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Massaud Moises A literatura HYSTORIA MENINA EB MOCA, POR B hALDIMRIBEYRO AGORAD NOVO ESTAMPADA ECON SVMMA DELIGENCIA EMBNDADA. waft lgilarEgloges{usscom bo mars quenapegina Jeguintefevera —— - CULTRIX Scanned with CamScanner Iv CLASSICISMO (1527-1580) PRELIMINARES Quando Gil Vicente encenava a derradeira pega (1536), ja ia alto o decisivo processo histérico que levou 0 povo por- tugués a posigdes jamais alcancadas, antes ou depois: o Renas- cimento. Antecedeu-o e preparou-o um movimento de cultura que agitou as tiltimas décadas da Idade Média: is caracterizado pela descoberta dos monumentos culturais do mun- en ce 7 de : lescoberta, decifragao, tradugao e anotagao desse rico espélio de civilizagao e cultura, parcialmente esquecido ou confinado em conventos durante os séculos medievais, seguiu-se 0 desejo de fazer res- suscitar 0 espfrito da Antiguidade Greco-Latina. Tal estado de coisas, ligado as comogdes prdprias do tempo (descobertas cien- tificas, invengSes, a Reforma luterana, etc.), veio a constituir-se no Renascimento, As circunstancias histéricas e uma peculiar situago geogré- fica confiaram ao povo lusitano um papel de superior relevo na evolugaio do Renascimento. E que Portugal, através de alguns estudiosos e, particularmente, das descobertas maritimas, vai colaborar de modo direto e intenso no processo renascentista: letrados portugueses, como os Gouveias (André, Anténio, Dio- 80), Aquiles Estaco, Aires Barbosa, e outros, disseminavam as Novas idéias em universidades estrangeiras, entre elas a de Paris, Todavia, foi o alargamento dos horizontes geogréticos, com sua 61 Scanned with CamScanner e de conseqiiéncias econémicas e politicas, - eae portugues: primacial importancia histética a eaten a0 vem desde os fins do século XV até meados do século Xvi Com efeito, a descoberta do caminho maritimo Para as { dias, empreendida em 1498 por Vasco da Gama, seguids fn. “gchamento” do Brasil em 1500, cercou-se duma série de ge. - lhantes ¢ felizes cometimentos, que permitiram a Portuy, oe zar de momentinea mas intensa euforia, sobretudo enquan reinou D. Manuel, entre 1495 e 1521: conquista de Ormuz, #2 1507, de Safim, em 1508, de Goa, em 1510, de Azamor’ <™ 1513, a viagem de circunavegacao realizada por Fernio de’ Ma. galhaes, em 1519-1520, etc. Sobrevém uma extraordinéria pros. peridade econémica: Lisboa transforma-se em centro comercial de primeira importancia; na Corte, impera um luxo desmedido, a maioria acredita cegamente haver chegado Portugal a uma inal. terdvel grandeza material. Enfim, enganador e iludidor otimis- mo ufanista, que aos poucos sé vai atenuando, até a derrocada final em Alcdcer-Quibir, em 1578, quando morte D. Sebastiao 0 exército portugués se dobra, fragorosamente vencido, & ma- licia e ao poderio da cavalaria sarracena. A_atividade literdria reflete essa atmosfera de exaltacio épica e desafogo financeiro que cruza as primeiras décadas do século XVI, mas nio deixa de refletir também o desalento dos hicidos perante a dubia ¢ proviséria superioridade (a fala do Velho do Restelo e o epilo- go dOs Lusiadas constituem indices do pensamento duma mino- ria consciente do perigo que ameagava a Patria). Fol no-impeto_revolucionétio_da Renascenga,e-come-de- senvolvimento’ natural do tmanismo, que_o Clasiisme inv ‘diu_as_consciéncias, pois correspond: pon fia Titerariamente ao_geral ¢ efémero_complexo