O Aconselhamento Terapeutico No Séc XX (Mod 01 Aula 02)

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TERAPEUTIGO CAPITULO 2 O ACONSELHAMENTO T} ERAPEU A PARTIR DO SECULO XX ne 21 Oaparecimento do Aconselhamento nas areas da Educacao e da Enfermagem c Na pesquisa que empreendi no sentido de verificar indicios do Aconselhamento em outras areas, além da psiquiatrica, encontrei o seu aparecimento muito li- gado aos movimentos de Orientacao Profissional e Vocacional surgidos a partir de 1900, nos Estados Unidos e na Europa. Tais movimentos deram origem a servicos nessas areas, que Comecaram a ser prestados em instituicdes proprias € nas escolas. O primeiro escritorio de Orientagao Profissional surgiu na Alemanha em 1902. Na Suica, em 1906, sob a direcao de Claparede foi fundado o primeiro Gabinete de Orientacao. Nesse mesmo ano o Instituto de Orientacao Profissio- nal foi instalado na Franca. Nos Estados Unidos 0 Bureau Vocacional comegou a funcionar em 1908. Nesse mesmo ano a Inglaterra tomou as providencias iniciais sobre a Orientacao Profissional, mas 0 primeiro grande instituto 6 foi criado em 1920. Na Espanha foram importantes as contribuicoes de Mira y Lopes, a partir de 1919, no Instituto de Orientacao Profissional de Barcelona. Na Italia as primeiras iniciativas foram devidas a Pizzoli em 1920. Em Portugal criado em 1925. Aqui no © primeiro Instituto de Orientacao Profissional foi cl ico de Orientacao Educacional surgiv Brasil, especialmente em Sao Paulo, 0 serv Nos colégios estaduais, a partir de 1946. "ede umbiam-se de ajudar, Os orientadores educacionais € profissionais Ine decidirem por um Curso que lhes fornecesse © Principalmente os jovens, a s¢ éutico to Terapeu} nselhamen 42 Acot io uma profissdo, entre as varias ja existent preparo necessam jonais, ao se dedicarem a esse seu 5 rela poe: Entel. . naqu a aram a perce’ sua PI a pe jade de anto, esses profissi 7 ecisdo por uma profissa per o quanto a decisao p' Pi 7 abrange = ropria identidade, em relacdo a qual, no inicio da ssoa ainda tem duvidas. Muitos desses otientade Iho, comes a vida da pessoa © a o, freqientememe i yentude, freq! anecessid: prestar aos orientandos uma ajuda mais ain m 'S no sentido de se re primeira metade do século XX aconteceram duas Guerras diais que provocaram um ambiente de muita inseguranca, principalmente andiais nea Mu rtir da Segunda, com a descoberta e o uso da bomba atomica pelos Estados i a, ntidade de militares e civis, homens, mulheres ¢ s, Aliado a grande qua mortos ou mutilados, passou a existir um ambiente de muita allicag ncia da idéia da possibilidade de destruicao de todo o planeta pela res, ao sentirer es, ao sent 7 Jacionarem com eles de forma terapéuticg eG ag) comegaram & Alem disso, na a pal Unido: criangas em decorrén desintegracao atomica. Esses dramaticos acontecimentos provocaram um enorme aumento de pessoas com perturbacoes individuos credenciados a atendé-las. Naqueles tempos, apenas os médicos psi- quiatras e psicanalistas estavam autorizados a exercer a psicoterapia, e por essa tazio criou-se uma situacéo de emergéncia na qual outros profissionais come- caram a prestar alguma ajuda terapéutica a esses pacientes Desse modo surgi- ram os aconselhadores terapéuticos entre os profissionais que mais se psicologicas e, consequentemente, a necessidade de relacionavam com essas pessoas, tais como os orientadores educacionais, os assistentes sociais e as enfermeiras. Estas, que nos hospitais eram, e sao ainda, as pessoas que mais lidam com os doentes, perceberam que eles necessitavam de algo além dos medicamentos prescritos pelos atarefados médicos. Os doen- tes encontravam-se feridos e enfermos nao apenas fisicamente, mas também psicologica e espiritualmente. Necessitavam de apoio, de uma presenga que Ihes desse algum alento. Muitas enfermeiras passaram a responder a essa neces- sidade, prestando aos doentes uma ajuda pessoal e terapéutica eee 1920 e mais intensamente a partir de 1940, ° cida por um enonne ce encontrava-se instaurado, com sua atuagao exe Profissionais, assim come noaug de enfermeiras, orientadores educacionals ¢ Por varios educadores e profissionais de areas alins Entretanto, + © reconhecimento desse tipo de aan c ja terapeutica nado sido reconhecido pela comunidade