Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 17
ANOCAO DE INCERTEZA NOS POS-KEYNESIANOS E INSTITUCIONALISTAS: UMA CONCILIAGAO POSSIVEL? Fernando Ferrari Filho” Octavio Augusto Camargo Conceigao “Dhere seems to me to be no other economist with whose general way of thinking [feel myself in such genuine accord” Keynes para Commons (1927) ‘Resumo: O objetivo do artigo consiste em mostrar que as teorias pés-keynesiana einstitucionalista tm pontos de confluéncia que nos levam, no somente a entender as instabilidades das economias monetrias, mas, principalmente, a compreender arelevineia do papel das insttuges no processo de coordenapio das mesmas Palavras-chave: Teoria Pés-Keynesiana; Teor Institucionalisia; Incerteza Abstract: This article sims at showing that Post Keynesian theory and Institutional theory have some comm: points that holp us to understand not only the instability of the monetary economies, but, mainly, 1 Importance ofthe institutions inthe ea-ordenation process of « monetary economy Key words: Post Keynesian Theory; Institutional Theory; Uncertainty cago da ANPEC: 01 casio do Journal of Economie Literature: BS © B22. * professor titular do Departamento de Feanomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do CNPg, E-toil feraei@utres by * professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do ‘economists da Fundasio de Eeonomia ¢ Esttistiea RS, E-mail: octaviow@ fe tele br INTRODUGAO Keynes e os pés-keynesianos mostram que, em um mundo incerto ¢ desconhecido, os agentes preferem reter moeda ao invés de tomar decisdes de gastos. O resultado dessa racionalidade & a insuficiéncia de demanda efetiva. Os institucionalistas, por sua vez, entendem que © “ambiente econdmico” ndo tem nenhuma referencia com a nogdo de equilibrio, Em ambas as correntes, podemos observar pelos menos dois aspectos essenciais & ‘compreensio da dinimica das cconomias contemporaneas, quais scjam: (i) a economia é um processo histérico e (ii) as. instituigdes, tanto econdmicas quanto politicas, sto imprescindiveis para “modelar” os eventos econémicos. Nesse sentido, as teorias pés- keynesiana ¢ institucionalista objetivam responder as seguintes perguntas: Como ocorre processo de decisio racional dos agentes? Mais especificamente, como os agentes formam suas expectativas para poupar ou investir? Por que eles retgm (ou nao) moeda? Pode o ambiente institucional influir nas referidas decisbes? E de que forma? As respostas para esas questies constituemt-se no proprio link entre as referidas teorias: 0 conceito de incerteza, Incerteza é o elemento fundamental da teoria de Keynes. Conforme Minsky (1975, p.57) para entender Keynes “it is necessary to understand his sophisticated view about uncertainty, and the importance of uncertainty in his vision of the economic process. Keynes without uncertainty is something like Hamlet without the Prince”. Para os institucionalistas © conceito de incerteza perpassa, entre outros aspectos, a idéia de racionalidade limitada claborada por Simon (1983), através da qual, diante de informagdes incompletas, as estratégias sdo caracterizadas por convengdes. 0 objetivo do artigo é mostrar que as teorias pés-keynesiana ¢ institucionalista pontos de confluéncia que nos levam, ndo somente a entender as instabilidades das ‘economias contemporaneas, mas, prineipalmente, a compreender a relevancia do papel das es no processo de coordenagiio das mesmas. © artigo esti dividido em ts segdes. Inicialmente, explora-se o conceito de economia monetéria desenvolvido por Keynes ¢ pelos pés-keynesianos. A idéia é mostrar que as expectativas dos individuos, imprescindiveis para as tomades de decisdio dos mesmos, estio diretamente relacionadas a um cenério de ambiente institucional favoravel. A segdo seguinte, trabalha a idéia de incerteza na tcoria institucionalista. Por fim, a altima sego presenta breves consideragdes, aproximando as das correntes tedricas 1, INCERTEZA E MOEDA: A ESSENCIA DA ECONOMIA MONETARIA DE KEYNES © principal legado de Keynes consiste em mostrar a légica de funcionamento de uma economia monetiria'. Nessa, flutuagSes de demanda efetiva e no nivel de emprego ocorrem, porque, em um mundo no qual 0 futuro ¢ incerto ¢ desconhecido, os individuos preferem reter moeda e, por conseguinte, suas decisdes de gastos, sejam de consumo, sejam de investimento, so postergadas. Nas palavras de Keynes (1973b, p.4ll, negritos CConforme Keynes (1964, p.vii), uma “monetary economy. is essentially one in which changing views about the future are capable of influencing the quantity ef employment and not merely its direction” adicionados), “booms and depressions are phenomena peculiar to an economy in which . money is not neutral” Por que, na Economia de Keynes, moeda deixa de ser neutra? Em outras palavras, por que a retengdo de moeda, por parte dos individuos, se constitui em uma forma de seguranga contre a incerteza em relagio aos seus planos de transagdes © produgdo, condicionando, assim, a dindmica do proceso produtive? A explicagdo encontra-se no capitulo 17 do livro de Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, de agora em diante denominado GT No referido capitulo, Keynes mostra que a moeda & um ative que se diferencia dos demais devido as suas propriedades essenciais, quais sejam: por um lado, sua elasticidade de produsto é zero — isto é, moeda niio é produzida pela quantidade de trabalho que o setor privado incorpora no processo produtivo; por outro, a elasticidade-substituigdo da moeda & nla, o que quer dizer que nenhum outro ative, nio-liquido, exerce as fungdes de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor que séo desempenhadas pela moeda, As referidas propriedades da moeda sio fundamentais para caracterizar a importancia ‘que a moeda exerce em uma economia monetéria: ao ser a seguranca contra a incerteza, ela aproxima, através de contratos monetarios, passado, presente e futuro, coordenando, assim, a atividade econémica. Conforme Davidson (1994, p.87), “in a world where people cannot reliably predict future ... the .. existence of money and money contracts over an uncertain future ... fare the bases] of a monetary system”. Nesse sentido, os contratos denominados ‘em unidades monetérias representam a insttuigdo de uma economia monetaria O principio da demanda efetiva, esséncia da revolugdo keynesiana, é desenvolvido @ partir da idéia de nio-neutralidade monetéria: existe possibilidade de insuficiéncia de demanda devido ao fato de que os individuos utilizam renda na forma de riqueza nio- reprodutivel, ao invés de utiliza-ta para a aquisigo de bens produzidos por trabalho. Em outras palavras, a preferéncia pela liquidez inibe as decisoes de gastos dos individuos, afetando, assim, a atividade econdmica, Em sintese, pelo prinefpio da demanda efetiva, as crises econdmicas manifestamese, porque moeda é uma forma altemativa de riqueza, A questo