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Capttulo 1 OS ESLAVOS ORIENT AIS M_NOVO ESTADO surgiu no séc. x sobre as matgens do Dniepre: uma Russia que enfileira entre os povos cristdos, se matiza de civilizagio bizantina e mantém a sua categoria euro- peia, Existéncia efémera! As civilizagies asidticas fazem desapa- recer a brilhante Kiévia e obrigam os Eslavos Orientais a reconstituir penosamente um quadro étnico mais ao norte, nas florestas do Alto Volga: é 0 nascimento de Moscovo! 1. O PRIMEIRO ESTADO RUSSO Séculos obscuros: os tempos da comunidade primitiva A massa eslava que compée os quatro quintos da populagio da Unio Soviética é constitufda pelo grupo dos Eslavos Orientais. Os Eslavos deste ado, a partir do seu centro ofigindrio, povoaram progressivamente as flores- tas do Alto Dniepre e do Alto Volga, assim como as estepes da Ucrinia em volta do Dniepre Médio, Para nordeste, os Eslavos misturaram-se as 35 DA «RUS» A RUSSIA populagées finlandesas de fraca densidade que povoavam a regio mos- covita do Volga Médio. Para sudeste penetraram numa regiio de passa- gem, constantemente percorrida de leste pata oeste por invasores asidticos € até durante breves tempos ocupadas pelos Godos, vindos do Oeste. Mas ai também, fixados a0 longo dos rios, seguindo as direcgdes norte- -sul fazendo pressio para leste ¢ j4 no limite da floresta e da estepe, em breve constituiram um fundo de populagéo permanente, assimilando ¢ eslavizando as minorias dos invasores. Esta distribuigio dos povos eslavos otientais efectuou-se no decurso dos primeiros séculos da era cristé, mas pouco ou nada sabemos acerca deste perfodo obscuro. ‘A Crénica de Nestor (1377), de que tornaremos a falar, alude a exis- téncia de povos eslavos que usam nomes vatiados, entre 0 Baltico ¢ o mar Negro: «...estes Eslavos fixaram-se também a0 longo do Dniepre e chamaram-se Polianos (!); outros chamaram-se Drevlianos, porque habitavam no meio das florestas; outros ainda fixaram-se entre 0 Pripiat ¢ o Duna e chamaram-se Dregovitchas; outros fixaram-se a0 longo do Desna e chamaram-se Polotchanos, do nome de uma pequena ribeira que se langa no Dund, a Polota. E estes mesmos Eslavos, que se fixaram em volta do lago Ilmen, conservaram o seu proprio nome de Eslavos e construiram uma cidade a que chamaram Novgorod. E outros fixaram-se a0 longo do Desné, do Seim, do Sula ¢ cha- maram-se Severianos. Assim se difundiu o povo eslavo ¢ a sua escrita chamava-se «eslavo», tal como o seu nome. ...ei8 aqui os que falavam o eslavo na «Rus»: 08 Polianos, os Drevlianos, 0s Nov- gotodianos, os Polotchanos, os Dregovitchas, os Severianos, os Bujanos, assim cha- mados porque se tinham fixado a0 longo do’ Bug e que a seguir comecaram a cha- mar-se Volinios.» Que escondem estes nomes? Poderemos fazer uma ideia clara da orga- nizagio destes povos ¢ do seu género de vida? E sobre que heranga cultural viviam? As vastas planicies onde eles se instalaram, para o sul, foram toca- das pelas civilizagées antigas de alto valor. Do séc. vitt a.C. até a0 séc. 11 .C., estas regides meridionais ocupadas pelos Escitas (séc. virr a.C.), depois pelos Sérmatas, conheceram uma civilizagio impregnada de helenismo ¢ de influéncia asidtica, destruida pela invasio dos Godos (séc. m1 d.C.). E entio que aparecem os Antas que, segundo as investigagoes mais recen- tes, constituiriam um elo entre a civilizagio heleno-escita-sarmata e a civili- zagio kieviana do séc. 1x. HE quase seguro que os Antas siio Eslavos, mas ¢ pouco provavel que devam muito aos seus predecessores desaparecidos na tormenta das invasdes. Parece que nas regides ribeirinhas do mar Negro existiu nos primeiros séculos da nossa era uma regressio geral da civilizacio, ainda que admitamos que os povos eslavos do séc. 1x no tiveram (1) Ou Polides. (N. da T.) 36 Os Eslavos orientais um género de vida tio elementar como se imaginava outrora. Esti-se hoje de acordo para reconhecer que jé no séc. vir da nossa era as sociedades eslavas da Europa Orien- tal eram sociedades agricolas € que a importincia da agriculeura era evidentemente maior nas regides meridionais. Era, pois, a agricultura, ocupacio fundamental, que dava a sociedade a sua fisionomia. A’colheita de mel, a pesca, a caga (em especial a dos animais de pele) raramente cram um meio exclusivo de subsisténcia. De uma mancira geral, estas actividades forneciam recursos suplementares; eram até criadoras de riquezas e, dentro de certa medida, factor de diferenciacio social. De facto, a agricultura permanecia pti- mitiva, feita sobre as queimadas, compelindo a uma espécie de nomadismo dos campos; mas, ainda assim, prova a existéncia de sociedades jé fixadas A terra e que deviam$por- tanto possuir um embriio de organizagio politica. Os nomes dos povos eslavos ainda no séc. rx designam grupos de tribos de organizacio patriarcal. Todavia esta comeca a desagtegar-se € da origem a grupos de familias sem lago de parentesco, que constituem comunidades rutais. A existéncia de comunidades auténomas, nas regides florestais do norte e do centto, era determinada pot condigdes naturais; as familias da comunidade partilhavam entre si os lotes de terras ardveis nas clareiras desbravadas, enquanto as florestas e as pastagens permaneciam dominio comum e formavam verdadeiras zonas fronteirigas citculares, dificilmente transpontveis para quem Ihes desconhecia as pistas. Para o sul, na