Wisnik Uma Leitura A Caetano Veloso

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Cajun Caetano Velo cxistrmos, 2 que seréque se destina? pois quando ea me deste a rosa pequenina vi que és um homem lindo e que se aca a sina do menino inex nfo se nos iumina ‘ampouco turva-se a Ligrima nordestina apenas & matézia vida ea io fina ‘amos olharmo-nos intacta retina ‘8 cajuina crsalina em eersina VUrswilk, Jase’ bageel. 4h. leyrura De Resin, SP: Kee (MBe (Cajuina transcendental fot Miguel Wel =r G Fa GF cos AA primeira escuta esa cangio nos atrai com o encanto da sua singelera algo enigmtica “Tratarse de uma singelezaeslzada, fica da prépria “mate ‘ia fina da cultura artesanal do Nordeste. Temos af os rendihados sintétcos esonoros tipicos do cantador popular, sua rimica, sua ‘melédica, sua inserumentacio. O xoce chama 3 memétia aquele universe da ‘oral nordstina que Luiz Gonzaga traduziy parse mundo do edi, do ds ds Cag ubana ‘O encantamento ver misturado com estranheras que ele mesmo ora acentua ora disolve. Acangio parece revelar transpa- rentemente 0 seu sentido ¢ 20 mesmo tempo guard intocad, ‘Ao ouvils, pode-se perguntar: que “homer lindo"? que “menino infei? que “sina? 0 que é“cajuina”? As perguntas vertem sobre sees cus ligagies,entemeadas um tecida slusvo e muita su io saltam 3 vista, bora mantenham um poder de convenci- mento que se antecipa a0 entendimento e garanter sua fora. serrune oe rotsin 195 © pomto de parida é2 perguaca pelo sentido da exstene a, No entano, ea no ext al pars ser propsiamente respondida Ge responder & eagotara ratio de ser da pergunta) mas para re. tomar no movimento circular da angio, atulizando-se a cada volta completa da repetigio. O que motiva a pergunta recorrente uma cena, embrada por um sujeltoa um outro que dela parti- cipa: © dom de uma rosa, feito do tu para eu "pois quando ta ime deste rs pequenina"), move a admirag deste (vi que és tum homem lindo") alude av mesmo tempo a um terceiro, 0 “menino infli” cua “sina, por n6s owvintes ignorada, parece despettar nas duas personagens uma emogio contida que s5 en- ‘contra corespondéncia no tuo olhar “intaco”, suspenso para Nigrima mas varado na tansparéncia da “ejuina” 'e ramos cetharmo-nos intacta retinal a cajuina cristlina em cersin’) [sca hima reeréncia remezeinsimamence & cultutspiauiense: ‘ajuina € uma densa e wanslicida bebida de fabricagio cs feia de ca, que esulta da depuragso da masa da fru ‘Assim, a cena que motiva a perguntainicialremete a wma ‘experiencia que permanece pura nds como segrdo, partilhado pelo eve pelo tu internos& cangéo. Tales 0 encantamenta nig: ‘ico de "Cajuina”estea liga ao modo como ela nos fi pa ‘icipar deste segredo: assim como a cajina guards aesincia do ‘ju em sua cransparéncia, tendo decantado radialmente 3 sa ‘matéria, 2 cangio nos fz ir a0 nucleo emacional de wm aconte- simento do qual, no enranto 2 histéra ese subtraid, Paraiso, ¢ preciso que a pergunta pelo sentida do “eitit- mos", dealance universal everta sua fonte singular, que €aqei ‘o acontecimento intesubjetivo, vvido plas pessoas em sua pro- rnominaldade inteansferivel (en-talele, nd), ceca dos indices singelos da medida humana — a cidade de Teresina, «dom da ross pequenina’,a“ligrima nordestina”suspenss, ea mistviosa suséncia de um “menino infela". Se a pergunta remete & cena 196 pose micuee wien «qe a motivou, a ena