Isolamento Como Sintoma de Auto-Alienação - Elogio Da Teoria - Gadamer

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ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO-ALIENACAO Ao filésofo cumpre a clarificagio dos conceitos, no a apresentagao de um novo fundo de conheeimento obtido através da investigagio empirica. Na via dessa clarificagio de ‘conceitos deve procurar-se uma resposta para a pergunta: “Ser ‘0 isolamento um sintoma da auto-alienagao?” ~ Que é um sin- toma’ Um sinioma é aquilo em que algo se conhece, porexem- plo, uma doenga, A sua estrutura logica é ser algo manifesto ‘em que se torna visivel algo ocultoe perigoso. Os Gregos tinham tuma formula antiga para a sua intengdo investigadora, que em portugues reza assim: a visibilidade do oculto reside no que a Si se mostra, No conceito de sintoma ni est, pois, implicita tuma conexio causal, Nao se afirma que o sintoma é a conse~ {quéneia imediata daquilo que indica, mas diz-se que deve haver luma conexio indirecta entre o sintoma, que permite conhecer algo, ¢ 0 que assim se di a conhecer. E conveniente, pois, a propésito da pergunta de se 0 isolamento serd um sintoma da ‘auto-alienagao levantar simultaneamente a questio de saber se a auto-alienagdo é a causa do isolamento.. I. Isolamento e Solidao ‘Atendemos, primeiro, ao facto de estar aqui em causa 0 ‘solamento, ¢ nao a solidao. Assim, a primeira questio que ” ELOGIO DA TEORIA temos de levantar ¢ se poder haver isolamento para quem conhece a solidio. O isolamento & uma forma de perda, proximidade aos outros que entra af em perda, Na experiéncia a isolamento, por conseguinte, parece que se sofre de solidao. Mas a solidio é um fendmeno muito ambivalente. O olhar do, fil6sofo, ede todo aquele que pretende deterse reflecticamente nna experiencia da solidi, recai de imediatoem dois aspectos, ‘muito diferentes da solidao. Nem sempre a solidio é um, sofrimento. E claro que esta se apresenta, primeiro, sob essa, forma. Inclu-se nela o abandono pelos amigos — pense-se em. Job ou em Cristo no Monte das Oliveiras. O abandono pelos, ‘amigos €0 abandono da proximidade sustentadora dos outros, ‘Semethante abandono da proximidade fundamental dos outros encontra-se talvez. em estreita vizinhanga com outros aban- donos de que de que temos noticia, o ser-abandonado-por- Deus. Inclusive, na expressio “local abandonado por Deus” ressou 0 originario abandono por Deus, que fia tim palavra de Cristo na cruz. Existe em toda a experiéncia religiosa uma {intima relagio entre o abandono da proximidade dos outros e ‘© ser abandonado por Deus. Nio € somente © mandamenta cristo do amor que vé a unidade entre o amor a0 pedximo ea relagdo com Deus. Hi uma bela frase de Euripides: “Abracar ‘os amigos, eis 0 que é Deus”. O que 0s Gregos queriam expres- ‘sar com isso €a mesma coisa designada, uma vez, por HOerin como a esfera comum, que é Deus. Em semelhante determi- ‘nagiio conceptual est implicito o contrério da solid, Estar ‘numa esfera comum e ser sustentado por algo comum — 0 sett sdesaparecimento ou a sua perda € 0 que € chorado no luto do isolamento. Mas ser abandonado por aquilo que nos € comum, Enos sustenta és, sem divida, apenas uma vertente do fendmeno dda solidzo. Existe também uma procura da solidi, Temos de irao fundo deste Fenmeno, caso queiramos situar no correcto nivel da questdo o problema da auto-alienagdo do homem na sociedade. A busca da solidio € uma descoberta que, no essencial, entrou na consciéncia geral através de Rousseau, Em muitos locais da Alemanha existe um “eaminho dos, fil6sofos” ~ o de Heidelberg é particularmente eélebre, Este ‘caminho do filésofo, para quem tem um ouvido histérieo, ndo assim designado por causa dos professores de filosofia, En 98 ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO-AL ENACAO se antes por filésfo umhomem que tem uma acentuada inclinagao par ir passear sozinho paras redonde as. Esse sentido oniginal da frequent destgnagto espacial eaninho dos fldsofos, Na realidad, no €evidente que alguém quer ‘ir passear sozinho, Talver isso sea, de facto, proprio apenas ddetuma época da interioridade e da procura da inocéncia da natreza em pena compo ds costumes Se com Rousseau, me € permitido expressa-me em termes de erica da cultura, {Oeque se buset na demand da soli nao € a verdadeira solide, mas 0 “deterse Ii junto algo, imperturbado por Gualquer outro e por todos os outros. Assim, no caminho dos fésatos, no se procura verdadeiramente solid, mas 0 Suave respira da hatureza, que eada qual aollie na sa vide om un gesto de simpati, Goethe pos o tocador de harpa & anlar: “Quem se consagra solids, ah, em breve estar Sozinho”, O sentido deste verso consist em que a solid € apa de exercer umn alracgio sobre a alma humans, e de {quase despertr uma embriaguor quese protege detdo 9 que pode pertrbar a intimidade desse estado, A busca da solidio Sempre o queterperseverarem algo. ‘Assi, © amare procura a soldio, porque 0 alo, este cestardetido.em algo asente, que no pode sr substiuido por nenfium presente possve, totalmente cumula. A solido, de ‘modo aio intentado, tambémestapresenteem redor do vel (que se pressente A sua volta é manifestamente a sold Pore o aneiao pode olharrerospectivamente,eolha, para muita coisas, tomarse inacessWvel aos outros. Pense-se nes {randiosos reatos da slidio da poca tarda de Rembrandt “ha solico ds olhos que nos devolvem o olhar sombrio: nao ‘7S mais naa, porque nada mais espera, porque nada mas olka 1 sua fente: pelo contri, ola para ts em si. Uma outa, fornia de solidao que nos acomete de modo no intentado € Solidi ocuta no prader O poderoso est 6.0 demontaco do Pode pots a tenativa de exorquir ao poderoso& sua vontade Entecipaca nos mil eaminhos da lsonja, pelo que os grandes dross foam também os que mas desprezaram os homes. A\lisonja eo temortevem age o ve de solidio que evolve 0 poaeroso,Também asolidao do sabia no pode ser considerada ‘Como um abandono, O sabi est $6, porque nao partlha os 99 ELOGIO DA TEORIA, interesses dos outros, porque, eragas & sua capacidade de experiéncia e A auséncia de ilusses do seu olhar virado para a realidade, nfo the & possfvel comungar na embriaguez dos ‘outros, O grande exemplo de tal solidao é Zaratustra na poesia de Nietzsche; deve, uma e outra vez, buscar a solidao. O que o oma tio $6 € 0 saber, um saber que 0 separa de todos 0s outros, que o persegue ao longo de (oda a historia da sua vida so {ma a visto do desmoronamento de todos os valores que vigo- raram até ento. Por fim, sabemos que se busca a solid0 20 abrigo da fé reljgiosa; no Cristianismo, conhecemos a solidiio de quem ora, que remonta a solidzo do Filho do Homem. ‘A solidi €, portanto, algo muito diferente do isolamento. 0 isolamento é uma experiéneia de perda, a solidio é uma experiéncia de rentincia, O isolamento € algo que se sofre, a solidio é procurada. I, Auto-alienagdo e constrangimento social ‘As nosss consideragies prévas ensinam-os que o bem conhecido fendmeno social da autoalienag esta proximo do solamento,O conceito de auto-alenagio€ uma expres para uina doenga da soctedade, ou talvez tambérn uma ex: press paraoslrimento que asociedde produ A alienagao Dressupoe sempre uma faniiaridade originate experimen. {ida como um estrahamento crescent, Quando dovs homens Salicnam, cada umn dele sentcuma estanteea peranteo outro, {que antes ja esteve proximo, Ainda ndo se trade uma sepa: tag, de uma rtura, mas de uma inguietagtocrescente cerca {i falsidade de una proximidade familia famiiridade