Historia Reginal e Local

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Comarea de Tho Franeiteo: A politica Line Maria Brando de Aras ®, abertura de um espaco de didlogo ¢ fundamental para dinamizar as discussées de probleméticas de interesse de professores, discentes e de profissionais da educacéo. Em tempos de globalizacao e de uma tentativa de destruicéo das fronveiras visfves ¢ invisiveis, de acabar com os vinculos entre os individuas ¢ os mais préximos, de homogeneizar 0s procedimentos ¢ entendimentos do mundo, é preciso atentar para o Papel de construtor de histéria nas maos dos homens. Antes restritos aos gedgrafos, com a ampliacio da drea de interesse de investignsio, os estudos sobre regio passaram a fazer parte do leque de objetos de estudos das ciéncias humanas e sociais aplicadas. Socidlogos, antropélogos, economistase historiadores passaram ae Preocupar com os ‘estudos regionais, na busca pelo entendimento de questées inicialmente Pertinentes ao seu tempo, como 0 planejamento ¢ 0 desenvolvimento regional no século XX, mas se constituindo também em estudos que buscam 2 andlise de outros perfodos histéricos. io do que vem a ser uma regio, buscamos articu- lar o saber produzido pelas diversas éreas do conhecimento, realizando escolhas que evidenciam a problemética ora proposta sobre a configura- So regional no Brasil oitocentista. Hé, portanto, uma Preocupasao em estabelecer os limites de uma regiéo, mas isso nio quer dizer que nao Este texto apresentaresulsados socais do proero de Pés-douroredo intiilado © Federaliono ‘at Provincia de Nore, desenvovido na Unveridade Federal de Pernambuco no Prope sna de Pés-Graduapso em Histéria sob a superviuso da Prof Det Mata do Socom Perse Basboss, Camara do Sto Francisco: A poltes Imperial a confoomagio Goad T Line Maria Brando de ne 1 191 possamos tracer outros limites, com base em uma necessidade especifica, quando um tema dé especificidade a uma regizo. A expresso “Historia Regional ¢ Local” foi uma criago que visou separar uma narrativa central, vinculada ao entendimento das 4xeas econémicas voltadas para a comunicacio com a mecrépole e com © centro comercial europeu das demais realidades, que passaram a ser watadas come temas de menor importincia. A histéria recorta uma dada regio ¢ necessita, do mesmo modo, de um recorte cronolégico, ainda que arbicrétio, pois as transformagGes sociais acontecem e se dio em uma interacéo, na qual os acontecimentos regionais contribuem para as mudancas nacionais e globais que, por sua vez, sfo, de forma simultdnea, por elas influenciadas. Temos, entéo, por regio o territério como representaso ¢ apropriaggo de um determinado espago em que © poder se estabelece, impondo uma légica particular, uma categoria que expressa uma singularidade dentro da totalidade, estando, porém, articulada com ela. Enconzram-se nos planos regional e local as possibilidades de se apresentar 0 concreto € 0 cotidiano social, o espago historicamente construido, no qual o homem estabelece a relacdo entre o individual ¢ ‘0 social, oferecendo a possibilidade de observar e aperfeigoar as teorias claboradas nos mais amplos pardmerros de andlise. Os marcos te6ricos sio ‘comuns 2 quase totalidade dos estudos regionais, mas isto néo significa que nao tenhamos avangado na discuss4o, mas que esses marcos nao foram superados porque respondem ainda as questées formuladas. Como exemplos, citamos Durval Muniz Albuquerque,! que tra- balha com a constructo de uma regio com base em discursos literérios © imagéticos elaborados sobre o nordeste. Jé IImar de Mattos? chama a atengfo para o fato de que uma regio " ALBUQUERQUE JUNIOR. Dural. 4 ivengto do nore e ouras are, Recife: Massan- ‘gana, 1998. 3 MATTOS, limar Rohloff de. O sempe xaguarema 2 formes do Estado Imperial. Sto Paulo: Hlucitee, 1990, p. 24-25. 192. [HISTORIA REGIONAL ELOCAL Ae Maria Carvalho do Sarco 92) Disease Pritics babel Critina Fern ds Ral (Orpaiadces) [--] 86 ganba significado quando percebida & huz de um sistema de relasses soviais que articule canto oe elementos que Ihe so inceres quanto aqueles extenos (.] asim, € uma construc ‘que se eferua a partir da via coil dos homens, dos proceson acdaprativos eassociativos que vivem. Reforcando essa defini¢éo, Rosa Godoy argumenta que “[..] a espacialidade tem a sua configuragio determinada socialmente pelo modo com que os homens se relacionam com a natureza, infetindo-se que cada modo de produzir da sociedade produz simultaneamente uma organizagio peculiar do espaco”.* Para Godoy, essa relacdo 6 reforcada pelos infinitos didlogos que podem ser estabelecidos pela Histéria Regio- nal com 05 outros campos da Histéria. Assim, a articulacso da historia regional com outros ramos de estudo da histéria tem propiciado um aprofundamento das teméticas pesquisadas. Quando tracamos da terrae da grande propriedade, por exemplo, a historia agréria e a regional ém J destacado 2 complexideds do mundo agririo, enfstizando a onganizacéo das pequenas e médias propriedades eas etratdgiat e sobrevivéneia dos proptitiros roa, que preduzindo para © mercado interno ou apenas pare 0 seu austen, fzeramete presentes ao longo da nossa histéria4 A escolhia de uma regio como objeto de estudo exige, portanto, ue tenhamos como ponte de partida sua consttuicdo histbrica ebusque.. mos identificar seus habitantes, suas formas de ocupacdo da terra e suas *elagbes produtivas a estabelecidas. Muito se tem dito sobre a supremacia do campo sobre a cidade e, consequentemente, sobre as suas histérias? E GODOY SILVEIRA, Rosa Matin, Republican « federalsmo (1889-1902). Brass Se- ado Federal, 1978, p, 30. A primera edicio da obra de Rosa Godoy € anterior & de limar Macios. “ OLIVEIRA, Ana Maria Cvalho dos Sancos. evncavo Sul tr, homens, economia ¢po- er no século XIX. 2000. 136 f Dissertacso (Mestrado em Histéris). Freullade de Feevea ¢ Cléncias Humanas, Universidade Federal ds Bahia, Sslvader, 2000. p27. * WILLIAMS, Raymond. 