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Origens das Organizagées Partidarias e os Partidos Politicos Brasileiros Onaxne Soanis Prof, universitirio. Membro do Instituto dos Advozados Brasileiros SUMARIO 1. Introducdo. 2. Evoluedo histérico-partiddria. 3 Sistema de partidos. 4. Parlidos politicos de esquerda e de direita. 5. Evolugdo partiddria brasiletra. 6 Influto da social-democracia. 7. Novos rumos. pés~ 1945.8. O retrocessa pos-1964, 9. Concluséo. 1, Introducéo Partido, genericamente, equivate fracionado, quebrado. Sob a éiica da Cigneia Politica, partido politico a unio de muitas pessoas, que tém as mesmas idéias ou seguem os mesmos prineipios ou vworias. Em sentido lato. traduz a nogio de bando ou faccao. idéia de algo dividido em partes, Nesse contexto, a uta entre as facgdes politicas (sem considerar os entrelacamentos ¢ conotagdes, de natureza religiosa, econémica, filoséfica € outros) tem-se manifestado em todas as sociedades, desde as civilizacdes antigas, tanto na Grécia, como em Roma. Apés a lenta evolucdo das comunidades primitivas, as tribos passaram por diversas transformagées, tais como: o desenvolvimento da agricultura, que contribuiu para a fixacio do homem a terra (reduzindo assim o noma- dismo): © adyento da propricdade privada e da escravidio; a queda do direito materno (contagem da fliagao, pela linha feminina); o apareci- mento de “udministradores”, para dirigir essa “nova ordem”. como pre- cursores dos politicos e do Estado. Por conseguinte, as tribos foram os niicleos origindtios das cidades, com a sua hierarguia politica, constituida duma sociedade dividida em classes: exploradores ¢ explorades, apés 0 advento da propriedade privada © da escravidao. R. Inf, fegist. Brasilia a. 26 n, 103 jul/set, 1989 163 Na sociedade grega, por exemplo, Plstéo, um dos seus maiores pense dores, considerava que o fim primordial da administragiio pablica — da polis — era tornar os cidadios melhores e mais felizes, embora sem consi- Gerar a propria natureza injusta, iniqua e espoliativa da sociedade da época, dividida em senhores ¢ escravos, exploradores ¢ explorados. Em sua obra fundamental — A Repfiblica —, Plato idealizava um tipo de cidade em que o governo seria entregue aos sibios, sua defesa confiada & classe dos guerreiros, enquanto uma teresira classe — privada de direitos politicos, os explorados, escravizados — ficaria encarregada da produgio. © fato é que, embora um tanto difusamente, vamos encontrar 0 embrido dos partidos politicos, desde a mais remota Antigilidade, ligado a0 pensamento dos profetas, politicos, filésofos ¢ intelectuais em geral, entendimento esse que corresponde, de certo modo, ao que Jaspers deno- mina de _historicismo (Apud THEMISTOCLES CAVALCANTI. Cinco Estudos. FGV, 1955, p. 22). De sorte que, Daniel, Saloméo, Confticio, Lao Tsé, Plato, Cicero, César, Marco Anténio, Thomas Morus, Maquiavel ¢ outros teriam si chefes de facoSes do pensamento politico-filoséfico, precursores dos diri- gentes politicos modernos. Saliente-se logo que, desde a Antigiiidade, ficou evidenciada a natu- reza da organizagéo social), ent&o existente, baseada no firme entrelaga- mento dos fendmenos reiigioso, politico, filoséfico, econdmico, militar, outros, constituindo-se assim numa unidade ideoldgica complexa, destinada @ assegurar a ordem estabelecida, sobretudo o sistema de dominacao ¢ exploraggo do homem pelo homem. Foi, porém, na Grécia e em Roma que melhor se exprimiu esse tipo de organizacéo social interna, com projesdes internacionais, baseadas no expansionismo, nas conquistas e na hegemonia mundial, como veremos adiante, em répidas pinceladas, essenciais 4 compreensio da problemética em foco. 2. Evolupio histérico-partidéria ‘Seguindo a linha de raciocinio, acima exposta, podemos concluir que a formagio das faccées ou partidos politicos evoluiu, historicamente, desde a Antigitidade greco-romana, passando pela Idade Média curopéia, a Idade Moderna, até a fase atual, na Idade Contemporfinea, caracterizada esta pela intensa propagasdo ideolégica, que marca ¢ define as organizagdes parti- dérias atuais, nos diferentes paises. Na antiga Grécia, por exemplo, para Aristételes (384-322 a.C.) alguns individuos nascem para mandar e outros para obedecer, concepgio filo- s6fica esta que ele acabou incutindo no seu mais famoso discfpulo, Ale- iv) R. Inf. legisl. Brasilia a. 26m. 103 jul/eer. 1987 xandre Magno (356-323 a. C.). célebre general, rei ¢ imperador, conquis- tador de povos ¢ escravizador de homens, cuja obsessio consistiu na idéia de criagao de um império universal, nem que para isso fosse necessario passar sobre os cadaveres dos vencidos. Essa concepgfo de império universal pode ser sintetizada no chamado helenismo, prefiguracio do Império Romano, que se sucedeu, com as suas caracteristicas peculiares ¢ a imensa influgncia exercida no mundo antigo, cujos principais aspectos tivemos oportunidade de salientar, em modesto trabalho (Curso de Direito Internacional Piblico, pp. 47 ¢ ss.) Na Idade Média. destacaramse tees grandes organizagdes_politico- culturais sobretudo expansionistas. no seio da sociedade internacional, a saber: 0 Império Romano do Ocidente. o Império Islimico ou Islame, © Império Romano do Oriente. cujas principais marcas e influéncias destacamos alhures (Ob. e lec. cits.) O Império Romano do Ocidente evoluiu, transformando-se no Sacro Império Romano-Germanico, quando. no Natal do ano 800, o Papa Leao IIT coroou Carlos Magno, utribuirdo-the esse titulo, pondo-se de joelhos, para render-The homenagem, segundo o uso bizuntino (JOSEPH BERNHART- O Vaticano, Poléncia Muniial, p. 77). O Sacro Império Romano-Germanics. também chamado Império Caro- Tingio, fracionow-se, pelo Tratado de Verdun (845); ndo obstante, a catego- ria de imperador continuow sendo disputada, sendo que no ano de 952 Otdo. © Grande, tomou esse titulo. como rei da Alemanha e da It Seja como for, de avordo com 0 Tratado de Verdun, os érés prince povos dessa fase medieval — germanos, jtalianos © galo-francos separaram, constituindo reines distintos (FRANCISCO LARROYO. Histd- via Geral da Pedagogia, p. 243). Subseqtientemente, no século XII, os germanas se organizaram em torno de duas familias, a que pertenciam, respectivamente, os duques da Saxdnia e Baviera, de um lado, ¢ de outro, os senhores de Hohenstaufen, formando dois partidos politicos, por assim dizer, ou seja: guelfos ¢ gibelinos. Posteriormente, na ttalia, esses termos foram empregados noutrs sentido, em torno de disputas pela hegemonia do papado, Da mesma forma, embora vem a conotagdo de partido politico. propriamente dito, nu feigdo modema, ccorreu na Inglaterra uma série de batalhas, entre duas casas de senhores feudais — a de Torque ¢ de Laneaster —, durante os reinados de Henrique VI, Eduardo 1V e Ricardo Hil, a partir de 1455. Essas batathas caracterizaram-se por uma brutali- dade incomum, sendo conhecidas como Guerra das Rosas, devido aos emblemas usados pelas duas casas inglesas: a de Torque, cuja insignia era Inf. legisl. Brasilia a. 26 n. 103 jul./set. 1989 165 uma rosa branca, e a de Lancaster, que usevg uma rosa vermelha, O principal motivo dessa guerra foi a disputa pelo poder. Na Idade Modema, também na Inglaterra, surgiram, durante o reinado de Carlos IT (1680), dois partidos politicos perfeitamente definidos, que receberam os nomes de Tory (tories, plural de tory, reunindo os conser- vadores de corte e adepros da Igreja Anglicana) e os Whig (whigs, plural de whig, adeptos dos sentimentos nacionais). Em 1832, esses partidos mudaram de nome, respectivamente, para Conservador ¢ Liberal (GILDO WILLADINO AZEREDO. Programa Brasileiro de Cultura Bdsica, 1973, p. 278). Na torrente dos acontecimentos, que culminaram com a Guerra de Independéncia dos Estados Unidos da América, a organizacéo partidéria assume Novos contomos: a oposicao entre os republicanos ¢ os federalistas se originou da rivalidade politico-ideolégica entre Jefferson e Hamilton, na Convengio de Filadélfia, em 1774, que reuniu os delegados das Colé- nias descontentes com a Coroa Briténica, assembléia essa que passou part a Hist6ria com a denominagdo de Primeiro Congresso Continental (WIL- LIAM SPENCE ROBERTSON. Historia das Américas, vol. VIII, p. 29). Jefferson (republicano) defendia a autonomia dos Estados, enquanto ‘Hamilton (federalista) apoiava a idéia de crescimento dos poderes da Unido. Em 1800, a oligarquia federalista foi apeada do poder. Thomas Jefferson elegeuse presidente dos EUA, ocupando 0 cargo no perfode 1801-1809 (ob. cit., vol. XII, pp. 23 ss). ‘Ao longo dos anos, surgiram outros partidos efémeros ¢ loceis, nos EUA, tendéncia essa ainda hoje existente. Nos dias atuais, sustenta-se que os dois grandes partidos estadunidenses — Democrata ¢ Republicano — existem como simbolos nacionais, pois o Congresso estd repleto de inde: pendentes, cnscjando o advento dc novos partidos locais. No Estado de Nova Iorque, por exemplo, j4 esté registrado, ¢ concor rendo as eleigdes, 0 Partido do Direito & Vida, no qual se congrega o movimento anti-aborto. Também ali o Partido Liberal participa de campa; nhas eleitorais (TORQUATO LORENA JARDIM. Aspectos do federalismo norte-americano, in Rev. de Inf. Legislativa. Senado Federel, Brasilia, n.° 82, 1984, pp. 53 € ss). Na Franca, o nascimento dos partidos, ne ambito da Constituinte de 1789, revela que o faio, a principio, no se deveu, exclusivamente, a0 congragamento ideolégico, mas a diversos outros fatores, como a apro- ximagdo por afinidade geografica entre os constituintes, devido & proximi- dade da regiio, que representavam; a defesa de interesses profissionsis; 86 depois, as afinidades de pensamento constituiram motivo de congragar mento partidario. 