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IMPACTOS CAUSADOS POR USINAS HIDRELÉTRICAS EM


COMUNIDADES – ESTUDO SOBRE UHE IRAPÉ, BRASIL
IMPACTS CAUSED BY HYDELECTRIC PLANTS IN
COMMUNITIES – STUDY ON UHE IRAPÉ, BRAZIL
GOMES, Martionei Leitea; MATOS, Élida Elizena Carneiro deb; OLIVEIRA, Nilton Fernandes dec; LEMOS,
Adriano Camposd; FRANCISCO, Karla Helenae.

ARTICLE INFO ABSTRACT

Resumen en inglés. Holder of one of the largest volumes of surface water on the
Recibido: octubre 2020 planet, Brazilian’s economic development was based on the construction of large
enterprises, with hydroelectric plants (HEP) being the main ones. With the
construction of works of this size, many impacts are generated in the
environmental, economic and mainly social spheres. The proposed study aimed to
Aceptado: marzo 2021
list the main anthropic impacts caused by the implantation of HEPs and what are
the main approaches adopted to mitigate these impacts, through the case study of
HEP Irapé, a plant located in the northern region of the state of Minas Gerais, in
Palabras clave: Mitigação de Brazil and been in operation since 2006. As a methodology, quantitative research
impactos; Participação social; Rio and bibliographic review were used to develop the study, listing through these the
Jequitinhonha, UHE Irapé, main actions implemented in the studied area. As a result,it was concluded that
Reassentamento. social participation and technical monitoring in relocation in projects in major works
is essential to enable the involvement of families in the process, to mitigate the
anthropic impacts caused by resettlement and to promote socioeconomic
development in the affected communities.
Keywords: Impact mitigation;
Social participation; Jequitinhonha
River, Irapé HPP, Resettlement.
Resumen en español o portugués. Detentor de um dos maiores volumes de
água superficial do planeta, o Brasil teve o seu desenvolvimento econômico
fundamentado na construção de grandes empreendimentos, sendo as usinas
ISSN 2789-3855 hidrelétricas (UHE) os principais deles. Com a construção de obras deste porte,
muitos impactos são gerados nas esferas ambientais, econômicas e
principalmente sociais. Deste modo, o estudo proposto teve como objetivo elencar

a
Doutorando do Curso de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – MG. Coordenador do Projeto de P&D
“Desenvolvendo pessoas e ferramentas sociais” pela Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana, Brasil,
martionei@cdm.org.br.
b
Mestranda do Curso de Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA – MG. Pesquisadora do
projeto de P&D “Desenvolvendo pessoas e ferramentas sociais” pela Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana,
Brasil, elida.carneiro@cdm.org.br.
c
Doutorando do Curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa – MG. Gerente do projeto pela CEMIG Geração
e Transmissão S.A., noliveira@cemig.com.br.
d
Especialista em Planejamento e Gestão Ambiental e Gestão Empresarial. Engenheiro de Meio Ambiente da CEMIG Geração e
Transmissão S.A., lemos@cemig.com.br.
e
Especialista em Gerenciamento de Recursos Hídricos pela UFMG. Engenheira Ambiental e Sanitarista pelo Centro Universitário
UNA. Pesquisadora do projeto de P&D “Desenvolvendo pessoas e ferramentas sociais” pela Cooperação para o Desenvolvimento
e Morada Humana, Brasil, karla.helena@cdm.org.br.
Volumen 1 Número 1 os principais impactos antrópicos causados pela implantação de UHEs e quais as
principais tratativas adotadas para mitigação destes impactos, através do estudo
de caso da UHE Irapé, usina localizada na região norte do estado de Minas
Gerais, no Brasil e que está em funcionamento desde 2006. Como metodologia,
Enero a abril 2021 utilizou-se a pesquisa quantitativa e a revisão bibliográfica para desenvolvimento
do estudo, listando através destes as principais ações implantadas na área
estudada. Como resultado, concluiu-se que a participação social e o
acompanhamento técnico em projetos de remanejamento em obras de grande
porte é fundamental para possibilitar o envolvimento das famílias no processo, a
© 2021 All rights reserved mitigação dos impactos antrópicos causados peloreassentamento e promover o
desenvolvimento socioeconômico nas comunidades afetadas.