de_superioridade histérica. Ao teocentrismo medieval vai opor-se uma concep¢ao antropocéntrica do mundo, em que o “homem & a medida de todas as coisas”, no redivivo dizer de Protégoras, Ao teologismo de antes contrapde-s¢ © P& ganismo, fruto duma sensacdo de pleno gozo da existéncia, pro vocada pela vitéria do homem sobre a Natureza ¢ seus “assom bramentos”: io mais a volipia de ascender para as alta Eo sim de estender o olhar até os confins da Terra. oO a | teto, “‘cientifico” e objetivo, tende a valorizar-se ¢m mento do abstrato; notdvel avan das ciéa- . ey a go opera-se no campo ea cias experimentais; a mitologia greco-latina, esvaziada de si6™ 62 Scanned with CamScanner ficado, passa a funcionar apenas como sii z 10 simbolo em suma: o humano prevalece ao divino, ou, Ormamento; Em _ 1527, depois de i 7 reitg da Till, onde contactar com cstidisee eee spree eroduaia, ou Colaborbu pars hea bate Por. ‘tugal. Introduziu, ou colaborou para introduzir o verso decassi- labo, 0 terceto, 0 soneto,.a epistola, a elegia, a cancao, a ode, a oi- tava, a égloga, a comédia clissica (escreveu Os Estrangeiros em 1526). Tornou-se o principal divulgador do Classicismo, mas 0 pa- pel de tedrico do movimento coube a Anténio Ferreira, mais adian- te referido. Estando o solo preparado ‘desde hé muito, pouco demerou para alcangar pleno éxito o empenho de Sé de Miran- da em atingir os espfritos com as novidades estéticas de origem italiana. Désse modo, os ideais cl4ssicos predominam em Por- tugal até A morte de Camées € A passagem de Portugal para o dominio espanhol, em 1580. (Podia-se dizer que vigoram até o século XVIII, sob formas diversas, paralelas, quando nao an- tagdnicas ou incongruentes. ) O Classicismo consistia, antes de tudo, numa concepcio_de arte baseada na imitacao dos cldssicos gregos e latinos, conside- tados modelos de suma perfeicao estética. Imitar nao signifi- cava copiar, mas sim a procura de criar obras de arte segundo as formulas, as medidas, empregadas pelos antigos. Dai a obser- vancia de regras, estabelecidas como verdadeiras antes da elabo- taco da obra literdria: os escritores nao tinham mais que obser- vélas, acrescentando-lhes a fora do seu talento pessoal. Eram regras aprioristicas, mas nao impediam o despertar ea manifes- taco das qualidades peculiares de cada um. ‘As demais caracteristicas decorrem dessa obediéncia a re- gras e modelos pré-estabelecidos. A arte classica € racionalista por exceléncia: “Haja a Razdo lugar, seja entendida”, como afir- ma Anténio Ferreira (Carta X, a D. Simao da Silveira). _Q_ra- fan € sentimento, apenas_pressupde a aa 59 le evi- re eles uma espécie de controle, de policiamento, a fim deseia-se, um_equill tar que se derramem. Estabelece-se, ou ai 7 fa de criar uma arte univer- entre Razao e imaginacao, no _@ ‘sal_e_im i iversalidade e a impessoalidade Fi emetnaeee ase pC de arte: esta, deveria implicavam uma concepcio absolutista expressar verdades eternas e supetiores,-na medida em que sé 63 Scanned with CamScanner aproximassem dos arquétipos aceitos, quer dizer, os modelos gre. i colatinos. Daf vem que os clissicos renascentistas (a rigor, sio | __neocldssicos) procurem a Beleza, o Bem e a Verdade, com maitis- ; culas iniciais, em virtude dessa concepgo absolutista e -idealista a” de arte, Percebe-se por isso que os classicos atribufam a-arte Dy objetivos éticos, identificados com 0 Bem ¢ a Verdade. Embo- og ey tt nao