Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 12
CAPITULO IX O IMPERADOR de Michael McCormick «O sol é como um imperador», ho helios basileuei: era com estas palavras que, na Idade Média, os mulheres ¢ os homens de Bizancio costumavam descrever 0 esplendor ptirpura ¢ os tons dourados do ocaso mediterranico. Com poucas palavras esta frase diz-nos algumas coisas importantes. Assim como 0 sol coroava 0 universo fisico dos bizantinos, também o imperador aparecia como 0 vértice e o supremo prin- cipio organizativo da sua sociedade. Analogamente aos raios do sol mediterranico, © poder e a espléndida presenga do imperador impregnavam a realidade e a imagi- naco dos bizantinos. A nossa tentativa de evocar o homem de Bizéncio nio pode deixar de ter em conta o imperador sem perder um especto essencial ou mesmo deter- minante da experiéncia de vida dos bizantinos. ‘Comecaremos pelo aspecto do imperador mais visivel para 0 bizantino «da rua» e que prevalece ainda na maneira como 0 entendemos: a simbologia do poder. A par- tir daqui tentaremos entrar no Sagrado Palacio e descobrir as estruturas fisicas do poder. $6 entio poderemos avaliar a natureza deste poder e de quantos, hemens e mulheres, 0 exerciam. Concluiremos, em seguida, voltando ao ponto de partida, & manifestagao publica do poder: desta vez, nao em simbolos estiticos, mas no aspecto dinamico das projeccdes simbélicas do poder, nas grandes celebrades cerimoniais do imperador que procuravam atenuar a distancia entre governadores ¢ governados, encarnando numa minuciosa codificagao de gestos e atitudes as mais profundas ver- dades e falsidades do poder imperial. E bom assinalar antes de mais ao leitor que nos iremos socorrer principalmente das nossas préprias investigagdes, concentrando-nos na experiéncia imperial em Bizncio até ao desastre de 1204, ou seja, até ao saque de Constantinopla pelos lati- nos. Faremos da necessidade virtude: recorde-se, efectivamente, que ~ na medida em que houve uma verdadeira continuidade nas tradigdes ¢ nos costumes do governo imperial — a classe dominante em Bizancio quis insistir com estridente obstinagao nesta continuidade, empolando-a e, portanto, distercendo-a. Os simbolos do poder ‘A encarnagiio visivel da ideia imperial estava envolta nos tons resplandecentes da mais fina seda péirpura (cujo uso era ciosamente reservado ao imperador e seus {intimos) ornada de fios dourados que permitiam captar a luz do Sol. A simbologia do estatuto supremo obedecia também a um propésito pritico: a combinagéo do esplendor da purpura com a cintilagaio do ouro fazia que os olhos de todos, mesmo 219 em cortejos numerosos, se dirigissem imediatamente para a figura central. Nao admira que, nas implicagdes eruditas do cerimonial imperial, se tenham feito sentir ecos da antiga ideologia solar, nem que Miguel Psello — intelectual e cortesio do século Xt — tenha imaginado 0 regresso antecipado de um imperador de uma campanha militar como a «aurora» que os seus siibditos aguardavam. A plirpura era a cor imperial por antonomdsia. Os mais solenes documentos diplo- maticos do imperador eram mergulhados em purpura; os movimentos dos partici antes no elaborado bailado das audiéncias imperiais eram codificados por marcas cor de ptirpura no pavimento; as propriedades confiscadas pelos agentes imperiais, exibiam fitas cor de piipura. Os imperadores legitimos «nasciam», literalmente, «da plirpura»; o quarto do Grande Palécio destinado ao parto das imperatrizes medievais estava pavimentado de pérfiro, de tal modo que, para o recém-nascido, a primeira experiéncia deste mundo estava ligada a esta condi conhecida por Deus. Na verdade, a ligagio entre cor ¢ Império parece ter sido tio forte que sobreviveu & conquista otomana de 1433 e influenciou o nome turco do salmonete com estrias ver- ‘melhas ou dos recites (tekfiur baligi. onde a primeira palavea parece derivada do grego tou kyriou), Os imperadores cristdos de Bizdncio eram os herdeiros directos dos senhores do mundo romano. De facto, «Bizncio» e «bizantino» sio nomes convencionais dos estudiosos modernos ~ uma eémoda abreviatura para designar a sobrevivencia mile- nar do império romano no seu poderoso coragao oriental de «Nova Roma», a moderna Istambul (do grego eis 1én polin). Constantinopla ficava no itinerdrio que ligava as fronteiras estratégicas danubianas ¢ iranianas; este facto niio escapow a Constantino I que para ali transferiu as instituicoes do governo central, de modo a subtrait-se as provincias ocidentais empobrecidas ¢ sitiadas: Itilia, Galia, Espanha. Na linguagem comum, os imperadores cristivy continuavam a ser imperadores dos Romanos; quando lum barbaro ocidental vindo do nada, de nome Carlos Magno, fez-se saudar como « [originalmente a porta de acesso ao Palécio; depois, a construgdo edifi cada sobre esta porta, N. do T. italiano] estavam reservados aos vendedores de per fumes, de tal modo que aproximar-se da residéncia imperial seria uma delicia ‘menos para 0 olfacto do que para a vista dos bizantinos, Na vertente continental ~ a este — ficava o grande Hipédromo, cenério de tantos dramas quer desportivos quer politicos nos primeiros séculos do Império; protegia 0 complexo do Grande Palicio dos incéndios e tumultos que perturbaram crescimento da capital no final da antiguidade. No interior do Hipédromo, uma sacada coberta (0 kathisma) permitia a0 imperador assistir as corridas do circo ¢ exibit-se & populagio da cidade sem ter de recear pela sua integridade; este «recinto» imperial estava fisi camente ligado ao Palicio por uma passagem de seguranga. Apenas a norte do Palici uma praga monumental, ornada da grande coluna triunfal de Justiniano e do Pi do Senado, servia de fundo as procissdes imperiais que se ditigiam aos oficios li tgicos em Santa Sofia para as grandes festividades religiosas. Nas vertentes met nal e oriental, o Palicio ocupava o declive que descia até ao mar, tudo jardins, terra gos, varandas, edificios de habitagdo e representagio. O magnifico € faustoso Paldcio do Boukoledn, que tanto impressionou 0 arcebispo cruzado Guilherme de Tiro, sur gia sobre a praia e 0 embarcadouro privado aos pés do declive meridional 0 Grande Palacio atingiu, possivelmente, a sua maior expansao nos séculos Ve VI ‘mas durante outros seiscentos mente, continuaram a construir-se novos edificios significativos. Nos séculos 1X € X, 0 bom estado das finangassimpe riais permitiu uma restruturagdo de 1e, A dinastia dos Comnenos tra ande lea ‘hernas (no extremo- feriu, porém, a residéncia imperial para @ novo paldcio das Bla noroeste de Constantinopla), de onde se dominavam o Como de Ouro ¢ a planicie para lé das murathas. De residéncia imperial a que fora destinado, o Grande Palicio veio depois a cair lentamente num estado de semiabandono. ‘0 estilo de vida adoptado na corte previa a villegiatura [em italiano no texto, N. do T. ital | tipica da sociedade romana; faziam-se férias periddicas nos rsticos subiirbios asiticos e europeus da capital. Os palicios sobre o mar que caracteriz ‘vam as costas do mar da Marmara e do Bésforo iam