ns devolve & peru cular, proferida desde sempze no infnitivo pessoal que no inch ‘Amedodiade"Cajuina’€ wm endthad cc em que o fim comverce-se er recomeg, na su pice epetigio. Na gta ‘2sto orginal de Caetano Veloso (Cinema ravtendenta, 1979) 4 cangdo repetese ets vere gual, emboraratzad por vata es insicomentas do aranjo, em especial as fas do acordcom UU ~U-U uesrune pt rossia 207 Ese vero, em qu acorte 0 miximo de tensio acentual em toda a eangio juno com 0 maximo de diveesifiasio melidica {o dpe tensivo da nota mais aguda da media eo desenbo ser peante em sobedesce-e-sobe), antecede imediatamente © verso Final em que ocotre, por sua vee, 0 mximo de regularidade me- lédica (o desenho unidiecional em graus conjuntos)e de regu lardade acentusl, reforgada cabalmente esta iltima pels rimas inernas ("a cajuina crstalina em teresing”). E como se nos dois ‘eos finastvéssemosconftontadas,em seu maior grau de con- ‘enteagio, as diferengaseubjacentes xo movimento prosédico da ‘angio em seu todo. “Temos asim uma espécie de balanceamento insive, dli- ‘ado, entre ae regularidades do apelo somatico do xote€ a5 osci- lags suis do sujeto da fala s voleas com o enigma do destino, do sentido da vida, da auséncia eda identificago com 0 outro © ‘com 0 vatio— cheio de misca, 2.0 texto A pergunta |A pergunta pelo senso da exstncia €a questi ietespon- Aivel que nos constitu a todos, da cranga ao flésofo, Ao final da cstéria de Miguilim o menino fz ese apelo 3 me: "Mae, mas porque é,entdo, para que é, que acontecetudo?". Diante da co- rmovente demands de sentido, que ndo se preenche (nunca seré demas reler essa cena), a mie 6 pode diet: “Miguilim, me abra- 2; meu filhinho, que eu te tenho tanco amor...”. (Ao fundo 0 Papago, Papaco-o-Paco, “sobrecantando”,travtea vlha cangSo 208 hose wrouen wiesem repetindo em eco que s6 se vem pata buscar nosso quinhéo do gosto da vida: "Metre Dominge, que vem fizer aqui? Vim bracar ‘mei pataca, pa beber meu parati..") ‘A questio metafisica, tal como formulada por Heidegger, por sua ver, pode-se dizer que fa parte da familia das questdes ‘do menino do conto de Guimaries Rost do sucito da cangio de Caetano Veloso. Mass se ustrmos aqui idéia de familia como lugar em que se cruzam diferentes posgBesinterpostas, Pois a ‘questio metafisca heideggeriana ndo se apresenta como a pet= runt do flho desamparado (*Mae, mas por que 2"), nem do jemao que partlha a condigio humana (existtmos, 2 que seré ‘que se destina?"), mas de urn Sujeito-ilésfo pai que interpela 0 ser na teceira pessoa, buscando colocatse fora ¢acima da ques- ‘fo que, segundo ele mesmo sabe no entano, deem xeque quem pergunta — “Por que existe afinal entee no antes Nad?” Se fago aqui esse contraponto entre ts verses da mesma pergunta, que se correspondem ¢ nko se confundem, é porgue acredito que a questo irrespondida e fundante, que pasa através da literatura, da cangio, da flosofia © da expeiéncia comum, teadur-se por dslocamentos de modos singulares de procagonins: lhe de apropriar-s dela —a questo —, que por sua verse apro- pia de quem questions. Em sma, a pergunta que intrraga o sentido daexstéacta € um lugar comum destinada erens ree tigio, lugar comum que gana no entanc, a cada “outra vex em quando” (para urarmos ainda uma expresso de Guimaries Rss), 2 sua singularidadeireduivel [No caso da frase de Miguilim a marca singular