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Maio / Junho | 2018

Volume 93 | Número 3
ANAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA

ANAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA


Publicação Oficial da Sociedade Brasileira de Dermatologia www.anaisdedermatologia.org.br

EDUCAÇÃO MÉDICA
CONTINUADA
 Complexo esclerose tuberosa:
revisão baseada nos novos critérios
diagnósticos

6
Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas INVESTIGAÇÃO
vasculares cutâneas Melanoma hereditário: estudo
Ana Cecilia Lamadrid-Zertuche, Verónica Garza-Rodríguez, brasileiro após cinco anos de
seguimento em centro de referência
Jorge de Jesús Ocampo-Candiani
em câncer - características fenotípicas
dos probandos e patológicas dos
tumores primários

V. 93 N. 3| 315-486
-
Prevalência de queixas dermatológicas
nos pacientes em tratamento para o
câncer de mama

REVISÃO
 Síndrome PHACE: manifestações
clínicas, critérios diagnósticos e
conduta

MAIO/JUNHO 2018
6

DERMATOPATOLOGIA
Necrose adiposa do recém-nascido:
correlação dos aspectos clínicos e
histopatológicos

CASO CLÍNICO
Pápulas e placas eritematoescamosas
generalizadas: caso raro de doença
de Rosai-Dorfman acompanhada de
mieloma múltiplo
-
Dermatose bolhosa por IgA linear no
adulto: relato de três casos
315
ISSN: 0365-0596
Online ISSN: 1806-4841

Anais Brasileiros de
Dermatologia
Publicação Oficial da Sociedade Brasileiro de Dermatologia

www.anais­d e­d er­m a­t o­l o­g ia.org.br

PERIODICIDADE BIMESTRAL

EDITOR CIENTÍFICO
Sinésio Talhari
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fundação Alfredo da Matta (FUAM) e Universidade Nilton Lins - Manaus (AM), Brazil

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Bernardo Gontijo
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brazil

Everton Carlos Siviero do Vale


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brazil

Silvio Alencar Marques


Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Botucatu (SP), Brazil

EQUIPE TÉCNICA
Nazareno Nogueira de Souza
Bruno Abraão de Souza
Drielle Souza

BIBLIOTECÁRIA
Vanessa Zampier

An Bras Dermatol.| Rio de Janeiro | v.93 |n.3 | p.315-482 |Maio/Junho 2018


316

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA


Afiliada à Associação Médica Brasileira

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA

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1º Secretário:
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2º Secretária:
Sílvia Maria Schmidt | SC

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en Ciências
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• Lilacs - Literatura Latinoamericana e do Caribe • Medicina I B3
em Ciências da Saúde • Medicina II B3
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317

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 revis­ta Anais Brasileiros de Dermatologia, ISSN 0365-0596,
edi­ta­da desde 1925, é publi­ca­da bimes­tral­men­te pela Sociedade
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318

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n Thomas Ruzicka Germany
ABD
319

Anais Brasileiros de Dermatologia Volume 93 Número 3 - Maio / Junho - 2018

Sumário

Educação Médica 4 Complexo esclerose tuberosa: revisão baseada nos novos critérios diagnósticos 323
Continuada  Larissa Karine Leite Portocarrero, Klícia Novais Quental, Luciana Paula Samorano, Zilda Najjar
Prado de Oliveira, Maria Cecília da Matta Rivitti-Machado

Investigação  nálise dos pacientes diagnosticados com melanoma cutâneo primário nos
A
4 332
últimos seis anos no Hospital Erasto Gaertner: perfil epidemiológico

Tariane Friedrich Foiato, Bruno Rafael Kunz Bereza, Marcos Flávio Montenegro, Marina Riedi
Guilherme, Larissa Beatriz Volski, Juliano Camargo Rebolho

4 Melanoma hereditário: estudo brasileiro após cinco anos de seguimento em 337


centro de referência em câncer - características fenotípicas dos probandos e
patológicas dos tumores primários
 Bianca Costa Soares de Sá, Luciana Facure Moredo, Elimar Elias Gomes, Erica Sara Souza de
Araújo, João Pedreira Duprat Neto

­4  lceração aftosa recorrente: estudo epidemiológico dos fatores etiológicos,


U 342
tratamento e diagnóstico diferencial
Salomão Israel Monteiro Lourenço Queiroz, Marcus Vinícius Amarante da Silva, Ana Miryam
Costa de Medeiros, Patrícia Teixeira de Oliveira, Bruno Cesar de Vasconcelos Gurgel, Éricka Janine
Dantas da Silveira

­4  ratamento da leishmaniose cutânea com termoterapia no Brasil: estudo de
T 349
eficácia e segurança
Sheila Viana Castelo Branco Gonçalves, Carlos Henrique Nery Costa

­4 Presença de Candida spp. e candidíase em pacientes transplantados hepáticos 358


 Samantha Bertoncello dos Santos, Clarice Elvira Saggin Sabadin, Débora Nunes Mario, Lilian
Rigo, Dulce Aparecida Barbosa

­4  revalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento para o


P 364
câncer de mama
Tamara Hoffmann, Mariane Corrêa-Fissmer, Camila Soares Duarte, Rayane Felippe Nazário, Ana
Beatriz Sanches Barranco, Karen Waleska Knipoff de Oliveira