I. INTRODUCCIÓN pode ser vista como a ‘chegada do estranho’, 68 61


como algo que assusta e ao mesmo tempo
Segundo Bresser-Pereira (2003), o instiga. Assusta por ser o “novo’, que gera
desenvolvimento de um país está diretamente rupturas em estruturas já estabelecidas nas áreas
ligado as alterações políticas, econômicas e de implantação. Também instiga por ser ‘novo’ e
sociais de uma nação, cujo objetivo é tornar o vir embalado por discursos de desenvolvimento
crescimento do padrão de vida populacional que podem transformar essas estruturas já
autônomo e automático. Trata-se de um processo estabelecidas e muitas vezes já estagnadas.”
complexo e profundo onde estes três pilares Com o intuito de contribuir com base teórica
passam, simultaneamente, por decisivas para novos projetos de grandes
transformações. empreendimentos, o estudo proposto tem como
Após a Segunda Guerra Mundial, em objetivo elencar os principais impactos antrópicos
meados da década de 1950, o Brasil passou por causados pela implantação de usinas
este processo de transformação, através de uma hidrelétricas, através do estudo de caso da UHE
impetuosa etapa de industrialização, requerendo Irapé, em funcionamento desde 2006 e localizada
robustos investimentos em infraestrutura para na região nordeste do Estado de Minas Gerais
promover a indústria nacional (BORTOLETO, (CEMIG, 2015).
2001). Mesmo com a implantação de diversas
Grandes investimentos foram feitos nos ações sociais e econômicas por parte da
setores ferroviários, siderúrgicos, da navegação e Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG),
no setor de energia. A instalação de centrais concessionária responsável pela construção e
hidrelétricas além de contribuir com operação da usina, após mais de 15 anos alguns
desenvolvimento da infraestrutura nacional impactos ainda são mencionados pelos
atraindo novas companhias, teve como objetivo moradores reassentados. Com base nisso, serão
também o crescimento dos territórios onde foram abordadas também quais as principais tratativas
instaladas (BORTOLETO, 2001; BRESSES- adotadas pela companhia para mitigação desses
PEREIRA, 2003). impactos na vida das comunidades locais.
Juntamente com estas transformações
políticas e econômicas, conforme escrito por II. MARCO TEÓRICO-CONCEPTUAL
Bresser-Pereira (2003), temos também as
transformações sociais, que por não terem sido O início do setor elétrico e funcionamento das
tão bem planejadas, trouxeram profundos usinas hidrelétricas no Brasil
impactos para as localidades e para quem nela
vivia. Para a implantação de grandes obras e Diante da crescente necessidade do
empreendimentos, muitos territórios foram governo brasileiro de promover o
apropriados sem que os reassentados tivessem desenvolvimento econômico nacional, e também
qualquer tipo de envolvimento nos processos de com o aumento da necessidade de ampliação da
negociação, causando severos impactos produção de energia no país em função do início
ambientais, sociais e econômicos às da industrialização, no final do século XIX iniciou-
comunidades afetadas. se a construção de usinas hidrelétricas em alguns
Para Bortoleto (2001, p. 56), “a implantação pontos do país (PEREIRA, 2015).
dos grandes projetos, nas regiões de locação,
Inicialmente os projetos eram pequenos, existentes no país. Com uma potência total
para atendimento as zonas municipais, cujo instalada de mais de 98 mil MW, as UHEs
objetivo era suprir a necessidade das indústrias representam 60% de toda a energia elétrica
locais, bondes elétricos e a iluminação pública. gerada no território brasileiro por fontes diversas
Posteriormente, os novos projetos foram (eólica, solar, nuclear, térmica e hidráulica) (CIEB,
ganhando estrutura, de acordo com os 2019).
