Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 324
nutricao animal Andriguetto As bases e os fundamentos da nutri¢ao animal Os alimentos a relenss Ua Ware 1 ce Gemael Flemming $oYolP4] Bona Filho © 1981 José Milton Andriguetto Direitos desta edigao reservados & AMPUB Comercial Ltda. (Nobel é um seto editorial da AMPUB Comercial Ltda.) Rua Pedroso Alvarenga, 1046 - 9° andar ~ 04531-004 ~ Sao Paulo ~ SP Fone: (11) 3706-1466 ~ Fax: (11) 3706-1462 wwweditoraobel.com.br E-mail: ednobel@editoranobel.com.br Capa: Maria Regina Knoll impresséo: Paym Grafica e Editora Ltda. Reimpressio: 2006 Dados Internacionais de Catalogagdo na Publicagaio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Bi N97 j0 animal / José Milton Andriguetto et. al, ~ Sdo Paulo ; Nobel, 2002. vl Bibliografia. Contetido : v.1. As bases ¢ os fundamentos da nutri¢ao animal. Os alimentos. ISBN 85-213-0171-5 (vol. 1) ISBN 85-213-0060-3 (vol. 2) J. Nutrigdo anima! 1. Andriguetto, José Milton, 1934 83-1562 CDD-636-0852 indices para catdlogo sistematico: 1An Nutrigdo : Zootecnia 636,0852 2. Nutrigdo animal : NutrigZo : Zootecnia 636.0852 E PROIBIDA A REPRODUGAO Nenhuma parte desta obra poderd ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrénicos ou gravagbes, sem a permissdo, por escrito, do editor, Os infratores serao punidos pela Lei n? 9,610/98. Impresso no Brasil / Printed in Brazil SUMARIO PARTE! AS BASES E OS FUNDAMENTOS DA NUTRICAO ANIMAL 114 Cap. 1. O OBJETIVO DA NUTRICAO E DA ALIMENTACAO ANIMAL 13 Cap. 2. OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS ........ 17 Conceituagéo Composigéo quimica . licidios ou carboidratos .. .. 20 Relagéo entre os nlaniectes pci e fisicos dos alimentos e sua classificagaéo .. 36 Comparagao entre os animais e os vegetais . . 39 Gap. 3. DIGESTAO-PROGESSOS GERAIS E PARTICULARIDADES POR: ESPEGIE ANIMAL = ooo: erecta e setae aera cerns Al Processos fisicos na digestéo .. Digestéo: Aspectos gerais Digesto no intestino grosso we Particularidades do processo digestivo nos eqiiinos 49 Particularidades do processo digestivo nas aves .. 52 Particularidades_no processo digestivo dos ruminantes ....... ae Cap. 4. ABSORGAO Cap. 5. DIGESTIBILIDADE E BALANCOS NUTRICIONAIS ........ a Determinagao da digestibilidade .. Cap. 6. OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS E SUAS 6.1. OS LIPIDIOS NA NUTRIGAO ANIMAL . Fungdes nutricionais dos lipidios .... Inter-relacdo dos lipidios com as vitaminas ....... 95. i i dos ruminantes .. 96 6.2. OS GLICIDIOS NA NUTRICAO ANIMAL ......... ae icidic lulares Fungao nutricional das proteinas Regulacao do metabolismo protéico Acido nicotinico (Niacina) e Nicotinamida (Niacinamida) - 154 Acido pantoténico . 157 Piridoxina (Be)... .. - r . ne | Biotina (vitamina H) ..... “ 163 Acido félico (4cido pteroilglutamico, folacina) .... 164 Vitamina Bi: ou Cianocobalamina ou Cobalamina ... 166 CRB i ait conten acerca PBR Vitamina C (Acido ascérbico) 170 6.5. OS MINERAIS NA NUTRIGAO ANIMAL As substancias minerais ..... srscsiateron Agua-eletrdlitos-liquidos do organismo Origem da agua do organismo .............000008 Perdas de Agua e de eletrélitos . Necessidades de gua Qualidade da agua de bebida . Cloro-sddio (Sal comum) .... Potassio Fosforo Calcio Molibdénio Vanédio Niquel .... Silicio Fidor a Outros microelementos de interesse em nutrigado .. 255 Cap. 7. AVALIACAO DO VALOR ENERGETICO DOS ALIMENTOS . 257 Energia bruta 22.02.02... 0.2 00c0eeeeeeeeeeeeees 257 Energia digestivel 258 Energia metaboli 260 Energia produtiva 261 Energia liquida .. * 262 Outras formas de medir energia — N Digestiveis Totais (NDT) ... 267 PARTEII OS ALIMENTOS. sesssermei seme sissies verseeasreens 269 Cap. 1. GRAOS DE CEREAIS E SEUS SUBPRODUTOS . 271 Milho . 272 Trigo . 274 Cevada - 276 Sorgo . 279 Aveia Arroz Centeio Trigo Preto, Trigo Sarraceno ou Trigo Mourisco ... Cap. 2. ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL .................5 Suplementos protéicos .. Farinha de carne ... Farinha de residuos de abate de aves Farinha de sangue .. Farinha de penas ... Farinha de peixe ... Solveis de pescado Farinha de camarao e crustaéceos . Farinha de figado . Farinha de cerdas e/ou pélos ............. Suplementos energéticos Oleos e gorduras animais . Suplementos minerais ........ Farinhas de ossos ......... Farinha de casca de ostras . Outros suplementos Leite e derivados de leite . Farinhas de subprodutos de cent de incubagdo ..................0220000e Farinha de cama de galinheiro e de dejecées animais ................... Farinha de contetido de ramen . Farinha de faneros ... Farinha de crisdlidas . Pupas de moscas * Ovos, larvas e ninfas de formigas .. Cap. 3. SEMENTES OLEAGINOSAS E SEUS SUBPRODUTOS .. Consideragoes gerais Processos de extracéo dos éleos vegetais Extruséo Soja .... Algodao Amendoim Girassol . 281 .. 299 301 -.. 301 . 301 - 304 . 304 . 305 . 306 - 306 307 309 . 34 . 312 - 312 . 313 . 313 . 315 . 315 . 318 . 319 Linho + 331 Mamona » 332 Coco... « 333 Babacu .. Gergelin 334 Palma ... * we 334 Suplementos energéticos ................00.0008 335 Cap. 4. ENSILAGEM — SILAGEM ..........0 0... cece ence eee 343 Cap.5. FENO — FENAGAO ............. 