difeenga que se destaca do fundo comum da pergunta (~..por que & para que é que acontece tudo), esd precisamente nos signi- Ficantes“ Mie, mas... entio.2", onde eta asinalados o apo, ‘0 desamparo, a cobransa da promessa de uma continuidade do sentido, jd perdida, a despedida acusando o golpe de um mundo sesruen ve poesia 209 {que finda, © um puro ndo-verbalizivel que se pode chamar de Amor (a me chamaré explicieamente amor, sabendo que um no ‘erbalizével — "me abrasa, meu ihinho” —tentacobrir a enor midade da il) ‘Sobre a firmula heideggeriana — “porque existe afinal cente € mio antes Nada?” — poceriamos dizer, como 0 proprio Heidegger reconheceu mais tarde, que ela mantém a emposaggo dd “estilo tradicional de questionar da metafisica’ com a “pe _gunta causslmentecondusida plo ‘por que”, de modo tal que © ‘que prevalece mio "0 pensamento do ser" mas “conhecimento representador do ente 2 partir do ente's. Da nossa pat, dirtamos {que hi nela, nese por que —afinal" algo do trago de uma ges- siculagio interplativa que chamad ordem os principio os fins, ‘como se dsseie, com vor da autoidade: “de uma vez por todas — por que iso eno anes aquil?” Dspida da sun cetric, a singuaridade que essa questdo isola exté na preeminéncia que ela dé “estrnhera plena? do «ente “como 0 absolutamente outro — em face do nada", O reba- timento veriginoso entre o ente eo nada vslumbra 0 ser —€a reveligio do nada que nos devolve o exstente para além de si sesmo, ¢ na trinscendénca dese paaalém a “suspensio dentro do nada! que define 0 “sera CCuriosamente, a cangio “Csjuina’ faz parte de um disco comercial que quis se chamar, com toda a estranhera irbnica que |sso comporta, Cinema manscendenal, E de fato ela sustenta, como outta do disco, a difculdade conceitual e até fonética do titulo com a fora prOpria de sua misica ¢ de sua poesia. 0 nome do disco supe a transcendéncia do olhat, como esse olhar que se vEa si mesmo ¢ ao outro, na auséncia. radical de outro, auavés da transparénca absolua da cajulna. Essa wansparén! garda asin o enigma da presenga eda auséncia come flucuagio forte e frag do exincente no nada: “apenas a macéria vida era to 210 rose micuet wisn fina” (pela primera ver posso me aproximar um pouco mais dese verso er seu sentido pré prio). ‘Voltando & pergunta:“existiemos, a que se que se dest 22", Que diz ela, a0 perguntar também a seu moda por que € pra que tao acontece (como faz © menine), no limiar em que ‘nos vemos suspensos ne nada (coma dia filsofe)? A meu ver, 6 que singularaa essa manifestagao da pergunta transcendental, no cao de "Csjuina’ £0 tempo do verbo “exstcmos ito &,0 Infiniti pesoal. Essa forma mio separa, na sua orgers, quem perguats da propria pergunta edo outro, pos da € 20 mesmo empo nome, verbo ¢pronome, ou sj, 0 St, aioe intersub- jesvidade (eu eu ranseendidos em nés, compreendendo syjeios presenter ausentes da interlocugio) Na verdade, a ierupgto direae ctcula do “exsiemos” & uma afiemaglo que tem sua opacidade peépria e sua wansparen- ia num pula quate falado, antes de indagar mais uma vex pelo que seré que serd daquilo a que se destna (mas abrindo a patie de entéo uma cadeia de ecovréncias FOnicas, de “papaco-o-pacos de meia pata’, como diria0 texto rosiano, em brilhos e rimas de tl modo rendilhades que nees bebemos © nosso parat em fim, a cajuioa das cajun). Podemos dizer desde ji que o infiniti