central da teotia Keynesiana, portanto, diz respeito & relagao entre incerteza © mocda. A teoria pés-keynesiana resgata este insight de Keynes: flutuagdes de demanda efetiva estdo relacionadas & preferéncia pela liquide dos individuos como forma de seguranga contra a incerteza. Nesse sentido, 0s pés-keynesianos, ao investigarem os principais trabalhos de Keynes reunidos nos Collected Writings, desenvolvem uma estrutura tedrico-analitica na qual @ revolugio keynesiana é analisada em um contexto de teoria ‘monetéria da produga0”. Nas palavras de Keynes, em uma economia monetaria da produgo “money plays a part of its own and affects motives and decisions and is, in short, one of the operative factors in the situation, so that the course of events cannot be predicted, either in the long period or in the short, without a knowledge of money between the first state and the last”. (1973), pp.408-409, negrito adicionado). Ua interessante andlise sobve os prinepios e dinimica da teoria monetiria da produgdo & apresentada por Cardi de Carvalho (1992, Capitulo 3) Pela citagdo acima, percebe-se, no somente a importincia que a moeda desempenha em economias monetirias, mas, também, a rela¢o entre moeda e incerteza. Assim sendo, em uma economia monetéria da produgdo, a ndo-neutralidade da moeda diz respeito a compreensio do processo de decisio dos individuos em um contexto de incerteza, Mas © que é incerteza? Em artigo de 1937, intitulado The General Theory of Employment’, escrito com a finalidade de responder aos criticos da GT, Keynes apresenta 0 conecito de incerteza, qual seja “By ‘uncertain’ knowledge, let me explain, I do not mean merely to distinguish what is known for certain from what is only probable. The game of roulette is not subject, in this sense, to uncertainty ... Or .. the expectation of life is only slightly uncertain, Even the weather is only ‘moderately uncertain. The sense in which I am using the term is that in which the prospect of a European war is uncertain, or the price of copper and the rate of interest twenty years hence ... About these ‘matters there is no scientific basis on which to form any calculable probability whatever. We simply do not know”. (Keynes, 1973c, pp.113-114, negritos adicionados). Pela referida passagem, quando Keynes diz que a roleta ndo & incerta, 0 que quer dizer € que incerteza nao esta relacionada as probabilidades obtides com freqiiéncias relativas, Por sua vez, como exemplo de incerteza, Keynes argumenta que o prego do cobre nos prdximos vinte anos € “simplesmente algo que desconhecemos”. Em nosso ponto de vista, Keynes pode estar querendo dizer que vinte anos so um periodo to longo que condigdes sociais, econdmicas ¢ politicas, vigentes no passado, ja ndo cxistam e, portanto, as formas de extrapolagdo dos eventos se modificaram. Nesse sentido, a nogdo de ineerteza em Keynes & que pessoas so ignorantes quanto ao futuro, Em outras palavras, Keynes define como incerto os fendmenos para os quais nio temos base cientifica para atribuir probabilidades, A passagem acima nos remete A distingdo entre risco ¢ incerteza, sugerida tanto por Keynes, em seu A Treatise on Probability, doravante TP, quanto por Knight, em Risk, Uncertain and Profit. Risco & a situagio na qual a tomada de decisio acerca de um determinado evento é realizada em um contexto em que a distribuigo de probabilidade do evento é conhecida, ao passo que incerteza caracteriza a situagdo na qual a tomada de decisdo sobre um evento especifico & realizada em um contexto em que inexiste uma Aistribuigdo de probabilidade para o mesmo’. Anda no artigo de 1937, percebe-se a relagdo entre incerteza e moeda: incerteza é a razo principal para a ocorréncia de flutuagdes de investimento e preferéneia pela liquidez. Nas palavras de Keynes (Ibid., p.116, negritos adicionados), “our desire to hold money as a store of wealth is a barometer of the degree of our distrust of our calculations and conventions concerning the future ... The possession of actual money lulls our disquietude; 5 0 referido artigo esti reproduzide em Keynes (1973), * Na visto Keynes-Knightiana, incerteza & uma “probabilidade” » measurivel jo-mensurdvele rsco & uma probablidade and the premium which we require to make us part with money is the ‘measure of the degree of our disquictude”. Se em uma economia monetéria a incerteza nfo pode ser modelada de forma -a, entdo, as tomadas de decisdo dos agentes passam a ser realizadas a partir de s. Conforme Keynes (1964, p.148), “it would be foolish, in forming our expectations, to attach great ‘weight to matters which are very uncertain’ ... The state of long-term expectation, upon which our decisions are based, does not solely depend, teherefore, on the most probable forecast we cam make. It also depends on the confidence in which we make this forecast” Nesse sentido, porque o futuro € incerto, os individuos, mais especificamente os investidores, seguem seus instintos, caracterizados pelo que Keynes chamou de animal spirits. Em outras palavras, 0 estado de confianga dos individuos é construido a partir de convengdes. Portanto, a adogdo de convengdes, por parte dos agentes, é a solugdo parcial dos problemas de incerteza, Essa idéia, de certa maneira, esté relacionada a0 conceito de probabilidade que Keynes desenvolve no TP. Na referida obra, Keynes mostra que 0 conhecimento intuitive é de suma importineia para a formagfo de uma crenga racional. Assim sendo, probabilidade ¢ definida como uma relago légica na qual “we are claiming, in fact, to recognize correctly a logical connection between one set of propositions which we call our evidence and which ‘we suppose ourselves to know, and another set which we call our conclusions, and to which we attach more or less weight according to the grounds supplied by the first" (Keynes, 1973a, p.6, negrito adicionado). Tendo como referéncia a passagem acima, percebe-se que Keynes discute probabilidade como um conhecimento que ¢ obtido por argumentos em que os termos certo € provivel descrevem os graus de crenga racional, Em outras palavras, a teoria da probabilidade de Keynes consiste de uma ldgica na qual o grau de crenga racjonal & sustentado em determinadas circunstincias. Probabilidade ¢ parte de um processo de aprendizado. ‘Nese particular, Dequech (1998) argumenta que ha um paralelo entre 0 TP ¢ 2 GT: no primeiro, tem-se o bindmio probabilidade-weight, ao passo que na GT é acentuado o bindmio expectativas-estado de confianga‘. Nesse sentido, incerteza e processo de decisto sob condigdes de incerteza, que so fundamentais na teoria de Keynes, estio tanto no TP quanto na GT. * De acordo com Keynes (1964, p.148), “very uncertain” [does not) mean the same thing as ‘very improbable”. * Dequech (1998, p.22) enfatiza a elevincia da nogio de weigh na teoria da prababilidade de Keynes: “Weight ‘has to do with the evidence or which the probability relation