166 826 nm. 108 ful /eel, 1989 Assim. por exemplo, os deputados bretées alugaram uma sala de café © organizaram entre eles reunides regulares, transformando-se no “clube bret”, passando depois a congregar deputados de outras provincias, que partilhavam de scus pontos de vista. Quando a Assembléia Constivuinte foi transferida de Versalhes para Paris, esse clube teve de interromper as suas sess6es ¢ procurar outro local para as reunides: o refeitério de um convento. O nome de “clube bretdo" foi esquecido, passundo a ser conhecido como 0 grupo dos Jacobinos, simbolo de opinides exaltadas © revoluciondrias Provesso andlogo ocorret: com o Clube dos Girondinos, de tendéncias politicas moderadas, chefiado por Jucques-Pierre Brissot (MAURICE DU- VERGER. Os Partidos Politicos, pp. 19 a 21). No século pasado, Marx © Engels perceberam logo a necessidade ¢ importineia de criagdo de um partido da classe operdria, como vanguarda de luta em prol dos ideais socialisias, em eseala mundial. Fundaram entao a Unigo Alema de Educagio Opcrdria, Aderiram A organizagio comuni tatia intitulada Associagao dos [ustos e a transformaram, dando-The o nome de Liga Comunista, cujas atividades, inicialmente, se restringiram a Ale- manha, assumindo, entretanto, a partir de 1848, 0 caréter de movimento internacional, com o lancamento do eélehre Manijesto do Partido Comu- nrista, naquele mesmo ano. evento esse contra o qual os governos curopeus maveram sangrenta represséo, em meio a movimentos revoluciondrios, win diversos paises (PAUI. HUGON. Historia das Doutrinas Econémicas, p. 221) Em 1864, Marx © seus correligiondrios instalaram a 1 Internacional, que celebrou em Genebra 0 seu prineiro congresso (1866), como associagio internacional comunista, evento esse que teve repercussées nos Estados Unidos da América, onde ocorreram vigorosas manifestagdes operdrias, em abril daguele ano, em virtude da intensificagio da exploragio dos traba- thadores, 0 pioramento das condigses em que eles viviam © wrabalhavam, eclodindo entao violentas greves, em todo o territério daquele pais, Os trabalhadores tinham ums reivindicagao suprema, na ordem eco nomica: jornada de 8 horas. pois a maioria dos operirios estava submetida a jornadas de 10, 12 ¢ mais horas. Em Chicago. onde a concentragao operdria era grande ¢ os operarios se encontravam organizados. realizaram estes, a primeiro de maio de 1886, uma grandiosa manifestacao, estendendo-se 0 movimento por todas as principeis cidades norte-americanas. Mas as greves iniciadas om 1! de maio, em Chicago, transformaram-se num movimento de rua, em confronto com a policia; o resultado dessa Tuts foram 6 mortos, maés de meia centena de feridos ¢ imimeros presos. R. Inf. legisl, Brasilia 0. 26. 103 jul/set. 1789 167 Depois disso, houve um comicio de protesto, condenando-se as violén- cies praticadas pela policia, contra 0 povo. O comicio terminava e a multi« dio comesava a dispersar-se, quando a policia irrompeu, atirando contra a multidio, Os manifestantes revidaram: langaram uma bomba no meid dos policiais, matando alguns deles. De tudo isso resultou violenta ¢ cruel represélia contra os mais querit dos Hideres operirios, que foram submetidos a processos injustos ¢ discri+ minatérios, sendo condenados & morte, cuja execugo teve luger a 11 de novembro de 1887. Em homenagem a esses mértires das lutas operérias, a I Interna: cional, reunida em 1889, consagrou 0 1. de Maio, como data festiva inter: nacionel do proletariado, comemoragao essa que perdura até os dias atuais, salvo quanto aos EUA, que nao a reconhece. Na Inglaterra. juntamente com a Revolucéo Industrial (a partir do século XVHI), desenvolviam-se as grandes cidades e os centros industriais, onde os operdrios se comprimiam em espagos estreitos, habitando casas miseraveis, em meio a0 alcoolismo, prostituigao, desemprego, vagabun- dagem e elevados indices de criminalidade. Isso explica o fato de, no ano de 1805, haver nas prisées daquele pais 4.605 pessoas castigadas, pela pratica de crimes, ntmero esse que se elevou a 14.737, vinte anos depois; Em meio a esse ambiente, surgem as idéias de Roberto Owen, consi- derado “pai do movimento cooperativista”, sendo um industrial de ten déncias progressistas, que aderiu 80 socialismo em 1816. Como toda utopista, ele esperava chegar ao comunismo, pregando a cooperagio e @ educacao, fundando as chamadas “comunas owenianas”. Nesse sentido, ele contribuiu para a formagio das tradeunides, ou orgenizagdes operdrias. No ano de 1834 fundou-se a Grande Unido Nacional de Sindicatos, qué se props transformar a sociedade sobre bases comunistas, por meio de cooperagso (H. DUNCHER e outros. Hist6ria do Movimento Operdria Internacional, vol. 2°, pp. 24, 44 e ss.). Entrementes, no Brasil, est4vamos dando os primeiros passos para a nossa organizagao partidéria, de indole eminentemente clitista, como yere+ mos adiante. 3. Sistema de partidos Hé paises que adotam um tinico partido; noutros, coexistem dois ou deles. A modalidade de coexisténcia entre partidos corresponde ao “sistema de partidos”, do respectivo Estado. Os sistemas de partidos decorrem de varios fatores, tais como tradi- des hist6rices, creneas religiosas, composigo ¢inica, rivalidades nacionais, ideologia de classes. ry TO Re Tat Hegisl: Brasilia a, 26 n. 109 Jwh/oet. 1989- Na pritica politica, a diregdc dos partides tende a assumir uma forma oligérquica, exercida por uma “classe de chefes”. que se constitui numa casta mais ou menos fechada. ow seja, um “circulo interior” de dificil aces- 50, que pode envolver 0 aspecto pessoal ou familiar. © advento do nazi-fascismo, por exemplo. ensefou a concepedo de gue toda a autoridade politica c estatal provém do chefe, do guia ou “condi tor” do partido, da sua autoridacle, da sua pessoa, de suas qualidades in- dividuais. de sua infalibilidade, o sev carater © homem providencial: foi sob essas motivagées, que se firmaram as liderangas de Mussolini, na Itélia, e de Hitler, na Alemanha (MAURICE DUVERGER. Ob. cit, p. 217) Sob esse impacto, como réplica, os partidos comunistas em geral, es- pecialmente o Partido Comunisia da Unido das Reptblicas Socialistas So- vigticas, acabaram por seguir essa trilha ott modismo. invertendo a sua pri tica anterior, baseada no centralisme democratico, preconizado por Lénin. Tal mudanga ocorretr. sobretudo. ante a ameuca de agressio nazista, € logo em seguida ao desencadeamento da If Guerra Mundial (iniciada em 1° de setembro de 1939, com a invasfio da Polénia, pele Alemanha), exigindo as- sim firmes liderangas, por parte dos dirigentes comunistas, 0 que gerou o fendmeno conhecido como “‘culto da personalidade’’, que encontrow em Stalin a sua expressio maxima. Apés a sua morte, al prdtica passou a ser combatida tenazmente, segundo as divetrizes tracadas pelo Congresso do Partido Comunista da URSS, em 1958. Em funcao de niimero de partides, dizse que um pais & monopartidi rio, bipartiddrio, pluripartidrio ou multipartidario. No Brasil, durante o Jmpériv, fumos bipartidérios, até 1870, quando veio a luz 0 Manifesto do Partido Republicano, langando as bases do par- tido com este nome. 4. Partidos politicos de esquenta ¢ de direite Modernamente, do ponto de vista juridico, o partido politico & clus- sificado como pessoa juridica de Direito Publico Interne, subordinado a um programa proprio e a prinespios politic espeeificos. como parte do contexto sOcio-econdmicy eaistente © da ordem juridica estatal, a que est subordinado, Contudo, variam, ideologicamente, as tendéncias partiddrias, conven cionando-se classificé-las. tradicicnalmente. nos paises capitalistas, em trés grupos: direita, centro e esquerda. A atual concepgao, averca dos chamados partidos politicos de direita (ou seja, que defendem idéias ¢ programas conservadores, reaciondrios) © de esquerda Gsto & com programas socializantes). deriva de um posi- cionamento politico, adotado. por acasiao das sessdes da Assembléia Na- cional francesa, no dia 11 de setembro de 1789, quando os pattidérios da opiniéo favorsivel & idéia de um Poder Exceutive forte, quer dizer, com R. Inf, legisl. Brasilia a, 26 m, 103 jul-/set. 1989 amples competéncias ¢ prerrogativas, se colocaram & direite, em relagio ao presidente da Mesa diretora, enquanto aqueles que sustentavam o ponto de vista tendente 20 papel determinante do Poder Legislativo, se coloca- ram & esquerda, Com o tempo, deu-se 2 transformagio, no sentido da conotagéo ideo- Iégica, hoje conhecida, acerca dos partidos politicos de direita © de es- querda. As tendéncias centristas se definem como meio-termo, ou equilfbrio, entre as duas outras, acima definidas. Seja como for, na qualidade de organizages de natureza politica, des- tinadas a acolher, centralizar ¢ manifestar as forgas e o poder politico, dentro do Estado, os partidos politicos sac intermediérios entre o cidadao € © governo. “Independentemente da distribuigo formal das funcdes do Estado, os partidos expressam o fundo ou contetido das lutes polfticas e sociais entre os grupos” —- que coexistem dentro do Estado —, “& procura de um equilibrio juridico, na constituigaéo do poder. A luta se manifesta, precisamente, pela agio do que chamamos as forcas politicas, que sé, afinal, aqueles interesses coordenados em correntes de opinigo, atuantes no plano institucional. E o instrumento de coordenagao de tais correntes & exatamente, o partido politico” (AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO), Em geral, a atuag3o dos partidos politicos burgueses se faz através dos chamados grupos de presséo (lobby), que se utilizam de todos os meios e facilidades, proporcionados pelo poder econdmico, ou seja, corrupgio, fraude, advocecia administrativa, manipulagio da opi publica (por in- termédio dos meios de comunicacao social, especialmente rédio ¢ tele siio, cujas grandes cadeias agem em conexio com as agéncies de notici com raio de ago internacicnal, a servigo do capitalismo), e outras préticas, além do emprego da violéncia, em associagdo com o crime organizado, como lembramos alhures (Criminologia, pp. 156 € ss.). ‘A atuagio do lobby no Congresso dos EUA e em outros setores da- quele pafs tem sido objeto de varios estudos, ensejando ainda a de textos legais repressivos, com relagdo a tais préticas (LEDA BOECHAT RODRIGUES. Os Grupos de Pressio no Governo Representativo, in Se- parata da Rev. da Fac. de Dir. da Univ. do Ceard, vol. 14, dez., 1960; OSWALDO TRIGUEIRO. O Regime dos Estados na Unido Americana, pp. t31ess.). Por outro lado, ccmo ocorre nos demais paises capitalistas, os partidos politicos brasileitos constituem manifestagées oligérquicas, sob a dirego, chelia e controle de representantes das classes exploradoras, economica- mente fortes ¢ politicamente dominantes, que controlam o apareiho estatal. De sua parte, os militantes, os membros do segundo escalao, os sim- patizantes ¢ o préprio eleitorado, representam meros pontos de apoio das organizagées partidérias. 