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Reservas, para que te

quero? - 30/08/2018 - Laura


Carvalho - Folha
Uso de reservas internacionais para
pagamento de dívida não parece uma boa
ideia
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Após se aproximar de sua máxima histórica, o dólar


fechou em leve queda na última quarta-feira (29), a
R$ 4,11. Em meio à reversão dos fluxos financeiros
internacionais, a desvalorização acumulada do real já
é de 24,27% no ano.

Apesar do desemprego elevado, do baixo


crescimento dos salários e da inflação próxima ao
piso da meta, analistas já preveem uma elevação da
taxa de juros básica pelo BC para evitar uma perda
de valor ainda maior da moeda nacional.

A medida, que pode ajudar a deter a saída de capitais


especulativos, ajudaria a conter os efeitos da alta do
dólar sobre a inflação e a dívida em moeda
estrangeira do setor privado. O problema é que os
juros mais altos também servem para tornar a
recuperação da economia brasileira ainda mais lenta.

Além de pôr em xeque a hipótese de que a


aprovação da PEC do teto de gastos em 2016 e a
maior credibilidade da equipe econômica é que
seriam responsáveis pela queda de patamar na taxa
de juros e a valorização do real, o episódio traz à
tona discussões mais profundas sobre o (não)
funcionamento do regime de metas de inflação.

Na prática, desde seu estabelecimento em 1999, a


inflação só ficou dentro da meta e os juros só caíram
quando o cenário externo ajudou. Quando os
movimentos nos mercados financeiros mundiais
foram no sentido de trazer capitais especulativos para
o país, o dólar se manteve baixo, contribuindo para
ancorar a inflação. Quando houve saída de capitais, o
dólar subiu e a inflação acelerou, quase sempre
ultrapassando o teto da meta.

O problema é que a maior parte desses movimentos


não se deve à política econômica doméstica, e sim a
ações no centro do capitalismo financeiro mundial
sob as quais não temos nenhum controle.

No artigo de 2015 intitulado "Dilemma not Trilemma:


the global financial cycle and monetary policy
independence", Hélène Rey, da London Business
School, mostrou como a taxa de juros básica fixada
pelo banco central americano determina boa parte
dos ciclos financeiros globais, restringindo a
autonomia da política monetária de cada país.

A autora concluiu que, ao contrário do postulado na


hipótese conhecida nos manuais de macroeconomia
como trilema da política econômica que estabelece
que a política monetária só é independente em meio
à mobilidade de capitais caso a taxa de câmbio seja
flutuante, os ciclos financeiros globais fazem com que
os bancos centrais na periferia não tenham
autonomia para fixar a taxa de juros doméstica,
independentemente do regime de câmbio
implementado.
Nesse caso, como aponta Rey, o ganho de
autonomia para a política monetária dependeria de
algum tipo de controle sobre os fluxos de capitais
para dentro e/ou para fora do país.

Na ausência de tais controles, o que tem nos salvado


e evitado uma alta ainda maior dos juros —ou o
surgimento de uma crise cambial como a de 1999— é
o alto volume de reservas internacionais acumulado
nos anos 2000, bem como o baixíssimo percentual de
dívida pública denominada em moeda estrangeira.

Países com situação muito menos confortável de


reservas e dívida externa, como Argentina e Turquia,
têm sofrido ainda mais os impactos desta fase do
ciclo financeiro global. No último mês, enquanto o
real perdeu 10,64% de seu valor frente ao dólar, a
desvalorização do peso argentino chegou a 24,12%,
e a da lira turca, a 33,06%.

Em meio a tais evidências, o uso de reservas


internacionais para pagamento de dívida pública
interna ou realização de investimentos públicos em
moeda doméstica, tal qual proposto por candidatos
da centro-esquerda, não parece uma boa ideia.

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