is based .. Weight represents elther the amount or relevant evidence (as opased to probability, which depends on the balance of favourable and unfavourable evidence) or the evidence’s degree of completeness” Como os agentes formam suas expectativas no real world? Para os pés-keynesianos, no so as andlises de séries estatisticas ou de crengas justificadas no passado que fazem ‘com que os agentes decidam suas agGes futuras; muito pelo contrério, as tomadas de decisio sfo classificadas como ambientes de verdadeira incerteza. Davidson (1994), por exemplo, a0 classificar as expectativas como sendo geradas por processos ergédico © nio-ergédico, enfatiza a natureza da incerteza ndo-mensuravel. Por um lado, proceso ergédico & o processo de risco movendo-se ao longo do tempo no qual a incerteza & mensurdvel pelas leis da probabilidade’. Nesse processo, conforme Davidson (Ibid., p.90), “the future is merely the statiscal reflection of the past”, Por outto, processo niio-ergddico & 0 proceso movendo~ se a0 longo do tempo no qual a incerteza & ndo-mensuravel e, portanto, as leis da probabilidade nao se aplicam. Em suma, risco, por supostos probabilisticos, pode ser reduzido a certeza, enquanto incerteza nao, Indo ao encontro da taxinomia de Davidson, em um mundo nBo-ergédico, em que hé incerteza, os contratos monetarios* © a demanda por liquidez so fundamentais para as tomadas de decisio na presenga de incerteza. Nesse sentido, as decisSes dos agentes, sob incerteza em um mundo real nlo-ergédico, rejeitam qualquer decisio probabilistica Assim sendo, é a existéncia de incerteza que explica a volatitidade do investimento e, por conseguinte, a racionatidade por preferéncia pela liquidez, ocasionando, assim, flutuagdes de demanda efetiva ¢ desemprego. A decisao de investir tem como base a stica da intuigd0: 0 animal spirits de Keynes. Por sua vez, a decisio de entesourar moeda, também uma convengio, permite manter liquidez © postergar as irreversiveis tomadas de decisio, Incerteza, portanto, ¢ a razio para as pessoas reterem moeda. Quanto maior a incerteza em relagdo as expectativas dos agentes econémicos, mais esses estardo inclinados 2 postergar decisdes de gasto e, por conseguinte, a preferéncia pela liquide crescerd. Desse modo, animal spirits e preferéncia pela liquidez.estdo intimamente relacionados e tém uma relaga0 Keynes, no capitulo 12 de sua GT, mostra que as expectativas dos individuos nao sto determinadas pelos findamentos de longo prazo que estio relacionados ao rendimento esperado de um ativo, uma vez que as informagGes necessérias & formagio dessas podem no existir. Para Keynes, a atividade econdmica ¢ operacionalizada conforme o calendério de um tempo histérico: as decisées dos agentes sio realizadas tendo como referéncia a ineversibilidade do passado © a imprevisibilidade © o desconhecimento do futuro, Nas palavras de Keynes (1964, p.152), “philosophically speaking, it cannot be uniquely correct, since our existing knowledge does not provide a sufficiente basis for a calculated mathematical expectation. In point of fact, all sorts of considerations enter into the market valuation which are in no way relevant to the prospective yield” Logo, o cenirio futuro, sob o qual se tem que tomar decisées, é inferide a partir de um estado de confianga. Conforme Keynes (Ibid., p.148), a expectativa de longo prazo “Mais especiicamente, processo ergédico & 0 proceso no qual @ valor esperado da distibuigto de probabiidace de uma variivel pode ser sempre estimado a partir de sues observagves passadas "Na argumentagto de Davidson (1994, p.17), sem contratos uma economia monetiria ndo exist, visto que sho estes que reduzem a incerteza sobre os valores faturos das variveis nominais, “upon which our decisions are based, does not solely depend, therefore, on the most probable forecast we can make. It also depends on the confidence with which we make this forecast”. lisse estado, por sua Vez, constitui-se em uma convengdo cuja “essence .. lies in ‘assuming that the existing state of affairs will continue indefinitely, except in so far as we have specific reasons to expect a change. This does not mean that we really believe that the existing state of affairs will continue indefinitely” (Ibid. p.152) ‘As passagens acima nos remetem & diferenga entre decisdes ex ante e resultados ex ‘post, que, em iiltima insténcia, mostra que, em uma economia monetiria, as expectativas so desapontadas. Conforme Keynes, em um mundo no qual os individuos ndo conseguem prever o futuro, “previous expectations are liable to disappointment and expectations concerning the future affect what we do to-day. It is when we have ‘made this transition that the peculiar properties of money as a link between the present and the future must enter into our calculations Money ... is, above all, a subtle device for linking the present to the future; and we cannot even begin to discuss the effect of changing expectations on current activities except in monetary terms ... So long as there existis any durable asset, it is capable of possessing monetary attributes and, therefore, of giving rise to the characteristic problems of a monetary economy” (Ibid., pp.293-294), Portanto, mais uma vez, voltamos ao ponto central da tcoria keynesiana; economias monetérias silo inerentemente instiveis devido ao fato de que as tomadas de decisto dos agentes econémicos tém como base um ambiente de incerteza, Nesse contexto, as cexpectativas dos agentes econémicos sdo modificadas constantemente ao longo do tempo. Mas como as expectativas devem ser sinalizadas em um contexto no qual 2 incerteza ndo pode ser climinada? Para que as expectativas, apoiadas tanto no comportamento convencional quanto no animal spirits, sejam menos instveis, Keynes argumenta que “State will have to exercise a guiding influennce on the propensity to consume ... [on the] ‘optimum rate of investment ... [Moreover] a somewhat comprehensive socilisation of investment will prove the only means of securing an approximation to full employment” (bid., p.378), Pela referida passagem, a nosso juizo, pode ser interpretada de duas maneiras: por ‘um lado, hé aqueles que, tanto favoriveis quantos eriticos 4 sistematica de uma economia regulada e administrada pelo Estado, entendem que a solugio de Keynes para dinamizar a demanda efetiva é tao-somente a intervengio estatal; por outro, a idéia de “socializagao do investimento” pode estar relacionada aos mecanismos institucionais endégenos criados pela sociedade para que as tomadas de decisSes dos individuos sejam realizadas de mancira menos adversa possivel. Entendendo que a segunda interpretagdo parece ser sensata no sentido de Keynes, os pés-keynesianos consideram que as instituigSes so importantes para determinar eventos e resultados econémicos. Assim sendo, institutions matter 2. INCERTEZA E OS INSTITUCIONALISTAS, Se as instituigdes importam, como