7 226m. 108 jul/sat. 1989 Aqui, como alhures, os cheles aparentes dos partidos se distinguem dos chefes reais, pelo Fato de que estes sho os autocratas, como titulares do poder econdmico. que se encontr em maos dos capitalistas, banquei- ros, industriais © comerciantes de alto coturno, latifundisrios. 5. Lvolucdo partiddria brasileira Pode-se considerar que a pr-hisidria dos partidos politicos brasileires comeca poueo antes da Independencia, ocorrida em 1822; até entao, “partido” ou “facgio” eram pelavras malvistis, abrangendo as sociedades secrets. Jo80 Soares Lisboa, redator do Correio do Rio de Janeiro, equipa- rava “partido” ¢ “eabala”, que “se arroga um poder que ndo tem” (VA- MIREH CHACON. Histdrig dos Particas Brasileiros, p. 23). Em janviro de 1822, 0 Corrvio Bruziliense (Grgio mensal, editado em Londres, a partir de 1808, seb a responsabilidade de Hipdlito José da Costa Pereira Furtado de Mendonca) referia-se ao primeiro partido brasi- leiro, de fato: o Partido da Independéncia: pouco antes, em dezembro de 1821, 0 Grgio de imprensa A Malagieta enumerava faccdes pré-partidarias, agindo no Rio de Janeiro: constitucionais, republicanos ¢ “corcundas” respectivamente, centre. esquerda ¢ direita, da época. Como observa VAMIREH CHACON, numa soviedade. que levava o patrimonislismo ao extremo do esctavismo, sem a existéncia do elemento “pova”, no sentide de maioria livre, a concepcao de “liberal” se afigurava esdriixula, temeraria, dai o inforttinio dos pensadores © militantes mais atives da esquerda liberal, que acabaram desgragadamente condenados @ pena de morte: Cipriano Barata e frei Joaquim do Amor Divino Caneca, sendo que este participou da Confederseao do Fquador (1824) morrenly fuzilado (1825). Anteriormente. na segiiéneia dos _movimentos nativistas, ocorrera 0 esmagamento da revolta liderada por Manuel Beckman (1630-1685), por- tugaes radicado no Maranhao, que acabou condenado A forca, em Portu gal: da mesma forma. a Inconfidéncia Mincira (1789); a Conjaragie dos Alfaiates (Bahia, 1789), bem como a Conspiragio de 1801 ¢ Insurreigao de 1817 em Pernambuco, movimentos esses pré-partiddrios, Apés a Independéncis, a iepressio politica se manteve implacével, provocando a Insurrei¢do de 1824 (Confederacio do Equador) ¢ a Rebe- Praivira (1848), ambas em Pernambuco. esta ltima j4 entio sob in flugneia socialista, inspirada nas idgias de Fourier. Alids. José Incio de Abreu Lime, filho do lendirio padre Roma, defendia idéias socialistas, tendo participado da Insurreigie de 1817, em Pernambuco, passando de- pois a combater sob as urdens de Simon Bolibar, nay guerras de libertagio que este travou, numa cpopsia grandiosa. R. Inf. legist. Brasilia a. 26 n. 103 jul/set. 1989 mW Nesse contexto histérico, considera-se a Regéncia de Feijé (1835) como marco em que se definiram as duas correntes politicas, que inspiraram dai em diante os dois grandes partides politicos do Impéria: 0 Partido Conservador, liderado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, e 0 Partido Liberal, chetiado, dentre outros, por Manuel Alves Branco ¢ Francisee de Paula Sousa e Melo. Desde 1851, aparecem alguns principios programéticos do Partido Li- beral (do qual Feijé foi um dos fundadores). destacando-se, dentre esses . principios, os seguintes: Monarquia Federativa; extingio do Poder Mode- rador; supressio do Consetho de Estado; Senado eletivo e temportrio. No mesmo ano, 0 Partido Conservador anunciava os seus principios programéticos, destacando-se os seguintes: interpretacso do Ato Adicional, , restringindo as atribuigdes das Assembléias Provinciais; resisténcia & ino vagdes politicas, que niio fossem maduramente estudadas; centralizagSo po- litica; sigorosa ‘repressdo “contra as aspiragées anarquizadoras”. Ideologicamente, pouco diferiam esses partides; a propésito, nada & mais ilustrativo a esse respeito, do que a expresséo cunhada na época, atribuida a Joaquim Nabuco de Aratjo, mas que caiu afinal no dominio da opinigo pablica, assim exprimindo esse fendmeno, ironicamente: “Néo ha liberal mais conservador do que quando esté no poder” Em 1 de janeiro de 1849 surge 0 Manifesto ao Mundo, texto subs- crito por Manoel Pereita de Moraes, Jofo Inacio Ribeiro Roma ¢ outros, autodenominando-se “Acampamento das forcas liberais constituintes 80 Norte da Provincia”, proclamando a necessidade de convocagao de uma Assembléia Constituinte, como forma de renovagiio politica. Decorrem, entfio, dues décadas, para que 0 Centro Liberal, no seio do Partido Liberal, lancasse um manifesto, “Aos Nossos Cidadaos”, em 1869, proclamando, como imperativo nacional, a adogo de diversos prin- {pios fundamentais, dentre os quais se destacam os seguintes: responsa- ilidade dos ministros, pelos atos do Poder Moderador; a méxima — 0 rej reina e no governa; descentralizacho, no verdadeiro sentido do “self- government”; garantias efetivas da liberdade de conscitncia; independéncia do Poder Judiciério; reforma do Senado, no sentido da supressao da vite- liciedade, como cortetivo da imobilidade e da oligarquia; melhorarento da sorte das classes operdrias e indigentes; reforma eleitoral; reforme policial ¢ judiciéria; abolicgo do recrutamento; aboligéo da guarda nacional (Apud VAMIREH CHACON. Ob. cit., pp. 205 ¢ s8.). Estévamos, entéo, as vésperas da elaboracdo da Lei do Ventre Livre (Lei n2 2.040, de 28-9-1871), que tanta celeuma provocou e acabou o revelando praticamente ineficaz, fraudada sob varios aspectos, sem que representasse qualquer ameaga para os senhores de escravos, ou pera a estabilidade sécio-econémica do Pais, como alguns haviam anunciado, de maneira pessimista (EVARISTO DE MORAES. A Campanha Abolicionis- ta, pp. 1 €ss.), 2 R. Inf, legial, Brasilia ©, 26 n, 108 jul Jeet, 1989 Em 1870. vem i luz o “Manifesto Republicano”, lancando as bases do Partido Republicana, documento esse eneabecado por Joaquim Saldanha Marinho, seguido de diversas personalidades, cx-presidentes de Provincia, deputados, médicos, engenheiros, jornalistas, comerciantes. Aquela década de 70 foi decisiva para o desencadeamento da Cam- panha Abolicionista, que se tornou o epicentre politico, « partir de 1880, culminazdo com o advento da Lei dos Sexagenirios (Lei ne 3,270. de 28-9-1885) e da Lei Aurea (Lei n.” 3.353, de 13-53-1888) A propésito, para Joaquim Nabuco, o marco decisive para essa Cam- panha foi o dia 5 de margo de 1879. quando envio 0 médico e deputado bahiano, professor de Medicina em sua Provincia, ferénimo Sodré, se pro- nunciou, naquela Casa do Parlamento, em favor da emancipagio imediata © pronta dos escravos, ¢ néo gradual, como alguns propunham Alitis, por ocasiio da discussao do projeto, que se convertet! na Lei dos Sexagendrios, © entdo Deputade Perdigao Malheira demonstrou ter evolufdo para o escravismy, temendo a “geral insurteigéo dos escravos”, caso aprovada dita Tei, enquanto 0 bardy da Vila da’ Barra antevia “a desordem nos nossos estabelecimemtos agricolas”, ow @ “unarquia social ea miséria publica”, agoirada por Gama Cerqueira. ox ainda, “os dias ligubres, com todo seu cortejo de crimes, horrors ¢ cenas escandalosas”, imaginadas, dramativamente, pelo romaneista ¢ Deputado José de Alencar. Enuetanto, a0 tomar posse na Camara dos Depatades, Joaquim Nabuco havia afirmado, em 1880; “A grande questéio para a democracia brasileira nao é a Monarquia, ¢ a escraviddu,” VARISTO DE MORAES. Ob. cit., pp. 1a 14) Nessa seqiicneia de avontecimentes, em 1887, por ocasido do afasta- mento do tmperador da chefia do governo. por motivo de enfermidade ¢ neeessidade de tratamento no exierior, assume a chelia dagucle a princesa- regente, Isabel. momenta esse em que © Partido Republicano Federal ianca veemente manifesto, claborade pelo sew Congresso. reunide na Capital do Império (Municipio Neutro). nu Rio de Janeiro. Esse manifesto critica © imobilismo ea insensibilidade por parte dos homens que “scrvem ao principio monarguico”, ¢ que “hao perdido, com as nogdes do dever civico, os nobres estimulos que devem alentar em todas as Cpocas € em todos os paises 0 leais servidores de uma politica regida pelos prineipios morais e inspirada pelo amor do bem", © mesmo documento enfatiza o ideal da Republica lederativa brasilei- ra, “fundada na base da reciproca aulonomis e independéncia das Provineias e Cireunserigdes, que no future hao de formar os Estados Unidos do Brasil", baseada no sufragio universal; liberdade de consei¢ncia, dos cullos, de palavra eserita, de reuniao, de ensino, de asso i 10 do jari para toda a classe de delitos; aboligéo dos privilégios pessoais, titulos de nobreza ou condecoracdes; instituigao do Poder Judicial, como delegacao direta da soberania nacional, © outres prinefpios R. Inf, legisl, Brasilia a. 26 1. 