­4 
Densidade de mastócitos e intensidade do prurido em psoríase vulgar: 370
estudo transversal*
Letícia Pargendler Peres, Fabiana Bazanella Oliveira, André Cartell, Nicolle Gollo Mazzotti, Tania
Ferreira Cestari

4  elanoma: características clínicas, evolutivas e histopatológicas de uma
M 375
série de 136 casos

Juliana Polizel Ocanha-Xavier, José Cândido Caldeira Xavier-Junior, Mariângela Esther Alencar
Marques

­4
 nsaio clínico com esquema único de multidrogaterapia em pacientes por-
E 379
tadores de hanseníase - (U-MDT/CT-BR): abordagem dos efeitos adversos

Rossilene Conceição da Silva Cruz, Samira Bührer-Sékula, Gerson Oliveira Penna, Maria Elisabete
Amaral de Moraes, Heitor de Sá Gonçalves, Mariane Martins de Araújo Stefani, Maria Lúcia
Fernandes Penna, Maria Araci de Andrade Pontes, Sinésio Talhari

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):319-22.


ABD
320

Volume 93 Número 3 - Maio / Junho - 2018 Anais Brasileiros de Dermatologia

Sumário
4  azaroteno gel com fototerapia UVB de banda estreita: uma combinação
T 387
sinergística para o tratamento da psoríase
Surabhi Dayal, Rajiv Kaura, Priyadarshini Sahu, Vijay Kumar Jain

­4  esenvolvimento e validação de um questionário multidimensional para


D 394
avaliação da qualidade de vida em melasma (HRQ-Melasma)
Camila Fernandes Pollo, Luciane Donida Bartoli Miot, Silmara Meneguin, Hélio Amante Miot

Revisão 4 Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas vasculares cutâneas 400


 Ana Cecilia Lamadrid-Zertuche, Verónica Garza-Rodríguez, Jorge de Jesús Ocampo-Candiani

4 Síndrome PHACE: manifestações clínicas, critérios diagnósticos e conduta



Anita Rotter, Luciana Paula Samorano, Maria Cecília Rivitti-Machado, Zilda Najjar Prado Oliveira, 408
Bernardo Gontijo

Dermatopatologia 4  ecrose adiposa do recém-nascido: correlação dos aspectos clínicos


N 415
e histopatológicos
Guilherme Muzy, Silvia Assumpção Soutto Mayor, Rute Facchini Lellis

4  valiação do colágeno dérmico corado com picrosirius red e examinado sob


A 418
microscopia de luz polarizada
 olyana Galvão Bernardes Coelho, Maria Verônica de Souza, Lissandro Gonçalves Conceição, Marlene
P
Isabel Vargas Viloria, Sirley Adriana Ortiz Bedoya

Caso Clínico 4 Carcinoma basocelular plantar solitário 422
 Maura Simonetti Junqueira Bourroul, Ludmila Lopes Trindade, Vanessa Soares do Nascimento,
Anderson da Costa Lino Costa, Ubirajara Honorato da Silva

 infoma de células T/NK extranodal tipo nasal em associação com síndrome


L
4 425
hemofagocítica

Juliana Chaves Ruiz Guedes, Karen de Almeida Pinto Fernandes da Cunha, Jorge Ricardo da Silva
Machado, Luciana Wernersbach Pinto

 ngioqueratoma genital em mulher portadora de doença de Fabry: o papel do


A
4 429
dermatologista

Patricia Moraes Resende de Jesus, Ana Maria Martins, Nilton Di Chiacchio, Carolina Sanchez Aranda

4 Caso exuberante de metástase cutânea de câncer da mama 432


 Vítor Angelo Ferreira, Karla Spelta, Lucia Martins Diniz, Elton Almeida Lucas

 ápulas e placas eritematoescamosas generalizadas: caso raro de doença de
P
4 435
Rosai-Dorfman acompanhada de mieloma múltiplo

Anoosh Shafiee, Soheila Nasiri

4 Dermatose bolhosa por IgA linear no adulto: relato de três casos 438
 Taila Yuri Siqueira Machado, Milvia Maria Simões e Silva Enokihara, Tatiana Miyuki Iida, Adriana
Maria Porro

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):319-22.


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321

Anais Brasileiros de Dermatologia Volume 93 Número 3 - Maio / Junho - 2018

Sumário
 soríase eritrodérmica e vírus da imunodeficiência humana: associação e desafios
P
4 442
terapêuticos

Fernando Valenzuela, Javier Fernández, Margarita Sánchez, Andrea Zamudio

4 Acne unilateral após paralisia do nervo facial 445
Emilio Sudy, Francisco Urbina

 orreção cruzada e reconstrução da sensibilidade em úlceras cutâneas recidivantes
C
4 449
em paciente com mutação do gene WRN

Jiqiang He, Ding Pan, Panfeng Wu, Juyu Tang

Imagens em 4 Dermatoscopia na tinha da mão 453


Dermatologia Enzo Errichetti, Giuseppe Stinco

4 Aspectos dermatoscópicos do acantoma de células claras 455


 Daniela Gomes Cunha, Luiza Erthal de Britto Pereira Kassuga-Roisman, Luisa Kelmer Côrtes de Barros
Silveira, Fabiane Carvalho de Macedo

Qual o seu diagnóstico?4 Caso para diagnóstico. Eritrodermia com polineuropatia 457
Maira Renata Merlotto, Lucas Oliveira Cantadori, Delmo Sakabe, Hélio Amante Miot

