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Porque Michel Houellebecq Esta Errado Ac
Porque Michel Houellebecq Esta Errado Ac
Porque Michel Houellebecq Esta Errado Ac
Introduction
The idea of translating this essay into Portuguese came after an extensive conversation
with S.T. Joshi in 2020, when I was still a young beginner in literary criticism and was about
to start graduate school in Literature at Unesp de Assis. However, the world was suddenly hit
by a virus called COVID-19 and I was forced to stay at home until the moment I write this
introduction in 2022. At this moment, with the cancellation of classes and plenty of free time,
I decided it would be interesting to delve deeper into subjects I would like to develop further,
such as literary criticism and theory, so I used as my object of study the works of H.P.
Lovecraft, whom I had had direct contact with only two years before.
During my research, I came across S.T. Joshi's work “The Life of H.P. Lovecraft”
(2014, Hedra Publishing) and decided to purchase it, but not without first talking directly with
the author. Our conversation took place through periodic emails where we discussed
Lovecraft's work, and inevitably we got to the topic about racism in the author's works, that's
when Mr. Joshi sends me the essay entitled “Why Michel Houellebecq Is Wrong about
Lovecraft's Racism”. But the idea of translation would only come a few years later, when the
classes started at a distance and I ended up living alone on business in another city, this gave
me more free time to research and study, and it was then that I came into contact with authors
that I now call my pillars in literary criticism, such as Northrop Frye, Tzvetan Todorov, Terry
Eagleton, Georg Lukács, and Harold Bloom, but this is not relevant at this point.
Years went by and during a class on text analysis and interpretation, the students got
into a debate about racism in classical works, and due to my conversation with Mr. Joshi and
deep research on the subject I was able to notice that many students had a distorted view on
this, where they stated with all their strength that if you read and like an author considered a
racist author this made you involuntarily agree with his opinions, that is, it makes you a racist
person, even if you have never said anything against anyone. However, I devoted my efforts
to other topics and left this discussion aside, until I came across videos on the internet with
people outside the field of literary studies or of any literary quality arguably expressing that
H.P. Lovecraft is a racist author and that without this racial hatred it was not possible to
understand his work, that is, it is only possible to understand the entirety of Lovecraft's work
if you agree with the view (which we will see is unfounded) that Lovecraft was
"pathologically racist". I have had the idea for the translation in my head ever since, and today
I finally got it down on paper.
S.T. Joshi is a great scholar and his work on Lovecraft is undoubtedly valuable,
essential for anyone who wants to build a solid opinion about the author; the amount of
material produced by Joshi is the kick-start for anyone who wants to delve deeper into
Lovecraft's works, without ever leaving anything to be desired. For this reason, I thank S.T.
Joshi for providing me with valuable materials and for authorizing the translation of his essay.
Introdução
A ideia de traduzir este ensaio para português veio após uma extensa conversa com
S.T. Joshi em 2020, eu ainda era um jovem iniciante em crítica literária e estava prestes a
iniciar a faculdade de Letras na Unesp de Assis. Entretanto o mundo foi atingido
repentinamente por um vírus denominado COVID-19 e me vi obrigado a permanecer em casa
até o momento em que escrevo esta introdução em 2022. Neste momento, com o
cancelamento das aulas e muito tempo livre, resolvi que seria interessante me aprofundar em
assuntos que eu gostaria de desenvolver melhor, como crítica e teoria literária, então usei
como objeto de estudo as obras de H.P. Lovecraft, que eu havia tido contato direto apenas
dois anos antes.
Durante minhas pesquisas, me deparei com o trabalho de S.T. Joshi A Vida de H.P.
Lovecraft (2014, Editora Hedra) e decidi adquiri-la, mas não sem antes conversar diretamente
com o autor. Nossa conversa se deu através de e-mails periódicos onde discutimos acerca do
trabalho de Lovecraft, e inevitavelmente chegamos ao tópico sobre o racismo nas obras do
autor, foi quando o Sr. Joshi me envio o ensaio intitulado Why Michel Houellebecq Is Wrong
about Lovecraft’s Racism. Porém a ideia de tradução só viria alguns anos depois, quando as
aulas se iniciaram à distância e eu acabei indo morar sozinho a trabalho em outra cidade, isso
me deu mais tempo livre para pesquisar e estudar, foi quando entrei em contato com autores
que hoje denomino os meus pilares na crítica literária, como Northrop Frye, Tzvetan Todorov,
Terry Eagleton, Georg Lukács e Harold Bloom, porém isso não vem ao caso nesse momento.