pessoal de “xis ‘mos’ ndo estdsozinho, nessa cancio, porque se rflte especul ‘mente um outro momento decisivo do texto: “amas aharmo- ras intaca retina’. Assim, o milo da perguntae também aquilo aque se decanta do que resta de uma resposta para cla tém no infiitvo pessoal o seu tempo, Dito isto, no deira de ser iteresanteobservar, um pouco | margem, que em cango posterior de Cactano Veloso ese ago lingiustico retorna como tema e como problema, aswociando-se uma refleo sobre as originaldades eas possibildades da lingua da cucura em lingua portuguesa. O "infinitvamente pessoal” erruea oe sorsia au do ser deseante, que € objeto-sueito da cangio "O queers (V2, 1984), coresponde a uma possbilidade singular do idioms, ‘como aquelaselencadas na misica“Lingua’ (do mesmo disco) ‘sexes, os nomes em 3,2 "ros no Rosie "pessoa no Pessoa! (o enigma da obra do maior prosador o do maior poeta ds lin gua neste século aparecem al como se jf contidos noe seus res pectivos noms), Nesa perspectivs, o tempo verbal do sujeito da pergunta constii-se de certo modo num sinal daguilo “que pore eo que quer esa lingua” em potéacis Na cangio "Lingua” fase ainda uma dontade que vem 20 cas: “se ood tver uma ida incrvl!€ melhor fazer ua cangSo/ ‘sti provado que s6 € possivelfilosofar em alemio". Ora, esa & justamente uma referencia parédica a0 fto de Heidegger ter alirmade o destino flosofnte da ngua grega e da lingua ale, ‘em contraposig aqui com uma possivel vocagao cancional da lingua portuguesa no Brasil. O cater compensatério da admis- Sio, ironicamente auto-apologéica, dessa voragio menor erisi- velimente deslocida no munda nio deixa de guarda a ambigio dle uma afirmacio podtca, da qual © humor nio esti dscartad, Assim, podemos dizer que a pergunia de “Cajun, “ex. lirmos, 2 que ser que se destina?”, pe como sujito no pro priamente 0 “seat” mas.um "sermos-e-estatmosat, no chio de 1um destino comum e sem nome, interrogado e afiemado através dessa vagem "que realzamos no nada" (como diz a cangio “Te. 15°), junto com o planeta que carrega “a nome de sua cae A visio 0 dom Imediacamente aps a pergunta vem um “poi”, conjungio ‘explicatva algo luruance, que ndo dispae aqui de um poder de 22 Jose aeraven wisn cxplcatividade imediea, Em oustos txmos, a conjungio nto aponcadiretamente para aquilo que a inerrogasio deixau aber (o sentido da existénca), mas abre 2 uma exposigio da czcuns- ‘ncia em que surge a pergunta,e do lugar exstencal de onde cla provém, Assim, a explicago nao versa sobre o enunciado da ietrogasio que acabou de sr fit, que permanccersinticto na sua wansparénciaiespondivel, mas sobce a raz da sua enuncia- ‘fo no encontro entre suits, onde mors o problema, De imediato, a conjungio liga a inetrogasio, através da circunscincia do dom (“quando ws me deste a r0s3 pequenina’) uma vedo Cv") que, tendo seu primeieo impacto na beers do 1 (*homem lindo” iavestdo da grasa de seu geste), compreende no seu arco cudo 0 que o texto diza pantie de entio, até o final da cangio. O raio de ajo sinckico-emntico dessa i inclu expressamenre ads orages subordinadss "que é um homem lindo c que se acaso a sina! do menino infliz nose nos iuminal fampouco curva-se a ligtima nordestna’), © mais duss orgies ‘coordenadas&s subordinadas, que maneém um nex snttico mais frowxo, mas sustentando ainda, em suspensio e distancia, o do ‘objetual com o niicleo