ainda nio desapareceu, mas € algo como ura familiardade a dlesvanecer-s, Quem s isola fazesta experincia de ma fami Tiaridade que seevolaem grande eseala.O mundo da proxi dade tomase The, na sua lotlidade, ea ver mais estanho, Como se sabe, € proprio da fatima tendéncia enteadora do isolamento ser ineapaz de dele sair e de se apresentar 0s outros pelo contaro,afogamo-nos nee, Por isso osolamento tem sempre algo que ver com oestranhamento dos homens no tmundo.e no mundo humano, 100 ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO. sNAGAO Mas al isblamento anda i é uto-alenago do homem na Sociedade, Que faire perganto eno, se ora a es fRannaAfespostaso pote pera sept: o raat, nga trabalho propio, tomas estranho a0 ome. A raz € que, fies de mal; trabalho determina esseniaimente nossa identdade Lo & evident, mas sigaifics a realidad, que © thao =i demo dnc coi des trundano da traigto polit, object da nosta venerapso, Guee que poe lovar aque otha into nios pare como abalh proprio? "A nossa sociedide humana assent, € no apenas na ‘modernidads, no principio da divsio do trabalho, guer dizer, ‘ent no facto Ge o trabalho realizado pelo individu nao Satsfuvermediatamenteasstasnecesidaes, mas svt para ‘vsaisfagao de nevesidades comune, E'€iguslmente caro die, nese sistema de salfugio de necessidades comuns ‘tfaves da activdade em trabalho divides, nfo se descreve am preciso o conceito de necessiade, E discutvel jos fone aguilo que a sctvade do Homer, nom rabalh d ‘id, ten de realizar o que necessrio vida ou, além dso, mai alguma coisa? Ser em geral possvel uma sociedad Mie fina quando tas do abalho seexige apenas o necesito? ‘Valea ponareletirem que modida em eabsmeno, neste vasto Zemido do superfine e do excedente,aquilo que os Gregos Sksignavam por 16 kid, o belo, como qual Sociedade ham se saisfaenguanto urna. Chamamos profssdo forma em que ma. sociedad se organiza agora actvidae em tabalhodividio e determina o fav ids na sua posi eatvament sociedad. A pro fisato tem a forma da identficago indreta com o perl. © Sent da profissio€ manfestamente que as areas a5 r5- Ponsabildades especficas que consituem a actividade do Fuiduo tena aconscenca da egitmagiosrvés do gral. “Temon aa de nos iterropar sobre o questa org Jo eta “em profissto apota A vida da vociedade no seu Yodo. Uma ots me parece cna: aretracyao da possfblidade de ide aqao como feral €o que desigsmos como auto-alienagio ddoomem na sociedad, ior ELOGIODA TEORIA Esta auto-alienagdo foi jf lamentada em vor alta na época do Tluminismo. As cartas de Schiller Acerca da Educugio Estética do Homem falam da maquina morta, sem alma, do Estado, na qual todo o individuo esté active como uma rod ou um elo, sem ~eis o sentido afirmativo da metifora ~ estar ligado, na’sua propria consciéncia, & actividade do todo, Fol ‘contra a miquina morta, sem alma, do Estado que Schiller, has suas grandiosas eartas, algou a ideia da livre actividade do homem de um Estado da liberdade, e para a qual propés, aquele notivel desvio weimariano sobre 0 jogo e o Estado da «edlucagao estética. Mais além do impulso de Schiller, exerceu- «se a critica & forma da economia capitalista através de Karl ‘Marx, na qual a auto-alienagdo do homem foi reduzida 3 arti- ficialidade das relagdes de’ produgio, & {ndole feiticista do 4inheiro e ao carécter de mercadoria do trabalho humano. ‘Tudo isto € conhecido. A auto-alienagio do homem foi entao referida a uma determinadsa situagao de classe e signi ava a exploragio do proletariada pelos empresirios, Se hoje temos denos colocar novamente o fendmeno da auto-alienagio, ento também o problema se renova sob circunstincias assaz alteradas, Hoje, jndo se pode falar da auto-alienagiio do ho- mem na sociedade no sentido da exploragio