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AAtuacio do Musicoterapeuta na Educagio Especial Experiéncia Clinica Eliane Faleiro de Freitas Nascimento* Resumo ‘© presente estudo tem como idéia central a apresentagao de ex- periéncia clinica no atendimento ao portador de necessidades educa- livas especiais em um nicleo de educacao e reabilitagio. Abordam-se aspectos tedricos relevantes sobre as etapas do processo musicoter- dpico, relacionando-as com exemplos de casos clinicos. Conclui-se que a Musicoterapia tem um papel fundamental no desenvolvimento global do portador de necessidades especiais, evidenciando-se, prin- cipalmente, as potencialidades desses individuos, Palavras-chave: Experiéncia Clinica. Musicoterapia, Portador de Necessidades Especiais. Abstract This work is centered around the presentation of clinical experi- ence in the care of individuals with special educational needs in a nu- cleus of education rehabilitation. Relevant theoretical aspects on the phases of the music-therapeutic process relating them 10 examples of clinical cases are addressed. It is concluded that Music Therapy has. a key role in the global development of people with special needs, by mainly making evident the potential of these individuals. Key-words: Clinical Experience, Music therapy, Individuals with special needs, + Fonoandidlogs graduada pela Universidade Calica de Golda, Eepeciabicia em Musicolerapia, Arca de Concemtragio Educaciio Expecial pela Liniversidade Federal de Goids. Especialisin em Musico- terapla, Area de Conecstmpdo Saide Meriall pela Universidade Federal de Golds, Profexsora do- curso de Bachureiado em Musieoterapea da Universidade Federal de Goi. e.mail: elianeffigcultura.coan br —B— Introdugao A proposta de desenvolver o tema sobre a atuacao do musicoter- apeuta na educagdo especial causou-nos, em principio, certa apreen- siio. Por onde comegar a dissertar se sio infinitos os aspectos que norteiam o atendimento ao portador de necessidades especiais? Como se trata de um ciclo de estudos consideramos uma ex- celente oportunidade para apresentarmos a nossa pratica clinica de cinco anos de atuagdio, como musicoterapeuta, em um niicleo de edu- cagdo ¢ reabilitagao. O trabalho era desenvelvido com uma clientela portadora de necessidades educativas especiais ¢ consideramos que esse termo relaciona-se aos individuos que apresentam caracteristi- cas fisicas, mentais ou sociais que os distanciam da média comum ‘entre os outros individuos ditos normais, O portador de necessidades especiais, assim como o terme sugere, necessita de orientagdes de varias especialidades que poderdo contribuir para o desenvolvimen- to do seu potencial. Assim, a Musicoterapia é uma dessas especialidades que atua junto ao portador de necessidades especiais e o objetivo deste trabal- ho é abordar as etapas do processo musicoterdpico, na tentativa de se fazer uma relagdo entre os aspectos tedricos ¢ exemplos clinicos. Consideramos que tais experiéncias possam servir de base para que outros profissionais fagam uma reflexdo critica a fim de desen- volverem as préprias praticas clinicas. A Instituicio A experiéncia clinica que por hora nos propomos em relatar deu-se em uma instituigdo cujo objetive ¢ o de favorecer o desen- volvimento do cliente, portador ou ndo de necessidades especiais. O nucleo realiza uma proposta interdisciplinar desenvolvida por uma equipe educacional ¢ terapéutica que é conduzida por uma coorde- nadora técnica cientifica, Com esta proposta procura-se maximizar = 4 — 9 potencial ¢ bem estar do individuo. A instituiggo apresenta os seg- uintes setores: Setor Clinico: Estimulagio Essencial, Fonoaudiologia, Fisi- oterapia, Musicoterapia, Natagio Especializada, Psicologia, Psico- pedagogia. Setor Educacional. Oficina de Artes e Culinaria. O setor de musicoterapia ¢ composto por trés musicoterapeu- tas, que realizam os atendimentos aos clientes entre idades variando desde bebés até adultos portadores ou nao de necessidades especiais (deficiéncia mental, distirbios globais ¢ especificos do desenvolvi- mento, disfun¢do neuromotora) ¢ familia. Assim, o espago de atendi- mento era dividido em duas salas de musicoterapia, uma destinada ao atendimento dos alunos da escola ¢ demais clientes ¢ a outra des- tinada ao trabalho com casais ¢ familia, Etapas do Processo Musicoterapico A Entrevista [nicial em Musicoterapia As primeiras etapas relacionadas ao levantamento dos dados do paciente s&o realizadas, em boa parte dos casos, pela coordenadora técnica da proposta interdisciplinar da instituigio. Nesse momento, colhem-se informagdes dos dados pessoais do cliente, queixa ou o motivo pelo qual a instituigde foi procurada, além de aspectos do desenvolvimento global do paciente. Tal estratégia deve-se ao fato de s¢ evitar que o cliente c/ou familia responda as mesmas pergun- tas varias vezes para terapeutas diferentes. Com isso, evita-se que 9 paciente procure uma terapia que, sozinha, podera nio conseguir suprir as expectativas do cliente e/ou familia, bem como se contribui para que o cliente receba uma melhor orientagado em relagao ao trata- mento que atenda as suas necessidades. Um exemplo € o fato de uma paciente com seqilela de Acidente Vascu- lar Encefiilico (AVE) ter procurado atendimento especifico no