os institucfonalistas se inserem nessa discussao? Hé afinidade entre o campo de pesquisa institucionalista ¢ a abordagem pés-keynesiana? O que se procurard discutir nesta segdo é que ha afinidade entre ambos, embora o primeira nao isponha propriamente de uma teoria econémica estabelecida’, como foi logrado na original contribuigo de Keynes, representada pela G7 Sem desprezar os demais autores pés-keynesianos, temese em Minsky uma das mais expressivas contribuigdes no sentido de vincular a importincia das instituigdes © do “ambiente institucional” aos principios teéricos da GT. Sua énfase recai sobre 0 cardter financciro do capitalismo contemporineo, que tem nas instituigdes sua principal forma de sustentagdo ¢ credibilidade. Entretanto, as insttuigdes, nfo raras vezes, também podem se subordinar a padrdes de comportamento ja superados, 0 que gera instabilidade e aumento de incerteza no sistema, Entretanto, mesmo sendo as instituigGes fundamentais para permitir © funcionamento “regular” do sistema, elas ndo impedem a ocorréncia de crises periddicas e sistematicas, j4 que ele & inerentemente subordinado a tais perturbacdes ". Talvez este seja o ponto central que concilia 0 pensamento pés-keynesiano com os institucionalistas. Em ambos, a idéia de estabilidade, subordinada aos cdnones do equilibrio de longo prazo, é rejeitaéa. O ambiente institucional & necessariamente mutivel, condicionado cultural e historicamente e sujeito permanentemente a mudangas e rearranjos. ‘A vigéncia na economia de um processo de mudanga e transformagao estrutural,estranha a0 corpo analitico ortodoxo, é fundamental 4s abordagens pés-keynesianas e institucionalis uma vez que constituem a prépria dindmica do sistema. Tentar compreendé-lo sem estes aspectos € © mesmo que pressupor um ambiente institucional estatico, com regras “esvaziadas” de movimento histérico. A afirmativa de que o pensamento de Keynes ¢ dos institucionalistas se opde a tais fundamentos, néo implica afirmar que as. referidas concepgdes sejam similares, mas reconhecer que prineipios basicos de critica & economia capitalista ¢ seu funcionamento sdo bastante préximos " As idéias de Minsky reportadas acima se, de um lado, no podem ser caracterizadas como genuinamente institucionalistas, por outro lado, no podem ser vistas como um corpo estranho @ tais concepgdes. A semelhanga entre elas esté na visto critica do capitalismo devido a seu cariter inerentemente instivel, determinado pela domindncia de um processo de tomada de decisées permeado de incertezas. As idéias originais dos institucionalistas ste ponto & explicitado em viras abordagens institucionalistas, que reivindicam a consituigfo de ume “eoria econémica institucional”. Vide Hodgson (1998) e Samuels (1995) 0 artigo de Minsky (1996) explicitavirios pons comuns ene teoria Keynesian e nstitucionalismo, Seu ponto de parida & a carta de Keynes a Commons, que ilustra sua afinidade com os instucionalistas norte- Americanos. Keynes (apud, Minsky, 1996) airma que “There seems to me tobe no other economist with whose eneral way of thinking I feel myself in such genuine accord. E onde esti tal semelhanga? A resposta 4 esta {queso remete a necessidade de comprecnsto de que: “The current crisis of performance and confidence inthe ich capitalist countries makes it necessary, once again, o think about the institutional prerequisites for Successful capitalism” (bid, p 357), "Minsky (1996, p. 357) enfatiza que: “relevant theory is not a compendium of propositions derived from axioms assumed tobe universally tue: theory is nota subdivision mathematics, Relevant theory isthe result of the exercise of imagination and logical powers on observations that are due to experience it yields ‘propositions about the operation ofan actual econonos.” Prossegue ainda o anor (Ibid, p.357): "The current ‘methodological fashion, where artificial economies are frst specified, then simulated and finally deemed satisfactory (unsatisfactory) if tt can be said thatthe general characteristics of the simulation are similar (dissimiar) to the general characterises of a time series of constructs based upon observations (such as GNP), would most certainly have been anathema to both Keynes and to the insttationaists of his day. In today's terminology, Keynes's ‘helief” are mental models that lead to propositions about the behavior ofthe ‘real world economy: This approach makes ‘real world" outcomes dependent pon institutions" norte-americanos, como Veblen, Commons e Mitchel, contemplam essa mesma perspectiva analitica. Veblen, reconhecido como o precursor do pensamento institucionalista', relaciona © conceito de instituigdes aos habitos, regras e sua evolugdo, explicitando um forte vinculo das especificidades histdricas com a abordagem evolucionéria. Os institucionalistas (lato senso) tém em comum a preocupagio de identificar pontos de concorddncia, que possam permitir a constituig&o de uma “teoria institucionalista” propriamente dita’*, Tomando como referéncia trés institucionalistas contemporncos, Geoffrey Hodgson, Warren Samuels ¢ William Dugger, que se preocuparam em resgatar 0 corpo tedrico institucionalista a partir de Veblen, buscar-se-4 identificar o tratamento conferido & incerteza. O primeiro, vincula © pensamento vebleniano a corrente evolucionéria, o segundo aproxima-se bastante de Hodgson, mas nio vé incompatibilidade com os teéricos da Nova ‘conomia Institucional (NEI) — como Coase, Williamson e North ~ e o titimo é o expoente ais ilustrativo do designado “institucionalismo radical”. Cabe salientar que a NEI, embora vena assumindo nos dias de hoje papel proeminente dentro do elenco de abordagens institucionalistas — havendo inclusive quem as considere “Yinicas” representantes da referida escola - nio seré tratada neste texto. Isto porque ela assume uma feigio teérica mais préxima do campo analitico da organizagao industrial ou teoria da firma, do que da nogdo proposta pelas trés abordagens acima mencionadas. Isto, entretanto, nio implica reconhecer que 0 pensamento de Coase, Williamson ¢ North ndo contemplem o ambiente de incerteza como tum conceito central a definigdo de estratégias e decisdes das firmas. Supor-se~é, para fins de simplificago, que as contribuigées da NEI estejam implicitas na contribuigao de Samuels, como seri examinado no item 2.3, 2.1. HODGSON E A “CEGUEIRA DO PROCESSO EVOLUCIONARIO” Para Hodgson (1998b), se abordagens institucionalistas conseguirem avangar na constituigdo de uma “Teoria Econémica com Instituigdes”, deverdo relacionar atividade hhumana, instituigdes e natureza evoluciondria do proceso econdmico, que, uma vez associado a outras instituiges econdmicas especificas, definirio diferentes tipos de economia, Assim, se existisse uma “teoria geral” institucionalista, sua generalidade estaria em desenvolver analises especificas e variadas de um fenémeno particular ". ® Geofrey Hodgson (1998b), por exemplo, afrma que so nos escitos de Veblen ~ e em menor grau nos de ‘Commons e Mitchel - que reside a matriz da Escola Insitucionalista, ® 4 muliplcidade de aniises ¢ enfoques confers a tais abordagens uma heterogencidade hastante ampla, © que, como argumenta Warren Samuels (1995), é fator de riqueza endo de fragilidadetesrica. Por essa razdo, Uunificar as. respectivas abordagens sob um iinico especto tebrico conapie.se A propria. natwreza institucionalsta, que tem na diversidade seu trago heuristico mais expressivo. * Isto contrasca com a oconomia neoclissica, que possui ums estrutara Teérica universal, relacionada a0 comportamento © & escolha raciozal, que leva 4 teoris de pregos, bem-estareconémico ¢ assim por diaate. A ‘economia institucional, pelo contriio, ndo pressupde que as concepgbes baseadas nos habitos da atividede Ihumana proporeionem uma teoria ou anélise operacional. S30 necessérios outros elementos, tais como demonsitar como erupas especificas de bits comuns estdo “nraizados" (embedded) e s30 reforyados através de instiuigBes sociais especticas, Neste sentido, o institucionaisma move-se do abstrato para o concrete, Ao contririo dos modelos teéricos standard, cade 2 racionalidade dos individuas € dada, 0 instiucionalismo € eonstrldo sobre a psicologia, antropologia, sociologia e outras éreas de pesquisas sobre ‘como as pessoas se comportam (Hodgson, 19986, p.169) 10 © velho institucionalismo norte-americano de Veblen, Commons e Mitchel, centrou sua andlise na importéncia das instituigGes, reivindicando uma genuina economia evolucionéria, Entretanto, desenvolveu uma linha analitica mais descritiva, deixando para ‘um segundo plano questdes teéricas nao-resolvidas, que alguns simpatizantes, como Gunnar ‘Myrdal, qualificaram de “empiricismo ingénuo” '*. E este é precisamente 0 ponto que toma 65 institucionalistas, evolucionérios, pois a negagdo de pensar a economia em tomo da ogo de equilforio (ou ajustamento marginal), reitera a importincia da visio de processo ‘de madanga ¢ transformagio, ambos inerentes ao pensamento de Veblen '*, Sua abordagem tem trés pontos centrais: a inadequagdo da teoria neocléssica em tratar inovagdes, supondo- as “dadas”, e, portanto, desconsiderando as condigées de sua implantagao; a preocupacao, no com o “equilibrio estével”, mas como ocorre a mudanga ¢ 0 conseqiiente crescimento; a Enfase no processo de evolugdo econdmica ¢ transformagdo tecnolbgica. Neste sentido, instituigo € definida como resultado de uma situagio presente, que molda o futuro, através de processo seletivo e coercitivo, orientado pela forma como os homens véem as coisas, © que altera ou fortalece seus pontos de vista A reiterada critica ao pensamento neoclissico persiste pelo fato de o mesmo ter por pressuposto uma falsa concepedo da natureza humana, O individuo ¢ equivocadamente visto em termos hedonisticos, sendo um ente socialmente passivo, inerte ¢ imutavel (Veblen, 1919, p.73). A hipotese, rejeitada por Veblen, de que os individuos so supostamente tidos como dados, estabelece como alternativa sua prépria tentativa em construir uma “teoria econémica evolucionéria”, onde instintos, habitos c instituigbes exergam na cvolugio econémica um papel andlogo aos gens na biologia (Veblen, 1899, apud Hodgson, 1993, p.17). Isto significa que linhas de ago habituais definem “pontos de vista”, através dos quais os fatos so percebidos. Por essa razo, a modema antropologia ¢ a psicologia sugerindo que as instituigdes exercem um papel fumdamental na definigdo da estrutura ccognitiva para interpretar os dados, habitos e rotinas na transformago de informages em conhecimento itil’. Portanto, o que une evolucionérios e velhos institucionalistas é menos @ Enfase nas instituigdes como “unidade de andlise” — como o faz a NEI - ¢ mais seu “corpo de conhecimento”, definido a partir de fundamentos e concepgdes tedricas similares, nntradas, fundamentalmente, em uma visio de funcionamento da economia como pracesso sob uma dindmica evoluciondria,”® ® Para Hodgson (199%, p13), o veho insitucionalismo estabeleceu a importincia das instituigBes proslamos 1 nocessidade de uma genuina ccoromia evolucioniis, mas perscpuiu uma direglo cada ver mais desentva, deixando muitas das qustdesteoricas nucleares (core) sem resposta.O que mais 0 carateriza & a rejeiglo aos pressupostos ontoldgicos e metodoldgicas do liberalism clistico. Conforme Hodgson (1993, p.15), 0 que Veblen estava buscando era precisamente ums tcoria de como as imovapies acontecem, nfo uma tcoria sobre as condigBes de equilibrio, apés estarem cttabelesidas as posshilidadesteenoldgicas. Para Veblen (194, 8), “a questa, no & como as coisas se estailizam em um "estado esttco", mas como clas inessantemente ctescem © mudam”. Veblen explorou tanto 0 processo de cevoluglo econémica, quanto a transformasao tecnoldgica e a mancira como a ago é moldsds elas ‘A idia de que rtins nas firmas agem como gens foi desenvolvida por Nelson & Winter (1982). Apesae esses autores nfo fazerem referéncia@ Veblen, tabalham mais proximo do velo institucionalismo do que do novo Hodson, 1993, p17), © clissco atigo de Vebien, Why is economics not an evolutionary science?, escrito em 1899, apesar de sugeri no titulo o eater nio-evolucionério da economia, revel, entretanto, muta proximidade como referido pensamento, Para ele: “The economic life history of the individual is a cumulative process of aduptation of ‘means fo ends that cumulatively change asthe process goes on, both the agent and hs environment being at n Este processo de sele¢o ou coerg2o institucional implica que as instituigdes mudem, © que, mesmo sob a forma de mudangas graduais, pressiona o sistema por meio de explosdes, conflitos e crises, levando a mudangas de atitudes e agdes. Em qualquer sistema social hi uma permanente tensio entre ruptura e regularidade, exigindo constante reavaliagio de comportamentos rotinizados ¢ decisdes voléteis de outros agentes. Esta idéia de evolugdo em Veblen esté intimamente associada ao “processo de causagao circular”, podendo 0 referido autor ter sido o precursor dos estudos realizados por Gunnar Myrdal, Nicholas Kaldor ¢ K. William Kapp. A amplitude ¢ complexidade das idéias de Veblen 0 credenciam a estar ineluido entre os grandes nomes do pensamento econdmico, como Marx, Marshall, Keynes e Schumpeter. Para os objetivos deste artigo, a nogio de “cegueira do processo evolucionério” talvez seja a que mais corresponda aos principios de incerteza de Keynes, 2.2, DUGGER E A HISTORIA COMO BLIND DRIFT ‘A enorme corrente que sucedeu Veblen, Commons ¢ Mitchell assumiu diferentes matizes conceituais © metodolégicas, nem sempre compativeis, que foram agrupados de diversas maneiras. Samuels (1995) aglutinou-os nos seguintes grupos: a velha tradigao institucionalista norte-americana, os “novos” institucionalistas neoclissicos, os jovens institucionalistas norte-americanos, e 