0 campo ee cidade na hintric na leranire. Sto Paslo: Cia. das Lees, 1989. —— Comarca do Sto Franco: A poles Imperial a canton roginal H Line Marie rondo deb 1 193 é exatamente pela sua caracteristica histética que uma regio, ao mes- clar grandes, médios e pequenos proprietarios, criadores de gado ¢ uma policuleura importante, motiva sentimentos diferentes e constroi ambientes de fixagio que originam o arraial, a vila ¢ as cidades com perfisdiferenciades. Dessa forma, fica evidente que o estudo da histéria regional é de grande importincia para as cidades que exercem 0 poder regional como também para aqueles que gravitam em sua drbita, diante das intimeras possibilidades que oferece para a pesquisa historica ¢ a construgio das identidades. Os escudos regionais, portanto, contribuem para evidenciar o que é especifico daquele lugar, em especial no caso das regides de populagées sibeirinhas ou naquelas em que estavam concentradas populacées indigenas.® ‘Também a literatura enseja outra articulagao imporcante para o estudo da histéria regional. As obras liverdrias sfo exemplares para buscarmos pontos de estudo e convergéncia na construsao regional ¢ nos situarmos em relagio a0 que a cidade significou para cada uma dos seus autores. A cultura seligiosa, igualmente, nos estudos sobre regiéo, éum dos temas que mais desperta a atengio dos pesquisadores. Esse cami- ho, em geral, objetiva estabelecer a tradigio de um catolicismo que se pretende hegeménico no Brasil. Os vinculos da Igreja Catélica na colonizacio formacio da sociedade brasileira séo fundamentals para oencendimenzo do que se passava na ex-colénia portuguesa. O estudo sobre a presenca desse catolicismo numa regido revela uma gama enor- me de induéncias religiosas.” A articulacio entre a Histéria Regional ea Histéria das Religides ¢ da Religiosidade permite-nos encontrar 2 ‘© PARATSO, Maria Hilda Baqueze. O tempo de dor edo reba: « conguisea dos tric indigenas nos sees do lee. 1998. 902 € 5x. Tee (Dourorado em Histra). Paula Flosofa, Lease Citacias Humanas, Universidade de Sto Paulo, Sto Paulo, 1998. 7 JESUS, Blivaldo Scuza de. Gente de promesa, de rea ¢ de omara: expeiéacas devocioass 1a ruralidade do Recdncavo Sul ds Bahia (1840-1980). 2007. 142 & Dissrapio (Mes em Histva), Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas, Univeridade Federal da Bess Salvador, 2007. 14, {HISTORIA REGIONAL ELOCAL. ‘Ane Maria Carat de: Santa Ol 194 1° Discusses Petter abel Crisina Fria eis Orgs i | : a relaco existente entre uma regigo e outra, além de evidenciar as crencas © priticas religiosas vivenciadas em cada regiao,® A sociabilidade também faz parce das pesquisas, destacando-se aqueles estudos que mapeiam os espacos em que os individuos exer. citam os seus costumes ¢ préticas culturais, a misica, os ritmos € 0 seu hibridismo cultural. A reconstrucdo histrica regional, portance, io fica restrita 2 um passado mais distante, 20 contrdtio, estudos multidisciplinares sobre temdticas mais recentes, procuram analisar Problemas acuzis que preocupam os pesquisadores das ciéncias sociais ehumanas. Indicios pelo caminho: uma infinidade de fontes Regional jé havia sido manuseada, mas como ndo se ajustava 20 que era considerado historicizével, foi subutilizado, deixando de se constituir em objeto do olhar do pesquisador. A disponiblidade das fontes, por muito fempo, representava um impedimento & realizacdo de pesquises sobre 5 Fepides mais afestadas do litoral, porque havia uma concentragao de estudos nos grandes centros urbanos, centros econdmicos e politicos, Que representavam os polos nos quais estavam as grandes histSrias daz lives letradas. Para o tato de questbes regionals, mos as mais diversas tipolo- gias de fontes. Neste momento, destacamos aquelas que se enconeram disponibilizadas nos arquivos pablicos municipais, no Arquivo Pibli. co do Estado da Bahia, axquivos das camaras municipais, Arquivo da * SANTOS, Denon Lesa dos. Nar ncucithadet des cures. Crengat, sabres ¢ diferentes pekias curative. Santo Anco de Jsus— Recbncav Sul ~ Bahia (1940-1980) 2008-250 E Disseraso (Mestrado cm Hiss) Faculdade de Fllosoia e Ciéacias Hamanan ies sidede Federal da Bahia, Salvador, 2005. ‘Comat do So Fanci: A pelea Imperl na cnfoonagio mom T Lina Maria Brandio de Ares 1 195 ‘Assembleia Legislativa do Estado da Bahia ¢ nas seguintes bibliorecas: Biblioteca da Superincendéncia de Estudos Econémicos e Sociais d2 Bahia (GED, Biblioteca Péblica do Estado da Bahia, Biblioceca da Fundacéo Clemente Mariani, dentre outras. Esces sfo os lugares mais frequentes das pesquisas sobre a regio, mas isso ndo quer dizer que outras bibliotecas, arquivos, institui¢bes culcurais ndo possam guardar fontes documentais importantes para a pesquisa histérica de uma regio? Para o estudo sobre o desenvolvimento da conquista, ocupacéo ecolonizasgo da Bahia, as fontes do Arquivo Ultramarino, digitalizados pelo Projero Resgate,estio disponibilizadas aos pesquisadores em diversas instituicées de pesquisa, 2 exemplo do Arquivo Pibico do Estado da Bahia e do Programa de Pés-Graduacio em Historia da FECH/UFBA. Essa documentagfo permice, dentre outras agées, mapear a presence do colonizador em vatias dreas do Brasil; tracar andlises sobre a relagio estabelecida entre a colénia e a mecrépole; € conhecer como 0 Estado metropolitano aruou no controle das agdes de ocupagao e exploragio do rerritério denominado de Brasil, da populacéo indfgena, e da cransferén- cia de populacéo escrava ¢ livre para manter a conquista e estabelecer a5 bases materiais da exploragio colonial. ‘Além da construgéo de trajetéria individual ¢ familias, € poss{- vel encontrar em tais documentos a descticéo das agées empreendidas. das atividades produtivas instaladas e das relacbes entre os individuos ¢ entre estes ¢ 0 Estado colonizador, isso sem adentrar na discusséo sobre a auséncia do Estado nesses sertées, cada vez mais discantes dos nticle turbanos litoraneos, decorvente da distancia que obrigava a estrucuraci de uma rede que possibilitasse 0 sucesso ¢ 0 controle do empreendimento colonial. TF PIBLIOTECA NACIONAL. Divisio de Obras Rams e Publicagbes. Catdlogo de docu: tos sobie a Behia, exsteares na Biblioeeca Nacional. Anais da Bibiotece National, w 8. de Jancizo, 1949; BRAGA, Angela. Casalego das obras ras €valiont. Biblioteca Fredes Edeineiss, Sulvadors CEB/UEBA, 1981 (Centro de Estudos Baianos, 90); PEDREIRA. ro Tors. Peguero cirri dos municipias baienas, Savacon. Cores Gris ¢ 1981 1, [HISTORIA REGIONAL ELOCAL. ‘Ana Marie Cereal des Santor Ob 196 1 ‘Diseussses e Prisicas Isabel Cristina Ferena dos Reis (Onc rdenados do governo. A simapio era vantajosa para ¢ Eeado, que podia conrar com a buroeracla de Igeja pare cuerertarelssadministrativas, como o registro de nascimemes, easamentos ¢ ébitos.!