Comunicação 4  elação entre baciloscopia e classificação operacional da hanseníase em pacientes


R 460
portadores de reações hansênicas
Marcel Alex Soares dos Santos, Larissa Mondadori Mercadante, Elisangela Samartin Pegas, Bogdana
Victoria Kadunc

 valiação da presença de alérgenos em produtos infantis vendidos no comércio


A
4 463
de uma grande cidade

Rosana Lazzarini, Mariana de Figueiredo Silva Hafner, Mayara Gomes Rangel

4  erfil epidemiológico das reações hansênicas em centro de referência de Campinas no


P 466
período de 2010-2015
Letícia Ambrosano, Marcel Alex Soares dos Santos, Elaine Cristina Faria Abrahão Machado, Elisangela
Samartin Pegas

4 Susceptibilidade medicamentosa em infecções fúngicas emergentes: testes com 469
fluconazol, itraconazol e anfotericina B
 Vanessa da Silva Fay, Diana Mara Garcia Rodrigues, Stela Maris Bottin Gonçalves, Tatiana Schaffer
Gregianini, Renan Rangel Bonamigo

Cartas Tinha do couro cabeludo: correlação das apresentações clínicas aos agentes
4  472
identificados em cultura micológica
John Verrinder Veasey, Guilherme de Souza Cabral Muzy

4 Rituximabe no tratamento do lúpus eritematoso subagudo extenso e refratário 474


Mariana Álvares Penha, Ricardo da Silva Libório, Hélio Amante Miot

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An Bras Dermatol. 2018;93(3):319-22.


ABD
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Volume 93 Número 3 - Maio / Junho - 2018 Anais Brasileiros de Dermatologia

Sumário
4  totoxicidade pela hidroxicloroquina em paciente com lúpus eritematoso
O 476
sistêmico
Mariana Rita de Novaes Fernandes, Débora Bergami Rosa Soares, Chan I Thien, Sueli Carneiro

 ritema pigmentar fixo relacionado à nimesulida: caso exuberante confirmado


E
4 477
com teste de contato

Lidiane Pereira Marques, Ana Luiza Castro Fernandes Villarinho, Maria das Graças Mota Melo,
Marília Gabriela Senra Torre

4 Tumor glômico extradigital simulando doença osteomuscular 479


Bruno de Castro e Souza, Maria Cláudia Alves Luce, José Alexandre de Souza Sittart, Neusa Yuriko
Sakai Valente

4 Hidradenoma papilífero ectópico 481


Rogerio Nabor Kondo, Isabela Peron Melhado, Cassio Rafael Moreira, Jefferson Crespigio

4 Cromoblastomicose causada por Cladosporium langeronii. Diagnóstico molecular 482


de agente previamente diagnosticado como Fonsecaea pedrosoi
Edoardo Torres-Guerrero, Roberto Arenas, Rigoberto Hernández-Castro

4 Poroceratose linear generalizada 484


Claudio Escanilla-Figueroa, Isabel Jimeno-Ortega, Héctor Fuenzalida-Wong, Francisco Chávez-Rojas

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An Bras Dermatol. 2018;93(3):319-22.


Educação Médica Continuada 323
323
s
Complexo esclerose tuberosa: revisão baseada nos novos critérios
diagnósticos*
Larissa Karine Leite Portocarrero1 Klícia Novais Quental1
Luciana Paula Samorano2 Zilda Najjar Prado de Oliveira2
Maria Cecília da Matta Rivitti-Machado2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186972

Resumo: Complexo esclerose tuberosa é uma doença multissistêmica, autossômica dominante e de penetrância completa,
que pode cursar com hamartomas em diversos órgãos, como pele, sistema nervoso central, rim e pulmão. Trata-se de uma
doença com grande variabilidade fenotípica, o que dificulta, por vezes, seu reconhecimento. Afeta um a cada 10.000 recém-
nascidos, sendo a maioria dos pacientes diagnosticada nos primeiros 15 meses de vida. Os critérios diagnósticos para esclerose
tuberosa foram revisados em 2012, na segunda Conferência Internacional para Consenso sobre Complexo Esclerose Tuberosa.
O diagnóstico é baseado em critérios genéticos, pela identificação de mutação patogênica inativadora dos genes supressores
tumorais TSC1 e TSC2, e critérios clínicos, nos quais estão incluídas manifestações cutâneas, renais, pulmonares, cardíacas e
neurológicas. O tratamento do complexo esclerose tuberosa consiste, sobretudo, na abordagem dos sintomas causados pelos
hamartomas e em medidas profiláticas para evitar a perda da função do órgão acometido. A abordagem multidisciplinar é
recomendada para obtenção de um melhor controle clínico da doença.
Palavras-chave: Diagnóstico; Esclerose tuberosa; Hamartoma; Sirolimo

