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ARTIGO. TEORIA DA ORGANIZACAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS “Uma estrutura social, racionalmente organizada, envolve padrbes de atividade claramente definidos, nos quais, segundo a maneira ideal, cada série ou conjunto de agées est funcionalmente relacionado com os propésitos da organizacao.” Robert K. Merton Carlos Osmar Bertero Professor Titular @ Chefe do Departamento de Administragdo Geral e Recursos Humanos da EAESPIFGV. 1% RESUMO: O texto aborda a questdo da Teoria Organiza- ional como existente nos meados da década de 1960, enquanto ‘expressio na racionalidade instrumental weberiana. Fazen- ‘do uso de um referencialtebrico estruturalista, como 0 apre- sentado por Amitai Etzioni, procura dimensionar a lacuna entre as sociedades ocidentais e as nao ocidentais, O centro do argumento é que as sociedades ocidentais, ao longo de seu pprocesso formativo, acabaram por caracterizar-se como mais ‘adequadas ao surgimento e funcionamento das organizacdes formais enquanto expressdo da racionalidade instrumental. Exigéncias organizacionais formaisseriam a subordinagio do interesse individual ao geral, adesdo a uma postura epistemolégica pragmatica, comportamento calcado em new- tralidade emocional (Sine ira ac studio) e capacidade de objetivncio soba forma deagao organizada. As sociedades no ocidentais apresentariam, por sua prépria formagao e génese, dificuldades maiores para abrigar e desenvolver organtzacées formais, caindo no circulo vicioso da baixa densidade organti- zacional. PALAVRAS-CHAVE: Organizagdo formal, racionalidade 14 Revista de Administragdo de Empresas, instrumental, andlise funcional eestruturalist, sociedades nao ocidentais. 5 ABSTRACT: The article approaches organizational theory, as existing in the 1960's as an expression of weberian ins- trumental rationality Utilizing Amitai Etzioni ideas it tries to fathom the gap between western and non western societies. ‘The core ofthe argument states that western societies, by their ‘own historical formation ended by exhibiting conditions by far more congenial and adequate for the nurturing, ‘development and operation of formal organizations as an expression of instrumental rationality. Thus formal organizational requirements would be ofa society displaying ability to subordinate individual to social interests, adoption of a pragmatic epistemological posture, a behaviour based upon emotional neutrality and capacity of objectification through organized action. Non western societies do not have yet, due to their own history and formative process, the same conditions Thus a greater difficulty, in nurturing and developing {formal organizations what end sup in the vicious circle oflow organizational density. + KEY WORDS: Formal organization, instrumental rationality, functional and structural analysis, western societies, ‘So Paulo, 32(3): 14.28 Jul/Ago. 1982 TEOAUADA OAGANZAGAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS INTRODUGAO que nos levou a escrever este artigo foram algumas reflexdes sobre a Teoria das Organizagdes quando colocada em face da realidade brasileira, ou, de maneira mais ampla, quando tentamos utilizar um “modelo” originado numa realidade cul- tural diversa daquela em que vivemos € somos obrigados a agir. J4 tém sido feitas observacies a respeito da inadequacao da teoria econdmica clissica, enquanto ele- mento explicativo da realidade nao oci- dental. Recentemente, chegou-se até a falar da inadequagéo do marxismo enquanto _gerador de ideologias para pafses da Africa € a pequena aceitacio que as idéias mar- xistas desfrutavam entre os proprios lide- res africanos, pois que, sendo o marxismo ‘um conjunto de idéias oriundas da Europa Ocidental e surgindo num momento de relativa sofisticacao dialética, em muito pouco poderia corresponder aos anseios, necessidades e desejos de autoafirmagao de comunidades negras ainda primitivas e recém emancipadas, e que buscam um es- tatuto ideolbgicoa fim de fundamentar sua acio politica no conjunto das nacées in- dependentes. A Teoria das Organizacées vem se consolidando, enquanto disciplina auto- noma, principalmente nos Estados Unidos ¢ tem resultado do esforgo de estudiosos coma mais diversificada formagio cultu- ral. E possivel relacionar entre os “te6ri- cos” da