2.0000. ce ee eee eee 367 Cap.6. OUTROS ALIMENTOS ... sa OB Melaco de cana . BIBLIOGRAFIA PARTE | AS BASES E OS FUNDAMENTOS DA NUTRICAO ANIMAL Capitulo 1 O OBJETIVO DA NUTRIGAO E DA ALIMENTAGAO ANIMAL A exploragéo dos animais domésticos é feita na sua quase totalidade visando um interesse econémico. Evidentemente, a utili- zacao favoravel do mercado, em ambos os sentidos — venda da produgao e a aquisigao do necessério para a mesma — situa 0 ambiente para a industria pecudria. Dentro da ampla variacao possi- bilitada pelo mercado, somente a técnica podera produzir economica- mente, em qualidade e quantidade; esta, para a produgdo, econdmica, situa-se, basicamente, em trés aspectos: — GENETICA; — HIGIENE — MANEJO; — ALIMENTACAO. A GENETICA confere ao individuo potencial intrinseco que 6 o ponto de partida para o desempenho de toda e qualquer fungao, ressaltando-se aquela da producao. Assim, existem ragas e variedades altamente especializadas obtidas mediante selecéo e cruzamentos adequados, permitindo um usufruto mais rapido da producao animal. A medida que cresce a especializagéo genética, cresce também a necessidade de mais perfeita nutrigdo e alimentagdo para aproveitar este potencial genético. O potencial genético 6, portanto, exteriorizado, complementado pela alimentacao. De nada adiantaria, nao fosse a alimentacao racional. A HIGIENE E O MANEJO fornecem, ao lado da Genética, o ponto de partida as condicdes basicas, prevenindo as enfermidades e dando condigdes de higidez necessdrias a criacdo animal. Apesar do cuidado que se dispense a criacao, 4 forma de explo- ragao e controle das enfermidades, a menos que se alimentem conve- nientemente, os animais nao poderao obter beneficios que atinjam 0 objetivo econémico. Basta lembrar que a alimentagao constitui 60 a 80% do custo da criagao. A ALIMENTAGAO RACIONAL dos animais domésticos tem por objetivo fornecer a um individuo ou a um grupo de individuos de uma determinada raca ou espécie, os alimentos capazes de manter a vida 14 NUTRIGAO ANIMAL e assegurar, nas melhores condigées de rendimento, a elaboracdo das produgdes que o homem pretende de um animal ou de um grupo de animais. O problema da alimentagao dos animais domésticos foi resolvido no momento em que o homem comecou a manté-los como produtores de trabalho mecanico, de carne, de leite, de ovos, de la, etc., mas 0 problema da alimentagdo racional, gragas a qual o rendimento 6time pode ser obtido, nao 6 de facil solugao: esta nao pode ser encontrada, a nao ser pelos esforcos conjugados de observadores e de experi- mentadores, na medida em que as aquisigdes das ciéncias bioldgicas, quimicas e fisicas 0 permitirem. O problema da alimentagao é de importancia capital na pratica da criagao de animais domésticos, em razéo das repercussdes econd- micas das solugées que lhe sdo dadas. Dentre os fatores que condi- cionam o rendimento das produgées animais, a alimentagdo, que fornece ao organismo as matérias necessarias 4 elaboragdo das pro- dugées, representa o meio mais eficaz de que dispomos atualmente. Podemos selecionar os individuos mais aptos mas néo sabemos modificar a nosso gosto a capacidade intrinseca de produgéo de um determinado animal. Temos que aceitar as condigées naturais impostas pelo clima, se bem que nos esforcemos em constituir ao redor do animal um microclima que o proteja mais ou menos eficazmente dos efeitos ambientais e que Ihe seja favoravel. Pelo contrario, as possibilidades de acgéo que nos s&o oferecidas pela alimentagdo sao muito amplas e nao sao limitadas a nao ser pela capacidade propria de utilizago do organismo considerado. A cobertura das necessidades nutritivas representa, antes de tudo, PRODUCAO. O problema da alimentagdo ou arragoamento tem por base o conhecimento das necessidades nutritivas do organismo, em fungao de sua espécie, de sua idade, de seu sexo, de suas producées: 6 um problema de ordem teérica — A NUTRICAO. Ao equilibrar regimes alimentares os técnicos tém de pensar em termos de nutrientes antes de pensar nos alimentos que os integram. Atualmente os nutrientes conhecidos consistem em pelo menos 12 aminodcidos essenciais e suas inter-relagdes com os demais, 17 vita- minas, 15 ou mais minerais, acidos graxos, glicidios e fatores ainda nao identificados. Estes nutrientes tém de ser administrados em tal proporcdo, dosificagao e forma, que nutram adequadamente o animal em quest&o, tendo em conta os varios fatores ja citados. Nao so é importante a quantidade do nutriente, mas também o é da-lo em proporgao correta em relacao aos outros nutrientes, para que tenha utilidade maxima Tal quantidade e proporgao variam com a idade do animal, a fase e o sistema de producao. O problema da alimentagao ou do arragoamento tem por objetivo traduzir as necessidades nutritivas tedricas em necessidades alimen- © OBJETIVO DA NUTRIC AO E DA ALIMENTAZAO ANIMAL 15 tares rcais, quer dizer, de iormular ragoes, regimes alimentares. Este aspecto é mais complexo do que aquele da nutrigao. Com efeito, ana- lisado um caso considerado, o problema da nutrigéo comporta uma solugdo étima, expressada por um numero limitado de termos. Ao contrario, as solucdes possiveis do problema do arragoamento corres- pondente sao numerosas, em virtude da quantidade de alimentos que podem ser utilizados para cobrir as necessidades nutritivas dentro do programa mais econémico. Por outro lado a alimentagao implica também aspectos outros que lhe sao préprios: — os alimentos nao devem conter substancias nocivas; — devem ser adaptados as particularidades anatémicas e funcio- nais dos animais aos quais sao destinados, particularmente muito dife- rentes de uma espécie para outra; — em cada espécie a alimentacao deve estar em acordo com a capacidade de utilizagéo de cada individuo; — a escolha dos alimentos é igualmente orientada pelas consi- deragGes de ordem econémica; possibilidade de reabastecimento, custo dos alimentos, que colocam em questao um terceiro aspecto, produgao ¢ a distribuigéo dos alimentos. O animal doméstico é um transformador de produtos néo utilizdveis ou dificilmente utilizaveis pelo homem. O problema da alimentacéo esté em grande parte condicionado pela produgao agricola. Por outro lado, os animais domésticos utilizam subprodutos provenientes da preparagao dos alimentos destinados ao homem e por vezes residuos da alimentagao humana. Assim o abaste- cimento dos animais compreende questdes miltiplas, produgaéo pro- priamente dita, colheita, conservacao, transporte, complementacéo e distribuicéo. A natureza e a importancia relativa destes aspectos sao sensivelmente diferentes no caso dos animais domésticos e do homem. Os dados fornecidos pelos conhecimentos da nutricéo devem dominar o problema do arragoamento e, portanto, do abastecimento. Essa subordinacaéo é indiscutivel no caso da alimentacaéo humana, sendo origem de uma das regras que deveriam inspirar uma orga- nizagao racional da produgdo agricola. No caso da alimentacao animal nao sé os dados da nutric¢fo devem guiar o estabelecimento do arra- goamento, porquanto este 6 amplamente dominado pelo aspecto eco- némico. Por outro lado, o arragoamento do animal esta estreitamente associado e muitas vezes subordinado a alimentagaéo humana, da qual é auxiliar. A relagéo de dependéncia entre os trés problemas: nutrigdo, alimentagaéo e abastecimento, 6 sensivelmente diferente para os animais e para o homem, e os problemas que se devem considerar em cada caso sao diferentes, embora com estreita correlacao. 