investimentos e as tecnologias empregadas O Brasil possui hoje o terceiro maior
(CARVALHO, 2013). potencial hidrelétrico do mundo, sendo
De 1880 a 1930, durante a República Velha, responsável pela geração de 10% da energia
o início do setor elétrico no Brasil foi elétrica mundial, ficando atrás apenas da China
caracterizado pelo monopólio dos grupos (13%) e da Rússia (12%). Esse potencial leva
estrangeiros, com quase nenhuma atuação do energia elétrica para cerca de 92% da população
Estado. Entre 1930 a 1945, ocorreu a brasileira (PEREIRA, 2015).
regulamentação do setor no país e a elevação do 67
62
uso da capacidade das usinas já instaladas, com
o intuito de aprovisionar a demanda existente
(CARVALHO, 2013).
Com a queda do Estado Novo e a
promulgação da Constituição Federal de 1946, o
período entre os anos de 1945 a 1962 foi
baseado no investimento em infraestrutura, com o
objetivo de garantir o desenvolvimento nacional.
Mas foi em 1961, após a criação da Eletrobrás
Centrais Elétricas Brasileiras S.A., que ocorreu a
aceleração nas instalações hidrelétricas no solo
brasileiro, impulsionando a construção de novos Figura 1
grandes empreendimentos (CARVALHO, 2013; Localização das UHE no Brasil.
PEREIRA, 2015).
De lá pra cá, o setor elétrico passou por
diversas reestruturações, por implantação de
novas tecnologias e privatizações no país,
expandindo cada vez mais sua atuação e a busca
por novas fontes de energia. Entretanto, é
incontestável que historicamente, o
desenvolvimento do setor elétrico no Brasil deu-
se através da criação e expansão das usinas
hidrelétricas (CBIE, 2019). Este fato é baseado
em um princípio: a grande disponibilidade de
recursos naturais no território brasileiro.
O Brasil é um dos países que possuem a
maior malha hidrográfica mundial, contando com
12% da água doce superficial do planeta e com Fonte: ANEEL, 2020.
12 bacias hidrográficas em todo seu território,
sendo a precipitação o principal responsável pela As UHEs são grandes empreendimentos
entrada deste recurso no ciclo hidrológico do país compostos basicamente pela casa de força, o
(ANA, 2019). O potencial hidráulico em junção vertedouro, pela adução de água, o sistema de
com a geografia brasileira, composta por um captação e pela barragem, onde o processo de
relevo de variadas elevações, são fatores geração de energia consiste no uso da força das
favoráveis e determinantes para a construção de águas para movimento giratório das turbinas,
reservatórios para instalação de usinas transformando a energia cinética em energia
hidrelétricas no país (CBIE, 2019). elétrica (ANEEL, 2008).
Atualmente o Brasil possui hoje 217 usinas Para a instalação destes grandes
hidrelétricas instaladas ao longo de seu território, empreendimentos, enormes áreas ribeirinhas,
conforme demonstra a Figura 1, sem contar com comunidades e até cidades são desapropriadas
as micro e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em prol do desenvolvimento econômico do país.
Os impactos causados por obras deste porte um componente ausente em muitas localidades,
devem ser analisados individualmente, pois cada tornando o desenvolvimento e crescimento
empreendimento tem sua tratativa e econômico raso e passageiro (BORTOLETO,
procedimentos, mas geralmente para o processo 2001).
de instalação é necessário que o empreendedor Muitos empreendimentos são implantados
obtenha as licenças: licença prévia (LP), licença de forma acelerada, sem a devida participação da
de instalação (LI) e licença de operação (LO). população diretamente afetada nas etapas
Para operar regularmente, a LO é renovada decisórias. Essa tímida ou nula participação tende
de tempos em tempos, conforme quesitos a minimizar a real dimensão dos efeitos causados
estabelecidos no Termo de Acordo (TA), que no no modo de vida das comunidades ribeirinhas
caso da UHE Irapé foi estabelecido entre o pela instalação das UHEs (BORTOLETO, 2001;
Ministério Público e a CEMIG, sendo o CARVALHO & GUERRA, 1995).