desde as magnificas estruturas crigidas por Justiniano e Teodora ao longo da bafa de Caleedénia a0 pavillon de plai- Sir de Miguel Ill em Sao Mamas, moderna Besiktas, uina zona que viria depois « ser apreciada pelos sultdes otomanos. Fosse como fosse, e por muitas villas estivais que 0s imperadores pudessem cons- truir, ao longo de quase toda a hist6ria do Império as estruturas fisicas do poder iden- tificaram.se com « Grande Palicio. E impressionante pensar que, apesar de todos os cuidados prodigalizados por arqueslogos e topégrafos as poucas ruinas remanescentes, ‘nunca se reuniu integralmente nem se indagou uma boa quantidade de documentos relativa ao funcionamento do Palicio como instituigao. (0 Grande Palicio constituia uma espécie de cidade dentro da cidade as suas ‘estruturas reflectiam-the as muitas fungoes. Havia, desde a antiguidade, muralhas que Separavam 0 Palicio da cidade que 0 circundava, se € que © muro circundante iden~ tificado junto do palicio tardo-antigo em Ravena pode constituir uma indicagio da pritica constantinopolitana, Nao restam diividas de que imperadores sucessivos, como Justiniano II ou Nicéforo II Foca reforgaram ¢ alargaram as fortificagdes do Grande Palécio. A seguranga do autocrata era ulteriormente garantida por unidades militares escolhidas, logo aquarteladas para lé da entrada principal do Grande Palicio, de modo aque 6 acesso da famflia imperial fosse desimpedido dos importunos. Dissidentes e ‘conspiradores desapareciam dentro das prisdes existentes no grande complexo. Em casos extremos, havia sempre um porto privado que permitia a um imperador amea~ {ado fugir do Grande Pakiciv. Ems melhores tempos, 0 mesmo porto permitia ao impe~ Tador rapidas e seguras deslocagées a muitos pontos da cidade a bordo da sua embar- ‘cago escarlate, Depois de quase ter perdido 0 trono durante a revolta chamada «Nika», Justiniano I construiu no interior do Grande Palicio celeiros ¢ foros que assegu- assem a sua auto-subsisténcia; cisternas garantiam uma segura reserva de égua. Existem ainda listas de pessoal que sugerem que 0 Palicio tinha estrebarias e ofici- nas. Um campo de plo, privado, permitia ao imperador e sua familia dedicar-se a lum dos desportos preferidos na Idade Média. Algumas igrejas e capelas construidas no interior do complexo satisfaziam as necessidades religiosas do Palacio; nos finais do século IX, 0 pessoal permanente (cerca de doze padres ¢ muitos didconos) residia no interior das muralhas do Palicio. {As estruturas antigas do Grande Pakicio articulavam-se, muito provavelmente, ‘numa série de pérticos de peristilo rectangular cujos jardins internos deviam ser ador- nados de estétuas ¢ fontes, ao mesmo tempo que os préprios pérticos podiam alber- gar esplendidos mosaicos, como 0 que ainda podemos admirar no Museu dos mosai os de Istambul, Quando estava bom tempo, os altos oficiais tratavam por vezes 0s fassuntos do governo ao ar livre, debaixo dos pérticos; af se reuniram para os cole de Anastisio Lem 491; noutro caso, Constantino V ‘quios que depois levaram 2 elei oor Jeu uma audiéneia num terrago com vista para o mar. Em toro destes porticos deviam sncontrar-se edificios que hospedavam os principais ministérios do governo impe rial. A expressio «o Palicio» era efectivamente usada, por vezes, como abreviaturi ie «establishment governativon. Acrescente-se 0 facto de, hii muito, alguns elemen= tos da burocracia, como, por exemplo, 0 magister officiorum ou o comes sacrarum largitionum — este sltimo possivelmente responsivel também pela casa dit moe terem no Paliicio o seu centro operative, Sabemos que, na sociedade de base mone téria que era Bizdncio, o imperador tinha as suas grandes reservas de moeda € metal precioso a salvo no interior do Palécio: Basilio Il teve de constmuir galerias especial tm espiral sob 0 Palicio para depositar o que tinha acumulado. Parece que, com @ tempo, o nimero dos gabinetes governamentais efectivamente instalados no interior das muralhas do Palicio foi crescendo, uma vez que era esta a sede de servigos admi nistrativos diferentes que iam da chancelaria imperial aos tribunais judicidrios. Depois dos pérticos, portas triplas admitiam aos grandes saldes que serviam de cenério aos solenes actos de governo: ler as novas leis, conceder audiéncias a embaixadores estrangeiros, promover oficiais de patente elevada. imperador ocupava uma plat forma sobreelevada numa extremidade da sala, de cujo resto o separavam cortinados fespeciais, ao mesmo tempo que marcas no pavimento conduziam os movimentos dds que eram admitidos & sua presenga, O modo como eram usadas estas salas send explicado quando examinarmos a projecgio ritual do poder imperial ‘A verdadeira residéncia do imperador constitufa ainda uma outra unidade estruturil do Palacio, Estava separada do resto ¢ era mantida isolada: os sagrados recintos eral vigiados pelo omnipotente corpo dos eunucos do palicio, Fram verdadeirament privilegiados os comuns mortais a quem era concedido aceder & residéncia privadlt do imperador! Unia multidio to vasta como heterogénea povoava as estruturas fisicas desl cidade dentro da cidade. Encoutramos j6 08 burocratas © as guardas imperiais. Agil vVivia, obviamente, o imperador com a mie, a mulher e os filhos, eventualmente CoM membros das suas famflias. Outros parentes ~ por exemplo os muitos da primelil tmuther de Constantino VI ~ alojavam-se nas proximidades do Pabicio Para que a esfera piblica e a esfera privada da vida do imperador e do seu véquill pudessem funcionar sem problemas era necesséria uma organizagZo minuciosa. Pane thue, no inicio da era bizantina, todos os residentes do Palécio que tivessem um esl tuto clevado constitufam uma célula organizada auténoma: vivia com o seu proplit pessoal doméstico, com escravos, guarda-costas ¢ um despenseiro, figura esti i Teva a crer que havia no interior do Pakicio uma diversificagao no campo alimeni no sentido de que cada «unidade» conservava e preparava os seus proprios aliNiill tos. Disposigées por vezes diversas regulavam as entradas que financiavam cada wi ddas unidades, Um exemplo: nos finais do século 1X, a embarcagao privada di (Np ratriz era paga com os proventos que aflufam a sua «Mesa» (contabitidade das pH visdes [em grego & também implicita a acepgdo de «banco», N. do 7: ital.) © por eM administrados, ‘Os homens € mulheres que prestavam servigo no Palicio exerciam todas as (MAE ‘ges que podemos esperar no interior de uma residéncia to grande ¢ 180 1 Mente rica, Os que providenciavam ao bem-estar do establishment do Pal uma legido: leis da idade tardo-roman ape line Tamara epelienaag iar TE edad porteiros, intérpretes; havia os artifices e os operitios ligados & casa da moeda imp rial, bem como — podemos imaginar — os artistas do Pakicio que deviam desenfor- nar as obras de arte e os cunhos exigidos pela monetarizagao ¢ a propaganda impe~ rial, quer se tratasse de ddivas ou de encomendas especiais. As prescrigSes cerimoniais da [dade Média revelam-nos artistas e artesios ligados ao Paldcio: temos noticia de alfaiates do