onda legislativa no país, tendo em
vista os sucessivos casos de corrupção envolvendo empresas públicas, privadas
e o Poder Público. Instaura-se assim, uma onda legislativa moralizadora, com o
fino propósito de impor um ritmo mais ético e um nível de responsabilização mais
objetivo, nas relações firmadas entre o público e o privado. Como se verá, a Lei
n.13.019/14 surge para “engrossar esse coro”.
O rigor da dita “Lei Anticorrupção” evidencia-se, especialmente, na opção
por uma tipificação aberta dos atos lesivos à Administração, em sendo não só

726Como muito bem pontuado por Manzi (2008, p. 39), os programas de compliance guardam
relação com a reputação empresarial, de como clientes, investidores e acionistas veem a
organização e asseveram: “O risco atrelado à reputação é, portanto, a perda potencial na
reputação, que poderia levar a publicidade negativa, perda de rendimento, litígios caros, declínio
na base de clientes, falência. Uma ampla avaliação desse risco é uma estimativa da atual posição
da organização por seus clientes e acionistas e sua capacidade de operar com sucesso no
mercado”.

390
aqueles praticados contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro e os
compromissos internacionais firmados pelo governo brasileiro, mas também,
pela ofensa aos princípios da administração. De modo mais objeto, a lei destina-
se a punir empresas envolvidas em práticas relacionadas à corrupção, com a
aplicação de multas de até 20% do faturamento, não se excluindo a reparação
integral dos danos causados pela companhia. É certo que a punição e
responsabilização por danos ao erário não é nenhuma novidade em nosso
ordenamento jurídico.
Como já antecipado, por conta da necessidade de se dar significado
prático à norma e prestar a devida honra à efetividade, a Lei Anticorrupção acaba
chamando atenção pelas sanções que comporta. É preciso ter um olhar mais
preciso. Há de se reconhecer uma verdadeira mudança comportamental. Antes
da necessária imposição de programas de compliance as empresas agiam de
forma reativa, ou seja, somente quando surgiam notícias de casos de corrupção.
Com citada norma, as empresas passam a desenvolver programas internos para
informar seus colaboradores e funcionários a respeito da legislação,
implementando códigos de conduta e canais de denúncia. É o que a lei
denominou de “procedimentos internos de integridade”, e se firmou como
“programas de integridade”727 através do respectivo decreto regulamentador. Tal
perspectiva alcança a Administração Pública gerencial.

727 Segundo o Decreto n. 8.420/2015, em seu artigo 42, dispõe acerca dos parâmetros a serem
considerados em programas de integridade, em sendo:
“Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado,
quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo
apoio visível e inequívoco ao programa;
II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a
todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;
III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando
necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários
e associados;
IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;
V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;
VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa
jurídica;
VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e
demonstrações financeiros da pessoa jurídica;
VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos
licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor
público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a
fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

391
Nesta onda, o Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União
– CGU, edita guias e manuais a orientar a implementação de programas de
integridade para o setor público. Fica clara a intenção de se construir uma nova
reputação na dinâmica da Administração Pública brasileira, donde se tem:

Promover uma cultura de integridade no serviço público é requisito


essencial para o aumento da confiança da sociedade no Estado e em
suas instituições. Manter um alto nível de integridade e desenvolver
uma cultura organizacional baseada em elevados valores padrões de
conduta, constitui política pública fundamental a ser constantemente
promovida e incentivada pelos governantes e gestores 728.

Fala-se aqui, sob a ótica dos programas de integridade para o setor


público em “boa governança”, na construção do princípio da “Boa Administração
Pública” 729 . O termo foi citado, pela primeira vez, pelo mediador Jacob
Söderman, quando da realização da convenção para se redigir a Carta de
Direitos Fundamentais da União Europeia 730 . Naquela oportunidade restou
assentado a despeito da “boa administração”: “to include this right in the Charter
could have a broad impact on all existing and future Member States, helping to
make the 21st century the 1 century of good administration”731.

IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do


programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;
X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e
terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;
XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;
XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações
detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;
XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais
como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do
cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas
jurídicas envolvidas;
XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na
prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no
12.846, de 2013; e
XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos”.
728 CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Manual de Implementação de programas de
integridade – Orientações para o setor público, Ministério da Transparência, Julho/2017, p. 05.
729 Manual cit. 2017, p. 06.
730 CASESSE, Sabino. Il diritto alla buona amministrazione. Giornata sul diritto alla buona

amministrazione, março 2009, p. 01. Disponível em: http://www.irpa.eu/wp-


content/uploads/2011/05/Diritto-alla-buona-amministrazione-barcellona-27-marzo.pdf, consulta
em: Mar. 2018.
731 CASESSE, 2009, p. 02.

392
Sabino Casesse, um dos autores paradigmáticos no desenvolvimento da
percepção do princípio da Boa Administração Pública assevera que, a “boa
administração” se projeta sobre a sociedade, conferindo um direito à pessoa e
um dever para administração pública. Sob essa abordagem, a boa administração
se sobrepõe a diferentes deveres impostos à administração pública, dotando o
direito de uma riqueza de conteúdo e permitindo o controle de conformidade dos
atos administrativos em relação ao direito nacional732.
Em outros termos, sob o manto da “boa administração” não se admitem
“os atos administrativos de soberania ou exclusivamente políticos” 733 . Nesta
perspectiva há uma preocupação com a escolha pública, que deve externalizar,
acima de tudo uma “boa decisão”. Tais parâmetros se mediriam, conforme
proposto por Martelli e Rangone (apud FREITAS, 2011), sob os seguintes
preceitos:

a) A garantia de administração transparente, que implica coibir a


opacidade (salvo naquelas hipóteses em que o sigilo se apresentar
justificável, e ainda assim nunca definitivamente), assegurando o
pronto acesso a informações inteligíveis sobre a execução
orçamentária e, em geral, sobre o processo de tomada das decisões
que afetarem direitos.
b) A garantia de administração sustentável, que pressupõe a
comprovada preponderância dos benefícios sociais, ambientais e
econômicos sobre os custos diretos e indiretos (externalidades
negativas), de molde a propiciar o bem-estar multimensional das
gerações presentes sem impedir que as gerações futuras alcancem o
próprio bem-estar.
c) A garantia de administração dialógica, com o colaborativo respeito
ao contraditório e ao justo processo (não necessariamente
adversarial), proibidas atuações protelatórias e medidas sem o
oferecimento de tempo útil para a manifestação do afetado.
d) A garantia de administração imparcial e, o mais possível,
desenviesada (JOLLS; SUNSTEIN, 2006), isto é, capaz de purificar os
naturais desvios cognitivos e, ao mesmo tempo, disposta a promover
discriminações inversas ou positivas e a proteger vulneráveis.
e) A garantia de administração proba, que acarreta a vedação de
condutas éticas não universalizáveis, sem incorrer na confusão entre o
legal e o moral, dado que as esferas se interpenetram, mas são
distintas.
f) A garantia de administração da legalidade temperada, que não se
curva, de modo subserviente, às hiperinflacionadas regras, pois a
normatividade jurídico-administrativa só se última a partir da
ponderada aplicação empírica dos textos legais.

732 CASESSE, Sabino. “Il Diritto Amministrativo e I suoi principi”. In: CASESSE, Sabino (org.)
Istituzioni di Diritto Amministrativo. 4ª ed. Milano: Giuffré, 2003, p. 14.
733 FREITAS, Juarez. “Políticas Públicas, Avaliação de Impactos e o Direito Fundamental à Boa

Administração”, Sequência, Florianópolis, n. 70, p. 115-133, jun. 2015.

393
g) A garantia de administração preventiva, precavida e eficaz (não
apenas eficiente), alinhada com o monitoramento confiável da
qualidade das regras734.

Denota-se, desde já, com tudo o que se tem construído nesta tese, que a
Lei n. 13.019/14 se banha de todos os preceitos acima trasladados e é possível
ver ao longo de todo o texto da norma, não só em sua base principiológica e em
suas diretrizes, o apelo à dinâmica da “boa administração pública”. É preciso
deixar de lado, ao se analisar a terminologia “boa administração”, um suposto
maniqueísmo (bom x mau), ou a tendência de se refletir sobre quais bases
realmente se formam a noção imaculada de “bem”. Como se tem insistido, é
preciso dar ao marco regulatório um voto de confiança, como instrumento de
reconstrução das relações entre o público e o privado.
De todo modo, é preciso refletir acerca da descrença no papel do
compliance no âmbito do poder público, tendo afirmado Leandro Velloso:

A relação pública e privada se distancia a cada dia pela nova


burocracia de compliance impeditiva e ineficaz, na tentativa positiva de
implementar boas práticas para a Administração Pública com
determinados procedimentos e padrões de comportamento.
De imediato é sabido que se trata de uma grande farsa formalizar ainda
mais a relação pública – privada com o discurso de compliance. Não
há boa prática que impede atividade desonesta. O que afasta
preventivamente a improbidade é a atuação do agente público com
impessoalidade e com base no interesse público. Seja como for, somos
obrigados a atuar nos termos da lei, em cumprimento ao princípio da
legalidade stricto sensu, que jamais será absoluta e salvadora da
Pátria.
É importante pontuar que o programa de compliance no setor privado
se efetiva através de suas políticas de integração e demais normas de
comportamento e conduta, com vista a alcançar a eficiência das
atividades por elas executadas, com um certo padrão ético e
probidade. Denota-se que o programa é necessário pela miríade de
problemas que surgem no âmbito da concorrência empresarial, tais
como o cartel, abuso de posição dominante, monopólio,
extraterritorialidade e conflitos de jurisdição pela ineficiente realização
de determinadas atividades pelo Estado (a influência política interna de
cada país), em especial, as relacionadas com a infraestrutura, além de
retratar as práticas de compliance na era de uma sociedade
empresarial limpa, ou seja, perante a Lei 12.846 de agosto de 2013
(Lei Anticorrupção)735.

734FREITAS, 2015, p. 119.


735VELLOSO, Leandro. “O Compliance e as Contratações Públicas - A Nova Moralidade Pública
da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) - Solução ou Farsa?”. Revista Direito do Estado, Ano 2016,
núm. 202. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/leandro-velloso/o-

394
Ainda assim, a instituição de Programas de Integridade736 tem sido uma
máxima na Administração Pública brasileira e fruto do engajamento dos entes
públicos. Nesta toada, cite-se a Lei n. 7.753, de 17 outubro de 2017, do Estado
do Rio de Janeiro, a dispor sobre a instituição do Programa de Integridade nas
empresas que contratarem com a Administração Pública.
Há um árduo caminho de construção e reconhecimento dos programas de
integridade em nosso país e o compromisso do poder público nesta seara pode
esvaziar sua essência. Antecipa-se, desde já, que o altruísmo e a “boa vontade”
não serão suficientes para as OSC na gestão dos ajustes firmados e no trato
com o poder público e com seu público alvo.
Há de se rememorar, todavia, que muito antes de toda a lógica de
compliance, já existia – falar lei da transparência – Lei n. 12.527/11, a regular o
acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5 o, no inciso II do § 3o do
art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal. A informação é
indispensável à construção de uma gestão mais transparente e a Lei n.
13.019/14, como se verá, compactua com tal postura.

3.1.2.7.1.1 Compliance e Lei n. 13.019/14 – há um programa de integridade a se


zelar?

Pode-se afirmar, ante tudo o que foi até então dito que, falar em
compliance, é falar em um comportamento probo, pautado em uma conduta
ética. Conforme afirmado por Leandro Velloso, “é perceptível que surge um novo
princípio de moralidade administrativa vinculada às regras de compliance da boa
gestão empresarial internalizada no setor público”737. Nessa lógica, lembre-se

compliance-e-as-contratacoes-publicas-a-nova-moralidade-publica-da-lei-anticorrupcao-lei-
1284613-solucao-ou-farsa. Consulta em: Fev. 2018.
736 Segundo o já referido Manual CGU acerca dos Programas de Integridade para o setor público

(2017, p. 07), entenda-se: “Instituir um programa de integridade não significa lidar com um as-
sunto novo, mas valer-se de temas já conhecidos pelas organizações de maneira mais
sistematizada. Nesse sentido, os instrumentos de um programa de integridade incluem diretrizes
já adotadas através de atividades, programas e políticas de auditoria interna, correição, ouvi-
doria, transparência e prevenção à corrupção, organizadas e direcionadas para a promoção da
integridade institucional”.
737 VELLOSO, Leandro. “O Compliance e as Contratações Públicas - A Nova Moralidade Pública

da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) - Solução ou Farsa?”. Revista Direito do Estado, Ano 2016,

395
também, na esteira de construção de uma relação íntegra a concretização dos
primados da Lei da Transparência. A Lei n. 13.019/14, objeto desta tese, como
se verá e já se anteviu, cumpre seu papel nesta missão.
Prenuncia a Seção III, de seu Capítulo II, acerca “Da Transparência e do
Controle”, trazendo nos artigos 10 a 12, alguns primados do que entende ser
indispensável para a construção de uma relação de parceria a firmar-se sob o
primado da boa-fé e na construção da confiança e respeito recíproco. De um
modo geral, os dispositivos fazem transparecer o óbvio: existe um apego ao
princípio da publicidade, como se o mesmo fosse a solução para todas as
questões em que a Administração e mesmo a OSC são omissas e se escondem
por detrás de comportamentos nebulosos.
A publicidade pela publicidade não garantirá uma conduta honorável dos
parceiros reunidos para a execução de direitos de primeira grandeza. O Decreto
Federal que veio regulamentar o marco regulatório, como se verá, reconhece
isso e eleva a lógica da transparência que permeia a Lei n. 13.019/14 para a
realidade.
Assim determina o art. 10 da Lei n. 13.019/14:
A administração pública deverá manter, em seu sítio oficial na internet,
a relação das parcerias celebradas e dos respectivos planos de
trabalho, até cento e oitenta dias após o respectivo encerramento.

