Tchekhov Bilhete Premiado

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quartos, de rabo espichado, olha com desconfianga para as pessoas e mia tristemente, — Criangas, jf so mais de nove horas! Hora de dormir! — grita mamae. ‘Vania e Nina deitam-se para dormir, choram e passam, muito tempo pensando na gata ofendida e no cruel, pérfido, impune Nero. Asa (1886) ititch, homem de condigdo mediana, que vive anos limites de um orgamento anual de 1.200 0 satisfeito com a propria sorte, sentou-se, cer- da ceia, no diva e comecou a ler o jornal, 10110 bilhete? Nao esta perdido? , id paguei os juros, terca-feira. nem olharia para a lista, mas, daquela vez, como ocupado com o jornal diante dos olhos, correu le alto a baixo, sobre os niimeros das séries. E no tante, como a zombar de sua incredulidade, ja na soluna, em cima, 0 ntimero 9499 surgiu abruptamen- shost Sem verificar o némero do bilhete, nem aten- ireito, deixou cair rapidamente o jornal sobre os tiu um friozinho agradavel no fundo do estoma- se Ihe tivessem jogado gua fria, Parecia uma cocega sf0Sa, mas que, ao mesmo tempo, desse medo, cha! — disse baixinho — esta ai o 94991 jminutivo de Maria, A.B, Tehekhow Cachorrinko A mulher olhow para seu rosto surpreso, assustado, ¢ compreendeu que o marido no estava brincando. — 9499? — perguntou ela, empalidecendo e deixando cair sobre a mesa a toalha dobrada, — Sim, sim... Realmente, esta ai! —Eo ntimero do bilhete? — Ah, sim! E preciso ver ainda o niimero do bilhete. Allis, espere um pouc — Entio, que tal? Apesar de tudo, esté af 0 ntimero de nupsit sériet Apesar de tudo, vocé compreende... Ivan Dinitritch olhava para a mulher com um sortiso grande ¢ vago, como uma crianga a quem se mostrasse um objeto brilhante. A mulher sorria também, era-Ihe agradavel, como a ele, que © marido tivesse lido apenas a série e nao se apressasse a conhecer o ntimero do feliz bilhete, E to aprazf- vel, tio angustiante, alguém espicagar ¢ extenuar a si mesmo, na esperanga de-uma ielicidace possivel! — A nossa série est af — disse Ivan Dmitrich, depois de prolongadbo siléncio. — Isto quer dizer que existe uma pos- sibilidade de recebermos o prémio. Apenas uma possibilidade, mas existe! — Bem, agora olhe. — Espere. Ainda teremos tempo de nos desiludir. B na segunda coluna, em cima — quer dizer que se trata de um prémio de 75.000. Isto nao é dinheiro, mas uma forca, um capital! E se eu, de repente, olhar a lista e la estiver 0 26! Hem? Escuta, ¢ se nds realmente ganhamos? casal pos-se a rir e olharam-se por muito tempo, em silencio, Aqucla felicidade possivel nublou-Ihes o espitito, nto podiam sequer sonhar, dizer para que precisavam daqueles 75.000, 0 que comprariam com aquilo, para onde viajariam. Estavam apenas pensando nos ntimeros 9499 e 75.000, re~ presentavam-nos em sua imaginagao e nem chegavam a pen- sar na propria felicidade, que era tao vidvel. Ivan Dai itch caminhou algumas vezes de uit cant a 156 ALP. Tehekhow ala, com 0 jornal nas maos, mas, somente depois la a primeira impressao, comegou, aos poucos, a que tal, se nés ganhamos? — disse. — Isto significa vida, uma coisa descomunal! © bilhete é teu, mas, ett, em primeiro lugar, compraria naturalmente al- I, qualquer coisa como uma propriedade no cam- lor de 25.0005 uns 10.000 iriam para despesas com Va... uma viagem, pagamento de dividas e coisas (0.000 restantes iam para o banco, render juros... € bom ter uma propriedade — disse a mulher, » a8 maos sobre os joelhos. i pelo governo de Tula ou de Orlov... Em primeiro rta-se alugar uma casa de