estepe arborizada, as maiores facilidades de comunicagio tornavam. mais precitias as autonomias comunais, mais necessfria a formacio de vastos conjuntos politicos: confederagées de tribos e, seguidamente, alian- cas das grandes familias; é deste lado que se vé despontar qualquer coisa que se assemelha a uma organizagio estadual. De facto, no séc. IX, as comunidades familiares nada tém de iguali- trio. Algumas familias, mais bem providas de terras, em caso de guerta fornecem 4 comunidade chefes ou principes, os quais recrutam homens nos seus dominios, constituindo assim destacamentos ao seu servigo, as drijinas, que tomam um cardcter permanente e reforgam o seu poder em tempo de paz. Assim se desenvolveu entre os Eslavos do Leste uma organizacio de tipo feudal, que se sobrepée as antigas formas da vida comu- nitaria, Esta traduz-se ainda, na altura das decisdes importantes, por uma assembleia geral das familias da comunidade, o vésche, cujo papel petmanece considerivel nas regides do norte, E. desde logo surgem eidedes fortificadas, rodeadas de palicadas de madeira, como centros Eabituais do poder dos principes: Kiev, Smolénsk, Névgorod, sio as mais importantes. O isolamento relativo das comunidades eslavas, perpetuando a fragmen- taco da vida politica, nio excluia entretanto relagdes activas, de um lado entre as cidades eslavas, de outro entre os povos eslavos e os seus vizinhos. As redes fluviais da vasta planicie compreendida entre o Baltico e o mar Negro, juntamente com o sistema de transporte dos barcos a dorso de homem, que permitia passar de um para o outro através da terra firme, ofereciam em todas as estagdes cémodas vias de comunicagio. Do mesmo modo a multiplicagio das «cidades», ou mais exactamente dos pequenos 37 DA «RUS» A RUSSIA centros fortificados, deve ser relacionada mais com o aparecimento de uma vida politica do que com o desenvolvimento das trocas; os burgos eslavos so essencialmente mercados; a sociedade eslava do séc. 1x nfo compreende sdmente uma classe de militares e uma classe de camponeses; conta j4 com uma burguesia de mercadores. As correntes de trocas comerciais niio ficam restritas aos limites flutuan- tes do dominio eslavo, ligam-se 4 actividade comercial dos povos vizinhos, seguindo trés grandes diagonais: pelo Duna do oeste, pelo Volkhov, pelo lago Ladoga e pelo Neva, os Hslavos estio em estreita ligagio com o mundo escandinavo. Para o sul, as trocas fazem-se de uma parte com o Impétio Bizantino, pela via do Dniepre, de outra com o feino khazar, entre o mat Negto ¢ o mat de Aral, pela via do Oka e do Baixo Volga. Finalmente para leste, com os Builgatos do Médio Volga e do Kama. Mas os Bulgaros no siéo mais que intermedidrios para os mercados da Asia Central; o reino khazar é uma encruzilhada onde interferem as correntes de civilizagio e de comércio vindas dos paises 4rabes e bizantinos. Portanto, o mundo dos Eslavos Orientais no esti afastado do comércio internacio- nal, Entretanto o fraco volume das trocas apenas diz respeito a uma infima parte da populagio ¢ esté longe de modificar o género de vida fundamental. Na medida em que é agambarcado, 0 comércio acentua as diferengas de nivel social; mas a importancia das grandes vias, que atravessam os paises eslavos, reside sobretudo no facto de terem facilitado a penetragéo de cle- mentos estranhos ¢ de influéncias politicas e religiosas. OS PRINCIPIOS DE UM ESTADO RUSSO: UMA CONTROVERSIA DE GRANDE ALCANCE Nos sécs. vitt € 1x 0 dominio dos Eslavos Orientais surge como um tetreno de colonizacao ¢ de exploragio, sem real independéncia assim que nos aproximamos das grandes vias de citculagio fluvial por onde se infil- tram as influéncias do exterior. Os povos eslavos da estepe pagam tributo aos Khazares. Os do norte véem chegar elementos escandinavos, da mesina otigem que os invasores normandos, bem conhecidos dos paises da Europa Ocidental. Os barcos normandos trouxeram ousados navegadores, meio guetreiros, meio comerciantes, para a foz de todos os rios europeus ¢ até para o Mediterraneo. Através do Biltico, subindo o Duna Ocidental, seguindo o Volkhov e depois de terem ultrapassado o limite que separa © Duné do Alto Dniepre, descendo este ultimo em direccdo ao mar Negro, os Normandos semearam de colénias as vias de penetragio, impondo a sua presenga, intervindo nos assuntos das cidades eslavas, submetendo-se 20 tributo ou alugando-se a essas cidades, a titulo de mercenérios, ¢ tornan do-se em breve um elemento essencial da sua vida politica, Estes Norman- dos sio os Varangios; a sua estrada é «a via dos Varingios até aos Gregos», 38 Os Eslavos orientais que une o Bialtico e o mar Negro, mas comporta algumas vatiantes, pois a cidade chave para a qual tendem todos os empreendimentos é Kiev e, mais para além, Bizincio (fig. 6). Ora os Varingios, que se instalam em Névgorod e em Kiev no séc. 1x, reuniram uma grande parte das terras eslavas do leste ¢ deram aos Eslavos Orientais a sua primeira dinastia. Dinastia que encontrou 0 seu panegirico na Crénica de Nestor ou Crénica dos tempos passados (Pévest vrémenykeh ket), tedigida no séc. xv, € que abrange trés séculos de histéria (sécs. 1x-x11), A Grénica & um monumento erigido a gloria dos soberanos de Kiev, de origem normanda, fundadores de um Estado rusto, fermento de uma massa eslava até entio inorganizada. Essa Crénica conta como pelo meio do séc. 1x (862 segundo