O Risco Da Essência - Diana Fuss

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responsaveis pelo atual impasse, e discutiré alguns dos pontos fortes e fracos de cada posigao. Um dos principais argumentos deste livro 6 que o essencialismo, quando tidd mais contundentemente sob suspeita por construcionistas; esta, em muitas ocasides, efetivamente agindo em outros lugares, sob outras formas, e, as vezes, preparando 0 terreno para sua propria critica. A maior parte deste capitulo-sera dedicada 4 forma pela qual o essencialismo é esséntial para o construcionismo social, um ponto que fortemente poe em questao a estabilidade e impermeabilidade do binarismo_ essencialista/construcionista. Para este fim, observo de perto duas das mais importantes e influentes teorias atuais sobre o antiessencialismo: a psicandlise lacaniana e o desconstrucionismo derridiano. Em ambos os casos, pretendo demonstrar a forma pela qual a ldgica do essencialismo pode ser mostrada como irredutivel mesmo naqueles discursos que mais explicitamente visam repudia-lo. Essencialismo versus construcionismo Essencialismo é definido classicamente como a crenga numa esséncia verdadeira — naquilo que é mais irredutivel, permanente e, portanto, constitutivo de uma dada pessoa ou coisa. Esta definigao representa a compreensao aristotélica tradicional de esséncia, a que tem tido maior circulagao e aceitagao na historia da metafisica ocidental.' Na teoria feminista, 0 essencialismo articula-se sob formas variadas e pressup6e algumas premissas relacionadas entre si. Mais obviamente, pode ser localizado nos apelos a uma feminilidade original ou pura, a uma éncia feminina, situada fora dos limites do social e, por isso, imaculada (embora, talvez, reprimida) por uma ordem patriarcal. Ele Uma abrangente discussio da distingao esséncia/acaso é empreendida no Livro Z da Metafisica de Aristételes, Para uma historia do conceito filosofico de essencialismo, leitoras/es podem querer consultar DeGrood (1976) ou Rorty (1979). TRADUGOES OA CULTURA. Perspect eras ernst (197020100 | 363 O ‘risco’ da esséncia Diana Bugs dos principais motivos da -composic¢ao deste livro é 0 desejo de romper, ou de alguma_ forma enfraquecer, 0 dominio exercido pelo binarismo essencialismo/construcionismo sobre a teoria feminista. E minha convicgdo que 0 impasse criado pela longa controvérsia sobre a questao das esséncias humanas (feminilidade essencial, negritude essencial, homossexualidade essencial...) tem, por um lado, encorajado uma atengao mais cuidadosa as especificidades culturais e historicas sobre as quais, talvez, tenhamos, ate © momento, nos apressado em universalizar, mas, por outro lado, tem excluido investigagdes mais ambiciosas sobre especificidade e diferenca ao fomentarmos uma certa Poderiamos dizer que a tensao produzicia pelo essencialista/construcionista 6 responsavel por alguns dos melhores insights da teoria feminista, quer dizer, que esta tensao é, em si mesma, constitutiva do campo da teoria feminista. Contudo, também se pode defender que esta mesma disputa criou © UY um impasse pressuposto pela propria confusao construcionista ser ou nao benéfica ou prejudicial para a satide do feminismo é, em si, sobredeterminada e limitada pelos termos da oposigao em foco. E preciso, portanto, avangarmos cuidadosamente no mapeamento das fronteiras desse importante debate estrutural para o feminismo. Este capitulo inicia-se com a identificagdo de duas posigGes cruciais que sao fortemente ‘362 | abel renin | iney Caveat | Clu de Lin Costa | Aa Dexia Aca Lira responsaveis pelo atual impasse, e discutira alguns dos pontos fortes e fracos de cada posicao ‘para sua propria critica. A maior parte deste capitulo sera dedicada a forma pela qual o essencialismo é essential (para © construcionismo social, um ponto que fortemente poe em questao a estabilidade e fe dis ee do binarismo_ essencialista/construcionista. Para este fim, observo de perto duas dS mais importantes e influentes Em ambo: ‘os casos, pretendo demonstrar a forma pela qual a légica do essencialismo pode ser mostrada como irredutivel mesmo naqueles discursos que mais explicitamente visam repudia-lo. Essencialismo versus construcionismo __Essencialismo é definido classicamente como a crenga (numa esséncia verdadeira — naquilo que é mais irredutivel, permanente e, portanto, constitutivo de uma dada pessoa ou coisa. Esta definigao representa a compreensao. aristotélica tradicional de esséncia, a que tem tido maior circulagao e aceitagao na historia da metafisica ocidental.! Na teoria feminista, 0 essencialismo articula-se sob formas. variadas e pressupée algumas premissas relacionadas entre si, Mais obviamente, pode ser localizado nos apelos a uma _feminilidade original ou pura, a uma esséncia feminina, — _situada fora dos limites do social e, por isso, imaculada _(embora, talvez, reprimida) por uma ordem patriarcal. Ele Uma abrangente discussao da distingao essencia/acaso é empreendida no Livro Z da Metafisica de Aristételes. Para uma histéria do conceito filoséfico de essencialismo, leitoras/es podem querer consultar DeGrood (1976) ou Rorty (1979), TRAOUGHES DA CUTURA. Perspectives enteas femnstas (19702010) | 363 Talvez o essencialismo emerja mais Torte proprio discurso do feminismo, um discurso que presume a unidade do seu objeto