® Outro elemento importante, que justifica a dispontbilidade de fontes, &« natureza patrimonialista da colonizacao Portuguesa. Ao dividir com particulares a administraggo colonial, o Estede portugues cea attra de um contolecfetivo sobre as avidades ralizadas por cles, gerando uma grande quantidade de documentos, como tomer Pondéncias, relatos, dados quantitativos. José Murilo de Carvalho chamou essa relacéo de G-] aspect esencial da politica brasileira mistura,o conlio, entre o poder esaral eo poder privado. Essa misturalevaonome O Padroado ségio encontrou um force aliado na producio de fontes historias, seja.0 Estado portuguts, sao Eeade imperial fo Brasil. © processo de independéncia experienciado das mars di- ferences formas em todo o Brasil, bem como a formacde do Ext ein nacional e a montagem da sua estrutura politico-administrativa con, ‘ibuiram para a produgdo de fontes para a hiseris, especialmenne ara a histéria regional, & medida que a nova forma de viver o dia a dia do Estado exigia a exccuao de uma rotina, implancada ao longo CINTRA, Paulo: EDUNESP/Koa‘ad Adenauer, 2004. p26. ™ CARVALHO, 2004, p27. Garza do Sto France A poles Impel aa confommaa ronal nee Linc Maria Brendie de Aras do século XIX, na qual escava inserida a exigéncia dos registros e da comunicacéo entre as partes ¢ o todo. Com as suas caracteristicas de centtalizagio, 20 Imperador era dado conhecimento de uma infinidade de acontecimentos que se propagavam desde a primeira autoridade instituida nos rincdes do Brasil até chegar ao Rio de Janeiro, muni- cipio neutro, sede da Corte, Também 0 Brasil Republicano seguiu este mesmo caminho. Descacamos as fontes orais, que enriquecem os trabalhos regio- nais. Muito do que estudamos nos dias de hoje anda nas cabegas e nas bocas dos nossos depoentes. Com a Histéria Oral & possivel “[..] incor- porar no apenas individuos & construgao do discurso do historiador, ‘mas nos permite conhecer e compreender situacées insuficientemente estudadas até agora’.!? A meméria faz parte da vida. Da mesma forma, a histéria regional pode utilizar-se dos registros de memérla para com- 1 da sua histéria, inclusive porque inceressa 20 historiador nao a veracidade dos fatos, mas como os individuos selecionaram, recortaram e guardaram certos fatos na meméria. Igualmente os impressos, como jornais, reviscas, panfletos, propagandas ¢ os avulsos em geral compoem este conjunto de fontes. Pelos jornais é possivel mapear as atividades desenvolvidas, bem como a forma como as noticias da Bahiae do Brasil chegavam para o leitor. Alm de informar, os jornais desempenham 0 papel de formar e, com isso, déo uma ideia de como se movimenta a sociedade regional. A histéria regional é também uma aliada do ensino de diversas isciplinas existentes no curriculo escolar. O seu caréter de campo mul- tidisciplinar contribui para 2 aproximago com a lingua portuguesa, quando nos preocupamos com os falares regionais, com a literatura, quando estudamos com a produsdo literétia regional; com a geografia, tanto fisica quanto humana, quando discutimos a ocupaéo da regio ¢ 12 FENELON, Daa Ribeiro, O papel ds hieeSria oral aa historograia moderna. In: MEH José Carlos Sebe Bom (org). Anait do Encontro Regional de Hania Oral SudestolSul. Ss Paulo: Marco Zer0, 1995. p26 HISTORIA REGIONAL ELOCAL Ana Marie Cara do Sans Ota 198 1 Dieses Pits abel Cristina Fra dest Orpen os efeicos da presenga humana sobre 0 meio ambiente; com a matemiética, pois as formas de organizacéo do espaco exigem certos conhecimentos matéméticos, a exemplo das medidas wtlizadas na limitagéo das proprie- dades rurais ou urbanas. Assim, para cada problema formulado, 0 pesquisador tem que elaborar questées, buscar as fontes que o ajudem a responder & proble- mética apresentada, proporcionando o desenvolvimento de habilidades para tratar com cada material e dele exeraic as informag6es necessérias para compor 2 “colcha de retalhos" que coastitui seus dados ¢ permicir a anilise, os resultados e as conclusées que pode alcancar. Caminho pelos sertées da Bahia A década de 1990 foi prodigiosa para a expansio dos estudos regionais. Hd algumas décadas a hist6ria regional vem se firmando, néo sem criticas, pois, muitas vezes, foi acusada de escamotear os ‘processos estruturais ¢ isolar a regio do seu todo. Passado o primeiro impacto, os trabalhos de histéria regional se estabeleceram como uma forma de destacar 0 que é préprio, particular, de uma dada regizo, inserindo-a em uma dada realidade mais ampla.? Dentre os estudos histéricos voltados para a formacéo social das regides baianas, especialmente do alto sertéo, destacamos os do Séo Francisco, regido que interessa a este estudo. Destacam-se 0s trabalhos de conclusio dos cursos de pés-graduacio das universidades da rede piblica federal ¢ estadual na Bahia, que se destinam, na sua maioria, a discutir as formas de aruasio do poder local, priticas cultutais e a estructura econdmica regional. Citamos dois autores eas suas obras consideradas basilares para © desenvolvimento dos estudos regionais na Bahia: Antonio Fernando B SILVA, Marcos (coord). Repiblice em migalhes ~ Wiectia regional ¢ local. $é0 Paul: ANPUH/Marco Zero: Brasilia: CNP9, 1990. Comarca d Sio Francisco A poles Impedal naconformagso regional v Lina Marie renin de Aes + 199 Guerreiro de Freitas e Erivaldo Fagundes Neves, Este dltimo, ne ano de 1998, publicou um livro sobre histéria regional e local, voltado para a compreensio da ocupacio econdmica e formagio sociocultural do sudoeste da Bahia, regido da Serra Geral." Neste estudo, descacou © papel dos sercanistas no processo de acupasao, 2 paulatina transfor- magio dos grandes latifiindios em minifiindios, o desenvolvimento de uuma economia baseada na criacéo animal associada 4 policuleura¢ ainda aspectos sociais, como as caracteristicas do poder local e a existéncia da escravidio."