Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 27
ISAIAH BERLIN Estudos sobre a humanidade Uma antologia de ensaios aigto ‘Henry Hardy eRoger Hausheer Prefteio Noel Annan Itredugio Roger Hausheer Tradugte Roseura Eichenberg =e. aS LETRAS entce individuos e nagbescriativose no -eriatvos, histGricos en hist6ricos,ins- piraramdevidamente onacionalismo, oimperialismoepor fim, na sus forma mais violenta ¢patolégica, as doutrinas fascistascrotaitfrias no século xx, ‘ firacasso da Revolugio Francesa em realizaca mator parte de seus objeti- vvosdeclarados marca fim do liuminismofranciscomo um movimento e3im si tema, Seus herdeiros ¢ 03 contramovimentos que em algum grat eles estimula- ram epor sua vez influenciaram, credos e movimentos romanticos irracionais, politcoseestéticos, violentose pacificos,individvaistas ecoletivos, andaquicose totalitirios, bem como o impacto que causaram, percencem a uma outa pagina dabistérie, : Aoriginalidade de Maquiavel ‘Hi algo surpreendente sobre o mimero de interpretagdes das opinises polii- cascle Maquiavel. Existem, mesmo agora, mais de vinteteoria principaisde como interpretar O principe e os Discursos — a parte a enorme quantidade de visBes © explicagdes subsididrias, A bibliografia do tema ¢ imensa e esté aumentando mais + - rapido que nunca! Embora talvez nfo seja nada anormal o nivel de desacordo sobre o significado de termos ¢ teses particulates contidos nessas obras, hé urn ‘grau espantoso de divergéncia sobre a visio central, a atitude politica basica de Maquiavel, Esse fendmeno é mais ficil de compreender no caso de outros pensadores cujes opinibes continuam a iatrigar ou agitar a humanidade — Plato, por exem- plo, Rousseau, Hegel ou Marx. Mas nesses casos seria possivel dizer que Plato escreveu num mundo e numa linguagem que nfo sabemos ao certo se compreeh- demos; que Rousseau, Hegel e Marx foram tebricosprolificos, cujas obras nfosfo modelos de clareza ou coeréncia, Mas O principe é ur livro curto: seu estilo é em geral descrito como singularmente Iteido, sucinto ¢ céustico — um modelo da clara prosa renascentista. Os Diseursos, pelo que conhecemos dos tratados sabre politica, nfo fogem do comprimento convencional es nidos. Ainda assim nio hi consenso sobre o significado de qualquer um dos dois livros; eles nao foram absorvidos na textura da 1eoria politica tradicional; cont snvam a despertar sentimentos apaixonados; O principe evidentemente estimulon interesse ea admiragio de alguns dos mais forrtidiveis homens de agiodos ili- ‘mos quatro séculos, especialmente dos nossos proprios, homens que nfo sfo nor- ‘malmente dados aler textos cléssicos, Hd sem diivida algo peculiarmente perturbador sobre o que Maquiavel disse ‘ousugeriu, algo que ter causado uma profunda eduradourainquietag3o. Oseru- ditosmodernos tém apontado certasineverEncias reais ou aparentes entre osenti- ‘mento (na maior parte) republicano dos Discursos( das Histrias)¢ 0 conselho 20s _governantes absolutosem O principe: na verdade, hd uma diferencade tomentreos dois cratados, bem como enigmas cronolégicos isso levanta problemas sobre cariter, os motivos ¢ as conviegdes de Maquiavel, motivos e convicgtes que por mais de trezentos anos vém formando um rico campo de investigagao ¢ especula- ‘Gio para ecuditosliterdtios ¢lingttsticos, psicélogos historiadozes. ‘Masini 6isso oque tem chocado sentimento ocidental. Nem pode ser ape- aso “rcalismo” de Maquiavel ousua defesa de polticas brutais,inescrupulosas ou ‘rutis o que tem perturbado tio profundamente tantos pensadores posteriores, levando alguns deles a explicar ou tentar eliminar pelas explicagdes a defesa da forcaeda aude. O faro de queos perversos demonstravelmente florescemiow que as ages imorais patecem compensar nunca esteve muito longe da consciéncia da umanidade. A Biblia, Herédoco, Tucldices, Platao, Aristoteles — para citar ape- ‘nas algumas das obras fundamentais da cultura ccidental—, os caracteres deJac6, José ou Davi, o consetho de Samuel a Saul, odidlogo mélico de Tucidides ou sei, relato de pelo menos uma resolugio ateniense cruel mas revognda, as filosofias de “trasimaco ¢ Cilicles, oconselho de Arist6teles as tiranos na Politica, os discursos de Caméades 0 Senado Romano conforme descrito por Cicero, a visfoagostinia- ‘na do Estado secular partir de wm ponto de observacio eae Marsitioapartirde ‘outro —codos esses haviam langado bastante luz sobre as realidades politicaspa chocar ¢ comisso arrancar os créditlos de um idealismo acxtico. ‘Acxplicagio néo pode estar apenasino senso calculista dé Maquiavel, mesmo 5 que ele cna realmente colocado os pingos nosis de forma mais clara que qual quer outro antes dele. Ainda que gritainicial —asreagdes, porexemplo, de Pole ‘ou Gentillet — deva ser explicada dessa maneta, isso nfo esclarece as reagGes daquelesfamiliarizadoscom.as visbes le Hobbes, Spinoza, Hegelou dosjacobinos 30 ceseusherdeiros. £ certamente preciso algo mais para explicar tanto horrordura- douro como as diferencas entre os comentaristas. Os dois fendmenos talvez tenham alguma ligagao. Para indicar a natureza do wltimo fendmeno, deixcm-me citar apenas as interpretagées rivals mais famosas dos pontos de vista politicos de ‘Maquiavel produzidas desde o século Xvi. ‘Segundo Alberico Gentili’ e Garrett Mattingly,‘o autor de O principe escreveu uma sitira, pois ele sem diivida ndopode ter querido dizer litecalmenteoquedisse. ava Spinoza,’ Rousseay *Ugo Foscolo,' Luigi Rcei (que escreve aintroducio a O principe para osleitores de'The World’ Classis), trata-sede uma narrativaadmo- nitétia; pois, seja o que tenha sido além disso, Maquiavel foi um patriota apaixona- do, um democrata, alguém que acreditava na liberdade, ¢ O principe deve ter sido. escrito com a intengao (Spinoza é particularmente claro a esse respeito) de avisar oshomenssobreo que os tiranos poderiam sere fazer, para que fossem capazesde thes oferecer maior resisténcia, Talvez o autor no pudesse eserever abertamente com dois poderesrivais —os da Igrejae dos Medici —a vigitlo com igual (eno injustificada) suspeigdo. O principe, portanto, uma sitira (emboranenhuma obra ‘me parega produzic menos essa impressfo) Para A. H. Gilbert,’ a obra no passa do seguinte: é um texto tipico de seu periodo, umespetho para osprincipes,um exercico de génerobasiante comumna Renascenga e antes (¢ depois) dessa época, com empréstimos e “ecos” muito

You might also like