imperador, ourives, bordadores de ouro. Havia os atriklinai, uma espé- cie de oficiais de ceriménias dos banquetes de representago, os quais desempenha~ ‘vam um papel muito delicado, uma vez que deviam estabelecer as precedéncias € distribuir os lugares & mesa. A supervisio das actividades quotidianas do Pali ‘cabia aos eunucos: 0 papias, assistido pelo seu «segundo» (0 deuteros), aparece pela primeira vez no século Vill como supervisor da rotina de base da instalagio «fisica» Uo Palicio, desde as obras de alvenaria & iluminagao, As ordens do papias estava 0 pessoal inferior, os diaitarioi, organizados em secgdes ditas «semanas» que reflec- tiam 0 seu programa de trabalho. No século X tentou-se restringir 0 seu recrutamento, aos residentes da capital e suas imediagoes. ‘Os membros de maior categoria do pessoal doméstico do Palicio eram os cama reiros, eunucos afectos aos aposentos imperiais, ou 0 kouboukleion (do latim eubi culum). Assexuados e ~ pelo menos teoricamente ~ sem descendéncia, os cubicula- res eunucos eram os «excluidos» por antonomdsia. E, contudo, esta falta de poder ‘gerou paradoxalmente uma grande influéncia, devida & grande confianca junto da familia imperial e & autoridade que dai advinha. Os eunucos serviam o imperador mesa, preparavam-lhe a cama ¢ 0 vestuério. Todas as noites eles se fechavam & chave com o imperador no seu quarto de dormir € deitavam-se junto do seu leito sua porta. Controlavam o programa didrio do imperador cuidayam das suas insignias. A sua colaboraca ispensdvel para quem quisesse aproximar-se do imperador. Para conseguir o apoio imperial as suas concepgdes teoldgicas, Sa0 Cirilo de Alexandria teve de corromper os eunucos com donativos que iam das 50 as 200 libras ouro para cada. Quando o milénio bizantino iniciava, o direito romano proibia a castrago de cida~ aos; a maior parte dos eunucos imperiais vinham de regides para Ii das fronteiras a nordeste do Império. Com o século Vill os critérios de recrutamento parecem ter-se modificado: um dos mais importantes ministros eunucos ao servigo da imperatriz, Irene tramou para conseguir a ptirpura para a sta familia, o que implica que se tra- tava de um bizantino. Pouco depois, um campones paflagénio suplicou a Deus que Ihe enviasse um filho, de modo a poder castré-to e a ter uma velhice descansada: 0 filho serviria no Pakicio e olharia por ele. Na segunda metade do século x, encon- ramos mesmo um membro ilegitimo da familia imperial, Basilio Lecapeno, num papel chave do kouboukleion imperial. poder estatutério dos eunucos eresceu a tal ponto que, no século X, 0 seu chefe presidia & organizacdo das ceriménias imperiais: privilégio este que foi arrancado aos is importantes ministros barbudos do Estado pouco depois do século vi. No final juidade, o eunuco dito castrensis, um mordomo, tinha fungdes de supervisio da anti da actividade do pessoal inferior do Palicio; j4 vimos como era importante 0 seu sucessor medieval, © euntico papias. Os eunucos estavam também presentes na edu 5 cagiio dos filhos do imperador; © famigerado Antioco tinha sido preceptor do impe- rador Teoddsio Hl; 0 papa Gregorio I exprimiu as suas preocupagdes relativamer 440 exemplo que 0s eunucos teriam dado aos filhos do imperador Mauricio. Quando se pensou num casamento entre a filha de Carlos Magno e o fitho da imperatriz. Ire enyiou-se para Ocidente um oficial eunuco para instruir a jovem franca no tocante 40S costumes € a lingua da corte bizantina. A constante preocupagtio de enunciar os privilégios e as vantagens de que gozavam os eunucos do kouboukleion parece impli- car que, embora o imperador Constantino VII proclame explicitamente a sua pater nidade, o grande tratado do século x Sobre as Ceriménias Imperiais deve muito este grupo social. Era tao grande 0 prestigio dos eunucos que a mentalidade medie~ val imaginou que partilhavam com os anjos 0 seu aspecto, Durante a dinastia dos ‘Comnenos, triunfou o prinefpio do lago de parenteseo como principio organizativo da vida piblica, © que implicou a redugio do poder dos eunucos; mas antes d podiam encontrar-se eunucos de confianga mesmo 4 frente dos exércitos imperias. A corte que passava noites e noites em to espléndido ambiente era um verda deiro cadinho de etnias. Nos alvores do Império giravam em torno da pessoa do impe- rador guarda-costas de origem goda, eunucos da Pérsia, burocratas da Itilia © da Africa Sctentrional; © mesmo uconteceu no século Xit, quando comandantes tureos € normandos velavam pela seguranca imperial, intérpretes latinos com a sua paren tela bergamasca trabalhavam para 0 Paliécio e imperatrizes vindas da Franga ou da Hungria com o seu séquito de damas dominavam a vida social da corte, Pouco sur preende 0 facto de, até ao século V1, a corte de Constantinopla constituir uma pode- rosa bolsa lutinéfona no Oriente grego. O impacte deste bilinguismo percebe-se ple namente na giria técnica da burocracia grega medieval, rica em latinismos que vaio de patrikios, doux ou domestikos a sekreton (gabinete) ou skoutarion (escudo). No século Xi, o entusiasmo de Manuel 1 Comneno dos membros latinos do seu séquito pelos costumes do Ocidente feudal favoreceu a difusio de um estilo de vida ocidental has altas camadas de Bizancio: justas ¢ torneios suplantaram as antigas corridas de carros, tornando-se assim a distracgo predilecta da corte no Hipédromo. O exereieio do poder Quem eram, pois, estes imperadores? Que faziam? Porque eram tao importantes na vida desta grande civilizagiio? No decurso do milénio bizantino, o «recrutamento dos imperadores e os modos de transmissio do poder mudaram. Verificou-se. um 1e de Senada da es «hem suce didas ~ muitas vezes no abertamente distintas das eleigdes ~ interromperam 0 rei nado de imperadores sem pulso. Nas tiltimas sete dinastias bizantinas cresceu a impor Jincia da sucesso hereditéria. De 610 a 1204 acederam a ptirpura trinta € dois co-imperadores designados; vinte e cinco deles gabavam-se de ascendéncia imperial, outros seis foram cooptados nas familias imperiais. Uma tinica dinastia, a palesto presidiu aos diltimos dois séculos do Império, A base institucional dos imperadores reflecte a mudanga das estruturas paliticas, comego do século Vit foi o exéreito que forneceu a ma gem de imperadores, seguido de perto pela familia imperial; a burocracia civil pod gabar-se apenas da excepcional eleigdo de Anastasio 1. De Herdclio a conquista vene- Ziana de Constantinopla em 1204, a burocracia © © ambiente do Palicio prevalece- ram sobre o exército. Depois de 1204, e portante para os siltimos imperadores de Bizaincio, o servigo civil deixou de importar como base de recrutamento, A prove- ncia dos imperadores espelha as mudangas de arranjo geogréfico do império bizan tino. Mesmo excluindo Constantinopla, até Tibério I e com a tinica excepgao de Zenao, todos os soberanos de origens conhecidas vinham das provincias europeias ‘do Império. Depois de Foca e até aos tiltimos séculos, quando a importante reducio territorial do Império limitou gravemente as suas possibilidades e a sua importanci a maior parte dos imperadores