® “Desde 0 ano 2000, 0 grupo intrinsceacional "Caminhos do Sertio” vem dessnvalvendo ‘pesquiss historias acerca do Alo Serf da Bahia. © primeira produto destes extudos foi ppblicapdo de Caminhos do seredo ~ccupacéo reriterial,sitmsavidrioeinercimbiescolomiais dis sereis da Babia, que apresentou as norasées de cinco relatérios de vsjances do século XVII eum do inicio do segue. Nessa coleines, 0 roto de Joaquim Quaresma Delgado ‘revels uma subscancil ocupasdo seguida de importante aividede comercial no Médho Sio Francisco, NEVES, Erivuldo Fagundes; MIGUEL, Aaconieca (orgs). Ceminhor do recta ‘cupasio terrors, sistema vigro e intercirmbios comescisis dos Sertécs da Bahia, Salvador: Arcidia, 2007 Em 1999 fol aprovado © Projeco de Mestrade Exes qailomboles ou macros? Escavidie ¢ ‘utara politics no Médio So Franco (1430-1888), no Programa de Pés-Gradusgdo em His- ‘Gile/UFBA. A cisertagéo defendida em 2001 desvendow as formas de tabalho compulsério faa regldo que abrangia os antigos Termos de Sao José de Carinhanha e Sanco AntOnio do ‘Urubu, com desaque par as relapdes escravisus eos processoe que aproximaram o cativo da Conquista de liberdade, auelando-re um jogo de aliancas socials que viavam 3 manutengo do pode: local em mos de tadicionals propriecsioe e mandatirios, bem como os motives Ae sobrevivenca da exravidfo, af 0 masco final dessa candigsejuriics, eos aranjce socials bascados mo siseema de meeios e agregados. PINHO, José Ricardo Morene. Eieaos meses en quilembols? Escravito ¢culsur politica no Médio Séo Francisco, 2001. 119 f Dissen ‘aefo (Mesto em Hiseeia) ~ Faculdade de Filosofia ¢ Ciencias Humanas, Universidade Federal da Babi, Salvador,2001 NEVES, 2007. 290 HISTORIA REGIONAL ELOCAL Ana Mara Casco des Sante Oca 1 Disease « Paks ‘babel rina erie do Reis Orgcaors) j_Perspectivacomparativa. Sobre o cacau ¢ Théus, evs uabalhns ‘mesma forma, sobre Juszeiro ¢ sua rea de influéncia, Com 2s suas pes- Guisas sobre Histéria Regional, este pesquisador liderou ss investigacées da antiga Linha de Pesquisa Estado, Poder « Regio, hoje denominada Sociedade, Relagées de Poder ¢ Regizo, do Programa de Pbs-Graduacso Gm Historia da Universidade Federal da Bahia, caracterioudh pelos estu- dos regionais e por evidenciar as ‘specifcidadese esabelecer um dilogo multidisciplinar. A historiografia baiana que, por muito tempo, se caracterizou Por destinar seus esrudos, quase que exclusivamense, ara Salvador ¢ @ Recbncavo, deixando de lado as demas regioes, gerou lacunas para Spee ee ""FREITAS,Anconio Femando Guero M. A Bahia em pedegorou ‘uma politica de oligareas “Moers. Carns do Cos Salradot v.13, p. 132d eon FREITAS, An- Cnemamande Goerniro M, Oeste da Bais fomecto hits og Primeica parce M. Ex vou pars a Bahia: a construsso is rgionaldade contempocines. Andie & Dadar Siisios «9-4, p. 2637, 2000; FREITAS,Anwonio Feraede eee M, Cambor 002, ane Se Frac: A palitca impral na cotoamao mpi v Lina Mare Bendis defines 1 201 vinculados a uma economia voltada para o mercado externo ¢ a uma sociedade que se formou e se desenvolveu em torno deste. Os estudos sobre o desenvolvimento da producéo destinada 20 mercado interno ¢ responsével pela circulacéo de riquezas na Colénia,"” ‘ a exemplo dos crabalhos realizados, que tém revelado a formacao de uma acumulagio de capitais e destacado os firores que colaboraram para a fixagio de povos distantes dos centros agroexporradores, ocupando os diversos serzées ¢ construindo histérias diferenciadas, chamam a atengio dos pesquisadores para as especificidades regionais ¢ locais ] As anilises do processo de ocupacao e colonizagéo dos sertées € a sua diferenciagéo ajudam-nos a compor 0 mosaico ¢ o entendimento de problemas contemporaneos, como a questao agraria e a estruturacdo das hierarquias sociais numa sociedade escravista. A violéncia da con- quista ¢ a fxacio do colonizador, por meio da expropriagéo violenta, contribuiram para a construcio de uma sociedade fundada na posse da terra, de escravos ¢ de animais, cujo poder regional consolidou um tipo a de sociedade que se formou no interior do territ6rio nacional. 7 Osiineresses por eseudos zegionaisassociam-sea uma releituradas interpretagSes da formagio socioeconémica colonial. As possibilidades de existéncia de outras dinémicas econdmicas e sociais, em paralelo 20 modelo do reconcavo eseravista eagroexportador, abrem novas perspec- tivas interpretativas nas andlises sobre a construcio nacional do Estado t nacional ao Brasil, que extrapolam a relacio tradicional estabelecida entte 0 licoral e a metrépole. ; a 4 P CARRARA, Angelo Alves. Paisagens romis de um grande serio: « margem esquerda do sédio Sio Francisco nos séeulos XVIII a XX. Cidncia ¢ Tidpico, Recife, 29, p. 51-124, 2001; FARIA, Shelia C. colinie me movimento. Rio de Jneivo: Nova Fromsisa, 198; FRAGOSO, Joie. Homens de gress avensure (1790-1830). Rio de Jancico: Cvlizacso Bra- sila, 1998; FRAGOSO, Jodo; GOUVEA, Masia de Fitima S; BICALHO, Maria Fernan- a (oxgs). O annigo regime nor t6pico. Rio de Janeiro: Civilizagéo Brailere, 2001; LAPA, Jost Roberto Amaral. Bahia e «carne da India. So Paulo: Nacional, 1968: RUSSELL WOOD, A.J. R. Centro e erifera no munda luso-brasileiro (1500-1808). Reve Brasleive de Hsziria, Sto Pao, v.18, 2. 36, . 187-250, 1998, Ane Marie Coral dor Set Ol lial Crisne Foren dr Res Orpen) O desafio para os estudos regionais escé em vencer as barreiras fisicas e a descontinuidade geogrifca, para atencar para as articulag6es que definem o perfil de cada uma delas ¢ 0 papel desempenhado na construgio do Estado nacional. Diversos foram os momentos em que luma ¢ outra provincia se aproximaram e se distanciaram em busca do forralecimento das suas sociedades regionais."® Nos esrudos des relagGes regionais, destacam-se os trabalhos de Cleide de Lima Chaves, ® Marcelo Rodrigues dos Santos e Lucas de Farias Junqueira”' que encararam o desafio de articular diferentes ¢ distantes regides por meio das suas in- serpbes nacionais ¢ evidenciar os pontos de conexZo entre uma e outra. Cleide de Lima Chaves” situou o seu trabalho “[...] entre duas regides repletas de pontos de intersegées, como os conflitos territoriais, os tratados de limites, relagbes sociais, comerciais ¢ politicas”. Dentro da possibilidade que se abre de se perceber a grande di- versidade da existéncia de tantos “brasis dentro do Brasil”, 0 Médio Séo Francisco destaca-se como uma das principais éreas de abastecimento, que abrangia uma excensio de terras que ia desde Minas Gerais sede do Gover no Geral em Salvador Acompanhar o processo de ocupacéo e consolidacio do dominio desce verrieério € mergulhar também em uma importante pagina da formacao da propriedade fandidria do interior brasileiro. A abordagem regional aqui desenvolvida néo ¢ dissociada das ‘transformacées gerais motivadas ‘por acontecimentos das sociedades baiana, ‘ARAS, Lina Maria Brandio de. As provincia do norte: administragSo,unidade nacional ees. ‘ablidae pola (1824-1850). I: CURY, Cludia Engler MARIANO, Seif. pls isd clturahstriea no oitocentos.Jofo Pesos: EDUFPB, 2008. p. 175192" ° CHAVES, Cleide de Lima. De som porto a outr:aBthis eo Praca (1850-1889). 