16 NUTRIGAO ANIMAL Cabe ao veterindrio, ao agronomo e ao zootecnista conhecerem profundamente os problemas da nutri¢do animal, porquanto a mesma representa e condiciona aquilo que é a finalidade das suas carreiras: a produgao de alimentos para as populacées. Capitulo 2 OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS — COMPOSICAO DOS ANIMAIS E DOS VEGETAIS DEFINIGAO DE ALIMENTO E DE TERMOS RELACIONADOS — CLASSIFICAGAO Varias sAo as tentativas de definir alimento: “tudo o que 6 capaz de reparar a perda das partes sdlidas ou fluidas de nosso corpo (corpo animal) merece o nome de alimento” (LEMERY) ; “o alimento é uma substancia tomada de um meio exterior, necessaria a manutencdo dos fenémenos do organismo vivo e a reparacao das perdas do mesmo organismo” (CLAUDE BERNARD); “chama-se alimento tudo o que leva ao organismo a matéria e a ener- gia que lhe séo necessdrias” (DASTRE). Todas estas definigdes, no entanto, sao imperfei a concluir a existéncia de substancias que, tomada: sao capazes de manter a vida, o que é 0 mesmo que admitir a exis- téncia de alimentos completos. Nao existem alimentos naturais completos. A alimentagaéo dos organismos animais exige a associagao de diversos alimentos em uma racdo. Nem o leite nem os ovos sao alimentos completos; complementam as necessidades de um estégio da vida: a primeira infancia dos mamiferos e os embrides das aves. Assim mais certa sera a definicéo dada por JACQUOT: “alimento 6 uma substancia que, consumida por um individuo, é capaz de contribuir para assegurar o ciclo regular de sua vida e a sobrevi- véncia da espécie 4 qual pertence”. Uma determinada substancia pode ser alimento para um animal ou para uma dada espécie, mas pode deixar de ser alimento para um outro animal ou outra espécie. Ressalta-se nesta definigéo o fator fundamental: “O valor nutri- tivo de um alimento determinado no é uma caracteristica imutével 18 NUTRIGAO ANIMAL em si, ela depende da composigéo da ragéo, quer dizer, dos outros alimentos que a constituem”. Assim, o conceito de alimento 6 muito amplo pois engloba todas as substancias que podem ser incluidas nas dietas dos animais por conterem nutrientes. Estas substancias compreendem néo somente os produtos vegetais e animais e seus subprodutos, mas também substancias nutritivas puras, quimicamente sintetizadas ou pro- duzidas por processos outros, como, por exemplo, as fermentagdes microbianas. © conceito acima estabelecido implica necessariamente outros aspectos: a substancia considerada como alimento nao pode portar substancias téxicas. Neste particular veremos, na continuidade, que sob 0 aspecto da toxicidade devemos considerar a toxicidade por espécie, pois a substancia que é toxica para uma determinada espécie pode nao produzir efeitos negativos para outra espécie. Devemos considerar também a possibilidade de inativar o téxico, o que, eviden- temente, depende da resposta econémica a solugéo do problema. Outro aspecto a considerar em um alimento 6 a sua apetibilidade ou palatabilidade, ou seja, o seu grau de aceitacao pelo animal. Também neste particular existem hoje substancias cuja Gnica fungéo é tornar aceitavel pelo animal alimentos que, no estado natural, seriam rejei- tados, contribuindo assim para ampliar o campo dos alimentos. Afora os aspectos jé mencionados, o valor de uma substancia tida como alimento 6 baseado em seu teor de nutrientes. Morrison define nutriente como o constituente, ou grupo de constituentes dos alimentos, de igual composigao quimica geral que ajuda a manter a vida animal. £ importante considerar como se encontram os nutrientes no alimento, seus fatores de flutuacdo e aqueles que maior interesse representam para a nutrigéo animal. Submetendo-se um alimento a 105°C em uma estufa até peso constante, vamos verificar que a quan- tidade inicial diminui em seu peso e volume. A esta temperatura a perda sofrida pelo alimento foi seu teor em dgua. Assim, em uma primeira divisio podemos dizer que os alimentos sdo constituidos por agua (umidade) e matéria seca. Agora, submetendo a matéria seca (M.S.) a 550°C, vamos verificar que parte do alimento se queima e se volatiliza, restando um residuo que é chamado de residuo mineral ou cinzas. A parte que entra em combustéo é a matéria organica do ento e a cinza seu contetido mineral. Entendemos, assim, que um alimento, além de certo teor em agua, possui constituintes organicos e minerais, estes dois tltimos contidos na chamada matéria seca* do alimento. Obviamente, nestes dois grandes grupos estado contidos os nutrientes organicos e os minerais e ambos est&o contidos na matéria seca dos alimentos. O teor em dgua dos alimentos e conse- qientemente sua matéria seca podem variar de 5 a 95%, variando, {*) £ importante enftizar, desde [6. que tod o equilbrio nitricional de ume ragfo 6 foto com base ‘om nutrientes referidoa & matéria seca da OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 49 portanto, seu contetdo em nutrientes. O valor nutritivo de um alimento depende, assim, em principio, do seu teor em matéria seca. Alimegto Agua Materia Seca (umidede) Matéria“organica Materia. mineral Interessa-nos, neste capitulo, conhecer a composicao quimica dos alimentos para melhor avalid-los em seu potencial em nutrientes. Nos capitulos seguintes esta avaliagao se seguiré sob o aspecto bioldgico, isto é, do ponto de vista de sua utilizagao pelo animal, como sejam: a digest jade, a absorgao e€ o metabolismo intermediario, bem como a inter-relacdo