INTRODUÇÃO
Complexo esclerose tuberosa (CET) é uma doença genética Os critérios diagnósticos para esclerose tuberosa foram esta-
neurocutânea multissistêmica, de herança autossômica dominante, belecidos, pela primeira vez, em 1998.3 Em 2012, na segunda Confe-
caracterizada por proliferações hamartomatosas que afetam di- rência Internacional para Consenso sobre Complexo Esclerose Tube-
versos órgãos, dentre eles, pele, sistema nervoso central, coração, rosa, em Washington, esses critérios foram revisados, com o objetivo
pulmão e rim. Também conhecida como epiloia ou facomatose de de apresentar recomendações para diagnóstico, vigilância e manejo
Pringle-Bourneville, a doença foi descrita, inicialmente, no século dos pacientes com CET.3
XIX, por Virchow e Von Recklinghausen, que identificaram hamar- A doença atinge um a cada 6.000 a 10.000 indivíduos e pode
tomas no cérebro e no coração durante necropsia de pacientes que acometer igualmente os sexos e os grupos étnicos. Apresenta grande
apresentavam crise convulsiva e retardo mental. No entanto, a cor- variabilidade fenotípica, o que dificulta, por vezes, o seu reconheci-
relação das manifestações cutâneas com outros sintomas clínicos e mento.4,5
a descrição da síndrome foram feitas por Bourneville, no início do
século XX. Anos após, Campbell, em 1905, e Vogt, três anos depois, EPIDEMIOLOGIA E ETIOPATOGENIA
estabeleceram a tríade que caracterizaria o CET, consistindo na as- CET é decorrente da deleção, rearranjo e mutação inativa-
sociação de retardo mental, epilepsia e adenoma sebáceo tipo Prin- dora dos genes supressores tumorais TSC1 ou TSC2, que levam a
gle (angiofibroma).1,2 anormalidades das proteínas hamartina e tuberina, codificadas

Recebido 06 Fevereiro 2017.


Aceito 18 Julho 2017.
* Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Pediátrica, Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Ambulatório de Dermatologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil.

2
Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Larissa Karine Leite Portocarrero
E-mail: larissakleite@hotmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):323-31.


324 Portocarrero LKL, Quental KN, Samorano LP, Oliveira ZNP, Rivitti-Machado MCM

nos locos 9p34 e 16p13, respectivamente.4,6 O papel desses genes malares, dorso nasal, sulco nasolabial, fronte e mento, com coloração
consiste na regulação do crescimento celular, por meio da via de podendo variar de normocrômicas, quando possuem mais tecido fi-
sinalização da fosfoinositídeo-3-quinase, inibindo o alvo da rapa- broso, a violácea, nas quais, predominam vasos sanguíneos.4,11Ape-
micina em mamíferos (mTOR).7 O complexo hamartina/tuberina sar de geralmente assintomáticos, os angiofibromas podem sangrar
é um importante inibidor do crescimento tumoral. Essas proteínas espontaneamente, prejudicar a visão e afetar a qualidade de vida
suprimem a atividade da via mTOR, responsável pela prolifera- devido ao comprometimento estético.12 Em alguns pacientes, essas
ção celular e inibição da apoptose celular. Nos pacientes com CET, lesões se tornam confluentes, causando desfiguração importante.13
a alteração dessas proteínas faz com que a via mTOR se encontre Os nevos conjuntivos apresentam-se como placas normo-
permanentemente ativada, levando à formação de hamartomas nos crômicas ou acastanhadas que podem estar presentes ao nascimento
diversos órgãos. As formas familiares da doença são decorrentes de ou surgir na infância e adolescência. Dentre essas lesões, denomina-
mutações germinativas e, apesar de poderem ser transmitidas de -se placa de shagreen quando se localiza na região lombossacra, com
forma hereditária, 70% dos doentes com CET resultam de mutações aspecto de casca de laranja e características histológicas semelhantes
somáticas, configurando casos esporádicos.1 Estudos demonstram aos demais colagenomas observados no tronco. A placa fibrosa cefá-
que alterações no gene TSC2 são mais comuns e levam ao acome- lica, considerada como a lesão mais específica do CET, está presen-
timento neurocutâneo mais grave, se comparado ao quadro clínico te em 25% dos casos, sendo mais comumente encontrada na fronte
do CET resultante de mutações no TSC1.5,8,9 Os casos de transmissão unilateralmente, porém pode ser vista em outros locais da face e no
familiar resultam em doença leve a moderada, por vezes não com- couro cabeludo.1,3,14