de uma classe Por outta, ea tinica que frui de liberdade—como a consciéncia, ddo senhor que utiliza a consciéneia do servo e vive ainda do seu trabalho, Vivemos num Estado do bem-estar e num Estado social. Mas 0 que nele experimeniamos 6 agora uma singular © generalizada auséncia de liberdade; assim se me afigura a auto-alienagio, de que temos hoje de falar Em que assenta esta tltima? Que a auséncia de liberdade «que hoje experimentamos? Todos pensario imediatamente na, ‘consciéncia profissional, de que parti e que inclui uma referén cia directa a0 geral. Hoje, esta consciéncia experimentou uma imitagio caracteristica através da racionalizagao no empenho ‘eno uso da forga de trabalho humana, de tal modo que a cons. ciéncia fundamental do homem numa sociedade hiper- -racionalizada é a conscincia da fungibilidade de cada qual Resicem aqui, parece-me, os fundamentos a0 abrigo dos quais, se nos recusa a identificagio com o geral 402 ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO-ALIENACAQ, Descrevamos algumas formas dessa recusa. Sao experién~ cias de coacgio. Mas quuio notivel 6 0 constrangimento a que estamos expostos! Nao a coereio de um senhor, no € 0 constrangimento de alguém mais forte, nao éa coacgao de um dirigente que nos é superior. Esses constrangimentos seriam para combater através da resistencia propria. © que ‘marca o nosso sentimento de auséncia de liberdade & antes a ‘visto do proprio constrangimento objective racional, que tudo domina. © que experimentamos em todas as direcgbes & a complicagdo do sistema social de producio e de trabalho em que vivemos, em virtude do qual a inicitiva do individuo & Singularmente tolhida no wilhar do caminho, no trabalho, para ‘ geral, Na sociedade hiper-racionalizada hd algo daquilo que (0 psiquiatras designam como compulsio & repetigio, Com- pulsdo & repeticdo, repetigao compulsiva de acgoes, parece- me ser um bom sfiile para a esséncia da “administracio”. A administragio quer que se faga algo como jé foi feito. A repul- so de toda a novidade nestas coisas no’é uma mé vontade, ‘mas €a modelagio do nosso mundo administrado: que se saiba. sempre como algo se faz. Quem tem uma yontade diferente vé-se expostoa uma chamada A ordem, que nao lhe é transpa- rente, ao constrangimento objective racional. Isso torna jécom- preensivel porque ¢ tao perceptivel, em particular nas nossas Jovens geragbes, uma animosidade contra este mundo cultural ‘Ou consideremos outra experiéneia de tal constrangi- ‘mento, que é, mais uma vez, to inocente quanto durae trina. Refiro-me & compulsdo ao consumo, algo a que dificilmente alguém sem uma grande medida de liberdade interior se pode subtrair. Pois a organizagao das vendas c do consumo impoe~ “se formalmente através de todo 0 edificio do nosso sistema tecondmica, Nao é de facto possivel subtrair-nos aos bens de ‘consumo oferecidos pela industria e pela economia, numa es- pécie de decisio pela caréncia, quando a corrente dos desejos {de consumo gerados paralelamente nos nunda, por assim dizer, pelas portas dos armazén. Por detris disso encontra-se, todavia, um constrangimento ainda mais profundo; e, segundo me parece, o mais grave de todos: 0 constrangimento da opinido, que no se gers através cde um ordem, mas é edulcorado com o dace veneno da politica 103 ELOGIO DA TEORIA, ‘de informacdo. Todos estamos constantomente expostos a uma corrente de informagio, a que nio podemos subtrair-nos. Uma cerianga que cresga sem televisdo tem de o expiar mais tarde nas redacgdes da escola, porque niio conhece of temas para os {quais as vagas de informacao canalizaram a conseiéneia geral. A consequencia € um constrangimento de opinio, porquanto, ‘ainformagio j nfo é directa, mas mediada e deixou de passar pelo dislogo