campo no verao; em segun- ‘€ sempre uma renda, Visbes aglomeraram-se na imaginagio dele, cada qual azivel e poética. Em todas aquelas imagens, via-se bem ido, tranqiilo, sadio, sentia uma tepidez, calor at omiddo uma sopa gelada, ei-lo deitado de ventre para ia quente, & margem do rio, ou no jardim, sob uma Wz calor... Perto dele, o filho ea filha rolam na areia, Geis ou apanham bichinhos na relva. Ele cuchila do indo pensa em nada, sente, com todo 0 corpo, que js ir para o servigo, nem hoje, nem amanhi, nem de amanha. E fartando-se de ficar deitado, vai ver a 6u dirige-se para © mato, apanhar cogumelos, ou, fica observando como os mujiques pescam de rede. Ao psol, apanha um lengol, sabonete ¢ arrasta-se para a e hanho, onde se despe sem pressa, passa muito tempo © peito nu, e entra, depois, na agua. O sabao forma ¥ foscos, a0 lado dos quais pululam peixinhos e balan- lantas aquaticas. Depois do banho, toma-se cha com A noite, passeia-se ou joga-se uiste com Sim, € bom comprar uma propriedade — diz a mu- do Cachorrinho 157 Iher, sonhando também, ¢ vé-se, em seu rosto, que esté arre. batada com os pensamentos. Ivan Dmitritch imagina 0 outono com muita chuva, com noites frias ¢, depois, um veranico, Nessa época, é preciso caminhar 0 mais longamente possivel, pelo jardim, pela hor- ta, pela margem do rio, para ficar bem transido de frio, e, em seguida, tomar um bom cilice de vodca e saborear cogumelo salgado ou pepino com funcho; depois, emborcar outro célice, As criangas esto correndo de volta da hora, trazendo cenoura ‘enabo, que cheira a terra fresca... A seguir, estirar-se sobre diva e examinar, sem pressa, alguma revista ilustrada, depois cobrir 0 rosto com a revista, desabotoar 0 colete, deixar-se envolver pela modorra.. Segue-se ao veranico um tempo cinzento, feio. Chove dia € noite, lacrimejam as érvores despidas, o vento é tmido e Cachorros, cavalos, galinhas, estao todos molhados, tristo- nihos, assustados, Nao ha onde passear, nao se pode sair de casa, nao resta serio caminhar o dia todo de um canto a outro, olhando com anguistia para as janelas embaciadas. Aborrece! Ivan Dmnitritch parou um instante e olhou para a mulher, — Sabe, Macha, eu viajaria para o estrangeiro. E comegou a pensar que seria bom, no fim do outono, viajar para o estrangeiro, para o Sul da Franca, a Iulia, a India! — Eu também ~ disse a mulher — iria, sem falta, para trangeiro. Bem, olha 0 mimero do bilhete! — Espere, mais um instante. Ele caminhava pela sala, cismando sempre. Veio-Ihe 0 pensamento: e se a mulher viajasse realmente para o estran- geiro? Viajar é agradével sozinho, ou em companhia de mu- Iheres sem compromissos, despreocupadas, que vivam apenas © momento presente, ¢ néo daquelas que, durante toda a via- gem, falem de filhos, suspirem, assustem-se com as despesas, Ian Dmitritch imaginou a mulher no trem, carregada de ces. tos e pacotinhos, suspirando sempre por alguma coisa e quei- xando-se de que a viagem Ihe deu dor de cabega, que ja gas- 158 ALP, Tehekhov Nilo me deixara sair também... Eu sei!” . lim, contaria os copeques”. os todas as desgracas possiveis, ivos, odiosos. ‘uma gentalha!”, pensou., Pensou com perversidad Nilo entende nada de dinheiro €, por isso, do Cachorrinho ito dinheiro; a cada momento, é preciso correr para.a Jttranjar 4gua quente; sanduiches, agua poravel... Ela 'controlar cada copeque de minhas despesas”, pen- ado para a mulher. “O bilhete é dela, nao é meu! E precisa ela viajar para o estrangeiro? O que deixou ‘Importante? Vai ficar o tempo todo no quarto do rela