de investigagao (mulheres) mesmo ao se esforcar para demonstrar as diferencas nesta categoria reconhecidamente generalizante e imprecisa. O. construcionismo, articulado em = oposigao ao essencialismo e voltado para a refutacao filosdfica deste Ultimo, insiste no ponto de que a esséncia é ela propria uma construgao histérica. As/Os construcionistas tomam a recusa da esséncia Como sendo o momento inaugural dos seus proprios projetos ¢ prosseguem para demonstrar © modo pelo qual tipos assumidos previamente como autoevidentes (como “homem” ou “mulher”) sao, de fato, efeitos de praticas discursivas complicadas. As/Os antiessencialistas estao engajadas/os em interrogar os processos intricados e entrelagados que agem juntos para produzir todos os objetos aparentemente “naturais” ou “dados”. O que esta em jogo para um/a construcionista sao sistemas de representagoe , praticas sociais e materials leis de discursos e efeitos ideoldgicos. Sucintamente, as os construcionistas preocupam-se, acima de tudo, com a producao e a organizagao de diferencas, e, portanto, rejeitam a ideia de que quaisquer dados essenciais ou naturais precedam 0s processos de determinagao social.’ Ver, por exemplo, a contribuicio de Hélene Cixous (1986) em The Newly Born Wom mulher recém-nascida). "Quero enfatizar, aqui, que a maior parte dasfos tedricas/os feministas & de fa essencialista ¢ construtivista, E, Ann Kaplan (1987), que frequentemente tom: 364 | nba rondo | ney Cov | Claude Lia Costa | Ana Cesia Rook Luma Essencialistas e construcionistas polarizam-se mais em torno da questao da relagao entre 0 natural e o social., Para a/o essencialista, o natural oferece o material brutg-é’o ponto inicial determinante para as praticas e leis do’ social’ Por exemplo, a diferenga sexual (a divisao em “macho” “femea”) € tida como anterior as diferencas sociais,. presumidas para ser mapeadas, a posteriori, sobre 6:sujéito” biologico. Para a/o construcionista, o natural é ela/ele propria/o posta/o como uma construgao do social. Nessa visao, a diferenga sexual 6 discursivamente produzida, elaborada como um efeito do social, em vez de sua tabula rasa, seu objeto anterior. Assim, a/6 essencialista defende) lista/antiessencialista © rut mo uma’ organizacional primaria om suas discusses da critica de cinema e de televisio, identificou quatro “tipos” de feminismo: feminismo burgués, feminismo marxista, feminismo radical e feminismo pOs-estruturalista (p. 216). Kaplan categoriza os tn’s primeiros tipos ~ burgués, marxista © radical ~ sob a rubrica “es: ta”; ela rotula o quarto tipo ~ pos-estruturalista de “antiessencialista”. Argumentaria que esta divisio & muito simplista para ser util cla contempla todas/os asios feministas pos-estruturalistas como antiessencialistas © fodasios aslos outrasios feministas como essencialistas. Tal esquema nao pode dar conta »dequadamente, por exemplo, do trabalho de Luce Irigaray, uma pés-estruturalista de linha derridiana considerada por muitas/os como essencialista; nem tampouco de uma tedrica como Monique Wittig, que parece pertencer a, pelo menos, duias das categorias ssencialistas de Kaplan, o feminismo marxista e 0 radical, e que, apesar disso, identifica ve como uma construcionista radical © comprometida, Devemos ser oxtremamente cuidadosas/os ao usarmos a oposigao como recurso taxonomico para a elaboragao de lipologias demasiadamente simplificadas ¢ enganosas (outro forte argumento a ser Jevantado em favor de se trabalhar no sentido de subverter, em vez de reificar, este dualismo fortemente disseminado). Isso me faz lembrar o ditado popular curios, porém comum, da “segunda natu O qualificativo “segunda” implica ordem, gradagao, tipos de “natureza”. Implica, ainda, que alguns “tipos” de natureza podem estar mais proximos ao ideal, ou ao protatipo, do que outros ~ de fato, que alguns podem ser mais “naturais” do que outros, O essencialismo aqui se desmonta sob o peso de sua propria contradigao e abre espago para uma visio da esséncia como um construto social, uma produgio da linguagem, za" TRADUQOES 0A CULTURA. Perapectuas cca femnsta 1970-2010) | 365 Cada uma dessas posigdes, 0 essencialismo e 0 construcionismo, demonstrou, no leque de suas aplicagoes, certos pontos fortes e fracos em termos analiticos. Os roblemas com O essencialismo talvez .séjam~mais bem conhecidos. Argumentos e¢: ncialistas..-frequentemente: recorrem a uma ontologia situada fora da influéncia cultural e da mudanga histérica. “Homem’-e “mulher”, por exemplo, sao tidos como objetos ontologicamente estaveis, signos coerentes que derivam sua coeréncia de sua estabilidade e previsibilidade (sempre houve homens e mulheres, argumenta-se). Nenhuma concessao € feita para a produgao historica dessas categorias, que necessitariam do reconhecimento de que aquilo que os gregos classicos entendiam como “homem” e “mulher” é radicalmente diferente daquilo que os franceses renascentistas tomavam por seu significado, ou, mesmo, do que uma/um tedrica/o dustrial, pos-modernista ou pos-estruturalista tende eber por tais termos. pos-in a conc jouUCcO possuem oO nte_investidas: “las de alguma forma. 