nascidos fora da capital vinha da Asia Menor, reflec tindo assim a acrescida importincia politica e social da Anatdlia, Foi a aristocracia que forneceu 0 maior nimero de imperadores. Verificou-se, no entanto, 0 excepcio- nal mas persistente fendmeno de poucos aristocratas que, servindo 0 Império, abr ram caminho até ao seu topo, fossem eles camponeses como Justino I ¢ Basilio I ou viessem de um contexto mais eitadino como Miguel IV. ‘A posigdo dos imperadores na ideologin politica bizantina aproximava-se muite do papel que desempenhavam no Estado bizantino. A palavra «Estado» quase parece uma anomalia hist6rica do sdicval. E, contudo, Bizancio — tinica na Idack Média crista ~ soube manter um sistema politico baseado numa classe institucional de profissionais pagos que por sua vez estruturou e definiu a aristocracia bizantina at ao século XII, Como fonte do direito, 0 imperador nio Ihe estava vinculado € muita vezes agi em conformidade. De facto, sob certos aspects, a elaboracio juridica bizan- tina chegou mesmo a alargar as vastas prerrogativas imperiais reconhecidas pelo direit romano; o imperador era a tinica fonte das promogdes administrativas que faziam fun: cionar © sistema politico; o sentiment comum atribuia-Ihe poderes de confiscas extraordinarios, tais que limitavam talvez o préprio conceito de propriedade privad Embora a autoridade imperial pudesse por vezes parecer ambigua ou mesmo amea ‘cada quanto mais longe se estivesse da capital imperial de Constantinopla ~ hé basi Ieuousa polis, a «Cidade reinante» ~, 0 poder de que 0 imperador dispunha era sufi cientemente real. Ao contrario de qualquer outro soberano curopeu anterior ac século XII, os imperadores bizantinos comandavam um exército profissional € um: burocracia altamente organizada, perita em extrair dinheiro as camadas da populagic capazes de dé-lo, ¢ isto gragas a um elaborado sistema fiscal. O sistema era um pouct perro, mas bastava accioné-lo com umas pancadas bem dadas para que os adminis tradores profissionais do Império conseguissem actuagdes espantosas para os nfvei iedievais. Mesmo um observador hostil, como um cruzado anénimo, registou 0 valo logistico da burocracia revelado pela rapidez de um transporte de embarcagie: longo de florestas e montanhas destinado a facilitar 0 assalto a Niceia, ocupada pelo Turcos em 1097, Este elaborado sistema de governo estava estruturado de tal maneira que as tare fas de gestdo estivessem subdivididas entre um vasto mimero de burocracias inde pendentes, A série de linhas de poder auténomas daf resultantes desencorajavam ‘oposigio relativamente ao topo da autoridade; de facto, todas elas convergiam nun Linico posto, ou seja, nas maos do imperador. Todo o poder estava ~ por outras pala vyras ~ centralizaul jando mesmo se pode dizer da riqueza. Todos os meses de Margo e Setembro enor- ‘mes quantidades de ouro aflufam ao Palicio sob a forma de imposto fundidrio impe- rial; devia ser este o niicleo do orgamento operativo do Império. As reservas mone. Arias do Palicio vinham juntar-se as taxas aduaneiras do império ou as contribuigdes dos mercados; os pagamentos ¢ investimentos destinados aos titulos imperiais e as Pensdes que daf advinham; as confiscagdes, as multas. E, além destas fontes regula- Fes de producao pablica, havia os lucros € os produtos derivados dos grandes terre. nos privados do imperador, para ndo falar dos proventos vindos das oficinas mono- Polizadas pelo Estado que produziam os tecidos de luxo que tormavam famosos os mereados de Constantinopla. Daqui as grandes reservas acumuladas no Palaciv pelos imperadores mais parcimoniosos; as quantidades de ouro mencionadas pelos historia. ores bizantinos ascendem a toneladas. Todas estas fontes de rendimento se combi- havam para financiar uma economia monetiria centrada em grande parte no impe- tador © nas suas despesas destinadas ao exército, aos funciondrios, & beneficéncia ¢ fos lazeres, conferindo assim um real peso econémico aos poderes garantidos ao mperador tanto pelo direito como pela tradigio, Como € natural, o estilo de governo dos imperadores softeu grandes variagies durante mil anos de histéria. Houve imperadores como Herdclio ou como Manuel I que insistiam na necessidade de conduzir pessoalmente as tropas na guerra, exe endo de facto 0 papel de comandante-em-chefe. Outros imperadores seguiram 0 exemplo de Justiniano, ¢ ficaram como que emparedados no Palicio, trabalhando durante a noite para examinar as diversas opgGes politicas e exarar ordens através de uma omnipresente burocracia ou langando ordens aos seus préprios comandantes ¢ tentando gerir pontualmente as expedigdes militares da capital, Também nio falta vam 0s imperadores eruditos como Teodésio II, que deixavam talvez as rédeas do poder efectivo nas maos dos seus conselheiros de maior confiana, ou imperadores playboys como Alexandre, sob o qual a burocracia imperial fez tranquilamente o que bem entendia, Qual a rotina didria do imperador bizantino? A natureza da sociedade de Bizine = €, portanto, das fontes sobreviventes ~ torna a resposta muito mais dificil do que primeira vista pode parecer. Nao obstante a sua posigio essencial para manobrar as rédeas do poder, o imperador tendia a estar visivel sobretudo quando se «revelava» 408 contemporiineos, © portanto nas elaboradissimas situagdes previstas pelo ceri- monial imperial; mais dificil era vé-1o na gestao efectiva do governo ou na vida pri vada. No primeiro perfodo bizantino, houve um pregador que chegou a explorar a situagdo gragas ao inesperado efeito de choque que podia causar; de facto, pediu ao seu pablico que imaginasse » omnipotente imperador a dormir na cama, compa Fando-o ~ e em termos nao muito lisonjeiros ~ com os frades que de noite rezavam, Reunindo as fontes, podemos em todo © caso vompor um mosaico do que devia ser a vida quotidiana do imperador. Analogamente aos outros habitantes, os imperadores acordavam ao amanhecer Para aproveitar ao maximo a luz do dia. A primeira actividade séria eram as oragdes numa das muitas igrejas do Palicio: foi o conhecimento deste hibito que guiou os assassinos de Leo V. No século x, © Grande Palicio era aberto para os assuntos pblicos duas vezes por dia: 118s horas ou mais antes ou depois da refeigao princi- pal do dia, Celebradas as matinas, 0 eunuco papias ~ que possuta as chaves das arias 228 entradas do Palicio — com o seu esquadraio de domésticos palacianos acompanhaviu pelo Palicio comandante das guardas imperiais © os seus homens, abrindo as vs entradas outras vias de comunicagZo entre 0 interior ¢ 0 exterior. E tipico 0 fact de esta importante missio de seguranga ser confiada a dois grupos rivais, os eunu 0s ¢ os soldados. Sabemos que importantes assuntos de Estado ~ como as grande procissBes ou a distribuigio de ouro aos signatdrios imperiais ~ tinham inicio & pri meira hora do dia, ou seja, por volta das seis da manha, e podiam prolongar-se pel manha fora. Quando outras questies de rotina exigiam a sua atengZo, o imperado subia so ton clocado na ase do Cri (o «Sabo de Banquets Douro» ara receber 