2001. 115 f Disseragdo (Meseredo em Hiséria) — Faculdade de Filosofia e Citncls Humanss, Univens, dade Federal da Bah, Salvador, 2001. ‘* RODRIGUES, Maelo Sans. Or involniris de pére. A Bahia na Guerra do Pargu 2001. 165 £ Disserario (Mescrado em Histéria)— Faculdade de Filosofia ¢ Ciencias Hema, ‘as, Universidade Federal da Bahia, Selvador, 2001. * JUNQUEIRA, Lucas de Farin. Behia eo Prata no Primcirs Reinado: coméscio,rcrutamene ‘© Guerra Cisplatina (1822-1831). 2005. 194 £ Disseragio (Mestrado em Fist) Pe, suldade de Flosofa © Ciéncias Humanas, Universidade Fedctal da Baha, Salvador, 2005. * CHAVES, 2001, p. 12, Comarca do Sto Francisco: A polities Impetl oa conformasio ion H Lina Marie Breno dens 1 203 etnambucana, mineira ou mesmo de cunho nacional, uma vez que se deve entender que o movimento histérico nao resulta de uma soma de histérias locais, nem tampouco se entende a histéria local como um mero reflexo das cransformagoes estrunurais que se manifestam em planos nacionais, Neste trabalho, as relagdes regionais entre as provincias da Bahia e Pemambuco, diante dos pontos de intersecio existentes, permitem que as tomemos como abjero de estudo. Essas provincias, além de terem na sua formacio regional a grande lavoura agucareira e agroexportadora, viven- ciaram, no perfodo em estudo, as agitagdes politicas que caracterizaramn a primeira merade do século XIX, disputazam parcelas do territério do Brasil, na Comarca do Séo Francisco, estabeleceram relag6es comerciais por meio do ciscuito mercantil oriundo do perfodo colonial e, por fim, construiram redes de solidatiedade politica e comunicacio permanente entre uma e outra regio. A aproximagio entre as provincias decarre das relagées tecidas 20 longo do periodo colonial, quando alcemavam entre a concorréncia no mercado extemo e intemo ¢ a ajuda bilateral, durante periodo de instabi- lidade politica, como aconteceu com a ocupagio holandesa em Pernambuco © guetra de independéncia na Bahia, quando as tropas pemambucanas deslocaram-se para engrossas as fileiras do Exército Libertador, que bateu 2s topas poruguesas em 1823, Essa nao foi a tOnica das relacées regionais, pois, em 1824, Pernambuco perdeu parce do seu tettitétio, a Comarca do Séo Francisco, para a Provincia de Minas Gerais, que, em 1827, passou a fixer parte do terrisSrio da provincia da Bahia. ‘Comarca do So Francisco: disputas regionais Ocstudo das relagdes estabelecidas entre as provincias da Bahiae de Pernambuco, na primeira década do século XIX, reve seus primeiros passos na tese de dourorado inticulada A Santa Federal Imperial:® defendida em PARAS, Lint Mara Brandie de Ars. Sante Federséo Imperial Sho Palor FECHL/USD, 1995. p. 227, =. 204 HISTORIA REGIONAL E LOCAL ‘Ana Meri Caralo dor Senos Obra VO Discuss Petes Sabet Crivina Foi dat Ri (Oreo) 1995, que se desdobrou, mais recentemente, no trabalho O Federalismo entre as Provincias do Norte (1808-1850). Nos dois estudos, partimos das historias regionais e buscamos estabelecer relagées entre as Provincias no Brasil, em busca das suas insergbes no Estado nacional, por meio do idedrio federalista presence em uma e outra provincia, Quando optamos por um trabalho em histéria regional, utili- zamos recortes temporais e espaciaise vinculamos nosso objeto de pes- quisa 2quelas ourras regiées com as quais mantém vinculos de diversas naturezas, sejam continuas ou no, da mesma forma que nos interessa a acdo de inferéncia extra-regional que influencia na sua conformasao regional. A vinculagao territorial da Comarca do So Francisco insere-se 1a problemética da atuasgo do Estado imperial em busca da manutencio da unidade nacional ¢ no exercicio dos poderes instinuidos, A organizacéo administrativa advinda da Constituiggo de 1824 colocou o problema do tertitério e da “[..] articulagio de grande diver- sidade fisica, socal e cultural em rorno das monarquias e monarcas que thes davam coesio”,? Essa matéria, apresentada por Jodo Paulo Pimenta, encontra referencialidade na questao das provincias do Brasil pés-1824, pois “..] a espacialidade das reas coloniis era, e sempre foi imprecisa, Jd que os Estados mondrquicos nunca tiveram exato conhecimento de seus limites, marcos, jurisdigSes ou utilizacio social” 2° O Estado nascente, 20 utilizar-se das antigas definigées territo- tiais coloniais, incorporou, na nova ordem, as dispuitas por territérios € a filiagéo politica de cada regio existentes forjadas no perfodo colonial, Para rebeldia oitocentista, essa diversidade regional e suas articulagées eram imporcantes por se constitufrem em um dos argumentos para 0 Tompimento com a Casa de Braganca; para os monarquistas, era ne- cessério unificar e, quem sabe, homogeneizar em nome da nagao. Tais 2ARAS, Lina Maria Brandso de Ares. O Fadenliomo entre provinces do Norte (1808-1850). Salvador: FFCH/UFBA, 2008. p. 39. % PIMENTA. Jodo Paulo G. Eade ¢nezdo ne fim dat irptres trices no Praca (1808-1828), ‘Sio Paulo: HUCITECIEAPESR, 2002. p 49. % PIMENTA, 2002. p. 49-50. CComarex do Sto Francie: A polies Impetl na conformacio regional v Lina Marie Brendio de Ars 1 205 construgSes desembocaram em disputa por territérios de fronteiras entre diversas unidades administrativas. Todavia, sem 0 apoio das elites, a monarguia dos Braganca nao teria vingado, pois, como sustentar tal empreitada no Brasil continental? Para Ferraz,”” ada em torno doe problemas regionais — norte ¢ sul — 2 pela forma autoritéria como se portou o governo de . Pedro com a dissolusio da Constituinte ¢, depois, pelo projeto de onganizagio da nova nagio, defendido pela elite do sul e contido na Constiuigio de 1824, a elite brasileira fer do ppensamento liberal, sua bandeira eo adequou 3s vria realidades segionais. ‘Acauséncia de um consenso enue as fragbes de clase do norte « do sul gerou conflicos que, em iltima instinca, se apoiaram nas duas faces do liberalismo: uma, que enfatiza a sociedade civil cm oposicio ao governo ¢, outra, que enfatiza o Estado como portador e garantidor da liberdade individual Accxiscéncia da fragmentagio e da eseruturacio de forgas politicas ‘em tomo das elites regionais motivou os legisladores de Carta de 1824 a incluir aqueles elementos que seriam a seguranga de que o regional nfo se sobreporia 20 nacional. Desta forma, os dois primeiros artigos da Constituigio de 1824 sio exemplares para a formagio do Estado unitério, pois deram a feigio do Estado Imperial.28 No art. 1. “O IM- PERIO do Brazil é associaedo Politica de todos os Cidadaos Brazileiros. Elles formam uma Nacéo livre, ¢ independente, que néo admivte com qualquer outra lago algum de unio, ou federacéo, que se opponha 4 sua Independencia’. E no art. 2. “O seu tertitorio é dividido em Provincias na férma em que actualmence se acha, as quaes poderso ser subdivididas, como pedir 6 bem do Estado” > Esses artigos asseguraram TFERRAZ, Socouo, Libera bbersic. Guerre civs em Pernambuco no séeulo XIX. Recife: EDUFPE, 1996. ». 