4 pr? , portanto, imutavel; sua esséncia é gerar essencial, & mudang¢a, mas nao é para ser mudada. Apesar de recorrerem a historicidade como forma de desafio ao essencialismo, construcionistas, por sua vez, frequentemente fazem uso de nogées simplificadas ou essencializantes da historia. de convergéncia e continuidade necessita, ao menos, 366 | tate Brandi | ney Cavan | Ceca de Lia Costa | Ana Ceca Ac ma compreensao linguistica destes termos especificos. O mesmo problema surge com 0 proprio signo “historia”, pois enquanto um/a construcionista pode insistir que‘s6 , podemosnosreferirashistorias (assim como podemosapenas: falar de feminismos ou desconstrucionismos), a..questao: que permanece sem resposta 6 0 que motiva ou dita oso. semantico continuado do termo “historias”. Esta €.apenas uma das muitas instancias que sugerem que o essencialismo esta mais arraigado no construcionismo do que pensavamos previamente. Em minha opiniao, é dificil perceber como 0 construcionismo pode ser 0 construcionismo sem que haja uma dependéncia fundamental do essencialismo. importantes diferengas culturais € sociais. Dessa forma, mulher torna-se mulheres, histéria torna-se_histdrias, feminismo torna-se feminismos, e a Enquanto tal estratégia realmente marca uma ruptura em relag4o as categorias conceituais unitarias (a mulher eterna, a historia totalizante, 0 feminismo monolitico), essas tentativas apressadas de pluralizar nao operam como. defesas ou salvaguardas suficientes contra 0 essencialismo. A categoria “mulheres” no plural, por exemplo, apesar de conceitualmente assinalar heterogeneidade, marca, semanticamente, contudo, uma coletividade; construida ou nao, “mulheres” ainda ocupa 0 espaco de uma unidade linguistica. E por este motivo que uma afirmagao como “Mulheres [norte-Jamericanas sao ‘x’” nado é menos essencializante do que a sua formulacao no singular, “A mulher [norte-Jamericana é ‘x’”.” O essencialismo, no caso, é menos resistido do que deslocado. sim por diante. \. da T.: O texto original usa a expresso “American women” em oposigio a "The erican woman” para referir-se a mulher ow mulheres norte-americanas, mais specificamente estadunidenses, 0 que, por si, denota, também, o trabalho essencializante Ja lingua em se tratando das cartografias identitarias TRADUGOESDA CUTURA. Perspect eras enmstas1g70-20r0) | 367 sencialismo esta mai: Se o es arraigado na logica construcionista do que reconheciamos previamente, se de fato, nao ha forma segura de isolar e conter manobras essencialistas em argumentos antiess encialistas, devemos; entio, também, simultaneamente, reconhecer ,.que® nav had uma esséncia no essencialismo, que esséricia efigtianto irredutivel foi construida para ser irredutivelAlém disso se nunca somos capazes de deslocar o essencialismo de forma segura, torna-se, entao, util, para fins analiticos distinguirmos fipos de essencialismos, tal qual John Locke o fez com sua teoria sobre a esséncia “real” ver: A esséncia real conota a compreensado séncia como aquilo que € mais irredutive| a “nominal”. aristotélica de e' e imutavel sobre para Locke, uma visao de esséncia como meramente uma conveniéncia linguistica, uma ficcdo classificatoria de que precisamos para categorizar e rotular. Esséncias reais sao descobertas pela observagao empirica agugada; esséncias nominais sao menos “descobertas” do que determinadas ou produzidas - produzidas especialmente pela linguagem Esta distingao especifica entre esséncia real e nomine gro: seiramente, as categorias oposicionais uma coisa; a esséncia nominal significa corresponde, mais amplas do essencialista presume que esséncias inatas ou dadas agrupam 0S objetos naturalmente em espécies ou tipos enquanto um/a cons rucionista presume que é€ a lingua os nomes arbitrariamente afixados aos objetos, que y essencialismo e construcionismo: um/a estabelece sua existéncia na mente. Para esclarecer, uma rosa por qualquer outro nome seria ainda uma rosa ~ para um/a essencialista, para um/a construcionista, uma rosa J Por oamplo, a esséncia nominal de ouro (exemplo favorito de Locke [1690)) ser {.-Laquela ideia complexa que a palavra ouro representa, seja, por exemplo, um arrarely, de certo peso, maleabilidade, fusibilidade ¢ fixidez"; sua esséncia real eis daquele corpo, das quais dependeriam “[..1 a constituigao das partes insensi qualidades e todas as outras propriedades do ouro” (p. 15-16). Locke discut weal versus a nominal em varias passagens de An Essay Concerning Human Un dentre as quais as mais importantes sao 2.31; 3.3; 3.6; 3.10; 4.6; ¢ 4.12. 368 | teabel Bra | Haney Cavalean | Claudia de Lima Costa | Ana Ceca Aci Lima por qualquer outro nome, nao seria uma rosa, seria algo completamente diferente. Certamente, a distingao feita por Locke entre esséncia real e nominal é util para emprestar um cunho politico ao” debate essencialista/construcionista. | geriria que querem manter a nogao de mulheres enquanto um grupo, sem se submeterem a ideia de que é a “natureza” que as categoriza como tal. Ainda assim, conquanto po: ser util a classificagdo “real” versus éncia e lingua (transpondo a esséncia como um efeito da linguagem), a distingio proposta esta longe de ser absoluta. A esséncia real 6, ela propria, uma esséncia nominal ~ quer dizer, um tipo linguistico, um produto do ato de nomear. E uma essencia nominal ainda ¢ uma essencia, sugerindo que, apesar da circulacao de tipos diferentes de esséncias, ainda compartilham uma classificagdéo comum engquanto esséncia. “nominal” para esclarecer a relagao entre es Introduzo a teoria lockiana sobre a esséncia para sugerir qu Meu ponto, aqui, e neste volume como um todo, é que as/os construcionistas sociais nao escapam definitivamente da forga do essencialismo, que, de fato, 0 essen lismo subentende a propria nogao de construcionismo. Deixe- me tomar um outro exemplo, geralmente citado como o problema exemplar que separa a/o essencialista da/do construcionista: para a/o sta, O Corpo ocupa um encial TRADUGOES DA CULTURA. Perspectva ronstas 1870-2010) | 369 espaco puro, pré-social, pré-discursivo. O corpo é “real” acessivel e transparente; esta sempre ai e é direétametite interpretavel pelos sentidos. Para a/o construcionista,..