0s institucionalistas europeus (evolucionarios, regulacionistas e a tradigdo austriaca). William Dugger vé a NEI como um corpo estranho & referida linha de pensamento. Para ele, hé grande conciliabilidade entre Veblen e Marx quase absoluta incomunicabilidade com os neoclissicos. Samuels julea que a tradigdo institucionalista no sé ¢ totalmente compativel, como também se confunde tanto com tradigdo marxista, quanto com o neoclessicismo. Dugger designa o institucionalismo de Veblen ¢ Commons de “institucionalismo radical” e Samuels de “antigo institucionalismo norte-americano” Para William Dugger (1988) os prineipais pontos da abordagem de Veblen so: visio da economia como um processo, ¢ nio como busca do “equilibrio”; existéncia de uma certa “itracionalidade socializada” que, freqientemente, subjuga uma virtual “solidariedade das classes exploradas”; poder e status combinam com mito e autoridade para sustentar a tirania; igualdade como essencial a uma vida digna; valor e ideologia sio importanes © dio sustentagdo a “democracia participativa”; e preferéneia a transformagdo radical em relagaio a0 ajustamento incremental Em Dugger, @ origem do termo “institucionalista” — histérica, metodologie conceitual e também politica ~ é resgatada a partir do sentido a ele atribuido na contribuigao de Veblen. Ao assim proceder, obscrva-se enorme proximidade teérica ¢ conccitual com 0 marxismo e profunda divergéncia em relago a0 chamado “novo institucionalismo” '°, A ‘any point the outcome of the last process. A pr6priacigneia tin, para Veblen, ussa conotaeio nio-cstitica ou ‘equilbrita, com forte identidade metodalégica 80 evolucionismo, Em 1899, ele escreveu que “The life of man in society; ust as the life of other species i a struggle for existence, and therefore its a process of selective ‘adaptation. The evolution of social structure has been a process of natural seletton of institutions” (Veblen, 1899, p.188), * Para Dugger (1988, p1): “Radical insttaionalism, though not as developed as its cousin, Marxism, is also a profoundly criical theory of industrial capitalism, Radical insttutionalisn is based on the works of Thorstein Veblen and, to a much lesser extent, on the works of John R. Commons. (..) Radical insttutonalism is not 2 proximidade a Marx e a consegiiente critica a0 status quo € a rao principal que leva 0 ‘mainstream a ignorar a contribuigo dos institucionalistas radicais. Veblen, assim como Marx, acreditava que a mudanga fundamental no capitalismo era condigdo necesséria para trazer igualdade entre os homens, ¢ esta igualdade somente ocorreria em um sistema baseado no controle comunitério da economia, tendo como referencia a produso comum, ao invés de estar fundada no lucto privado. Esta mudanga, entretanto, ndo seria possivel no curto prazo, tomando Veblen — a0 contririo de Marx, que julgava possivel a transformacio histérica pela “revolugo social” — um autor profundamente pessimista. Para cle, a historia “evolui” enquanto um processo “absurdista”, com uma trajetéria “cega”, inexistindo qualquer movimento dialético, que leve a rupturas pré-estabelecidas (ou redentoras), muito ‘menos a qualquer processo deterministico de “progresso”” Este fato, entretanto, nao impede que a tradigdo institucionalista seguidora de Veblen = comumente também designada de “velho” institucionalismo (Hodgson, 1993) - reitere que as diferengas entre Veblen e Marx sobre a natureza do processo histérico (se absurdista ou dialético), néo implicam em incompatibilidade entre as duas escolas. A coneiliagao entre ambas é possivel, na medida em que estabelecem criticas comuns ¢ semelhantes & ortodoxia tanto cléssica, quanto negelissica, ndo havendo qualquer desavenga filoséfica ou empirica basica com o marxismo”, embora rejeite a nogdo de dialética, como método para se interpretar a histéria, ¢ repudie a teoria marxista do valor. Observe-se que o termo blind drift corresponde a expressio “evoluciondria” de “cegueira de proceso evolutive natural” (Hodgson, 1993). Em realidade, a “cegucira” & futo ou parte de um processo de permanente mudanga e adaptagao, realizada em meio a incerteza, A idsia de processo explicita uma compreensio do desenvolvimento da atividade eondmica como algo nio-dirigid ou convergente & qualquer situagdo pré-estabelecida ou ideal de equilforio. Os institucionalistas opdem 2 nogio de proceso de equilfbrio, querendo com isso delimitar campos teéricos diferenciados. Em Veblen, a nocio de processo esti sempre associada & de causago circular, formando ambos 0 sustentéculo do funcionamento da atividade econdmica, ‘Tais caracteristicas permitem a inclusdo de pensadores como Marx, Keynes ¢ Schumpeter como préximos a Veblen, neste particular. Institucionalistas contempordneos, como Samuels ¢ Dugger, afitmam que esté em. formago um paradigma institucionalista centrado na referida nogao de processo, por alguns também designado paradigma processwal". Portanto, para Veblen (1919, p.416), 0 processo Ihased on the labor theory of value, but does share vith Marxism certain critical points in relation ¢o neoclassical economic theory. (..) It has nothing ix common with the sa called “new institutionalism’” of Oliver E, Williamson. The radical instutionalism of Thorstein Veblen isa full-fledged paradigm, one which stands on its own as an independent school of thought" *"Reconhecendo Marx como talvez 0 maior ¢ 0 mais radical dos economistas clssicos, arma Dugger (1988, p.3): "Veblen ridiculed this orthodox belief an inevitably benevolent outcome of eapitalim as unwarranted fietion, as teleology — first cousin of theology. The econamy was not an equilibrium, the nature of which was ‘benevolent. Jn his ertigue of ortodoxy, Veblem insisted thatthe economy was a process the end of whick was neither Benevolent nor malevolent, ouside ofthe human angle used to interpret it (Veblen 1919:56-147), So ‘although Veblen proposed his theory of process to replace the orthodox theory of equilibrium, this theory of process can also be opposed to the Marxist theory of dialectic, if the dialectic ends in an inevitable ‘consummation. For Veblen, history was absurd, not dialectic.” * Segundo Dugger (1988, p4), 08 institucionslistas construiram umn “paradigana processual” para explicar © ‘comportameato humano nos sistemas econdmicos como subordinados (embedded) As circunstineias culurais Vigentes. Tis cireunstincias e processos poderiam ou nio origisaeresultadas benevolentes para a saciedade, 13 de mudanga cumulativa na esirutura social se realiza por meio de uma “seqiléncia cumulativa” de causagao, mas de forma nio-teleolégica, nio implicando necessariamente progresso”. A preocupagdo explicita de Veblen era com uma “teoria do absurdo”, capaz inclusive de dar sustentagio a formagio de instituigdes que atrapalhassem 0 “avango” do processo em alguns ou varios segmentos (imbecile institutions), podendo significer “proceso de mudanga