Organizacio socidlogos, psicélo- gee matemiticos,cconomistsebisloges. inevitével que tentem aplicar as suas reflexdes 08 modelos e conceitos funda- mentais das ciéncias em que foram for- mados, 0 que explica 0 carater eclético e pouco organico da Teoria das Organiza- ‘Gbes na sua fase inicial. Porém todos estes elementos apesar de sua diversidade con- tem, a nosso ver, alguns elementos em ‘comum que poderiam ser resumidos sob a elevada racionalidade atingida pelas sociedades ocidentais nos iiltimos quatro séculos. Foi esta racionalidade e particu- larmente o desenvolvimento das ciéncias sociais, e dentre elas, a economia, as res- ponsdveis pelo oferecimento de um qua- dro conceitual altamente elaborado e do- tado de suficiente operacionalidade que permitiu a todos os teorizadores a formu- lagdo de uma Teoria das Organizacoes. Copy 10,1967, Reva de Aina; do Empresas EAESP/ FV, Sto Pao, Bas. Te pubiatora AE, 725) 107 5, den. 1987 Ora, considerando-se que os pafses nao desenvolvidos,o que equivale a dizer nao- ‘ocidentais de um ponto de vista cultural (a Unido Soviética é, em nosso entender, um pais permeado de cultura ocidental, o que se tornou definitivo apés a revolugéo de 1917), nao tém o mesmo passado que 05 paises ocidentais, e suas culturas se afas- tam, por vezes, diametralmente dos pa- drées de racionalidade, tal qual esta é en- tendida na cultura ocidental, cabe questio- nar da validade da Teoria das Organiza- goes quando aplicadas a um contexto di- verso do ocidental Portanto, propomo-nos desenvolver este artigo em quatro etapas: + As teorias de organizacdo como ex pressio da racionalidade. + O significado dessa racionalidade. ++ Exigencias organizacionais e * Conclusao. ‘AS TEORIAS DE ORGANIZAGAO COMO EXPRESSAO DA RACIONALIDADE As primeiras tentativas no sentido de laborar uma teoria organizacional tiveram lugar nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Franca e, considerando-se a disputa que se tem desenvolvido entre os especialistas, decidimos nao nos deter na determinacao de quem teria sido realmente o primeiro a formular um conjunto de idéias a respeito das organizagoes. Conseqiientemente nos ateremos as doutrinas de Frederick W. Taylore Henri Fayol como os teorizadores que exerceram influéncia decisiva na for- magio de uma teoria que jf nos habitua- ‘mos a chamar de clissica. (© que importa considerar do nosso ponto de vista nao sao as varias medidas de racionalizacio do trabalho empreendi- das por Taylor ou a enumeracao de “fun- «6es" administrativas realizadas por Fayol, ‘mas antes nos determos sobre os procedi- ‘mentos metodolégicos e os pressupostos de uma filosofia da ciéncia, que per- meavam as etapas da elaboracio das teo- rias dos referidos pensadores. Acreditamos que a “escola cléssica” foi a manifestacao de uma racionalidade de tipo baconiano e cartesiano ao nivel da teoria da organiza- io. O proprio Taylor lamentava diante da Comisséo de Inquérito, instaurada para investigar os efeitos e conseqiiéncias do 15 16 taylorismo sobre o regime de trabalho operério em algumas organizacoes ameri- canas por volta de 1912, o desperdicio em que se incorria por causa da ineficiéncia industrial que acarretava enormes prejus- z08 & nacio, retardando o seu ritmo de desenvolvimento. Esta ineficiéncia, no entender de Taylor, era motivada pela falta de uma ciéncia da administragdo que per itisse a objetivacio dos procedimentos e a constituicéo de um corpo de conheci- mentos que dessem a administracéo as mesmas caracteristicas de universalidade encontradicas em outros setores do co- mhecimento e da atividade humana. A auséncia de uma “verdade” administrativa implicava em que se dependesse para a condugio das empresas dos “homens de genio”, cuja incidéncia e aparecimento ‘eram aleatérios. ‘A criagio de uma categoria especial, os administradores profissionais, s6 seria possivel quando se consolidasse um “conjunto de princfpios” & maneira do que acontecia com outras atividades, tal como na medicina, no direito, na matematica, para citar apenas alguns exemplos. A consolidacéo de um conjunto de conheci- mentos, que se faria de maneira ordenada e segundo uma metodologia adequada a0 objeto em estudo, permitiria néo apenas a acumulagio de conhecimentos, bem como a sua transmissdo através de um processo formal de educacdo. Eesta transmissio de