¢, implesmente ai, sendo,.ad.invés disso, corpo nunca esta s composto por uma teia de efeitos continuamente ‘Sujeitos a determinacao sociopolitica. O corpo é-“sempre ja’ mapeado culturalmente; nunca existe em estado puro ou nao codificado. Agora a forca da posi¢ao construcionista ¢ a sua insisténcia rigorosa na producao de categorias sociais como “o corpo” e sua atengao aos sistemas de representacao Mas esta forca nao se constréi com base na extingdo do essencialismo, mas trabalha 0 seu poder estrategicamente adiando o encontro com a esséncia, deslocando-a, neste caso, no conceito de socialidade. Afirmar que © corpo esta sempre ja profundamente imbricado no social nao implica uma forma segura de se evitar o essencialismo. O essencialismo esta arraigado na jdeia do social e alojado no problema da determinacao social (e, mesmo, conforme argumentarei adiante, diretamente implicado na virada desconstrucionista da expressao “sempre ja”). Muito frequentemente, construcionistas presumem que a categoria do social automaticamente escapa doessencialismo,em divergéncia a forma pela qual se pressupde que a categoria do natural esteja inevitavelmente por ele incorporada. Mas nao ha nenhum motivo contundente para se presumir que 0 natural seja, em sua esséncia, essencialista; e que 0 social seja, em sua esséncia construcionista. Se tivermos que intervir efetivamente no impasse criado pela divisao essencialista/construcionista deverd ser necessdrio iniciarmos 0 questionamento do pressuposto construcionista de que natureza e fixidez seguem juntas (naturalmente), assim como socialidade e mudanga seguem juntas (naturalmente). Em outras palavras, deve ser hora de perguntarmos se as esséncias podem mudar e se as construgées podem ser normativas 370 | tae Brando | Winey Cavan | Cautide Lime Casta | Ane Cea Root Lima Psicanalise lacaniana Comenta-se, frequentemente, que o determinismo social e o determinismo bioldgico sao, simplesmente, os dois lados da mesma moeda: ambos colocam um sujeito. totalmente passivo subordinado a influéncia modeladora ou da natureza ou da cultura e ambos ignoram os efeitos desestabilizadores da psique.’ Ha um sentido no quat’o construcionismo social pode ser desvelado meramenté como uma forma de essencialismo sociolégico, uma posigao baseada no pressuposto de que o sujeito 6, em esséncia, uma construgao social. Pode ser que, neste momento histérico, em particular, tenha se tornado imperativo resgatar o sujeito de uma total subordinacao 4 determinacao social. Talvez esse seja o motivo pelo qual tantas/os tedricas/ os feministas voltaram-se a psicandlise como um relato mais convincente, menos essencializante, do processo construcionista. A psicandlise 6, de varias formas, um discurso antiessencialista par excellence, na medida em que a diferenga sexual é tida como algo a ser explicado ao invés de pressuposto. Mas nem mesmo a psicanalise pode cumprir a sua tarefa sem recorrer a certos principios essencialistas. Este é um ponto importante, uma os Anntamente Lacan recusa todos os tratamentos do sujeito que tomam uma identidade essencial, pré-determinada como autoevidente. Ele esta mais preocupado com o deslocamento do sujeito classico humanista ao demonstrar a producdo do sujeito na linguagem. Terei muito mais a dizer nos capitulos subsequentes sobre 0 descentramento semidtico do sujeito Atualmente, 08 sujeitos da agencia, mudanga e determinagio estio comegando a receber consideragao mais cuidadosa, especialmente por parte das/dos construcionistas socials. Em minha opiniao, uma das tentativas mais impressionantes de se enfrentar este dificil agrupamento de problemas esta em Discerning the Subject (Discernindo o sujeito), Je Paul Smith (1988) TRADUQOES DA CULTURA Perspect rticasfemmnstas 1970-2010) | 374 empreendido por Lacan, mas, no momento, me interessa se uma compreensao do sujeito baseada na linguagem que pode se descolar completamente das nocées,essencialistas que ela defende tao persistentemente desérdar: Identifico trés Areas principais onde Lacan se apoia fottementé ei fundamentos essencialistas com 0 propésito, dé cavaiicar num argumento antiessencialista: sua énfas@.nosujeito da fala; seu tao anunciado retorno a Freud; e, finalmente, sua controversa teoria sobre a mulher. Cada um desses pontos sera abordado por vez, mas, primeiramente, é importante nao perdermos © ponto de que © construcionismo ¢ devedor de Lacan por alguns de seus melhores insights Até uma descrigao necessariamente breve da sofisticada e complexa teoria da psique elaborada por Lacan podera d destaque a imensa importancia de seu trabalho para as/os construcionistas