setor de —2— Fonooudiologia da instirui-Ro. Disnte da necessidade da cliente, eee se- tor encamiinhou-a para.os sctores de Fisboterapia, Musicoterapia ¢ Natagilo ‘Especializada 9 fim de se complementar © triamento ¢ garantir-lbe um at- endimento mats adequado ds suas necessidades, A Ficha Musicoterapica Quando um paciente é encaminhado para avaliagdo no setor de Musicoterapia realiza-se, entio, a elaboragiio da Ficha Musicoter- pica com o cliente ou com a familia, quando © préprio paciente no apresente condigées para fornecer as informacdes, como € 0 caso de criangas muito pequenas ou que apresentem distirbios de fala. A Ficha Musicoterapica tera como objetivo a colheita de dados referente 4 histéria sonora do individuo. Na nossa pratica clinica costumamos investigar sobre as preferéncias musicais dos pais, o ambiente sonoro durante a gestagdo do cliente (quando for crianga), as primeiras experiéncias musicais, sons tipicos do ambiente domés- fico ¢ outros aspectos que vdo sendo despertados no decorrer da en- trevista, os quais se julgam necessirios para a complementacao dos dados. Este esquema no qual utilizamos ¢ baseado em material ofer- ecido pela musicoterapeuta ¢ professora Ana Sheila de Uricoechea em 1993, na disciplina “Musicoterapia na Educagio Especial” do curso de Especializagao em Musicoterapia, area de concentragdo Educagio Especial, da Universidade Federal de Goiis. Convém ressaltar que a elaboracao da histéria pessoal, clinica ¢ musical ira depender do tipo do cliente ao qual s¢ investiga, pois se podemos considerar desnecessdria a investigagao das etapas de desenvolvimento de um individuo que sofreu um AVE em idade adulta, por outro lado é imprescindivel colher esses dados de uma crianga que apresenta problemas emocionais graves.** Testificagiio Musical Trata-se de uma etapa especifica do processo musicoteripico e tem como objetivo principal observar as reagdes que os sons, estru- $5 BARCELLOS, Lin Rejane Mendes, 1999. —31— turas ritmicas e os diferentes instrumentos provocam no paciente.™ Nesse momento o musicoterapeuta tera condigdes de “observar as possibilidades de comunicagao do paciente; as suas dificuldades, inibigGes, preferéncias, impulsos, bloqucios, reagdes ¢ desejos frente aos diferentes parimetros e instrumentos musicais”."” Concorda-se com a autora quando diz que o musicoterapeuta devera usar o bom senso a fim de determinar o melhor procedimento para se utilizar durante a testificagio, julgando aquilo que é mais adequado para cada cliente. Isto se deve ao fato de que a clientela que atendemos na instituigdo era constituida, em sua grande maioria, por criangas portadoras de Deficiéncia Mental (DM), em graus vari- ados, Paralisia Cerebral (PC) e alguns casos apresentando distirbios globais ¢ especificos do desenvolvimento. E por esse motivo que nao realizamos a testificagio, pelo menos integralmente, proposta por Benenzon™, por ser uma orientagao para pacientes psiquidtricos. Entretanto, consideramos algumas orientagdes do autor: Realizamos a testificagdo na sala de musicoterapia para que 0 cliente identifique o espago ¢ o ambiente no qual sera desenvolvido © processo propriamente dito, Geralmente dispomos os instrumentos sobre um tapete grande que fica no centro da sala (caso o paciente se locomova independentemente, caso contrario serio dispostos so- bre uma mesa). Selecionamos instrumentos que compdem o nosso folclore bem como de outras regides a fim de se observar a ateng’o ¢ a capacidade exploratoria do paciente. Também siio colocados in- strumentos melddicos, tal como xilofone e/ou metalofone, além do piano (com os teclados ¢ a caixa deseoberta) e 0 violdo. A disposigao dos instrumentos ¢ a mesma nos primeiros en- contros a fim de que possamos ter um padriio de observagao, record- ando, com mais facilidade da ordem em que o paciente executou 86 bad, 199 S7 Mbid, 1999, p, 33 $8 BENENZON, Rolando, 1985 — 28 {ou nao) cada instrumento. Na ultima sessdo destinada 4 avaliagdo nado colocamos os instrumentos sobre o tapete com o objetivo de observar a atengdo, memoria ¢ a capacidade de investigagao do pa- ciente. Constatamos que geralmente o cliente busca o instrumento que servird, em principio, como objeto intermediario. Tal estratégia também serve como um referencial para que o cliente perceba que os instrumentos 36 setiio dispostos sobe o tapete durante o atendimento. Fora disso, cada objeto tem seu respective lugar e que sempre seri guardado ao término da sessdo. Em relagao ao nlimero de sessdes destinadas a testificacdio a nos- Sa pratica tem nos revelado que no minime dois e no miximo quatro encontros. Isso porque quando o cliente ¢ crianga, se a avaliagio perdura por muito tempo, a familia tende a apresentar um grau de expectativa ¢ ansiedade que poderda comprometer o processo, E, no caso de adultos, durante uma avaliagio prolongada, o cliente podera comegar a apresentar contetidos que ja poderiam ja estar sendo tra- balhados dentro do process. Contudo, em ambos os casos, consideramos que no momento da testificagdo o musicoterapeuta atuara como um observador. Acredita- mos que, por ser uma avaliagao, o paciente podera mascarar aspectos que serio apresentados espontaneamente durante os atendimentos. Assim, essas primeiras sessdes servirdo para que o musicoterapeuta