conhecimentos de maneira sistematica, rotinizaria, de certa forma, 0 processo de criagéo de habilidades administrativas, eliminando a contingéncia em que entéo acreditava Taylor — todos se encontravam com relagio ao “homem de génio”, o que implicava na crenca de que 0 administra- dor nao podia ser formado, pois as suas habilidades seriam o resultado misterioso de capacidades inatas que se desenvolve- riam mediante a pratica. Quando se tratou. de buscar uma forma de criar uma “ciéncia da administracio”, Taylor voltou-se, mais, or intuicéo do que por reflexao, a utili- Zagio da jé tradicional metodologia da ci- éncia que ha trés séculos vinha se mos- trando frutifera no campo das ciéncias da natureza. A “revolucio” do espirito cien- tifico na idade moderna tivera lugar gracas a contribuicdo decisiva de Francis Bacon, Galileo Galilei e René Descartes. O que aqueles pensadores realizaram foi a trans- formacio radical da prépria concepgio de ciéncia, bem como de sua finalidade, sendo abandonada a nogio de ciéncia, enquanto atividade especulativa, o que vale dizer contemplativa, que dominara 0 pensa- mento ocidental desde a antiguidade classica até 0s fins da Idade Média, para substitui-la por uma concepgao de ciéncia enquanto instramento ativo para possibi- litar a extensdo do dominio do homem sobre os fenémenos da natureza A atitude de fazer da teoria de organizagio uma disciplina voltada para o estudo e a reflexao sobre estas fungdes € exatamente o que permite imputar 40 fayolismo um carter universalista e localizd-lo numa posigao destacada entre os administradores "cléssicos” A cigncia deveria possibilitar 0 entendi- mento dos fenémenos naturais para que estes pudessem ser explicados, verificados e previstos, objetivando-se ao final o seu controle. A utilizacdo dos resutados da matematica, como instrumento para ex- pressar quantitativamente os referidos fe- némenos, foi um passo decisivo, pois, a0 expressar-se quantitativamente um fend- meno, nés automaticamente Ihe imputa~ ‘mos um caréter mecanico e repetitivo, 0 que permite, em conseqtiéncia, prevé-loe, em tiltima instancia, controlé-lo. As etapas desse método so bastante conhecidas, porém no cremos impréprio assinalé-las. Num primeiro momento, te- ‘mosa observacio, que, todavia, nao émais realizada de maneira puramente con- templativa, mas pressupde uma atitude critica da inteligencia ao caracterizaro que deve ser observado. Um segundo mo- mento € 0 de elaboracio de hipétese. O terceiro momento é aquele em que as hi- poteses sdo verificadas e, dependendo do resultado dessa verificacio, elas passam a ser consideradas verdadeiras ou falsasena primeira alternativa sio incorporadasa um conjunto de conhecimentos que possibili- tema construgdo de teorias mais amplas. Na verdade, o taylorismo na sua busca _TEORIA DA ORGANIZAGAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS dda one best way partia do pressuposto de que existia uma verdade implicita na ma- neira de se fazerem as coisas ¢ constituia a tarefa da razdoa sua descoberta. Apesar de Taylor ter-se tornado particularmente cé- Iebre como o criador dos estudos de “tem- [pos e movimentos”, cumpre notar que os tempos ¢ movimentos nao constituiam, como ele mesmo assinalou varias vezes, 0 ponto central de suas idéias. Constituiam antes um meio de racionalizar o trabalho humano e um instrumento de verificagao, anélogo aos métodos de medigao utiliza- dos na etapa de observacao para as ciéncias da natureza. A Escola Classica de admi- nistragio caracterizou-se poraplicar a rea- lidade industrial, dos fins do século pas- sado e principios de nosso século, os mes mos procedimentos e o mesmo quadro conceitual que se havia provado de grande valia e, inclusive, permitindo um grande desenvolvimento das ciéncias da natureza ‘A necessidade de “transformacao de mentalidade”, que Taylor chega a propor como definido final e a mais adequada para o movimento da “administracao ci- entifica” (scientific management), nao seria mais do que a aceitacio de que a adminis- tracéo deveria tornar-se um campo de co- hecimento tao cientifico, como a realida- de da natureza jd se tomara para as ciéncias de tipo fisico-matemético, e que seria for- cosamente passivel sua transformacéo numa ciéncia quantificdvel, onde se en- contraria uma verdade definitiva, a ma- neira matemética,e que