socials. A contribuigao de Lacan para 0 construcionism¢ emerge de sua revisao de alguns conceitos freudianos cruciais. Para Freud, 0 complexo de Edipo é a estrutura fundamental responsavel pela formagao da identidade sexual na crianga. Mas Lacan insiste que, enquanto as relacgoes edipianas e 0S complicados processos de identificacao e desejo por elas engendrados sao cruciais para 0 desenvolvimento psiquico da crianga, 0 complexo de Edipo nado é um dado, sendo, antes, ele mesmo 1 elucidado através da investigacao um problema a se psicanalitica. De acordo com Lacan, Freud “[...] falsifica a concepgao do complexe de Edipo desde 0 inicio, ao faze-lo definir a predominancia da figura paterna como natural ao invés de normativa” (in MITCHELL; ROSE, 1982, p. 69). Para Lacan, 0 complexo de Edipo nao é estruturadk biologicamente, mas simbolicamente moldado; de fato é um produto daquela ordem denominada por Lacan “c Simbélico”. Mais especificamente, 0 Simbolico representa a ordem da linguagem que permite a crianga 0 ingresso na subjetividade, no ambito do discurso, da lei e da 372 | teal rondo | ney Carlen | Claudia de La Costa | Ana Ceci Ao Lima socialidade. O Imaginario significa a diade mae-crianga que o Simbélico interrompe através da agéncia da funcao, paterna — 0 “Nome-do-Pai”, ao invés do pai biologico.per se. Com essa mudanga importante do pai para o\Nom do-Pai, Lacan desnaturaliza a estrutura edipiana.tomada por Freud como universal; “desessencializa”* a teoria’da constituicao do sujeito de Freud ao abrir espaco pata.o jogo da linguagem, simbolo e metafora. : Um segundo ponto importante na revisdo que também posiciona Lacan como mais “verdadeiramente” antiessencialista do que Freud concerne ao papel do falo na diferenciagao sexual. Neste ponto, Lacan também critica seu predecessor por falhar em estabelecer uma distingao crucial entre 0 6rgao anatOmico (0 pénis) e 0 simbolo representacional (o falo). Freud repetidamente os faz convergir, tornando-se vulneravel as acusagées de biologismo e essencialismo. Lacan é mais cuidadoso ao separa-los, insistindo em que o falo nao é uma fanta é um objeto e, mais especialmente, nao 6 um orgao (0 pénis ou 0 clitéris) (MITCHELL; ROSE, 1982, p. 69). Em vez disso, o falo 6 um significante, o significante privilegiado da ordem simbolica que pode apontar para 0 pénis como a marca mais visivel da diferenga sexual, que, contudo, nao pode ser reduzida a ele. Esta nao coincidéncia entre falo e pénis é importante porque “[...] a relagao do sujeito com o falo é estabelecida independentemente da diferenca anatomica entre os sexos” (MITCHELL; ROSE, 1982, p. 76). Num certo sentido, o falo é anterior ao pénis; 6 a marca privilegiada pela qual ambos os sexos acedem a identidade sexual por um reconhecimento e aceitagao da castracgao. Ha varios problemas com a distingdo entre pénis/ falo feita por Lacan que do discutidos aqui e, mais detalhadamente, no Capitulo Quatro. A medida que o falo se arrisca a, continuamente, evocar imagens do pénis, quer sia, nao. N. da T: No original, “De-essentializes’ TRADUGOES DA CULTURA. Perspectvas cca mnt (1970:2010) | 373 dizer, a medida quea barra entre estes dois termos nao pod. ser rigidamente sustentada, Lacan nunca se situa muit, longe do essencialismo que tao vigorosamente desqualificy E verdade que o falo nao & 0 pénis de nenhuma, form, mo um significante, ele opera Como"UM sign, numa cadeia de significacao, como uma metdforasimbolic, e nao como um fator natural de diferengasMas também verdade que esta metafora deriva 0 seu poder do propri, objeto que simboliza; 0 falo é proeminentemente um, metafora, mas também esta metonimicamente proximo ay se deriva muito da importancia de seu significado dest, relagao nada arbitraria. E precisamente porque uma mulhe, nao tem um pénis que sua relacao com © falo, com a orden, do significado, com a ordem da linguagem e com a lei ¢ tao complicada e perpassada por dificuldades. O privilégig do falo como “significante transcendente” (0 significant, sem um significado) gerou acusagdes de que Lacan est; endossando 0 falocentrismo que tem por propdsito criticay Tanto Luce Irigaray quanto Jacques Derrida detectaram et, Lacan uma perpetuagao & fortalecimento do falocentrism em vez de seu desmantelamento.’ Esta acusagao, por sua vez, leyou a contra-acusagdes de que os detratores Qe Lacan haviam confundido o mensageiro com a mensagem, Pelo menos duas importantes defensoras de Lacan, Julie: Flower MacCannell e Ellie Ragland-Sullivan, insistem que Lacan esta simplesmente descrevendo os efeitos da logica falocéntrica e nao prescrevendo ou, de forma alguma, ele mesmo mobilizando-os.'” Mas, em minha opiniao, essas defesas s4o, em Ultima instancia, nao convincentes, uma vez que a “descrigao” nao é nunca uma forma pura, ndo odendo escapar de uma certa cumplicidade com seu objeto. Derrida (1987a), um dos primeiros a criticar Lacan pelo “transcendentalismo falocéntrico” de seu pensamento, simplista; co’ pen # Ver "Cosi Fan Tutti”, em Irigaray (1985); ¢ “Le Facteur de la Vert em Derrida (19872) Ver o Capitulo Um, de MacCannell (1986); ¢ o Capitulo 5, de Ragland-Sullivan (198e 374 | trae rand | ney Cavan | Ca de im Cost | Ane Ceca Ail Lina observa que a “[...] descrigéo é um ‘participante’ quando induz uma pratica, uma ética e uma instituigao, e, portanto, uma