O compromisso com a informação e a transparência dessa informação


não é somente do parceiro público, mas também da OSC parceira, conforme
determina o art. 11 do marco regulatório, nos seguintes termos: “A organização
da sociedade civil deverá divulgar na internet e em locais visíveis de suas sedes
sociais e dos estabelecimentos em que exerça suas ações todas as parcerias
celebradas com a administração pública”.
A Lei n. 13.019/14, de modo a evitar que a publicidade se cumpra ao livre
arbítrio das partes, determina nos incisos do parágrafo único, do art. 11, as
informações as quais, minimamente, se dará publicidade, em sendo: i) a data de
assinatura e identificação do instrumento de parceria e do órgão da

núm. 202. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/leandro-velloso/o-


compliance-e-as-contratacoes-publicas-a-nova-moralidade-publica-da-lei-anticorrupcao-lei-
1284613-solucao-ou-farsa. Consulta em: Fev. 2018.

396
administração pública responsável; ii) o nome da organização da sociedade civil
e seu número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ da
Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB; iii) a descrição do objeto da
parceria; iv) o valor total da parceria e valores liberados, quando for o caso; v)
a situação da prestação de contas da parceria, que deverá informar a data
prevista para a sua apresentação, a data em que foi apresentada, o prazo para
a sua análise e o resultado conclusivo e; vi) quando vinculados à execução do
objeto e pagos com recursos da parceria, o valor total da remuneração da equipe
de trabalho, as funções que seus integrantes desempenham e a remuneração
prevista para o respectivo exercício738.
Não há nenhuma inovação prática nos artigos acima analisados. Nas
parcerias firmadas entre o Poder Público e os entes do Terceiro Setor é muito
comum que OS’s, OSCIP e ONGs, em seus sítios públicos na internet, deixem
à disposição do público cópia dos instrumentos firmados. O que existe nos
artigos acima é uma confissão. Ciente das críticas que recebem, em razão dos
ajustes firmados com o poder público, muitas vezes fruto de ofensa ao princípio
da competitividade e por consequência da violação dos princípios da
impessoalidade, da isonomia e da legalidade, tanto parceiro público quanto
privado nas tratativas para a elaboração do marco regulatório, estavam mais do
que cientes da necessidade de dar centralidade a tal questão.
Inova, por sua vez, o art. 12 da Lei n. 13.019/14, na medida que pontifica:
“A administração pública deverá divulgar pela internet os meios de
representação sobre a aplicação irregular dos recursos envolvidos na parceria”.
Citado artigo reforça o preceito constitucional assentado no § 2º do art. 74
da CF/88, a tratar dos sistemas de controle interno nos Poderes, no qual resta
pontificado que, “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é
parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas da União”. Resta firmado no texto constitucional o
direito à informação inciso (inciso XXXIII, art. 5º CF), a transparência e os
processos de controle interno e externo (art. 70 e seguintes CF), como uma
lógica pertencente à dinâmica de controle do poder.

738 Incisos I ao VI, do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 13.019/14.

397
Nesta centelha está a inspiração para o art. 12 do marco regulatório que
reforça o aspecto do controle externo das parcerias, a ser feito por quem quer
tenha tomado ciência da aplicação irregular dos recursos envolvidos na mesma.
A respeito da concretização dos preceitos de citado artigo, registre-se o
Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal – o “e-OUV”, do Ministério
da Transparência e da Controladoria Geral da União, que possibilita o registro
de denúncias junto aos órgãos da Administração Pública Federal739. Estados e
Municípios tem a responsabilidade de nos seus respectivos portais de
Transparência, disponibilizarem espaço para tais manifestações. Não há em tais
portais de transparência a indicação aos canais de denúncia externos à
Administração, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Mais
esclarecimentos sob esses canais de controle devem ser pontuados pelo poder
público em suas páginas na internet.
Sob esse espectro, reconhecendo as peculiaridades do marco regulatório,
o Decreto Federal n. 8.726/16, determinou a criação de um “Mapa das
Organizações da Sociedade Civil”, que conforme afirma seu artigo 81, “tem por
finalidade dar transparência, reunir e publicizar informações sobre as
organizações da sociedade civil e as parcerias celebradas com a administração
pública federal a partir de bases de dados públicos”.
A gestão de citado Mapa é de incumbência do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – Ipea (§1º, art. 81, Decreto Federal n. 8.726/15), que será
alimentado pelos dados que deverão ser enviados pelos órgãos e entidades da
administração pública federal (§2º, art. 81, Decreto Federal n. 8.726/15),
funcionando como um grande sistema de funcionalidades a respeito das
parcerias firmadas pelos Estados, Municípios e o Distrito Federal e informações
complementares prestadas pelas organizações da sociedade civil (§3º, art. 81,
Decreto Federal n. 8.726/15).
O Mapa das Organizações da Sociedade Civil é uma realidade e,
conforme sua página oficial na internet, teria as seguintes vantagens:

739Disponível em:
https://sistema.ouvidorias.gov.br/publico/Manifestacao/RegistrarManifestacao.aspx?tipo=1.
Consulta em: Fev. 2018.

398
 Para as OSCs: fornece um ambiente confiável, público e
gratuito, desenvolvido em software livre e com códigos abertos, para
presença institucional da entidade na Internet. Seus representantes
podem inserir informações em páginas individuais, mantendo um perfil
completo e atualizado da Organização, para a visualização dos
interessados.
 Para os administradores e gestores públicos: propõe uma
parceria sólida a fim de dar transparência às ações de repasse de
verba e visibilidade ao acesso de informação sobre o uso de recursos
públicos, principalmente. Serve ainda como ferramenta para
planejamento governamental, com estatísticas, índices e indicadores
para cada uma das regiões, Estados e municípios brasileiros. E ainda:
os governos podem aumentar a transparência de suas práticas e,
seguindo algumas orientações, encaminhar dados sobre as parcerias
celebradas com as OSCs para que sejam visualizadas no Mapa por
todos.
 Para pesquisadores: encurta e facilita o caminho na busca e na
obtenção de base de dados em análises com uso de
métodos quantitativos e/ou qualitativos. Além disso, oferece bases
oficiais limpas para usos múltiplos, de maneira rápida, gratuita e com
sofisticação analítica associada ao georreferenciamento.
 Para o público em geral: possibilita o conhecimento das mais
diferentes ações envolvendo OSCs e governos Federal, Estadual e
Municipal.740 (grifos e marcadores conforme original)

Nesta dinâmica, chama atenção o art. 3º do Decreto Municipal do Rio de


Janeiro, que insistiu na redação revogada do art. 9º da Lei n. 13.019/14,
determinando que “No início de cada ano civil, a Secretaria Municipal de
Fazenda disponibilizará no Portal Transparência Carioca os valores aprovados
na lei orçamentária anual vigente para execução de programas e ações do plano
plurianual em vigor, que poderão ser executados por meio de parcerias previstas
neste Decreto”. Tal atitude exterioriza, a nosso sentir, um compromisso geral dos
Poderes no planejamento e investimento em informação, e portanto, traços do
que se entenda pela lógica de compliance.
Não há no marco regulatório um programa de integridade próprio, com
parâmetros claros como ocorre na Lei Anticorrupção e seu decreto
regulamentador, mas há de se considerar presente na Lei n. 13.019/14 o reforço
a essa essência. Há de se considerar, portanto, nesta lógica, a preocupação de
citada norma com a movimentação e aplicação financeira dos recursos (arts. 51
a 53), a liberação dos recursos (arts. 48 a 50) e com as despesas relacionadas

740 Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/sobre.html. Consulta em: Fev. 2018.

399
à execução das parcerias (arts. 45 a 47), atos que demonstram a maturidade no
planejamento e a consciência no trato dos recursos.
Há de se reconhecer ainda, em uma lógica própria de integridade do
marco regulatório, a preocupação com um sistema de monitoramento de
avaliação, do qual tratar-se-á na sequência, a evidenciar o comprometimento da
Administração Pública com um modelo o mais ético possível.

3.1.2.8 Do monitoramento e avaliação das parcerias

A Lei n. 13.019/14 dedica toda uma estrutura e uma Seção própria (Seção
VII, do Capítulo II) ao tema. É esta a ocasião oportuna para rememorar toda
estrutura estabelecida no marco regulatório a serviço da integridade das
parcerias. Em um primeiro momento deixa-se transparecer a Administração
Pública em seu papel mais óbvio, o fiscalizatório, mas a preocupação com um
sistema de monitoramento e de avaliação evidencia uma nova dinâmica: um
comprometimento às claras, uma confissão, um “preço” a se pagar pela omissão
que assola o comportamento público desde o início dos tempos.
Nestes termos, há de se relembrar dos órgãos criados no seio do marco
regulatório em estudo, destinados especificamente ao monitoramento e
avaliação das parcerias, como o conselho de política pública, responsável, como
órgão consultivo, pelo monitoramento e avaliação de políticas públicas (inciso IX,
do art. 2º), bem como a comissão de monitoramento e avaliação que, como o
próprio nome sugere, encontra-se destinada a monitorar e avaliar as parcerias
celebradas (inciso XI, do art. 2º). Os membros de citados órgãos deverão se
sujeitar, constantemente, aos programas de capacitação (art. 7º), o que, mais
uma vez evidencia o espírito moralizador do marco regulatório, no sentido de se
reconhecer uma dinâmica própria de compliance.
A forma pela qual se firmará o monitoramento e avaliação das
parcerias, com a indicação dos recursos humanos e tecnológicos que serão
empregados em tal atividade, é cláusula essencial que deverá constar dos
termos de colaboração e fomento e dos acordos de cooperação firmados (inciso
VIII, art. 42).

400
Na Seção própria do marco regulatório designada à matéria, o art. 58
deixa clara a competência da Administração Pública como a responsável pela
promoção do monitoramento e avaliação do cumprimento da parceria 741 . O
Decreto Federal n. 8.726/16, reitera em seu art. 51 o que se deve entender por
“ações de monitoramento e avaliação”, em sendo as que “terão caráter
preventivo e saneador, objetivando a gestão adequada e regular das parcerias,
e devem ser registradas na plataforma eletrônica”742.
Reconhece o marco regulatório, em seu art. 58, em seu §1º o nível de
especialidade desta tarefa, de modo que a Administração Pública poderá valer-
se “do apoio técnico de terceiros, delegar competência ou firmar parcerias com
órgãos ou entidades que se situem próximos ao local de aplicação dos recursos”
743. Como já pontuado, as parcerias entre o Poder Público e as OSCs exigirá dos
envolvidos muito mais preparo do que “boa vontade”. O ato de monitorar as
parcerias é um ato de controle que exigirá da Administração Pública estrutura e
disposição, utilizando-se dos meios necessários para sua efetivação, devendo
ter a sua disposição o aparato tecnológico necessário744 e, conforme necessário,
contar com o pessoal e os meios necessários para a realização de visitas
técnicas745.

741 Lei n. 13.019/14 – “Art. 58. A administração pública promoverá o monitoramento e a avaliação
do cumprimento do objeto da parceria”.
742 Reitera ainda o art. 51 do Decreto Federal n. 8.726/15, em especial em seu §1º, que: “As

ações de que trata o caput contemplarão a análise das informações acerca do processamento
da parceria constantes da plataforma eletrônica, incluída a possibilidade de consulta às
movimentações da conta bancária específica da parceria, além da verificação, análise e
manifestação sobre eventuais denúncias existentes relacionadas à parceria”.
743 Nesta seara, cumpre ressaltar, nos termos do §2º do art. 49 do Decreto Federal n. 8.726/15,

que, “A comissão de monitoramento e avaliação poderá solicitar assessoramento técnico de


especialista que não seja membro desse colegiado para subsidiar seus trabalhos”.
744 Note-se o conteúdo do §3º do art. 51 do Decreto Federal n. 8.726/15, nos seguintes termos:

“As ações de monitoramento e avaliação poderão utilizar ferramentas tecnológicas de verificação


do alcance de resultados, incluídas as redes sociais na internet, aplicativos e outros mecanismos
de tecnologia da informação”.
745 Decreto Federal n. 8.726/15 – “Art. 52. O órgão ou a entidade da administração pública

federal deverá realizar visita técnica in loco para subsidiar o monitoramento da parceria, nas
hipóteses em que esta for essencial para verificação do cumprimento do objeto da parceria e do
alcance das metas.
§ 1º O órgão ou a entidade pública federal deverá notificar previamente a organização da
sociedade civil, no prazo mínimo de três dias úteis anteriores à realização da visita técnica in
loco.
§ 2º Sempre que houver visita técnica in loco, o resultado será circunstanciado em relatório de
visita técnica in loco, que será registrado na plataforma eletrônica e enviado à organização da

401
O §2º do art. 58 da Lei n. 13.019/14, impulsiona, nas devidas proporções,
quase que para a construção de um verdadeiro “programa de acreditação”746
das parcerias, ao instituir:

Nas parcerias com vigência superior a 1 (um) ano, a administração


pública realizará, sempre que possível, pesquisa de satisfação com os
beneficiários do plano de trabalho e utilizará os resultados como
subsídio na avaliação da parceria celebrada e do cumprimento dos
objetivos pactuados, bem como na reorientação e no ajuste das metas
e atividades definidas.

Referida proposta deve ser levada em consideração com seriedade pela


Administração Pública e evidencia a faceta do princípio da realidade na prática
das parcerias e sua efetiva conexão com seus fins. O termo “sempre que
possível” disposto no parágrafo acima trasladado deve ser interpretado da forma
mais alargada possível, como um verdadeiro compromisso da Administração
Pública no sentido de perceber o efetivo alcance das parcerias. O uso desses
dados, por sua vez, deve ser feito com sabedoria, não podendo servir
insatisfações generalizadas dos beneficiários como parâmetro isolado para
onerar a OSC parceira ou a parceria em si.
Para a implementação de pesquisas de satisfação e concretização do que
dispõe o §2º do art. 58, a Administração pública também poderá valer-se do
competente apoio técnico de terceiros, delegar competência ou firmar parcerias
com órgãos ou entidades que se situem próximos ao local de aplicação dos
recursos. É o conteúdo do §3º do art. 58. Mais uma vez o marco regulatório
reitera o nível de expertise exigido daqueles que estarão à frente dos modelos
de parceria tratados pela Lei n. 13.019/14.

sociedade civil para conhecimento, esclarecimentos e providências e poderá ensejar a revisão


do relatório, a critério do órgão ou da entidade da administração pública federal.
§ 3º A visita técnica in loco não se confunde com as ações de fiscalização e auditoria realizadas
pelo órgão ou pela entidade da administração pública federal, pelos órgãos de controle interno e
pelo Tribunal de Contas da União” (grifo no original).
746 A denominada “Acreditação” é um expediente muito comum no universo da prestação dos

serviços de saúde e diz respeito a um sistema de avaliação e certificação da qualidade dos


mesmos. Segundo o site público na internet da ONA – Organização Nacional de Acreditação, a
“Acreditação tem um caráter eminentemente educativo, voltado para a melhoria contínua, sem
finalidade de fiscalização ou controle oficial/governamental, não devendo ser confundida com os
procedimentos de licenciamento e ações típicas de Estado”. Disponível em:
https://www.ona.org.br/Pagina/20/A-ONA. Consulta em: Fev. 2018.