complemente a Ficha Musicoterdpica e o cliente familiarize-se com © terapeuta e 0 espaco terapéutico, ‘Consideramos que a atitude do musicoterapeuta deverd ser ativa junto ao cliente, ao contrario do que insiste Benenzon® por se tratar de uma clientela de educagao especial. Entretanto, o musicoterapeu- ta ndo deverd fazer interven¢Ses as quais poderéo comprometer a forma de expressio do cliente através do sonoro-musical, Nesse momento de avaliagao também procuramos observar as capacidades motoras, a comunicagdo oral e alguns conceitos basicos que por ventura o cliente apresente. Isso se deve ao fato de que a crianga DM tem todo o seu processo de aprendizagem desenvolvido 89 bid., 1985, — 3 — de modo formal,” ¢ o espaco musicoterapico propicia, também, a expresso desses contetidos, ‘0 Contrato Terapéutico De acordo com Barcellos,” trata-se de um procedimento comum a outras terapias. E o momento para se verificar se ha indicagdo ou nao para que o cliente freqiente a musicoterapia ¢ se estabelecer os objetives do tratamento, Nessa etapa, ha a realizagao de um Estudo de Caso entre os membros da equipe da instituigdo que avaliaram o cliente. Apds a realizagdo desse estudo, ¢ determinado um encontro com o cliente ou a familia a fim de que esses tenham a devolugdo: momento em que cada profissional repassa aos responsaveis pelo cliente os as- pectos que foram levantados durante a avaliagdo, destacando-se as necessidades ou nio de se freqiientar determinado setor, a freqiién- cia, uma breve orientagdo em relagio ao tratamento ao qual sera submetido (principalmente em relagdo 4 musicoterapia, por ser uma pritica clinica nova) ¢ demais aspectos burocraticos que norteiam o Contrato Terapéutico. Objetivos Terapéuticos Eomomento em que serdo estabelecidos os propésitas do proc- e850, pois esses objetivos fornecem a dire¢io na qual o atendimento seguira, além de ajudar o musicoterapeuta a ter um procedimento técnico-cientifico.™ Apesar de Lopez e Carvalho™ apresentarem um trabalho rela- cionado ao atendimento a hemiplégicos adultos, essas autoras fazem 90 URICOECHEA, Ana Shella, 1985, 91 BARCELLOS, Lia Rejane Mendes, 1999, 92 bid, 1999. 3 Thad, 1999. 94° LOPEZ, Ana Licia Leia e CARVALHO, =a la Maria Ribciro, 1999, eonsideragdes que so pertinentes ou semelhantes aquele desen- volvido em educagio especial com criangas. Elas consideram que o trabalho que ¢ desenvolvido de forma prazerosa promove um melhor rendimento na reabilitagdo do paciente. Enfocam a area emocional como catalisadora do processo motor ¢ de linguagem e, assim, fun- damentam-se nos objetivos emocionais para que os outros possam ser alcangados. Apresentamos, a seguir, os principais objetivos destacados pelas autoras, divididos em trés areas: + Area Emocional: Relagdo terapéutica, participagao, (Re) inte- gragao, (Re) socializagdo, auto-estima, seguranca. Concordamos que 56 a partir do estabelecimento da relagio ter apéutica é que havera a possibilidade de se iniciar os atendimentos. Porém, considerando o trabalho desenvolvido com criangas ou mes- mo jovens portadores de disturbios globais ¢ especificos do desen- volvimento, tem-se na estimulapao da integragao, seja com grupo de atendimento e/ou escolar, e da sovializagao um dos principais obje- lives a serem alcangados, apds, evidentemente, o estabelecimento do vinculo terapéutico. Essa situac¢do é um pouco diferenciada da pro- posta das autoras, uma vez que a clientela atendida por elas neces- sila, em sua grande maioria, de uma reinsergfo na sociedade como um todo, + Area de Comunicagio e Meméria: percepgdio auditiva, atengdo, compreensdo, fala, expressdo verbal, linguagem, memoria. + Area Motora: coordenagao, equilibrio, movimento, postura, marcha, respiragdo, relaxamento, ritmo, orientagao espacial. Apresentamos essas duas dreas em conjunto por traduzirem os objetivos que normalmente sao trabalhados em uma clientela es- pecial, Entretanto, em alguns casos, fundamenta-se no sentido de desenvolver essas habilidades ¢, em outros, somente em adequar es- sas fungées. Consideramos que a aprendizagem de habilidades basicas, que —5— se refletirio nas outras dreas do desenvolvimento, deverdo estar in- trinsecos no estabelecimento dos objetivos.* Essa autora também destaca como sendo objetivo terapéutico, promover o aleance de niveis de conduta adaptativa mais claborados; promover uma mel- hor estruturacao da personalidade; facilitar o pragmatismo, além de incentivar a criatividade ¢ a expressividade. Em telaglo a esse iltimo aspecto, eitaremos 0 exemplo de um grupo com= Poste por duas pré-adolescentes. Num determinado momento do trabalho, uma cliente que s¢ encontrava em processo de alta, sugeriu a dramatizagdo da histéria “Chapeuzinho Vermelho™. Tal iddia resultou na apresentagdio de lum teatro 208 alunos do setor educacional e traduziu-se em uma experién- cia riquissima em niveis terapduticos. Todas as necessidades que surgiam, 48 proprias clientes discutiam entre si (a musicoterapeuta atuava como fa- cilitadora ¢ moderadora do processo) e procuravam os recusses para serem, sanados, desde a confecefio das “fantasing” até o “arranjo do material de apoio (para o “cendrio”) e aspecios musicais. Essa estratégia mostrou-se ediciente para o desenvolvimento do trabalho, tenda come objetivo