politica que garanta a verdade da tradicao” (p. 481), Eu argumentaria que tal é 0 caso com Lacan. Mas devo, .. também, acrescentar que, apesar das ressalvas de Derrida’ de que ele nao teria produzido nada parecido com uma. pratica, uma ética, uma instituicéo, ou uma politica, francesa, uma mulher lésbica anglo-americana etc.), a risco esta na dificil negociacado entre estes efeitos aparentemente contraditorios. Deve ser salientado, aqui, que a_ estratégia construcionista de s precisamente essas subcategorias de “mulher” nao necessariamente impede o essencialismo. Ao mesmo tempo em que as expressdes “mulher burguesa francesa” ou “mulher lésbica anglo- americana” crucialmente enfatizam, por sua_ propria > especificar ma i. da T: “Women in the Beehive: A Seminar with Jacques Derrida” (“Mutheres na >imeia: um seminario com Jacques Derrida”) foi, originalmente, publicado em Subjects fs, primavera de 1984. A autora utilizou s.) (1987 [listada nas referéncias}), Jigio posterior, em Jardine e Smith TRADUGOES DA CULTURA twas critucas femnsstas 11970-2010) | 391 especificidade, que “mulher” nao é absolutamente uma categoria monolitica, por outro lado, elas reinscrevem, uma ldgica essencialista precisamente em se tratando do historicismo. O historicismo nao configura:'sempre um efetivo contraponto ao essencialismoe'se~ for “bem sucedido apenas no tocante fragmentagao,..doSujeitd em identidades multiplas, cada uma com.stiaessencia autOnoma e& autorreferencial. O impulso construcionista para especificar, em vez de definitivamente combater o s, simplesmente 0 reutiliza essencialismo, muitas ve através da propria estratégia de historizagao, alterando sua rota e dispersando-o por meio de uma série de unidades micropoliticas ou classificagdes subcategéricas, com cada uma pressupondo sua propria composicgao interior ou cerne metafisico tinicos. Argumentaria que ha uma importante distingao a ser ar” ou “ativar” o essencialismo e “render- feita entre “uti se ao” ou “cair” no essencialismo. “Render-se” ou “cair implica que 0 essencialismo seja inerentemente reacionario _ inevitavel e inescapavelmente um problema ou um erro. “Utilizar” ou “ativar” implica que 0 essencialismo pos: algum valor estratégico ou de intervengao. Minha ideia é qui 0s investimentos politicos do signo “esséncia” sao baseados a ter no complexo posicionamento do sujeito num dado campo social, e que a apreciagao deste investimento nao depende de quaisquer valores interiores intrinsecos ao proprio signo mas das relagdes discursivas oscilantes e determinantes que o produziram. Conforme sera exposto de forma mais & Sexual/Textual Politics (Politica sexual/textual) (1985), de Toril Moi, oferece-no comple especialmente bom de como esta locugao pode ser usada para dispensar esc ‘rtcites do pensamento feminista ~ no caso de Moi, desvalorizar o feminismo inetieano”’ A critica generalizada de Moi sobre escritoras to diversas quanto F Showalter, Myra Jehlen, Annette Kolodny, Sandra Gilbert & Susan Gubar consis principalmente, em mapear em delalhe os pontos nos quais suas analises “resval para oessencialismo e, portanto, “[..] reinserevem o humanismo patriarcal”. Uma vo ostensivamente antiessencialista s6 pode ser embasada nas premissas gémeas que o essencialismo seja, em esséncia, “patriarcal”; e de que “humanismo patria possua uma esséncia que é inerente, inevitavelmente reacionsria, 392 | abel reno | Noy Caan | Cua dina Casta | Ana Cai Ai Lima intensa nos capitulos subsequentes, 0 radicalismo ou conservadorismo do essencialismo depende, em um grau significativo, de quem o utiliza, como é utilizado, e onde seus efeitos estao concentrados. E importante nao esquecermos que a esséncia é um signo e, como tal, historicamente contingente e constantemente sujeito a mudanga e_ redefinicao, Historicamente, nunca estivemos muito confiantes na definigdo de esséncia; tampouco estivemos muito certas/ os de que a definigdo de esséncia deva ser 0 seu cardter definidor. Mesmo a distingao esséncia/acidente, o momento inaugural da metafisica ocidental, nao 6, de forma alguma, um binarismo firme. Toda a histéria da metafisica pode ser lida como uma busca interminavel da esséncia da esséncia, motivada pela ansiedade de que a esséncia possa muito bem ser acidental, mutavel e incognoscivel. O essencialismo nao é codificado monoliticamente, e raramente o foi. Certamente é dificil identificar uma/um tnica/o fildsofa/o cujo trabalho nao tenta, de alguma forma, dar conta da questao do essencialismo. As reiteradas tentativas destas/es filésofas/os em fixar ou definir a esséncia sugerem que ela seja uma categoria escorregadia e elusiva, e que o proprio signo nao aes estacionario ou uniforme. da um salto analitico. para um registro superior e, acima de tudo, mantém o signo ‘da esséncia em jogo, mesmo se (de fato, porque) ele fica continuamente sob rasura. Assim, construcionistas precisam estar alertas para nao bradarem cedo demais. Talvez 0 De forma semelhante, precisamos ser cuidadosas/os em relagéo a tendéncia em “naturalizar” a categoria do natural, em ver essa categoria também como obvia e imediatamente TRADUNOES DA CULTURA Perspect creas femnstas (1970-2010) | 393 perceptivel enquanto tal. O essencialismo pode ser ao mesmo tempo mais intratavel e mais irrecuperaveldo que pensavamos; pode ser essencial para 0 nosso-pensamento, e, ao mesmo tempo, nao haver nada “quintessencial” a'sey” respeito. Insistir em que 0 essencialismo.seja sempre eeny todo lugar reacionario 6, para a/o construcionistay‘acatar o essencialismo no proprio ato de criticd-lo; €agir'como se o essencialismo tivesse uma esséncia. Traducao de Ildney Cavalcanti & Amanda Prado Fonte FUSS, Diana. “The Risk of Essence”. In: . Essentially Speaking: feminism, nature & difference. New York & London: Routledge, 1989. p. 1-21. Referéncias BAKER, Houston. Blues, Ideology, and Afro-American Literature. a vernacular theory. 