0 primiciru-minisuy © eonversavam por detrés da cortina que separa dignitério que o imperador precisasse de consultar podiam vir & sua presenga varia veres antes da refeigao, Quando o imperador estava pronto para ir para a mess, papias percortia © Palacio, batendo com as chaves; era 0 sinal de que o Palicio i fechar, Todo este processo se repetia a reabertura, apés a refeigio. Durante o dia de trabalho normal, o imperador consultava os ministros mais impor tantes no tocante aos assuntos urgentes. Podia nutrir particular interesse pelo ands ment dos proves. Dava ainsi aos ofa que parti par a fut ox e ssavam, A quantidade de memoriais governativos que Constantino VII copio para dels extra os tratados sobre 0 exerico Jo poder dedicados ao ho suse que a burocracia imperial produzia um significtivo fluxo de documentos que che gavam ao Grande Palicio. Eram documentos que compreendiam os relat6rios da con {ra-espionagem relativamente aos tltimos acontecimentos ocorridos para além do me Negro, ou pormenorizados relatrios logisticos acerca dos custos e das medidas admi histrativas necessérias para equipar uma frota que fosse operativa nas éguas de Cret ‘ocupada pelos srabes. Alguns imperadores intervinham pessoalmente na redace: das leis. Um historiador da Igreja que viveu no século Vi deixou-nos a vivida gem de Justino II presidindo a uma série de discusses com eminentes prelados dis sidentes, ao mesmo tempo que incitando-os a0 mesmo tempo a encontrar as palaresspropiadas a um Eto rl gioso que favorece 0 compromisso teoldgico. Depois de longas diatribes, o impert dor ficou satisfeito com o texto que Ihe & proposto ¢ ordenou que The entregassem ele € 20s outros vinte c6pias do documento, pa Jas antes do por do Sol. Us especialista chegou a descobrir aquilo que bem poderiam ser as predilecgies estil ticas de Justiniano I nas nervosas expressdes em «staccato» disseminadas em mui das suas leis latinas. Em todo 0 caso, e em todas as épocas, quando o imperador apu nha de facto a sua assinatura aos varios privilégios, disposigdes legislativas, nov leis elaboradas de tempos a tempos pela sua chancelaria, deve ter tido muito qu fazer a praticar a gratia cor de purpura escrevendo um latim jf ultrapassado ennqu teve de assinar os documentos com a palavra legimus. Esta pritica durou pelo men¢ até ao século Vill, No século X esta parte da assinatura imperial foi confiada ao chs mado «mestre da pena» (ho epi tou kanikleiou) e os imperadores passaram a assin: com nome € 0 titulo: «Joao [I] em Cristo Deus fiel imperador dos Romeus.» N menos importantes que os assuntos administrativos do Estado eram, como veremo 10 assuntos cerimoniais do Palicio. Nestes casos, os to onerosos como indispens: veis deveres do ritual imperial podiam ocupar toda a manhit ou mesmo todo o di Ms lazeres CO imperador podiam assumir muitas formas. Em singular c com os modelos dominantes no Ocidente medieval, 0 substracto aristocratico, por um lado, © 0 valor atribuido pela civilizagao bizantina a capacidade literéria, por outro, combinaram-se com a pregndncia do papel dos documentos escritos na admi- nistrago militar ¢ civil, alimentando pretensdes literirias em vérios imperadores, fenémeno este que se estenden as mulheres das familias imperiais, Justiniano com- pds doutos tratados teoldgicos. Fosse qual fosse 0 papel dos seus escritos obscuros, Constantino VII ~ imperador erudito como ja Teodésio meio milénio antes ~ ambi- cionou claramente ter uma posteridade litersria, compondo ou comissionando trata dos telativas ans diversos aspectos do governo imperial. Trata se de fontes pr sas no tocante & politica externa, as provincias, & administragao central, as articulagdes cerimoniais da aristocracia de Estado e palaciana; ¢ nao nos alongamos aqui acerca do seu grande projecto enciclopédico de compilar extractos dos autores antigos. Seu pai, Ledo V1, tinha composto hinos e oragdes para numerosas circunstincias oficiais, Manuel IT escreveu um tratado polémico a favor do cristianismo contraposto ao Islio, Joao VII Cantacuzeno parafraseou a Etica a Nicémaco e, quando foi obrigado a retirar-se da cena politica, dedicou-se a redacgao de uma autobiografia Nao 86 0s homens da familia imperial usavam a pena. A cultissima Eud6xia uti lizou profusamente o seu talento na versificagdo da Biblia, Quanto a Teodora, nem as humildes origens nem a miopia a impediam de receber tratados teoldgicos de teor monofisita escritos em caracteres maiores que o normal para facilitar a leitura. A mui notdvel Ana, filha porfirozénita de Aleixo I Comneno, glorificou 0 reinado do seu p: na Alexiade, cujos ricos arabescos de alusdes clissicas adornam uma obra hist6rica que coloca esta mulher de grande talento entre os grandes historiadores da Idade Média. Estas ambigdes culturais no seio da familia imperial ajudam a explicar o significative papel desempenhado pela corte no notivel florescimento cultural bizantino. Imperadores como Miguel III, que descia & arena para experimentar a excitagio € 0 perigo da corrida com carros, eram casos excepcionais. Uma mais digna e mais aristocratica espécie de exercicio fisico levava os imperadlores para fora do Palécio: a cagada. Havia um delicioso parque murado, © philoparion, pouco adiante do pald cio das Blachernas e que constitufa o cémodo e aprazivel contexto da pritica da fal- coaria e da caga aos animais que 0 povoavam. Mais complicadas eram as expedicoes no séquito dos imperadores desejosos de caga grossa (sobretudo de javalis) na Asi Menor ¢ na Tricia. Os campos de pélo do Palicio permitiam-Ihes aperfeigoar as capa ceidades equestres na privacidade imperial. DiversOes menos cansativas faziam-se a0 ar livre: os dados ou, para Aleixo Comneno, a quotidiana partida de xadrez com algum parente, durante a manha, Embora muitos monarcas vestidos de pairpura fossem justamente celebrados pela sua piedade ~ entre eles, como vimos, Teodora, antiga prostituta, bem conhecid pela sua lasefvia de que nos deixou pontual testemunho 0 seu implacdvel detractor Proc6pio =, muitos foram os soberanos e soberanas que satisfizeram os seus caprichos com os homens ¢ as mulheres do seu séquito. Constantino VI comecou por namorar ‘uma dama do séquito da sua mae, depois casou com ela em segundas nipcias, © que causou uma verdadeira crise politica na elite do século Vill. Miguel III foi acusado de praticar orgias durante as quais, com os seus amigos folgazdes, punha a ridiculo (8 mistérios da Igreja e do Estado e trogava da devogdo religiosa da imperatrf# sua traste 230, We ae ee ae 4 sua amante favorita ao camponés Basilio, o Macedéinio, entio seu protegido & mi tarde seu assassino. Constantino IX Monomaco criou uma nova categoria na co que permitia as suas amantes aparecer na ribalta junto da mulher legitima. Houve imperatrizes néio menos empreendedoras que os seus parceiros masc nos. Romano If enfeitigou-se pela filha de um taberneiro que, saindo da cama subindo ao trono, tomou 0 nome de Teéfanes. Quando o marido morreu, manteve ‘sua posigio casando com o general mais importante do império, campeaio de uw