acompanhamento feito pela Fundação Estadual Os impactos sentidos no meio antrópico são
do Meio Ambiente (FEAM). relacionados diretamente a realocação das 68 63
Para obter a LP o empreendedor precisa propriedades dos moradores afetados, alteração
apresentar um Estudo de Impactos Ambientais esta que modifica profundamente a dinâmica e o
(EIA) e um Relatório de Impactos Ambientais relacionamento populacional, a economia local e
(RIMA). Estes são estudos complexos que a ligação com o patrimônio cultural de uma
abrangem questões ambientais, sociais, culturais comunidade (CARVALHO & GUERRA, 1995).
e econômicas de toda a área atingida, bem como Após essa realocação, destaca-se um
apresentação de propostas e ações para importante fator na vida do morador reassentado,
mitigação dos impactos gerados pela instalação que é a organização socioespacial. Nas
do empreendimento. comunidades antigas, essa organização tem
A etapa de elaboração dos relatórios é um como objetivo estabelecer conexões, sejam elas
processo em que comunidades, pessoas físicas e comerciais, sociais, familiares ou religiosas, que
jurídicas devem ser consultadas para muitas vezes são desestruturadas com o
compreensão de todas as necessidades para que reassentamento. Sem a participação comunitária,
a instalação do empreendimento possa ser essas conexões podem ser perdidas
autorizada. Esse processo, devido a urgência (BORTOLETO, 2001).
para início das atividades no empreendimento e Existem também impactos causados
também pelo desgaste que normalmente se gera quando as negociações para o reassentamento
em função das negociações, em muitos casos é são feitas em concomitância com a construção do
feito de forma acelerada, com poucas ou singelas empreendimento. Com a pressão para início das
participações dos envolvidos, causando efeitos operações da UHE, o processo de
significativos na vida dos reassentados. reassentamento é feito de forma impetuosa,
acarretando em prejuízos para os reassentados e
Os impactos antrópicos causados por UHEs e para o empreendedor, visto que podem surgir
o processo de remanejamento das famílias da gastos que não estavam previstos no projeto,
UHE Irapé mas devido a urgência e cenário, deixam de ser
opção e passam a ser obrigatório.
A geração de energia por meio das UHEs é A Usina Hidrelétrica de Irapé (UHE Irapé)
considerada uma fonte de energia limpa, visto teve sua construção iniciada em 2002 entre os
que toda a matéria prima utilizada no processo é municípios de Berilo e Grão Mogol, no noroeste
composto por um único recurso: a água. No do estado de Minas Gerais. O empreendimento
entanto, a implantação de um empreendimento abrange também as cidades de Botumirim,
deste porte traz consigo muitos impactos, tanto Turmalina, Cristália, José Gonçalves de Minas e
positivos quanto negativos, não só para as Leme do Prado (CEMIG, 2006).
comunidades residentes em suas proximidades, Considerada uma das mais alta usinas
mas também para o ambiente e meio biótico da hidrelétricas do país, com 208 m, a UHE Irapé
região (DIAS & PEREIRA, 2014). possui potência instalada de 399 MW. Para a
É perceptível a dinamização do implantação da usina, foi necessário o
desenvolvimento regional após a implantação das alagamento de uma área total de 137,16 km²,
usinas hidrelétricas. Entretanto, é válido ressaltar atingindo zonas urbanas e rurais de até 150 km
que tal desenvolvimento só se consolida a partir do rio Jequitinhonha (CEMIG, 2006).
da articulação com políticas públicas, sendo este
A implantação da UHE Irapé impactou alguns se rejeitaram a responder, outros não tem
diretamente muitas famílias e comunidades mais condições físicas e ou mentais para tal.