pletando os critérios diagnósticos, e apresentam maior frequência O fibroma ungueal ou tumor de Koenen são tumorações ob-
de alterações no gene TSC1. servadas mais tardiamente, geralmente a partir da segunda década
de vida, podendo aumentar de tamanho progressivamente. Apre-
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS senta predileção pelo sexo feminino, nas unhas dos pododáctilos e
A maioria dos pacientes acometidos pelo CET procura o sis- costumam deixar depressões longitudinais nas unhas quando aco-
tema de saúde devido a quadros convulsivos ou lesões dermatológi- metem a matriz ungueal.1
cas.10 O CET é uma doença de expressividade variável e penetrância Em relação à cavidade oral, as lesões mais encontradas são
completa. Ambos os sexos são acometidos em frequência seme- os defeitos puntiformes (pits) ou depressões no esmalte dentário e
lhante, mas as mulheres podem apresentar sinais mais acentuados1. os fibromas gengivais. Os pits dentários são mais comuns em pa-
As manifestações clínicas cutâneas representam os achados mais cientes com CET comparados à população geral e necessitam de
comuns no CET, apesar de existirem pacientes sem acometimento exame clínico minucioso para seu diagnóstico, podendo, muitas ve-
cutâneo. As complicações neurológicas e renais são as principais zes, não serem percebidos. Os fibromas gengivais são encontrados
causas de morbidade e mortalidade associadas à doença. em 20 a 50% dos doentes, em sua maioria na fase adulta, e podem
ser normocrômicos ou violáceos, localizando-se mais comumente
Pele e anexos cutâneos na gengiva anterior.3
As lesões de pele são detectadas em todas as idades e afe-
tam mais de 90% dos pacientes com CET.10 Manifestações renais
Dentre as manifestações cutâneas, as manchas hipocrômi- Os angiomiolipomas renais são tumores benignos, extrema-
cas estão presentes em 90% dos casos e costumam ser encontra- mente comuns no CET, acometendo 80% dos casos. Aumentam pro-
das ao nascimento, possibilitando suspeita diagnóstica em idade gressivamente a partir dos primeiros anos de vida, com crescimento
precoce. Quando as lesões cutâneas estiverem associadas a outros aparente na adolescência/início da idade adulta e parada de cresci-
achados clínicos, faz-se o diagnóstico definitivo e precoce da síndro- mento nos idosos, em cerca de 30% dos casos.15,16 São responsáveis
me.3,5,6 As lesões mais características são hipocrômicas e assumem o por uma morbimortalidade importante no CET, apesar de serem
formato de folhas, arredondadas em uma extremidade e afiladas na assintomáticos em sua maioria. Quando há manifestações clínicas
outra, e, por essa apresentação, são denominadas “ash-leaf”. O tama- decorrentes dessas tumorações, destacam-se hematúria e perda da
nho geralmente é maior que cinco milímetros. Ao longo dos anos, função renal, assim como risco de hemorragia nos tumores maiores
novas manchas podem surgir, inclusive máculas hipomelanóticas que 30mm. Além dos angiomiolipomas, os pacientes com CET apre-
arredondadas, menores, denominadas manchas em confete. Na fase sentam maior incidência de cistos renais múltiplos quando compara-
adulta, as manchas em folha tendem a se tornar mais discretas, com dos à população geral, devido à mutação nos genes TSC1 e TSC2.15,16
desenvolvimento de pigmentação, podendo, inclusive, desaparecer. Há relatos de CET associado ao carcinoma de células renais
Clinicamente, as manchas em confete e a leucodermia gutata são em crianças e adultos jovens, sendo considerado uma manifestação
difíceis de diferenciar, porém, as primeiras surgem na infância e po- rara, com incidência de cerca de 1 a 2%, o que torna desafiador o seu
dem distribuir-se de forma assimétrica no corpo.1 diagnóstico. Muitas vezes, é difícil distingui-lo dos angiomiolipo-
Os angiofibromas faciais são lesões observadas em 83 a 90% mas pobres em gordura por meio dos exames de imagem conven-
dos casos e, geralmente, surgem na primeira década de vida, em cionais. Diante de suspeita desse diagnóstico, recomenda-se biópsia
torno do terceiro ao quarto ano. Há aumento do número na ado- com análise histopatológica para evitar procedimentos cirúrgicos
lescência, tornando-se estáveis durante a idade adulta. As lesões se invasivos. Existem poucas informações na literatura sobre o seu
caracterizam como pápulas que afetam, principalmente, as regiões prognóstico e a sua resposta às terapias convencionais.17,18