ter- apéulices imbathar aspects de cessdo a vex do outro, expresso corporal, memiria¢, principalmente, fortalecimento da auta-estima Em relagdo 4 direa motora, Lopez e Carvalho” consideram que se trata de um valor secunddrio dentro da abordagem musicoterapi- ca, pois 0 que se pretende é estimular a realizacio de um movimento de forma prazerosa. Tratando-se de estimulagdo, em seus aspectos globais, consideramos que a musicoterapia tem um valor fundamen- tal, uma vez que o paciente encontra nesse setor um ambiente propi- cio a expressio, sem ter, necessariamente, a evidéncia do trabalho motor - justamente por este ser considerado como um objetivo se- cundério. Atcndemos uma crianga com atraso global no desenvolvimento. A mesma sstava sendo trabalhada pelos sciores de Estimulado ¢ Fisioterapia no sen- tide de desenvolver a cambathota, sem ainda ter manifestado tal movirnento fos respectivos setores. Em uma sesso musicolenipica a erianga, espanta- feamcnle ¢ sem a ajuda da musicotcrapeuts, dey virias cambalhotas, senda motivada apenas pela cstratégia que era realizada po momento (movimens tar-se de acordo com determinados ritmas). 93 URICOECHEA, Ana Sheila, 1986, 96 LOPEZ, Ana Lucia Lebo « CARVALHO), Pauls Maria Ribeiro, 1999. SS E interessante ressaltar que a equipe da instituig’o interage de forma interdisciplinar e, 4s vezes, transdisciplinarmente. A princi- pal caracteristica do primeiro tipo de atendimento é que sfio “vari- os profissionais que atendem a um mesmo paciente ¢ que estio no mesmo local. (...) ha uma maior interag’o entre esses profissionais, ‘0 que permite uma melhor discussiio de varios aspectos do trata- mento, dentre eles o estabelecimento de objetivos em comum”.”” As- sim, apis a avaliagdo, a equipe realiza um estudo de caso a fim de ter condi¢des para estabelecer qual ou quais os aspectos que poderiio ser ressaltados em todas os tratamentos. Como exemplo, citamos a adequagio do desenvolvimento motor, a estimulagdo de fala, estru- turacdo do ego e/ou fortalecimento da auto-estima ete. : Em alguns casos a equipe terapéutica podera definir o atendi- mento seguindo o modelo transdisciplinar, ou seja, aquele em que os profissionais atendem o cliente numa mesma sessio. Nesses moldes temos uma nova “visio de ser humano, no qual este é um todo indi- visivel e relacional, (...), com miultiplas conexdes com o mundo que co cerca, independente do tipo ¢ do grau de alguma patologia que por ventura apresente”. Nessa modalidade de atendimento cada profissional direciona- se para a sua rea de atuacilo, prevalecendo-se a interdependéneia dos multiplos aspectos que envolvem a necessidade do cliente, bem como a dindmica de conjunto.” Baranow (OP. Cit). ‘Como exemplo dessas modalidades de atendimento, podemos citar o caso. de uma adolescente portadora de Paralisia Cerebral, vitima de andvxcia du- ante © parto. A cliente apresenta limilagSes motoras consideriveis, to- tal auséncia de comunicagdo oral, mas com uma excelente compreensdo ‘¢ nitida expressdo facial. Apds o estude de caso, a fono estabeleceu que desenvolveria o trabalho de Comunicacae Alternativa (na qual o individuo comunica-se, por exemplo, através de fichas com gravuras ¢ simbalos que Tepresemam as neorssidades bisicas de comunicagio — sim, nto, fome, sono, scalimentos cts. ). Assim, todes os profissionais que a atendiam de- veriam estimular a utilizagio das fichas ¢, para cada setor, foi claborada 97 BARANOW, Ana Lea-von, 2001, p. 37-8 98 Ibid, D001. 9 Ibi, D001, — it— uma pranchs codfendo algumas caracterisiicas do atendimento. A de setor de musicoterapia continha gravuras de instrumentos na qual a cliente indi+ cava, atrivés dos olhos, com qual insirumente gostaria de trabalhar. Esse exemplo traduz um atendimente interdisciptinar. Em um estado de caso a ‘cquipe observou que a cliente estava apresentando uma certa rejeigdo ao atendimento fisiotenipico por ter pauea resisténcia & der (é bem verdade que esse comportamento refletia determinados aspectos emocionais, dentre eles suto-estima rebaixada ¢ dificuldade em se deparar com situaptecs. que evidenciavam suas limitagdes motoras), Decidiu-se, entiio, realizar os at- endimentas fisioteripicos em conjunto com a musicoterapia, pois a cliente Apresentava boa motivaro para esse trabalho. Dessa maneira, caracterizou- 5¢ 0 alendimento transdisciptinar, mo qual a fisioterapia preacupou-se em desenvalver aspectos da reabilitapfio motora ¢ a musicoternpia ectimulou a pacientes a expressar seus sentimentos, principalmente em relacko 4 dor ow 30 desagrado causado pelos exercicios. E claro que nfo se tinha come abje- tivo diminuir om intensidade o trabalho fisioteripico, mas sim, perenitir que a cliente expressasse seus semimemos ¢, a partir dal, sentir-se valorizada ©, CONSCqUEMEMeNte, AUNT Sua resisténcia ao desconforte dex exerci- sios. Prevalecia-se 2 considerapio da pacieme como um todo, bem como: a aluagdo conjunta des profissionais em prol dese desenvolvimento global da mesma. Acreditamos que em uma instituig4o interdisciplinar os obje- tives terapéuticos tendem a se adequar na medida que o cliente va apresentando uma evolugdo ou mesmo quando solicitado por algum membro da equipe terapéutica. Entretanto, deve-se esclarecer que a musicoterapia também € limitada em relago 4 conjungdio de obje- tivos, ou s¢ja, nfo sio todos os momentos em que ela podera ofer- ever sua contribuig¢ao, Caso contrario, corre-se o risco de se perder © aspecto terapéutico, tornando a atividade semelhante a recreaglio musical ¢, até mesmo, educagdo musical. Acreditamos ser esse o grande desafio para que a musicoterapia seja devidamente reconhec- ida e valorizada dentro de uma equipe de multiprofissionais. Sessdes Musicoterapicas Benenzon considera que “As sessées de Musicoterapia constitu- em a parte ativa ¢ terapéutica do tratamento”.' 