103 jui./set. 1989. 173 Alguns anos antes, ou melhor. cm 1876, aparece: no Recife uma publicagao, intitulada Para que um Partido Catélico, formulando uma série de considetagdes, acerca da evolugo do cristianismo, para afinal concluir pela necessidade de fundago de um partido catdlico, idéia essa que ressurgiu mais tarde, apés o advento da impropriamente denominada Revolugio de 1930, como veremos adiante. Com o advento da Replica, em 1889, transformou-se o Partido Republicano em Partido Republicano Federal, conforme deliberagao adotada em sessdo realizada na Camara dos Deputados, na Capital da Republica, em 30-7-1893, da qual participaram Joaquim Saldanha Marinho, Quintino Bocaitiva, Aristides da Silveira Lobo, Francisco Glicério ¢ outros. Em 1902, fundase o Partido Socialista. Na pratica politica, o que ocorreu foi o revezamento do primeiro escalio imperial pefo segundo, ou seja, 20 invés dos bardes e viscondes, passaram a ocupar os altos postos politicos Rui Barbosa, Prudente de Morais, Campos Sales. Em alguns casos, houve a substituigéo do pai visconde pelo filho bariio: os dois Rio Branco. Mesmo os abolicionistas tiveram pouca oportunidade de participagao do poder. O monarquico Joaquim Nabuco servia & Repiblica, na embaixada, em Washington (VAMIREH CHACON. Ob. cit., pp. 58, 95, 243 e s8. Alids, durante a permanéncia aos EUA, Nabuco teve oportunidade de ‘observar in loco numerosos desvaos politicos, fraudes eleitorais, corrupeao administrativa, o antigo hébito de retaliagdes dos candidatos a cargos publi- cos, devassando-se-Ihes a vida privada, no mais intimo de seus detalhes, € outras pritices, sobretudo escandalosas, que causavam grande regozije 20 piblico (Minka Formacao, pp. 78 € ss.). © {ato & que os antigos politicos, protagonistas do anterior regime imperial, nfo tiveram dificuldade em se afirmar sob a Repiblica. Haja vista, por exemplo, ainda na épcca do Império, em 1878, foi convocado © Congreso Agricola do Sul, ao qual compareceram proprietérios de milha- res de escravos, casio em que os congressistas consideraram a Lei do Ventre Livre “ruinosa aos interesses da lavoura", reclamando ainda nova legislagio repressiva dos crimes cometidos pelos escravos, por jé nao thes parecer suficiente a nefanda Lei n.° 4, de 10-6-1835, que autorizava o8 senhores de escravos @ aplicar nestes acoites domésticos ou particulares, como castigo, 0 que muitas vezes provocava gangrena ¢ motte; pois, nesse Congreso, quem representou o pensamento escravoc' dos fazendeiros de café, do Municipio paulista de Guaratingueté, foi o advogado Rodrigues Alves, depois deputada federal, presidente da Provincia de Séo Paulo, ministro de Estado ¢ afinal Presidente da Repablica (EVARISTO DB MO- RAES. Ob. cit., pp. 6 a 8, 209 e ss,). im R. Inf. legial, Brasftia. a, 26 n. 103 jul/eat 1999 Na evalucdo ds acontecimentos, sob a Republi Pinheite Machado e outros corveligionirios fundaram o Partido Republi- cuno Conservador, em sesso realizada no Senado Federal, em 29-11-9210, em conseqiiéncia de visio entre os republicanos. Quintino Bocaitva, Subseqiientemente, em 1915, surge o Partido Republicano Liberal. inspirado nas idéias sustentadas na plataforma, com a qual, em 15 de janci- ro de 1910, 0 Senador Rui Barbosa definiy a sua candidatuya a presidéncia da Repiblica, na eleigho daquele ano, assumindo eniio 0 compromisso solene, centrado em 18 pontos, expressos numa Canta de Obrigagoes, sendo porém yencido pelo set oponenie. mavechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Em 1917, aparece a Liga Nacionalisia, com sede em Sao Paulo, pro- clamando-se estranha a lutas partiddrias. mas empenbada em manter, na Federacao dos Estados, a unidade nacional, assim como a promever a educa cao civica do povo. a pugnar pelt eletividade do voto, © outvas questies, Entrementes, apareceram, na plano estadual, diversas orgunizagdes tiddrias. Surgiu, assim, cm 1890, 6 Partido Republiceno Histérice do inde do Sul. sob a lideranga de [ilio de Castilhos. ¢ Partido jo de Sto Paulo. No Rio de Janeiro. Capital Federal, funda-se o Partido Comunista do Brasil, em 1922, sob a lideranga de Astrojilde Pereira, iendo sido o seu | Congresso iniviade no Rig de Janeiro (23 ¢ 26 de margo daquele ano) ¢ encerrada em Niterdi (no dia 27 subsegiiente) reunind em suas fileitas mi- litantes que provinham do anarco-sindicalismo. dentre eles Roberto Morena, Imejando conseguir expressao nacional, aparecew pela primeira vez v PCB, como concorrente elvitoral. no pleito renovador de 1/3 do Congresso Nacional, no inicio da presidéncia Washington Luiz, em 1927, sofrendo, porém, de imediato, violenta 1epressio politica, em face da famigerada Lei Adulto Gordo, oriunda do projeto de autoria do deputado ¢ empre- sitio paulista, vom esse nome, resultando no Deeretu n." 1.641, de 1907, sancionado pelo presidente Afonso Pena, com vistas. sobretudo. e garantir a expulso de operdrios estrangeiros, especiatmente italianos, militantes: no movimento politico-sindical, que tanto contribuiram para a conscientizacdo de nussas lideraneas sindicais. Por sua vez. a denominada Lei Cetersda, alierando 0 art. 12 da Let de Repressto ao Anarquismo (Decreto a." 4.269, de 17-1-1921), autorizava © governo, tanto a suspender as atividades. por tempo indeterminado, das agremiacdes, sindic: centros cu entidudes, “que incidissem na prética de erimes cu ates contrdrios & ardem, moralidade ¢ seguranca piblicas, quanto a vedar-Jhes a propaganda, impedindo a distribuigao de eseritos ou suspendendo os drgtios de publicidade que se dedieassem a isso” Num breve interregno, em que dispds de liberdade de aco, 0 Partido Comunista do Brasil buscou a formagio duma alianca — Bloco Operario, em 1927 —. através de Carta Aberta, formando uma coalizio com o R. Inf. tegisi. Brasilia a. 26 n, 103 jul./set. 1989 Ws Partido Socialista, entéo sob o influxo dos chamados “‘liberais jacobinos”: Mauricio de Lacerda e Azevedo Lima. Cria-se, em seguida, o Bloco Operério e Camponés (BOC), em 5-1-1927, prenincio de politica de frente ampla. Concomitantemente, funda-se o Partido Democritico, em Sio Paulo (1926), sob a lideranga de Waldemar Martins Ferreira, ilustre professor de Direito Comercial, Francisco Morato, Ant6nio Prado e outros. De resto, no plano nacional, almejanda congregar vérias correntes politicas, surge o Partido Democratico Nacional, fundado na Capital Federal, em 21-9-1927, sob a lideranga de J. F. de Assis Brasil (seu presidente), ‘Adolfo Bergamini, Francisco Morato, José Adriano Marrey Jinior, J. Batista Luzardo e outros. Como derradeira manifestagao do esforgo partidério, na Republica Velha, aparece a Aliana Liberal, em manifesto langado em 20-9-1929, criticando a facciosidade do presidente da Republica — Washington Luiz —, em face da sucesso presidencial. Entre outras questdes, esse manifesto enfatiza os vicios ¢ fraudes existentes no processo eleitoral brasileiro, bem como os gastos inuteis, relativos as contribuic do Brasil, quanto ao Bureau do Trabalho ¢ a Corte de Justica, de Haia, drgdos da Liga das Nagoes, visto que, das trinta e poucas Convengies, votadas pela Assembléia de Genebra, no decurso de dez anos, ¢ assinadas pelo Brasil, apenas seis chegaram ao Congreso Nacio- nal, para efeito de ratificagfo, sendo que nenhuma delas teve andamento, quando poderiam estar contribuindo para a melhoria das condigdes de vida eé de trabalho do operariado nacional (VAMIREH CHACON. Ob. cit., pp. 243 € ss.). © idesrio da Alianga Liberal (congregando as forces politices, repre- sentativas dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraiba do Norte) se inspirava no binémio “‘representagdo ¢ justica”, reunindo polf- ticos conservadores, dentre eles AntOnio Carlos (Minas Gerais), Getitio Varges (Rio Grande do Sul) ¢ Joéo Pessoa (Paraiba do Norte), este como candidato a vice-presidente da Repiblica, na chapa de Gettlio Vargas, tendo como oponente a chapa encabecada por Julio Prestes, afinal vence- dora, nas eleigies realizadss em 1.° de marco de 1950, denunciadas como fraudulentas, desencadeando a impropriamente chamada Revolucao de 1930. Certo que Jofo Pessoa evoluiu para a idéia de sublevagio, tendo inclusive prestado ajuda substancial a0 movimento insurrecional, quando, em abril de 1930, seu ilustre tio, Epitécio Pessoa, Jhe escreveu solicitande recursos financeiros do Estado, para o movimento armado que se prepa- tava; no més seguinte, foto Pessoa, entao presidente da Paraiba do Norte, enviou a0 tio mil conios. “De onde teria safdo esse dinheiro?”, indaga Oswaldo Trigueiro (A Paraiba na Primeira Repéblica, p. 140). Ww R. Inf. fegisl, Brasilia a. 26 n. 103 jul/set. 1989 Assim se fechou 0 ciclo da evolusao partidaria brasileira, na Republica Velha, ciclo esse caracterizado pelo predominio politico das oligarquias dos Estados de Minas Gerais ¢ de Sio Paulo, em face do poderio econdmico dessas unidades da Federacdo, qu2 passaram dai em diante a enfrentar a coneorréncia de outras forcas peliticas, sobretudo do Rio Grande do Sul, Soja como for, tais futos servem para demonstrar que, as vezes, 0 bair- rismo ow regionalismo confudem a verdade histirica, distorcendo a rea- lidade, anuviando os valores do passado, com o exchusivo propésito de exaltagao de um episédio momenténco ow temporirio. Eo que corre, por exemplo, con a aiual supervalorizagao do papel de ume unidade da Federagdo — Fstudo de Sdo Paulo —, ‘no contexto politico-econdmico nacional, compirindo-se. simbolicamente, essa unidade a “uma Jocomotiva, que movimenta as demais unidades”, como se estas Tossem um peso morto. Em primeira lugar. 0 giganlesco desenvolvimento econémico-social do Fstado de Sio Paulo devewse a uma série de fatores conjuntutais, e, em parte. 