a Crénica, mas provavel- mente em 856) varias cidades do norte, Novgorod, Bié- loézero e Izborsk, depois de terem recusado 0 tributo aos Varingios e de os terem expulso, cafram numa verdadeira anarquia, se esfacelaram em lutas intestinas ¢ acabaram por solicitar a interven¢io notmanda: «O nosso pais é vasto e rico, mas nao possui organizacio. ‘Venham servit-nos de principe.» Este foi o «apelo aos Variingios», que fez do chefe normando Rurik 0 senhot de Novgorod, c do seu sucessor Oleg, o principe de Kiev, a partir dai verdadeira capital do primeiro Estado russo. A Crénica dos tempos passados é 0 tnico docu- mento que narra a histétia de Rurik e dos seus descendentes. Destinada a mostrar o valor de uma dinastia, nfo merece inteira confianca e poe © problema delicado do papel dos Varingios na histéria dos Eslavos Otientais. A este respeito pig. 6 — Punto de glidio do os historiadores dividem-se em dois campos, 0 — século X, encontrado em 1949 dos normandistas ¢ o dos antinormandistas, afir- a kurgane de Gnegdovo mando os primeiros que os Varingios foram de (O.RB.S.5.) facto os criadores de um Estado russo, conside- rando os segundos que eles mais nao fizeram que inserir-se numa sociedade j& evoluida ¢ politicamente organizada. Nio se trata aqui apenas de uma simples querela de «escola», pois da posi- do que se tomar depende a concepgio que poderemos fazer do nivel de civilizagio e de desenvolvimento dos Eslavos Orientais. A hipdtese de um Estado kieviano, obta de invasores estrangeiros, repugna, de uma maneira geral, aos historiadores eslavos; os historiadores alemies ¢ escan- dinavos permanecem firmemente normandistas. 39 DA «RUS» A RUSSIA Os documentos escritos e figurados nfo permitem acabar definitiva- mente com a controvérsia. Mas existe uma teoria neonormandista que petmite conciliar as duas teses e tem o bom senso a seu favor. E. verosimil, para nio dizer certo, que antes da chegada dos Varangios a vida politica das sociedades eslavas tendia a polarizat-se em volta das cidades fortificadas, das cidades comerciais, tais como Névgorod, Smolénsk, Kiev; sem duvida que tudo aquilo que forma o essencial da organizagio de um Estado—o poder central, a forca armada, os impostos — existia sob uma forma embrionéria em quadros geogrificamente limitados. Ao conquistarem o pais, os Vikings io modifcaram profundamente a estratura dh vida poli- tica'e social. Para mais, eram pouco numerosos ¢ eslavizaram-se ripida- mente, falando a lingua do pafs, rezando na lingua do pais, cada vez mais rodeados de elementos nio Varangios e, enfim, seguindo uma politica de acordo com os interesses nacionais dos povos eslavos. Todavia, o seu mérito foi realizar sob o ceptro de Rurik e dos seus sucessores uma unidade provisétia dos povos eslavos, e pot ao setvigo do novo Estado, assim formado, reais qualidades de energia. Se é verdade que as tarefas que se erguiam diante dos Eslavos Orientais, j4 conscientes de uma exis- acia politica, mas divididos ainda em agrupamentos fracos e dispersos, sio anteriores 4 chegada dos Varingios, estes uiltimos nem por isso deixa ram de acelerar a sua evolugio, que conduziu a formagéo do primeiro Estado russo. interesse da controvérsia ultrapassa 0 problema das origens do Estado kieviano, pois umas vezes poe em relevo 0 longo processo de desenvolvimento das, sociedades que, por uma espécie de necessidade inelutével, fez aparecer as caracteristicas da sua organizacio; outras vezes fez incidir a nossa atengio sobre a acco dos factores exter- nos, ¢ em particular dos homens providenciais que, actuando sobre massas informes € inconscientes como um revelador, determinam a sua histéria. Mas essa contro- vérsia atinge também a concepgio tradicional e muito discutivel de um espirito eslavo, fandamentalmente anirquico, hostil aos constrangimentos estaduais e a0 qual era neces. sirio impor a ordem e a disciplina de um Estado. B eis que nos aparece agora a palavra «russo» (Ras, Ros), cuja otigem € obscura e que acabou por desigaar todos os Eslavos do Leste. Aplicar- -se-ia ela em primeiro lugar — esta é de uma maneira geral, a tese norman- dista— minoria varingia? Ou entio, como pensam certos historiadores soviéticos, a uma fraccio de Eslavos Orientais? Abrange essa palavra um conceito étnico, social ou geografico? As mais recentes hipsteses — mas de hipéteses ndo passam —admitem a existéncia, no principio do séc. 1x, na bacia do Desnd e do Scim, de um povo «russo», cujo poder politico permitiu a realizagio da unidade entre os Eslavos do Leste, enquanto os Conquistadores Varingios nao teriam sido mais que um instrumento aces- sério no assunto. Fosse como fosse, a partir do séc. 1x existe um Estado russo em volta de Kiev, 0 qual se estende ao norte sobre a regio do lago Heendtat pie |la sea ee PA cee oorne a al nasora det Geviateoomies a de uma brilhante civilizacio. 