primeira vez.na vida, reparou em que a mulher a licara mais feia, estava impregnada de cheiro de nquanto ele ainda era mogo, sadio, vigoso, n Dinitritch lembrou-se da parentela. Todos aqueles Ihos, irmazinhas, titias e titios, apenas tivessem rece- Roticia da sorte-grande, viriam arrastando-se, come- tmendigar, sorrir untuosamente, trati-los com hipo- te ridicula, desprezivelt Se recebem algo, logo pe- isi € se a gente recusar, vio maldizer, rogar pragas, n Dinitritch lembrou-se dos parentes, ¢ seus rostos, quais olhara antes com indiferenca, j4 Ihe pareciam bom para claro que tudo isto é bobagem”, pensou, “mas, We itia ela ao estrangeiro? © que entende daquilo? F leiria mesmo... Imagino... Mas, na verdade, para ela esta em Napoles ou na aldeia. Serviria apenas para apalhar. Eu dependeria dela. Mal recebesse 0 dinhei- “lo a sete chaves, como fazem as mulheres... Pro= weondé-lo de mim... Presentearia os parentes dela e, rosto da mulher comecou a parecer-lhe também re- odioso. Em seu intimo, borbulhou um rancor con- € avaren- 159 ta, Ganhando 0 prémio, me daria 100 rublos, o restante iria para 0 cofee. E cle jé olhava para a mulher nio com um sorriso, mas com édio. Ela possuia seus préprios sonhos radiantes, seus projetos ¢ idéias. Compreendia perfeitamente em que consis- tiam os sonhos do marido, percebia sua intengo de avangar na bolada, “—E bom sonhar por conta alheia”, dizia o olhar dela, “No, vocé nao pode!” O marido compreendeu aquele olhar; 0 6dio fervew-lhe no peito , para contrariar a mulher, para causar-Ihe mal, olhou rapidamente para a quarta pagina do jornale anunciou, triunfante: — Série 9499, bilhete 461 Nao é 261 A esperanca ¢ o édio desapareceram no mesmo instante 6 imediatamente, pareceu a Ivan Dmitritch ¢a sua mulher que Seus quartos eram escuros, pequenos ¢ baixos, que a ceia, comida ha pouco, nio satisfazia e apenas fazia peso no fun do do estémago, que as noites eram longas e cacetes... — Eo diabo — disse Ivan Dmitritch, comecando a im- plicar. — Por onde ando, piso sempre uns papeizinhos, mi- galhas, nfo sei que casquinhas. Nunca se varrem estes quar- tos! Serd preciso deixar esta casa, diabo que me carregue. Vou- me embora, para me enforcar na primeira arvore! (1887) 160 A.P. Tehelchow ndomingo de verao, a umas cinco da tarde, VolGuia, anos, feio, timido e de ar doentio, estava senta- anchao da casa de campo dos Chumikhin, abor- us tristes pensamentos orientavam-se em trés Em primeiro lugar, deveria submeter-se no dia se- suncla-feira, a um exame de Matematica, Sabia que ido se nao conseguisse resolver o problema escrito, a0 sexto ano de gindsio e tivera nota anual, em 2,75, Em segundo lugar, sua permanéncia em casa hin, gente rica e com pretensdes de nobreza, ma- Ae constantemente o amor-préprio. Tinha a impres- ue madame Chumikhina e suas sobrinhas olhavam Para maman como para uns parentes pobres e para- “clas ndo respeitavam mamart, e riam dela. Uma ver, am querer como madame Chumikhina dizia no terrago wna Fiddorovna, que a maman dele continuava que- azer-se bonita e passat por mocinha, que jamais pagava lis no jogo e tinha um gosto especial pelo calgado e pelo ilheios. Diariamente, Vol6dia implorava a maman que sea casa dos Chumikhin, descrevia-Ihe o triste papel lesempenhava junto aqueles senhores, procurava con- {ay dizia-Ihe grosserias, mas ela, fitil, mimada, que ha- baratado sua fortuna ¢ a do marido, e que sempre se tatraida pela alta sociedade, nao o compreendia e, duas Diminutive de Viadimie, 161

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