100 BENENZON, Rolande, 1985, Um dos aspectos mais importantes nessa etapa, além dos con- hecimentos tedricos e musicais pertinentes, ¢ a capacidade percep- tiva do musicoterapeuta de modo a “utilizar a linguagem musical da forma mais adequada tanto a satisfazer os interesses e necessidade dele (paciente) quanto a alcangar os objetivos estabelecidos”.""" E imprescindivel que, num primeiro momento da sessilo (talvez até mesmo antes de o cliente entrar na sala de musicoterapia), 0 mu- sicoterapeuta atenha-se para perceber os interesses ¢ as necessidades do paciente, bem como detectar qual seria o seu tempo interno. Barcellos'™ considera que quatro fatores sfio essenciais para que o musicoterapeuta tenha um bom desempenho: I. Conhecimento e.o dominio do seu elemento de trabalho — a musica. Ao conhecer ¢ dominar o instrumento musical, 0 profis- sional sente-se livre para poder utiliza-lo, principalmente em relagdo a clarificacio de elementos que o paciente manifesta, mas que ndo. lhe sdo claros. Pode ser que aspectos inconscientes do cliente ven- ham tornar-se conscientes durante a estimulacao feita pelo musicot- erapeuta, 2. Conhecimento da patologia do paciente e as dificuldades decorrentes desta. Com bom senso o musicoterapeuta consideraré o diagnéstico para que tenha uma compreensao maior da historia de vida ¢ clinica do paciente. Mas é preciso que o conceito do paciente come pessoa esteja em primeiro lugar. Assim, nao havera uma rotu- lagio que afaste o terapeuta do “ser-em-si”. 3, Conhecimento da histéria do paciente. Permite uma abord- agem mais proxima da realidade do paciente, caso contrario, fieard mais dificil chegar até ele. Perde-se, entdo, um tempo precioso na terapia. 4, Autoconhecimento, Consideramos ser este um dos principais fatores para qué lerapeuta apresente um desempenho satisfatorio e contribua para o desenvolvimento do seu cliente. Com o autocon- Ll BAIRCELLOS, Lis Rejane Mendes, 1999, p. 47. 102 hid, 1999, 89 hecimento, o musicoterapeuta ndo projetara as duas dificuldades no paciente ¢ ndo ira delegar a ele a total responsabilidade por um even- tual fracasso do tratamento, Em relagao a sala de Musicoterapia, esta deverd ter dimensdes Tegulares a fim de que ndo disperse os clientes hiperativos ¢ nem impega a movimentagao dos clientes de um modo geral. Nao deve apresentar muitos estimulos para que nao desvie a aten¢do do cliente dos estimulos sonoros,'” O chao, como preconiza o autor, poderia ser de madeira, o qual facilita a percepgao das vibragées, Diz-se po- deria, pois tanto o piso de madeira, como outros recursos sugeridos pelo autor (isolamento actistico, determinados Instrumentos) muitas vezes fogem a realidade do musicoterapeuta ou da instirwigao em que atua. Cabe langar mio de recursos criativos, tal como a can- feccao de instrumentos em trabalho integrado ao do setor de tera- pia ocupacional ou de estimulagio essencial (como no nosso caso) e procurar atuar com o minimo de recurso possivel sem, no entanto, se acomodar com situagdes abaixo do considerivel,™ Dentre os materiais utilizados destacam-se os instrumentos do folclore, instrumental Orff de musicalizacdo, violiio, piano, além daqueles que poderdo ser fabricados pelos préprios pacientes. Em geral, Barcellos'® recomenda cautela em relacdo aos instrumentos de dificil manejo para ndo causar frustrag’o aos clientes, Pode-se utilizar também, de acordo com as condigées do musi- coterapeuta e da institui¢go, o recurso da gravagdo das sessdes em fitas K-7 ou de video, desde que haja o consentimento do cliente e da familia, Tal estratégia contribui para uma melhor compreensio da desenvolvimento do paciente. Alguns autores' fazem referéncia a trés etapas da sesso musi- coterdpica. A primeira delas estaria relacionada a percepgdio do pa- 103 BENENZON, Rolando, 1985, 104 BARCELLOS, Lin Rejane Mendes, 1999, 16S hid, 1999, 106, __BENENZON, Rolando, 1985, BARCELLOS, Lis Refine Mendes, 1909, URICOECHEA, Ana ila, 1986, —nN— ciente ou grupo. Nesse momento o musicoterapeuta deverd apresen- tar-se numa atitude de observagio dos interesses do cliente, seu ISO. Complementar ¢ suas reagdes, Apds isso 0 musicoterapeuta poder estimular o paciente ou interagir com ele. Na segunda etapa o musicoterapeuta atuaria como moderador junto ao cliente, fazendo intervengdes no nivel musical, ou verbal, se for necessario.'” © musicoterapeuta, entéo, estimulara o cliente com atividades que sejam mais adequadas aos interesses ¢ necessidades. do paciente, mas, também, que permitam ao musicoterapeuta atingir os seus objetives: levar o cliente ao crescimento. Na terceira e tiltima etapa, o musicoterapeuta prepara o paciente para o término da sessdo. Faz-se uma avaliagdo verbal do trabalho, dando a oportunidade ao debate de seus