grande dinastia militar: Nieéforo I Foca. Este imperador guerreiro tinha algo monge e sentia-se melhor na frente de batalha com as suas tropas do que em c: com a bela e jovem mulher, que bem depressa cedeu aos atractivos do robusto vi de Nicéforo, Joao Zimiscio. Conspiraram 0 assassinio do marido ¢ Joao subiu trono. Mas a Igreja, escandalizada, opds-se, impedindo 0 sucesso de Te6fanes fazendo-a expulsar do Pakicio, Duas geracdes mais tarde a ainda nibil e cinquento sobrinha de Tedfanes ~ Zoe ~ foi obrigada a desposar um importante funcionario administragio civil, entio com sessenta anos, de modo a manter a sua fam poder. Depressa Zoe descobriu os atractivos de um homem mais novo que no 5 aacaso era parente de um importante eunuco, Zoe desposou o amante na mesma no ‘em que 0 marido morreu no banho. Apés a morte do segundo marido ¢ de um int regnv desastruse, quando 0 trono foi ecupado por um sobrinho, a antiga imperat voltou ainda a casar aos sessenta € quatro anos. Os lagos familiares tinham um importante papel no efrculo do imperador. E ce {que a familia do imperador fora muitas vezes um elemento destacado na vida pibl desde o tempo de Augusto. Mas, na época bizantina, o fenémeno adquitiu novo vig A tendéncia para governar através de lagos de parentesco teve um primeiro auge € Mauricio, no final do século Vi, quando o irmao do imperador acumulava 0 cargo magister officiorum (negécios estrangeiros) com 0 de curopalatus (seguranca Palicio), 0 cunhado estava a frente das tropas escolhidas do Palicio ¢ a mes tempo comandava o exército nas campanhas militares, ¢ outro parente ainda ~ 0 bi de Metilene ~ era 0 conselheiro mais chegado de Mauricio, tanto que mereceu € 4uias imperiais. Houve na sociedade bizantina amplas tendéncias para a constitui de dinastias transgeneracionais, que contudo abortaram varias vezes antes de ale carem uma consagragio definitiva com a longa duragao da dinastia macedén Importante consequéncia disto foi a perda progressiva das distingdes entre uma e cepeio do Estado como entidade publica e outra que o assimilava a um patrimé de familia: € a impressiio que inequivocamente se recebe da andlise de vérios asp tos da politica dos Comnenos. A partir do século XI, 0 grau de parentesco con mperador tornou se, de facto, o prinespio hierirquico do Estado, suplantando velhas distingdes entre a aristocracia, ’A importania dos lagos de parentesco sublinha o significado histrico das im ratrizes, Do ponto de vista legal, as augoustai — este 0 titulo oficial ~ dependiam imperadores. O Digesto estabelece claramente que 0 seu poder ¢ a sua posigio d vavam do imperador, € encontraremos ecos desta concepgio nos ulteriores des volvimentos do direito bizantino, Esta circunstincia veio, porém, a combinar-se ¢ (0 da relagio familiar como factor primario do orde © progressivo desenvolvim See socie, Conderindo & aigumas imperatrizes notéve! poder ¢ autoridads. Uma aanilise sistematica do substracto social das imperatrizes ao longo de todo 0 milénio bizantino poderia fazer luz sobre as alteragdes verificadas nos modelos da estrutura politica ¢ social do Império: pense-se em Honério e Arcédio, ambos casados com fihas de generais. Em contrapartida, figuras como as mulheres de Justiniano ¢ de ‘Tedfilo demonstram como um casamento imperial podia ser fonte de poder para a familia da imperatriz, Os recém-chegados ao trono tentavam, talvez, consolidar a sua posigio desposando uma imperatriz preexistente: é Marciano que, em 450, desposa Pulquéria, virgem consagrada de cinquenta e um anos; & Nicéforo III Botaniata que, em 1018, desposa a imperatriz Maria, Escolher uma imperatriz niio era coisa de somenos. Vimos j4 que algumas impe- ratrizes vinham de ambientes nao aristocriticos. De 788 a 881, as fontes bizantinas referem «concursos de bele7a» em que vérias jovens aptas ao trono desfilavam diante do imperador e sua mae. Tém-se manifestado diividas quanto a este processo de esco. tha, verdadeiramente inusual, mas parece que foi recuperado pelo filho de Carlos Magno no Ocidente. Tratava-se talvez de um expediente destinado a libertar a esco- tha do imperador das fortes pressdes exercidas pelos mais eminentes aristocratas da corte no sentido de que a escolha recaisse sobre mulheres da sua familia, No século Vit, a diplomacia comecou a apresentar aos imperadores mulheres estrangeiras; foi entdo que 0 casamento de Constantino V com uma princesa ezarin: foi seguido de negociagSes (fracassadas) para obter a mio da filha do rei de Franga, As noivas estrangeiras recebiam ligoes de lingua grega e sobre os costumes da corte antes de chegar & sua nova residéncia; mudavam normalmente de nome quando assu- miam a sua nova identidade bizamtina, recebendo muitas vezes o nome de qualida des ideais como Irene («paz»). Sob os Comnenos, as noivas vinham dos soberanos. do Império germanico e da Franca capetingia; foi este © ponto mais alto da capaci dade geopolitica dos imperadores bizantinos para estabelecer aliangas deste género, no contexto do seu acrescido significado numa estrutura politica que se reformulav: ¢ segundo directivas ditadas pelos lagos de parentesco e 0 estado patri monial, Um magnifico panfleto conservado na Biblioteca Vaticana (Vat. Gr. 1851), escrito em poesia verndcula, constitui o documento escrito ¢ ilustrado das cerimé niias © das celebragdes para a chegada a Constantinopla de Inés, filha de Luis VII de Franga, Aliangas deste género tornaram-se to frequentes que 0s mestres-ceriménias claboraram um ritual padrio destinado a celebrar a chegada a Constantinopla da noiva cestrangeira do imperador. Por outro lado, na época paledloga, o estatuto de Bizancio jd nio era 0 que fora, © imperatrizes estrangeiras passaram a provir de potentados re} menos influentes Seria erréneo crer que todas as mulheres dos imperadores se tornavam automat camente imperatrizes, pelo menos no primeiro perfodo. Ao longo dos mais de duzen os anos que vao da subida ao trono de Constantino a de Justiniano ¢ Teodor obteve 0 titulo de imperatriz um tergo das mulheres de imperadores de que temos conhecimento. O elevado estatuto destas imperatrizes bizantinas transparece de nume 10808 privilégios: emitiam moeda, autenticavam documentos com os seus sclos de chumbo, usavam as insignias imperiais, todas elas tinham receitas ¢ pessoal aglmi nistrativo dest geri-los. Usavam ainda o titulo oficial de augousta. Algumas imperatrizes, como Teodora, mulher de Justiniano, e Ledncia, mulher de Foca, to naram-se imperatrizes com a subida ao trono dos seus maridos. Outras, pelo cont rio, logo que casaram com o imperador; outras ainda s6 foram imperatrizes. nun fase sucessiva do seu casamento com imperador e outras nunca o foram. As raz em sempre so claras, mas parece poder depreender-se que — pelo menos até : século Vill — o estatuto de imperatriz. podia obter-se a par do nascimento de um he deiro a0 trono. ‘A vida paiblica das imperatrizes era bem distinta da dos seus consortes. Nisto el reflectiam a tendéncia geral das classes altas bizantinas para a segregacio sexual. / Imperatrizes eram particularmente