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ISCTE-IUL

Licenciatura em Antropologia

Unidade Curricular: Símbolos: Linguagem, Ação e Cognição

Maio 2021

A evolução das espécies

Discente: Mariana Maria | nº93872

Docente: Francisco Oneto


Abstract: Nowadays, it is known that the "cognition", "communication" and "action" are
essential for the evolution of all species. However, there are other hypotheses for their
evolution, such as the Love Hypothesis (Enrique Burunat), Shared Care (Sarah Blaffer
Hrdy) and Self Domestication (Robert G. Bednarik).

Palavras-Chave: Evolução, Espécies e Símbolos

O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito da unidade curricular Símbolos:


Linguagem, Ação e Cognição e tem como objetivo principal a análise da hipótese do
Amor, do Cuidado Partilhado e da Auto Domesticação.

A “cognição”, a “comunicação” e, por conseguinte, a ação são essenciais para a


evolução de todas as espécies. Contudo, os autores Enrique Burunat, Sarah Blaffer Hrdy
e Robert G. Bednarik revelam, nos seus livros, que existem outros fatores que influenciam
o desenvolvimento das espécies.

A hipótese do Amor – Enrique Burunat

Na evolução dos hominídeos, a primeira etapa corresponde à infância. De acordo


com o autor, esta evolução só é possível devido à existência do amor maternal. Este pode
ser observado facilmente na natureza “…the mother crocodile or certain cichlids in the
sea carrying their young by the mouth from one place to another to protect them from
predators ... certain ungulates or birds limping ostentatiously before lions and other
predators to keep them away from their young hidden in the long grass…” (Love is the
cause of Human Evolution, 2014). Tais exemplos, revelam como o amor não é
determinado pela genética, mas por vários comportamentos que os seres vivos tendem a
ter uns com os outros, ou seja, o amor é crucial para o desenvolvimento de qualquer
espécie.

Enrique Burunat explica que uma das manifestações de amor são as carícias, e que
estas devem-se aos recetores sensoriais extremamente sensíveis das palmas das mãos e
dos dedos, que permitem aos primatas (hominídeos) expressarem o amor que sentem uns
pelos outros. O autor dá o exemplo das cócegas que possivelmente estão associadas às
práticas que incentivam a comunicação do ser humano, para expor a importância das
mãos como um papel fundamental na experiência e comunicação do amor.

Apesar de o amor e o prazer sexual terem fins diferentes, ambos combinam


sinergicamente para promoverem a estabilidade da família e, desta forma, a sobrevivência
dos seus descendentes. Relativamente aos seres humanos, o autor, menciona outro fator
importante para a estabilidade das famílias, a fidelidade. Esta surge do amor maternal,
contudo Burunat afirma, que a fidelidade é um “…the result of an addictive process
created by natural selection to ensure the biological fitness of the human species,
accompanied by its success in reproduction…” (Love is the cause of Human Evolution,
2014)

Para o autor, o amor maternal é a razão pela qual, a longevidade feminina é


superior à dos homens. O amor é gerado e mantido pela atividade cerebral das mães e,
por conseguinte, as mesmas possuem um maior desenvolvimento para compreender em
fases iniciais a organização familiar, a seleção sexual e a aptidão humana. Em relação ao
amor maternal, Burunat explicita a importância da linguagem, isto é, a dependência do
amor no desenvolvimento da linguagem. Começa por afirmar que, o principal estimulador
da fala é a comunicação entre a mãe e o filho e que os sons iniciais produzidos pela mãe
ajudam a fortalecer a relação entre mãe e filho. De seguida, menciona que a linguagem
das meninas em relação aos meninos é mais desenvolvida, o que demonstra a preparação
para a comunicação do cérebro feminino, e, por conseguinte, a sua facilidade na criação
do amor maternal, ou seja, a necessidade de o ser humano conseguir comunicar com os
outros, fez com que as condições genéticas se desenvolvessem.

O autor supõe que a conceção do amor na evolução humana deve ter sido
associada aos circuitos cerebrais responsáveis pela empatia e por isso menciona a
importância da relação entre o cérebro e o amor.

De acordo com Enrique Burunat “The substrate of love involves several cortical
and subcortical structures of various functional systems, for example, the mesolimbic
reward circuit already mentioned and which is involved in its addictive character, but
also others, such as the mirror neuron system and the mentalizing system.” (Love is the
cause of Human Evolution, 2014), estes circuitos são essenciais para o ser humano
conseguir interagir no meio social e nas suas relações mais íntimas (família), no entanto,
sempre que exista uma falha nestes circuitos, desenvolvem-se perturbações na mente
humana, como por exemplo, o autismo e a esquizofrenia.