40 Os Eslavos orientais A Rissia de Kiev (sécs. IX a XIII) VALOR DOS PRINCIPADOS NORMANDOS Os Normandos detam aos Eslavos uma dinastia. Mas o seu mérito nao reside apenas nesse facto. Pois, ainda que, em tiltima andlise, os Varangios fossem pouco numerosos telativamente aos Eslavos, nem por isso deixa, ram de ser um elemento dinimico, factor de progresso, cuja influéncia nao se manifestou somente nos niveis mais elevados da estrutura social, por intermédio dos chefes dos principes, mas em todos os outros niveis sociais. As centenas de timulos russo-escandinavos, explorados na regio de Tarosliv, ¢ sobretudo em Rostév, testemunham a importincia deste contributo, que os historiadores russos contemporineos tendem a mini. mizar. Para mais, ¢af reside a importincia primordial do seu papel, os Varangios, pelas suas empresas guerreiras, estabeleceram relacdes estreitas entre o Império Bizantino ¢ 0 povo russo. Nao ha divida de que a luta entre os Eslavos e Bizncio nos surge como ja antiga na regio do Dantibio: desde 518 que os Antas atacavam Bizincio. ‘Mas desde o desaparecimento dos Antas (que nio foi talvez senio uma ruptura de contacto com os Bizantinos, dos quais nos chegam os testemu. nhos da sua existéncia) que no podemos falar mais do poder agressivo dos Povos eslavos. E com os chefes varingios que cles reencontram, no sée. 1%, © seu dinamismo guerreito. Também pode ser que os Normandos fossem atraidos pelo «pais das cidades» (Gardari) dos Eslavos Otientais que habi- tavam a regido do lago Ilmen; mas, para além das florestas e dos pantanos da Russia do Volkhov e do Alto Dniepre, bem para o sul, estava Bizin. Gio, «a cidade», a tinica cidade do mundo que eles cobigavam. O pais dos Eslavos Orientais, a principio mais nio foi para eles que um territério de passagem, no qual tiveram de fixar-se ulteriormente devido @ resisténcia dos Bizantinos. Uma conquista falhada transformou uma zona de etapes num Estado organizado. Entretanto, as condigdes prelimi- nares para a formacio de um Estado ja existiam; foi a uma sociedade evoluida que os Varéngios deram um quadto politico que em breve itia branger todos os Eslavos do Leste. E, gragas a eles, a partir de entio a Rus deixa de set um centro de colonizagio ¢ de exploragio estrangeita. Durante quatro séculos, até a0 momento em que sucumbem debaixo da invasio mongol, os Russos defendem vitoriosamente 0 seu pais contra os seus vizinhos asi. ticos e afirmam a sua existéncia politica perante o Impétio Bizantino. 5 com este uiltimo que as relacdes estabelecidas sio mais fecundas; na alter. nancia das guerras e das trocas pacificas, marcada por uma série de trata. dos no séc. x, a cultura, sob a forma religiosa que assume entio, e até a religiio penetram na Russia através de Bizincio. O Estado kieviano”sepre- 41 DA «RUS» A RUSSIA senta uma grosseita forga militar; é do sul que Ihe vem a civilizagao. Mas trata-se tnicamente de influéncia cultural, O Grio-Principe de Kiev trata de igual para igual com o imperador de Bizincio. Alids, 0 novo din: mismo dos Russos talvez nio seja apenas consequéncia exclusiva das inici tivas notmandas. Pois esté ligado a fenémenos demograficos, a um desen- Yolvimento da populagio maireado também pela lenta expansio do povo russo pata o nordeste e para o sudeste. Os Varingios forneceram a esta massa em aumento de volume um enquadramento que lhe revelou a prépria forca (mapa 3). DIVISOES POLITICAS, UNIDADE DE. CIVILIZAGAO, VARIEDADE DE LINGUAS A histéria dos principes de Kiev é uma histéria agitada, muitas _vezes trdgica. Como a unidade do Estado eslavo, em principio, era assegurada pela subordinacio dos mais novos ao mais velho (todos os filhos recebiam tama parte da heranga), Iutas fratricidas ensanguentaram o pais, quer enfra- quecendo a posigio da Kiévia perante os povos estrangeiros e ameagando a sua existéncia, quer, pelo contrario, assegurando por eliminagZo uma uni- dade teal do Estado ‘kieviano, sob Vladimir, de 980 a 1015, sob laroslav © Sabio, de 1034 a 1054. ‘no meio do séc. x1 que o Estado de Kiev atinge o apogeu. Com- preende entio as regides de Névgorod, Biélodzero, Tchernigov, Murom, Pereiaslav, Riazan, Suzdal, Viatcheslav, Smolensk, Kiev e a Volinia, Mas as lutas sangrentas entre os principes tomam um cardcter mais atroz € pro- vocam a intervengio, nfo s6 dos estrangeitos do oeste e do noroeste, Polacos ¢ Escandinavos, mas também dos povos asiéticos da estepe, os Petchenegues, depois dos terivels Polovisas, sob cujos golpes o Estado de Kiev se va decompondo pouco a pouco. Sobre um fundo de anarquia apenas uma figura se destaca, a de Viadimir Mondmaco (1113-1125), cujo reino marca o tltimo periodo relativamente calmo da histéria da Kiévia. Quando, em 1169, um principe de Suzdal vem pilhar Kiev, a «mie das cidades’ russasy, encerra-se um grande capitulo da histéria russa, © Estado de Kiev esta a acabar: a leste, por detrds dos Polovtsas, avan- gam 0s Mongéis. Quando estes tiltimos tomam Kiev, em 1240, aquilo que éles submetem ao seu dominio é um pais dizimado, semeado de ruinas. ‘A histétia dos Russos continua-se entdo mais ao norte, nas florestas das regides centrais. A Kiev sucede Moscovo. ‘A unidade politica das regies habitadas pelos Eslavos de Leste foi sempre precitia. Mas a unidade da sua civilizagio nao levanta dividas. Desde o Baltico ao mat Negro, os matizes dialectais no impedem que os Es- lavos do Leste se compreendam, e as diferengas de géneros de vida s4o ditadas apenas pelas condigdes naturais. No entanto, € a partir do séc. x1 que 42 Os Eslavos orientais se opera uma diferenciagio das linguagens que se ordenar4 pouco a pouco em volta dos dialectos grande-russos, bielorrussos ¢ ucranianos. As citcunstin- cias histéricas fixario estas diferengas determinando o destino particular TCHEREMISSOS. 