22-23. ‘ BRASIL. Presiddicis da Republica. Cass Civil Subchefia pera Assuntos Juidicos, Cant (a Politica da Iaperia da Regi de 25 de argo do 1824, Em nome da Santistima Tindade Disponivel em: ? Nesse Projeto vencedor, encontramos explicitada a presenca do Estado, pois a sociedade sentiu o exercicio do poder imperial, sustentado numa nova base legal, 2 constitui¢éo, por meio do: {..] uso legal da forga arta, de impor tata etributos os mais diversos, de aplicar alguma forma de justiga, de impor algum Spo de regulamentapio sobre as rlagSes socisis, as atividades econémicss, tanto 2s da producio quanto as de circulacéo € consumo, sobre o exercicio de dererminadas profstes, ¢ ain- a, sobre a produgio cultura, o que implicava na existncia de alguma forma de butoeraciae de registro escrito. 3° SARAIVA, Paulo Lopo. Federline regional. So Paulo: Saraiva, 1992. p. 11 ® CARVALHO, José Musil de. Esado, nacién y democraciaen ol Bra dal siglo XIX. Ta: NUN, Jos: GRIMSON, Alejandro, Convivencs 7 buen goblers, Buenos Aires Edbasa, 2006. p. 61-71 ® BERNARDES, Denis. Esado.c nardo: nots parx urn debate. Clio ~ sre Hiirice do Nor deze, Recife, n. 20, p. 73-82, 2002. (Comarss do Sto Fandc: A politea Inge na confermagio eponal t Lina Maria Brandin de Aas 1 207 A propria organizacao das unidades politico-administrativa ~ a Provincia ~ na imensidao territorial possibilitou a conscrugio de laos Politicos mais consistentes entre certas unidades em detrimento do pr prio poder central A Insurzeiggo Pernambucana de 1817 eas articulaeses cm torno da Junta Constitucionalista do Porto foram momentos que colocaram Pernambuco em oposicéo ao Rio de Janeiro, diferentemente o que acontecera com a Bahia, que se colocara em apoio & metrépole € contra as articulagées regionais existentes no Brasil35 A lnsurtei¢éo de 1817 indicava o risco em que unidade territorial se encontrava, reforgado pela perspectiva de que uma capitania poderia. agregar outras tantas, como ocorria nas articulagées regionais existentes no Brasil. As discuss6es em torno da manutencéo da unidade territorial Perpassaram ancigasideias, etomadas por D. Pedro, que desejava a edicdo de um quinto império, Mais uma ver, no 1824 pernambucano, estava em risco @ unidade nacional, 4 medida que a eclosio daquela rebeligo arrebanhava as provincias parceiras. As propostas apresentadas na Conf. derasao do Equador conseguiram o apoio de grande parte das provincias do none (Parafba, Rio Grande do Norte ¢ Ceard), obrigando o poder central © os presidentes de provincia no norte a se mobilizarem em prol da defesa da unidade nacional e em repressio 3s provincias rebeldes, A forca do unitarismo manifestou-se em todos os momentos cm que foi necesséria 2 afirmagio da monarquia e do seu poder sobre o territério do Brasil, quando a interferéncia monérquica se fia presen- seja por legislacio prépria, seja pela repressfo proveniente de uma as suas provincias, quebrando, naquele momento, 0 pressuposto da auronomia provincial ¢ da sua insercdo enquanto uma unidade politico- ‘administrativa em pé de igualdade com qualquer outra provincia. © uniterismo utilizou-se tanto da coergéo quanto da forga em momentos diferenciados. A presenca do poder armado, das articulagbes * Ver: TAVARES, Luis Hensgue Diss, © pronuncimento de fevertico de 1821, Bahia. Unie bein, Salvador p. 15-16, alo/des. 1973; MOTA, Cass Guilherme, 1822. Dimenéor 0 adincia no nordeste, Séo Paul: Pespective, 1972, Ana aria Carel det Sen Ova ‘ial Crna Fereine dr Res Organs) antes se realizava: o rei, a, aaristocracia, os comerciantes, os homens livres e os escravos” 37 A tegido disputada pelas provincias de Pernambuco ¢ da Bahia, situada dentro dos limites da Comarca do Sac Francisco, destaca-se eer tte% Tegional, como a exiardo de gado ec diversificasio das ‘tividades agricolas, muitas delas vinculadas’> dependentes do regime de chuvas na regio, bem como as selacéee comerciais estabelecidas com pe nan & Se Fanci prtmbcen, ves FERBAD. Socorro. A esenuurafundléria oe Mito Sio Francaco. Rise CLIO, Recife w 1, 16, p. 13-20, 1995; FERRAZ, Socons SepRARBOSA, Barn. Sea, tm apace enrsrne Sslamance: Unhesititia Salamance, 1 209 ganha sentidos especificos ao longo do tempo”. Encontramos nessa afirmativa um ponto nevrdlgico para entender a deciséo de vincular, em 1824, a Comarca do Sio Francisco & Bahia: a regido estava inserida no “(..] conjunto de lugares comercialmente articulados através de rotas determinadas’® As dificuldades enfrentadas pelos comerciantes e propriecirios pernambucanos ¢ baianos que se utiizavam das rotas que atravessavam ou margeavam o rio So Francisco para alcancat as Minas Gerais e chegar 20 Rio de Janeiro haviam sido estabelecidas pela metrépole, para evitar 1s descaminhos do ouro, Entretanto, a despeito do refluxo inicial, essas vvias de circulagao mantiveram-se a0 longo do perfodo, pois as ocupagées territoriais seguiram frentes distintas que, segundo Urbino Viana,“ se encontraram em Minas Gerais, acompanhando o Rio Sao Francisco, Ainda segundo Tarcisio Borelho,*' registrou-se uma preocupa- io com a legalizacéo das terras na regio. Naquele momento ocorreu também: {uJ © rompimento do poder da Casa da Ponte sobre a regi. Seus direitos de sesmeiro foram contesados diresamence pelas autoridades coloniais da captania de Minas Gerais, a0 mesma tempo em. que se consolidaram os limites entre essa capicania¢ as da Bahia e Pesnambuce. Howe, portanto, umn duplo etio: de um lado, a diminaigio do porencial conrestattio desses grandes potentados do serio e, do outro, o exgargamento dos lagos econBmicos até entio muitos estreitos da regio com 25, capitaniae