entre mim et; pelo contro, passa por um Grea seleetivo: através da imprensa, dos livros impressos, da rédio,, da elevisio. Fstes drgi0s slo, por sua vez, nos Estados demo- riticos, controlados pela opinido pablica; mas sabemos coma umbém af a coergdo objectiva de tilhos jé batidos limita a iniciativa e a possibilidade do controlo, Por outras palavras, cexerce-se aqui uma coaceao. Parece-me que ainda nio se apercebeu da seriedade da nossa situagaio quem pensa que tem ddehaver alguém culpado. A auto-alienagio do homem na socie- ‘dade actual € geral; anda a par da conscigncia de uma depen- déncia cestranheza opacas, pelo que o trabalho, aparentemente,, ‘io s6 nao produz um sentido proprio, mas esta ao servigo de ‘um sentido estranho e indiscernivel. E esta auséncia de liber- dade que é experimentada como auto-alienagio do homem na sociedade, ‘Tal auséncia de liberdade induz a uma retirada para aesfera privada. Mas quem vai por este caminho descobre simultanea- mente impossibilidade de tal retirada. Quando, pois, procuro “o brilho da luz do privado”, para me exprimir como Marx, ‘apenas oculto a mim proprio as dependéncias que invisivel- mente me determinam, Toda a omissdo da solidariedade politica, na entidade estatal livre, tem de ser paga por todos, pois o elemento comum que determinaré o nosso destino nao, € evitado pelo facto de nos agacharmos e esperarmos que 0 aio nos poupe. I. A amizdde — com os outros e consigo préprio A experiéncia de dependéncias indiscerntveis torna ‘compreensivel a pretenso contraria, que se poderia designar 104 ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO-ALIENACAO de consciéncia socal total a extrapolago do solo comum ‘da nossa vida para a forma de uma conscineia que arvora e ‘enalteceo futuro da sociedade como asa questo mais autén- tica. Ta consciéncia expressa-se hoje na acusago contra ‘a serugio dos pais, que deve ser culpada do estado de auséncia de liberdade por mim deserito, Expressa-se na forma da Stipersaturagdo do bem-estareivilizactonal em que vivernos,€ tambem na debandada para a utopia. Expresease sobretudo no eto de toda a Timitago ser experimentada como repressio incompreensivel. Existe para tal uma nova esintomstica pal ‘aque descobri, nfo hi muito, na ru, quando um entreista- dor interrogava as pessoas e usava esta formulacio: “Por que que nunc cessaapressio do sofrimento?” Esta nova féembla, esedo do sofrimento",pareee-me ser aexpressio eloquente pra uma attude de recuss fentea toda aexperiéncia da reali {dade E que aexperieneia da realidade €experignia de limites de reskstenciaynnea existe sem softimento, e € também Superagio da resistencia, Press do sofrimento, pelo conto, Soa como algo de que nos afastamos para a embriaguez, ainda aque seja para aquela que aabsoreo nas aegbes colectivaspro- Porciona. A esteraprivada nfo deve, decero, pose acima de {do o mais, econtinua a ser importante sacrfiear os interesses privados a8 tarefas da comunidade. Mas onde as exigeéncias {Tasociedade actual slo experimentadas como press do sofr- ‘mento que é melhor evita, como 0 sofrimento do isolamento, {altam as condiges fundamentals da comunidad humana. A {queixa acerca da press do sfrimento écomo que uma outra expressto para 0 nio-querer-vera-verdade do sofrimento © Gittestemunho da total auto-alenagao, em cujo Ambito de petigo a nossa sociedade esté a entrar cada ver mais. Pois 0 deal negativo de se libertar da presso do sofrimento implica {quenenfuma identificagao como geralleitima a experiencia de limites o da limitagio, ‘Vale a pena remontar aqui & ‘Uma ddas grandes doutrinas que os clissicos em partilbar ‘connesco é a importincia central que, na ética grega, cabe & amizade. Naética modema, o problema da amizade é, na maior parte das vezes, um