2 eect = Ths RG os ma Presta dex sown | Mapa 3—O Estado do Kiev no ste. X. destes trés grupos de populagées, das quais, umas se concentram no tempo da invasio mongol, nas tetras de refigio da Russia do centro e do norte, € as outras estio em contacto com as populagées polacas, pata o oeste, ou, 43 DA «RUS» A RUSSIA directamente para o sul, a contas com os invasores asidticos. Quanto a lingua literdria ¢ escrita é a da Igreja, utilizada por uma infima minoria de letrados e comum ao conjunto. HORIZONTES EXTERIORES Pelo contrario, politicamente o Estado de Kiev compée-se de partes discordantes que os Grio-Principes tiveram de reconquistar_ periddica- mente. Mas as dificuldades interiores nfio os impediram ‘te dirigir as suas empresas para além do dominio dos Eslavos Orientais. Ao atacar os Bul- gatos do Dantbio ¢ ao instalar-se na sua capital, Sviatoslav tealizou pro- visdriamente a unidade parcial dos Eslavos Orientais ¢ Meridionais, até ao momento em que, em 970, o imperador bizantino, Joio Tzimisces, Ihe infligiu uma terrivel derrota e 0 obrigou a regressar 4 Russia Meri- dional. O mesmo Sviatoslav apoderata-se em 968 da capital dos Khazares, Itil, vibrando um derradeiro golpe num reino j4 em plena decadéncia, infil- trado de colonos russos, e que poderia ter sido um elemento de um vasto impértio russo estendendo-se do Ural a0 Damubio, se nao fosse 0 ataque sibito dos Petchenegues que se precipitncam através da Khazstia, na dissc- cio de Kiev, no momento em que Sviatoslav combatia os Bulgaros do Dani- bio, Batido’ por Jodo Tzimisces, Sviatoslav embateu perto do Dniepre contra as hordas petchenegues, cerca de 972; foi morto e o seu crinio serviu aos vencedores de taca pata libagdes. ‘Antes destes acontecimentos decisivos j4 varias expedigdes_russas haviam atravessado o mat Negto, o Cispio, atacado as costas do Céucaso ¢ as da Asia Menor. Imaginar o Estado kieviano como puramente conti- nental ¢ actuando unicamente segundo um eixo sudoeste-nordeste, do Danibio ao Volga Médio, seria ter uma falsa visio dos elementos do seu poder e das direcdes da sua politica. De facto, antes que os Petchenegues The cortem a tota do Sul, o Estado de Kiev tem uma intensa actividade maritima e as suas frotas sulcam o mar Negro. Sao elas que asseguram as suas relagdes com Bizancio, relagdes que formaram o capitulo mais impor- tante da sua histéria, BIZANCIO E A RUSSIA KIEVIANA. A CONVERSAO AO CRISTIANISMO E variada a natureza dos lacos que se tecem entre o impértio civi- lizado de Bizincio e o Estado semi-bérbaro de Névgorod. Umas vezes somos leyados a exagerar-lhes a importincia, pois a influéncia bizan- tina, consideravel, manifestou-se essencialmente no plano cultural e € por 44 Os Eslavos orientais documentos bizantinos ou crénicas russas pré-bizantinas que podemos imaginar as relagoes entre Kiev e Bizancio. De facto, as relagdes do Estado kieviano com os paises escandinavos e polacos, permanecem obscuras; a intervengio dos chefes noruegueses nas perturbagées interiores da Kiévia parecem episddicas; é o testemunho de uma tradico e de uma solidariedade perdurével, entre a dinastia dos Rurikovitch, aliés eslavizados e prosseguindo uma politica russa, e 0 seu meio original. Mas aquilo que a Escandinavia podia trazer aos Eslavos fé-lo com as invasées normandas do séc. 1x e com a instalagio dos chefes varingios no solo eslavo. ‘Ao sul, pelo contririo, o contacto estreito estabelecido com Bizancio vai pesar sobre toda a historia da Kiévia, sobre a sua economia, a sua estru- tura social, o seu desenvolvimento cultural e religioso. & verdade que a influéncia bizantina se exerceu frequentemente por vias intermediétias e sdmente triunfou apés muitas reviravoltas e recuos; é neste sentido que, por vezes, temos de graduar a narrativa tradicional, que atribufa todo o progresso aos Bizantinos. ‘A Kiévia converteu-se ao cristianismo sob a sua forma grega. Facto de longo alcance, ¢ que nao foi dado de um golpe por um baptismo em massa, Entre 0 momento em que o cfistianismo comegou a penetrar por diversos canais na regio kieviana, no séc. 1x, e aquele em que ele triunfa com a instalacio, em 1039, da hierarquia bizantina em Kiev, decorreram mais de dois séculos — dois séculos matca- dos por uma sucessio de periodos de lutas entre Bizincio ¢ os Eslavos, ¢ por petiodos de paz em que se estabeleciam estreitas relagdes comerciais e culturais. Na realidade é simplificar a5 coisas ao extremo, o atribuir-se a Vladimir a conversio da Kiévia ao cris- tianismo. Tal como os proprios Eslavos, os chefes varingios que pouco a pouco submeteram as terras de Kiev e de Novgorod, eram pagiios, na sua maior parte. No entanto existem razdes para pensarmos que dentre eles, os que tinham penettado na tegiio do Médio Daiepre pela via mais ocidental, isto é, pelo Niémen, j4 podiam ser convertidos ao cris- tianismo sob a sua forma ocidental ot romana. Esse seria 0 caso de Askold, conquis- tador de Kiev. Além disso, enquanto a Riissia do norte permanecia mais tempo fora das correntes de influéncia crista, a Riissia do sul, mais préxima dos micleos de civili- zagho dos Balcas, da Asia Menor e do Céucaso, era-lhes mais permedvel. Por conse~ quéncia o cristianismo, no séc. 1x, sob a sua dupla forma penetra na Kiévia, conver- tendo individuos ou grupos de individuos que formam uma infima minoria entre a massa pagi. Em ultima instincia, 0 povo viria a ter a religido dos principes e estes hesitaram muito tempo entre Bizincio e Roma, Mal podemos dizer que Bizancio triunfou, quando ‘Vladimir, depois de 