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Complexo esclerose tuberosa: revisão baseada nos novos critérios diagnósticos 325

tes com CET.19


Manifestações pulmonares
A substituição do tecido alveolar por cistos e proliferação Alterações oftalmológicas
do músculo liso, denominada linfangioleiomiomatose, afeta, de for- O hamartoma retiniano pode estar presente em 30 a 50%
ma progressiva, a função pulmonar em 40% dos doentes.15 Acomete dos pacientes e tende a ser bilateral e múltiplo, tornando-se eviden-
mais o sexo feminino, principalmente na idade adulta, sendo raros te na primeira infância. Na maioria dos casos, as lesões não cau-
os casos sintomáticos em homens. Os sinais e sintomas mais comuns sam diminuição na acuidade visual. Os pacientes também podem
são tosse, dispneia, hemoptise e pneumotórax. apresentar mácula hipocrômica na retina, em correspondência às
manchas da pele.
Manifestações cardíacas
O rabdomioma é o tumor cardíaco mais frequente, com sur- Alterações hepáticas
gimento precoce nos fetos e recém-nascidos, em torno da vigésima As manifestações gastrointestinais no CET são incomuns,
à trigésima semana de gestação, sendo a localização mais comum a podendo, em raros casos, serem encontrados angiomiolipomas he-
parede dos ventrículos.8 As repercussões desses tumores variam de páticos, os quais têm predileção pelo sexo feminino.3,20
acordo com a localização e quantidade de lesões. Podem ser assin-
tomáticos, na maioria das vezes, ou cursar com cardiomegalia, so- DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO
pros, alteração do fluxo sanguíneo, arritmias, hidropsia não-imune Os critérios diagnósticos para esclerose tuberosa foram re-
e morte. Dentre os lactentes com rabdomiomas cardíacos múltiplos, visados em 2012, na segunda Conferência Internacional para Con-
80% ou mais têm CET. Essas lesões podem ser identificadas a par- senso sobre Complexo Esclerose Tuberosa, após reunião com 79
tir de 22 semanas de gestação. A maioria dos pacientes tem uma especialistas de 14 países, com o objetivo de estabelecer recomenda-
média de três lesões, de aproximadamente 3 a 25mm de tamanho, ções para diagnóstico, vigilância e manejo dos pacientes com CET.
mas lesões isoladas também têm importância diagnóstica.5 No seu Algumas mudanças foram realizadas, comparando-se com os crité-
curso clínico, essas tumorações costumam involuir completamente rios anteriores (1998),3 sendo as mais relevantes a inclusão de testes
nos primeiros anos de vida.1 genéticos, o refinamento de alguns critérios clínicos e a exclusão do
diagnóstico provável.3
Manifestações neurológicas De acordo com o novo critério genético, a identificação da
A principal manifestação neurológica do CET é epilepsia, mutação patogênica TSC1 ou TSC2 no DNA é suficiente para esta-
que ocorre em 70 a 90% dos indivíduos com a doença, sendo esse belecer o diagnóstico definitivo de CET, configurando critério diag-
o sinal que, com maior frequência, leva ao diagnóstico da síndro- nóstico independente. Os testes moleculares produzem um resul-
me. As crises convulsivas geralmente se iniciam nos primeiros três tado positivo em 75 a 90% dos pacientes com CET, porém, em uma
anos de vida, tipicamente como espasmos infantis e crises focais. fração significativa (10 a 25%), os testes genéticos convencionais
Porém, todos os tipos de crise são possíveis de serem encontrados não identificam a mutação patogênica. Um resultado normal, por-
no CET, observando-se, em dois terços dos casos, epilepsia refra- tanto, não exclui CET. No entanto, se a mutação é identificada em
tária de início focal.19Além disso, esses pacientes apresentam alto um paciente afetado, os testes genéticos tornam-se de elevado valor
risco para outros déficits neurocognitivos, como manifestações do preditivo para os demais membros da família.3 A disponibilidade
espectro do autismo, retardo mental e transtorno de humor.15 Nos crescente de testes moleculares e o advento de tecnologias sofistica-
exames de neuroimagem, podem ser encontrados os túberes corti- das permitiram que a genética se tornasse um excelente contribuinte
cais e subcorticais, além de linhas de migração da substância bran- para o diagnóstico do CET. Esse novo critério facilita o diagnóstico,
ca, sendo essas manifestações responsáveis pela displasia cortical.19 especialmente nos lactentes que ainda não preencheram os critérios
Outros achados incluem nódulos subependimários na parede dos diagnósticos com base nas manifestações clínicas. Nos países em
ventrículos laterais e terceiro ventrículo em 80% dos casos, que ge- que a análise de mutações é pouco disponível, os critérios clínicos
ralmente são assintomáticos; além dos astrocitomas subependimá- permanecem como a principal forma de se estabelecer o diagnóstico
rios de células gigantes, presentes em 5 a 15%, que, por sua vez, do complexo esclerose tuberosa.3,19
podem levar à ventriculomegalia e à hidrocefalia, resultando em Os critérios clínicos são divididos em maiores: máculas hipo-
importante morbimortalidade.1,19 Os distúrbios do espectro autista, melanóticas (≥ 3, com, pelo menos, 5mm de diâmetro), angiofibromas
dentre outros problemas comportamentais, podem ser identificados (≥ 3) ou placa fibrosa cefálica, fibroma ungueal (≥ 2), placa de sha-
em 40% a 50% dos pacientes. Esses têm uma prevalência de 75% de green, hamartomas retinianos múltiplos, displasia cortical, nódulos
comprometimento cognitivo coexistente e uma prevalência adicio- subependimais, astrocitoma de células gigantes subependimal, rab-
nal de 75% a 100% de epilepsia concomitante.5 Adicionalmente, o domioma cardíaco, linfangioleiomiomatose, angiomiolipomas (≥ 2);
termo TAND (desordens neuropsiquiátricas associadas à esclerose e menores: lesão em confete, pits no esmalte dentário (> 3), fibroma
tuberosa) foi introduzido para ilustrar todas as dificuldades biop- intraoral (≥ 2), mácula hipocrômica na retina, múltiplos cistos renais e
sicossociais observadas nos doentes com esclerose tuberosa.19 Al- hamartomas extrarrenais (Quadro 1, Figuras 1 e 2).3 A diagnose defi-
gumas delas incluem alteração no comportamento, agressividade, nitiva é definida pela presença de dois critérios maiores ou um maior
ansiedade, humor depressivo, distúrbio do sono e dificuldade no e dois ou mais critérios menores. O diagnóstico possível é feito diante
aprendizado. Alterações do neurodesenvolvimento, como déficit de de um critério maior ou dois ou mais menores.
atenção e hiperatividade, são encontradas em 30 a 40% dos pacien- Não existem sintomas específicos para diagnóstico do CET.