2 favoritismos ¢ conveniéneisis politicas. facilidades de concessio de incentivos, canalizacdo de investimentos © outros, em detrimento das demais regides do Pais. Em segundo, ndo nos esquegamos que tal fato corresponde a um ciclo momentineo, pois até o século pasado, por exemplo, as principais ala- yancas de nossa economia eram as que movimentavam a tradicional layou- ra canavieira ¢ a producto agueareira, assim como a extragio de ouro, 0 comércio de escraves, a layoura ealecira, atividades essas que se expan- diram om outras regiGes do Pais, seja ainda na fase colonial, scja nas Pro- yineias do Império, quer_no Nordeste (principalmente as de Pernambuco ¢ Bahia), quer de Minas Gerais, ou do Rio de Janeiro, cujos representantes politicos predominaram na presidéacia do Consclho de Ministros, enquanto a Provincia de Sao Paulo ocupava uma posicao inexpressiva, 0 que con- firma a assertiva, segundo a qual a forga politica esté ambasada no poder econémico. Basta verificar os dados histirivos ¢ as estatisticas a respeito, para a cabal contirmacio do que acima se expés. Passemos, agora, a apreciar a evolugdo politico-partidéria brasileira, sob o influxo da social-democracia, pds-1930, quando entGo esse idedrio politico-sdcio-econémico, aqui comecou a se expandir. 6. Influxo da social-democracia Do ponto de vista da cvolueiio do constitueionalismo, foram a Cons- tituigo mexicana (1917) ¢ a Constituiggo de Weimar (1919), que aban- donaram a concepetio da libcraldemocracia, para insticuirem a social- domocracia. tendéncia essa que se generalizou nas Constituigdes do pés-1 Guerra Mundial (1914-1918). R. Inf. legisl. Brasilia a. 26 n, 103 jul/set. 1989 rd Em sintese, essas novas tendéncias constitucionais — com inevitéveis reflexos na organizagio politico-partidéria — se caracterizaram pelo fato de nfo apenes se estruturar a ordem politica ¢ civil, como o faziam as Constituigdes anteriores, mas, também, a ordem econémica ¢ social, matéria essa até entdo sujeita a vagos preceitos legais e intermindveis discussdes académicas, como por exemplo, se o Estado tinha ou nao competéncia para legislar sobre condigdes de trabalho nas empresas, acidente do trabalho, previdéncia social, regulamentacdo das profissdes liberais, intervengéo no dominio econémico (para efeito de estabelecimento de monopélio estatal de determinadas atividades, por motivo de conveniéncia publica ou segu- ranga nacional), e outros aspectos. Contudo, convém lembrar que, ao elaborar o seu notdvel trabalho, in- titulado Teoria da Constituigéo, tomando como paradigma a Constituiggo de Weimar (1919), CARL SCHMITT sustenta que essa Carta Politica € tipica do Estado burgués de Direito, como tal estabelecendo um pacto social, ¢ assegurando certos direitos, como substéncia mesma da Const! tuigo, no que se distingue das Constituigées de natureza mondrquica, até ent&o existentes na Europa, como caracteristica do século XIX (ob. cit., pp. XXI, XXII e 205). Esse idedrio foi aos pouccs se repercutindo no Brasil, através de diver- sas manifestages, quer no plano tedrico, quer por meio de iniciativas, consubstanciadas em projetos de lei, apresentados ao Congreso Nacional, ‘pelos espfritos progressistas da época, sem que contassem, no entanto, com amplo respaldo parlamentar, por isso que nao se converteram em textos legais, durante a chamada Repiblica Velha, quando entGo o pensamento governamental encarava as reivindicagSes operdrias como “um caso de policia”, reprimindo-as violentamente. Em 1917, por exemplo, ao se discutir o Projeto do Cédigo do Tra- baiho, oferecido por Mauricio de Lacerda, acabou prevalecendo o ponte de vista do individualismo juridico, inspirado na ficgao de livre manifes- tagao da yontade das partes contratantes, teoria essa que orientou o nosso Civil, como entao sustentou Borges de Medeiros, em seu voto ven cedor (Apud LUIZ WERNECK VIANNA. Liberalismo e Sindicato no Brasil, p. 48). Em suma, Getdlio Vargas e seus correligiondrios empunbaram a ban- deira, cua simbologia, embora de um modo um tanto vago, representava © ideério da social-democracia, adotada pelo Estado, pés-1930, em suced- sivos desdobramentos, sob 0 impacto de profundas transformagées polt- ticas, sociais e econémicas, na esfera internacional, em meio a disputas interimperialistas, que culminaram com 0 desencadeamento da I] Guerre Mundial (1939-1945). ‘Nesse contexto, nos dias seguintes ao movimento politico-militar, ou seja, o golpe de Estado de 1930, impropriamente denominado Revolucio de 1930, implantow-se a ditadura, sob 0 Governo Provisério, chefiado pot Getilio Vergas (Decreto n.° 19.398, de 11-11-1930). 176 ~ R. Inf. legisl. Brasilia a. 26 n. 103 [ul/ser. 1969 Os chamados “tenentistas” ainda dispunham de algum poder, que foi 0s pouces se diltindo, para afinal ser suplantado pelas novas oligarquias, constituidas pelas alianyas entre a burguesia e os setores latifundidrios mais influentes. Dissolvido o Congreso Nacional, os partidos politicos existentes en- traram em colapso, desaparecendo. © chefe do Governo Provisdério dispunha entao de poderes pessoais absolutos. Nao tardaram, porém, as dissensGes. em virlude de interesses contra- riados, varias contradigées ¢ Tuta pelo poder. Desta efervescéncia, resultou a chamada Revolucdo Constitucionalista, em Sao Paulo (1932), com caractevisticas de guerra civil ¢ episédios san- grentos, chegando-se a aventar a aipstese de os revoltosos invocarem a condi¢ao de beligerantes, para efeits de proteggo internacional. Em sfntese, 0 movimento visuva u reconstitucionalizagio do Pais e a reconquista da autonomia estadval, suprimida pos-1930, quando entio as diversas unidades da Federagao passaram a ser dirigidas por interven- ores, nomendos pelo Governo Provissrio (STANLEY HILTON. 1932 A Guerra Civil Brasileira, pp. 41 © ss.) Havia também suspeiias de que Vargas no realizaria as eleigdes, prometidas para 1933, quando enti seria eleita a Assembléia Nacional Constituinte, para a elaborago de uma Carta Politica. Subseqiientemente, pelo Deere: n.’ 21.076, de 242-1952, promulga- do pelo Governo Provisério, foram admitidas duas espécies de partidos, de acordo com o disposto nos aris. 99 ¢ 100, deste diploma legal: “os permanentes, que adquiriam personalidade iuridiea nos termos do art. 18 do Cédigo Civil, ¢ os provisorios, que ndo adquiriam aquela_personali- dade ¢ se formavam tansitoriameate & véspera dos pleitos, apenas para disputé-los”” Dispunha o mesmo Deereto que: “Também cram equiparados a par- tidos as associagdes de classe legitimamente constituidas.”” Proliferaram, entdo, as organizertes partiddrias, com legendas tantas vezes bizarras: Partido Progressista (na Paraiba e em Minas Gerais; antes, em Minas, houve o Partido Social Nacionalista); Partido Nacional (Ala- goas); Partido Nacionalista (Rio G-ande do Norte): Partido Socialista Bra- sileiro (ressuscitado em Sio Paulo); Partido Nacional Socialista (Piaui); Partido Popular (Rio Grande do Norte); Partido Popular Radical (Estado do Rio de Janeiro) Os nomes, porém, que mais apareceram, foram de Partido Liberal € Partido Social. © Partido Comunista do Bresil esteve ausente ao pleito, devido a ilegalidade de sua existéncia. R. Inf, legisl. Brasilia a. 26 n. 103 jul-/set, 1989 79 A par disso, mobilizcu-se também a Igreja Cattica Apostélica Ro- mana, tentando organizar um Partido Cristéo (a primeira tentativa desse genero ocorreu durante o Império, como vimos), nfo logrando éxito, mas conseguindo criar a Liga Eleitoral Caidliea (LEC), uma espécie de’ enti- dade supra ou superpartidéria, congregando catdlicos, no ambito nacional. Na presidéncia dessa entidade encontravase Pandié Caldgeras ¢ na secretaria-geral Alceu Amoroso Lima, ambos indicados pelo cardeal do Rio de Janeiro, Sebastizo Leme da Silveira Cintra (VAMIREH CHACON. Ob. cit, pp. 94 e ss.). Em 1932, ressurge o Partido Socialista Brasileiro; de 15 a 25 de novembro desse mesmo ano, reuniram-se no Distrito Federal as mais dispe- res organizagSes: Clube 3 de Outubro; Partido Liberal Socialista de Sio Paulo; Legido 5 de Julho; Legido Peranaense; Ago Integralista Brasileira, € outras. Afinal, a 3 de maio de 1933, realizouse @ cleigo da Assembiéia Nacional Constituinte, com a vitéria da maioria dos candidatos langados ou apoiados pela Liga Eleitoral Catdlica (LEC), a qual logrou os seus objetivos, inserindo no texto conititucional o seu programa minimo, ou indissolubilidade do casamento; casamento religioso para efeitos civs; ensino religioso facultativo nas escolas piblicas; descanso dominical; auto- rizagio aos cemitérios religiosos; servigo militar dos eclesidsticos, prestado sob a forma de assisténcia espiritual ov hospitalar; garantia da ordem social contra a propaganda subversiva e outras questdes. Seja como for, a Constituiggo de 1934 representa o marco da institu- cionalizagao da social-democracia no Brasil, enquanto na Alemanha esse sistema j& havia sido golpeado, com a ascenséo do nazismo ao poder, em 1933. De qualquer forma, 0 governo Vargas adotava medides tendentes a satisfazer nfo s6 alguns dos anseios do operariado, mas principalmente 03 desejos do Estado, quanto ao enquadramento sindical dos trabalhadores. Assim, pelo Decreto n.° 19.443, de 23-11-1930, 0 governa criou o Ministério do Trabalho, Indistria e Coméreio, tendo Lindolfo Collor, arqui- teto desse érgio, afirmado por ocasido da respectiva inauguragio: “Eo Ministério do Trabalho, especificamente, 0 Ministério da Revolucio.” Em prosseguimento, criou-se a Justiga do Trabalho, a principio, inclufda no plano meramente administrativo, passando depois a érgio do Poder Judiciétio (MOZART VICTOR RUSSOMANO. Comentdrios @ Consolidagio das Leis do Trabalho, vol, 11, 1957, pp. 1000 e ss.). Nessa mesma linha de procedimento, foram adotadas outras medidas legislativas, paternalistas ¢ autoritétias, a saber: Decreto n° 10.770, de 19-3-1931, disciplinando a organizagiio dos sindicatos; Decreto n.