987, ordena a destruigio dos idolos e impde 0 cristianismo grego a0 seu povo, pois que €& Bulgitis do Danabio que cle se dirge para obter um cleto e livros sagrados. De facto, a conversio da Kiévia ao cristianismo foi uma medida poli- tica; por isso foi maduramente reflectida ¢ nao foi tomada sem dificuldade. Tanto a corte dos principes, como os proprios principes, e até Vladimir, qual novo Constantino, se dividiam entre a influéncia pagi e a influéncia ctista. Patece, realmente, que o paganismo tinha fortes posicdes entre os 45 DA «RUS» A RUSSIA chefes de tribos, que constitula um aspecto da resisténcia 4 autoridade dos principes, naturalmente centralizadora, e que ser pagio era defender as «liberdades locaisy. Os principes néo tardaram a aperceber-se de que © ctistianismo eta um factor de progresso nio somente no plano moral mas também no plano politico, pela sua organizacio hierdrquica ¢ pela sua autotidade sobre os fidis, No entanto, a forga da tradigao era tal que a Kiévia, onde os elementos cristios se haviam infiltrado pouco a pouco, permaneceu por muito tempo oficialmente pagi, e até Vladimir os seus Principes unas, vezes favoreceram 0 ctstanismo (Olga, regente, fez-se ptizar em 955), outras formaram o pélo de uma reaccio anticrista (tal como Sviatoslav, que permaneceu um pagio violento). Sob Vladimir, € 0 ctistianismo que triunfa, No entanto, aos olhos do principe, era neces” sitio que o cleto fosse submetido ao poder e nao dependesse de nenhuma forca exterior. Foi por isso que a Kiévia no recebeu a sua nova religido oficial de Roma ¢, para falar com exactidio, tio pouco a recebeu de Bizan- cio. A Bulgéria do norte serviu de intermedidria, Vladimir nao estava de modo nenhum interessado em reconhecer a autoridade do patriarca de Cons- tantinopla sobre 0 seu novo clero; aliés, precisava de quadros eclesifsticos que pudessem dirigir-se aos Eslavos na sua lingua e Bizincio nao podia fomnecer-lhos. Ora, desde a segunda metade do séc. 1x que os bispos Cirilo ¢ Método haviam criado um alfabeto adaptado aos sons eslavos e tirado do alfabeto grego, ¢ que se destinava a evangelizacio dos Eslavos da Kha- ziria; gracas a esse alfabeto traduziram eles os livros santos no dialecto bilgaro de Salonica, de onde eram origindrios, Este alfabeto cirilico (fig. 3) esté na origem do alfabeto russo; a lingua russa dos livros santos, o eslaviio, foi a lingua literdria dos Russos até ao séc. xvrit; é ainda a lingua litirgica dos Eslavos ortodoxos. ‘A nova teligiio oficial da Kiévia é, pois, uma religido nacional, cujo clero é auténomo. E uma época em que se restabelecem os lacos estreitos que sempre existiram entre a Igreja Ortodoxa Russa ¢ 0 poder. A primeira reunio de terras russas, operada pelos principes de Kiev, toma um aspecto de cruzada a partir de Vladimir; a unidade ¢ a vitdria da Cruz e 0 esma- gamento dos idolos. A KIEVIA ENTRE ROMA E 0 OCIDENTE Entretanto, ndo devemos imaginar que nesta época a Kiévia estivesse mergulhada no isolamento, que existisse um fosso cavado entre ela e 0 Ocidente, devido 4 adopgio da forma mais estritamente nacionalista do ctistianismo grego. Pelo contratio, a cristianizacio da Russia meridional, ¢ depois, pouco a pouco, da Russia do notte, fez entrar o Estado kieviano no quadro do mundo cristéo. Aproximou-o dos paises do Oeste arrancando-o a uma semibarbatie. Claro que o cristianismo teve de acomodat-se as tra- digdes e superstigdes populares ¢ s6 se tornou efectivo nos campos muito 46 Os Eslavos orientais mais tarde; sio os burgos ¢ as cidades que gravitam em redor de Kiev, metrépole teligiosa, que durante muito tempo petmanecem os sinicos centtos cristios. Recebem um grande contingente de padres bilgaros quando © Estado bulgaro desaparece om 1018. I € somente a patti de 1039 que apa. recem padres gregos em Kiev; a partir de entio, a influéncia cultural de Bizin- cio dominou na Kiévia, mas sémente desde a segunda metade do séc. xt. O meio do séc. x1 justamente assinalado pela tiltima grande expedigio dos kie- vianos contra Constantinopla (1043). Entre 0 primeiro grande ataque dos Varingios, capitaneados por. Askold, em 860-861, ¢ este titimo assalto falhado, as selagbes entre Kiev e Bizincio foram tendendo poweo a pouco para um equilibrio, por vezes instdvel, ‘A tomada de Constantinopla em breve apareceré apenas como um ideal fugidio, Qual- ques, gue tenba sido o poder militar ¢ naval do Estado Kieviano, fa esbarrat com melos fesa superiores. A diplomacia bizantina suscitava petmanentemente inimigos para ‘08 principes kievianos, langando contra eles os povos i estepe; ¢ o fogo grego, dis- petsando € aniquilando a frota de Igor nos arredores de Constantinopla em 941, deixara dolorosas recordagées 20s Kievianos. Aliis, ¢ vé-lo-emos mais adiante, a prdpria eco- nomia da Kiévia exigia relagdes pacificas com Bizincio. E, finalmente, 6 Império Bizan- tino tinha por vezes necessidade do apoio dos principes de Kiev, Jé em 911, depois de uma expedicio contra Constantinopla, Oleg conclufu um tratado de comércio com o Jmperador. Em 944, depois do malogro de uma tentativa de Igor contra a capital, tra- fo de comércio duplica-se com uma alianga militar. As ambigdes danubianas de Svia- Peale eeedan en relagées entre os dois Estados. Mas a vitéria de Joio isces obriga Sviatoslav a assinar a paz de 971, Finalmente, em 997 é o Império Bizantino, ameacado por perturbacées interiores, que