da visio: (vi que) “apenas a materia vida ca Go fina? "e (i que) éramos (olbarmo-nos intact retina! & ‘ina crsalina em eresina)” (onde a oro redidareintraduz © infintivo pesoa}. Desse mado, o arco ample do ver desem- boca numa vio da vise que acaba por canter jit eobjetos ‘um nico intextrincivel (predicativo dose) em que cada pes- soa se vée€ vista vendo outea coisa ao mesmo tempo transparen- {ee ausente. Mais uma ver, o medium dessa singulaidade € 0 infinitivo pessoal onde se eruzam o substanivo, 0 verbo €0 pro- ‘nome, agora especularizados no lhar ou, melhor, no aharmo-ne. Se a manifestaga da visio é 2 matétia principal do texto, a intensidade que a dispara ver do gesto da doagio, que jé con tém uma alusio conceatrada a algo partlhado ¢ verbalmente LeITULA bE poesrA a3 ‘nepreso entre ou Pie dar a rst (a dom da lr & 0 dom por excléacia)€ dar um bem voli que foe a0 dominio das fois e dina apenas a marca do geto ente pessoas. Pade-se dlzer qua evanesctrcia do dom ji contéma percep ch gave dade eda praca da vida fuga, ugerida na ‘sna do menino ine tie, Receb-osigiis, a0 mesmo tempo, ctr do objeto que se desfanapostidade de eibuito gest, oque a propia can ‘io dei de fier, imitando a delcadeza da flr ‘pequening [Nese palara singe, por sna, resoa Inge a lembranga do tuo de Luiz Gonzaga e Humberto Teicta ("Puaba’, 1950) smandandoo abrag-dom "pra, pequening’ a Paras husiide « sabrancira no se orl popular. (Na cans "Tera", Cae tano Veloso jf hava everenciado a orga dese bao, dando-he tuna dimen cGsmisa: “na verigem do cinemal mando um brag pra ti pequenina como sel eu fre @sxudoso poeta! ¢ fossa Paatal Tera, Teal por mais distant o erate ave- ane! quem juris ce esquceri”) (Mui, 1978) “Vi que 6 um homem lindo" como i dis, a belera transprece para nds como um aabute da grays da gratuidade, dh dom, Mas cla no des de ser ainda, lem de um dom em i, ‘um posivel tributed relagio wiangulada que une ew e420 “menina infin” contd numa aura de smb elu, Pos ele — «0 menina” — 69 vertice misteriowo da ragaoineepssal de ‘ode provém « para onde vi o sentido do dom, O ouvinede- tinatio da cangio tem qu ini numa toca de dons, setido bscuoe luminoso dese destino, (De todo modo, em “homer lindo” armonis musical pasa do modo menor a0 maior ea relia se alsa, como devolve brlho 20 bilo da bela ‘que vem aa imagers.) 'A partir d visio do dom Ii um movimento de conta psig balanceada ene as ranies para chor, dscreamente referidasna “ina do meno nfl”, por um ldo, ea contengio ad rose wiouee wire «do crago nordestino que transpse a dor esublims a ligrima, por ‘our, O rendilhado dss amitestsconstsio equilfvio oscilate, fig mas auto-sustentado, das negagSes que Se negamn: raat tuto se nos luminal tampouco turea-se (enguanto iss, 3 harma- nia sical abe um ciclo encadeada e “subordinante” de sub- dominant, que ocupa os versos 4e 5). Aqui, 0 jogo de frgasiuminantes e obscurs delcade “A sina! do menino infelizndo se nos lumina’: nese wxneio cstlisico algo abarrocide e tio caracteristco da poesia popular pordestina intersificada pela careira de ir reiterados que po silham nele, © destino do menina, num s6 movimento risico, (ndo) ilumina um duplo objeto deco ambivaleate (x! as). O jogo especulaeerebatdo entre os pronomesreflexivos daterceira pessoa e da primeica do plural deixa ver ainda algo como a con- craluz de um “eclipse oculko", em que a fala aponca assem mes mo afonte de luz, ea opacidade, a conjungso invisvel dos stros (CEeipse ocalto", Uns, 1983). “Turvase a vista através da Igrima ou avisse a ligsima turvarse? 