Todavia, quando não existem falhas nesses circuitos, a ausência do amor na


infância também pode gerar graves problemas. Quando a infância remete ao abandono, à
violência e ao abuso sexual, existem perturbações no funcionamento do cérebro da
criança, que mais tarde irão ter consequências na sua vida adulta, e consequentemente, as
gerações seguintes também terão.

Por outras palavras, Burunat afirma que o amor maternal é um dos pilares da
formação da mente humana e por isso o amor deve ser considerado um fator crucial da
epinefrina genética para o desenvolvimento do cérebro e da mente humana.

A hipótese do Cuidado Partilhado – Sarah Blaffer Hrdy

Para explicar a hipótese do cuidado partilhado Sarah Blaffer Hrdy, afirma que o
ato de partilhar e cuidar já era manifestado no tempo em que os seres humanos viviam
como caçadores e recolectores. Nessa época, uma criança desde muito nova já mostrava
interesse em comunicar com os outros e desta forma também estaria habituada a ser
alimentada e tratada por vários membros do seu grupo/sociedade.

Todavia, o ato de partilhar no ser humano não se observa apenas entre membros
da mesma sociedade, com também entre sociedades, por exemplo, a prática de troca de
presentes na Melanésia, onde os intervenientes viajam centenas de quilômetros de canoa
para oferecerem e, por conseguinte, fazerem circular objetos de valor, que podem ser
vistos na Nova Zelândia, Samoa e nas Ilhas Trobriand.

Segundo a autora, sempre que a dádiva de presentes ocorre no meio animal, é


muitas vezes um assunto altamente ritualizado e instintivo, por exemplo, quando uma
mosca escorpião macho oferta presas como um "presente nupcial" para induzir a fêmea a
acasalar. Assim, são raros os momentos em que os animais oferecem voluntariamente
algo. Exceto as espécies com atitudes similares aos seres humanos, pois também possuem
a reprodução cooperativa, onde há o cuidado partilhado dos filhotes.

Sarah Blaffer Hrdy explica que as mães humanas, por norma, são mais tolerantes
aos cuidados-partilhados no pós-parto do que as mães macacas, pois são mais capazes de
avaliarem os custos e benefícios de seu próprio comportamento do que os macacos, ou
seja, as mães humanas têm mais consciência de que precisarão de ajuda para criarem os
seus bebés. Assim, “…the mother lays the foundations for the emotional bonds that link
her baby to potential carers and vice versa…” (Mothers and Others, 2011), para que os
membros do grupo saibam que ela está a contar com a ajuda deles. Outro fator, consiste
na confiança que a mãe tem nas boas intenções do seu grupo, permitindo que esta baixe
a hiper-vigilância compulsiva. O mesmo não acontece com os macacos.

Nos casos em que o cuidado-partilhado é observado nos primatas, como por


exemplo, nos lémures de Madagáscar, as mães partilham os cuidados, que têm com os
seus bebés, que muitas vezes são gémeos, com o pai e por vezes com outras mães. Outro
exemplo, são os bebés de Galago que são cuidados por todas as mães, tias e avós. Os
primatas preocupam-se muito com a sua descendência. As mães lorisídeas escondem os
seus bebés dos predadores em sítios diferentes, assim, se um predador encontrar um dos
bebés e o matar, a mãe ainda possui outros herdeiros. Desta forma, as mães macacas com
apenas uma cria, são mais cautelosas do que todas as outras.

Por norma, os filhos são mais apegados às mães, contudo, as crias das espécies de
macacos noturnos de olhos arregalados do género Aotus são mais apegados aos pais, do
que às mães. Estes pais não só alimentam os seus bebés, como também os carregam para
todo o lado. Isto é, os pais seguem as mães, dia-após-dia, carregados com a cria e sempre
que esta necessitar de alimento, o pai coloca-a perto da mãe.

A hipótese do cuidado partilhado que a autora nos apresenta, mostra ser


extremamente importante para o sucesso reprodutivo materno, todavia a ausência deste
conceito, revela ser prejudicial para as espécies. Por vezes, as fêmeas dominantes matam
as crias das fêmeas concorrentes e, outras vezes, quando as mães sentem que não
conseguem tomar conta das suas crias, acabam por as abandonar, o mesmo acontece,
sempre que as crias são mal sucedidas.
A autora menciona, que os mecanismos neurais e a endocrinologia subjacente são
fatores que favoreceram o cuidado-partilhado. A aptidão da resposta universal aos sinais
infantis, típicos nos primatas proporciona os cuidados partilhados e, por conseguinte, a
evolução dos macacos. Contudo, os grandes símios africanos, da mesma forma, que
muitos outros primatas, são extremamente sociais e são caracterizados por histórias de
vida relativamente lentas. As evidências paleontológicas, apontam para o facto de os
nossos ancestrais terem vivido um “…year-round in highly gregarious, mixed-age
communities with slowly maturing offspring…” (Mothers and Others, 2011).