402
Dentro da lógica em estudo, o art. 59 do marco regulatório impõe a
obrigação da Administração Pública de emitir relatório técnico de monitoramento
e avaliação, no caso das parcerias celebradas sob as modalidades do termo de
colaboração ou termo de fomento. Tal relatório será submetido à comissão de
monitoramento e avaliação designada747, que deverá homologá-lo (no prazo de
quarenta e cinco dias) 748 , independentemente da obrigatoriedade de
apresentação da prestação de contas devida pela organização da sociedade
civil.
Percebe-se pelo conteúdo do art. 59, que a atividade de monitoramento e
avaliação tem “vida própria”, não se restringindo somente ao universo da
prestação de contas. São momentos que se interpenetram e se complementam,
mas que são independentes.
Mais uma vez o marco regulatório não deixa espaço para o “livre arbítrio”
da Administração Pública, lançando no §1º do art. 59, quais elementos, o
relatório técnico deverá conter. Ainda que citado rol seja meramente
exemplificativo, será preciso identificar no mesmo, o seguinte: i) descrição
sumária das atividades e metas estabelecidas; ii) análise das atividades
realizadas, do cumprimento das metas e do impacto do benefício social obtido
em razão da execução do objeto até o período, com base nos indicadores
estabelecidos e aprovados no plano de trabalho; iii) valores efetivamente
transferidos pela administração pública; iv) análise dos documentos
comprobatórios das despesas apresentados pela organização da sociedade civil
na prestação de contas, quando não for comprovado o alcance das metas e
resultados estabelecidos no respectivo termo de colaboração ou de fomento e; v)
análise de eventuais auditorias realizadas pelos controles interno e externo, no
âmbito da fiscalização preventiva, bem como de suas conclusões e das medidas
que tomaram em decorrência dessas auditorias (Incisos I, II, III, V e VI, do §1º
do art. 59 da Lei n. 13.019/2014).

747 Atente-se, nesta oportunidade, aos impedimentos que recaem sobre os membros da
Comissão de monitoramento e avaliação dispostos pelo art. 50 do Decreto Federal n. 8.726/15,
bem como no disposto pelo §4º de seu art. 49, no sentido de que a comissão de monitoramento
e avaliação deverá se reunir periodicamente, a fim de avaliar a execução das parcerias por meio
da análise das ações.
748 Conforme assinalado pelo §5º, do art. 61 do Decreto Federal n. 8.726/15.

403
Resta claro nesta ocasião o quanto o relatório serve como instrumento de
controle interno das parcerias e como referência para os órgãos de controle
externo, bem como para o controle social das mesmas. E não só, muitas vezes
o relatório servirá como o documento que contemplará as conclusões de
auditorias realizadas pelos controles interno e externo e as medidas tomadas.
Evidencia-se nesta lógica, conforme prenunciado por Massimo Severo
Giannini, a desejável multiplicação de controles, externos e internos,
aproximando os complexos sistemas públicos e privados, de Estados e
sociedades plurais e fragmentados749. A despeito do tema, em impecável lição,
reforça Diogo de Figueiredo Moreira Neto da importância de se ver propagada a
perspectiva dos “controles”, sejam externos ou internos, “de toda sorte e
natureza, com imenso proveito para a sociedade, sem que se venha a suscitar
qualquer preocupação com uma eventual duplicação, superposição ou
superfetação, pois é mais conveniente que abundem do que faltem (...)”
(destaca-se)750. Sob esta ótica, não é demais lembrar, a relevância do controle
social presente na proposta de regulação da Lei n. 13.019/14, “descentralizando
e capilarizando a atividade participativa cidadã”751, que é um de seus princípios
basilares.
Por conta desses desdobramentos e a despeito dos elementos que
deverão constar do relatório de monitoramento e avaliação, o Decreto Federal n.
8.726/16 se atém a mais detalhes, determinando:

Art. 61. O relatório técnico de monitoramento e avaliação referido no


art. 60 conterá:
I - os elementos dispostos no § 1º do art. 59 da Lei nº 13.019, de 2014;
e
II - o parecer técnico de análise da prestação de contas anual, que
deverá:
a) avaliar as metas já alcançadas e seus benefícios; e
b) descrever os efeitos da parceria na realidade local referentes:
1. aos impactos econômicos ou sociais;
2. ao grau de satisfação do público-alvo; e
3. à possibilidade de sustentabilidade das ações após a conclusão do
objeto.

749 GIANNINI, Massimo Severo. Tratado di diritto amministrativo - L’amministrazione pubblica


dello stato contemporâneo. Vol 1. Padova: CEDAM, 1988, p. 37.
750 MOREIRA NETO, 2016, p. 96.
751 MOREIRA NETO, 2016, p. 120.

404
Retomando as lições da Lei n. 13.019/14, o §2º do art. 59 tem o cuidado
de ressaltar, como não poderia deixar de ser, que no caso de parcerias
financiadas com recursos de fundos específicos, o monitoramento e a avaliação
deverão ser realizados pelos respectivos conselhos gestores, e não pela
comissão de monitoramento e avaliação, respeitando-se as demais exigências
do marco regulatório.
O art. 60 da Lei n. 13.019/14 reforça o óbvio. O sistema de controle
desenhado para a regulação das parcerias em estudo não afasta todas as
demais formas de controle, dos órgãos internos e externos, bem como dos
conselhos de políticas públicas das áreas correspondentes de atuação
existentes em cada esfera de governo.
Por fim, como não poderia deixar de ser ante todo o aparato
principiológico e todas as diretrizes abraçadas pelo marco regulatório em estudo,
confirma-se no parágrafo único do art. 60 que: “As parcerias de que trata esta
Lei estarão também sujeitas aos mecanismos de controle social previstos na
legislação” (destaca-se). A norma é o mais aberta possível neste ponto, de modo
que lhe caiba toda a sorte de institutos e métodos para que a participação social
no controle das parcerias não seja uma realidade distante.
Em termos de controle social no universo das regulações no Brasil, há de
se reconhecer sempre o relevante papel das agências reguladoras, com a
previsão de alguns instrumentos de participação e controle social, no que cite-
se a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Neste particular, a
regulação em apreço não inova.
De todo modo, a percepção de um controle social perpassa por vários
níveis e mais, por questões estruturais e culturais que usualmente lançam ao
chão as tentativas de sua implementação, reforçando um discurso de descrença.
Assim sendo, ao se falar em controle social deve-se restar clarificado,
conforme assentado nas lições de Pinho e Sacramento (2009), que o mesmo
deve ser aplicado tanto no âmbito estratégico da Administração Pública quanto

405
no âmbito da produção de bens e serviços públicos 752. Além disso é preciso
superar o cenário muito bem detalhado por Antônio Eduardo de Albuquerque
Júnior que, ao refletir acerca da democracia e do controle social pontifica:

Porém, a assimetria de informações entre cidadãos e Estado, aliada


ao baixo nível de organização da sociedade civil, possibilita a
instalação de um cenário de ‘debilidade das instituições’ materializada
através de sucessivos escândalos políticos os quais, em sua maioria,
não resultam de punição para os culpados.
Campos (1990) destaca que uma indignação individual, ainda que
disseminada, não tem a força necessária para o exercício de efetivo
controle dos abusos e dos usos perniciosos do poder pelo Estado. Para
ela a impotência política é resultado da falta de organização da
sociedade civil combinada à falta de transparência nas organizações
burocráticas do governo753.

O marco regulatório se compromete exatamente em desatar esse nó que


separa o Estado de uma sociedade civil apática. Como tem-se insistido a Lei n.
13.019/14 precisa ser percebida como uma missão muito maior do que no
reconhecimento do controle social como uma das formas de concretização da
participação social. Não basta um simples canal de denúncias e mais
informação, é preciso que a sociedade civil seja capaz de perceber um aumento
das punições às irregularidades, do poder coercitivo do controle e da sua
credibilidade.
Na construção deste caminho, assente-se o expediente do §1º do art. 61
do Decreto Federal n. 8.726/16, no sentido de se indicar as providências que
deverão ser tomadas em caso de constatação, por parte do gestor da parceria,
de irregularidades ou da inexecução parcial do objeto, em sendo:

Art. 61.
(...)
§ 1º Na hipótese de o relatório técnico de monitoramento e avaliação
evidenciar irregularidade ou inexecução parcial do objeto, o gestor da
parceria notificará a organização da sociedade civil para, no prazo de
trinta dias:

752 PINHO, José A. G.; SACRAMENTO, Ana R. S. “Accountability: já podemos traduzi-la para o
português?” Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, n.6, v.43, nov. 2009, p.1343-
1368.
753 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Antônio Eduardo de; MACHADO, Kaliane Caldas de Brito;

TOURINHO, Gustavo Levi Fernandes; SANTOS, Ernani Marques. “As Agências Reguladoras
Federais e os Canais de Controle e Participação da Sociedade”. Gestão e Sociedade. Belo
Horizonte. Vol. 7. Set/Dez 2013, Número 18, pp- 303-325.

406
I - sanar a irregularidade;
II - cumprir a obrigação; ou
III - apresentar justificativa para impossibilidade de saneamento da
irregularidade ou cumprimento da obrigação.

Em tempos de clamor para punições exemplares, o decreto regulamentar


do marco regulatório trata de colocar cada coisa em seu devido lugar. Acima de
tudo, há de se dar prevalência à manutenção das parcerias, abrindo-se a
possibilidade de, em sendo o caso, dar-se espaço para o saneamento das
irregularidades, para o cumprimento da obrigação. O decreto vai além e
reconhece o exercício mais elástico possível do devido processo legal e do
contraditório na esfera do processo administrativo. É um grande passo no
reconhecimento da evolução do próprio Direito Administrativo que por muito
tempo reconheceu um único caminho, o da imposição da invalidação dos atos.
A essa altura, cientes do caminho e do tipo de regulação que a Lei n.
13.019/14 deseja implementar, os dispositivos acima trasladados não podem
representar surpresa alguma. Coincide com toda a evolução estatal em busca
de procedimentos dialéticos e reitera a “processualidade”, como “método
democrático de domesticação do exercício do poder da administração,
garantindo sua vinculação aos valores constitucionalmente consagrados”754.
Em irretocável ensinamento, leciona Raquel Melo Urbano de Carvalho:

A procedimentalização na Administração viabiliza o surgimento de


elementos aptos a ensejar o aperfeiçoamento dos comportamentos
públicos antes de realizados, com produção de resultados na realidade
administrativa. Com efeito, se se oportuniza o surgimento de dados que
pode delinear novos contornos da ação estatal, antes que esta se
realize, evitam-se comportamentos ilícitos e se promove maior
efetividade administrativa. A isto se acresce a possibilidade de o
terceiro interessado pronunciar-se antes de prolatada a vontade
pública final, procedimento dialético que concretiza a Administração
democrática requerida na sociedade contemporânea 755.

Caberá ao gestor da parceria, respeitadas as peculiaridades de cada


caso, a verificação dos atos de regularização e, a posterior atualização do
relatório de monitoramento e avaliação (§2º do art. 61 do Decreto Federal n.

754 SILVEIRA, Ana Teresa Ribeiro da. “A reformatio in pejus e o processo administrativo”.
Interesse Público, São Paulo, Notadez, n. 30, 2005, p. 62.
755 CARVALHO, 2008, p. 213.

407
8.726/16). As metas descumpridas sem a justificativa suficiente terão seus
valores respectivos glosados756, conforme (§3º do art. 61 do Decreto Federal n.
8.726/16) e, caso persistam as irregularidades ou a inexecução parcial do objeto,
dois caminhos serão possíveis757:
i) caso o gestor conclua pela continuidade da parceria deverá
determinar a devolução dos recursos financeiros relacionados à irregularidade
ou inexecução apurada ou à prestação de contas não apresentada e também a
retenção das parcelas dos recursos.
ii) caso o gestor conclua pela rescisão unilateral da parceria, deverá
determinar a devolução dos valores repassados relacionados à irregularidade ou
inexecução apurada ou à prestação de contas não apresentada e a instauração
de tomada de contas especial, se não houver a devolução dos valores
repassados relacionados à irregularidade ou inexecução apurada.
São esses os pontos principais a serem considerados no universo
fiscalizatório proposto pelo modelo de regulação desenhado pela Lei n.
13.019/14 e pela legislação correlata. Certamente não é um caminho para
principiantes e há muito a se construir.

3.1.2.9 A prestação de contas sob a luz da Lei N. 13.019/14

A prestação de contas no âmbito do disposto pela Lei n. 13.019/14 não se


concretizará somente com boas intenções. É um intricado sistema758 que nos faz
pensar o quão especializadas deverão estar as OSCs interessadas na
celebração de termos de fomento e termos de colaboração. Há um preço pela

756 Segundo o Tribunal de Contas da União: “O termo glosar, segundo o Dicionário Aurélio, é
equivalente a censurar, criticar, suprimir ou anular, dentre outras acepções. Trata-se de juízo de
reprovabilidade que alguém tem em relação a algo. No serviço público o instituto da glosa é mais
frequentemente associado ao exercício da função controle, ou seja, é dever de quem tem
prerrogativas de fiscalizar ou auditar censurar as ações incompatíveis ou irregulares. Nem
sempre a glosa possui repercussão financeira. Quando a glosa tem efeito financeiro, dois podem
ser os reflexos: a um, perda em definitivo de uma dada importância; a dois, retenção ou
suspensão na transferência de valores até que a pessoa ou a entidade afetada pela glosa restitua
uma importância ou faça algo”. (TCU - Acórdão nº 3.114/2010 – Segunda Câmara) (grifamos).
757 Em conformidade com o §3º do art. 61 do Decreto Federal n. 8.726/15.
758 Exatamente por conta disso, determina o §1º do art. 63 da Lei n. 13.019/14: “A administração

pública fornecerá manuais específicos às organizações da sociedade civil por ocasião da


celebração das parcerias, tendo como premissas a simplificação e a racionalização dos
procedimentos”.