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TRADUQOES DA CULTURA Perspectas eras fomnsts (1870-2010) | 397 a Diana Fuss: ‘desessencializando’ 0 essencialismo Ildney, Cavaleanti = Cy essencialismo é um dessese‘assuntos que _/ sempre gera polémica e provoca-teagdes de resisténcia, para nado dizer ojeriza, quando vem 8 tona nos debates feministas. Isso se deve ao fato de que assumir (ou nao) uma postura essencialista nestes foruns continua acarretando sérias implicagoes de ordem ética, politica e filosdfica. Recorrendo a uma das metaforas exploradas neste volume de ensaios, podemos pensar 0 essencialismo como um dos perigos que causam assombro no campo minado da critica feminista’ e dos estudos de género. De modo mais evidente, a critica ao essencialismo oriunda das areas da critica feminista e dos estudos de género geralmente © associa aos aparatos tedrico-filoséficos, © também a outras tecnologias de género que herdamos de uma tradigéo ocidental falogocéntrica e que ainda ecoa por sua vez, desde Aristoteles, caracterizando as mulheres por meio de apelos a uma esséncia (percebendo-as, em decorréncia, como naturalmente inferiores aos homens). porém, um outro viés, o da autocritica feminista, que vem motivando ponderadas retomadas do tema, como € 0 caso da reflexao afinada e inovadora de Diana Fuss ao propor no final da década de 1980, que essencialismo precisava e ainda precisa — ser cle mesmo ‘desessencializado’ em vez de facilmente descartado. No ambito da critica feminista, e de modo bastante simplista, 0 essencialismo pode ser entendido como “{...] a crenca de que ha propriedades essenciais que sao compartilhadas por todas as mulheres” (STONE, 2004 p- 136). Visdes essencialistas informam uma _variedade T Gf. ensaio de Annette Kolodny, nesta Antologia. 39 | abel Gren | Moy Cavan: | Cou deta Casta | Ana Ceca Aco Lins de praticas discursivas, reacionarias ou progressistas, dependendo de posicionamentos de leitura, que vao desde os discursos cientificos baseados numa concepgao bioldgico- determinista quanto as diferencas sexuais até aqueles informados pelo pensamento e militancia feministas da’ contemporaneidade. Nas palavras da propria Diana:Fuss, o essencialismo pode ser mais notavelmente “localizadé nos apelos a uma feminilidade original ou pura, a umai.* esséncia feminina, situada fora dos limites do social e por isso imaculada (embora talvez recalcada) por uma ordem patriarcal”.’ O problema que vem a tona com 0 minucioso exame de praticas e teorizacdes situadas tanto fora quanto dentro de espagos feministas — ou mesmo queer - 6 a constatagéo de que ha formas menos evidentes, mais sutis, do essencialismo capazes de causar explosdes (ou seriam implos6es?) nestes campos minados. Uma das mais _ expressivas construcionismo social de viés feminista e autora da ja bastante difundida teoria performativa de género, Judith Butler (1990)' salienta que quando Simone de Beauvoir declarou, em sua obra classica do pensamento feminista, O Segundo Sexo (1949), que “nao se nasce mulher, torna- se uma”, a fildsofa francesa nao poderia imaginar as consequéncias radicais implicitas em sua formulacao. De fato, a célebre frase incitou a controvérsia entre posturas essencialistas e visGes antiessencialistas que funcionaria como fator notavelmente estruturante nas _postulagdes feministas até o presente. Em Essentially Speaking — Feminism, Nature & Difference (Falando essencialmente — feminismo, natureza e diferenga) (1989), Diana Fuss examina a tensao entre o essencialismo e 0 antiessencialismo que se encontra no representantes do CE o ensaio de Diana Fuss nesta Antologia A fildsofa alerta-nos que “|... nao ha identidade de genero por tris das expressies de enero; que a identidade & performativamente constituida pelas proprias expressoes que i tidas como sendo seus resultados” (BUTLER, 1990, p. 25) TRADUGOES DA CULTURA -P wstas (1970-2010) | 399. amago dos pensamentos e praticas feministas. Fuss ¢ professora e pesquisadora em Princeton desde 1988,-ano, anterior & publicagao de seu livro. Além de ter.alcangado popularidade e transito académico com esté bem’ escrito ensaio, compos também Identification Papers (Documenios: de identificagao) (1995) e 0 premiado The Sense of andnietior four writers and the rooms that shaped them (Ovsentimento de um interior: quatro escritoras/es e os ambientes que as/os moldaram) (2004), que, conforme sugere © titulo, explora a influéncia do ambiente na formagao da imaginagao de autoras/es e desenvolve insights analiticos das maneiras pelas quais 0 espago adquire qualidades poderosas nesse processo.