para pior” ”*. Gunnar Myrdal reformulou este argumento sob a forma de “teoria da causagao cumulativa”, onde determinado processo termina por agravar a -omo no caso do “ircule vicioso da pobreza”. Os institucionalistas radicais, 20 raciocinar dentro do “paradigma processual”, rejeitam a definigio de economia como ciéncia preocupada com a maneira pela qual os seres humanos utilizam recursos escassos para satisfazer suas necessidades ilimitadas. Ao invés disso, definem economia como “ciéncia do abastecimento social”, onde as necessidades ¢ 0s recursos humanos sio produto de processos sociais, que sio historicamente determinados © qualitativamente dependentes do progresso tecnolégico. Rejeitam definir economia pela ética da escasse: e desejos ilimitados, porque ambos sio resultantes de circunstincias sociais que as produzem historicamente, nao se tratando, portanto, de fenémenos “dados” — independente das condigdes sociais, historicas © culturais -, como o faz a tradigdo ortodoxa. © conceito de absurdity, central para a andlise de Veblen, traz as seguintes implicagdes sobre sua visio historia: ela é opaca, absurda, porque nao presenta qualquer tendéncia benevolente em sua trajetoria futura; logo, 0 curso da ago humana mais parece uum véo cego (blind drift) do que um projeto a ser perseguido. Portanto, como a histéria nao tem qualquer significado, os homens podem ou no fazer sua propria histéria, mas normalmente nio conseguem fazé-la. Assim, por no possuir qualquer projeto, designio ou destino — quer de natureza divina, quer dialética — fora de uma seqiléncia “opaca” {que Veblen estava tentando constrir era uma teoria do prosesso econémico, assentado em nada mais do que fatos opscos”, Para Veblen (1919, p16): ".. a concept of a process of cumulative change in social structure and function; ur this process, being essentially a cumulative sequence of eausation, opaque and unieleological, could not without an infusion of pious fancy by the spectator, be asserted to involve progress as distinct from retrogression orto tend fo a “realisation “or “self-relisation” ofthe human spirit or of ansthing else.” © para Veblen (1964; apued Dugger, 1988, pd): “Bur history records more frequent and more spectactlar Instances of the of imbecile institutions over life and culture than of peoples who triumph have by force of instinctive insight saved themselves alive out of a desperately precarious institutional situation, such as now (1913) faces the peoples of Christendom.” 6 efeito, 0 “absurdo”, a ela inerente, permite a existéncia de imbecile institutions.™* Os institucionalistas radicais defendem mudangas radicais - que se opdem imeconciliavelmente & andlise neoclassica do equilibrio -, pois vem a economia como um “proceso continuo”, reiterando 2 necessidade da andlise econémica vincular-se a um programa econémico, Ou seja, hé uma unidade agdo‘teorizagio, que envolve a reestruturagdo do capitalismo, e no a benevoléncia com o mecanismo automatico de mercado. Como 0 mercado ndo serve para atender 0 bem-estar da populago, ¢ necessério que 0s homens planejem uma ago para tanto. A rejeigao do automatismo de mercado e do equilibrio implica mais que um ajustamento (incremental) institucional, mas sua propria substituigdo (radical). Nesse sentido, a constatagdo de que igualdade © democracia passam por um plano e no por pequenos ajustamentos nas instituigdes: 2.3, SAMUELS E A INEXISTENCIA DE EQUILIBRIO OTIMO Warren Samuels vé a “economia institucional” como uma altemativa ndo-marxista”” a0 neoclassicismo dominante no mainstream, catactetizado pot wma variedade de abordagens, que podem ser aglutinadas segundo alguns pontos de coniluéncia, A proposigio de um “paradigma institucionalista” visa identificar os elementos e crengas comuns, que ‘operam em niveis tedricos e préticos semelhantes, sem, entretanto, deixar de distinguir as varias aplicages especificas. O primeiro ponto desta abordagem ¢ 0 do papel do mercado como mecanismo guia da economia, ou, mais amplamente, a concepgao da economia ‘enquanto organizada e orientada pelo mercado. Questiona-se se é verdade que a escassez. de recursos é alocada entre usos alternatives pelo mercado. Para os institucionalistas, a re determinagaio de qualquer alocagio em qualquer sociedade & dada pela estrutura organizacional da sociedade: em resumo, pelas suas instituigSes; 0 meteado apenas di ‘cumprimento as instituiges predominantes (Samuels, 1995, p.571). Outra preocupagio dos institucionalistas € com a organizago e controle da economia, enquanto sistema mais abrangente e complexo do que o mercado. Isto implica reconhecer a importancia da: (i) distribuigao de poder na sociedade; (i) forma de operagio dos mercados (enquanto complexos institucionais em interagao uns com os outros); (ii) formagdo de conhecimento (ou do que leva ao conhecimento em um mundo de radic: indeterminagao sobre o futuro); ¢ (iv) determinagdo da alocagao de recursos (nivel de renda agregada, distribuigo de renda, organizagao e controle), onde também a cultura geral seja uma varidvel tanto dependente, como independente (idem, p.571). > Satiete-t que, para John R, Commons, histria no sopve a traetria “absurdist” apregoada por Veblen, pois € uma sequncia continua de aes ¢ reas hurmanas, decorentes da sua propria nature, que asim age reage. esta forma, a hstria € produto do que os homtens fazer, gerando um efit cumulativo de ag80, onfito © malanas nas regras. Assim, pare Commons, © hist humana const um permanente processo 4: plenos ereformas que induzem & ago humans ® Mesmo reterando 0 eater nfo-marxista do pensamento instucionalista, Samuels aeredita que amas no so mutuamenteexclusivas. Para ele (op.cit, 570): “Some inshitutionalsis consider their approach to be Imutuaily exclusive with neocassciom, whereas others, including this writer, consider istttonaism and neoclassicism to be supplementary, Some insittinalists consider their approach to be mutually exclusive with Marsiom, whereas others, Including. this writer, consider instiucioalism and Marxism as. having Signiicant areas of overlap. There has been considerable diversity within iniutional economics. Such heterogenets is not pathological Ii asin of relmess and ferment” 15 Um terceiro aspecto & que ha nos institucionalistas varias eriticas ao neoclassicismo, embora Samuels (1995) julgue que exista uma certa suplementariedade entre ambos, com notiveis contribuigdes dos tltimos quanto ao funcionamento do mercado. Para os institucionalistas, a principal falha do pensamento neockissico esti no “individualismo metodolégico”, que consiste em tratar individuos como independentes, auto-subsistentes, com suas preferéneias dadas, enquanto que, em realidade, os individuos sto cultural & mutuamente interdependentes, 0 que implica analisar 0 mercado do ponto de vista do “coletivismo metodolégico”. A oposigo ao “individualismo metodolégico” se da porque © ‘mesmo