inseridas nos sete municípios diretamente Através da avaliação dos questionários e
afetados, incluindo uma comunidade com base na revisão bibliográfica em documentos
remanescente de quilombo. O projeto de e estudos realizados sobre a UHE Irapé, serão
remanejamento foi composto pela indenização listados os principais impactos antrópicos citados
monetária, a troca de terra por terra, a realocação pela comunidade atingida e as tratativas
em propriedade remanescente a atingida e o implementadas pela CEMIG para mitigação dos
reassentamento, sendo este último considerado danos causados.
como prioridade pelo Ministério Público Federal Os principais documentos revisados foram o
(CEMIG, 2015). Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de
Programas sociais e ambientais foram Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da UHE Irapé,
realizados na região, em atendimento as outros relatórios produzidos pela concessionária e
condicionantes previstas no licenciamento estudos e textos produzidos por especialistas, 67 64
ambiental e com o intuito de garantir e preservar mestres e docentes que utilizaram a área
a cultura, história e economia das famílias escolhida como base para estudo de caso.
reassentadas. Os programas contaram também
com assistência técnica rural para as famílias IV. ANÁLISIS DE RESULTADOS
remanejadas e estudos e controles ambientais,
antes, durante e depois da implantação da UHE O impacto positivo mais citado, foi o fácil
Irapé (CEMIG, 2015). acesso as novas propriedades, seguido pela
fertilidade das novas terras e pela estrutura das
III. MARCO TEÓRICO-METODOLÓGICO moradias construídas pela CEMIG. Outros pontos
também foram citados, tais como o acesso à
O presente estudo utilizou-se da abordagem serviços públicos, a liberdade de escolha da
quantitativa de pesquisa, baseado em um propriedade e os tratamentos e assistências
levantamento censitário, aplicado entre os meses recebidos. A questão do acesso facilitado é
de março a junho de 2019 pelo Instituto Pólis relevante, pois a maioria vivia isolado, com pouco
Pesquisa Ltda1. O questionário foi elaborado pelo convívio social e com menor mobilidade para
instituto em conjunto com a equipe do projeto, adentrar a cidade e usufruir de seus benefícios,
sendo este aplicado nos grupos de familiares como a compra de insumos, escoamento de
remanescentes que foram reassentados ao longo produção e o uso de serviços públicos como a
dos diferentes municípios da região. saúde e educação.
A pesquisa quantitativa, realizada in loco Das opções de indenização oferecidas, o
contemplou perguntas diversas, algumas com reassentamento foi declarado pelo Ministério
possibilidade de respostas múltiplas, sendo Público Federal (MPF) como prioridade no projeto
respondido pelo responsável maior idade do de remanejamento, contando com a formação de
domicílio, ou pela pessoa identificada como o grupos para o reassentamento coletivo, onde
reassentado que recebeu a indenização (ou seja, cada morador reassentado recebeu no mínimo
que era o proprietário das terras, com ou sem uma área seis vezes maior que a fazenda de
título de propriedade, antes do processo de origem.
mudança). Conforme já mencionado, foram sete as
Ao total, 368 famílias reassentadas pela cidades diretamente afetadas pela implantação
CEMIG participaram da pesquisa, sendo aplicado da UHE Irapé, mas os reassentados puderam
o mesmo questionário para todos os domicílios escolher, dentre três opções oferecidas, as
participantes, possibilitando a comparação das propriedades que receberiam como indenização.
respostas obtidas. Os resultados foram tratados Para poder ofertar locais que tivessem
por meio de análise estatística, contendo características semelhantes as anteriores, o
percentuais e valores absolutos. É importante empreendedor precisou identificar propriedades
ressaltar que mais pessoas reassentadas em pelo menos 18 cidades, dentre elas,
remanescentes foram identificadas, no entanto Turmalina, Berilo, José Gonçalves de Minas,
Leme do Prado, Botumirim, Cristália e Grão
Mogol.