408
especialização que se deve ter ao se firmar os instrumentos de parceria criados
pelo marco regulatório e exatamente por conta disso, se a sua intenção é a de
incitar a cooperação e o fortalecimento da sociedade civil, há de se ter empenho
na disseminação das regras da norma em estudo.
As OSCs deverão se capacitar e contar com um especializado grupo de
colaboradores, de modo a restar evidenciado no procedimento de prestação de
contas, a consecução das atividades e projetos da forma mais transparente e
efetiva possível. A Administração Pública deverá prestar todo o auxílio possível
neste caminho, desenvolvendo manuais e cartilhas, que de modo bastante
didático, leve ao conhecimento dos melindres do marco regulatório759.
Na evolução de uma Administração Pública imperativa para uma
Administração Pública consensual e de resultado, a relação entre
Administradores e administrados se tornou mais próxima e parece até natural
que os cidadãos se interessem em saber se aqueles estariam atuando na defesa
do interesse público. Na realidade brasileira, como já visto, consecutivamente
alimentada pelo patriarcalismo e pela “cordialidade”, a construção de uma gestão
transparente, responsável e efetiva se faz urgente. Ante as sucessivas notícias
de corrupção, que parecem nem mais chocar, impõe-se uma reflexão sobre os
caminhos de controle e responsabilização que as parcerias irão percorrer.
Antes de se chegar até lá, pretende-se um olhar sobre o fenômeno
denominado de accountability, que vem circundando a Administração Pública
brasileira e acredita-se mereça nossa atenção, de modo a ver traços desta
tendência na norma em estudo.
Primeiramente, reflita-se:

Vinte anos se passaram desde que Anna Maria Campos expôs sua
angústia sobre a ausência do conceito e, consequentemente, de uma
palavra que, no dicionário da língua portuguesa, traduzisse com
perfeição o significado de accountability. Na oportunidade, a estudiosa
indicou que a possibilidade de tornar a administração pública brasileira
accountable estava diretamente relacionada às chances das seguintes
ocorrências, as quais, como podem ser verificadas, guardam certa

759Nesta perspectiva, cite-se o Manual “Entenda o MROSC ilustrado” elaborado pelo governo
federal na sua plataforma pública criada como instrumento de construção de sua agenda do
marco regulatório em estudo – o participa.br/Mrosc. Disponível em:
http://www.participa.br/articles/public/0045/6207/Endenda_o_MROSC_ilustrado__2_.pdf.
Acesso em: Mar. 2018.

409
interdependência e estão diretamente relacionadas à democracia: a)
organização dos cidadãos para exercer o controle político do governo;
b) descentralização e transparência do aparato governamental; e c)
substituição de valores tradicionais por valores sociais emergentes760.

Sem pular etapas e antecipar conclusões, já é de se perceber, em termos


de princípios, objetivos e diretrizes, que a Lei n. 13.019/14 parece abraçar sob
tal perspectiva, uma gestão accountable. De todo modo, além da dificuldade
terminológica, e porque não dizer, do anglicismo desnecessário, existe todo um
espectro a circundar a noção de accountability na gestão da coisa pública. Tal
percepção se intensifica no Brasil com as reformas do aparelho do Estado, sob
a promessa de uma administração pública mais eficiente e “controlável”, o que
fez que com o termo accountability ganhasse comumente a tradução de
“responsabilização”761.762
Reconhecido o peso de “responsabilidade”, presente na menção à
accountability, atente-se para a necessidade de dar-se a essa responsabilidade,
uma visão mais moderna, não só no sentido de ameaça ou sanção, mas a de
um sentimento de que “cada um faz parte da solução e não apenas do
problema”763. Schedler (1999), por sua vez, constrói a percepção de que para a
concepção de accountability se tornar completa, três serão os pilares:
informação, justificação e punição 764 . Citado autor reforça o caráter
bidimensional da accountability, no sentido de que a mesma “nasce com a
assunção por uma pessoa da responsabilidade delegada por outra, da qual se
exige a prestação de contas, sendo que a análise dessas contas pode levar à
responsabilização”765.

760 PINHO, José Antônio Gomes de; SACRAMENTO, Ana Rita Silva. “Accountability: já podemos
traduzi-la para o português?” Revista Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro 43 (6): 1343-
1348, nov/dez 2009.
761 PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1345.
762 Essa tradução do termo parece advir de seu próprio significado, que segundo o Oxford

Advanced Learner’s Dictionary, seria: “Accountable: responsible for your decisions or actions and
expected to explain them when you are asked: Politicians are ultimately accountable to the
voters”. (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1347).
763 TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Brasília:

Enap, 2000, p. 264.


764 SCHEDLER, Andreas. “Conceptualizing accountability”. In: SCHEDLER, A.; DIAMOND, L.;

PLATTNER, M. F. (Eds.). The self-restraing state - Power and accountability in new democracies.
Boulder and London: Lynne Rienner Publishers, 1999, p. 77.
765 PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1350.

410
Na evolução dos estudos sobre o tema, ganha força o espectro que
reforça o caráter multidimensional da accountability, nos termos construídos pelo
CLAD – Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento,
sendo indispensável o desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de agir na
definição de metas coletivas, bem como, a construção de mecanismos
institucionais que garantam o controle público para além do voto766.
Muito mais pode ser dito sobre a lógica da accountability, mas não é este
o propósito deste estudo. O que se pretende é o reconhecimento, no âmbito das
parcerias de um sistema de controle que ultrapasse a lógica do controle interno
e externo767 e uma dinâmica de responsabilização que suplante a descrença do
cidadão de que a Administração Pública ademais a transfiguração, continua
autoritária e adepta ao nepotismo e ao favoritismo.
O Brasil tem avançado nas premissas sentidas nestas breves
ponderações, a se citar a famigerada “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar n.
135/2010) que, com se viu, empresta um pouco de sua essência à Lei n.
13.019/14. Existe, de fato, um compromisso do marco regulatório com uma
lógica de controle, responsabilização e transparência próprios que, ao longo
desta tese, tem-se perquirido. O risco é de fato, como alerta Lincoln Kazuo
Koyama de que, “alguns destes mecanismos de accountability apresentam um
grau de exigências formais que podem dificultar a adoção das parcerias
fundamentadas no MROSC, em especial pelos entes públicos e privados que
não possuem disponibilidade técnica e financeira suficiente ao atendimento de
todos os procedimentos definidos”768. É o que se analisará na sequência.

766 CLAD (Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento). A


responsabilização na nova gestão pública latino-americana. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz
Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Coords.). Responsabilização na administração pública. São Paulo:
Clad/Fundap, 2006, p. 27.
767 Neste ponto cite-se relevante artigo, intitulado “Controle interno das prestações de contas das

organizações da sociedade civil após o advento da Lei n. 13.019/14: análise de julgados do


Tribunal de Contas da União” (2016), de autoria de Maria Tereza Fonseca Dias e Luísa Pires
Monteiro de Castro, a demonstrar a fragilidade do controle interno nas parcerias após o advento
do marco regulatório em estudo.
768 KOYAMA, Lincoln Kazuo. Análise do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade

Civil. Dissertação de Mestrado. Escola de Administração de Empresas. Fundação Getúlio


Vargas, São Paulo, 2015, p. 29.

411
3.2.1.9.1 O modelo de prestação de contas do marco regulatório das
organizações da sociedade civil – conceito, rito e prazos

Entenda-se por “prestação de contas”, nos termos do inciso XIV do art.


2º da Lei n. 13.019/12:

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:


(...)
XIV - prestação de contas: procedimento em que se analisa e se avalia
a execução da parceria, pelo qual seja possível verificar o cumprimento
do objeto da parceria e o alcance das metas e dos resultados previstos,
compreendendo duas fases:
a) apresentação das contas, de responsabilidade da organização da
sociedade civil;
b) análise e manifestação conclusiva das contas, de responsabilidade
da administração pública, sem prejuízo da atuação dos órgãos de
controle;

O conceito assente no marco regulatório apresenta um emaranhado de


desdobramentos, no que se dá preferência à objetividade do conceito trazido
pelo Decreto Federal n. 8.726/16 (art. 57), donde se tem: “A prestação de contas
terá o objetivo de demonstrar e verificar resultados e deverá conter elementos
que permitam avaliar a execução do objeto e o alcance das metas”.
Em um primeiro olhar, a prestação de contas se prontifica a verificar a
efetividade das parcerias, de modo que reste indubitável que o ajuste foi
devidamente cumprido, avaliando-se os resultados e verificadas as metas, em
conformidade com o estabelecido no respectivo plano de trabalho 769 .
Rememore-se, portanto, nestes termos, a obediência ao disposto pelo art. 22 da
Lei n. 13.019/14, a despeito dos elementos que necessariamente devem fazer
parte do plano de trabalho, em sendo: a “descrição de metas a serem atingidas
e de atividades ou projetos a serem executados” (inciso II, art. 22), bem como, a
“definição dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do cumprimento
das metas” (inciso IV, art. 22).
De toda forma, resta configurado que o rito de prestação de contas
segundo os ditames da Lei n. 13.019/14 apresenta duas fases: uma fase a cargo
da organização da sociedade civil e outra de responsabilidade da Administração

769Rememore-se o disposto pelo art. 22 da Lei n. 13.019/14, a despeito dos requisitos que
necessariamente devem fazer parte do plano de trabalho.

412
Pública (controle interno). Em outras palavras, a responsabilidade pela
apresentação das contas é da OSC parceira, enquanto a Administração Pública
tem a responsabilidade sobre a análise e manifestação conclusiva das contas,
independentemente da atuação dos órgãos de controle externo.
Todo o procedimento acima pontuado, se desenvolverá em plataforma
eletrônica, permitindo, nos termos do art. 65 da Lei n. 13.019/14, a visualização
por parte de qualquer interessado 770. Neste ponto, o modelo regulatório em
estudo reforça não só seu compromisso em assegurar o direito à informação,
transparência e controle social das parcerias (inciso IV, do art. 5º), bem como,
presta honras às diretrizes previstas nos incisos III e V do art. 6º771.
Todos os documentos incluídos pela OSC na citada plataforma eletrônica
será considerada original para efeitos da prestação de contas, desde que
possuam garantia da origem e de seu signatário por certificação digital (art. 68
da Lei n. 13.019/14). Ao longo de 10 (dez) anos, contando-se do dia útil
subsequente ao da prestação de contas, a OSC deverá manter em arquivo os
documentos originais que compuseram a prestação de contas (parágrafo único
do art. 68 da Lei n. 13.019/14).
O marco regulatório faz menção ao termo “prestação de contas” ao menos
cinquenta vezes ao longo de seu texto, dedicando-lhe as Seções I e II, de seu
Capítulo IV (art. 63 a 72). Em seu artigo inaugural (art. 63), adverte que a
prestação de contas deve observância não só aos preceitos dispostos pela Lei
n. 13.019/14 (rito e prazos), mas também a normas de elaboração contidas tanto
no instrumento de formalização da parceria, quanto do plano de trabalho.
Verifica-se, portanto, a possibilidade de que para além do disposto no marco
regulatório, as parceiras estabeleçam regras e prazos próprios nos termos de
parceria.

770 Lei n. 13.019/14 – “art. 65. A prestação de contas e todos os atos que dela decorram dar-se-
ão em plataforma eletrônica, permitindo a visualização por qualquer interessado”.
771 Lei n. 13.019/14 – “Art. 6º São diretrizes fundamentais do regime jurídico de parceria:

(...)
III - o incentivo ao uso de recursos atualizados de tecnologias de informação e comunicação;
(...)
V - o estabelecimento de mecanismos que ampliem a gestão de informação, transparência e
publicidade;”.

413
O grau de exigência da prestação de contas contida na Lei n. 13.019/14 é
reconhecido pela própria norma, donde nasce a obrigação da Administração
Pública de fornecer 772 às OSCs manuais específicos para “simplificação e
racionalização dos procedimentos” (§1º art. 63). Em nome da segurança jurídica
e da construção da legítima confiança no bojo das parcerias, o §2º do art. 63
autoriza a alteração do conteúdo de citados manuais, mas não sem a devida
cientificação da OSC, pelos meios oficiais de comunicação.
O §3º do art. 63 da Lei n. 13.019/14 reforça a necessidade de que a
prestação de contas seja regulamentada da forma mais simplificada possível,
chamando atenção dos entes públicos envolvidos nas parcerias, que quando da
elaboração de seus decretos regulamentares, o que confere a oportunidade de
que cada ente público crie regras diferenciadas e adequadas a sua realidade, o
façam de modo que os procedimentos se tornem o mais céleres e objetivos
possível.
O Decreto n. 42.696/16 do Município do Rio de Janeiro estatuiu, no § 3º
de seu art. 49, que “A Controladoria Geral do Município editará manuais sobre
fiscalização e prestação de contas dos Termos de Colaboração e de Fomento,
que serão disponibilizados na sua página eletrônica, tendo como premissa a
simplificação e a racionalização dos procedimentos”. A Controladoria Geral do
Município do Rio de Janeiro, no exercício de citada atribuição editou a Resolução
n. 1285, de 23 de fevereiro de 2017 instituindo “o roteiro orientador” para a
prestação de contas das parceiras em estudo773.
A Lei n. 13.019/14 não apresenta um modelo de prestação de contas a
ser seguido, mas em seu art. 64 adverte que, a mesma “deverá conter elementos
que permitam ao gestor da parceria avaliar o andamento ou concluir que o seu
objeto foi executado conforme pactuado, com a descrição pormenorizada das

772 Segundo Rosângela Wolff Moro (2016, p. 84), “o verbo ‘fornecerá’ impõe a obrigação à
Administração Pública. É portanto, direito da OSC exigir os manuais específicos para realizar em
conformidade com o que a Administração pretende a prestação de contas dos recursos recebidos
por meio da parceria”.
773 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/resolucao-da-controladoria-

geral-do-municipio/2017/129/1285/resolucao-da-controladoria-geral-do-municipio-n-1285-2017-
institui-o-roteiro-orientador-para-a-prestacao-de-contas-de-recursos-concedidos-pelo-municipio-
do-rio-de-janeiro-atraves-de-parcerias-voluntarias-na-forma-do-decreto-n-42696-de-26-de-
dezembro-de-2016. Consulta em: Mar. 2018.