ajuda terapeutica Cientifica da Psicologia. O responsavel pelo Yolanda Cintrao Forghieri 43 inicio de um Movimento nesse sentido foi Carl Rogers, nos Estados Unidos, com seu livre Counseling psychology, publicado em 1942. Rogers era um educa- dor que comegara a exercer atividades como aconselhador terapéutico e queria oficializar essa atividade divulgando-a e sistematizando as primeiras orienta- ticas. Partindo da crenga na tendéncia inata do ser humano de atualizar suas propmias potencialidades de desenvolvimento e crescimento, fo- calizou o Aconselhamento nas atitudes do aconselhador no sentido de facilitar ateferida atualizagao. Posteriormente, descreveu com pormenores essas atitu- des denominando-as congrueéncia, compreensao empatica e consideracao posi- tivaincondicional, afirmando serem elas necessarias e suficientes para 0 processo terapeutico, desde que o cliente as percebesse. Suas idéias tiveram grande re- percussao em seul propnio pais € aqui no Brasil, principalmente por fornecerem coes tery as pessoas que ja estavam atuando como aconselhadoras recursos para a sua pratica, que ja nao se limitava ao seu bom senso, Além disso, incentivou 0 apa- recimento de novos aconselhadores. Aesse respeito, quando Rogers esteve em Sao Paulo, eu estava presente no momento em que alguém lhe perguntou qual teria sido o seu incentivo para ter contribuido para a criacao ou denominagao desse novo tipo de ajuda terapéu- tica, Ele simplesmente respondeu: “eu queria exercer a psicoterapia, mas como as exigéncias legais nao me permitiam, entdo inventei o Aconselhamento Psico- logico € passei a atuar como psicoterapeuta, sem que ninguém me impedisse” Algum tempo depois surgiram os cursos de Psicologia e com eles muitas pessoas estariam autorizadas a exercer a psicoterapia. O proprio Rogers deixou de chamar de Aconselhamento a sua atuacao e a sua teoria, passando a deno- mina-las Terapia Centrada no Cliente (1954) e Abordagem Centrada na Pessoa. Entretanto sua contribuicao inicial foi muito importante para que 0 Acon- selhamento Psicologico fosse reconhecido pela comunidade cientifica. Isso aconteceu em 1951, nos Estados Unidos, em uma reuniao da American Psycho- logical Association, na qual grande numero de psicologos decidiu, por con- senso, reconhecé-lo como uma atuacao terapéutica. A publicagao a esse respeito foi feita em 1955 nos seguintes termos: “o novo movimento encerra dados te6- Nicos e técnicos da psicoterapia, inclui orienta¢ao profissional e ocupa-se sobre- tudo do individuo como individuo, procurando ajuda-lo a adaptar-se com Sucesso aos varios aspectos da vida. Os aconselhadores ou orientadores, nesse Novo ponto de vista, ocupam-se de pessoas normais podendo, ainda, cuidar 44 Aconselhamento Terapéutico daquelas que apresemtam deficiencias € sao mal ajustadas, porém, de mang; 7 inica” ei diferente daquela que caracteniza a Psicologia Clinica” (Super, 1955, p ca Com essa conceituagao do Aconselhamento Psicologico, ficou muito i if. cil distingw Bordin (1955), Hi raram limita-lo a consciente, enquant (1960) considera que est péis € fungoes socials. No enti cupa com a distingao entre ambo: Aconselhamento um sentido amplo de “relacdo de ajuda” que inclui a psicote. al, nado pode ser limitada ao nivel cons. i-lo da psicoterapia Varios autores, tais como Mowrer (1953) ahn e Mac Lean (1955), Brammer e Shostrom (1960), Proc. procedimentos que focalizam apenas 0 nivel intelectual ¢ a psicoterapia adentra 0 nivel afetivo e inconsciente Perry 1 visa a dinamica da personalidade e aquele visa a pa. anto, a maioria dos aconselhadores nao se preo. s. Assim, Shertzer € Stone (1972) dao ao rapia pois, mesmo a orientacgao vocacion; uma vez que 0s niveis inconscientes refletem-se em todos 0s aspectos do ciente, nto. Watkins (1965), embora admita que ao aconselhador com- comportame! pete mais cuidar de considera que, quando um Aconselhamento combina-se com a psicoterapia, sem que seja possivel estabe- lecer uma linha divisoria entre ambos. Enfim, ha concordancias e divergéncias entre os autores a respeito das pessoas normais com dificuldades restritas e superficiais, problema se torna mais complexo e profundo, o semelhancas ou diferengas entre 0 Aconselhamento Psicologico e a Psicotera- pia. Tendo exercido essas duas