1
Instituição privada de pesquisa social, de opinião e Conforme Figura 2, nas terras de origem as
mercado. moradias dos ribeirinhos eram muito simples,
geralmente sem forro, de adobe e telha, sendo, intuito de preservar os laços culturais e de
segundo técnicos da Emater-MG, ambientes vizinhança existentes nas comunidades afetadas.
propícios à proliferação de barbeiros. A instalação Por exigência das famílias afetadas pela
das novas propriedades, conforme demonstrado implantação da UHE Irapé, um convênio entre a
na Figura 3, contou com ambientes mais CEMIG e a Empresa de Assistência Técnica e
estruturados, com a construção de casas de Extensão Rural do Estado (EMATER) foi
alvenaria, canalização de água para consumo e realizado para que a empresa fornecesse para as
de esgoto para tratamento e energia elétrica. famílias assistência técnica para produção
agrícola e uso do solo por um período de oito
anos a partir da implantação do empreendimento.
Os reassentados receberam além da assistência
Figura 2 técnica, sementes, mudas, adubos e terra
Moradias antigas. corrigida e preparada para o plantio. O serviço foi
prestado buscando a consolidação da agricultura 68 65
e a possível ampliação da produção familiar.
O projeto também contemplou benfeitorias
coletivas e estruturação viária. Foram construídos
em algumas propriedades sistemas para
captação de água pluvial, além dos reservatórios
de abastecimento de água comunitário. Serviços
públicos, como escolas, postos de saúde e postos
telefônicos, que anteriormente só podiam ser
acessados se houvesse o deslocamento para
áreas urbanas, também foram instalados para o
uso dos moradores das comunidades
Fonte: CEMIG, 2015. reassentadas.
Alguns impactos relatados pelos
Figura 3 reassentados, no entanto, constam tanto como
Novas moradias. positivos quanto como negativos, como é o caso
da água. Para alguns, após o reassentamento
este recurso apresenta boa qualidade e volume
abundante, atendendo a necessidade da família.
Entretanto, mesmo com a queda de participantes
no questionário de impactos negativos (267
moradores respondentes), este foi o problema
mais citado entre os entrevistados.
A convivência com os recursos hídricos
sempre foi algo muito presente na vida dos
antigos ribeirinhos. A proximidade e o uso
ilimitado deste bem garantia a existência de
atividades de subsistência como a pesca e o
garimpo, além de ser parte importante na
agricultura local, assim como fonte de lazer e
sociabilidade das comunidades. Com o
Fonte: CEMIG, 2015. reassentamento, muitas famílias foram
realocadas para propriedades que estão longe do
Dois povoados foram realocados em novas leito do rio, alterando a convivência relatada
fazendas nas cidades de origem, o povoado de anteriormente.
Peixe Cru e de Porto Coris, sendo o último uma Apesar dos esforços da CEMIG para a
comunidade remanescente de quilombo onde o instalação da infraestrutura de saneamento para
trabalho foi acompanhado pela Fundação Cultural as comunidades (água e esgoto), outros
Palmares, ligada ao Ministério da Cultura. Os dois problemas foram criados a partir dessa
tiveram reconstruídas as casas, escolas, implantação. Como o sistema de abastecimento
comércios e praças similares as originais com o de água é comunitário, as bombas estragam com
frequência, gerando atritos entre os moradores.
Outro ponto é a dificuldade técnica para sociabilidade eram maiores que as atuais. Antes
manutenção, onde poucos possuem do reassentamento os moradores participavam de
conhecimento para realizar a atividade, se festas populares e religiosas, que hoje não
tornando mais um gasto com a solicitação de ocorrem mais. Essa dispersão, conforme
serviços de terceiros. demonstra a Figura 4, e rompimento do vínculo
O segundo maior impacto negativo segundo familiar vem acompanhado da sensação de que
os participantes está relacionado com a anteriormente a solidariedade era mais presente
mobilidade dos moradores, devido as estradas entre os vizinhos.
em estado precário e a falta de uma ponte. Este Figura 4
também foi um item elencado como impacto Mapa de localização das novas fazendas.
negativo, no entanto essa não é a realidade para
todas as famílias reassentadas. Para minimizar
este impacto, em fevereiro de 2019, foi construída
pela CEMIG uma ponte na comunidade de Itira 67
66
para travessia do rio Jequitinhonha, a pedido dos
moradores, com o objetivo de oferecer maior
mobilidade às famílias reassentadas.