entre nutrientes. Continuando o estudo dos componentes quimicos dos alimentos e fracionando as duas subdivisdes do esquema acima, vamos verificar que, na matéria organica dos alimentos, encontramos quatro grupos de substancias diferenciadas por suas propriedades quimicas, fisico- quimicas e bioldgicas que sao: os glicidios ou carboidratos, os lipidios, as proteinas e as vitaminas. Na matéria mineral, por sua vez, encon- tram-se todos os elementos minerais conhecidos, mas em quantidade e formas varidveis. Certos minerais estao presentes na forma de tracos (oligoelementos minerais, microelementos minerais, ou mine- rais tragos) sob forma mal definida e, algumas vezes, em estado livre Outros minerais existem em quantidades significativas, constituindo os chamados macroelementos minerais, que podem ser encontrados em estado sdlido cristalizado, ou em solugao no meio celular ou nos liquidos intersticiais e circulantes, ora em estado ionizado, ora nao ionizados. Outros, enfim, encontram-se comkinados com a matéria organica perdendo, assim, temporariamente, suas caracteristicas de matéria mineral. Quimicamente, entretanto, vamos considerd-los so- mente como minerais propriamente ditos, e dividi-los em grupos: os macroelementos e os microelementos minerais. Ao primeiro grupo pertencem 0 sddio, o fésforo, 0 calcio, 0 cloro, 0 potassio, o magnésio, 0 enxofre, etc., € ao segundo grupo o ferro, 0 iodo, o cobre, o fluor, © manganés, o zinco, o cobalto, o selénio, 0 molibdénio, etc. Ampliando 0 esquema de composigéo quimica dos alimentos, teremos, portanto: Alimentg. Agua MS. Matéria Organica Matéria Mineral |~ Glicidios Lipidios Proteinas Vitamines Macroelémentos Microelementos 20 NUTRIGAO ANIMAL Prosseguindo na andlise dos constituintes da M.S., acima men- cionados, poderemos defini-los, subdividi-los e classificé-los como segue: A — GLICIDIOS OU CARBOIDRATOS Sao substancias organicas ternarias compostas de carbono, hidro- génio e oxigénio, encontrando-se 0 hidrogénio e o oxigénio nas mesmas proporcées que na formacao da molécula de agua, donde o nome carboidrato. So constituidos principalmente de hexosanas, que sao formadas por hexoses ou moléculas de 6 dtomos de carbono; de pentosanas que sao constituidas por pentoses ou moléculas de 5 dtomos de carbono. Outras moléculas, como as trioses e dioses, estéo algumas vezes presentes, porém em pequenas quantidades e geralmente nao importantes. Sao representados principalmete pelos acuicares, os amidos, as celuloses, as gomas e substancias afins. Os glicidios sao sintetizdos pelos vegetais clorofilianos, a partir do gas carbénico e da agua, pela fotossintese, segundo a reacao seguinte: 6CO, + 6H,O + 673 Cal —> CsHnOs + 602 Esta reagao utiliza a energia luminosa para se efetuar. O termo glicidio ou glucidio deriva-se do grego glukus que signi- fica doce e compreende exclusivamente os agucares redutores e seus compostos que, por hidrélise, dao um ou mais agicares redutores. Os agticares e o amido sao facilmente digeridos pelos animais e tém elevado valor alimenticio (energético). Por outro lado, a celu- lose e outros glicidios complexos so digeridos com mais dificuldade. implicando muito dispéndio de energia em sua digestdo, salvo nos ruminantes, cuja flora microbiana é de inestimavel valor para a di- gestao da mesma. A quantidade de glicidios no corpo animal é sempre pequena, porém continuamente substituida. Como veremos mais tarde, os gli- cidios constituem a principal fonte de calor para o corpo e de energia para a realizacdo de varios processos vitais. CLASSIFICAGAO DOS GLICIDIOS a — Acticares redutores nio hidroliséveis As OSES, que se classificam conforme o nimero de étomos de carbono contidos na molécula. b — Os corpos que dao, por hidrélise, uma ou mais oses OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 21 Os OSIDIOS Se todos os produtos da hidrdlise dos osideos séo oses serao denominados HOLOSIDIOS, que se classificam conforme o numero de oses obtidos na hidrdlise. Se as oses nao forem os Unicos resul- tantes da hidrélise, teremos os HETEROSIDIOS. Esta classificacao repousa essencialmente sobre o grau de condensag&o da molécula, nao levando em consideracaéo os grupos reagentes (aldeidos e ceto- nas), nem as propriedades dticas. — CLASSIFICAGAO DOS GLICIDIOS DOS ALIMENTOS NATURAIS | — OSES (monossacarideos) a—Trioses: dioxiacetona, ausente nos alimentos naturais. Gliceraldeido, constituinte das triose-fosfato. b— Pentoses: Ribose, constituinte das nucleoproteinas e presente em todos os tecidos. Xilose, presente no tecido de susten- tacao dos vegetais. Arabinose, gomas vegetais. Ramnose e fucose, presentes nas algas. c—Hexoses: Glicose, nos tecidos animais e vegetais, livre ou combinada (glicosamina). Manose, agucar protidico dos ani- mais. Galactose, constituinte da lactose do leite. Frutose, constituinte da sacarose e da inulina nos tecidos vegetais e presente no esperma animal. ll — OSIDIOS (polissacaridios) HOLOSIDIOS (Substancias que, por hidrolise, dao apenas glicidios) a — Diholosidios (Dissacaridios): séo formados por duas moléculas de monossacaridios com a perda de uma molécula de dgua. Os mais comuns sao: sacarose (cana-de-agticar, beterraba); trealose (cogumelos); lactose (leite); maltose (produto da hidrélise do amido e do glicogénio): celobiose (produto da celulose, por hidrdlise) . b — Poliholosidios (polissacaridios): sao formados por moléculas de hexoses. Os mais conhecidos sao: tafinose (triholosideo da beterraba); amido (reserva glicidica dos vegetais). O amido é 0 maior constituinte, proporcionalmente, da maioria das ragdes ani- mais. Hidrolisa dando a seguinte seqiéncia: Amido + H:0 —> Dextrina Dextrina + H:0 — Maltose Maltose + H:0 — Glicose Inulina: (reserva glicidica de certos vegetais) . Na hidrdlise, principalmente da a frutose. Nao é glicidio muito comum, sendo encontrada em certos tubérculos. 