atividades durante cerca de meio século, consi- dero haver diferengas entre ambos que sao as que No Aconselhamento 0 foco principal encontra-se nos aspectos saudaveis do cliente. Ha 0 pressuposto de que, por mais doente que ele esteja, sempre ade, o cliente eguem mantém alguma satde existencial. A partir da atualizacao dessa se recomega a crescer ¢ a adquirir estimulo e coragem para descobrir suas defi- ciencias ou dificuldades e entao resolvé-las, se isto for possivel. Se os seus Ir mites impedirem que tal aconteca, ao reconhecé-las e aceita-las, o cliente podera superar essas dificuldades partindo para outros objetivos ou escolhas. dentro de suas proprias possibilidades. Além disso, neste tipo de terap!4, as dificuldades, os conflitos e os problemas analisados sao aqueles que estd0 suposto de motives: © proc 0 processo terapéutico costuma ser mais curto ou bem menos prolongad? do que na psicoterapia. acontecendo na situacao presente do cliente, pois ha também o pres: que, basicamente, eles se repetem no decorrer da existéncia. Por esses ¥ Yolanda Cintrdo Forghieri_ 45 Por outro lado, na psicoterar 0 foco principal encontra-se nos aspectos ‘© pressuposto de que € preciso analisa-los para chegar as suas origens, pois sé patologicos do paciente. H assim eles poderao ser resolvidos ou superados. Somente a partir dat € que o paciente podera comecar a enfrentar seus conflitos e dificuldades que foram surgindo no decorrer de sua vida e, entdo, recomegar o seu proce: so de crescimento e amadurecimento, 2.2 O Aconselhamento no Brasil, especialmente em Sao Paulo Destaco e delimito 0 assunto ao Estado de Sao Paulo por considerar que nele surgiu e se desenvolveu o Aconselhamento Psicologico, expandindo-se poste- riormente a outros Estados bra sileiros. Embora eu nao tenha encontrado publi- cacdes a esse respeito, conto com importantes informagées por ter participado pessoalmente desses acontecimentos. No mesmo ano de 1946, quando foi criada a Orientacao Educacional em nosso pais, comecei a exercé-la no Colegio Estadual de Taubaté, uma vez que ja Possuia os titulos de bacharel ¢ licenciada em Pedagogia, entao raros e tidos como necessarios para o cargo de Orientador Educacional. Vivenciei, como outros colegas, as dificuldades para me ater apenas a orientagao dos alunos nos estudos e na escolha de uma profissao. Percebendo que eles necessitavam de algo mais profundo e abrangente, voltei ao Sedes, onde havia me formado, com © intuito de obter conhecimentos a esse respeito. Foi com Madre Cristina que vi surgir 0 Aconselhamento Psicologico na clinica por ela fundada no inicio de 1950, na entao Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras do Instituto “Sedes Sapientiae”. Nesse local, a referida reli- Bl0sa, que ja obtivera o titulo de Catedratica de Psicologia, iniciou com muita dedicacao, 0 atendimento de pessoas necessitadas de algum tipo de ajuda psi- Cologica, que nao tinham recursos para paga-la. Todas as segundas-feiras, desde cedo, dispunha-se a atender essas pessoas, cujo ntimero foi gradativamente au- mentando, a tal ponto que ela teve de prolongar seus atendimentos até o anoi- tecer. No inicio a procura era feita por integrantes da comunidade, mas com o Correr do tempo chegaram a vir pessoas de bairros distantes e até de outros €stados. O atendimento terapéutico prestado por Madre Cristina era, precisa- mente, o de um Aconselhamento Psicoldgico: rapido, constituido apenas de 46 ‘Aconselhamento Terapéutico ssdes, centrado no problema trazido pela pessoa e Nos lo. uma ou duas prios recursos para resolvé-lo ou supera Foi sob a orientagao e supervistio de Madre Cristina que passei a atuar eo ela a partir de 1953, durante cerca de seis anos, nesses atendimentos terapeug. cos. Inicialmente ficava surpresa ao ver © quanto era possivel, em carater de SUS rg, urgéncia, atender a alguem, uma unica vez, com resultados tio eficientes, maioria das pessoas que apareciam na clinica vinha de longe, trabalhava e Tio dispunha nem de tempo e nem de dinheiro para retornar. Ficavamos sabendo dos bons resultados dos atendimentos pelos bilhetes de agradecimento rascu- nihados por elas em um pedaco qualquer de papel e enviados pelos individuos que vinham a clinica por recomendacoes delas. Outras vezes mandavam um Pao feito