* A paixao pela teorizagao, a acuidade no tratamento dos assuntos e 0 cuidado pedagogico que. segundo Fuss, deve acompanhar os dois primeiros, sao eu estilo e permitem-nos penetrar tragos marcantes de s com clareza e motivagao nas formulagGes abstratas as quais estuda. Penso que sejam também reveladores de compromisso firmado e de amor ao ensino.” Corajosa e cuidadosamente, em seu trabalho critico de 1989, Fuss examina as perspectivas, as polémicas, os pontos cegos e desdobramentos de algumas posigGes sobre 0 tema do essencialismo, apontando os limites tanto de posturas essencialistas quanto construcionistas, que passam 2 predominar nos discursos feministas principalmente a partir dos anos 1980, com © surgimento do que e denominado feminismos da diferenga. De modo bastante notavel, examinando algumas das premissas feministas dos anos 1970, pensadoras da década seguinte ~ que, por sentirem excluidas de um tipo de ‘feminismo monolitico ou ‘essencial’ (ao qual se contrapunham), defendiam {ass analisa os ambientes de trabalho de Sigmund Freud, Emily Dickinson, Hel Keller e Marcel Proust no estudo que Ihe rendeu 0 MLA James Russell Lowell P categoria de livro académico de destaque em 2005. 5 Varios trechos de “Teaching Theory” (FUSS, 2009) sao reveladores dessas qualidad na autora 400 | bel reno | ney Coan | Cou de Line Costa | Ana Casa Aco La © reconhecimento das diferencas entre as mulheres — rejeitavam o tom predominantemente essencialista e universalista da geracdo anterior, E exatamente sobre alguns dos discursos antiessencialistas 4 sua volta que Fus (1989) dirige seu olhar reflexivo, problemati leva a sua critica de volta a andlise do proprio essencialismo; [..] uma consideragio de alguns dos probléinas: ignorados até © presente com o antiessencialismo passa® necessariamente por uma reconsideracdo de seu Outro tedrico, 0 essencialismo (p. 39). Como sugeri acima, o refinamento no pensamento e nas teorizagdes feministas que marcou os anos 1980 em comparacéo ao momento histérico anterior, que resultou no reconhecimento da existéncia de diferencas historicas, geracionais, étnicas, de classe, de género etc. entre as mulheres, ou seja, no reconhecimento de que elas nao poderiam ser consideradas como constitutivas de um bloco monolitico, gerou a articulagao da posigao antiessencialista (jA prenunciada por Beauvoir), baseada no construcionismo social. isso é bem historiado por Fuss na segao intitulada Essencia smo versus construcionismo, contida no capitulo traduzido. A autora aponta que a atitude feminista de tendéncia construcionista embasa seus projetos exatamente na recusa a esséncia e demonstra que categorias geralmente tidas como autoevidentes sao, efetivamente, resultados de praticas discursivas. Este fator permite aproximar tal tendéncia as vertentes desconstrucionistas da critica da cultura, como € 0 caso da psicandlise lacaniana e da desconstrugao derridiana, que, sob a lente de aumento que nos é oferecida por Fuss, sao paradoxalmente expostas em seus contornos também essencializantes quanto a definigao dos sujeitos, especialmente no tocante 4 sua identidade de género. Ao proceder desta forma, Fuss constroi um meticuloso aparato tedrico “antiantie: usar 0 termo criado por Cressida Heyes (2000), na medida em que busca nao apenas apontar as formas pelas quais ssencialista”, para TRAOUGOES DA OUTURA- Perspects crtcas emnsts (1970-2010) | 401 zando-os, 0 gtte © proprio essencialismo havia sido essencializado pelos encializar:as discursos construcionistas, mas também dese: visées mais retrogradas relativas ao essencialismo,. Inspirada em provocagoes anteriores contidastag, criticas culturais empreendidas por Stephen Heath (1978) na area de estudos de cinema - que sugere,que*[:..}'talvez tenhamos que correr © risco da esséncia“’="ede Gayatr Spivak (1987) — ao interpretar as ambicdes humanistas demonstradas por um grupo (de Estudos Subalternos) de localizar uma cons ciéncia subalterna como sendo exemplares de “um uso estratégico do essencialismo positivista com interesse escrupulosamente visivel e politico” (p. 205) -, Diana Fuss (1989) desenvolve sey argumento a favor da utilizacdo inovadora de um tipo de essencialismo estratégico & provisorio, que venha a ser mobilizado pelos proprios sujeitos excluidose despossuidos da cultura. Nessa diregao, no capitulo “Lendo como uma feminista”,’ ela afirma: Quando posto em pritica pelos proprios despossuidos, © essencialismo pode ser poderosamente deslocado © desestabilizador. Para mim, isso sinaliza uma form, excitante e nova de repensar o problema do essencialisn: representa uma abordagem que avalia as_motivagdes por tras do emprego do essencialismo ao invés de rematuramente descarté-lo como um triste vestigio ¢ patriarcado (por si uma categoria essencialista) (p. 32) Assim, Fuss acredita que, dependendo dos posicionamentos historicos e dos propésitos ideoldgicos de quem 0 pratica, 0 essencialismo pode possibilitar a coalizio de grupos voltados para a prax politica; no caso que discute mais enfaticamente, a feminista Sua contribuicao segue com a reconsideracao dos sentidos geralmente associados ao essencialismo e a revisao critica de seus usos Mais demoradamente, a estudiosa examina os trabalhos das feministas francesas Monique Wittig e Luce Irigaray © Que segue o que esta traduzido neste volume 402 | ube Brando | ney Cavalcanti | Cava de ie Costa | An Gia Ao Lina

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