Algumas etapas do projeto, entretanto,
ainda estão em andamento, como é o caso da
regularização e entrega da documentação do
terreno aos proprietários (Títulos de Propriedade),
terceiro impacto negativo mais citado pelos
entrevistados. Sem a documentação necessária
os produtores não possuem acesso a créditos e Fonte: Elaborado pelos autores.
financiamentos governamentais para
continuidade ou ampliação da produção familiar. Outro impacto negativo citado pelos
Até o final de 2019, 85,8% dos títulos já haviam respondentes está relacionado com a moradia. O
sido regularizados e entregues aos novos donos, item que foi considerado um impacto positivo para
porém devido à complexidade e morosidade muitos, visto que as casas anteriores tinham
deste processo, esta etapa ainda não foi pouca infraestrutura, também foi elencado como
concluída. Contudo, a CEMIG se mostra um impacto negativo por outros. Muitos
comprometida a finalizar a entrega dos títulos o entrevistados alegam que após o
mais breve possível. reassentamento, as moradias apresentaram
Segundo as famílias entrevistadas, a renda alguns problemas construtivos, e que os reparos,
familiar hoje é maior que nas antigas em maior parte, foram custeados pelos próprios
propriedades. No entanto, as despesas moradores e familiares.
acompanham proporcionalmente este Passada mais de uma década do
crescimento, sendo maiores que antes. Um novo reassentamento, a satisfação com a qualidade de
custo, que não era algo que eles vivenciavam, era vida foi manifestada por 88,9% (327
com a correção do solo para produção agrícola. A respondentes) dos reassentados remanescentes.
má qualidade do solo ou a improdutividade das 11,1% (41 respondentes) entretanto,
terras foram muito citadas no questionário e como expressaram através do questionário sua
a agricultura local é de subsistência, muitos insatisfação com a qualidade de vida atual.
precisam utilizar de adubos e demais produtos Muitos impactos negativos elencados pelos
para garantir sua produção. entrevistados – tais como acesso, transporte e
Sabendo do impacto social ocasionado pelo saúde – estão também ligados a aplicação de
reassentamento e da possibilidade de perda políticas públicas locais, que necessitam de
cultural gerada pela implantação da UHE Irapé, a desenvolvimento para atendimento da população
CEMIG construiu dois centros de referência e residente. Apesar do empreendimento ter
memória da região de Irapé. Um deles dentro da beneficiado a região do Vale do Jequitinhonha em
própria usina, e outro, na comunidade de Porto muitos aspectos, como o aumento no repasse do
Coris, contando com a exposição de objetos, ICMS arrecadado à cidade de Grão Mogol,
maquetes e fotografias locais. aumento da movimentação econômica nas
Ainda assim, alguns entrevistados relatam cidades atingidas e geração de empregos, a
que nas terras antigas, as oportunidades de região atingida ainda sofre com a ausência de
políticas públicas sólidas e permanentes para famílias reassentadas do que o modelo
ampliação do desenvolvimento social e comunitário.
econômico dos territórios. Uma fala marcante das famílias é de afirmar
que, no que diz respeito ao acesso a água, a
empreendedora assegurou que os reassentados
não teriam problemas com este recurso. Mas na
prática, em comparação a como viviam nas terras
V. CONCLUSIÓN
de origem e mesmo ao que se demonstra como
ideal para o dia-a-dia, o acesso a água para todas
Considerado pela CEMIG como um dos as vivências – consumo humano, recreação,
maiores e mais completos Termos de Acordo já irrigação e dessedentação animal – se tornou um
desenvolvidos pelo setor elétrico em área rural no problema para grande parte dos reassentados.