° 21.186, de 22.3-1932, sobre o horério de trabalho no comércio; Decreto n.° 21.364, de 4-5-1932, sobre o trabalho industrial; Decreto n.° 22.042, de 3-11-1932, 180 R. Inf. legisl. Brasilia 0. 26 n, 103 jul/set. 1987 iniciando a regulamentacio do trabalho dos menores, e o Decreto n° 21.417-A, de 17-5-1933, a do trabalho feminino. Entretanto, a conjuntura internacional se apresentava com perspectivas sombrias, em meio a dispuias interimperialistas, enquanto se expandia 0 nazi-fascismo: primeiramente, vom 9 sucesso de Mussolini, na Ttdlia, apés a famigerada Marcha sobre Roma, cm 1922, comando o poder; depois, com a chegada de Hitler a condigfio de chanceler da Alemanha, em 1933, em seguida ao éxito eieitoral. Tats acontecimentos se projetaram no Brasil, sob a forma de golpismo, com sucessivas manifestagdes dessa natureza, que entdo se seguiram, tanto de direita, quanto de esquerda, malgrado a discordancia de alguns Iideres comunistas, com relagio & utilizacio do gotpe de Estado. Nessa seqiiéneia de acontecimentos, em outubro de 1932, langa-se 0 Manifesto Integralista, da Agio Inegralista Brasileira, partido politico de Plinio Salgado, congregando persoralidades como Gustavo Barroso, Frat- cisco Campos, @ padre Hélder Ciimara, e outros, de tendéncias nazi- fascistas No auge do movimento integrilista, suas Tiderangas promoveram um desfile popular no Rio de janciro, contando 4.000 participantes, ¢ outro em Sto Paulo, com 3,000, em 1934, enguanco o ministro da Guerra aprovava o uniforme dessa corporacdo paramilitar (HELGIO TRINDADE. Integralismio, o Fascismo Brasileiro na Décuda de 30, p. 303). Por sua vez, também em 1934, a Alianga Nacional Libertadora Langa o scu Manifesto & Nagiio, com um contetido nitidamencte antiimperialista, pré-reforma agriria, em favor da pequena e média propriedades reforma tributdria. O texto foi subscrito Por Hercolino Cascardo, Amaurity Osério © Roberio Faller Sisson. Logo, por’m, se evidenciou # lideranga de Luis Carlos Prestes, & frente da entidade. Nesse clima politico, propagi-se a efervescéncia ideoldgica, quer em decorréncia da discussio dos grandes temas nacionais, quer como reflexo da conjuntura imperialista internacional, fermentando a Guerra Psicoldgica interna, descneadeada pelos drgios do Estado, ligados as Forgas Armadas, especialmente sob o comando do Exército, como parte da estratégia de formacio de crises antificiais, para justificar medidas autoritérias e de supressio dus liberdades demoeriticas, como convinha a0 poder econd- miico, ou scja, as forcas imperialisias internacionais e aos seus aliados internos: a classe politica conservadora, a burguesia, os banqueiros, 05 latifundidrios Parte das liderangas comunistas, impressionada com 0 avango idcol6- gico do nazi-fascismo e sua influéneia no aparelho estatal brasileiro, venta reagit a qualquer prego. inclusive langando mio do golpe de Estado. O lider aliancista Luis Carlos Prestes, com resquicios do tenentismo, de que proviera, afirmava entio: “A situagio € de guerra e cada um precisa ocupar R. Inf, legisl, Brasilia 0. 26. 103 jul/set, 1989 18 © seu posto. Cabe A iniciativa das préprias massas orgenizar a defesa de suas reunides, garantir a vida de seus chefes e preparar-se ativemente para © momento do assalto. A idéia do assalto amadurece na consciéncia das grandes massas.” Subseqiientemente, a Alianga divulga o Manifesto de novembro de 1935 desencadeando o que depois se denominou “Intentona ‘Comunista”’, apurando-se mais tarde, que agentes do Exército se infiltraram no moyi- mento, estimulando o desenlace daquela insurreigéo comunista. Ocorreram levantes em quatro quartéis brasileiros, entre os dias 23 e 27 de novembro de 1935: no dia 23, num sébado, para surpresa dos revoltosos, 0 21.° Batalhio de Cagadores, em Natal, recebeu ordem de rebelar-se, ali se destacando a atuagao do lider comunista, entéo cabo do Exército, Giocondo Dias, tendo os revoltosos ocupado a sede do governo estadual; no dia 24, 0 29° Batalhfio de Cacadores da Vila Militar de Socorro, em Jaboatdo, a 18 quilometros do Recife, contando com a parti- cipagdo de inimeros capitis e tenentes, além do motim comandado pelo sargento Greg6rio Bezerra, no Quartel-General da 7.* Regifo Militar, no Recife; no dia 26, Prestes enviava o bilhete a Trifino Correia, um dos seus auxiliares imediatos: “Estamos diante da Revolugio, Aqui nao pode- mos esperar mais de dois ou trés dias.” Tentowse uma greve de apcio no Rio de Janeiro; aos 27 de novembro, levantaram-se em armes cerca de 2/3 dos 1.600 homens do Terceiro Regi: mento de Infantaria, na Praia Vermelha (RJ), intitulando-se Terceiro Regimento Popular-Revolucionério. © fracasso da rebelido foi total, ensejando tenaz e cruel repressio politico-militar, com numerosas prisées e torturas, indiscriminadamente. Logo depois, Prestes ¢ sua mulher, Olga, alema de descendéncia judia, foram presos, sendo ela entregue a agentes alemées, a pedido da Gestapo. Mais tarde, na Alemanha, ela foi executada numa camara de gés, apés der & luz uma filha, pois safra gravida do Brasil, Numa autocritica do PCB, afirmou Paulo Cavalcanti: “Se foi erro tatico-politico grosseiro a diregfo nacional do PC, particularmente Prestes, omitirse de participar da revolugdo de 30, que teve realmente caracter{s- ticas populares — que poderia ensejar a0 Cavaleiro da Esperanga, com 0 seu prestigio, encaminhé-la para outros rumos —, erro maior foi a insur- reigo de 1935, deflagrada antes que o programa da ANL tivesse atingido as massas, tornando-se forga social. Seu epicentro, quaisquer que venham a aor 8 suas interpretagdes ou explicacdes, foram as casernas, os micleos tares.” Em conseqiiéncia, 0 PCB mergulhou sob total repressio, além da habitual clandestinidade, Tal epis6dio foi maguiavelicamente aproveitado pelas forgas conser vadoras, ligedas ao capitalismo internacional, que se articularam em tore 162 R. inf, legisl, Brasilia a. 26 n. 103 jul/set, 1989 de Vargas, com 0 fito de implantar no Pais um regime autoritério, de fei- Ges nazifascistas, como de fato veio a ocorrer. Com esse escopo, engendrou-se o famigerado “Plano Cohen”, ou seja, uma trama manipulada nos laboraiérios do Exército, para gerar um clima de alarme e terror oficiais. com imagindrias e freqiientes denincias, acerca de atentados, ameagas ¢ levantes, atribuids aos comunistas, cujas lide- rancas, na yerdade, se encontravari imobilizadas, nos cérceres. Por sua vez, Vicente Réo, representante do Partido Constitucionalista, no governo Vargas, jd havia assinado, como ministro da Justica, a Lei n? 38, de 4-4-1935 (Lei de Scguranga Nacional) ¢ a Lei n.” 244, de 11-9-1936, criando o Tribunal de Seguranga Nacional de triste e nefanda meméria. Por sett turno, o Congresso Nacional desempenhou um lastimavel papel. tolerando a priséo de congressistas ¢ colaborando com o Poder Executivo, na adocio de medidas dz suspensio das lierdades democraticas. Com a concordancia do Legislative, emenda-se a Constituigao pelo Decreto Legislativo n° 6, de 18-12-1935, pura fins de equiparar ao estado de guerra as comogoes intestinas graves; tal Decreto, prorrogado sucessivamente até 1937, ajudou a preparar o caminho para o advento do Estado Novo, en- quanto Vicente Rio justificava a criacdio de um aparato estatal de combate especifico ao comunismo, dotado ce “imunidade... capaz de fazer a vigir lancia, servigo secreto de descoberta ¢ o combate ao comunismo nas [orgas armadas ¢ nas civis (Apud LULZ WERNECK VIANNA. Ob. cit., pp. 201 © 202) A Assembléia Nacional Constituinte havia encerrado os seus trabalhos em 1954, promulgando a respectiva Constituigao em 16 de julho daquele ano, clegendo, indirelamente, presidente da Repiblica, Getilio Vargas, com 175. votos, dentre 248 deputados presentes, dianto de um simulacro de contestagdo, com 59 votos dados a0 antigo aliado ¢ novo rival de Vargas, Anténio Borges de Medeiros, ¢ outros votas isolados, de protestos. © mandato presidencial de Vargas estava previsto para durar de 20 de julho de 1954 & mesma data, em 1958, quando entao ocorreria a sucessdo presidencial, precedida das respectivas eleigdes. Surgem, na oportunidade, dois candidatos: um clitista, o paulista aristocrata, Atmando de Sales Oliveira, ¢ outro populista, o sertanejo nor destino (paraibano) José Américo de Almeida, que percorreu o Pais, pro- nunciando entusiasmados discursos As forgas politico-cconémico-militares dominantes, no entanto, arqui tetavam o desencadeamento de um golpe de Estado, com objetivos conti- nuistas, mantendo Vargas na presidéneia da Repdblica, como ditador, nos moldes de um Estado de feigdes nazi-fascistas, E assim foi feito, com o advento do Estado Novo (Constituigéo de 10-11-1937), sobrevindo a dissolugao dos partidos politicos, milicias civicas R, Inf, legisl. 26 n. 103 jul./set. 1989 183 © organizacées auxiliares dos partidos politicos, fossem quais fossem os seus fins e denominagdes (Decreto-Lei n.° 37, de 2-12-1937). Nio foi dificil a0 novo regime, através da fala de Vargas — ambi- cioso de poder pessoal — responsabilizat os partidos politicos, para justi- ficar 0 golpe de Estado, acusando aqueles pela falta de estrutura e orga- nizagao, além de se constitutrem em “clas facciosos” se caracterizarem pela demagogia das liderancas, Durante esse regime, predominaram cs principios corporativistas, de inspiragio nazi-fascistas, mes com peculiaridades tipicamente nacionais, pois houve aqui deliberado propésito de anatematizagio dos politicos & des organizacdes partidérias, diferentemente do que ocorreu na Alemanha, que exaltou o seu Partido Nazista, e na Iuilia, com o Partido Nacional Fascista, como lembramos alhures (Direito de Comunicagao, pp. 33 ¢ ss.). Ao liquidar os partidos politicos, buscou o Estado Novo apoiar-s® numa estrutura sindical, menipulada e dirigida pelo poder publico, de maneira autoritéria paternalista, como forma de controle disciplinar & ideol6gico do operariade, por meio do Ministério do Trabalho. Em seu discurso, por ocasiéo das comemoragées de 1.