pede assisténcia ao Grao-Principe de Kiev. O tratado de 988, que di aos imperadores Basilio e Constantino 0 concurso dos mercendrios esla- ‘vos, faz ulteriormente da princesa Ana, irmi dos imperadores, a mulher de Vladimir. fio hé davida de que as trocas de embaixadas entre Kiev e Roma, ca visita de Séo Bonifacio em 1007, podem dar a impressio de que as rela~ g6es da Kiévia com 0 Ocidente eram pelo menos tao activas como com Bizincio. Mas, de facto, a proximidade e as necessidades politicas e econd- micas ligavam o Império Bizantino aos Eslavos Orientais. A Kiévia era, para Bizincio, um mercado de homens e de coisas, que fornecia mer- centirios ¢ escravos, peles, cera ¢ mel. Para os principes de Kiev, Bizincio ea um indispensével escoadouro comercial, que permitia trocar os produtos agricolas e os homens por panos ticos, objectos de Iuxo, ias de metais pierionos, sem o que a Corte dos Grio-Principes teria sido muito seme- te a residéncia de um pequeno proprietario rural. A economia kieviana. Formas persistentes da agricultura ‘A economia kieviana essencialmente agricola; a cultura dos cereais a ctiagao de gado sio as actividades principais dos Russos; a caca, a pesca, a apicultura constituem recursos complementares. As escavagbes arqueolé- 47 DA «RUS» A RUSSIA gicas demonstram bem que na regio do Dniepre Médio e do Alto Volga, a fase da recolecsio foi desde ha muito ultrapassada, que uma sociedade sedentéria ai se fixou, a qual vive da agricultura, até mesmo sobre os limites da Kiévia, nesta mesopotamia delimitada pelo Volga e pelo Ok, entio a posicio mais avancada dos Eslavos para Leste, Os textos (Riisskaja Pravda, regulamento de Viadimir e de Iarosliv acerca das igrejas) também aludem a cultura do trigo, da cevada, do centeio, da espelta, do milho, do linho, do canhamo, ¢ também da couve, do rébano edo alho. Criavam-se vacas, carneiros, porcos, e 0s cava- los e os bois serviam de animais de tiro (fig 7). A cultura deambulante (perelog) era tradicional e, na zona das florestas e da estepe arborizada, onde a terra era pobre, praticava-se sobre as queimadas; nao tinha o cardcter rudimentar que durante tanto tempo se Ihe atribuiu; a ‘operagio do abater das 4rvores era cui- dadosa, a vegetacio era distribuida so- bre o Solo, que se alimentava de cinzas e era abandonado apés cinco a oito . _ anos de utilizagio. Nos dois primeiros Fig. 7—Charruas antigas, em Novosselski, junto anos a produgio era muito. elevada, ao Desnd (Riissia). para decrescer em seguida ripidamente. Mas este «nomadismo dos campos» es- tava tio bem adaptado as condigdes naturais que subsistiu em certas regides quase até pleno séc. x1x, em concorzéncia com as formas mais modernas de cultura, pois continuava a ser rendoso e exigia um tra- balho relativamente pouco considerivel. Nas estepes do sul, onde a cultura era igualmente deambulante, o camponés contentava-se com incendiar as ervas para libertar espaco, provocando por vezes esses «mares de chamas» de que falam as cronicas, Entretanto, em conjunto e durante um longo periodo, os rendimentos nio eram elevados; of instrumentos eram primitivos ¢ 0 atado mediterrinico, cuja utilizagio subia do sul Bara o norte, era pouco eficaz; 0 camponés encontrava-se assim frequentemente a beira la fome. PROPRIETARIOS E CAMPONESES Mas esta sociedade agricola esta j4 diferenciada; nesta época, a quase totalidade dos camponeses € livre; sio os smérdy (os «mal cheirosos»), pro- ptietarios hereditétios do solo, desde que tenham filhos para continuar a sua explotagio. Pois nos préprios termos da primeira colectinea de regras juridicas redigidas para o conjunto do pais, por ordem de Jaroslav, regras ne seréo completadas durante os dois séculos seguintes e formario a skaja Prdvda (0 Direito russo), 0 ptoprietatio eminente de toda a terra russa € o Grio-Principe. Mas existem também camponeses endividados, 48 3. BULGARIA. Porta de carvalho exculpido (séeulo XIV), Droveniente da igreja de Frelio (conjunto do montero ‘de Rila), desaparecida num inctndio no século XIX. Os Eslavos orientais meio livzes (os zakiipy, servos condicionais), que dependem dos credores, € homens sujeitos, cuja condig’o € prdxima da dos escravos, os Abolépy, antigos prisioneiros de guerra, ou, por vezes, camponeses manietados pel dividas. O jogo do endividamento ¢ da grande ptopriedade rural conver. tera pouco a pouco este campesinado livre de pequenos proprietarios numa massa de servos. Mas a grande propriedade rural é ainda muito recente na Russia kieviana. Os principes estio rodeados dos seus homens, dos seus boiatdos, que formam a drujina, a qual exerce as funcdes administrativas mais variadas € forma o seu Conselho. Os boiatdos estio ligados aos principes por sua propria vontade e podem deix4-los quando muito bem Ihes parecer. Diferentemente do que aconteceu no Ocidente, nenhuma hetarquia feudal se estabeleceu na Russia. Pata mais, a principio os boiardos nao sio grandes proprietatios; formam um exército mével, mantido pelos principes mas nio fixado 4 terra; aliés, os mais importantes dentre eles, quando surge uma oportunidade estabelecem a sua propria drujina entre os smérdy das regides que adminis- tram. O problema da existéncia do governo do principe é pois, o da cobranga dos diversos tributos que pesam sobre a populagao dos campos. Todos 0s anos 0 Principe «convida a sua gente» para recolher as prestacdes em