em casa, um pano de saco enfeitado com um croché, um doce, um bolo, uma toalhinha e outros tantos presentes, feitos pelas proprias clientes, modes. tos mas de um imenso valor para nds que os recebfamos. Madre Cristina inaugurou, em 1953, um curso de Especialista em Psicolo- gia Clinica, cujos alunos ela escolheu para encaminhar alguns clientes que ti- nham possibilidade de voltar e prosseguir nos atendimentos. E foi como aluna desse curso que comecei a atuar com a supervisao dela. A partir da ocasido em que varias alunas, inclusive eu, passamos a participar dos atendimentos, surgi uma grande solidariedade entre nds e com os clientes. Esforcavamos por ajuda- los nao apenas psicologicamente, mas de muitas outras maneiras: arrumando emprego para os que precisavam trabalhar, fornecendo lanche e/ou dinheiro para a condu¢do, trazendo roupas para lhes dar ou até mesmo indo aonde mo- Tavam para prestar orientacao a sua familia. E ficavamos entusiasmadas com 05 tesultados de nossos esforcos e muito gratas a orientacdo ao mesmo tempo se- gura e afetuosa de Madre Cristina. A partir de 1960 deixei de atuar como aconselhadora na clinica de Madre Cristina, passando, entao, a prestar esse tipo de atendimento gratuito a alunas que frequentavam a disciplina Psicologia da Personalidade que eu ministrava na Faculdade de Pedagogia do Sedes, Nesse mesmo ano, com a criacdo dos cursos de Psicologia, Aconselhamento Psicologico passou a fazer parte do curriculo ¢ os ainda permanece. Ap6s a defesa de meu doutoramento em 1973, pss" a lecionar o Aconselhamento Psicoldgico nos cursos de pos-graduagao em Pst cologia da PUC-SPe da USP. ea prestar atendimento a alunos desses cursos 4 © solicitavam, sem onus para eles. Desse modo, atuei como aconselhsdo" Yolanda Cintréo Forghieri 47 psicologica nessas universidades até 1995, quando fui aposentada compulso- riamente por ter completado 70 anos de idade Voltando ao inicio do Aconselhamento em Sao Paulo, além de Madre Cristina, tive a oportunidade de conviver com outros aconselhadores psicologi- cos que também se encontram entre os primeiros, tais como Efraim Roj jas Boccalandro e Oswaldo de Barros Santos. Boccalandro introduziu 0 Aconselhamento Psicologico na PUC-SP em 1963, onde foi seu primeiro professor, tendo prolongado suas atividades como do- cente € como aconselhador, nessa instituicao, durante cerca de trinta anos. Suas idéias podem ser encontradas em seu livro A nova e a velha mitologia (2000). Barros Santos defendeu sua tese de doutoramento na USP em 1970 sobre 0 tema “Contribuicao aos métodos de Aconselhamento Psicologico e de Psico- terapia”. Nesse trabalho ele fez uma pesquisa na qual comparou sua pratica com a tecnica rogeriana, € com esta aliada a comportamental. Nesse mesmo ano ele inaugurou o Servico de Aconselhamento Psicolégico na USP, com o atendi- mento de clientes e a disciplina da qual foi o primeiro professor. Foi meu orien- tador na tese de doutoramento que elaborei sobre “Técnicas psicoterapicas e Aconselhamento Terapéutico rogeriano” (Forghieri, 1972). No mesmo ano de 1972, Barros Santos desligou-se da USP, passando a exercer 0 Aconselhamento apenas em seu consultorio. Nesse tempo a referida disciplina e os atendimentos ficaram sob responsabilidade de Rachel Rosemberg e, posteriormente, de Hen- riete T. P. Morato. Além dos iniciadores do Aconselhamento acima referidos, tomei conheci- mento de Ruth Scheeffer por meio de seus livros Aconselhamento psicologico (1964) e Teorias de aconselhamento (1976), muito divulgados em varios estados do Brasil. Ela foi a organizadora, em 1951, da Divisdo de Onientacao Profissio- nal da Fundacao Getulio Vargas do Rio de Janeiro, tendo organizado, posterior- mente, o primeiro gabinete de orientacao € aconselhamento para atendimento de universitarios da Universidade Federal dessa localidade. Em Sao Paulo, va- Nios tém sido os livros que tratam do assunto, como os de Barros Santos, Psico- logia aplicada a selegdo € onentacdo profissional (1973) & Aconselhamento € Psicoterapia (1982); 0 livro organizado por Rosemberg, Aconselhamento psicolo- gico centrado na pessoa (1987); € 0 de Mazini, Aconselhamento escolar: proposta alternauva para o atendimento ao aluno dificil (1984).

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