entendessem que a arte fosse_utilitariamente_empre; Xu2 para fins de instrucio moral — o que seria rebaixar-lhe a cate- e. ~~ goria —, estavam longe de aceitar a “‘arte pela arte” ao modo Ce. _}parnasiano (fins do século XIX). Um alto objetivo ético — o > or do aperfeigoamento do homem na contemplacao das paixées hu- Vw manas postas em arte (a catdrsis dos gregos) —, € 0 que ten- ° cionavam alcangar com suas obras. Isso tudo significava conferir 4 inteligéncia um superior pa- pel na compreensio do Cosmos: 0” classic 2 Antes de sensitivo, com a inteligéncia voltada para fora de si, pa- ra o Cosmos, e nao para dentro, na escavacdo do proprio “eu”. O classico procura entender a impressionante harmonia do Uni- verso, e dela participar, utilizando o tinico meio possivel para isso, a Razo ou a inteligéncia. a estética do Cosmos, em contraposi¢ao 4 do romfntico, que, como se verd na altura pro- pria, defendia uma arte que lhe exprimisse 0 microcosmos, quer dizer, o seu “eu” interior. Constitui Iétio o culto extremado da forma: os cléssicos so formalistas, no duplo sentido de aceitarem os mo- delos préestabelecidos e de valorizarem a suprema perfeiclo for- coal erm prosa e em poesia: logicidade na ordenagio do pense mento, limpeza € vernaculidade gramatical, rigor no que toca a0 ritmo, 4 cesura, 4 estrofacio, 4 ordem interna do poema, etc. Jmitam-se os torneios sintaticos dos antigos, mas sem perder de vista o cardter préprio da Lingua: numa espécie de “defesa ¢ ilus- tragdo da Lingua Portuguesa”, os classicos preconizam ardorosa- mente a pureza da linguagem. Como diz Anténio Ferreira, na Car- ta III, a Péro de Andrade Caminha: “Floresca, fale, cante, ouga- se, e viva./ A Portuguesa lingua, € jf onde for/ Senhora va de si soberba, e altiva.” Para melhor compreensao da época classica em Portugal, é preciso levar em conta que, em paralelo com a cultura euro: péia do tempo, ‘0 espitito medieval néo foi totalmente abando- nado. Em contrario, sua presenca Se faz sentir_de_m 64 Scanned with CamScanner te, lado _a lado com _as_novas idéias: 0 século XVI poca bifronte, Justamente a COexi: nterinfluénci S ea cléssica, Do Angulo da expressio pot imeira seri £4 Sida velha”, ea segunda, a medida arate a zeta 8 mo é lugar-comum nos escritores quinhentistas Portugueses, ras aparentes contradig6es s6 podem ser entendidas quando se con ‘Pio a ambiveléncia cultural da época, - Explica-se a dualidade quinhentista do seguinte modo: pa- ra alguns homens, moldados dentro do espirito medieval ainda vigente, nao era fécil aceitar de pronto e integralmente a nova moda. Em conseqiiéncia, sé lhes restava a tentativa de assimi- lar 0 novo ao velho, formando um rosto de dupla face: uma, olha para o passado medieval, outra, para o cléssico, fundindo-o com a atmosfera trazida pelas descobertas e pelas inven- g6es. Doutro modo, nao se compreende como a novela de cava- laria, medieval por exceléncia, tenha alcancado seu 4pice e tives- se sido cultivada com apaixonante interesse precisamente no sé- culo XVI. Mais cinda: impulso_que se tornar4 presente, subterraneamente_ou_nio, 20 Tongo de toda a Literatura Portuguesa, cruzando os séculos e fa- zendo-se tradicao. Ao correr das épocas e periodos literdrios, o lirismo tradicional, caracterizado por ser: antimetafisico, popu- lar, sentimental e individualista, dialogaré sempre com as novas modas, e sobreviverd: a propria forca da terra portuguesa, cha- mando 0s