aspectos. Assim como Uri- coechea,'™ mesmo nos casos de pacientes com dificuldades de ex- pressiio ¢ compreensiio, avaliamos o acontecer musical. Nos casos de pacientes com distirbios globais e especificos do desenvolvimento (tais como as psicoses infantis) costumamos compor uma can¢do, de acordo com a Identidade Sonora do cliente, para ser tocada/eantada no inicio da sessdo ¢ outra para o término da mesma, Observamos que tal estratégia auxilia o paciente a situar-se ho tempo e no espago, além de dar possibilidades de se observar o tempo interno do cliente ¢, a partir dai, improvisar em cima desse material ¢ orientar o desenvolvimento da sesso. E interessante ressaltar que em alguns casos o cliente “rejeita” qualquer manifestagio melédica, por no ser este o seu ISO Gestal- tico, respondendo apenas as produgdes ritmico-sonoras corporais (vibragiio ¢ estalos de labios ¢ lingua, palmas, sopro forte, sons ona- matopéicos etc.). Dai a importéncia de o musicoterapeuta ter uma sensibilidade para perceber o seu cliente ¢ ndo considerd-lo como um individuo de dificil abertura do canal de comunicagao. Nesses casos de pacientes dependentes concordamos com Uric- oechea'™ que considera importante desenvolver um trabalho ritmico- URICOECHEA, Ana Sheila, 1956, 108 Thed., 1986, 109 Iba, 1986, Sat — corporal com esses pacientes, explorando, assim, o ésquema corpo- tal ¢ a organizacao espacial. A partir dai associa-se a utilizagdio dos instrumentos musicais, partindo-se dos elementos mais primitivos de facil manejo e ir progredindo para os de mais dificil execugdo, Como exemplo, temos o.caso de uma cliente jovem, apresentands sustiacda ‘dc comunicagdo oral, esterootipias, hipertonia muscular, auto-agressividade, sensibilidade ao toque ¢ bastante regressiva ¢ relago 43 emisedes orais. Essa pacicnte 56 respondia quando a musicoterapeuta emiitia sans com lie ‘bios ¢ lingua (estalando-os ¢ vibrando-os) ou quando a chamava ulilizando ‘orecurso de voz conhecide por “voral fry” (-voz basal « voz muito grave © tensa). Observamos que essa era a mancira pela qual a cliente emitia seus sons orais. No momento em que a musicoterapcuta cmitia esta vex, a cli- ente direcionava o olhat para os olbos da terapeuta ¢ emitia um belo sortiso, ‘is vezes dava gargalhads. [sso tudo era apoiado pelo atsbaque, que miuitas vewes d Musicolerapeuta tocava ritmo semelhante aoe batimentos casdiacos (Iso Universal) que acalmava ¢ pren tengic da cliente, Se a terapeuta Aealasse cantar, ou seja. colocar uma melodia na mesma improvisaglo que ema feita com o “vocal fry”, a paciente ji desviava a Sud atengbo ¢ comecava um padre de auto-estimularao (estereatipia}. Observamos, parém, que de todos os atendimentes a que cra submetida (estimulagdo exsencial, fanoau- ‘diplogia, natagao especializada, fisioterapia) a musicoterapia ema o atendi- ‘mento em que a cliente menos manifestara esses compomtamentos-e mais.s¢ utllizava do recurso da vocalizagio, Consideramos que tal fito se deva ao eatabelecimento, como objetivo, de se trabalhar visando o prazer durante-o desenvolvimento das atividades. Por fim ressaltamos que as técnicas mais utilizadas no nosso tra- balho sao: 1, Improvisagdo Musical: basicamente o cliente “fara” misica enquanto toca, canta ou cria uma melodia, ritmo ou pega musical, O cliente poder utilizara prépria voz ou instrumentos musicais. O mu- sicoterapeuta acompanha essa exeeuedo, estimulando ou orientando a produgdo sonora do cliente. Podem ser utilizadas nas seguintes for- mas: /mprovisagdo Musical Livre, na qual se permite a liberdade de expressio, trabalhando-se com o emergente sonoro do cliente; Im- provisagdo Orientada ou Dirigida: sio determinadas agdes (temas, sentimentos, atividades) para que o cliente se oriente durante a agdo do fazer musica," 110 NASCIMENTO, EF. E., 1999. —2— 2. Re-criagdo: traduz-se na reprodugdo de misicas existentes através da produgdo musical, instrumental ou vocal. Chaves ¢ col.'"' consideram que essa técnica poderd auxiliar o resgate da memoria, melhora da auto-estima ¢ expresso de sentimentos em pacientes idosos. © canto, quando associado a essa técnica influencia na ar- ticulagdo e fluéncia da fala. 3. Audigdo Musical: o cliente escutard, mediante a uma seleg’o prévia por parte do musicoterapeuta, musica ao vivo ou gravada a fim de que sejam mobilizados determinados conteiidos para serem trabalhados posteriormente, 4. Composicdo: basicamente consiste no fato de se eriar ¢ ¢s- erever nvisicas. O musicoterapeuta auxilia o cliente facilitando 0 processo ¢ escrita da misica, na composigio da melodia ou da letra ese responsabiliza, quando necessario, pelos aspectos técnicos (har- monia, por exemplo).'? Consideramos ser prudente um melhor aprofundamento em re- Jago as técnicas de atendimento. Mas como o tema central deste tra- balho traduz-se em expor aspectos de maneira ampla, no momento ndo abordaremos tal assunto com maiores detalhes, ‘Observacties das Sessies E o registro ou documentacao de cada sesso. Esse procedimento permite a sistematizacao da coleta de informagao, documentagiio dos dados significativos do processo musicoterapico, o estabelecimento de bases concretas para um trabalho técnico-cientifico e eventuais pesquisas ¢ a elaboragdo do relatério progressivo,'? Durante a elaboracio do registro das sessbes tem-se a oportuni- dade de refietir sobre a sesso e efetivar seu registro. Pode-se, ainda, clarificar aspectos obscuros ¢ conscientizar-se do desenvolvimento do processo musicoterdpico. 