exiguo capitulo num qualquer apéndice. Em Kant encontra-se a bela e memorsvel frase de que o amigo 105 ELOGIODA TEORIA, _genuino ¢ tio raro como um cisne negro. Mas isso é quase tudo o que tem a dizer sobre este tema, Em Aristoteles, pelo Contririo, o assunto é uma pega nuclear da sua lica e constitui ‘um quarto da totlidade. ‘Que é a amizade? Os Gregos usam a palavra phitia. Em {que dimensées se estende este conceito! Abrange todas as formas de convivéncia dos homens, a relacio comercial, a ‘camaradagem na guerra, a comunidadedo trabalho, as formas de vida do matriménio, a formagdo de grupos sociais e a for- ‘magiio de partidos politicas, em suma, a totalidade da vida comunitiria dos homens. O que hoje ainda designamos como camaradagem partidéria ou politica é um ditimo eco deste ‘antigo e abrangente conceito grego. Pertence a esséncia da ‘amizade, como diz uma antiga expressio pitag6rica: kaind 14 én philon — aos amigos tudo & comum. A amizade funda-se, ‘por conseguinte, no sentimento da solidariedade. Nao nos ‘deyemos deixar seduzir pela sonoridade da palavra amizade © pensar que se esti a conjurar aqui. a beleza de estados vitais, Sentimentais de um passado que hié muito esmoreceu. O-con- trdrio é que é verdade, A convivencia humana nunca seinstitui rnoulra base a ni ser a de solidariedades vigentes. Assim, a perda de toda a solidariedade significa o sofrimento do isola- ‘mento; a0 invés, a solidariedade pressupde sempre 0 que os Gregos designavam como amizade consigo proprio e aqui ‘que, como mostrimos mais acima, leva valorizagio dasolidio ‘© possibilitao poder-estar-sozinhio. Na nossa palavra ‘solidao" também estd presente a ressoniincia da defesa perante o mec rismo activo sem vada evilizago, 0 eco da impatia com anatureza, que nada sabe dos vicios humanos, E 0 tom com, ‘que Rousseau lastrou a palavra ‘solid’. Mas o ue 0s Gregos, designavam como amizade ~ e também amizade consigo proprio conserva uma verdade profunda. Platio fundow todo {0 seu projecto de um Estado utdpico sobre a nogao de que o Estado é uma imagem da alma em ponto grande. A singular cstrutura politica que ele desereve, com a sua divisio em trés ‘dens sociaisfixas e com a sua criagao de um classe de guar- ‘dides, que com perspicicia guia o destino da totalidade, pre~ tende iluistar o que alma humana é © pode ser. A sua ideia de ‘uma constituicao que exclu as disebrdiasinternaseretne todos, 106 ISOLAMENTO COMO SINTOMA DE AUTO-ALIENACAO co membros do Estado numa capacidade de acgo sliéra, fefleste o facto de que também aalma humana, ido obsante os seus confit ¢ tenses impulsivas, e consegue lorit Sénhora da dllaceragao interior, e 6 eapaz dese uni em tomo de um propdsito nico. A consul ntima do homem e a Sttacapacidade de cominidade so, no fundo, a mesma coisa. Squem Gamigo desi proprio se pode ajstar ao que €comum. ‘Conhece se 96030 Jo wsocial no setidoeaito, pig tind eo, Caste. porter dia ecaarcf~ perse a inti ivénciaconsigo proprio, aunidade pote. ames au, porno, una ensign fon dlamental do homem que e, com Hepel, gotta de designar poracomodarse", Nao ésomente de haje que os joven se febelam conta orientaglo dos mais velox Quando eramos sores psa seo mex, Conran sacomes0 Soce navi barguesa como uma perda de iberdade e de Tleatomo, Contude,s onizade conigo mesmo ni esta asociada a tals formas exttiores de uto-acomadagio numa cexisténcia segura. E antes anaes auma experiéncia da Smizade, que podemos ainda hoje consewuir sem nos Curvarmos unt conformist por nds reprovado. Lembo Seatido genafno que ohomem € capa de encontrar notabalho ‘Apes Ge senimnos ocardtercosrlvo da ivlizago comm Rove cece pres, o wane a sce do podes-fazer proprio, que com ee se forma, signifiam uma secteta cpeciedeliberdade, Sim, erio que a conscineia do Poder fazer dca forma de iberdade qe se conserva mune Em face dede todos os constangimentos do nosso mundo. ‘Quem tal vu com admirdvelclareva fl Hegel, no ele- bre capitulo sobre a dominagio ea servidlo, Mesira nesse piso que nto ¢osenhor mas o servo que poss a verdadeira antocomselenco: no porque ele rantémo tenor nos pili do prazeredesse modo ~ ou pode seta qualquer momento 2G seahor do senor, mas porgue poss sempre uma auto- ongcienca mais elevada do que o senor dependente da Sa Sule saber, consiéncin dose poder-tazer proprio. 