22 NUTRIGAO ANIMAL Glicogénio: (reserva glicidica dos animais). E encontrado somente nos organismos animais, onde 6 produzido no tigado, sendo a fonte primaria de glicidios para os animais: sua hidrélise da a glicose. Celulose: E o principal constituinte da parede das plantas. Juntamente com as galactanas esta presente em todos os vegetais. A celulose € mais abundante nos vegetais fibrosos € apresenta baixa digestibilidade, salvo para os ruminantes. Para outros animais como suinos e aves, além de ser de baixa digestibilidade, pode reduzir a digestibilidade de outros nutrientes. ignina: a lignina pertence ao grupo das matérias pécticas. Nao é um glicidio verdadeiro. Contém demasiado carbono para se enquadrar como carboidrato, também nao se encontrando o hidrogénio e o oxigénio na proporgado correta. E encontrada principalmente nas palhas, cascas de cereais e de plantas. Nao 6 utilizada pelo trato digestivo dos animais, inclusive baixando a digestibilidade de outros nutrientes. Mesmo para os ruminantes nao é utilizada por nao ser atacada pelos microrganismos do rumen. Certos autores referem que apre- senta grupamentos fendlicos que provocam a depressdo do desenvolvimento dos microrganismos do riimen. A lignina, porém, é uma fonte potencial muito importante para o forne- cimento de carboidratos aos ruminantes uma vez que, por processos de hidrolise acida ou alcalina, ou por processamento a vapor, sob pressao, pode ter sua molécula quebrada tor- nando-se, entao, utilizavel para os herbivoros. Outros polissacaridios: quitina, presente nos insetos e vege- tais inferiores, pertence como a lignina ao grupo de substan- cias chamadas pécticas. Gomas, constituida de pentosanas, s&o representadas principalmente pela xilana e arabana, pre- sentes nos tecidos de sustentacéo dos vegetais. HETEROSIDIOS Sao substancias que, por hidrdélise, dao glicidios e outros componentes nao pertencentes aos grupamentos glicidicos. Encontram-se principalmente no reino vegetal. A fragao nao glicidica é formada de taninos, flavonas, alizarina, etc. Sdo desprovidos de interesse como alimentos. Sao substancias geralmente dotadas de propriedades farmacodinamicas ou toxicas. Aos glicidios ligam-se substancias diversas que interes- sam a alimentacao: acido ascérbico (vit. C), inositol, ciclo- exano-hexol, produtos fendlicos ou polifendlicos: derivados das naftoquinonas (vit. K); derivados dos terpenos farnesol da vitamina K produtos: do metabolismo dos acticares: acido latico, dcido pirtvico, acido citrico, Acido mélico e outros. OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 23 Os alimentos glicidicos tém principalmente origem vegetal: os gréos de cereais ricos em amido; as folhas dos vegetais, as palhas, os talos, ricos em celulose; os tubérculos e raizes ricos em fécula e€ acticares; os frutos, ricos em acucares e 4cidos organicos. O Unico alimento glicidico importante de origem animal é 0 leite, em fungao da lactose, uma vez que 0 glicogénio da carne e do figado € muito prontamente transformado em dcido latico. De todos os glicidios citados, apenas trés tém realmente interesse na ALIMENTACAO animal: a glicose que representa o tipo do nutri- ente glicidico celular; 0 amido que representa a reserva glicidica do mundo vegetal e ocupa lugar importante na alimentagao humana e animal e finalmente a celulose, de inegavel valor na nutri¢do dos ruminantes. B — LIPIDIOS Alimentos vegetais e animais possuem substancias insoltiveis na agua, mas extraiveis pelos solventes organicos: éter, cloroférmio, benzeno, etc. Ao conjunto dessas substancias dése o nome de lipidios. Os lipidios contém carbono, hidrogénio e oxigénio, com mais carbono e hidrogénio em proporgao ao oxigénio do que os glicidios. Compreendem os gliceridios das gorduras naturais (lipidios pro- priamente ditos), seus ésteres e substancias com propriedades ana- logas: fosfatidios, esterdis, etc. Os gliceridios sao também chamados gorduras neutras; foi o quimico francés Chevreul que ao final do século XIX, estabeleceu de maneira definitiva sua transformagao, sob a agao de dlcalis, em dcidos graxos e glicerol. Do ponto de vista quantitativo, as graxas neutras constituem a fracao lipidica mais importante. porém existem substancias lipidicas, presentes em pequenas quantidades nos alimentos, que representam importantissimo papel na nutrigéo, como o caso da vitamina D. Os lipidios constituem um grupo muito complexo, cuja unica caracteristica comum é a propriedade de se dissolverem nos sol- ventes org&nicos. — CLASSIFICAGAO DOS LIPIDIOS A classificacao dos lipidios é bastante arbitraria, em virtude do muito que ainda existe por desvendar neste complexo de substancias. — CLASSIFICAGAO DOS LIPIDIOS DOS ALIMENTOS NATURAIS | — LIPIDIOS SIMPLES — Esteres de Acidos graxos e de dife- rentes alcoois. a — Gliceri duras neutras; s — Esteres dos dcidos graxos e do glicerol: gor- 24 NUTRIGAO ANIMAL b — Ceridios — €Esteres de dcidos graxos e 4lcoois superiores (ceras) ; c — Esteridios — Esteres dos esterdis. Il — LIPIDIOS COMPLEXOS — Esteres de 4cidos graxos, com- Preendendo um grupamento suplementar, outro dlcool e acidos graxos. a — Fosfolipidios — Lecitina, cefalina, esfingomielina; b — Glicolipidios — Compostos de dcidos graxos e glicidios; e c — Cerebrosidios. Ill — DERIVADOS LIPIDICOS — Substancias obtidas por hidrolise dos elementos acima. Derivados lipidicos — Pela saponificagéo das graxas naturais obtém-se, de um lado, 4cidos graxos sob a forma de sabées; de outra parte um residuo complexo insaponificavel. Acidos Graxos — Os dcidos graxos naturais sao em geral com- postos monobasicos e alifadticos; eles diferem entre si pelo numero de atomos de carbono e ligagées etilénicas (duplas ligagées) . Os 4cidos graxos dos alimentos naturais compreendem sempre um numero par de dtomos de carbono. Os dcidos em Cio e Ci» pre- dominam, mas encontram-se também adcidos em Ci e Cx. Dai a classificacao: 1) acidos graxos volateis (C2: a Cio) — soltiveis na Agua, dimi- nuindo a solubilidade 4 medida que a cadeia se alonga. Sao dcidos presentes na silagem e sao produto final da fermentagado da celulose; e 2) acidos graxos verdadeiros (acima de Cio) — insoluveis na gua © soltveis nos solventes organicos. Os dcidos