importantes para a aristocracia feminina dat cor luma ver que constitufam o eixo em toro do qual girava a vida publica das grand damas de Bizdncio. Por isso os companheiros de Miguel II teriam dito: «Nao co yém a um imperador viver sem mulher nem € bom que as nossas mulheres se veja privadas de uma imperatriz. que as guie.» Uma das raras ocasibes em que as dam de posigdo senatorial podiam ter um papel fulcral nas ceriménias que se realizava nas ruas de Constantinopla era quando davam as boas-vindas & futura esposa do imp rador: por exemplo, quando Irene chegou de Atenas a Constantinopla. As imperat zes presidiam cerimonial e social auténoma, formada pelas mulheres membros mais: eminentes da hierarquia estatal das dignidades, as quais tinham po: g0es correspondentes ais dos maridos, Assim, durante a liturgia eucaristica de San Sofia, a imperatriz rodeada pelos cubiculares eunucos e pelos porta-espadas, seus do marido, concedia audiéncias solenes as mulheres dos dignitirios imperiais; tod as categorias podiam receber dela o beijo da paz. Mesmo quando a princesa Olga Kiev foi apresentada & imperatriz, os sete vela (levantamentos do sipério que ritm vam as entradas cerimoniais) diferenciavam as damas da corte segundo uma orde de precedéncias precisa. O imperador participou na audiéncia privada concedida Olga na companhia da sua mulher a imperatriz.e dos seus fithos nos aposento: riais; realizaram-se também dois banquetes oficiais, ao que parece contempor sendo um reservado as mulheres € 0 outro aos homens, Paradoxalmente, esta espécie de segregagio com base sexual nao impedia a imp ratriz — nem de resto outras damas bizantinas ~ de envolver-se fortemente nun variada série de actividades. No século IX, um imperador viu uma embarcacdo me cantil particularmente, bela; informou-se e descobriu, horrorizado, que a sua muth geria uma actividade de armadora fora do Palacio. Irritado, Tedfilo, teria per sarcastican ito: «Nao sabieis que Deus fez de mim imperador a imperatriz minha muther fez de mim um contramestre?» Foi depois lan¢: A embareagdo. F duvidoso que as coisas se tenham realmente passado deste mod ay a historia sugere & absolut plausibilidade para 9 século 1X de um activa como «mulher de negécios» sem 0 conhecimento do marido. Nao vemos, resto, porque havia de ser a0 contrério; afinal, todas as imperatrizes possufam va tas propriedades que deviam administrar como qualquer outro aristocrata bizanti A influéncia politica das imperatrizes pode ser lida de varias formas. Por exen plo, no perfodo que vai de 425 a 600, nas primeiras fases da grande crise que lev ao fim do mundo antigo © ao nascimento da Idade Média, as imperatrizes reinava em meédia uns vinte anos, consideravelmente mais tempo que os seus parceiros ma culinos. Coneretamente, a imperatriz Verina com a filha Ariadne permaneceram 1 sua esfer ente ao seu Grande Palicio enquanto a coroa passava pelos varios elementos masculinos de qua- tro diferentes familias biolégicas, incluindo a delas. A célebre Teodora parece ter ‘desempenhado um vigoroso papel de fundo durante © reinado de Justiniano. Procépio afirma que o casal imperial manipulava conscientemente as suas diversas opgies reli- igiosas: Justiniano tinha conviegdes ortodoxas quanto & natureza de Cristo, fazendo delas leis de Estado, Teodora ~ como grande parte das provincias orientais do Império ~ era uma herética fervorosa, protectora das doutrinas monofisitas. Podemos conti: mar Proc6pio, recordando a inovagao justiniana de introduzir 0 nome da mulher no {juramento religioso de fidelidade exigido a todos os funcionérios do Estado. Em todo Sofia, sobrinha de Teodora, que desposou Justiny Hl, sobriuw de Justiniano, teve um papel ainda mais activo. Sofia levou ainda mais longe o estatuto piiblico da imperatriz, quando o seu retrato apareceu ao lado do do imperador nas emissées de bronze: precisamente as moedas que mais intensamente circulavam nas transacgoes econdmicas da vida quotidiana, Nilo menos significativo € 0 facto de o nome de Sofia €, depois, das imperatrizes que the sucederam figurarem ao lado dos nomes dos mari- dos nos juramentos piblicos pela satide e a vitéria dos imperadores, juramentos a que os cidadios eram obrigados por ocasido do pagamento de impostos ou da est pulagao de contratos, $6 em cireunstincias excepcionais as imperatrizes geriram directamente o Império, por exemplo, durante a menoridade dos imperadores, ou como sucedeu justamente a Sofia quando faltou a satide a Justino I: foram entio as consortes que tiveram de segurar as rédeas do Estado, Muitas vezes verdadeiras regéncias foram formatizadas €, nesse caso, as imperatrizes podiam controlar pessoalmente as engrenagens co poder ‘A despética Irene chegou ao ponto de assumir © governo absoluto, talvez na pers- pectiva de um casamento com Carlos Magno — e, por certo, tomou disposigdes para mandar cegar 0 filho, quando este comecou a ameagar o seu poder. AS irmas impe- ratrizes Zoe e Teodora — tiltimos expoentes da dinastia macedénia — governaram tam- bbém plenamente € em seu nome, embora por pouco tempo. A regéncia cooptada a0 governo era oficialmente reconhecida nos simbolos da soberania: moedas, aclama~ ges, formulas de datagio dos documentos. Nestas circunstancias, a imperatriz cedia habitualmente a precedéncia formal ao jovem imperador, mas houve uma excepeao no século XIV com Ana de Sabsia, Também a mae de Aleixo Comneno, Ana Dalassena, nunca recebeu formalmente a dignidade imperial, mas assumiu 0 pleno controlo da administragao do Império no tempo em que 0 filho se batia desesperadamente para rechagar o assalto langado a partir da costa italiana por Roberto, Guiscardo. A par tir do tempo de Ana Dalassena, sobrevive um nimero de documentos ofi nados das imperatrizes © que documentam a sua considerdvel riqueza. E claro que a separagdo do Pakicio imperial e os privilégios inerentes a0 supremo poder contri- bufam para a posigio e a influéneia das augoustai Protegidos do resto da populacao gragas a uma multidao de figuras assexuadas e de toscos soldados birbaros, os soberanos representavam, com 0 seu estilo de vida. uma espécie de arcaismo vivo. A pega de vestudrio que melhor distinguia o casal perial, o foros, uma espécie de elaborada faixa de seda que os cingia num esplen dlor de brocados de purpura e ouro ~ as suas origens relacionam-se com a estola gicer dotal € 0 pilio dos arcebispos da Igreja de Roma ~, constituia a diltima encarnay: 2M se eatecam pang au eaevas os banquets os que presiia 0 imperador ns ae alse arzn divs diem aldoubia,Séculondepis deo aim ste or aoe easthses mts cm Constantinos, continuava a usarse 0 velho afabsto aa eens das eras nan moedas eas formu de enderego dos pxivlgios imperis embova as legends fensem doravante em ge40 rn png oar, ts, xe a stata governatvaimperal, que ura tos 0 cores due Sanaa, apens num par de mie. Prout Ta, expos est na nara da aia eo eating, Env Bizancoo estat soil ra deterinado pela posiio sraidal nun hcrrgiaeaborada ecambinte de precedéncis ratvarente 20 reer pogo enacla de eata qual na sociedade cra