de Bahia e Pernambuco. ‘A manutengdo de rotas, mesmo com a presenga de assaltantes que colocavam a regido em polvorosa, no era tinica dificuldade encon- trada no cotidiano das populagées dos sertées do Séo Francisco. Com a teansferéncia da capital do Estado do Brasil para o Rio de Janeiro, em. 1763, os circuitos comerciais foram redefinidos, mas a economia regional B BOTELHO, 2006, p. 240. © Ver: VIANA, Usbine. Bepdains« srtaninas babianos, Séo Paulo: Nacional, 1935. * BOELHO, 2006, p, 246 219 {HISTORAREGIONAL ELOCAL “Ana Maria Ceralo des Setos Ober 1 Diseases ePrseas abel Critina Freie ds Res Oreintend) manteve o abastecimento de mercadorizs introdusidas pelo porto de Salvador que percorriam milhares de quilémetros até chegar 20 interior das minas, acompanhando 0 tio Séo Francisco. Com a instalagso da Corte no Rio de Janeiro (1808) ocorren um reforgo na economia do norte de Minas ea necessidade de abastecer 2 Corte motivou um fluxo de mercadotias que levava uma quantidade diversificada de produtos 20 centro do poder. ‘Com a independéncia e 2 construcio do Estado nacional, apre- sentou-se o desafio de agregar uma diversidade de elementos sustentados. em um aparato legal, cuja centraliza¢éo do poder se constituiu no seu amdlgama. No caso da regio entre o norte de Minas, Pernambuco e Bahia, por exemplo, as especificidades regionais ea forma de articulagéo existente entre elas apontavam para a existéncia de uma estrutura de po- deres que atendiam és demandas regionais e cuja pauta de reivindicagées ‘trazia maior auconomia provincial. Quanto 4 Comarca do Sao Francisco, novamente, trés anos depois, por decreto imperial de 15 de oucubro de 1827, 0 Imperador 2 transferiu para a jurisdigao da provincia da Bahia.®? Durval Vieira de Aguiar, na obra Provincia da Bahia;® caracrerizou a regio da Comarca com base nas relag6es que estabelecia com o io, seja na sua utilizacéo como meio de comunicacéo, como lugar de retirada da subsisténcia ai- mentar da regido, seja nas atividades econémicas desenvolvidas em torno da cheia eda vazante do rio, Quando percorreu o territério da provincia da Bahia (1882), cujas anotagées resultaram na obra referida, a comarca ‘© Brce tema € polémico para a relagdes regionals ente 2 Bahia Pernambuco. O Deputado Federal por Pernambuco, Severino Cavaleanti,apresenrou Projeco de Lei Complementar n, 66511995, no qual propunha 2 anista a0 Frei Cancca outros rebeldes confaderador, como sambém a devolucio dos teri BRASIL. Comissio de Constnuiio eJustica e de Redacio, Projee de Lei Complementer 5, de 1995. Arista Frei Cancca ¢ seus companheiros da ebelio republicana« toma sem os dereos imperais de 7 de jlho de 1824 ede 15 de ourubro de 1827. Autor Dep ‘ado Severino Cavaleants Relatora: Deputada juiza Denise Frossard, Disponivel em: . Aces em: 13 nov. 2009, ‘© AGUIAR, Durval Vieis de. Provincia de Bahia, Rio de Jancio: Césedsa, 1975. ‘Comarea do Séo Francis: A pola Impesil ma conformacio regional T Line Maria Bonde de As 12 do Séo Francisco jé se encontrava sob os dominios da Bahia, mas ele a separou das outras éreas/nticleos urbanos citados no corpo da obra. ‘Mais do que uma mera reagéo 20 1824 pernambucano, o citado decreto imperial indica-nos que as autoridades e o Império acompanha- vam. a trajetiria rebelde ¢ essa medida, mais do que uma punicio, era preventiva, de forma a reduzira 4rea de ago da rebeldia, remetendo para aadministragéo da provincia de Minas Gerais uma regido importante na articulacéo politica e econdmica do amplo terzitério que compunha o Im- pério do Brasil. Sobre esca questo, Andrea Lisly Goncalves! comenta: Decisivo, porém, para 2 compreensio do alinhamento politico, ‘nem sempre coeso, das lites minciras em telagéo 20 centro de poder representado pela Corte do Rio de Jancizo, seriam a con- solidacdo dos interesses das regiGes voltadzs para a economia de abastecimento da Corte ¢, faror a ela correla, a disseminagdo da propriedade escrava ~ e, portanto, 2 sustentagio politica da insttuigso ~ em uma regigo que abrigava o maior contingente de escravos de todo o pals. A Provincia de Minas Gerais representava, naquele momento, um ponto de estabilidade politica e abastecedora dos mercados do centro-sul. Aclite politica mineira ganhou destaque nas articulagées para afirmago da ‘monarquia constitucional, mas isso ndo quer dizer que a provincia estivesse submetida a0 regime do Rio de Janeiro, pois adécada de 1930 foi de muica agitacdo politica na provincia de Minas Gerais ¢ de muitas outras.*® José Jobson Arruda analisou as conjunturas regionais nos inicios do século XIX ¢ os dados indica a importincia de Pernambuco no cendrio econémico, disputando com a Bahia 2 proeminéncia do norte na pauta de exporcagéo do Brasil.” Deste modo, a decisio do Impera- AGUIAR, 1979. © GONCALVES, Andeea Ly, Lideranisresauredores ¢ mobilzagbes populares ma forms. io do Estado Nacional braeiro: Minas Gers, 1831-1833, [nz OLIVEIRA, Ceci Hele: 22de Salles, COSTA, Wilma Peres (Orgs). De ua imperious Estudos sobre formas do Brash séclos XVII « XIX So Palos Hct, 2007. p. 180-200 p. 184. GONGALVES, 2007. “Pare économis do psiodo, ven ARRUDA, José Jobson A. O Bras no como colonial. Sio Paul: Avia, 1980. HISTORIA REGIONAL E LOCAL Ana aria Cara de Seen Olena 212 1° dicate e Pees ined Costing Bie dot Rai Organs) a s dor de passar a jurisdisio da Comarca do Séo Francisco para a Bahia Tepresentava 0 caminho para o equilibrio entre as provincias do norte, que mantiveram latente a insatisfagio com 0 Império e a Corte no Rio de Janeiro. A trajeréria de uma e outra provincia evidencia momentos de rebeldia em uma e de conservagio do stasis quo na outra. Tal situa sgio de pendulo colocava o controle do Rio de Janeiro mais préximo da Bahia, redurindo a distincia de aruacéo pacificadora, caso essa Comarca ‘se mantivesse sob a circunscri¢o de Pernambuco. A.administragao religiose naquela drea de fronteica, entre as pro- vincias de Pernambuco e Bahia, necessitava também de definiczo, visto que toda aquela drea estava submetida ao poder religioso com sede em Pernambuco, ¢ 0 poder civil na Bahia, o que causava iniimeros transtor- nos na administracio da f& catélica no norve do Brasil Além disso, os ircuitos comerciais foram afetados pelas alteracées de jurisdicéo, como registraram os comerciantes da Vila da Barra, em 13 de outubro de 1830, em uma representacio entregue & Camara de Vereadores