414
atividades realizadas e a comprovação do alcance das metas e dos resultados
esperados, até o período de que trata a prestação de contas”774. Além disso , a
depender do volume de recursos públicos envolvidos na parceria, regras
específicas de prestação de contas serão estabelecidas no plano de trabalho e
nos instrumentos de parceria (§4º art. 64).
Os §§ 2º e 3º do art. 64 do marco regulatório apresentam certos
referenciais a despeito da responsabilidade da Administração Pública quanto a
análise da prestação de contas, devendo ater-se aos dados financeiros, de modo
a estabelecerem o nexo de causalidade entre a receita e a despesa realizada,
em respeito às normas pertinentes, dando-se peso à verdade real e aos
resultados alcançados.
É preciso cautela. Dar força à verdade real e aos resultados alcançados
certamente refletirá a realidade e a efetividade das parcerias, mas acredita-se
que tal preferência só mereça prevalecer, caso os referenciais postos nos
instrumentos de parceria e do plano de trabalho destoem muito da realidade
fática. Além do mais, tal ato de discricionariedade deverá ser devidamente
motivada e fundamentada, de modo que se justifique um possível “desencaixe”
entre as normas e seus referenciais e os resultados obtidos775.
Além do mais, atente-se, em uma interpretação sistemática da Lei n,
13.019/14 que a reverência à “verdade real e aos resultados alcançados”
presente no §3º do art. 64, deve ser percebida em consonância com o disposto
pelos incisos I a IV do § 4º do art. 67 do marco regulatório. Em redação que
demonstra a maturidade legislativa ao se desenhar o modelo de regulação
pretendida para as parcerias firmadas entre o poder público e as OSCs, resta
assentado:
Art. 67. (...)

774 Da Resolução n. 1285, de 23 de fevereiro de 2017 da Controladoria Geral do Município do


Rio de Janeiro, que veio regulamentar o §3º do art. 49 do Decreto n. 42.696/16 do Município do
Rio de Janeiro, consta (anexo II), um “Modelo de Ofício de Apresentação da Prestação de
Contas”, onde está detalhada a forma como será apresentada a prestação de contas. Tal diretiva
certamente é de inestimável ajuda para as OSCs parceiras.
775 O Decreto Municipal n. 42.696/16 do Rio de Janeiro aponta interessante instrumento de

apuração desta verdade real, quando determina que o relatório de execução do objeto deverá
conter “os documentos de comprovação do cumprimento do objeto, como listas de presença,
fotos, vídeos, entre outros” (grifa-se).

415
§4º Para fins de avaliação quanto à eficácia e efetividade das ações
em execução ou que já foram realizadas, os pareceres técnicos de que
trata este artigo deverão, obrigatoriamente, mencionar:
I - os resultados já alcançados e seus benefícios;
II - os impactos econômicos ou sociais;
III - o grau de satisfação do público-alvo;
IV - a possibilidade de sustentabilidade das ações após a conclusão do
objeto pactuado (grifo nosso).

Como oportunamente se verá adiante, a análise da prestação de contas


se balizará em relatórios e pareceres técnicos. Absorva-se, neste momento, das
lições do § 4º do art. 67 acima trasladado, o peso de seus incisos, a firmarem
um verdadeiro pacto com um dos pilares da regulação em estudo e com norma
que tem por missão a construção de uma nova reputação da Administração
Pública brasileira: a efetividade. Daí ser indispensável não só para o correto
andamento das parcerias, mas também para a sobrevivência do modelo que o
mesmo colha frutos junto a seu público-alvo, que sejam palpáveis os benefícios
alcançados e o real impacto econômico e social e mais, que as ações objeto de
ajuste possam continuar florescendo mesmo com o fim da parceria. Isso é
“efetividade” sob a perspectiva do procedimento de prestação de contas.
Neste ritmo, anote-se que a análise da prestação de contas, de
responsabilidade da Administração Pública, implica afora a análise dos
documentos previstos no plano de trabalho, a verificação dos seguintes
relatórios (caput, art. 66 c/c seu parágrafo único):

i) relatório de execução do objeto;


ii) relatório de execução financeira;
iii) relatório de visita in loco, se for o caso;
iv) relatório técnico de monitoramento e avaliação.

O relatório de execução do objeto fica a cargo da OSC e deve conter as


atividades ou projetos desenvolvidos para o cumprimento do objeto e o
comparativo de metas propostas com os resultados alcançados (inciso I, art.
66).
O relatório de execução financeira, apesar de não ter especificado o
inciso II, do art. 66, também de responsabilidade da OSC, conterá “a descrição

416
das despesas e receitas efetivamente realizadas e sua vinculação com a
execução do objeto, na hipótese de descumprimento de metas e resultados
estabelecidos no plano de trabalho” (inciso II, art. 66). O relatório em foco
pressupõe a movimentação dos recursos (nos termos dos arts. 51 a 53 da Lei n.
13.019/14). Há de restar demonstrado ainda, no relatório de execução financeira
da contrapartida, se houver, nos termos do disposto pelo §1º, inciso VI, do art.
35 do marco regulatório.
Tenha-se em mente, ainda, em termos de relatório de execução financeira
que, em consonância com o que prega o parágrafo único do art. 51, “os
rendimentos de ativos financeiros serão aplicados no objeto da parceria, estando
sujeitos às mesmas condições de prestação de contas exigidas para os recursos
transferidos” (grifo nosso).
Por fim, reste explicitado que a nível federal, nos termos do Decreto
Federal n. 8.726/16 (art. 56), somente se exigirá a apresentação do relatório de
execução financeira, se a OSC não comprovar o alcance das metas ou quando
houver evidência de existência de ato irregular. Segundo citado instrumento
legal, citado relatório deverá conter:
Art. 56. Quando a organização da sociedade civil não comprovar o
alcance das metas ou quando houver evidência de existência de ato
irregular, a administração pública federal exigirá a apresentação de
relatório de execução financeira, que deverá conter:
I - a relação das receitas e despesas realizadas, inclusive rendimentos
financeiros, que possibilitem a comprovação da observância do plano
de trabalho;
II - o comprovante da devolução do saldo remanescente da conta
bancária específica, quando houver;
III - o extrato da conta bancária específica;
IV - a memória de cálculo do rateio das despesas, quando for o caso;
V - a relação de bens adquiridos, produzidos ou transformados, quando
houver; e
VI - cópia simples das notas e dos comprovantes fiscais ou recibos,
inclusive holerites, com data do documento, valor, dados da

417
organização da sociedade civil e do fornecedor e indicação do produto
ou serviço776.777

O relatório de visita in loco, previsto no inciso I, do parágrafo único do


art. 66, bem como o relatório técnico de monitoramento e avaliação (inciso II, do
parágrafo único do art. 66) são elaborados pela Administração Pública, sendo
este último homologado pela comissão de monitoramento e avaliação
designada, sobre a conformidade do cumprimento do objeto e os resultados
alcançados durante a execução do termo de colaboração ou de fomento.
O art. 67 da Lei n. 13.019/14 trata do já mencionado parecer técnico, de
responsabilidade do gestor da parceria, a respeito de sua análise da prestação
de contas que, no caso de prestação única será conclusivo para fins de avaliação
do cumprimento do objeto das parcerias (§1º, do art. 67). Essa prestação única
se dá, nos termos do que prescreve o §2º do art. 67, nas parcerias que
excederem um ano778, havendo a obrigação da OSC de apresentar prestação de
contas ao fim de cada exercício. O marco regulatório tem o cuidado de apontar

776 Segundo a Resolução n. 1285, de 23 de fevereiro de 2017 da Controladoria Geral do


Município do Rio de Janeiro, que veio regulamentar o §3º do art. 49 do Decreto Municipal n.
42.696/16 (anexo II), exige-se:
a) Relatório de Execução do Objeto;
b) Relatório de Execução Financeira;
c) Relatório de Execução Financeira da Contrapartida (se houver);
d) Demonstrativo da Conformidade da Despesa e) Extrato da conta bancária;
f) Extrato da aplicação financeira;
g) Conciliação do saldo bancário;
h) Demonstrativo de aquisição/produção de bens;
i) Cópias dos comprovantes das despesas;
j) Cópias dos comprovantes das despesas de contrapartida;
k) Comprovante do recolhimento do saldo da parceria (se for o caso);
l) Justificativas (se houver);
m) Cópia da folha de pagamento;
n) Cópias das guias de pagamento dos encargos sociais, fiscais e trabalhistas;
o) Cópias das rescisões de contrato de trabalho;
p) Cópias dos documentos do trabalho autônomo;
q) Demonstrativo da projeção da expectativa de custo de rescisão;
777 Segundo Decreto Municipal n. 42.696/16 do Rio de Janeiro: “Art. 54. A análise do relatório de

execução financeira será feita pela Administração Pública e contemplará:


I - o exame da conformidade das despesas, realizado pela verificação das despesas previstas e
das despesas efetivamente realizadas, por item ou agrupamento de itens, conforme aprovado
no plano de trabalho, observados os termos deste Decreto; e
II - a verificação da conciliação bancária, por meio da aferição da correlação entre as despesas
constantes na relação de pagamentos e os débitos efetuados na conta corrente específica da
parceria”. (grifo nosso)
778 Tenha-se em mente nesta oportunidade, o estatuído pelo art. 49 da Lei n. 13.019/14, segundo

o qual: “Nas parcerias cuja duração exceda um ano, é obrigatória a prestação de contas ao
término de cada exercício”.

418
quais elementos deverão constar do parecer técnico a ser elaborado pelo gestor
da parceria e diz respeito aos já referenciados incisos do §4º do art. 67, devendo
restar explicitado: os resultados já alcançados e seus benefícios; os impactos
econômicos ou sociais; o grau de satisfação do público-alvo e; a possibilidade
de sustentabilidade das ações após a conclusão do objeto pactuado.
Analisadas as normas gerais “Da Prestação de Contas” contidas na Seção
I do Capítulo IV, chega-se ao que acredita-se ser o cerne deste procedimento, e
se encontra explicitado na Seção II, do Capítulo IV, sob o título “Dos prazos” (art.
69 a 72).
A OSC tem o prazo de até 90 (noventa) dias 779 para apresentar a
prestação de contas “da boa e regular” aplicação dos recursos recebidos,
contado do término da vigência da parceria ou no final de cada exercício, se,
como já visto, a duração da parceria exceder um ano (art. 69)780. Perceba-se, a
esta altura, que a opção do legislador por termos demasiadamente abertos tais
como “boa” e “regular” não pode deixar espaço para interpretações subjetivas. A
“boa e regular” aplicação dos recursos se faz não só financeiramente, mas
também com base nas metas e resultados construídas ao longo de todo o ajuste,
alcançando-se, com a execução do objeto da parceria, a satisfação do interesse
público781.
De toda forma, pela infinidade de objetos que as parcerias podem alcançar
(temos um exemplo disso no rol prescrito pelo art. 84-C da Lei n. 13.019/14) e,
muitas vezes, a alta complexidade de sua execução, é certo que o prazo para a

779 Nos termos do § 4º do art. 69 da Lei n. 13.019/14, referido prazo poderá ser prorrogado por
até 30 (trinta) dias, desde que devidamente justificado.
780 A nível federal, por força do disciplinado no art. 60 do Decreto Federal n. 8.726/16, reitere-se:

“A análise da prestação de contas anual será realizada por meio da produção de relatório técnico
de monitoramento e avaliação quando a parceria for selecionada por amostragem, conforme ato
do Ministro de Estado ou do dirigente máximo da entidade da administração pública federal,
considerados os parâmetros a serem definidos pela Controladoria-Geral da União” (grifo nosso).
Atente-se para o fato que o Decreto Federal em apreço dispõe em seções diferentes a despeito
do procedimento de contas anual (arts. 59 a 61) e o procedimento de contas final (arts. 62 a 70).
781 Por conta disso, há de se ter a devida cautela na interpretação do §3º do art. 69 da Lei n.

13.019/14, na medida que o mesmo dispõe que, no caso de tomada de contas especial (§2º, art.
69), “o dever de prestar contas surge no momento da liberação de recurso envolvido na parceria”.
Ante tudo o que se tem refletido acerca da prestação de contas e da finalidade das parcerias
objeto desta tese, há de se insistir que os parceiros, na construção da boa-fé, da confiança
legítima e de uma nova reputação do modelo de parcerias, devem prestar contas de sua postura,
a ser pautada por um comportamento probo e transparente.

419
prestação das contas deverá levar em conta tal fator. Consciente disso, o § 1º
do art. 69 do marco regulatório abre a possibilidade de que o prazo para a
prestação final de contas venha a ser estabelecido de acordo com a
complexidade do objeto da parceria.
De todo modo, tenha-se em mente que, ademais disponha a OSC do
prazo de 90 (noventa) dias para apresentação da prestação de contas, (caput do
art. 69), nada impede que a Administração Pública, ante evidências de
irregularidades na execução do objeto da parceria, promova a instauração de
tomada de contas especial, o que poderá ocorrer antes do término da parceria.
É a inteligência do §2º do art. 69 do marco regulatório782. A tomada de contas
especial também será o caminho, caso a Administração Pública tenha concluído
pela rejeição da prestação de contas, determinando imediatamente sua
instauração (Inciso III, §5º art. 69).
Além disso, a Administração Pública, sob a luz dos incisos I e II, do §5º,
do art. 69 do marco regulatório, poderá dentro do prazo legal de 150 (cento e
cinquenta) dias (caput, art. 71)783, aprovar a prestação de contas ou, aprová-la
com ressalvas.
Rejeitada a prestação de contas, o que causa, como visto a instauração
imediata da prestação de contas especial, leva também à necessidade de se dar
publicidade em plataforma eletrônica de acesso público, das impropriedades ali
levantadas, fato que poderá impedir a OSC de participar de futuras parcerias
(§6º, art. 69).
Exatamente por ser um fator limitativo, o marco regulatório reconhece a
necessidade de se oportunizar à OSC a possibilidade de, uma vez constatada a
irregularidade ou omissão na prestação de contas, que a mesma possa sanar a
irregularidade ou cumprir a obrigação (art. 70). Como já se pontuou, o marco

782 Lei n. 13.019/14 – “Art. 69. (...)


§ 2o O disposto no caput não impede que a administração pública promova a instauração de
tomada de contas especial antes do término da parceria, ante evidências de irregularidades na
execução do objeto”.
783 Lei n. 13.019/14 – “Art. 71. A administração pública apreciará a prestação final de contas

apresentada, no prazo de até cento e cinquenta dias, contado da data de seu recebimento ou do
cumprimento de diligência por ela determinada, prorrogável justificadamente por igual
período”.