escritores para o seu convivio, explica a permanén- cla desse remoto litismo no curso dos séculos. As novas “formas” literdrias introduzidas pelo Classicismo logo foram aceitas, entre outras razdes porque, sendo notada- mente poéticas, vinham corresponder as mais intimas preocupa ses do portugués letrado quinhentista. De qualquer modo, vésse fixando desde j4 que as formulagdes poéticas so facil ¢ spontaneamente assimiladas pelo portugués, 20 passo que a8 Novidades da prosa romanesca custam a deitar raizes fundas € Produzir obras de imediato e relevante sentido. Entende-se, assim, que a época do Classicismo apresente um grupo notdvel Ie poetas, encimado por Lufs Vaz de Camdes, ¢ que a poesia $* Coloque & frente das outras manifestacées literdrias coevas, mu 65 Scanned with CamScanner to embora €stas, em sua especifica drea de acao e interesse, ha- jam atingido por vezes nivel de primeira grandeza. Alias, diga-se de passagem, os tedricos antigos (como Atis-_ tételes e sua Poética, e Horacio ¢ sua Epistola aos Pisdes)-auto. tizavam e estimulavam o ardor posto na criac¢ao de poesia, fa. Zendo em, suas_doutrinas tbua tasa_da_prosa.por_cansidetéla_ ido em “suas doutrinas tébua rasa da prosa, por _considerd: menos nobre que a poesia. Decunre dasa que o Classicismo. portugués se abre e fe. cha com um poeta: $4 de Miranda e Camées. Numa visao de | conjunto, este tltimo é o grande poeta, enquanto os demais se colocam em plano inferior, naturalmente ofuscados pelo seu bri- Iho. A explicagio do fato reside na circunstancia de que todos eles eram poetas de menor talento e de haverem tomado mui- to ao pé da letra os postulados classicos. Imitaram, copiaram os antigos friamente, sem acrescentar-lhes novidades nascidas da ex- periéncia ou dos privilégios pessoais, sensibilidade, inteligéncia, etc. Faltava-lhes 0 sopro mégico que ilumina a aceitacao dos axio- mas estéticos; por isso, carecem de grandeza suas criacdes. Es- tas, reduzem-se a exercicios de arte (= eloqiiéncia) a que esté faltando 0 engenho (= talento): a reuniao de ambas resulta bem, mas a primeira sem a segunda consiste no trabalho artesanal des- tituido de “‘inspiracao”. De°passagem, lembre-se de que Camées conta com sua ajuda no prologo dOs Lusiadas (‘Cantando es- palharei por toda parte, / Se a tanto me ajudar engenho ¢ ar- te”), pois conhece que ambos devem estar indissoluvelmente as- sociados para que o intento poético alcance vingar. Os poetas menores do tempo agarraram-se as regras cléssicas como se bas- tasse conhecé-las e aplicé-las para conseguir criar arte. Care- ciam de compreender que os canones deviam ser usados apenas como meio de expressio de sua mundividéncia (necessariamen- te existente na base de todo artista, pequeno ou grande), e nao como validos por si proprios. | | : LUIS VAZ DE CAMOES Pouco se conhece da vida de Luis Vaz de Camées. ° Teria nascido em 1524 ou 1525, talvez em Lisboa, Alenquer, Coim- bra ou Santarém. Entroncado numa possivel familia aristocréti- ca da Galiza, teria tido acesso 4 vida palaciana durante sua Juv ventude, de onde haurira algum beneficio para sua formagéo 1 telectual. Nesses anos, talvez acompanhasse algum curso ¢s¢o” 66 Scanned with CamScanner lar. Lé Homero, Horécio, Virgilio, Ovidio, Petrarca, Boscan, Garcilaso, e outros. Talentoso e culto, naturalmente Gitwocasls paixdo em damas da Corte, dentre as quais a Infanta D. Maria, Piha de D. Manuel e irma de D. Joao