° de maio de 1943, por exemplo, acentuava Vargas a necessidade de fortalecimento das orga- nizagdes sindicais, “até abranger todos os trabalhadores, de forma que estes, representando a totalidade das profissées, possam influir mais dite- tamente nas resolugdes de cardter econdmico, social e politico (...), falando por si mesmo junto as instancias da administragao, mais se integra na organizacao do Estado e se liberia por completo das exploragdes parasitérias de politiqueizos e demagozos, sempre prontes a prometer 0 que néo podem dar em troca de tudo aquilo 2 que nao tém direito”’ (Apud J. DE SEGADAS VIANNA. A Organizasao Sindical Brasileira, 1943, pp. 104 ¢ ss.). Oliveira Viana fazia ento projegdes para o futuro, vislumbrando « derrota do nezi-fascismo ¢ preconizando o papel dos sindicates no pos guerra: “Hé uma ilusio enorme da parte dos que, pensando nos resultados da guerra, presumem que as instituigdes sindica’s ¢ as instituigdes corpo- rativas iio desaparecer no mundo novo, que surgiré com a vitéria das democracias. Muito 20 contrério, estas instituigdes irdo ter uma expansio Viloriosa, (...) Estas instituigdes sindicais sfo inelimindveis e, da mesma forma, as izstituigdes corporativas. Para que vicssem a desaparecer no mundo futuro, do apés-guerra, seria preciso que Roosevelt renunciasse aos seus Cédigos Industriais (mais de 500. ..), os seus Labors Relations Boards, com 0 que esté contendo, dentro da justiga social, o grande capitalismot — O New Deal rooseveltiano ¢ uma organizacéo francamente sindical ¢ corporativa’” (ob. cit., pp. 260 ¢ 261). Por varios anos, o Estado Novo se manteve impavido, salvo a escara- musa ocorrida em maio de 1938, quando malogrou uma tentativa integralis- ta de contragolpe, com o assalto do Paldcio Guanabara, onde residia Vargas. 184 R. inf, legist. Brasilia a. 26 n. 103 jul/set. 1989 Com o tempo. @ sorte da Tf Guerra Mundial se inverteu, passando as nagdes do Eixo (Memanha, Itilia ¢ Japio) ao recuo, batendo em retitada, dos diversos paises que invadiram, inclusive da URSS, cuja resisténcia ofereceu episddios herdicos. mudando decisivamente os ramos daquele con- flito, contribuindo assim para 0 aniquilamento do nazi-fescismo, 0 que repercutiu de maneira negativa sobre os regimes politicos similares, como o do Brasil. Em face dessas mudancas no cendrio munclial. jd em agosto de 1945, rewniu-se. nos arredores de Resende, no Fstado do Rio de Janeiro, a Con- feréneia Nacional da Mantigucira, convocada pela Comissiio Nacional de Organizaco Proviséria (CNOP). criada pelo que restou do PCB, sob a Tideranca de Mauricio Grabois © Amarilio Vasconcelos, com articulacdes em Sao Paulo e na Bahia, oportinidade essa em que foi eleito secretirio- geral Luis Carlos Prestes, embora preso. Enquanto @ Fstado Novo se desmoronava, © PCB ia emergindo da clandestinidade, admitido na conjuntara politica navional. 7. Novos ruinos. pds-1945 Em 1944, foi permitida « atuacdo dv Muyimenta Unificado dos Tra balhadores (MUT). Fim abril de 1945, ao término da Lf Guerra Mundial, Prestes ¢ os demais comunistas receberam anistia, em troca de apoio — pelo menos nominal — a certas teses de Verpas. anistia essa exiensivat a todos os presos politicos (Dec-Lei n° 7.474, de 181-1945), No dia 19-4-1945, Prestes deixa a prisdio: a 25-5-1945. @ PCB se apre- sents publicamente, num comricio no Estidio do Vasco da Gama (RP) 15 de jutho do mesmo ano, aquele Lider comunista discursa em comicio, no Fstidio do Pacaembu (SP). apotando 2 orientagdo de Vargas, no processo de democrutizagio, apresentando-se, ainda, em agesto, no Recife. A 3 de setembro daquele mesmo ano, o PCB requer o sew registro provisério junio ao Tribunal Superior Eleitoral, e a 26, Plinio Salgado funda © Partido de Representagao Popular. de inspiragio fa Em dezembro de 1945. nas eleigdes presidenciais e constituintes. 0 PCB obteve quase 10% de votos do eleitorado hrasileiro: cerca de 600,000 votos para o candidato a presid¢neia da Repiblica, Yedo Fidza, elege um senador, Lttis Carlos Prestes, ¢ quatorze deputades federais. Flege-se presidente da Reptblica © general Eurico Gaspar Dutra, ex: minisire da Guerra de Vargas. obtendo 3.251.307 yotos, com o apoio daguele, sob a legenda do Partido Social Democrata ¢ do Partido Traba- thista Brasileiro, este criado sob a inspiracdo do Ministério do Trabalho de Vargas. No plano internacional, porgm. as perspeetivas se tomnaram sombrias: em marco de 1946, 0 ex-primcito-ministro conservador inglés, Winston Churchill, criava a expresso “guerra fria", que se (ransformou num instru- R. Inf. legisl. Brasilia a. 26 n. 103 jul./set. 1989 185 mento de retrocesso politico, obscurantismo ¢ isolamento entre os blocos dos pafses capitalistas € socialistas. A 23 de margo de 1946 (antes, portanto, da promulgagio da Constitui- g&o de 18 de setembro daquele ano), o deputado Barreto Pinto (PTB) ¢ Himalaia Virgulino pedem ao Tribunal Superior Eleitoral a cassago do registro do PCB, sob o argumento de o mesmo usar simbolos internacionais (foice e martelo) e denominar-se ‘do Brasil”, e nao “brasileiro”. A 26, na Constituinte, Prestes discursa, manifestando-se contra as perspectives de guerta, que se formaya, no plano internacional, e o imperialismo, que ameacava a paz; este discurso, distorcido pela imprensa direitista, constituiu um dos pretextes para a cassagdo do registro do PCB. Em 7-5-1947, 0 Tribunal Superior Eleitoral vota a cassagio do registro do PCB, por trés votos (Candido Mesquita da Cunha Lobo, F. Rocha Lagoa e José Ant6nio Nogueira) contra dois (Alvaro Ribeiro da Costa e Francisco S4 Filho), voltando o partido a ilegalidade. No dia 10 daquele mesmo més ¢ ano, o ministro da Justica determina © encerramento das atividades do PCB em todo o Pais, tendo a policia interditado as suas sedes. A 21 de outubro seguinte, a Tribuna Popular, Srgao de imprensa dos comunistas, € invadida; sua redacao, seu arquivo ¢ gréfica sio destruidos ¢ saqueados, sendo feridos varios dos funcionérios desse jornal. A 27, 0 Senado Federal aprova o projeto de cassagéo dos mandatos dos parlamentares ¢leitos pelo PCB. © retrocesso politico interno se afinava com o internacional, pois 15 de agosto daquele mesmo ano, instalava-se no Rio de Janeiro a Confe- réncia Interamericana de Manutengao da Paz e Seguranga no Continente, que definiu o alinhamento dos pafses latino-americanos com a politica de “guerra fria”, promovida pelos Estados Unidos da América, culminando com a assinatura do famigerado Tratado Interamericano de Assisténcia Reci- proca (TIAR), daquele ano, instrumento esse que ajudou a preparar 0 ‘caminho para a implantagao da Doutrina da Seguranga Nacional nesse Subcontinente, propiciande o advento dos regimes militares instalados nos diversos paises, a comegar pelo Brasil, pés-1964, como Iembramos alhures (Curso de Direito Internacional Pdblico, pp. 209 ¢ ss.). Em prinefpios da década de 50, Vargas retorna presidéncia da Repd- blica, desta vez, conduzido pelo voto popular; seguem-se algumas medidas progressistas, no campo econémico-social, contrariando, porém, os interesses das oligarquias nacionais ¢ os trustes internacionais, o que gerou sucessivas crises institucionais. O velho presidente lanca mio de um gesto dramdtico, ante a ameaga de sua deposicao pelas Forcas Armadas: suicida-se (24-8-1954), estremecen- do a Nagio, a quem deixa uma célebre Carta-Testamento, denuncfando # trama dos interesses do Pals, sobretudo articulada pelos monopélios inter- nacionais, que exploram a nossa economia, Em meio a escaramucas e crises politicas, sucedem-se os governos de Juscelino Kubitschek e Janio Quadros, sendo que este renuncia, passando 106 R. Inf, legial. Brasilia a. 26 n, 108 jul./set, 1999 © vice-presidente, Jofo Goulart, a ocupar a presidéncia da Republica (1961), sob o parlamentarismo, pretendendo realizar as chamadas reformas de base (agréria, bancdria, universitdria, tributéria ¢ outras) indispensaveis ao nosso desenvolvimento econdmico-social, propésito esse que encontrou as mais ferrenhas resisténcias obscurantistas, por parte das forgas conservadoras internas, mancomunadas com o capitalismo internacional. Entrementes, encerram-se os processos criminais (1959) movidos contra os lideres comunistas (1948), que se encontravam na clandestinidade, nao conseguindo, porém, o PCB obter a sua legalizago perante a Justica Eleitoral. Em 1963, formou-se a Frente Parlamentar Nacionalista, congregando parlamentares (deputados ¢ senadores) de diversos partidos, que aderiram ao respectivo Termo de Compromisso, datade de 3-2-1963. Sobreveio, no entanto, o golpe de Estado de 1964, apés insidioso proceso de Guerra Psicolégica, ou seja, uma trama politico-ideolégico-militar, 4 semethanga do famigerado “Plano Cohen” (1937), com o fito de desestabilizagao institu- cional © implantagio do regime militar, que se segui, nos moldes preco- nizados pela chamada Doutrina da Seguranca Nacional, como s noutro trabalho (Criminologia. pp. 148 ¢ ss.). 