420
regulatório prima pela máxima da conservação dos atos, abrindo-se ao
saneamento e ao primado do adimplemento da obrigação.
O prazo para que a OSC supra a irregularidade ou cumpra a obrigação é
de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do recebimento da respectiva notificação,
podendo ser prorrogado por igual período. Tal prazo é considerado dentro dos
150 (cento e cinquenta) dias que a Administração Pública tem para analisar e
decidir sobre a prestação de contas (§1º, art. 70).
O §2º do art. 70 é o dispositivo da Lei n. 13.019/14 que dá o tom da
responsabilidade da Administração Pública pela condução do procedimento de
prestação de contas e reconhece a responsabilização solidária da autoridade
administrativa caso não sejam adotadas as providências necessárias para
apuração dos fatos e a obtenção do competente ressarcimento. O marco
regulatório exige da Administração Pública seu efetivo comprometimento na
construção de um modelo de parceria confiável. Seus agentes deverão pagar na
medida de sua omissão, sendo solidários para com as impropriedades levadas
a cabo pelas OSCs.
Desta feita, anote-se:
Art. 70.
(...)
§ 2o Transcorrido o prazo para saneamento da irregularidade ou da
omissão, não havendo o saneamento, a autoridade administrativa
competente, sob pena de responsabilidade solidária, deve adotar as
providências para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis,
quantificação do dano e obtenção do ressarcimento, nos termos da
legislação vigente.

A norma em estudo tem um compromisso com uma prestação de contas


o mais legítima possível e reitera sua postura no sentido de não admitir a
indiferença e o comportamento omisso do administrado público na condução do
procedimento de análise de contas. Reforce-se neste sentido o disposto pelo §
1º do art. 71, onde resta firmado que, “O administrador público responde pela
decisão sobre a aprovação da prestação de contas ou por omissão em relação
à análise de seu conteúdo, levando em consideração, no primeiro caso, os
pareceres técnico, financeiro e jurídico, sendo permitida delegação a autoridades
diretamente subordinadas, vedada a subdelegação”.

421
Em interessante análise sobre o controle interno das prestações de contas
das OSCs com o advento do marco regulatório e uma análise das mesmas sob
o ponto de vista do Tribunal de Contas da União, Dias e Castro, tem-se o
seguinte diagnóstico e a subsequente conclusão:

Percebeu-se, ao longo da pesquisa realizada no Tribunal de Contas da


União, que aquela Corte, antes mesmo da aprovação do projeto de lei
relativo à Lei nº 13.019/2014, já encontrava-se predisposta a reduzir
sua responsabilidade direta sobre as prestações de contas das
entidades estudadas e fortalecer o controle interno exercido pelo Poder
Executivo.
Assim é que, com o fito de investigar com maior profundidade a forma
que ocorria o controle dessas entidades e a eficácia deste controle,
procedeu-se pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Contas da União.
Dos casos estudados, concluiu-se que não havia critérios específicos
que estabelecessem o modelo a ser utilizado nas prestações de
contas, logo, o controle mostrava-se insuficiente e frágil.
Considerando que o núcleo do trabalho foi o exame das prestações de
contas antes e depois da Lei nº 13.019/2014, analisou-se os
dispositivos da referida lei que versam sobre as prestações de contas
das entidades receptoras de recursos públicos por meio de parceiras
firmadas.
Percebe-se que foram implementados pela lei mecanismos que
permitem a avaliação do andamento da parceria, das atividades de fato
realizadas e o controle dos resultados. Diante de tais mecanismos,
pode-se esperar uma prestação de contas mais coerente e organizada,
que propicia melhor execução das atividades as quais se propõem as
entidades, bem como a fiscalização mais atenta por parte do órgão
concedente de recursos públicos.
Sob essa ótica, concluiu-se que, assim como o Tribunal de Contas da
União já entendia, foram ampliadas e especificadas as funções das
entidades e dos seus gestores para a escorreita prestação de contas,
através de um sistema racional e simplificado.
Não se pode deixar de ressaltar que o fortalecimento do controle
interno é benéfico não só aos resultados esperados com a realização
das parcerias, mas também ao próprio administrador que consegue
organizar sua gestão e alcançar uma boa prestação administrativa,
além de evitar o exercício do controle externo pelo Tribunal de Contas
da União – que sobrecarregado, muitas vezes não é capaz de exercer
sua função adequadamente em razão da ausência de elementos
essenciais prejudicados pela inobservância do controle interno (grifo
nosso)784.

784 DIAS Maria Tereza Fonseca; CASTRO, Luísa Pires Monteiro de. “Controle interno das
prestações de contas das organizações da sociedade civil após o advento da Lei n. 13.019/14:
análise de julgados do Tribunal de Contas da União”. In: RAMOS, Edith Maria Barbosa; LIMA,
Renata Albuquerque; DIAS, Maria Tereza Fonseca (org.) Anais XXV CONPEDI – Curitiba, Direito
Administrativo e Gestão Pública I, 2016, pp. 27-46, Disponível em:
https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/9rabty0z/S2UXi2drT3p07NX6.pdf.

422
No mais, como visto, o marco regulatório não tolera a omissão dos
agentes públicos, mas nem por isso trata como desídia o fato da Administração
Pública não apreciar a prestação final de contas apresentada, no prazo de até
150 (cento e cinquenta) dias. Como assinala Rosângela Wolff Moro, o prazo
em referência é um prazo impróprio, ou seja, uma vez descumprido, não
significará a aprovação das contas785.
Tenha-se, nestes termos, a inteligência do §4º do art. 71, nos seguintes
termos:
Art. 71.
(...)
§ 4 O transcurso do prazo definido nos termos do caput sem que as
contas tenham sido apreciadas:
I - não significa impossibilidade de apreciação em data posterior ou
vedação a que se adotem medidas saneadoras, punitivas ou
destinadas a ressarcir danos que possam ter sido causados aos cofres
públicos;
II - nos casos em que não for constatado dolo da organização da
sociedade civil ou de seus prepostos, sem prejuízo da atualização
monetária, impede a incidência de juros de mora sobre débitos
eventualmente apurados, no período entre o final do prazo referido
neste parágrafo e a data em que foi ultimada a apreciação pela
administração pública.

Fecha a análise do capítulo que trata do procedimento de prestação, o art.


72, que especifica quais os tipos de resposta da Administração Pública quando
da avaliação da prestação de contas. Assim sendo, as contas serão avaliadas
como regulares, regulares com ressalva, ou irregulares.
Entenda-se por regular, segundo o inciso I do art. 72, a prestação de
contas que expresse, “de forma clara e objetiva, o cumprimento dos objetivos e
metas estabelecidos no plano de trabalho.
Regular com ressalva, é a prestação de contas que evidencia
impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal que não tenha
resultado em dano ao erário (inciso II, art. 72).
Por fim, são irregulares, quando houver a comprovação de quaisquer uma
das circunstâncias previstas nas alíneas “a” a “d”, do inciso III, do art. 72, em
sendo: i) a omissão no dever de prestar contas; ii) o descumprimento injustificado
dos objetivos e metas estabelecidos no plano de trabalho; iii) o dano ao erário

785 MORO, 2016, p. 85.

423
decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico e; iv) o desfalque ou
desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.
Uma vez julgada irregular a prestação de contas, a OSC poderá interpor
recurso (no prazo assinado no respectivo termo de colaboração ou fomento). Se
a irregularidade não resultar de conduta fraudulenta ou dolosa (ânimo de causar
prejuízo ao erário), a OSC poderá solicitar autorização para que o ressarcimento
ao erário seja promovido por meio de ações compensatórias de interesse
público, com a apresentação de novo plano de trabalho, respeitado o objeto
descrito no respectivo termo de colaboração ou fomento, bem como a área de
atuação da OSC, dependente a mensuração econômica do plano de trabalho
original. Tendo havido conduta fraudulenta ou dolosa, a OSC tem a obrigação
de restituir integralmente os recursos recebidos786.

Um procedimento de prestação de contas que não se torne maçante e


burocrático e que mostre ao que veio é um dos elementos indispensáveis para
a reconstrução de uma relação menos apática entre o Estado brasileiro e a
sociedade civil. Como tem-se insistido a Lei n. 13.019/14 precisa ser percebida
como uma missão muito maior do que no reconhecimento do controle social
como uma das formas de concretização da participação social. Não basta um
simples canal de denúncias e mais informação, é preciso que a sociedade civil
seja capaz de perceber um aumento das punições às irregularidades, do poder
coercitivo do controle e da sua credibilidade. O marco regulatório também
apresenta sua fórmula nesta dinâmica. É o que se verá na sequência.

786É o que se absorve da leitura § 2º do art. 72 da Lei n. 13.019/14, em sendo: “Quando a


prestação de contas for avaliada como irregular, após exaurida a fase recursal, se mantida a
decisão, a organização da sociedade civil poderá solicitar autorização para que o ressarcimento
ao erário seja promovido por meio de ações compensatórias de interesse público, mediante a
apresentação de novo plano de trabalho, conforme o objeto descrito no termo de colaboração ou
de fomento e a área de atuação da organização, cuja mensuração econômica será feita a partir
do plano de trabalho original, desde que não tenha havido dolo ou fraude e não seja o caso de
restituição integral dos recursos”.

424
3.1.2.10 Da responsabilidade e das sanções

Adentra-se neste tópico, talvez na questão que mais interessa ao


administrado/beneficiário na atualidade do Brasil e mais serve às lógicas de
accountability. Varrida por denúncias de corrupção e desvio de finalidade, que
não são nenhuma novidade em nosso histórico, a Administração Pública
brasileira tem o compromisso de se reinventar, tornando-se não só um exemplo
de conduta, bem como punindo exemplarmente aqueles que com ela se
relacionam para fins duvidosos.
O marco regulatório nesta onda moralizadora, acerta seu compromisso,
preocupado com parcerias mais transparentes e todo um modelo que preza não
só pela eficácia, mas também por relações e intenções mais comprometidas.
Desde a formação das parcerias, como já se verificou, existe um melhor
planejamento e uma preocupação em incluir nas relações com a Administração
Pública, as OSC “ficha limpa”. É o conteúdo do já visitado inciso V do art. 39 da
Lei n. 13.019/14 que, em suas alíneas “a” a “d”, carrega os impedimentos para
celebração de qualquer das modalidades de parceria previstas pelo marco
regulatório, daquelas organizações que já tenham sido punidas com as sanções
de suspensão de participação em licitações, bem como declarações de
inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública.
Não se pode esquecer, neste ritmo, do compromisso da Lei n. 13.019/14
com a construção de uma Administração Pública cooperativamente proba. Não
se trata de um comportamento marcado pela honestidade como se a mesma
fosse uma via de mão única. Não pode o marco regulatório no seu capítulo afeto
à responsabilidade e a sanção, impingir um microssistema que não abarque as
responsabilidades da Administração Pública. A ideia de cooperação que
alimenta a base principiológica e teleológica do modelo em estudo deve servir
também de premissa no quesito de responsabilização dos parceiros. Uma
Administração Pública omissa, uma Administração Pública que não planeja, não
monitora e não avalia adequadamente, também deve ser exemplarmente
responsabilizada.

425
Daí, a nosso ver, o dispositivo mais importante na lógica da
responsabilidade e sanção no bojo das parcerias ser o inciso II, do art. 61 da Lei
n. 13.019/14, presente na obrigação do gestor de informar ao seu superior
hierárquico a existência de fatos que comprometam ou possam comprometer as
atividades ou metas da parceria e de indícios de irregularidades na gestão dos
recursos, bem como as providências adotadas ou que serão adotadas para
sanar os problemas detectados. Não é só apontar o dedo para os erros. É
reconhecê-los e tratá-los adequadamente. Não é somente colocar o dedo na
ferida. É, havendo possibilidade, sará-las. É a mesma linha que segue os já
também analisados §1º do art. 61 do Decreto Federal n. 8.726/16, bem como o
caput do art. 70 do marco regulatório.
É com esta interpretação sistemática que a Seção I, do Capítulo V,
intitulado “Da responsabilidade e das Sanções” deve ser compreendida, quanto
mais tendo-se em vista a revogação pela Lei n. 13.204/15 da Seção II, do
Capítulo V, intitulado “Da Responsabilidade pela Execução e pela Emissão de
Pareceres Técnicos”787.
Atente-se, portanto, nesta oportunidade, ao disciplinado pelo art. 73 da
Lei n. 13.019/14, que inaugura o tratamento sancionatório dado à OSC pela
Administração Pública, em caso de inadimplemento daquela, pela execução da
parceria em desacordo com o plano de trabalho e com todo o estatuído pelo
marco regulatório e legislação correlata. Anote-se:

Art. 73. Pela execução da parceria em desacordo com o plano de


trabalho e com as normas desta Lei e da legislação específica, a
administração pública poderá, garantida a prévia defesa, aplicar à
organização da sociedade civil as seguintes sanções:
I - advertência;

787Atente-se para o conteúdo dos revogados artigos 75 e 76 que tratavam da responsabilidade


na emissão dos pareceres técnicos:
“Art. 75. O responsável por parecer técnico que conclua indevidamente pela capacidade
operacional e técnica de organização da sociedade civil para execução de determinada parceria
responderá administrativa, penal e civilmente, caso tenha agido com dolo ou culpa, pela
restituição aos cofres públicos dos valores repassados, sem prejuízo da responsabilidade do
administrador público, do gestor, da organização da sociedade civil e de seus dirigentes.
Art. 76. A pessoa que atestar ou o responsável por parecer técnico que concluir pela realização
de determinadas atividades ou pelo cumprimento de metas estabelecidas responderá
administrativa, penal e civilmente pela restituição aos cofres públicos dos valores repassados,
caso se verifique que as atividades não foram realizadas tal como afirmado no parecer ou que
as metas não foram integralmente cumpridas”.