III, e, sobretudo, D. Cata. rina de Atafde. Por causa desses amores proibidos, é “desterra- do” algum tempo para longe da Corte, até que resolve “exilar- se” em Ceuta (1549), como soldado raso. Perde um olho, e regressa a Lisboa. Em 1552, na procissio de Corpus Christi, fere a Gongalo Borges, servidor do Pago. Preso, logo mais é liberto sob a condigao de engajar-se no servico militar ultramarino. Com efeito, em fins de 1553, chega a India. Em 1556, da bai- xa, e € nomeado “provedor mor dos bens de defuntos e ausen- tes”, em Macau. Ali, teria escrito parte dOs Lusiadas. Acusa- do de prevaricagao, vai a Goa defender-se, mas naufraga na foz do rio Mecon: salva-se a nado, levando Os Lusiadas, como quer a lenda, e perdendo sua companheira, Dinamene. Finalmente, chega a Goa, é encarcerado ¢ solto pouco depois. - Estd-se em 1563. Quatro anos depois, em Mogambique, dé outra vez com os costados na cadeia por causa. de dividas. Posto em liberdade, arrasta uma vida miserdvel, até que Diogo do Couto’ o encontra e se empenha em recambié-lo para a-Patria, aonde-chega-a 23 de abril de 1569. Em 1572, publica Os Lustadas e recebe como recompensa uma pensio anual de 15000 réis, que, porém, nao © tira da miséria em que vive até o fim. Morre pobre e aban- donado, a 10 de junho de 1580. Escrevew teatro ao modo vicentino (Auto de Filodemo ¢ ElRei Seleuco) e a0 cldssico (Anfitrides), mas sem alcancar maior nivel, relativamente 4 sua poesia e aos comediégrafos do tempo. Sua correspondéncia contém valor biografico ou histé- tico-literério. Camées € grande, dentro e fora dos quadros literdrios por- tugueses, por sua poesia. Esta, divide-se em duas maneiras fun- damentais, conforme as tendéncias predominantes ou em que no século XVI: de um lado, a maneira medieval, tradicio- nal, a “medida velha”, expressa nas redondilhas; de outro, @ maneira cldssica, renascentista, a “medida nova”, subdividida em Iitica, vazada nos sonetos, odes, elegias, cangdes, églogas, sexti- has ¢ oitavas, e em épica, nOs Lustadas (1572). Tendo permanecido viva no decorrer do século XVI a poesia medieval de cunho popularesco ou folelérico, 0 lirismo tradicio- 67 Scanned with CamScanner nal exprime-se notadamente em redondilhas (nome genérico dos poemas formados do verso redondilho maior, isto é, de sete sfla- bas, ou redondilho menor, de cinco silabas). CamGes empresta } ao _velho popularismo ingénuo, o das cantigas de amigo, dimgn. soes mais vastas, fruto de suas experiéncias pessoais e do sin. gular talento que possui. O poeta ultrapassa as limitacdes for- mais proprias das redondilhas ¢ insufla-lhes uma problemética nova, que o exemplo da poesia amorosa de Petrarca e do Can- cioneiro Geral de Resende, estruturada_sobre_antiteses ra- doxos, ajuda a compreender. Daf resultam quadros de aliciante ' beleza em torno de cenas da vida didria, protagonizadas, _no ra- " ro, por ma_mulher_do povo, a quem o poeta conheceria muito de perto. Quase que apenas compostas para durar o tem- po de sua enunciacéo murmurante, essas redondilhas deixam no ar uma sonoridade e uma “‘atmosfera” que perduram indefinida- mente, como ressondncia dentro dum bizio. E 0 caso, por exem- plo, da obra-prima em matéria de redondilha, comegada com o verso “Descalca vai pera a fonte”. Quando nfo, uma gravidade tensa, dramitica, ocupa o le gar dessa jovialidade distendida, manifesto duma alegria de vi. fer meio pag’. E 0 caso de ‘‘Sobolos rios que vio”, ou “Babel