graxos, como sabemos, podem ser saturados, nao tendo entaéo duplas ligagdes e nao saturados, isto é, com duplas ligagdes (uma ou varias). A presenga de duplas ligagdes conduz a um abaixa- mento do ponto de fusao. Existe uma certa correlacao entre insatu- ragao e 0 ponto de fusao, se bem que o tamanho da cadeia de carbono intervenha também. Embora exista um ntimero considerdvel de dcidos graxos, os lipi- dios alimentares compreendem, essencialmente, os mesmos com- postos, a saber: os acidos palmitico, estedrico, oléico e linoléico. Entretanto, a presenca de um Unico acido graxo mais raro é sufi- ciente para modificar as propriedades dos dleos e graxas, mesmo entrando em pequena quantidade. Insaponificaveis e esterdis — Os esterdis fazem parte dos lipi- dios insaponificaveis. Sdo dlcoois de peso molecular elevado. Existem em estado livre e combinado aos dcidos graxos (oléico e palmitico) sob a forma de ésteres (esteridios). Nos animais a forma mais importante € o colesterol, isolado a primeira vez de cdlculos biliares, donde o nome. E verdadeiramente OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 25 o precursor de indmeros esterdis do organismo: dcidos biliares, hor- ménios sexuais, etc. No mundo vegetal existe um importante esterol, 0 ergosterol, que se transforma, pela irradiagéo com ultravioleta, em vitamina D2 (calciferol). Lipidios simples — Nos alimentos e nos tecidos animais encon- tram-se principalmente os trigliceridios ou triésteres do glicerol. Dando-se aos 4cidos graxos a férmula geral R-COOH, os trigli- ceridios (ou graxas neutras) correspondem a formula: CH,OH HOOC — R o-oc-R CHOH + HOOC — R —+ 0 — OC — R + 3H:0 | CH,OH HOOC - R o-OcC—R glicerol 4cidos graxos (3) trigliceridio Admite-se que as graxas naturals sio sobretudo constituidas de gliceridios mistos, Isto 6, as trés fungdes alcool do glicero! sao esterificadas por dcidos graxos diferentes (dois diferentes ao menos). Os gliceridios mistos tém em geral um ponto de fusdo inferior aqueles dos gliceridios homdgéneos. A fluidez dos numerosos 6leos vegetais se explica, por conseguinte, tanto pela predominancia dos gliceridios mistos, como pela presenga de dcidos graxos nao satu- rados. As pastagens compreendem, na sua constitui¢ao lipidica, acidos graxos nao saturados, cujo consumo pelas vacas conduz a um aumento do indice de iodo (0 indice de iodo indica a quantidade de iodo, em gramas, fixada por 100 g de d4cido graxo. O iodo se fixa nas duplas ligagGes; este indice indica o grau de saturagdo) e ao abaixamento do ponto de fuséo da manteiga produzida na primavera. Lipidios complexos — 1) — Fosfolipidios: também chamados fosfoaminolipidios ou fosfatidios, dao por hidrdlise acidos graxos e 4cido fosférico. A maioria contém glicerol e uma base azotada. Estas complexas subst4ncias séo de considerdvel importancia bioldgica. Formam parte vital do protoplasma vivo, embora estejam presentes em pequenas quantidades nos tecidos animais e vegetais. Acredita-se que os fosfolipidios sao essenciais 4 utilizagao das gorduras pelo organismo animal, as quais sao transportadas de uma a outra parte do corpo sob a forma destas combinagées. Compreendem: lecitinas — encontradas no meio vegetal (soja, linho, etc.) e ani- mal {ovo). Formam na 4gua solugées coloidais muito estaveis, donde seu emprego como agente emulsificante; tém como base a colina; cefalinas — encontram-se. como as lecitinas, em todos os tecidos. tendo como base a etanolamina; esfingomielinas — 0 dlcool nao é mais o glicerol. E um dialcool aminado. Encontram-se no cérebro e igualmente em pequenas quanti- dades no figado e rins. 26 NUTRIGAO ANIMAL 2) — Glicolipidios — representam os lipidios complexos do tecido nervoso, se bem que sejam encontrados também no sangue, no figado, e nos rins. S40 semelhantes as esfingomielinas mas nao contém fésforo. As gorduras, os 6leos e as substancias com elas relacionadas sao de muita importancia quer em plantas quer em animais. No estudo da alimentagao animal, tanto os dleos como as gorduras sdlidas sao incluidos sob a denominagéo genérica de gorduras. Em virtude das proporcées de carbono, hidrogénio e oxigénio nas gorduras serem maiores que nos carboidratos, elas fornecem 2,25 vezes mais calor ou energia por quilo, na oxidagao. ALTERAGOES DA MATERIA GRAXA A principal alteragao da matéria graxa é a formagao de perdxidos e a conseqiiente rancificagaéo. O processo 6 complicado, sendo o esquema geral o seguinte: ha a fixacdo de oxigénio sobre uma dupla ligagéo, formando-se 0 peréxido, muito instdvel, que se transforma em aldeido. Este mecanismo principal acompanha-se de modificagoes secun- darias que influem no peso molecular, no sabor e no odor. Formam-se reacgées em cadeia, que se propagam de molécula a molécula; todo © novo peréxido formado libera bastante energia para que os outros se formem. E necesséria, portanto, pouca energia inicial para provocar a rancificagao que prossegue, em continuagéo, por suas préprias carac- teristicas. O odor tipico do rango é causado por numerosas substancias, dentre as quais os aldeidos de peso molecular médio representam o fator predominante. Dentre os agentes fisicos, trés fatores favo- recem a rancificagao: a — Arelagao superficie-volume: pois quanto maior a superficie, maior a oxidagao; b — A temperatura, que nao somente faz variar os peréxidos, mas também acelera o processo; c — A luz: com efeito acelerador bastante conhecido. No tocante aos agentes quimicos, é ldgica e evidente a neces- sidade de oxigénio. Um ponto importante a considerar 6 a natureza dos trigliceridios e sua maior ou menor resisténcia 4 oxidacdo. As substancias estranhas geralmente aceleram a formagao do ranco. Dentre estas, os metais e, principalmente o cobre, tém notavel agao aceleradora. Igualmente certas enzimas, como a lipoxidase, favorecem © processo. A alteragéo das gorduras dos alimentos, do tipo da peroxidacao, é altamente indesejavel, pois no processo, 4 medida que 0 mesmo ocorre, sao destruidos vérios nutrientes, principalmente as vitaminas A, E, D ea biotina. Também a