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No entanto, há várias apresentações clínicas que podem ocorrer no com TAND, além de avaliações psiquiátricas multidisciplinares nas
contexto do CET, as quais demandam investigação adicional. Ade- fases da infância (aos 0-3 anos); pré-escola (aos 3-6 anos); antes da
mais, se o paciente sob investigação tiver um dos pais biológicos transição para o ensino médio (aos 6-9 anos); adolescência (idade
com CET, há 50% de chance de o paciente sob avaliação ter o dis- 12-16 anos); início da idade adulta (aos 18-25 anos); e, posteriormen-
túrbio. Esse risco de 50% permanece igual quando múltiplos irmãos te, conforme indicado clinicamente.19
são afetados. Do ponto de vista do dermatologista, é indicado exame der-
A suspeita diagnóstica de CET advém da detecção pré-natal matológico completo. Deve-se obter uma história familiar de, pelo
de rabdomiomas cardíacos; identificação pós-natal de máculas hi- menos, três gerações, com testes genéticos a serem considerados nos
popigmentadas na pele; convulsões na infância, especialmente com casos em que o diagnóstico é suspeito ou para fins de aconselha-
espasmos; e comprometimento cognitivo presente ou ausente du- mento familiar. Também são indicadas avaliações odontológica e of-
rante a avaliação para autismo. O Consenso Internacional do Com- talmológica, incluindo fundoscopia, para todos os indivíduos com
plexo Esclerose Tuberosa recomenda triagem anual para paciente diagnóstico de CET em busca de hamartomas e lesões hipopigmen-
tadas da retina. Investigação complementar deve ser considerada
em crianças no momento do diagnóstico e inclui ressonância mag-
Quadro 1: Critérios clínicos para o diagnóstico do complexo
esclerose tuberosa nética de encéfalo, para avaliar tubérculos, nódulos subependimais
ou outras lesões intracranianas; eletroencefalograma, para avaliar
Critérios maiores Critérios menores
a atividade de convulsão subclínica; ecocardiograma transtorácico,
1. Máculas hipomelanóticas (≥ 3, 1. Lesão em confete
para avaliar rabdomiomas (especialmente se paciente com menos
≥ 5mm de diâmetro)
de três anos de idade) e eletrocardiograma, para avaliar defeitos
2. Angiofibromas (≥ 3) ou placa 2. Pits no esmalte dentário
de condução subjacentes. Exames de imagem, incluindo ultrasso-
fibrosa cefálica (> 3)
nografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética
3. Fibroma ungueal (≥ 2) 3. Fibroma intraoral (≥ 2)
abdominal, devem ser realizados, no momento do diagnóstico, in-
4. Placa de shagreen 4. Mácula hipocrômica na dependente da idade, para avaliar angiomiolipomas ou cistos re-
retina
nais, sendo a ressonância magnética abdominal o método preferen-
5. Hamartomas retinianos múl- 5. Múltiplos cistos renais cial, uma vez que muitos angiomiolipomas podem ser pobres em
tiplos
gordura e não serem visualizados pelos demais métodos. Teste de
6. Displasia cortical 6. Hamartomas extrarrenais função pulmonar e tomografia computadorizada torácica de alta re-
7. Nódulo subependimal solução para investigação de linfangioleiomiomatose são indicados
8. Astrocitoma de células gigan- para mulheres com idade igual ou superior a 18 anos e em homens
tes subependimal sintomáticos.21
9. Rabdomioma cardíaco
10. Linfangioleiomiomatose TRATAMENTO
11. Angiomiolipomas (≥ 2) O tratamento do CET consiste, sobretudo, na abordagem
dos sintomas provocados pelos hamartomas e em medidas profi-

A C

Figura 1: A - Placa fibrosa


cefálica; B - Angiofibro-
mas faciais; C - Fibroma
B D gengival; D - Pits dentários

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Complexo esclerose tuberosa: revisão baseada nos novos critérios diagnósticos 327