0 Seivo enconra ng cua capaciade de bao un sentio intn- seco, que lag parasiria com o prazer, de que osenhor fri nlo consegue propoccionr 107 ELOGIO DA TEORIA Assim, como Hegel hem viu, a consciéncia do servo esta ‘no.caminho para uma autoconsciéncia do homem mais genuina ddo que a conscigneia orgulhosa do senhor, gracas &liberdade do poder-fazer de que esta conseiente, Naconseiéncia da iber- ‘dade do poder-fazer, que € a Gnica autoconseiéncia fundada, transita-se sempre do ser individual para o comum. O poder” “fazer funda a solidariedade. A sofidariedade no poder-fazer, ‘aresponsabilidade objectiva na profissio, o saber que partitho ‘com 0s outros e pelos outros pode ser controlado, sao formas {da solidariedade que se referem a uma fatima possibilidade fundamental do homem: instalarse, ¢ a6 alegrar-se consigo proprio e com omundoem que trabala. A intraduztvel formula frega para este fendmeno ¢ a amizade consigo mesmo. Nada {ema vercom o amor proprio ovo amor de si, visa justamente ‘ooposto, Quem no é amigo de si, mas consigo esta desunido, ino € eapar de se entregar aos outros nem de solidariedade. Parece-me residir aqui a raziio mais profunda da auto-alienagao gue vemos hoje difundlit-se na vida da civilizagao contempo- tinea: e, a0 invés, radica aqui também a possibilidade, que hndo podemos perder, de, no seio das formas coercivas, jamais susceptiveis de embelezamento, da nossa sociedade actual, Jevarmos a cabo a actividade propria com a consciéncia de tum sentido genuino, quando temos uma consciéneia de \erdadeico saber e de auténtico poder-fazer. S6 deste modo 0 destino da eivilizagio moderna, que exige a especializacao, poderd, em vez deconduri auto-alienagao, apresentar anossa possibilidade de sero geral, e mediara nossa condicionalidade Social com a nossa propria consciéneia vital 108 | OHOMEME A SUA MAO NO HODIERNO PROCESSO CIVILIZACIONAL Aspectosflosificos Estamos num processo civilizacional em que as eondigdes. de trabalho se modificam cada ver mas. Perante a organizagio ‘tGenica dos nossos mass media e a inclusio de todos os nossos meios de comunicagtio no processo da industrializagao, as ideias artisticas criativas nfo se convertem, sem mais, em pro- ‘dugtio industrial, Os interesses econdmicos da produgio.abaixo custo e a imilagio de projectos jaexistentes adquifem validade ‘ao abrigo da racionalidade comercial. Neniium romantismo regressivo nos pode ajudar. Temos de competir com a realidade cedescortinar, com urtaintencZo prética, as possibilidades pro- utivas que a realidade oferece. “Trata-se do problema do ser humano em toda a sua exten- ‘so, Pressupde-se, em primeiro lugar, que os sentidos se deve formar, daf que ohomem tenha de se educar. A estaeducagio, ‘chamnamos, por vezes, cultura e dizemos entao que-o homem precisa da cultura, Que o homem tenha de se formar é aquilo {que o distingue manifestamente da mestria facilmente apren- ddida de todos os movimentos e modos de comportamento que fobservamos no mundo animal. O homem tem de se formar ‘em qualquer coisa, porquanto no esté equipado coma maravi- Thosa seguranca instintiva que a natureza conferiu aos animais, 109.

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