426
II - suspensão temporária da participação em chamamento público e
impedimento de celebrar parceria ou contrato com órgãos e entidades
da esfera de governo da administração pública sancionadora, por
prazo não superior a dois anos;
III - declaração de inidoneidade para participar de chamamento público
ou celebrar parceria ou contrato com órgãos e entidades de todas as
esferas de governo, enquanto perdurarem os motivos determinantes
da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria
autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que
a organização da sociedade civil ressarcir a administração pública
pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção
aplicada com base no inciso II.

O marco regulatório não inova em termos de sanção, utilizando-se de


expedientes há muito perpetuados na lógica sancionatória administrativa,
especialmente no que está concretizado pela própria Lei Geral de Licitações (art.
87). Exatamente por conta disso, abre-se, mais uma vez, a uma enormidade de
conceitos e reflexões a serem traçadas. A Lei n. 13.019/14, como um verdadeiro
microssistema regulatório, perpassa por todo o universo do Direito
Administrativo, carregando todo o peso da disciplina.
Nestes termos, vale ressaltar, primeiramente, importante ponderação que
a doutrina vem fazendo a respeito do regime jurídico das penalidades
administrativas, ganhando projeção o pensamento de que as mesmas exibem
configuração assemelhada às penalidades de natureza penal 788 . Por conta
disso, “os princípios fundamentais de Direito Penal vêm sendo aplicados no
âmbito do Direito Administrativo Repressivo, com a perspectiva de eventuais
atenuações necessárias em face das peculiaridades do ilícito no domínio da
atividade administrativa” 789 . Sob esta ótica, abre-se uma ampla gama
principiológica que reforça a necessidade de se olhar as sanções administrativas
pelos primados da estrita legalidade, da tipicidade, da culpabilidade, da
proporcionalidade e do personalismo na aplicação da penalidade. Não é a
proposta desta tese tecer pormenores quanto as peculiaridades destes
princípios sob a dinâmica sancionatória administrativa, servindo a observação
em apreço apenas como alerta para os desdobramentos do tema790.

788 FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001.


789 JUSTEN FILHO, 2008, p. 813.
790 Marçal Justen Filho (2008) aprofunda como ninguém nos desdobramentos do tema em

questão, em sua festejada obra “Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos”, a


qual remetemos o leitor, nos comentários feitos ao art. 87 da Lei n. 8.666/93.

427
Por conta deste olhar e do peso jurídico das sanções administrativas
disciplinadas pela Lei n. 13.019/14, há de se aplicá-las, como reafirma o caput
do art. 73, no pleno exercício do devido processo legal e do contraditório,
admitindo-se, a “prévia defesa”. É a tônica de toda a seção ora em análise,
restando reafirmado em toda oportunidade possível, os meios e a possibilidade
do exercício da defesa por parte da OSC.
O inciso I, do art. 73 fala da sanção de advertência, sanção de menor
gravidade se comparada com a dos demais incisos, reafirmando tratar-se de
resposta a condutas que representam um inadimplemento relativo da OSC
parceira, ou seja, um ato de inexecução que pode ser reparado. Com a
advertência, lança-se sob a parceria uma “luz amarela”, de alerta, devendo a
OSC se mostrar mais atenta a suas atividades e ciente de que haverá um
monitoramento ainda mais incisivo de suas atividades. Como bem adverte
Marçal Justen Filho (2008) a despeito da sanção de advertência, a mesma se
presta a dois efeitos: i) a submissão do particular a uma fiscalização mais atenta
e ii) a ciência de que, em caso de reincidência, haverá punição mais severa 791.
O Decreto Federal n. 8.726/16, no § 2º, de seu art. 71, adverte que a
sanção de advertência “tem caráter preventivo e será aplicada quando
verificadas impropriedades praticadas pela organização da sociedade civil no
âmbito da parceria que não justifiquem a aplicação de penalidade mais grave”.
Os Decretos Estaduais e Municipais que servem de referência a esta tese
repetem a lógica sancionatória do marco e tratam da advertência dispensando-
lhe tratamento específico em artigo próprio, ou mencionando-a indiretamente,
fazendo menção ao descrito pela Lei n. 13.019/14792.
O inciso II, do art. 73 da Lei n. 13.019/14 trata da sanção de suspensão
temporária da participação em chamamento público e impedimento de celebrar
parceria ou contrato, que denota a prática de conduta grave por parte da OSC
parceira793. Na lógica regulatória em estudo, tal sanção se apresenta em um

791 JUSTEN FILHO, 2008, p. 821.


792 É a opção do Decreto do Estado de São Paulo n. 61.981/16, que faz menção ao art. 73 da
Lei n. 13.019/14.
793 O § 3º, do art. 71 do Decreto Federal n. 8.726/15 determina: “A sanção de suspensão

temporária será aplicada nos casos em que forem verificadas irregularidades na celebração,
execução ou prestação de contas da parceria e não se justificar a imposição da penalidade mais

428
nível intermediário de gravidade se comparada às demais sanções trazidas pelo
art. 73. O impedimento em referência, como não poderia deixar de ser, afeta
órgãos e entidades da esfera do governo da Administração Pública
sancionadora. Assim, não há de se esperar, por exemplo, que uma OSC que
tenha realizado parceria com a União e tenha agido inadequadamente a ponto
de receber da mesma sanção de suspensão temporária para participação em
chamamento público, venha participar de chamamento público a ser realizado
por autarquia federal e ali venha se portar de forma exemplar.
O marco regulatório é prudente ao limitar referida sanção à esfera de
governo da administração pública sancionadora, de modo a respeitar a
autonomia dos entes públicos e não inviabilizar completamente a própria
atividade das organizações da sociedade civil. Por outro lado, estende o
impedimento do inciso II do art. 73 não só às parcerias, mas também aos
contratos com órgãos e entidades da esfera de governo da administração pública
sancionadora, não admitindo brecha para que a OSC venha participar de
qualquer outra modalidade de ajuste com a Administração Pública sancionadora.
No mais, assente-se que o prazo de “reabilitação” da OSC é de dois anos, não
podendo, durante referido período, participar de chamamentos públicos ou
celebrar parcerias ou contratos.
A sanção contida no inciso III, do art. 73 da Lei n. 13.019/14, afigura-se
como a de maior gravidade na lógica da regulação em estudo. A declaração de
inidoneidade funciona como verdadeiro atestado da inabilidade da OSC como
parceira e alcança não só o ente público que com a mesma tenha firmado ajuste,
mas também, todos os órgãos e entidades de todas as esferas de governo.
Depreende-se da leitura de referido inciso que a sanção em apreço é a resposta
apropriada não só para condutas altamente reprováveis, mas também ante a
existência de comprovado dano erário.
Em sendo praticamente a ultima ratio das sanções administrativas
impostas pela Lei n. 13.019/14, a declaração de inidoneidade somente será
revertida quando: i) cessarem os motivos da punição, o que tem prazo

grave, considerando-se a natureza e a gravidade da infração cometida, as peculiaridades do


caso concreto, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os danos que dela provieram para
a administração pública federal”.

429
indeterminado e; ii) a OSC promover sua reabilitação perante a autoridade
sancionadora o que, nos termos do inciso em análise, significa o ressarcimento
dos prejuízos à Administração Pública, cumulado ao decurso do prazo de dois
anos794. Neste caso, dois fatores contribuem para a “reabilitação” da OSC: um
de natureza circunstancial e outro de natureza temporal.
Há de se considerar, uma vez reconhecendo as sanções administrativas
como de natureza assemelhada às sanções de Direito Penal que, em nome da
tipicidade, o rol do art. 73 é taxativo. Não caberia discricionariedade neste
caminho para a imposição de qualquer outra sanção tais como multas e outras
intervenções.
Tenha-se em mente, por fim, em termos de competência para aplicação
das sanções estabelecidas pelo art. 73, o disciplinado pelo §1º do art. 73, no
sentido de que são de competência exclusiva de Ministro de Estado ou de
Secretário Estadual, Distrital ou Municipal, as penalidades de suspensão
temporária da participação em chamamento público e impedimento de celebrar
parceria ou contrato, bem como, a declaração de inidoneidade.
Silente o marco regulatório, bem como seu decreto federal
regulamentador a respeito de quem seria a competência para a aplicação da
sanção de advertência, entende-se que tal ato seria de competência do
administrador público (inciso V, art. 2º, da Lei n. 13.019/14).
Ainda que tendo sido respeitado em todo o trajeto de aplicação da sanção
o devido processo legal, por certo o marco regulatório reconhecer como
consequência do mesmo, a possibilidade da OSC recorrer da sanção aplicada,
tendo o prazo de dez dias, contados da abertura de vista, para apresentação de
defesa (§1º, art. 71, da Lei n. 13.019/14)795.
Em termos recursais, importante ressaltar o contido no parágrafo único do
art. 72 do Decreto Federal n. 8.726/16, no sentido de pontuar que, no caso da
competência exclusiva do Ministro de Estado para a imposição das sanções de

794 Reitere-se a parte final do §1º do art. 73 do marco regulatório, que firma a possibilidade da
“reabilitação ser requerida após dois anos de aplicação da penalidade”.
795 A despeito do tema, disciplina o caput do art. 72 do Decreto Federal n. 8.726/15: “Da decisão

administrativa que aplicar as sanções previstas nos incisos I a III do caput do art. 71 caberá
recurso administrativo, no prazo de dez dias, contado da data de ciência da decisão”.

430
suspensão temporária e de declaração de inidoneidade, o recurso cabível é o
pedido de reconsideração. Oportuno mencionar ainda, questão procedimental
tratada pelo decreto federal regulamentador no sentido de que, havendo
aplicação de sanção de suspensão temporária ou de declaração de
inidoneidade, “a organização da sociedade civil deverá ser inscrita,
cumulativamente, como inadimplente no Siafi e no Siconv, enquanto perdurarem
os efeitos da punição ou até que seja promovida a reabilitação” (art. 73, Decreto
Federal n. 8.726/16).
Atente-se, por fim, para o prazo prescricional contido no §2º do art. 73 da
Lei n. 13.019/14, bem como para a hipótese de interrupção da prescrição
disciplinada pelo §3º do mesmo art. 73. Assim que, prescreverá em cinco anos,
contados a partir da data da apresentação da prestação de contas, a aplicação
de penalidade decorrente de infração relacionada à execução da parceria,
havendo a interrupção de citada prescrição, no caso da edição de ato
administrativo voltado à apuração da infração.

3.1.2.10.1 Dos atos de improbidade administrativa

No tópico em apreço fica claro o compromisso da Lei n. 13.019/14 com


um modelo regulatório tão empenhado na construção de um comportamento
moral eficaz que tal intuito chega a ultrapassar suas próprias barreiras. Isso
porque o marco regulatório na Seção III, de seu Capítulo V, intitulado “Dos atos
de improbidade administrativa”, vem alterar a Lei n. 8.429/1992, apelidada de
“Lei da Improbidade Administrativa - LIA”, incluindo-lhe novas figuras.
Como temos insistido e como muito bem ressaltado por José dos Santos
Carvalho Filho, o dever de probidade talvez seja o primeiro e mais importante
dos deveres do administrador público796. Como consequência do princípio da
moralidade, constitucionalmente assentado no caput do art. 37 da CF/88,
também ocupa-se a Carta Magna da sua conduta oposta – a improbidade – em
seu art. 37, §4º, devidamente regulamentado pela dita Lei de Improbidade.

796 CARVALHO FILHO, 2011, p. 60.

431
A Lei n. 8.249, de 02 de junho de 1992 descreve os atos de improbidade
administrativa em três frentes: i) a do enriquecimento ilícito (art. 9º); ii) geradoras
de prejuízo ao erário (art. 10) e; iii) as ofensivas aos princípios da Administração
Pública (art. 11). O marco regulatório incluiu novas figuras ao art. 10 e ao art. 11
da Lei de Improbidade. Há de se ter em mente, antes de se seguir em frente,
que a LIA dá o conceito o mais elástico possível do “agente público”, sendo,
conforme inteligência de seu art. 1º, as sanções aplicáveis por atos de
improbidade “praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do
patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei” (destaca-se)797.
Nestes termos, por conta do disposto no art. 77 da Lei n. 13.019/14, o art.
10 da Lei n. 8.249/92 passou a vigorar com os seguintes dispositivos que
representam comportamentos causadores de prejuízo ao erário:

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo


para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou
dispensá-los indevidamente;
(...)
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação,
ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a
entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada
utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela
administração pública a entidade privada mediante celebração de
parcerias, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades
privadas sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;

797 Tenha-se em mente ainda, o parágrafo único do art. 1º da LIA, donde se encaixam as
parcerias em estudo: “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal
ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual,
limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos”.

432
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das
prestações de contas de parcerias firmadas pela administração
pública com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação
irregular.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.”

O art. 10 da Lei de Improbidade dispõe, conforme lição de Fazzio Júnior,


de condutas e omissões que caracterizam a improbidade administrativa em seu
aspecto objetivo, ou seja, as atividades ímprobas devem, para sua observância,
acarretar prejuízos ao patrimônio público econômico798. Sob este aspecto, o art.
10 não se foca na vantagem auferida pelo agente público (enriquecimento ilícito
do art. 9º da Lei de Improbidade), mas sim no prejuízo que este acarretou ao
Poder Público.
Transpondo tais figuras típicas para o universo da Lei n. 13.019/14, há de
se reconhecer que gestores, dirigentes das OSCs, administradores públicos,
membros da comissão de seleção, membros da comissão de monitoramento,
membros do conselho de política pública e dos conselhos gestores das parcerias
poderão responder pelas figuras tipificadas pelo art. 10 que tem por
consequência, conforme se aduz do inciso II, do art. 12 da LIA, o “ressarcimento
integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas
vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
cinco anos”.
O art. 78 da Lei n. 13.019/14, por sua vez promoveu alteração do art. 11
da Lei de Improbidade, incluindo-lhe o seguinte dispositivo:

798
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa - doutrina, legislação e jurisprudência.
São Paulo: Editora Atlas. 2012, p. 200.