Os anos se passaram e durante uma aula sobre análise e interpretação de texto, os
alunos entraram em um debate sobre racismo em obras clássicas, e devido a minha conversa
com Sr. Joshi e profundas pesquisas no assunto pude notar que muitos alunos possuíam uma
visão deturpada sobre isso, onde afirmavam com todas as forças que se você ler e gostar de
um autor considerado racista isso te fez involuntariamente concordar com as opiniões dele, ou
seja, te faz uma pessoa racista, mesmo que nunca tenha proferido nada contra ninguém.
Contudo, dediquei meus esforços a outros tópicos e deixei essa discussão de lado, até que me
deparo com vídeos no internet com pessoas fora da área de estudos literários ou com qualquer
qualidade literária expressarem indiscutivelmente que H.P. Lovecraft é um autor racista e que
sem esse ódio racial não era possível compreender sua obra, ou seja, só é possível
compreender a totalidade da obra de Lovecraft se você concordar com a visão (que veremos
ser infundada) de que Lovecraft era “patologicamente racista”. Desde então venho com a
ideia da tradução na cabeça, e hoje finalmente consegui coloca-la no papel.
S.T. Joshi é um grande estudioso e seu trabalho sobre Lovecraft é indubitavelmente
valioso, sendo essencial para quem deseja construir uma opinião sólida sobre o autor; a
quantidade de material produzida pro Joshi é o pontapé inicial para qualquer um que queira se
aprofundar nas obras de Lovecraft, sem nunca deixar a desejar. Por esse motivo deixo aqui
meu agradecimento à S.T. Joshi por me fornecer materiais valiosos e por autorizar a tradução
de seu ensaio.
1
Joshi escreve “what else have ya got?”
“Lovecraft nunca se tornou de completamente humanizado,
ele nunca se tornou o homem que nós amamos nos lembrar, até sua
experiência em Nova Iorque. Até o fim de seus dias ele odiou Nova
Iorque do fundo do coração. Com isso eu quero dizer a cidade em si, e
não os bons amigos que ele tinha lá. Mas foram necessárias as
privações, provações e teste de fogo de Nova Iorque para trazer o seu
melhor à superfície. E foi necessário um contato pessoal com os
cultos, educador e sofisticados amantes de Nove Iorque para fazê-lo
ver o todo, para ampliá-lo fazendo com que ele cultivasse uma
tolerância artística, se não alterando seu ponto de vista inteiramente.”
Isso soa muito mais como o Lovecraft que vimos nas cartas em sua última década de
vida – e, mais pertinente, no seu trabalho literário desse período.
A caracterização de Houellebecq sobre o racismo de Lovecraft é uma parcela de sua
visão de Lovecraft como um “reacionário obsoleto” (p. 115) – Mas de novo, ele precisa saber
que isso é falso. Até mesmo a biografia de Camp deixa claro a conversão tardia de Lovecraft
para o socialismo (não-marxista) moderado, e suas cartas mais tardias são cheias de
condenações sobre seu conservadorismo na esfera politica e econômica. Mas esse fato iria
constituir uma qualificação séria das conclusões que Houellebecq já havia chegado, e que
depois seria simplesmente ignorado. Aqui estão outras facetas do seu livro, se torna claro que
Houellebecq desenvolveu uma visão específica de Lovecraft, derivado de suas primeiras
leituras (ele teve seu primeiro contato com Lovecraft através das traduções para o francês aos
dezesseis anos) e aumentado por uma absorção altamente seletiva de outros textos, e ele, de
forma consciente ou inconsciente dispensou as evidências que iriam contradizer sua visão.