É notório que a maioria dos primatas adota a prática dos cuidados-partilhados. A


autora menciona, que cerca de 20% dos primatas evoluiram com o cuidado-partilhado.
Estes seres ao serem muito sociais, proporcionam um maior desenvolvimento na sua
espécie.

A hipótese da Auto domesticação – Robert G. Bednarik

Para elucidar a hipótese da Auto Domesticação, Robert G. Bednarik começa por


expor que os sociólogos têm interpretado mal o conceito de auto-domesticação, pois
estudos e análises que se fazem àcerca do conceito, têm como fim relacionar esse conceito
à eugenia do ser humano e a falta de estudos realizados pelas ciências biológicas àcerca
da auto-domesticação impediram e continuam a impedir o desenvolvimento do
conhecimento neste conceito. Para consolidar o seu argumento, o autor menciona
Joahannes Ranke, Bagehot, Hodder, Boas e David Rindos, entre outros.

Joahannes Ranke interessava-se essencialmente pela pré-história e, por


conseguinte, nos seus estudos sobre a auto-domesticação rejeitou as teorias raciais e
biológicas, e deu mais relevância aos efeitos causados pelos fatores ambientais no
desenvolvimento histórico das populações. Boas defendia que os efeitos da domesticação
do homem eram observáveis essencialmente nas mudanças dos estilos de vida, assim
como, nas diferenças do comportamento sexual, da pigmentação da tez, dos tipos de
cabelo e das estruturas faciais. Bagehot e Hodder afirmavam, que o conceito de auto-
domesticação estava ligado ao desenvolvimento do ser humano, isto é, à passagem do ser
humano do estado “selvagem” para o civilizado e que o conceito relacionado com o
domicílio. Alguns autores mencionados pelo Robert G. Bednarik, defendem que a auto-
domesticação se desenvolveu na época do Holoceno e está intrinsecamente ligado à
Revolução Neolítica. Contudo, o autor Bednarik, afirma que este argumento não é válido,
pois “dental and craniofacial reductions in humans are clearly not related to Holocene
lifestyle changes; they began tens of thousands of years earlier” (The Domestication of
Humans, 2020), ou seja, não existem provas na história dos hominídeos de quando se
iniciou a domesticação.

Como foi referido anteriormente, estes autores relacionam o conceito de auto-


domesticação com a eugenia do ser humano, contudo Robert G. Bednarik, refuta essa
possibilidade, pois a hipótese da auto domesticação é um fenómeno complexo
multifacetado e genérico, que sempre existiu na natureza e, por conseguinte, afetou
inúmeras espécies, mesmo antes da existência do ser humano. O autor explica também
que a auto-domesticação das plantas, dos animais e fungos deve-se à alteração genética
da sua fisiologia, da sua aparência, do seu comportamento e do seu ciclo de vida através
da reprodução seletiva. Inúmeras espécies de animais invertebrados e vertebrados auto-
domesticaram outras espécies, com o fim, de servirem de fonte de alimento ou para
facilitarem o seu trabalho. O mesmo aconteceu com o ser humano, durante a sua evolução
conscientemente ou inconscientemente domesticou inúmeras espécies vegetais e animais,
ou seja, de acordo com o autor " there is no hard and fast separation between
domestication and symbiosis " (The Domestication of Humans, 2020).

Segundo Bednarik, o arqueólogo David Rindos, através da introdução do conceito


de mutualismo (uma simbiose benéfica tanto para o domesticador como para
domesticado), foi quem mais contribuiu para a compreensão da natureza do conceito de
auto-domesticação, como um fenómeno Universal, pois antecipou o modelo co-
evolucionário da cultura de género, que foi desenvolvido anos mais tarde.

Para consolidar a sua opinião, o autor, apresenta a "síndrome de domesticação",


que consiste num conjunto de particularidades fenotípicas consequentes da domesticação.
Esta síndrome é conhecida, há cerca de um século, contudo a sua investigação metódica
é um desenvolvimento bastante recente. A síndrome da domesticação, relativamente aos
animais vertebrados, inclui modificações a nível da morfologia craniofacial; das
alterações no formato das orelhas e da cauda; da redução da coluna vertebral; das
modificações dos níveis hormonais adrenocorticotrópicos e nas reduções tanto no
tamanho total do cérebro, assim como em zonas particulares do mesmo. Bednarik
defende, que estas mudanças provocadas pela domesticação são fundamentalmente
genéticas e aparentam ser irreversíveis.