Brasil, o processo de reassentamento da UHE Outro quesito que também trouxe efeitos
Irapé apresentou pontos consideráveis, que negativos foi a realização da etapa de 68 67
podem ser utilizados como modelo e contribuir de reassentamento concomitante à implantação da
forma positiva na implantação de outras grandes UHE Irapé, trazendo prejuízos tanto para as
obras no país. famílias atingidas quanto para a CEMIG. Com um
A assistência técnica e social fornecida prazo maior, os diálogos poderiam ter sido feitos
pelos convênios promovidos pela concessionária, de forma mais qualificada, evitando o surgimento
foram declarados pelos grupos familiares como de alguns conflitos durante o processo de
fatores importantes no projeto de remanejamento. instalação, e caso aparecessem, esses conflitos
Além dos conhecimentos adquiridos no manejo fossem tratados com prioridade.
da terra para o plantio, o acompanhamento Por fim, um dos pontos mais importantes
auxiliou na adaptação aos novos territórios e no em todo o processo é o estabelecimento de
desenvolvimento econômico e humano das confiança que deve ser criado entre
famílias reassentadas. empreendedor e atingidos. Não no sentido de
A participação de movimentos sociais e das ludibriar ou tirar algum proveito no processo de
associações também se mostrou positiva no negociação, mas de deixar claras e com garantias
processo de reassentamento, tornando-se um de compreensão as informações sobre o
agente fundamental para ampliar e assegurar o andamento de situações individuais e coletivas,
conjunto de direitos aos atingidos pela UHE Irapé. além de, com isso, minimizar os impactos no
No entanto, é importante constar que a relacionamento entre as partes.
participação desses movimentos e associações A melhoria na eficiência e na qualidade de
não substitui a participação ativa de lideranças um programa de remanejamento, baseia-se em
comunitárias legitimadas, tão pouco a entender o sentimento, o desejo e as
participação direta das famílias atingidas nas necessidades de cada pessoa, de forma
etapas de negociação. específica. A realocação é um ato complexo, que
Apesar da ocorrência de êxodo por parte de envolve muitos quesitos além dos físicos na vida
algumas das famílias que receberam das comunidades. A participação social é a
indenizações em espécie, a maior parte dos principal ferramenta que possibilita entender essa
grupos reassentados permaneceu nas novas complexidade. Embora tal etapa torne o processo
propriedades, devido as melhorias em mais trabalhoso ou demande mais tempo, mas
infraestruturas como acesso aos centros urbanos não necessariamente o torna mais oneroso ao
e algumas políticas públicas implantadas na projeto e pode se tornar o diferencial para garantir
região. uma boa qualidade de vida a todos os
No entanto, o processo também contou com reassentados.
pontos que devem ser desenvolvidos para
implantação de novos projetos. Após o
reassentamento, um ponto de desenvolvimento e
AGRADECIMIENTOS
melhoria seria a alteração no modelo de
abastecimento de água das comunidades. De
acordo com os impactos citados pelos A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)
entrevistados, os sistemas de abastecimento de e a CEMIG (Companhia Energética de Minas
água individuais, como os poços artesianos por Gerais), por serem as agências financiadoras
exemplo poderia ser mais vantajoso para as deste estudo, que integra o projeto de pesquisa e
desenvolvimento intitulado: “Desenvolvendo EP / FEA / IEE / IF da Universidade de
pessoas e ferramentas sociais”. Gerenciado por São Paulo, São Paulo.
Nilton Fernandes de Oliveira e coordenado por
Martionei Leite Gomes. Programa: Ciclo 2018. CEMIG Geração e Transmissão S.A. UHE Irapé:
ações socioambientais – o passado e o
REFERENCIAS presente. Relatório apresentado a
Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Agência Nacional de Energia Elétrica. (ALEMG). Agosto, 2015. 92p.
(2020).Atlas de Energia Elétrica do Brasil.
Parte II: Energias Renováveis – Energia Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais.
Hidráulica. Brasília: Aneel, 2008. 236p. (2020). Irapé. Disponível em:
Disponível em: <http://www.cemig.com.br/ptbr/A_Cemig_e
<https://www.aneel.gov.br/documents/656 _o_Futuro/sustentabilidade/
nossos_programas/ambientais/Irape/ 67
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