sve Sizo”: numa solenidade quase litirgica, trégica, 0 poeta_plas- «? ma_em _versos cuja cadéncia vai num crescendo sufocante, toda lano_das transcendéncias. Se- > a sua angustiosa escalada_para_o_plai nc 2"\‘guindo “na esteira de Platéo, 0 poeta considera-se “‘caido” no ‘wa. plano humano, o mundo “‘sensivel”, esmagado_pelas “reminis- céncias” do mundo “‘inteligivel”, onde moram as “idéias”, a ver- dadeira fealidade, de que as coisas deste mundo sao apenas: lem- brangas ou sombras. Para alcangar o seu designio, Camdes ape- la para o auxilio da Graca, “que dé satide” (= salvacao), mas ‘© seu Deus nao deve ser confundido com o Deus do Catolicis- mo, Tratar-se-ia duma espécie de “para além do Bem e do Mal”, sintese_dum_ab; ético-filosdtica-religioso, atingido ou atingivel diretamente_pela inteligéncia ¢ a_sensibilidade_do_poe: ta, _sem-qualquer mediacao pré-estabelecida (isto é, religides, sistemas filosdficos ou estéticos). Chegado a esse ponto, Camdes transitava da poesia tradicional para a cléssica. ‘As excepcionais virtualidades camonianas encontram plena realizado na poesia de inspiragao cléssica. De certa forma, \* mées seria cléssico mesmo sem que existisse 0 Classiclsmo; por 68 Scanned with CamScanner isso, aderiu_vivamente 4 nova_mada (e superou-a em mais um aspecto, com isso volvendo-se um poeta de permanente val : e anunciando a poesia barrdca), visto ela conter meios de leans gar_resposta- as suas angustiantes in eios de alcan- € ultra-sensfvel, vivendo uma quad: téria da cultura ocidental. Nasce daf uma poesia que espelha a confissio duma tor, turada vida interior, referta de paradoxos e incertezas, a refle: xio em torno dos magnos problemas que lhe assolavam o espf- tito, nao sé provocados por suas vivéncias pessoais mas da to- mada de consciéncia duma espécie de inquietagao universal, em que todos os homens estivessem imersos. Convocando saber, experiéncia, imaginacao, memoria, ra- zo, sensibilidade e tudo o mais que Ihe confere a romantica aura de génio e de “maldito” (pela vida desgracada que levou eo quanto “sofreu” na carne o drama da condigao humana), Camées_pde-se_freneticamente_a_ sondar_o sombrio mundo do “eu”, da mulher, da Patria, da vida e de Deus. E uma ascen- sdov ou descensio, pois o poeta “mergulha”” num verdadeiro la bitinto, descortinado pela escavagio no préprio “eu”, escavacéo essa marcada por est4gios de angistia crescente, a medida que progride a viagem interior. Daf o tom permanente de dor, mas de dor césmica, no sen- tido em que é mais do que o sofrimento individual do poeta, € © universal ecoando nele e nele encontrando meio de expressao. Por conseguinte, o resultado dessa profunda sondagem nos es- caninhos da ‘“‘alma” consiste numa confissio ou autobiografia transcendental, quer dizer, do que vai por dentro do poeta en- quanto “Ansia de infinito” e nio dos acontecimentos dataveis de sua vida, Assim, &@ proporgdo que avanca em sua peregrinacao inte- ” a fim de erguer rior, o poeta vai desintegrando_o préprio “eu” © retrato do “Eu”, ou do “Nés”, isto ¢, composto da soma de todos os eu-individuais alheios que The ficaram impressos na in- teligéncia e na sensibilidade. Serve de exemplo a cangao “Jun- to de um seco, fero e estéril monte”, yerdadeira obra-prima de auto-andlise realizada num plano de ‘grandeza cdsmica. Dessa angustiosa perquirigao no “eu” nasce o problema em que s°

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