8. O retrocesso pds-1964 Apés 0 golpe de Estado, consolidado a 1." de abril de 1964, sobrey © Ato Institucional n." 1, de 9-4-1964, que institucionalizox o novo regime, baseado no arbitrio, seguido do Ato Institucional n@ 2, de 27-10-1965, que extinguiu os partidos politicos existenies, criados apés 1945, como reflexo das varias tendéneias — direita, centro e esquerda —, ou seja. Unido Democritica Socialista, Partido Socialista Brasileiro, Partido Social Democrata, Uniio Democritica Nacional, Partido Trabalhista Brasileiro, Partido de Representagao Popular. Partido Democrata Cristo. e outros. criados posteriormente, sendo que registro do PCB ja havia sido cassado, como vimos Foram entiio atingidos 4.682 cidadios — civis ¢ militeres — sus pensos em seus dircitos politicos (inclusive cassados numerosos mandatos parlamentares), feito esse que foria inveia ao macarthismo. isto é, a histeria anticomunista, desencadeada pelo senador norte-americano, Joseph Ray- mond Mac-Carthy (1909-1957), pds-1948. quando presidente do Senate's Government Operations Committee, durante a “guerra frie", numa aute tica “caga as bruxas”, & somelhanca das perseguigées religiosas € cien! ficas, na Idade Média. Aqui, foram entio vitimas de perseguigdes politicas, pés-1964, a saber: 1.261 militares, 500 legisladores, 300 professores e 30 cheles do Poder Executivo (incluindo o presidente da Republica, JoZo Goulart, deposto, assim como governadores ¢ prefeitos), dois ex-presidentes da Repiiblica, muitos profissionais liberais, intelcctuais ¢ operérios. R, Inf. legisl, Brasilia a. 26 n. 103 jul./set. 1989 187 Subseqtientemente, surgiram dois partidos politicos, nos moldes tra- gados pelo regime militar: Aliana Renovadora Nacional (ARENA), reu- nindo, basicamente, egressos da UDN, do PSD, e outros partidos, simpati- zantes do golpe de Estado, ¢ 0 Movimento Democratico Brasileiro (MDB), unindo discordantes daquele golpe, sobretudo petebistas, e alguns dissi- dentes dos antigos partidos. A par disso, organiza-se a resistencia democrética — composta de civis, militares, intelectuais, religiosos, operdrios, estudantes —, se inclusive movimentos guerrilheiros, cruel ¢ furiosamente exterminados, pelos érgaos de repressio das Forgas Armadas (Brasil Nunca Mais, pp. 21 @ ss,). Em 1973, as vésperas das cleigées parlamentares, entéo realizadas, © Partido Comunista do Brasil langa um manifesto, propondo a formacao de uma Frente patridtica contra o fascismo, denunciando da seguinte forma, em resumo, a natureza do regime politico-militar brasileiro, que, sem pos. suir determinadas caracterfsticas do fascismo italiano e alemio do passado, © regime aqui vigorante podia ser definido pelos seguintes tragos essenciais: algumas aparéncias de democracia representativa, inclusive a mudanga pe- riddica do ditador militar, empenho, por todos os meios, para afastar o Povo, principalmente a classe operéria, da vida politica; utilizagio das Forgas Armadas como instrumento politico-repressivo e suporte direto do regime; ampliagéo ¢ hipertrofia dos chamados érgios de seguranca, que dominam o aparelho do Estado ¢ a vida do Pais; aplicagao do terror, como principal método de governo; maior controle da estrutura sindical, que jé € de inspiragdo corporativista e vinculada ao Estado, e maior represséo a0s sindicatos operdrios, com 0 objetivo de reduzi-los a rgios exclusivamente assistenciais ¢ recreativos; intensa propaganda oficial, orientada no sentido de uma completa mistificagéo do que ocorre no Pais; politica econémica baseada na intensificacao da exploracao da classe operdria ¢ na crescente espoliacao da Nago, em favorecimento dos interesses dos monopilios, 08 estrangeiros em particular, e de latiftindio; politica externa expansionista, vinculada fundamentalmente aos interesses do imperialismo norte-ameri- cano e acompanhada de insistente campanha chauvinista, como disfarce. Desenvolvendo diversas consideracdes, sustentava o referido manifesto que a tarefa essencial das forcas progressistas do Pais deveria concentrar-se no esforgo pela reconquista das liberdades democraticas, a par da luta pela melhoria das condigdes de vida, contra o arrocho salarial, através de ampla discussao. Conseguem, entéo, eleger-se diversos parlamentares progressistas, alguns dos quais tiveram seus mandatos cassados, posteriormente, devido a sua enérgica atuacdo, denunciando abusos de poder, privilégios de grupo € corrupgio governamental. Do ponto de vista do ordenamento juridico, disciplinador de nossas organizagGes partiddrias, pés-1964, citam-se, dentre outros diplomas legais, os seguintes: Lei n® 4.740, de 15-7-1965 (Lei Orgfinica dos Partidos Polt- is R. Inf. legisl. Brasilia a. 26 nm. 103 ful./set. 1989 ticos), Lei nm." 5.682, de 21-7-1971 © Lei a.” 6.767, de 20-12-1979, corres pondendo este Gltimo texto lega? & fase de liberalizagdo do regime militar, substituindo-se entdo 0 sislema bipartidério pele pluralisme, surginde vérias organizagdes: Partido Trabalhista Brasileiro PTB), Partido dos Trabalha- dores (PT), Partida Demveritico Trabalhista (PDT), Partido Socialists Brasileiro (PSB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Comu- nista Brasileiro (PCB), Partido Liberal (PL), dentre outras. 9. Conchisdo A visio panoramica, acima apresentada, acerea dus origens ¢ evolucio das organizagdes partiddrias brasileiras, constitui um modesto subsidio para a reflexdio e compreensio do papel das mesmas, com relacdo is transtor- mages ocorridas em uussas institnigGes politicas, até os dias contempo- rdineos. Pelo que se expds. salta aos olhos que a nossa formagao hiswrien. politica, militar, religiosa, sée'o-ccondmica e cultural, teve um cardter intrinsecamente autoritétio ¢ elitists — a comeyar com a institui¢io do regime eseravocrata —. como projecdo das priticas e concepedes dominan- tes, ou seja, impostas pelts clesses exploraderas, economicamente fortes © politicamente dominanies, pois ay idéius dourinames so as da classe dontinante. Some-se a isso o maquiayclismo das classes dirigentes (empenhadas em dividir para deminar), a in lusneia das presses imperialistas, que se exerceram sobre o Brasil. ao lengo dos scculos, desde a época colonial, em decorréncia da propria condiggo do Reino de Portugal, secularmente sujeito ao poder hegemonico das grandes poténeias earopcias. sobretudo a Gri-Bretanha, como lembramos alhures (As Origens do Autoritarismo Brasileiro, in Atwadidudes. Forense, n.2 31, 1980, pp. 5 & ). Alids, sob esse aspecto, isto & do estabeleeimento do regime vserave crata no Brasil, nos diferenciamos de outros pafses latino-~americanos. que nGo importaram africanos, nem bascuram a sua economia no brago escravo, como a Argentina. Chile, México, ¢ outros, que dispdem assim de uma formagio sécio-politico-vconémica sem marcas ¢ discriminagdes autoritirias quanto © nosso Pa Quanto aos Estados Unides da América do Norte. se bent que sua formacdo tenha raizes histéricas eseravocratas — ¢ ali perduram desummos preconceitos ¢ discriminacdes raciais, sobretudo contra © negro —. reply frou-se naquele pais um Tato altamente bendfieo. qual sea, o enorme fluxo imigrat6rio, principatmente curopeu (orlundo du Reine Unide, blanda, Alemanha, Itilia, Austria, Hungria ¢ Ruissia), corrente humana essa vida de encontrar terra ¢ cultivé-la, para a prosperidade pessoal © conseqiiente progress. nacional Ora, isso contribuiv decisivamente para a vitalizagio dos ideais demo criticos do povo estadunidense, distanciando-o de muito, dos paises que inf. legisl. Brasilia 2. 26 n. 103 jul./set. 1989 189 permaneceram aferrados ao regime escravocrata, como o Brasif, aumen- tando a sua populagéo @ custa do tréfico negreiro, até meados do século passado, em lugar de adotar uma politica de imigragao de colonos livres. Haja vista que, entre 1820 ¢ 1960, entraram nos EUA mais de 41 milhées de imigrantes, em grande parte europeus, além de uns poucos procedentes do Canadé e da Asia. Em outras palavras, a sociedade brasileira €, histérica e visceralmente autoritdria, em todos os seus aspectos ¢ facetas — de natureza polftica, familiar, social, econdmica, universitéria —, embora se tente, dissimulada- mente, aparentar ¢ apregoar as nossas pseudotendéncias democréticas, jgua- litdrias, livres de preconceitos raciais, ¢ assim por diante. Isto posto, nossa formagao politico-partidaria (abrangendo as socie- dades secretas existentes, antes e depois da Independéncia) revela, como no poderia deixar de ocorrer, as cicatrizes profundas do autoritarismo, da prepoténcia ¢ violéncia oficiais; haja vista as sucessivas ¢ arbitrérias dissolugdes e desmantelamento de nossas organizagées partiddrias, sobre- tudo na fase republicana, até os atuais. Dat tornar-se praticamente invidvel o desenvolvimento ¢ aprimora- mento do espirito associativo em nosso Pais, em matéria politica, sem falar na situago anéloga, em relagao as organizagdes sindicais, estudantis, outras, vitimas das mesmas condigdes adversas € repressivas, por parte das autoridades constituidas. Nada mais falso e grotesco do que afirmar que néo temos vocacio para © asscciativismo, 0 congragamento e a vida gregéria, pois tais carac- terfsticas sio inerentes ao ser humano, em geral, como se sabe. Que fazer, para mudarmos os rumos, até entéo seguidos, infaustamente, em matéria politico-partidéria? A chave para a solugo da problemética em foco serd obtida, con- juntamente, com a matriz simbélica, a ser utilizada no equacionamento de outras questées, relacionadas a democtatizacio des instituigSes, em geral, de nossa sociedade, ou seja: a familiar, condominial, comunitéria, espor- tiva, escolar, religiosa, sindical, empresarial, militar, e assim por diante. Compare-se, por exemplo, o autoritarismo da vida castrense brasileira com @ norte-americana. Quer dizer, € dificil esperar que ocorram o fortalecimento e a demo- cratizagio, isoladamente, das organizacées partidérias brasileiras, sem que as demais instituigdes j4 referidas — inclusive a superentidade, o Estado — também evoluam e mudem as suas feigSes, tradicionalmente autoritérias. Trata-se, portanto, de um esforgo comum, quase uma busca do perfec- cionismo, ow seja, a procura incansdvel, de recuperagéo do tempo perdido, com as experiéncias acumuladas, no confronto com o autoritarismo. Quem viver, verd. 190 R. Inf. tegist. Brasilia a, 26 nm. 103° jul/eot. 1989

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