metionina é destruida. OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 27 Outra alteragao que pode sofrer a matéria graxa, do tipo de ran- Cificagao, 6 um processo de hidrdlise, geralmente resultante da agao de microrganismos sobre as gorduras. Neste caso ha uma hidrdlise simples, dando acidos graxos, digliceridios, monogliceridios e glicerol. Este processo nao interfere no valor nutricional da gordura, ao con- trario da rancificagéo oxidativa (peroxidagao). C — PROTEINAS As proteinas (do grego proteos = primeiro) s40 compostos organicos extremamente complexos, de natureza coloidal, formados fundamentalmente por C, H, O e N. Contém ainda §, P, Cu, etc. O termo proteina foi criado por Mulder, em 1840, para designar a substancia fundamental da albumina da clara de ovo. A palavra proteina, por assimilagao fonética, conduz ao termo protéico, que pretende significar “contém proteinas” o que é, no entanto, uma aber- ragéo fonética, pois vem de Proteu, da mitologia grega, que significa mudanga de forma. O termo, porém, consagrou-se pelo uso, sendo hoje de emprego corrente. Com o marcante avanco da Quimica Organica. no século XIX. o estudo das proteinas tomou, igualmente, impulso neste periodo, nao sendo de estranhar a atencéo pelas mesmas, dada a sua extra- ordindria importancia para a vida. Esta é evidenciada por todas as formas que constituem a vida. Desde a substancia protoplasmatica, a membrana celular, 0 nucleo, os cilios e as organelas das bactérias, até os tecidos mais altamente organizados tém a sua formacao, cres- cimento, manutengao ligados estreitamente as proteinas. Mesmo os virus, considerados como a forma mais elementar de vida, sao funda- mentalmente protéicos, dispensando mesmo, para sua existéncia, os carboidratos ¢ os lipidios. Ja nos individuos altamente organizados encontramos proteinas como base da estrutura histoldgica, entrando ainda como consti- tuintes indispens4veis 4 formacao de horménios, de anticorpos, etc. As proteinas diferem quimicamente dos glicidios e dos lipidios, por conterem, além do C, H e O, também o N. O teor de N varia de 15 a 19%, sendo o valor médio adotado de 16%. A composicao cente- simal 6 a seguinte: Minimo Méximo Médio Carbono, 500% 55.0% 525% Hidrogénio 66% 73% 69% Oxigénio 19.0% 24.0% 215% Nitrogénio 15.0% 19.0% 16.0% 28 NUTRIGAO ANIMAL Estruturalmente as moléculas protéicas apresentam-se complexas, sendo seu peso molecular bastante elevado, da ordem de 35 000 até varios milhes. O edificio molecular das proteinas € constituido a partir de moléculas mais simples, os aminoacidos — acidos organicos apresentando uma funcdo amina com formula geral: coon NH: om [a R O estudo dos acidos aminados, ou seja, das proteinas, é funda- mental na nutrologia animal, porquanto estes nao podem, como os vegetais, sintetizar proteinas a partir de elementos mais simples, necessitando, assim, da ingestéo de aminodcidos para formar suas préprias proteinas Certas proteinas tém moléculas alongadas como filamentos (fi- brina da soja, queratina, colageno, miosina, etc.), sendo proteinas fibrilares. Outras pertencem ao grupo das proteinas globulares (oval- buminas, proteinas séricas). As proteinas possuem caréter anfoté- rico. Cada uma delas tem seu ponto isoelétrico, ao qual correspondem certas particularidades fisicas: viscosidade, pressao osmotica, solu- bilidade. O calor, a luz, os acidos fortes as desnaturam. AMINOACIDOS: Costuma-se dizer que os aminoadcidos sao o alfabeto das pro- teinas, fazendo-se analogia com a formagaéo destas pelos mesmos, nas mais diversas combinagées, e as diversas combinagdes que se fazem com as letras para constituir as palavras. Definem-se os aminodcidos, como 0 termo sugere, um composto organico contendo grupo dcido (carboxilico) e aminico. Eles sao 0 produto da hidrélise das moléculas protéicas, as quais constituem, unindo-se pelos grupos amino e carboxilico ou outros grupos rea- gentes que contenham. O primeiro aminoacido a ser isolado foi a cistina, em 1810, por Wollanston, porém, s6 em 1820, Branconnot, empregando a hidrdlise acida, demonstrou, primeiramente, que os aminoacidos séo o produto de decomposicao primaria das proteinas. Refere-se a descoberta da icina 8 O método de Branconnot por hidrélise acida nao foi reconhecido, de forma geral, como um meio para obtengao de proteinas. Poste- riormente, em 1846, Liebig isolou a tirosina pela hidrélise alcalina da caseina. Em 1867, Kuhne introduziu um novo método para o estudo das proteinas pela digestao com enzimas tripticas. Estes trés processos OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 29 — hidr6lise acida, alcalina e enzimatica — constituiram o roteiro para a investigagdo da estrutura da molécula protéica, no tocante aos aminoécidos. Hoje se aceita como critério necessario para a com- provabilidade de um aminodcido que o mesmo seja liberado, por hidrélise, de uma proteina de pureza comprovada. Deve ainda ser caracterizado por analise de sais e de derivados tipicos, Os amino- 4cidos sao geralmente levogiros, salvo a d-treonina em virtude de sua relagéo espacial com um agucar a d-treose. Como possuem grupamentos COOH e NHz, apresentam propriedades 4cidas e basicas ao mesmo tempo (carater anfotérico). Esta qualidade torna dificil sua titulagéo direta por acidimetria salvo se for bloqueado o grupa- mento NH2, como no método de SORENSEN. Cada proteina se caracteriza por um teor invaridvel em acidos aminados. Como, no entanto, a distribuicdo dos protidios nos alimen- tos animais e vegetais pode variar, o teor em aminodcidos dos ali- mentos pode variar também. Apés a ingestéo das proteinas pelos animais, so elas desdo- bradas em aminodcidos no processo digestivo. So entéo absorvidas no trato digestivo, caindo na corrente circulatéria. Ao nivel dos tecidos cada 6rgao ou tecido retira os aminedcidos necessérios para refazer suas proteinas. Os aminodcidos séo classificados em ciclicos e nao ciclicos. CICLICOs Série Nome Observacées Arométicos, nicleo _ fenilalanina, tirosins Indispensdvel. Derivado benzénico da oxidagéo da fenilale- nina, precursor da tiro- xina e adrenalina. Nicleo plrrélico prolina, hidroxiprolina Abundante na soja. Nucleo imidazdlico histidina Essencial, precursor da histemina. Nicleo Indélico triptofano Essencial, precursor da indoxila e do escato! 