2 discreta metonimia "ampouco turvase 2 ligeima nordestng”) indica que entramos nur jogo especular muito sul em que se substituem cause efio,sujeto e objec, quem estd vendo e quem é visto (além daquele que nto é visto), Também a ligrima, como a lu, etd presente por auséneia,e, ma verde, ddenegala, ou melhor, asumida em sua nordestnidade, que € seu poder de resistincia silences esse jogo sutil de negages aficmativas, ecidas ponto por ponto, desprende-se a levera de um verso jéliberado da trama as coneraposigbes anitticas tdi, despojado ds clos subor- dinantes ¢ do cielo de subdominantes que havia densificado a hharmonia, ¢ onde se canta mais simplesmente, numa cadéncia resolutiva em 46 maior (a nica da cangio) “apenas a maria ida era to fin” (em seu aparecere desapareces, em seu concen- erruna DE poesia 2s trarse€ em seu tanscender-s, © em seu poder, propriamente alquimico, de coagularsee de dissolves), ‘Bac au coincidem num ola “infnitivamente pessoal” que define seu ser-e-estat ('e éamasolharmo-nos"), tansparente na dor suspensa da “inacta retina’, por sua ver cristal como 0 espeho vazio da eajuina em que se mira em ponto de fuga “Intacta retina figura a0 mesmo tempo coma metifora de cjul- ‘na © metonimis do sujcto. Suassonaridadesalteantes eect ‘adas e compacas, que jf ecoavam as de “rampouco sur-se", cspraiam-se, por sua vez, como se se dsslveserm anagramatica- mente na teansparéncia, em “eajuina crisalina em teresina” (onde, fonetcamence,“ristalina”contém “incaca”e “tersina’ coneém “retina’). O objeto direo dese olhar | atharmo-nos € duplo e ambi- valence (como 0 era o de ilumina eon ndo te nev iumina}: 0 pesprio nds que reflec os sjeitos,€ 4 exinina transhicida. Os ‘ujeitos se miram mirando algo — a esénca sem lugar de um luge (eresina),suspensa num olhar que resvala para o nad nada que, no entanta,plenifics © ecitnmor que move a vata sem fim da pergunta, Esse espelhamento que va & rai intereubjeiva do espelho poderialevar-nes a falar em tans/narcissmo, como estado poe: fico de suspensio wanscendental ue contempla fala consi tiva dos sujeitos, © © amor como toca de dons na fla’, dante «da pura presengs 3. O subtexto [Naalkura de 78-79 Caetano Veloso excursionou pelo Nor- deste com o show reltivo a seu disco Muito, e foi pela primeira 26 ost suauet wisnne vera Teresina, onde vista o pai de Torquato Neto, poea elisa {que conhecera em Salvador na primeira metade dos anos 60, ¢ ques comara seu parccitoe depois paricipante do movimento ‘wopicalista em 67-68. Torquato Neto se sucidara em 1972, na data de seu ani- versiro, sob 0 signo de Fscoepio. Se hé sempre quem veja em rmortes como esa algo como um asasinato difuso, que faz do poet uma vitina das cteunstincas, € preciso reconhecer a ins ‘eanseibildade do ato, endo dese dele justamenteaquele que 1 definiea como “pronome! pessoal intransfervel/ do homem ‘que inicie! na medida do impossvel. Marcando com a morte 2 data do nascimento, © poeta nega econfima seu prépro sige no, faze desfr seu destino, expond radicalmente todo 0 seu ser 20 cutto-ireiea de "uma expécie de ea no interior enebroso a semibaries® ‘© tems & antigo, Na sua “Aree poétics", Hordcio dai: “Reconheca-se aos