daquela vila, reclamando sobre o pagamento de imposto indevido, visto que, com a redefinigto da jurisdigso da Comarca do Sao Francisco, o imposto que deveria ter desaparecido, permanecia, ainda que cles se encontrassem sob 0 dominio da Bahia.” Conforme registrado na historiografia pemambucana, a provincia de Pernambuco néo poderia ser penalizada pelas ages dos confederados do Equador, pois os rebeldes néo tepresentavam a provincia nem tampou- 0.0 povo em geral. Afinal, eram contestadores da ordem e néo estavam ‘ocupando cargos nos poderes ¢ pleiteavam uma nova forma de governo, em que, ai sim, a autonomia provincial se faria, de fato, dentro de um sistema, mesmo que nao o federativo, mas confederativo, a exemple dos primeiros anos da Revolugéo Americana. “ Outras andlses se fazem presents para explcar ests opsio pela Babia, entecano, até © ‘momento, eat se incluem nag disputes regionais prseates nos diseutsos politicos o que ‘mereceri novas pesquisas, 0 gic nZo pretendemos fzer neste momento, “ APEB. Maca 1257. Correspondéncia de Camars da Vila de Barr 13 de outubro de 1890. ‘Comarca do Sie Francie: A poles Imei ma confornacaerogiea| 1 Lina Marie Brando Aras 1 213 ‘As disputas regionais envolviam o sentido de pertencimentoa uma regio, queestava vinculado ao local de produgéo de riqueza ede insercdo nos quadros imperiais. Néo foi &toa.arépida formagio da nobreza brasi- Jeira, emo pouco tempo. E mais, acrescenta José Murilo de Carvalho: “(J nas provincias centrais a ideia de Brasil era mais forte que nas mais distantes, As rebelides provinciais revelaram antes identidades locais que uum sentimento nacional”. Conforme Frangois Xavier Guerra,* “[.-] as citcunscrig6es administrativas do Estado ~fiscais,jurisdicionais, miliares, de govemno politico - no somente nio coincidem entre si, senéo que séo demais variéveis no tempo”. Dai porque 0s inveresses divergentes colocavam em confi regides diferentes dentro de urn mesmo Estado, como aconceceu com o Brasil no periodo estudado. ‘Assim, para as elites regionais, era importante a sua articulacdo intraprovincial e fora dela como uma forma de forjar aliancas para o seu fortalecimento quando dos embates nas Camaras e no Senado. Além do que, a riqueza e a propriedade de terras podiam estender-se de uma provincia a outra, obrigando os grandes proprieirios 2 estrucurar redes que os protegessem em uma ¢ outta provincia e fortalecer seus poderes nessas redes. (© que néo falcaram a essas elites regionais foram espacos de exercicio de poder, visto que estavam a sua disposicio o estabelecimento dos tracados das vias de circulagao ¢ a ocupagio dos cargos piblicos. “Aguela descentralizacéo hesdada do periodo colonial™* encontrou no Estado monarquico espaco para o exercicio do seu mando, ao assumir fancées legalmente destinadas a0 Estado, Exemplo disso foi a criacéo da Guarda Nacional, em 1831, que objetivava a defesa do Estado ‘mondrquico, no momento em que as tenses avancavam em diregéo a rebelides em diferentes ponto do Império ¢ que as forcas armadas 5 CARVALHO, 2006, p. 66-67 SI XAVIER GUERRA, Frangals (die) dencidad y soberania: uma relacin comple I Reve leconeshspanicar. Made Complutense, 1995. 9.210. > S HOLANDA, Sergio Buarqu de. Hiniria de eiviieeio bras. Sio Paulo: DIFEL, 1985. “Tome Iv. 1 HISTORIA REGIONAL E LOCAL “Ana Maria Carel doe Senet Olvirs 214 1° Discus Pets abel Crtna Fria do Reis Orpniors) Durante o segundo quarcel do stclo XIX, um crscente medo inquietfo social, afinal levou lideres regionals lo proeurarem apolar-se mutuamente azavés de um governo osm fal foe qual pudese dominae les logo desebrzam goa aauele mesmo estado podeca assegurar-the autoridade local, Ty Meme sobre os individuos de sua mesma camada socal Eo] 0 aptgo & teeio néo desparers, mas o apege A apfo iu-se mura. Assim, cotre provincias ¢regides, entre 0 poder emanado do Rio de Janeiro e as autoridades provinciais fi se configurando um Esta- doras de uma identidade regional € suas repercussdes regionais € o contraponro metropolitano e imperi: Richard Graham afirmou ainda que’ O sescatimento natvisa impregnard doravane toda a toda gfiméra ds nosas relardes com Porugle feta Indevens déncis, com o Impétio, eavenenando duradouramente soecs Fhacidade de compreender a razbes dos outros, ea dos ousen de catenderem as nosses. ® GRAHAM, can mode none Br do sado XIX vies nora cand MEGS ileus ¢ Esado, Didogs, DE-UEM, Matings v 3,0, 1,2001. p. 42. $s CELO, Erald Cabral de. fede ae Nara Sio Pale SENS ag ‘GRAHAM, 2001, p. 41. (© que caracterizaria a regionslidade em Pernambuco seria a sua interiorizacao pelos sertbes, néo por opcao, mas por pressio emanada ao sul e oeste pela Bahia ¢a0 norte pelo Maranbao. Esta situacSo teve inicio ainda no periodo holandés, gracas “..] & penetracéo vigorosa do crédito, (que ittigara inclusive o setor da economia de subsisténcia, caprando nas, suas malhas aré os remotos currais do Sao Francisco”, regio dispurada no século XIX com a sua maior concorrente, a Bahia. © redimensionamento dos limites territoriais pernambucanos, € a sua drea de jurisdicio politico administrativa haviam softido outro revés, além do ocorrido em 1824, com a“[..] autonomia dada 4 comarca de Alagoas come punicéo pelo movimento de 1817”. Desta forma, a rebeldia pernambucana verminava por influenciar na sua configuragio regional, passando por traumas e perdas que se encontram tatuados nas suas identidades regionais. Conclui Evaldo Cabral de Melo™” que, no imagindrio pernambucano, 0 “[... regionalismo do Nordeste constitu ‘exaramente a resposta a fragmentagio arbitrariamente administrativa de um conjunto que hd muito tivera a intuiggo de uma unidade assentada em ratzes entranhadas”. Diante das imtimeras possibilidades disponibilizadas pela Histérla Regional, podemos acrescencars, nas relagées regionais entre Bahia ¢ Pernambuco, actescidas ainda das relagées entre Alagoas ¢ Per- sambuco, uma Histéria Regional do ressentimento, na qual a perda de territério, mesmo que ndo seja decorrente exclusivamente da rebeldia pernambucana, como quer a historiografia regional, abre uma vereda ara novos estudos regionais no ambito da Histéria Culeural, E af é outra Histéria, MELO, 2001, 9. 55. 9 MELO, 2001, p. 112 216 'HISTORIA REGIONAL ELOCAL Ane Maria Carlo dos Seas Olina & 216 1 Discs Pideas Jib! Crna Fareed Ret Orpainieas)

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