tal seria fatalmente alcancado, sendo apenas uma questio de tempo. quadro de uma ciéncia da adminis- tracdo, como visto pelo francés H. Fayol, nao divergia em suas idéias gerais do que havia sido tentado por Taylor. £ mister reconhecer, contudo, que Fayol é, indis- cutivelmente, o nivel mais elevado quando se cogita esse assunto. Sempre se notara que as formulacées de Taylor permanece- rama nfvel de fabrica, sendo tal afirmagao particularmente verdadeira para 0 seu li- ‘vr0 Shop Management, publicado em 1906. (© Principles of Scientific Management, ape- sar do caréter ponposo de seu titulo, nao introduz grandes inovagées quando com- parado com a obra anterior, e a mesma sensagio de que se permanece ao nivel de fAbrica persiste. J4 no é possfvel fazer as ‘mesmas afirmacdes a respeito de H. Fayol. Sua obra Administracio Geral e Industrial, ‘cuja primeira edicdo data de 1916, contém elementos que nos colocam claramente noutro nivel administrativo, ou seja, a ad- ministracio de cipula. Néo encontramos no fayolismo a preocupacio com a “racio- nalizagio” de tarefas ¢ os estudos de “tempos e movimentos” que constituem 0 traco distintivo e ocupam a maior parte das ‘obras de Taylor. Nada de propriamente ‘operacional, ou a nivel de execucao de ta- refas, 6 abordado pelo industrial francés, ‘suas preocupacées voltam-se no sentido de abstrair a partir de um grande ntimero de tarefas, forcosamente heterogéneas, aque- las que seriam propriamente administrati- vas e que conseqiientemente seriam atri- buicdo especifica do administrador. Dai poder qualificar-se Fayol como um funcionalista, pois sua preocupacdo fun- damental foi conseguir agrupar as tarefas cessencialmente administrativas desempe- mhadas pelas pessoas no interior das or- ¢ganizagdes e dar-Ihes o nome de fungies. ‘Oque estas possuem de mais caracteristico 0 seu afastamento com relacio ao roti- neiro das organizacdes. O administrador para Fayol é justamente aquele que néo se dedica a realizacio de tarefas rotineiras e, ‘em resumo, aquele que nao se deixa ab- sorver pela operacio da empresa. A atitude de fazer da teoria de organi- zagao uma disciplina voltada para o estudo € 8 reflexao sobre estas funcbes € exata- mente o que permite imputar ao fayolismo tum caréter universalista elocaliz4-lo numa posicio destacada entre os administrado- res “cléssicos”. A identificagio entre a ci éncia da administracao e a teoria das fun- ‘Goes administrativas é que dé ao fayolismo © seu cardter de tentativa cientifica, na medida em que tenta reduzir a multi- plicidade a unidade, ou pelo menos tenta introduzir um ordenamento racional a0 real singular e até certo ponto caético. Nao cremos que as demais “escolas” de administracio tenham se afastado deste sentido da racionalidade até o momento apontado. As experiéncias e teorias de G. Elton Mayo e de seus seguidores, do cha mado grupo das Relagdes Humanas nao negaram a necessidade da racionalidade na esfera da administracio, mas antes se satisfizeram em apontar algumas limita- ‘Bes dos tesricos anteriores, sem todavia contestar-lhes os fundamentos. O préprio 17 18 Mayo em seu tiltimo livro The Social Problems of an Industrial Civilization, a0 avancar uma explicacao sobre as causas de no se terem desenvolvido em nossa civi- lizagao industrial as “habilidades sociais” (ocial skills) com a mesma intensidade com que se desenvolveram as “habilidades técnicas” (technical skills), acaba por de- plorar o estagio em que se encontravam as ciéncias sociais, devido, em iltima instan- cia, a0 fato de nao terem logrado realizar ainda a “revolucao cientifica” que as cién- cias da natureza haviam realizado no inf cio da Idade Moderna. As “habilidades técnicas” se transformaram no trago pre- dominante da civilizacao ocidental, através de sua industrializagao e do dominio da natureza pela tecnologia, porque as cién- cias da natureza haviam se limitado a atacar pontos especificos do real e em conseqiiéncia tornaram possivel a “opera- cionalidade” neste setor do conhecimento eda atividade humanos. O mesmo ainda nao havia sucedido com as ciéncias sociais, que permanecia presas a um passado ain- da de pura especulacio, sendo mais uma “filosofia social” do que uma ciéncia socal. A atividade econémica anterior ao capitalismo desconheceu, de maneira

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