Ou seja, tendo isso em mente, é implausível pensar que um jovem entusiasta francês
que pode ou não ter lido muito do trabalho do Lovecraft em inglês, que não é um estudante de
literatura e que claramente tem sua própria maneira de retratar Lovecraft, pôde aparecer com
uma fórmula mágica para o entendimento das obras de Lovecraft – que é totalmente baseada
em “ódio racial” – que escapou à centenas de outros críticos, em inglês ou outras línguas, que
tiveram acesso ao trabalho do escritor de Providence. Houellebecq não é tímido sobre sua
suposta descoberta. Em seu prefácio para a edição francesa de 1999 de seu livro ele declara
que ele experienciou duas surpresas quando leu Lovecraft pela primeira vez – uma foi o
“materialismo absoluto” e a “outra causa de minha surpresa foi seu racismo obsessivo; nunca
e uma leitura das descrições de suas criaturas eu poderia adivinhar que a fonte poderia ser
encontrada em um ser humano real” (p.24). Aqui, novamente, ele simplesmente afirma esse
ponto, aparentemente acreditando que isso foi provado no corpus de seu ensaio, mas não foi.
Em outro lugar ele observa sem o menor traço de ironia, que “o papel do ódio racial no
trabalho de Lovecraft vem sendo subestimado” (p.108) Exatamente! Mas essas circunstâncias
não inclinam Houellebecq a levantar dúvidas acerca de suas próprias conclusões.
A visão de Houellebecq em seu tratado bastante pretencioso teve uma ampla e
lamentável influência em outros críticos que tocaram no mesmo tema. China Miéville afirma
que o “racismo profundo e vicioso de Lovecraft é [sic] conhecido por mim... Isso vai mais a
fundo, em minha opinião, do que meramente ser racista – eu concordo com Michel
Houellebecq... em pensar que a obra de Lovecraft, seu trabalho, é inspirado por um ódio racial
profundamente estruturado” (retirado de Joshi, Lovecraft and Weird Fiction 83-84). Não é
preciso dizer que Miéville em si não providenciou quaisquer evidências de sua afirmação,
acreditando que Houellebecq fez o trabalho para ele; mas não fez. Charles Bexter, em sua
crítica extremamente hostil de The Annoted H.P. Lovecraft, escrito por Leslie S. Klinger
(New York Review of Books, 18 December, 2014), afirma que Lovecraft era um “racista
patológico” (Ver Joshi, “Charles Baxter on Lovecraft” 109) e que o racismo é central no
trabalho literário de Lovecraft. Ele não cita especificamente Houellebecq como fonte de sua
visão, nem sustenta tal argumento com nada que se aproxime de uma evidencia convincente.
Há uma certa diversão em notar o que Houellebecq afirmou, em seu prefácio de 1999,
que “parece para mim que escrevi este livro como uma espécie de romance (novel). Um
romance (novel) com um único personagem (O próprio H.P. Lovecraft) – um romance (novel)
que se constringiu, em que todos os fatos que transmitia e todos os textos que citava tinham
que ser exatos, mas uma espécie de romance (novel) ainda sim” (p.23). Nós vimos que todos
as citações de Houellebecq sobre os textos de Lovecraft estão longe de serem “exatas”, mas,
por outro lado, ele está infelizmente preciso em dizer que seu trabalho é realmente uma
espécie de romance (novel). Deve ser enfatizado que sua visão sobre Lovecraft é no geral
positiva e que ele tem grande admiração por Lovecraft em seu estilo de prosa e como
contribuinte em algo genuinamente novo para a literatura mundial; até mesmo sua discussão
sobre o racismo de Lovecraft é livre de rancor e hostilidade, diferente do que vemos em um
número de outros comentaristas do assunto. Mas mesmo assim, o fato é que infelizmente
Michel Houellebecq promulgou uma informação inverídica – baseada em evidências
inadequadas e uma visão enciumada do que ele quer que o trabalho de Lovecraft represente –
que infectou o trabalho de outros críticos e estudantes muito mais hostis do que ele.
Trabalhos citados
Houellebecq, Michel. H. P. Lovecraft: Against the World, Against Life. Tr. Dorna
Khazeni. San Francisco: Believer Books, 2005.
Joshi, S. T. “Charles Baxter on Lovecraft.” Lovecraft Annual No. 9 (2015): 106–23.
———. Lovecraft and Weird Fiction: Selected Blog Posts, 2009–2017. Seattle: Sarnath
Press, 2017.
Spaulding, Todd. “Lovecraft and Houellebecq: Two Against the World.” Lovecraft
Annual No. 9 (2015): 182–213.