poeus 0 diteto de mover a seu gost: salvat alguém contra sua vontade & 0 mesmo que matilo. Nao é pei reir vez que ele fiz so; irado fora (da sua morte) ndo se tomna- 1 logo um bomem, nio deixar o desejo de uma morte famosa". ssa desejada “morte famosa", a que se refere o poeta antigo, 62 ‘morte enigmitica — podemes dizeeambiguamente sgrada, no sencido em que femonea negativamence, em inquieta e obscura destruigio, is fontes do sagrado ¢ da poesia. “Nio é bastante ara tazio por que vere: se foi por ter usinado mas cinzas do pai, ou por ter profanado com uma ago impuraosiniso lugar ‘onde cau um raio™ ‘Ao desvendar se bastidor de "Cajuns", do conhecimento cdo qual cla independe pars sigorar em sia emogSo ransigurads, ‘quero apenas indicar 0 quanto esa singela cangio contém em seu fundo obscuro¢ luminoso a luta entre pulsces autodestrui- vas ctiadoras que estdo no coracdo da prépra poesia, poesia erroa be roesta 217 com a qual 2 cangio dialogs verricalmente ao dislogar com a _misica popular notdestina. No dor, es revista ainocéncia que preserva, sem deixar de er 2 consiéncia prablemiticae verti rosa da centifugaezo do sujito do mundo. Eseamos 2qui num lugar muito préximo, guatdadas ae dlferengas de géneroe de tom, daquele 2 que se chega no canto “O espeho", de Guimaries Rosa, quando se define (interrogati- ‘vamente) a matéria fina do mundo como sendo aquela “inter «scsi sutlisima “onde secompletam de fze as alms”. Commo aqui 0 mundo se fz da incompletude osclante dos sjetos,te- ida de existrmose de alharmo nor, «vertida no misttio do dom. Guitmardes Rosa agrega ainda a esse misério uma pergun- «a vertiginosa: "Vie? chon a exiir?, Nao menos vertignosa do que a afrmario,colhida de uma letra de Caetano Veloso para uma misca de Djavan "Se eu tvese mais alma pra dar eu daca iso prs mim ¢ vive" Agadecinenon| ‘Av uno Puls Céat Cun Lope, qe lento ber propio 2 fins de Migs 3 Laz Tats plo hos andi pba «tees Francsco Foo Harinan, que ea 4 Are pose de Horio nm texto scone Ana Csina Cts HagueaOalabe, caine sempre 2 Vite Campel, que me cosiou concer aa 9 Pa Nowe " Ain de Tak, que Frnesem um aoe arg modelo pt an se ds elges ene mone les. cote O seme — campos de cane no Bail So Ps, Ed 1998 en Sot de 28 sost rove wise “amp (So Pala, Fact, 194) 0 primeira deena nies as ies de canges de un conan represen de sores oapundo ras eraaemte ein Seg Ta tat pedrinam sHaques consonance egularade teen dos motor mel ri tncosenfattands um obj deta. Na pasion, pedina © alongarmento dar voir co tennamento do campo da srs el tando opis ufo eb ma isin emaconl as datos 2proinagic encore desea A unig enc oto hu mloin rnsabicides carci da ls, Ove don se ‘chem oar canes, ee combiam com predndna mir de um 2 Guimatis Rosa. “Campo gel’ Manas ¢ Mig Cop de ait Fd eompl 1 Rios Nova Agar 9p 981-2 9M. Heidegger "A pices (1929 os Que mea, So Pala, Daas Cade, po ‘den. "Teco (1949) ns Que mance p80 5 Be ead pea ale sr pens coma end igo uns mao fo mio de Nacho, agurda em our cag “Tou videos ago ‘ode Neca ja um des que sed tami recat” Sant lata odoin dlrs’, Emon. Targa Neo. "Marcha evi Orlin as de epi, So Paso, Mat Lionad, 1982. 231, er abi sori VIR VER OUVIR, gue ontém “Testes «0 poems calico en faces "ost RESIN”, 7 ordi “Are potia (Epis Pane” os A pt li, Sho Paul, CaliEdp 1984 p68, sesruea oe sorcia 219

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