433
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e
aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública
com entidades privadas.”

O art. 11 da LIA diz respeito aos atos de improbidade que atentam contra
os princípios da Administração Pública. O inciso acima trasladado atribui ofensa
ao princípio da legalidade, na medida que fala em “descumprimento das
normas”, no que se entenda direta afronta aos preceitos da Lei n. 13.019/14. É
preciso cautela. Como bem adverte Eurico Bittencourt Neto, “(...) nem toda
ofensa à legalidade configura ato de improbidade administrativa. Ainda que
demonstrada a intenção do agente no afastamento do princípio, a conduta deve
ser julgada em função das circunstâncias do caso, a fim de que sejam
perquiridas as razões da escolha e a existência de valões mais relevantes, que
conduziram à aplicação de outros princípios do sistema, igualmente válidos799.
Por fim, o marco regulatório modifica o art. 23 da LIA, acrescentando-lhe
um inciso (III), a dispor do prazo prescricional para a interposição das ações
destinadas a levar a efeitos as sanções previstas em citada norma no bojo das
parcerias em estudo, em sendo: “até cinco anos da data da apresentação à
administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no
parágrafo único do art. 1o desta Lei”.
Ainda que não guarde relação com a Lei de Improbidade Administrativa,
da qual se ocupa o tópico em questão, julga-se adequado rememorar, nesta
lógica de regulação que transpõe as barreiras da própria norma, que a Lei n.
13.019/14 (arts. 85, 85-A, 85-B e 86) também provocou, como visto, importantes
alterações na Lei n. 9.790/99, que diz respeito às OSCIP. Reforça-se assim,
acima de tudo, na ótica das parcerias com entidades sem fins lucrativos, um
compromisso com uma postura o mais séria e proba possível.
Encerra-se aqui a análise da norma em estudo, reconhecendo-a como um
complexo universo regulatório, que exigirá para sua perpetuação um
compromisso dos agentes nela envolvidos e uma reconfiguração das estruturas
da Administração Pública brasileira.

799
BITENCOURT NETO, Eurico. Improbidade administrativa e violação de princípios. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 129.

434
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei n. 13.019/14 não é para principiantes e nem sobreviverá firmada


apenas em boas intenções. É um intrincado sistema de regras e princípios que
tem como pano de fundo não só o reconhecimento, mas também a reconstrução
da reputação das parcerias firmadas entre entidades filantrópicas e o poder
público. Reconhecimento, na medida que é fruto da articulação de uma rede de
entes sem fins lucrativos que se reuniram em prol da construção, em 2010, da
Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade
Civil, de modo a ver legitimado em legislação a eles endereçada, sua importância
na concretização do interesse público. É também a oportunidade de recomeçar,
escrevendo-se um novo capítulo na história das parcerias entre os entes do que
aqui, a princípio, se insistiu em denominar por “Terceiro Setor” e a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios.
O propósito regulatório da Lei n. 13.019/14 se firmou em premissas
bastante claras – transparência, responsabilidade, cooperação – mas reforce-
se, desde logo seu principal viés: a participação cidadã. A intenção inicial
daqueles que clamaram pela construção de um marco regulatório para as
denominadas “organizações da sociedade civil”, pensaram na constituição de
um modelo efetivamente participativo, com processos e instâncias reais de
participação popular e instrumentos efetivos de propositura, implementação e
avaliação de políticas públicas.
A configuração de uma estrutura que preza pelo controle social das
atividades e tem a seu favor um regime que prevê o estímulo a um ambiente que
favoreça a autonomia e fortalecimento das OSCs é decerto, o grande motivador
do modelo regulatório em estudo. A proposta inicial, a caminho da construção do
modelo posto pela Lei n. 13.019/14 também contemplava a criação de
mecanismos que pudessem viabilizar o acesso democrático aos recursos
públicos, operacionalizados de forma desburocratizada, de modo a se alcançar
com efetividade as ações de interesse público. Há de se reconhecer que o marco
regulatório objeto desta tese tenta abraçar cada um desses propósitos, resta
concluir, todavia, que acaba por criar uma burocracia própria.

435
Insistiu-se, inclusive no título da presente tese, na denominação “Terceiro
Setor”, exatamente como uma perspectiva muito mais popular do que a
denominação abraçada pela norma em referência – “organizações da sociedade
civil”. Pretendeu-se, com esta escolha, rememorar todo o cenário de construção
e atuação no Brasil das entidades filantrópicas que já firmam parcerias com os
entes estatais, há mais de duas décadas. Optou-se por delinear todo o cenário
no qual nasceu e se perpetuou todo o universo justificador da Lei n. 13.019/14.
Exatamente por conta dessa opção é que se pôde perceber, ao longo do
desenvolvimento de toda esta tese que muito dos institutos e instrumentos
abraçados pelo marco regulatório em estudo se constituíram em franca resposta
às críticas negativas ao modelo de parceria que até então vem se firmado entre
o Primeiro Setor (Estado) e o dito Terceiro Setor.
Por conta disso, tem-se a Lei n. 13.019/14 como verdadeiro ato
confessional, alimentado pelas dúvidas e anseios não só dos entes sem fins
lucrativos que veem nas relações de parceria com o poder público uma forma
colaborativa de realização de seus fins comuns por meio do fomento, via
recursos públicos, mas também de seus críticos que enxergam nas parcerias
uma forma de captura e esvaziamento da sociedade civil organizada.
Com base no histórico constitutivo do “Terceiro Setor”, suas dificuldades
terminológicas, o desenho de suas entidades formadoras e especialmente com
base no estatuído pelo art. 3º da Lei n. 13.019/14 que determina os casos de
inaplicabilidade da norma, fica claro que o marco regulatório em questão amplia
a percepção do que venha a se entender por “Terceiro Setor”, ao mesmo tempo
em que deseja a construção de um universo à parte. Assim se afirma, uma vez
que a Lei n. 13.019/14, ademais não se aplique aos contratos de gestão e termos
de parceria firmados, respectivamente por Organizações Sociais – OS’s e
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (entes
reconhecidamente pertencentes à denominação “Terceiro Setor”), servirá como
norma de referência, caso tais entes não preencham os requisitos formadores
de suas normas instituidoras (Lei n. 9.637/98 e Lei n. 9.790/99).
É, de fato, uma das grandes confissões do marco regulatório. Não é
incomum por parte daqueles que buscam a qualificação como OS’s ou OSCIP,

436
o desrespeito aos seus requisitos de constituição. A Lei n. 13.019/14 atuará de
modo que não restem brechas e espaço para irregularidades. Guarda tal
estrutura uma promessa, no sentido de que os entes públicos não possam mais
compactuar com a postura de entidades que de má fé distorcem as regras de
suas leis instituidoras.
Há de se reconhecer também, por força do próprio artigo 3º da Lei n.
13.019/14, bem como de seu artigo 84, com sua desvinculação do universo dos
convênios, que a mesma também realmente insiste na construção de um
universo à parte. A opção da norma pela construção de uma terminologia própria
– “organização da sociedade civil”, “termo de colaboração”, “termo de fomento”,
“acordo de cooperação” e muitos outros – também sinaliza para esta perspectiva.
Ainda que em sua essência possa se dizer que nada exista de novo na prática
das parcerias que regula, a terminologia criada sinaliza para um recomeço.
Assim que, a configuração e o esmiuçar do procedimento do chamamento
público (art. 23), a exigência da elaboração de um plano de trabalho (art. 22), os
requisitos para a formalização das parcerias (arts. 33, 34 e 35) não trariam nada
de novo para quem já está acostumado com o trânsito das parcerias entre as
filantrópicas e o poder público. Todavia, é preciso uma visão sistemática do
modelo de regulação proposto pela Lei n. 13.019/14, de modo que todo o seu
histórico de formação e todo o esforço legislativo não desaguem no
reconhecimento de mais uma norma sem propósito.
A proposta de um modelo regulatório mais transparente (art. 10), com um
complexo sistema de monitoramento e avaliação (art. 58) e um detalhado
procedimento de prestação de contas (art. 63 a 72) não pode apagar as
incongruências da norma, bem como seus principais trunfos.
O regime jurídico das parcerias, questão central nas discussões sobre as
parcerias do Terceiro Setor, fica mais uma vez presa a um sistema confuso e
destoante. O caput do art. 5º da Lei n. 13.019/14, por meio de uma principiologia
afeta eminentemente aos entes da Administração Pública (legalidade, da
legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da
economicidade, da eficiência e da eficácia), se choca com a suposta liberdade
imposta pelo inciso XIX do artigo 42 que firma “a responsabilidade exclusiva da

437
organização da sociedade civil pelo gerenciamento administrativo e financeiro
dos recursos recebidos, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, de
investimento e de pessoal”. O Decreto Federal n. 8.726/16 que veio regulamentar
a norma objeto desta tese aumenta ainda mais a dúvida, ao firmar, em seu art.
36, que as compras e contratações de bens e serviços pela organização da
sociedade civil com recursos transferidos pela administração pública federal
adotarão métodos usualmente utilizados pelo setor privado.
Não se pode compactuar com um regime híbrido que traz consigo a
insegurança jurídica e a dúvida sobre as reais pretensões das parcerias em
apreço. A nosso ver, o regime jurídico das parcerias em estudo é eminentemente
público, ainda que se corra o risco de nesta afirmação estar presente um grande
contrassenso, situando as OSCs em uma esfera que não lhes pertença. Por
conta dessa conclusão, seria inadmissível a omissão da norma quanto ao regime
de compras de bens e aquisição de serviços por parte das OSCs parceiras
(revogação do art. 43 da Lei n. 13.019/14) que também deve respeito ao
direcionamento real de uma “gestão pública democrática”.
Mas, como tem-se insistido, a norma em foco não pode ser interpretada
sob a perspectiva de uma bem engendrada “matemática” contratual, estruturada
em uma burocracia própria que só tem a oferecer um regime jurídico híbrido e
um discurso disperso em uma lógica de fortalecimento da sociedade civil que,
do ponto de vista prático, nada teria a acrescentar.
É preciso reconhecer no marco regulatório em estudo, ainda que a
contragosto de muitos, o retrato de uma Administração Pública gerencial, com
um discurso firmado na construção de “boas práticas” de gestão e o apelo a
lógicas de controle e monitoramento que se afeiçoam a uma lógica exata, que
prega a eficiência e a avaliação de metas e resultados como premissa maior.
Vista somente por esse ângulo, a Lei n. 13.019/14 é, de fato, uma decepção.
Reitera os primados de um Estado empresário e consensual, que administra de
forma calculada e pontual os fins que delega.
É preciso dar um voto de confiança ao modelo de regulação proposto pela
Lei n. 13.019/14. É preciso enxergar como centro da norma, a principiologia, os
objetivos e as diretrizes presentes, respectivamente, em seu art. 5º e 6º. Como

438
também se tem insistido é, de fato, o “coração” do marco regulatório e sua
grande promessa. É preciso reconhecer em toda a lógica das parcerias em
apreço, o peso de seus significados. Não pode restar solto no ar, ao sabor dos
ventos, o reconhecimento da participação social como direito do cidadão, a
solidariedade, a cooperação e o respeito à diversidade para a construção de
valores de cidadania, a inclusão social e produtiva, a promoção do
desenvolvimento local, regional e nacional, inclusivo e sustentável, donde se
inclui a valorização da diversidade cultural e da educação para a cidadania ativa.
Há de se apostar no fortalecimento da sociedade civil, tendo a sua
disposição instrumentos efetivos de controle social, construídos na base do
amplo direito à informação e nas lógicas de transparência e pronta publicidade
É preciso reconhecer a maturidade legislativa na escolha dos termos e
institutos que estruturam o modelo de regulação em estudo, de modo que a
articulação das parcerias em rede (art. 35-A) e a proposta de construção de
Procedimentos de Manifestação de Interesse Social (art. 18) não se esvaziem.
É preciso ainda um esforço comum, de parceiros público e privados na
disseminação dos primados da norma, com ações educativas e frentes de
capacitação (art. 7º), de formação de redes de compartilhamento e divulgação
dos reais significados e propósitos da regulação proposta. Se o modelo de
regulação firmado pela Lei n. 13.019/14 é “bom”, só o tempo dirá. Há de se
reconhecer, de todo modo, o papel indispensável dos decretos
regulamentadores da norma que se propagam pelo país, esmiuçando, em
detalhes, o tom a ser dado à regulação em conformidade com cada uma de suas
realidades.
O cenário de nascimento da Lei n. 13.019/14 certamente não foi o mais
propício. Como fizemos questão de pontuar, com base nos índices contidos no
“Mapa das OSC”, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Aplicadas –
IPEA, foi exatamente no ano de 2014 que se nota um decréscimo no número de
parcerias firmadas entre as organizações da sociedade civil e o poder público.
Necessário acompanhar seu desenvolvimento e se realmente se concretizará
uma notável rede de articuladores, tanto público quanto privados, de modo a
firmarem seu compromisso neste sentido. O sucesso do modelo em estudo não

439
pode ser tratado em uma única via. Há de se concluir, de modo bastante
realístico, que ademais a norma ter entrado em vigor para os Estados em Janeiro
de 2016 há pouco adesão dos mesmos quanto a regulamentação da matéria,
sendo que apenas nove Estados o fizeram. Para os municípios, ainda que a
norma tenha se tornado vigente somente em janeiro de 2017, a realidade não é
muito diferente, havendo baixa adesão se comparado ao nosso universo de mais
de cinco mil municípios.
É um mundo novo, mas não um universo paralelo. Reconhece-se a norma
objeto deste estudo como um complexo universo regulatório, que exigirá para
sua perpetuação de um compromisso dos agentes nela envolvidos e uma
permanente reconfiguração das estruturas da Administração Pública brasileira,
de quem se exigirá um comportamento muito mais responsável.
Por fim, há de se afirmar que estamos, definitivamente, diante do “Marco
regulatório das Organizações da Sociedade Civil” - MROSC, acima de tudo, pelo
reconhecimento de um novo despertar para a dinâmica das parcerias que se
perpetuam entre as entidades privadas sem fins lucrativos e o Poder Público.

440
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