géneros, cereais, peles, mel, cera, etc., ¢ reune os ptisioneitos de guerra tomados aos povos vencidos, Enquanto as campanhas militares se fazem no Verio pata que os cavalos possam ser alimentados, as visitas fiscais realizam-se no Inverno, que é tempo de paz, favordvel a circulagio nas as pistas geladas, AS CIDADES Os principes recolhem também tributos das cidades. Talvez se tenha empregado abusivamente o nome de cidades para estes numerosos e pequenos burgos, habitados tanto por camponeses como pot militares, artifices ¢ gente de negécio. No tempo do principe Igor, segundo o histotiador russo II, Sreznevski, a Russia de Kiev teria contado mais de 20 cidades: Biéloo- zero, Vititchev, Vrutchev, Vichgétod, Izbork, Kiev, Korosten, Ladoga, Liubetch, Murom, Novgorod, Ovrutch, Peremichl, Peresetchn, Polotsk, Pskov, Rodnia, Smolénsk, Turov, Tcherven, Tchernigov. Mas, excepcio feita para Novgorod, Pskov, Tchernigov, e sobretudo pata Kiev, poderiam elas todas merecer 0 nome de cidade? Segundo Tikhomirov (As cidades antigas da Russia, 1946), 0 mimero dos centros urbanos ¢levar-se-ia a uns 300 no momento da invasio mongol. Apesat das dificuldades que 0 Estado de Kiev atravessou, podemos admitir um desenvolvimento real da vida urbana entre os sécs. 1x © xIIt. Certamente que estas «cidades» abrigam numerosos elementos rurais: jornalei- ros agricolas, camponeses fugitivos que querem escapar as consequencias ‘do seu 4,—JUGOSLAVIA. 9 Ieteia de Sto Joro Kanco (Cm do Or Bias po eae, fh. 44D. século XIM, sobranceira a0 lago de Olid, —b) A ponte de Arslanagie, em Trebing (Béania), edificada por order de Mehmed Baché Sokolovié no século XVI. ~c) Portal tomanicy (século XIN) da eatedral de Trogix, dedicady "Slo Lourengo, esculpido com baixorreleves © ome ‘mentada com eotieuas,, DA «RUS» A RUSSIA endividamento para com os proprietitios. Na sua maior parte constituem sempre um burgo fortificado, um Arem/, que assegura a guarda de uma passagem fluvial ou de uma estrada tetrestre. Mas vio-se assemelhando cada vez mais a povoagdes de artifices nos arredores que rodeiam o Areml e que sio protegidas por ele. Nao ha davida de que a economia natural domina a Russia kieviana e, alias, 0 campo tusso esforgar-se-4 ainda, até ao séc. XIX, nas regides afas- tadas, pot satisfazer as suas prOprias necessidades. No entanto a divisio do trabalho, a especializacio das tarefas (Rybakov contou uns sessenta oficios diferentes na cidade de Kiev) sio suficientes para que se formem correntes de trocas na vizinhanca imediata das aldeias, e sobretudo nas cidades ¢ de cidade para cidade. (© que confere originalidade aos centros urbanos é a sua organizagio comunal (0 é#ehe) que, cuanto A sua administracio, colabora com © pessoal do principe, e a sua actividade comercial, nio sOmente ligada 4 economia da tegifo circunvizinha, mas também 4 sua situagio nas grandes vias fluviais ou terrestres do trdfego para a Escandin4via, para Baghdad e para Bizancio. Nos burgos maiores existem bairros «varangios», mas existem também bairros «alemaes», «judeus» e «arménios». Os comerciantes russos aparecem nos paises mais longinquos. Entretanto nio devemos iludir-nos a tespeito da variedade e do valor das mercadorias que citculam na Kiévia, e dessa mescla de nacionalidades. ‘Tratava-se apenas de um intercimbio de fraco volume, de pequenos grupos de comerciantes. Até ao fim do séc. x as moedas que citculam na Kiévia sao todas estrangeiras; a cunhagem da moeda russa comeca no reinado de Vladimir. Se a Kiévia tem sido considerada como um pais de cidades ¢ de grande comércio, quando a sua economia era essencialmente agricola e pouco aberta, € por comparagio com 0 periodo que assistiu ao seu declinio ¢ ao seu desabar, e em relagio a0 recuo econémico provocado pelos ataques incessantes dos Polovtsas ¢ 4 decomposigio intetior do Estado de Kiev a partir do segundo quartel do séc. x1t. A CARAVANA DE BIZANCIO Os impostos sobre as cidades ¢ 0 recebimento de génetos entre a populagio dos campos, é que alimentavam 0 tesouro do Principe ¢ lhe forneciam as reservas destinadas a ser vendidas no exterior. Todas as Primaveras, quando os rios ficam livres dos gelos, esses géneros eram enviados, na sua maioria, para a maior cidade do mundo civilizado, para Bizancio (ou Tsargrad, (1) como diziam os Eslavos), Organizava-se assim () Isto é, cidade do tsar (N. da T. 50 Os Eslavos orientais uma grande caravana oficial, fortemente protegida, que descia o Dnie- pre, € cujos cofres tinham de ser transportados a dorso de homem na passagem dos répidos; de vez em quando era necessirio repelit os ataques dos némadas, os Petchenegues e, mais tarde, os Polovtsas, antes de atingir as margens do mar Negro, e comboiar, com bastante dificuldade, a carga de escravos, de peles e de cera até as portas de Tsargrad. Ai se efectuavam trocas e pagamentos. Nao era sem temor que se encafavam estes estran- geitos vindos do norte; sémente eram admitidos a visitar a grande capi- tal devidamente acompanhados e depois de serem cuidadosamente desar- mados. O Estado kieviano praticava também o comércio com os paises do Ocidente e da Asia Central: mas parece que a grande caravana anual que se dirigia para Bizancio tinha, devido aos rendimentos regulares que dava ao Principe, uma importancia tanto politica como econémica. AS RAIZES DA SERVIDAO Entretanto, em breve os

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