12 bid, 1998, 113. BARCEILLOS, Lia Rejane Mendes, 1979. —93 — Uricoechea! relata que em sua pritica clinica faz uso de uma ficha para ser preenchida logo apds os atendimentos, Esta ficha apre- senta os seguintes dados, que siio observados durante a sessdo: . Nomes dos pacientes. Instrumentos utilizados durante a sessaio, Movimentagio no espago. Ritmos emergentes, ‘Qutras manifestagdes em diferentes areas. . Dindmica de grupo operative, . Aspectos dindmicos da sessao. ee ‘Concordamos, entretanto, com o Barcellos'!® (Op. Cit) que sugere um registro descritivo, pois “descrevem a sesso cm toda sua dinimica, agio apds apSo, cada uma tendo a anterior, que, muitas vezes da origem a outras manifestagdes durante a mesma sessiio ou alé mesmo em sessGes posteriores”. Relatério Progressiva Traduz-se no conjunte de informagties ordenadas de forma sis- temética que permite a avaliacao da atividade num determinado es- page de tempo. Para tanto, colhe-se os dados significativos através do estudo das observagdes das sessGes. Através de uma linguagem clara, objetiva ¢ técnica o relatorio deve apresentar as condigdes em que o paciente se encontrava no inicio dos atendimentos, ou desde a elaboracdo do iltimo relatério, ¢ quais sdo as suas condigdes atuais. Na instituig&o em que atudvamos, elaborava-se um relatério ap- resentando, de uma maneira geral, a hipdtese diagnéstica do setor, quais os objctivos que foram estabelecidos e quais foram alcangados, dificuldades apresentadas, evolugdio dos atendimentos ¢ as sugesties para a continuidade do mesmo, quando for o caso. 114 URICOBCHEA, Ana Sheila, 1086, 13 BARCELLOS, Lia Rejane Mendes, 19°79, n. 61, Sigg Em relagao 4 freqiiéncia, elaboram-se os relatérios no momento. em que toda a equipe terapéutica ¢ cducacional dedica-se a reali- zacdo do estudo de caso, no qual os profissionais apresentam seus pareceres e tragam, quando necessdrios, novos objetivos ¢ condutas de atuagio, Esses estudos aconteciam de dois em dois meses para que fossem verificados quais clientes necessitavam de uma reformulagao no tratamento, seja em relacdo a mudangas de objetivos, estratégias de atendimento ou indicagio para outros setores etc., e sempre no fechamento do semestre, envolvendo toda a clientela da instituig¢ao ¢ servindo de base para a realizagao da devolugdo ao pais. Aspectos da Alta em Musicoterapia ‘Trata-se de um das etapas mais delicadas para o paciente e, diria- Mos até, para o proprio musicoterapeuta. Para se saber o momento certo da alta, deve-se rever os objetivos que foram tragados no inicio do atendimento ¢ se estes possibili- tariio, de uma maneira geral, uma melhora na qualidade de vida do cliente. Na nossa experiéncia clinica institucional, a alta era discutida entre a equipe, podendo-se efetiva-la para todos os atendimentos ou somente para aquele em que houve a conquista dos objetivos de uma forma efetiva. E muito comum, porém, a familia solicitar a interrupgdo do trata- mento alegando varios fatores. Nessa situagdo, a equipe realiza uma reuniaio com a familia no sentido de apresentar o quadro clinico em que o cliente se encontra ¢ quais seriam as provaveis conseqiléncias que poderiam acarretar mediante essa decisio, De qualquer maneira, o paciente deve ser preparado para a sua saida, Lemibcumo-nos de um caso em que'a familia solicitou o encerramento do tratamento de uma crianga com diagnéstico de autismo. A familia, antes mesmo de ter dado a opertunidade de que a cquipe trabalhasse com a questio, informou 4 crianga da sua saida das terapias, Quando a crianga chegou & institaiglo para os alendimentos chorava compulsivamente ¢ nilo ee houve a interagio com nenhum terapeuta, Depois de muito esforgo, canseg- uinos fazer com que a crianpa enirasse na sala de musicoterapia. A erianga entrou, deitou-se no tapele-e, aoe prantos, gritava “acabow eniisica, acabou misica™. Decorride o fato, eniramos em contato com a familia solicitanda que houvesse a preparacio, ou seja, que foase realizado devide desligs- mento, evitando-se, assim, o sofrimento por parte da crianga. Situagdo interessante a se considerar ¢ 4 saida do musicoterapeu- ta. No nosso caso passamos pela experiéncia por duas vezes devidoa licenga maternidade, Essa situagiio rendeu-nos muitas reflexdes que sempre que nos é possivel procuramos transmitir aos nossos colegas musicoterapeutas devido 4 riqueza de detalhes e aspectos que talvez nao tenhamos consciéneia, Coma jf estivamos mss semanas finais de gestagho, trabalhou-se com ox Pactentes sobre a noséa auséncia por determinado periodo. Para tanto, uti- lizau-se 6 recurso de atuarmes com uma co-erapeuia para que, progressi- vamente, essa fosse assumindo o papel de terapeuta. Qcorreu que, durante Oatendimento a UM grupo composte por jovens DMs, 20 sugerinmos que @ trabalho naquela sessiio fosse propasio pelos clientes ¢ pela co-terapeuta (que a partir dai haveria o revecamento dos papéis) notou-se uma dinimica diferenciada, principalmente em relagdo 4 postura dos clientes ¢ scus com- portamentos habituias. Apis o grupo eleger os instramentos ¢ solicitarem a ‘cantar misicas de seus repertérios, um Down de 32 (jd apresentava alguns sinais de deméncin ¢ pouco expressava fe grape, mas mantinha a sua con~ digo de lider) pegou o-violo ¢ cantou: Ah se Deus me ouvisse e mandasse pra mim Aquela que "eu ama ¢ um dia pastin Deixando a tristeza junto de mim...!"