se assenta em pressupostos que falseiam a complexe, dindmica e interativa realidade econémica, que pouco tem a ver com a racionalidade otimizadora de equilibrio. Ao criticar a natureza estatica dos problemas ¢ modelos neoclassicos, * reafirmam a importancia em se resgatar a natureza dinfmica e evolucionsria da economia. Como hi no pensamento neoclissico uma tendéncia em minimizar qualquer possibilidade de mudanga nas instituigdes, ele se opde aos institucionalistas, que no aceitam a “panglossiana conclusio” do “qualquer que seja, & timo”, pois para os titimos a estrutura de poder afeta a formagao & performance dos mercados ¢ a ago governamental.”” AA partir destas consideragdes Samuels prope o “paradigma institucionalista”, como contrado em trés dimensées: (i) critica & organizagao e performance das economias puras de mercado, por consideréelas mera abstrago; (ii) geragdo de um substancial “corpo de conhecimento”™ em uma variedade de tpicos; ¢ (iii) desenvolvimento de um approach ‘multidisciplinar para resolver problemas. Estas consideragdes precisam, com relativa amplitude, 0 campo de pesquisa institucionalista, Todas as abordagens, apesar de diferentes nuangas, revelam um ponto em comum: a negagio do funcionamento da economia como algo estitico © regulado pelo mercado na busca de um equilibrio étimo. A réplica do mainstream & contundente critica os institucionalistas fundamentaese em que, se a mesma nao existisse, o respectivo campo analitico estaria completamente vazio, por nio possuir qualquer conteiido teérico consistente, Julga-se, a0 contrétio, que se esti avangando rumo 4 constituigao de uma altemnativa a0 mainstream, com avangos na tcorizagio da economia enquanto processo dindmico, interativo, sem énfase na nogdo de equilfbrio, onde as decisées econdmicas — na esfera da firma ou no meio ambiente institucional — so tomadas sob incerteza. A corrente evolucionéria é um exemplo d 3. CONSIDERACOES FINAIS % Samuels (1995, p.572) afrma que: “.. the categories of neoclassical analysis are largely formally logical and therfore substantively empty, and cannot property be applied to the real world without additonal ‘assumprions, assumptions which wily milly determine how markets form, operate, and generate results * Samuels (1995, .572)enfatiza que as andlisesinstiucionais incorporam mereados, instituigdes, be como & andlise das forges socinis que condicionam sua formasio e o exericio da escolha individual, A economia, portato, & comprendida como tm sistema que englabs mais do que o mercado, pois sustnta @ evolo istics, impicta na mudange institucional teenolgies, 0 “corpo de conhecimento” insltucionalista & constituido de oito itens, como o papel socialmente ativsta as instituigds, controle social da economia do mercado, énfase na teenologia como forga maior a transformagio do sistema econdmico, énfase no papel dual do cultura em um processo da “causapo ‘cumulativa, ereconhecimento de qu a estrutura de poder gra relagdes sociais marcadas pel desiguadade © Iierarquia, Para uma discussio desses pontos vide Coneeiga0 (2000) 16 © que se procurou demonstrar neste artigo € que, mesmo tratando de referéncias conceituais distintas, tanto os pés-keynesianos, quanto os institucionalistas, estabelecem um marco de referencia & compreensio da dindmica cepitalista impossivel de ser concebido sem © conceito de incerteza. Como se viu, 0 respectivo conceito, mesmo nao sendo claramente explicitado, como o faz a tradigdo pés-keynesiana, aparece implicito nos institucionalistas, através das nogdes de “cegueira” do processo evolucionétio, da concepsdo do processo histérico como blind drift, e da rejeigdo a qualquer perspectiva convergente a0 equilibrio timo, Em todos os casos, a despeito da existéncia de (saudéveis) divergéncias teéricas € analiticas, ha uma firme oposigdo a compreensdo da atividade econdmica como algo passivel de “estabilidade” ou convergéncia a qualquer posigdo de equilibrio de longo prazo, © que somente seria possivel sem a presenga de instituigdes ¢ de incerteza. Tal possibilidade, de to remota, somente teria sentido légico e teérico, em um mundo esvaziado de qualquer conteiido histérico. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS. CARDIM DE CARVALHO, F. (1992). Mr. Keynes and the Post Keynesians: principles of macroeconomics for a monetary production economy. Aldershot, Edward Elgar. mento © mudanca na dtica Porto Alegre, PPGE/UFRGS, (mimeo), DAVIDSON, P. (1994), Post Keynesian Macroeconomic Theory. Aldershot, Edward Elger. DEQUECH, D. (1998). Rationality and Institutions under Uncertainty. Ph.D. Thesis Cambridge, University of Cambridge, pp.200. DUGGER, William (1988). Radical Institutionatism: Basic Concepts. Review of Radical Political Eonomics, v. 20, n. 1, p. 1-20. DUGGER, William (1990). The New Institutionalism: New But Not Institutionalist Journal of Economic Issues. v. 24,n. 2, p. 423-431, June, DUGGER, William M. (1995). Veblenian Institutionalism: The Changing Concepts of Inquiry. Journal of Economic Issues, v. 24, n.4, p. 1013-1027, December. HODGSON, Geofltey M. (1993). Institutional Economics: Surveying the ‘old’ and the ‘new’, Metrocconomiea, v. 44, 1.1, p. 1-28. HODGSON, Geoffrey M. (1996). Varieties of capitalism and varieties of economic theor feview of international Political Economy. v. 3, n. 3, p. 380-433, Autumn, HODGSON, Geoffrey M. (1998a). The Approach of Institutional Economics. Journal of Economie Literature. v. 36, p. 166-192, March. HODGSON, Geoffrey M. (1998b). On the evolution of Thorstein Veblen’s evolutionary economics. Cambridge Journal of Economics. v. 22, p. 415-431 KEYNES, J.M. (1964). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York, Harcourt Brace. (19732). A Treatise on Probability. London, Macmillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. VIID. (1973b). The General Theory and After: preparation. London, Macmillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol.X1ID. ” (1973c). The General Theory and After: defence and development. London, Macmillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, volXIV). KNIGHT, F.H (1921), Risk, Uncertainty and Profit. Boston, Houghton-Miffin. MINSKY, H. (1975). John Maynard Keynes. New York, Columbia University Press. MINSKY, H. (1996). Uncertainty and the Institutional Structure of Capitalist Economics. Journal of Economies Issues. v. XXX, n. 2, p. 357-368, June, NELSON, Richard & WINTER, Sidney G. (1982). An Evolutionary Theory of Economic Change. Cambridge, Mass., Harvard University Press, SAMUELS, Warren J. (1995), The present state of institutional economies, Cambridge Journal of Economies 19, p. 569-590. SIMON, H. (1983). Reason in Human Affairs. Stanford, Stanford University Press VEBLEN, Thorstein (1998). Why is economies not an evolutionary science? Cambridge Journal of Economics. v. 22: pp. 403-414. Originalmente publicado em 1899.

You might also like