30 NAO CICLICOS NUTRICAO ANIMAL Série Nome Ne de C Observagies Monoaminados glicocola c, Abundante principal. | mente nas albuminas e | protaminas Monocarboxilicos —_alanina G Freqiente serina c Apresenta uma fungi alcodlica; abundante nas protel- nas da soja. treonina G Aminodcido alcoétice indispensével valina Cs Essencial leucina & Essencial isoleucina Ge Essencial Diaminados omitina Cy Formam quase a tote- lidade das molécules das_protaminas Monocarboxilicos cy I Cy Estritamente essencial sina G Constitui_ com a histi- dina e a arginina o grupo das bases hexd- nicas (6 dtomos de carbono} Sulfurados cisteina C, Funcdo tiol (—SH) cistina Cy Produto da oxidagao da cisteina para a forma- go de uma ponte dis- sulfurada S—S, abun- dante nas queratinas. metionina G5 Indispensavel Dicarboxilicos cido aspartico c, Nos vegetais Monoaminados 4cido glutamico C, Constitui 20% do caseinogénio OS ALIMENTOS E OS PRINCIPIOS NUTRITIVOS 31 PEPTIDIOS So 0 resultado da ligac&o de diversos aminodcidos cujo nuimero permite classificé-los em oligopeptidios ¢ polipeptidios. Dois aminoécidos podem se unir pela combinagao do radical bdsico de um com o radical dcido de outro. A ligagdo CO-NH que os une 6 chamada ligagdo peptidica. Em teoria a ligacéo dos 25 ou mais aminodcidos naturais poderia cons- tituir um ndmero considerdvel de combinagdes peptidicas. O nome polipeptidio foi proposto por Fisher a um composto de dois ou mais aminodcidos, unidos pelo enlace peptidico. Os polipeptidios tém sido preparados a partir de dois métodos gerais: 1 — a sintese de peptidios de estrutura conhecida pela con- densacgdo de aminodcidos ou seus derivados; e 2 — pela hidrélise parcial das proteinas pela agéo enzimatica, por dcidos controlados, ou hidrdélise basica. Exemplos de peptidios isolados e identificados por comparacao com compostos sintéticos sao: gliciltirosina, alanil-leucina (da fibra da seda), a glicil-leucina e alanil-leucina (da elastina), a prolil-fenil- -alanina (da gliadina). CLASSIFICAGAO DAS PROTEINAS A complexidade das proteinas, que nao permite uma identifi- cacao ou separagao quimica melhor, por métodos quimicos simples, levou a agrupé-las em classes, baseando-se esta classificagao tanto quanto possivel na Quimica e na observagao das propriedades fisicas, mormente a solubilidade. Foram propostas duas classificagdes gerais — uma da American Physiological Society e da American Society of Biological Chemist e a outra da English Biochemical Society. Estas classificagdes agrupam as proteinas em: | — HOLOPROTEINAS (proteinas verdadeiras) a — Protaminas — Soltiveis na 4gua, de cardter basico, ricas em bases hexénicas (30 a 95%), ou seja, em arginina, lisina e histi- dina, nao contendo enxofre, nem acidos aminados aromaticos. En- contram-se nos nucleos celulares do esperma. b — Histonas — Soldveis na agua, nado se coagulam pelo calor, dissolvem-se bem em dcidos muito diluidos ou em solugdes de alcalis fixos. Por hidrélise produzem grande numero de aminodcidos, predominando os basicos, se bem que de cardter bésico menos mar- cante que as protaminas. Contém enxofre e tirosina. Entram na cons- titulgéo das nucleoproteinas e das cromoproteinas (hemoglobina). c — Prolaminas — Insoliveis na dgua, soluveis no alcool a 32 NUTRIGAO ANIMAL 70°, ricas em prolinas e Acido glutamico, nao contém lisina, nem triptofano. Sao exclusivamente de origem vegetal, salvo a proteina do leite isolada por Osborne. Como exemplos tipicos temos a zeina do milho, a gliadina do trigo, a hordeina da cevada. d — Glutelinas — Sao proteinas simples soltveis na Agua pura e no alcool. Soluveis na agua acidulada ou alcalinizada. Sao exclusi- vamente vegetais. Como exemplo temos: a glutelina do trigo, a ori- zeina do arroz, etc. e — Albuminas — Soltiveis na 4gua e em solticéo diluida de (NH;):SOs, insolaveis em solugdo saturada deste sal e no 4lcool. $4o de peso molecular elevado. Exemplos tipicos sao: a ovoalbumina, a soroalbumina, a lactoalbumina e as albuminas vegetais, tais como a leucosina do trigo. Entretanto, a albumina do ovo e a soroalbumina contém carboidratos (residuos) ,devendo assim ser classificadas como proteinas conjugadas, sob a subclassificacéo glicoproteinas. Entre- tanto, as classificacées inglesas e americanas as incluem como albuminas simples. f — Globulinas — Insoltveis na dgua pura, mas soltveis em solugées salinas dilufdas. Sdo de peso molecular elevado. As mais conhecidas sao: soroglobulinas, ovoglobina, a lactoglobulina, a mio- sina, etc Escleroproteinas — Insoltiveis em Agua fria e mesmo em meio acido ou alcalino, muito resistentes aos dlcalis e enzimas, ricas em glicocola, praticamente desprovidas de triptofano e as vezes de tirosina. Sao as proteinas dos tecidos de sustentacao: queratinas ticas em cistina, colageno dos tendées e dos ossos que se trans- formam em gelatina por fervura na dgua, fibrina da soja, etc. Derivados das Holoproteinas — Produtos da hidrdlise das pro- teoses nas quais se distinguem as peptonas e albumoses. | — HETEROPROTEINAS a — Mucoproteinas — A fraco glicidica 6 composta de muco- polissacaridios contendo N-acetil-hexosamina tais como a galacto- samina, a glicosamina em combinagado com um Aacido urénico, tais como os acidos galacturénicos ou glicurénicos. b — Glicoproteinas — Sao aquelas que possuem um radical de carboidrato diferente da forma em que se encontram nas nucleo- proteinas. Contém menos de 4% de carboidratos. c — Fosfoproteinas — Nas quais o grupo prostético 6 o dcido o-fosférico, esterificado como monoéster ou o diéster com o grupo OH dos hidroxilaminodcidos, principalmente com a serina. A caseina do leite e a vitelina da gema do ovo constituem exemplos tipicos. d — Lipoproteinas — Proteinas sollveis na agua conjugadas com colesterol, lecitina, cefalina e outros lipidios.

You might also like