Por outras palavras o autor defende o aumento do poder dos imperativos de ordem
cultural sobre os imperativos de ordem natural, ou seja, existe uma oposição entre
natureza e cultura. Por exemplo, os humanos há cerca de cinquenta mil anos, começaram
a ser atraídos uns pelos outros e passaram a selecionar os seus pares de acordo com as
características culturais, ou seja, as leis da evolução estritamente biológica ficaram como
"suspensas", porque foram suplantadas pelas leis mendelianas.

A partir do século XIX até ao início do século XXI, os estudos sobre a auto-
domesticação ignoraram totalmente a natureza biológica do fenómeno e substituíram-no,
por uma estrutura antropocêntrica, na medida em que, o conceito foi analisado através de
uma noção simplista que igualava a domesticação humana a uma noção arqueológica de
domesticidade.

Conclusão
A Cognição, a Comunicação, a Linguagem e os Símbolos são conceitos
importantes para a compreensão da evolução do ser humano. A cognição permite ao ser
humano cogitar sobre algo ou alguém e, por conseguinte, permite criar um conjunto de
representações de ordem prática e simbólica, e assim permite criar uma visão
cosmológica. Todos os seres humanos, independentemente da sua cultura ou sociedade,
possuem vertentes que interligam a coexistência entre os mundos reais e os míticos, pois
sem esta interligação, não haveria inteligibilidade e, por conseguinte, remeteria para a
incapacidade de entender e justificar a sua existência a nível individual e social. A este
“acontecimento” Eduardo de Taylor e outros antropólogos apelidaram de Animismo.

Todos os seres vivos comunicam-se através de sinais, sons, entre outros. Contudo,
só o ser humano possui linguagem verbal e articulada, ou seja, a capacidade de traduzir e
expressar os seus pensamentos recorrendo à linguagem simbólica que é condicionada
socioculturalmente. A arte rupestre é um exemplo dos primórdios da sua manifestação
artística, ou seja, da sua manifestação simbólica. Por outras palavras, o ser humano
consegue criar narrativas sobre si mesmo, ou sobre os outros. Assim, revela ter
autoconsciência e capacidade de criar estórias, através da sua memória descritiva num
dado espaço temporal. O ser humano ao ter consciência da sua existência, a nível
cronológico e espaço sociocultural, contribuiu imenso para a sua identidade individual e
social e, por conseguinte, para o entendimento de quem “ele” é.

Contudo, é importante salientar a noção de que cada ser constrói o “seu” mundo a partir
das suas capacidades sensoriais / motoras, ou seja, relacionam-se com o mundo,
comunicam com ele e recebem estímulos de forma diferenciada. Isto permite-nos afirmar,
que a troca de informação que cada ser humano mantem com os seus ecossistemas, é
personalizada.

O conceito de neotenia, está relacionado com os conceitos mencionados


anteriormente e consiste na persistência de traços fetais/juvenis em organismos adultos,
ou seja, a noção da incompletude de cada espécie. Este conceito ajuda o ser humano a
entender uma grande parte das condições/limitações da sua espécie (originalidade
biológica como também os aspetos de ordem cultural) e, por conseguinte, a entender a
história da evolução da espécie humana.

Atualmente, sabe-se que há pelo menos cinquenta mil anos, os primatas


(hominídeos) africanos eram criaturas pesadas e robustas, que num longo processo de
desenvolvimento, enfrentaram num conjunto de circunstâncias, nomeadamente
ambientais, que os obrigaram a adaptarem-se ao meio onde se encontravam, ou seja, os
humanos devido à neotenia conseguiram adaptar-se a todos os ecossistemas conhecidos
do planeta terra. Ao contrário de muitas espécies, o ser humano possui uma enorme
vantagem adaptativa (plasticidade humana).

A passagem da espécie humana, da robustez para a gracilidade (Bednarik), tornou-


se completamente visível no período entre o final da época do Pleistoceno e o início do
Mesolítico. Durante este período, o amor maternal foi essencial para a evolução das
espécies, assim como o cuidado partilhado. Nesta época, os mecanismos da evolução pela
seleção natural ficaram suspensos, pois um grupo de primatas(hominídeos) desenvolveu
um conjunto de competências, de forma tão sofisticada a nível das suas capacidades
simbólicas, que começou a dar atenção aos estados mentais dos seus semelhantes (Teoria
da mente).

Desta forma, a continuidade das espécies, passou a ser determinada pela Auto-
Domesticação e a evolução biológica darwiniana deixou de fazer sentido, ou seja, os
humanos passam a intervir através da seleção intencional devido a fatores culturais,
alterando assim as leis evolutivas normais.

Bibliografia

Bednarik, R. G. (2020). The Domestication of Humans.

Burunat, E. (2014). Love is the cause of Human Evolution.

Hrdy, S. B. (2011). Mothers and Others.

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