* Em seiguida esse mesma cliente disse que queria cantas outa misics © assim o fe: Mistériog da mein noite que voum longe Que voce nunca ndo sabe munca Se vo se ficam quem vai quem foi Inapétio de um lobisomem que fosse um homem De uma menina to desgarrada Desamparada se apaixona,.!"” Depois da nossa saida e quando 2 nova musicoterapeula comunicou a0 116 Canela Se Deus me cuvisse, de autoria de Atmir Rogério, 117 Cango, Misnérios da Mi grupo © nascimento do bebé, o mesmo paciente cantou “tocando™ no te- clado.!" Aqueles olbos verdes! Translicides, serenos// Parecem dois amenos! Pedagos de tuar! Mas tém a mirage’ Profunda do occano! E trazem todo-o engano! Das procelas do mar!/ Aqueles olhos verdes! Que inspiram tania calma! Entraram em mina “alma Encheram-na de dor’ Aqueles olhos tristes./ Pegaram-me tristeza! Deixando-me a crueza! De tho infeliz amar!!* ‘Outro caso muito intereseante é de um présadolescente que apresemta diag- ndstico de Autismo que nos foi passado pela mesma musicoterapeuta citada anlertormente. Durante o processe de passagem o-clicate nos olhava cam certa desconfianga e pouco interagia. Com a saida da musicoterapeuta, tra- balhamos no sentido de estabclecer-se o vinculo, Conseguimos detectar o 150 do cliente o descnvolver 0 processo musicoteripica, Coma nossa saida da instituigSo houve, novamente, a necessidade de se realizar a passagem para a mesma masicotcrapcuta com a qual o cliente j& havia trabalhada, ‘Aconteced, entho, que na primeira sesso em que a profissional entrou para iniciammos 0 prosesso de passage, imediatamente apds a terapeuta ter pegado um pandeiro, o cliente tirou-Ihe o instrumento da sua mio ¢, pax- ando-a pelo brago, conduziu-a até a porta. Muitas hipdteses podem ser levantadas a partir desses exemp- los, O mais evidente, para nds, é 0 fato de que, assim como temos aprendide muito com esses clientes, chegando também a estabelecer uma reago afetiva e sofrendo diante da separagao, o nosso cliente também sente esse momento. Contudo, tais exemplos nao sio sufi- cientes para transmitiro tamanho da nossa responsabilidade enquan- to terapeutas que lidam com as emocdes e os sentimentos desses clientes — dessas PESSOAS. ‘Conclusiio Talvez essa situagdo de fazer uma “conclusdo” seja anossa maior dificuldade, Apés observar o quanto conseguimos aprender nesses cinco anos de experiéncia, querer dar um ponto final seria preten- TLS Convém ressaltar que as masicoterapeutas tim olfas claros. 119 Canygio, Agueles Ollhes Verdes, de auforia de Nilo Mencadex ¢ Adofo Utrera, — 57 — sioso da nossa parte. Acreditamos que o trabalho com o portador de necessidades especiais podera ter um longo caminho a ser trilhado. Nao por se tratar de um cliente limitado, mas, ao contrario, é um in- dividuo ilimitado em relagdo 4s suas potencialidades. A duracio do seu tratamento, geralmente longa, tanto em musicoterapia como em outros atendimentos que se fazem necessdrios, talvez s¢ deva ao fato de que nos terapeutas “demoramos” um pouco para observar esse potencial. Depois que conseguimos descobrir a potencialidade do in- dividuo vamos somente ajuda-lo a seguir esse caminho, descabrindo juntamente com ele quais so os obstdculos que possivelmente atra- palham essa caminhada. E verdade que encontramos muitas “pedras” pesadas. Mas acreditamos que a falha ndo esta no peso da “pedra” ¢, sim, em ndo se tentar saber se realmente € pesada, acabando-se por contomdé-la para seguir o caminho. Acreditamos que a Musicoterapia tem contribuido para encon- trar meios de se “retirar” essas pedras, ora expressando o seu real peso, ora dan¢ando em volta dela, ora cantando para melhor com- preendé-la ou simplesmente fazendo dela um excelente instrumento de percussio.... Referéncias Bibliografricas BARANOW, Ana Léa von. Musicoterapia: Uma Visio Geral. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. BENENZON, Rolando. Manual de Musicoterapia. Rio de Ja- neiro: Enelivros, 1985, BARCELLOS, Lia Rejane Mendes, Cadernos de Musicoterapia, vol. 4. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. CHAVES, Annete Mendes Assumpeao; PORCARO, Gilca Maria Hubner Napier; ABRAMOEF, Gislaine Fois Coelho. Princi- pais Técnicas Musicoterépicas. Monografia apresentada a0 Curso de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Conservatario Brasileiro de Musica, 1998, — #8 — LOPEZ, Ana Licia Ledo, CARVALHO, Paula Maria Ribeiro. Musicoterapia com Hemiplégicos: um trabalho integrado a fisiotera- pia. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. NASCIMENTO, Eliane Faleiro de Freitas. A Técnica de Im- provisagdo. Trabalho apresentado 4 disciplina “Teorias ¢ Técnicas em Musicoterapia” do Curso de Especializagaio em Musicoterapia, area de concentragdo Saude Mental. Goiania: Universidade Federal de Goids, 1998, URICOECHEA, Ana Sheila, Musicoterapia ¢ Deficiéncia men- tal: Teorias ¢ Técnicas. In: Sociedade Pestalozzi do Brasil. Boletim n° 69/60, Rio de Janeiro, 1986, p. 33-39. —9—

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