estabelecid pea combi rete tail wa dgniade (os ttulos Honoificos ov as penses condi a peer aos iuivuos singles durante a ida e sem possibile de Mon sogonto'avonade lnperi. Me ; Se span o ag de paremesco suplanara 9 antigo sista dow it sors tgs imperain de paremesco substitu aescala de proms sos a dn ius exava en rane redid mah aos do imperador, Ni da antiga toga trabeata dos exercer um wo depois da revolugdo comnena, na viragem soci A projeccao do poder Um ulterior elemento que contribuia para fazer do imperador 0 fulero da auto -representago da elite bizantina era 0 modo como o estatuto individual de cada qua tera comunieada quer a0s seus pares quet a0 contexto social mais alargado, Num Sociedade privada dos meios tecnoldgicos da comunicagio de massa os gestos sim bolicos preenchiam a distancia entre soberano e stibditos e atribufam a cada um seu papel no ordenamento do mundo bizantino, A ceriménia estava no fulero da ati tude bizantina face ao ordenamento politico; na verdade, a mesma palavra = taxis designa tanto «ordem> como «ceriménia» em grego bizantino. A projecsao piiblic dda ideia imperial era a propria esséneia do cerimonial imperial, cujos rituais cuid dosamente fixados por escrito anulavam a reclusio do imperador e ritmavam a vid 23 Sil Gos Dizantinos. Estas elaboradas ce imutivel os et mOnias, que pareciam encarnar de maneira Mos gestos € as eternas verdades da soberania imperial, nada tinham, de facto, de imutaveis; recentes investigagdes esclareceram a habilidade com que os Fesponsaveis pelo cerimonial imperial actualizavam qualquer representagéo de um ritual antigo, combinando elementos velhos & novos, de modo a transmitir mens: Bens sobre © poder e sobre a sociedade, subtilmente calibradas consoante a mudanga da situagdo. Assim o triunfo romano chissico fora inteiramente cristianizado, € cada luma das representagdes era adaptada a configuragao politica e espiritual exacta do momento, No século X, por exemplo, 0 vitorioso Jozo Zimiscio (j4 vimos como subiu 40 trono: pisando o cadiver do seu parente ¢ benfeitor Nicéforo II Foca) exumou o antigo carro triunfal romano. Fé-lo de modo a poder expor um fcone da Virgem dotada do poder de conceder a vitéria, a descer humildemente do carro € seguir 0 feone a pé, passando pela Porta Aurea da capital e emitindo assim um poderoso sinal da sua vit6ria e ao mesmo tempo da sua devogdo ao culto popular, Um imperador do século x reconhece, pois, expressamente a fungdo politica des- as ceriménias como projecgao do prestigio imperial e reforgo do seu poder. No vasto Fepertorio dos gestos simbélicos do imperador so, em particular, duuas as ceriménias com um papel crucial na vida pablica bizantina de que temos testemunhos figis: as audiéncias solenes e as procissdes, que se prolongaram ambas ao longo de toda a era de Bizancio, Voltemos por instantes as magniticas salas diante dos pérticos do Grande Palicio. Nestas salas tudo era concebido de modo a espantar as delegagGes estrangeiras ou internas. Os bizantinos eram engenhosos inventores de méquinas que, numa cultura pré-tecnol6gica, constitufam factores de profunda impressio e de mistificacao (dei- Xaram vestigios mesmo num poema épico anglo-normando sobre Carlos Magno). Um bom exemplo deste engenho é o «Tron de Salomio»: na Idade Média sentava-se hele o imperador para receber a adoracdo de splices e embaixadores pilidos e con fundidos, admitidos & presenga do soberano quando se abria 0 sipatio que ocultava da sua vista o imperador no trono. Algumas descrigdes que remontam a0 séeule x demonstram que 0 impacte visual ¢ auditive que acompanhava o aparecimento do imperador diante dos diplomatas estrangeiros era excogitado de modo a produzir um feito de distirbio psicol6gico; logo que o diplomata estrangeiro se prostrava diante do trono, a sala ressoava com 0 fragor emitido, a um sinal, pelos engenhos impe- rials. Animais mecinicos erguiam-se dos seus pedestais em torno do trono imperial € rugiam, ao mesmo tempo que o trono subia até ao tecto, Subjugados pelo estrépito distincia os participantes na audi jam as discussbes; 0 intuito parecia (er sido amansar 0s interlocutotes do governo imperial antes do inicio das discusses efectiva A talvez mais espantosa aparigio do imperador e da sua elite prendia-se com as Brandes procissdes puiblicas, Tratava-se do desenvolvimento das formas de vida publica que tinham caracterizado as escaldantes capitais do mundo tardo-tomano: todos os episddios significativos da vida da comunidade — 0 baptismo de um filho, 0 casa mento, a exibigdo de uma identidade de grupo, a vida litdrgica da Igreja (a litu sazonal da Igreja de Roma é outro f6ssil da vida publica das cidades tardo-antigas) ‘assumiram aspecto pliblico sob a forma de procissGes. A Constantinopla medkevall 236 manteve ¢ desenvolveu o desfile solene dos diversos grupos sociais como element essencial da vida civil: estudantes, notarios de primeira nomeagio, funcionérios ¢ Estado — todos preparavam os desfiles com a colaboragio dos colegas e 0 aplaus do piblico. O mesmo se aplica ao clero da Grande Igreja, Santa Sofia, que celebra diversas festas lttirgicas em diversos pontos da topografia sacra da cidade. Destas diversas procissdes, as da corte imperial constituiam © ponto mais alt desfiles cuidadosamente elaborados acompanhavam os movimentos do imperado ‘mesmo no interior da parte menos secteta do Pakicio, mas sobretudo quando deixay 6 Sagrado Palicio para dirigir-se aos principais santuérios da capital ou em grand ocasides oficiais como um regresso triunfal da guerra ou para dar as boas-vindas ‘uma noiva prometida do herdeiro do trono. As procissoes dominavam também 0 gindrio da corte: 0 césar Bards, regente de Miguel III, foi advertido do destino qu © esperava por um fncubo com um Sao Pedro apocaliptico € ameagadoras aparico de cubiculares eunucos no final de uma procissio imperial em Santa Sofia [Bard tio de Miguel II, foi assassinado por Basilio, mais tarde Basilio 1, N. do T. ital. E nao era apenas 0 imagindrio da corte: cerca do ano 1000, nas alocugdes homilé ticas aos seus monges, Simeao, 0 Novo Tedlogo, entreteve-se com as analogias qu estas ceriménias imperiais estimulavam, Andlogas metéforas abundam na pregac tardo-antiga de patriarcas como Joao Criséstomo ou Proclo de Constantinopl ‘Como era uma destas procissoes? Os pormenores variam consoante se consid © comego ou o fim do milénio bizantino, e ay mudangas revelam as modalidades « desenvolvimento da civilizagio bizantina em si e para si. Mas mantenhamo-nos século X e vejamos como seria uma procissao tipica. Destinada a escoltar o imper dor fora dos sagrados e seguros recintos do Pakicio, a primeira coisa a fazer era lin par, reparar, nivelar a estrada e aspergi-la de sebo aromatizado com agua de rosa percurso era decorado com grinaldas floridas, plantas perfumadas, enfeites preci S08 ~ tecidos ou pratas ~ fornecidos, pelo menos em parte, por abastados mercad res da capital que, celebrando a passagem do imperador, podiam publicitar as su mercadorias. A operagio era oportunamente dita

You might also like