láticas para evitar a perda da função do órgão acometido. Por se ticos na tentativa de otimizar os resultados.1,13
tratar de doença sistêmica, o acompanhamento multidisciplinar é Para o tratamento dos angiofibromas faciais com compo-
mandatório, necessitando de avaliação e seguimento em conjunto nente vascular predominante, a luz intensa pulsada (LIP) mos-
com equipes da genética, neurologia, oftalmologia, pneumologia, trou-se particularmente eficaz. As lesões fibrosas ou protuberantes
nefrologia e odontologia.1 respondem melhor ao resurfacing com laser de dióxido de carbono,
Do ponto de vista dermatológico, várias opções de trata- embora esse tratamento também apresente maior risco de cicatrizes
mento destrutivos ou cirúrgicos foram desenvolvidas para reduzir o hipertróficas.22
aparecimento e remover os angiofibromas faciais, como dermoabra- Devido ao crescimento progressivo e ao caráter recidivante
são, excisão cirúrgica, eletrocauterização e laserterapia. Esses pro- dos tumores faciais, o tratamento cirúrgico pode ser postergado até
cedimentos, porém, costumam ser desconfortáveis para o paciente, após a adolescência, época em que o crescimento desses é máximo.
necessitam de repetição em intervalos periódicos para evitar recor- Fibromas ungueais, que apresentam sangramento frequente ou são
rência da lesão e, muitas vezes, de combinação de métodos terapêu- dolorosos, podem ser excisados cirurgicamente, eletrocauterizados
ou tratados com laser, porém, a recorrência não é incomum.1
Em doentes com CET, a proteína alvo da rapamicina em ma-
míferos (mTOR) é aberrantemente ativada em células fibroblastos
símile, localizadas na derme. Essas células produzem um fator de
crescimento epidérmico, a epirregulina, que estimula a proliferação
celular.13,23 Essa superprodução de células, em conjunto com a angio-
gênese, resulta no aparecimento inicial e progressão contínua dos
angiofibromas faciais ao longo do tempo.
Após a descoberta da regulação da via mTOR no desenvol-
vimento de tumores no CET, e, com o advento da terapia alvo utili-
zando inibidores mTORC1, alguns estudos promissores vêm sendo
destacados, favorecendo a possibilidade de tratar os pacientes com
CET segundo a fisiopatogenia da doença. A rapamicina é um ma-
crolídeo natural, que foi isolado do Streptomyces hygroscopicus em
1965, que se liga ao mTOR com especificidade, resultando na inibi-
A
ção da atividade mTOR e, em última instância, promovendo inibi-
ção do crescimento celular.13 Os inibidores de mTOR rapamicina (ce-
rúleos) e seu derivado everolimo têm sido estudados em pacientes
com CET desde 2006 e mostraram-se promissores no tratamento de
múltiplos tumores, incluindo angiomiolipomas renais, astrocitomas
subependimais de células gigantes e linfangioleiomiomatose, com
benefícios secundários sobre as manifestações cutâneas.24-26
Os ensaios clínicos randomizados, duplos-cegos, controla-
dos com placebo, EXIST-1 (estudo da segurança e eficácia de evero-
limo em pacientes com SEGA - Subependymalgiant Cell Astrocytoma
- associados ao CET) e EXIST-2 (estudo da segurança e eficácia de
everolimo em CET associados a angiomiolipomas renais) demons-
B traram efeitos benéficos do everolimo em ambas as manifestações
do CET.27,28 Esses estudos permitiram a aprovação do everolimo pela
European Medicines Agency (EMA) e pelo Food and Drug Administra-
tion (FDA) para o tratamento de doentes adultos com angiomioli-
poma renal associado ao CET com risco de complicações (baseado
no tamanho do tumor, na presença de aneurisma e de tumores múl-
tiplos ou bilaterais) e que não necessitam de cirurgia imediata. O
everolimo também é indicado para o tratamento de pacientes, in-
dependentemente da idade, com SEGAs, que requerem intervenção
terapêutica, mas não são passíveis de cirurgia.29 Tanto a rapamicina
como o everolimo também demonstraram reduzir a gravidade da
epilepsia em pacientes com CET.25,30 No Brasil, estas drogas foram
aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
C para doentes com CET com as seguintes indicações: everolimo para
angiomiolipomas renais sem indicação de cirurgia imediata (em pa-
Figura 2: A - Manchas hipocrômicas em folha ou “ash-leaf”; B - Placa
cientes maiores de 18 anos) e SEGA; e sirolimo para linfangioleio-
de shagreen; C - Fibroma periungueal ou tumor de Koenen

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328 Portocarrero LKL, Quental KN, Samorano LP, Oliveira ZNP, Rivitti-Machado MCM

miomatose. 31,32 associado a risco significativo de eventos adversos, incluindo risco


Quanto aos efeitos cutâneos dos inibidores de mTOR, estu- aumentado de infecções, sendo estomatite a mais frequente, acne,
do retrospectivo avaliou a resposta do sirolimo oral em 14 pacien- amenorreia e alterações laboratoriais. As considerações desses efei-
tes com linfangioleiomiomatose. As pacientes foram submetidas à tos são importantes, uma vez que o tratamento com inibidores de
documentação fotográfica seriada dos angiofibromas faciais antes, mTOR deve ser duradouro, pois a retirada do inibidor de mTOR re-
durante e depois do tratamento, associada a estudo microscópico sulta em rebote do tumor (SEGA, angiomiolipoma renal, rabdomio-
e molecular dessas lesões antes e durante o início do sirolimo. O ma cardíaco e lesões cutâneas) na grande maioria dos pacientes.35
estudo revelou que os tumores de pele não só melhoraram após o Pequena série de casos documentou benefícios utilizando
tratamento com sirolimo sistêmico, mas também mantiveram a me- preparações tópicas de rapamicina em angiofibromas faciais, levan-
lhora durante, pelo menos, 64 meses de tratamento.33 De forma se- do à redução do tamanho e do eritema e, em alguns casos, até à reso-
melhante a outros estudos que também avaliaram secundariamen- lução completa das lesões cutâneas. Porém, evidência de segurança,
te a resposta cutânea ao sirolimo sistêmico indicado para tumores em longo prazo, ainda é escassa.5 O início precoce da inibição do
renais, os angiofibromas faciais responderam mais favoravelmente mTOR pode prevenir o desenvolvimento de angiofibromas faciais,
ao tratamento do que os fibromas ungueais e as placas de shagreen. conforme sugerido por um relato de caso de uma menina gêmea
É possível, portanto, que a capacidade antiangiogênica do sirolimo monozigótica tratada com everolimo sistêmico para SEGA, a par-
seja a responsável pelo aparente benefício superior nos tumores de tir dos 4 anos de idade. Sua irmã gêmea não tratada desenvolveu
pele altamente vascularizados. Inesperadamente, neste estudo, os angiofibromas faciais aos seis anos de idade, enquanto a paciente
angiofibromas não pioraram após a cessação do tratamento. Isso vai tratada não o fez.36
de encontro à progressão dos tumores cutâneos e viscerais relatada Por fim, sabe-se que várias doenças dermatológicas cau-
em estudos anteriores depois de cessada a terapia sistêmica.33,34 sam um impacto negativo na vida dos doentes, devido aos estig-
As diretrizes atuais limitam o uso de inibidores mTORC1 mas causados pela aparência das lesões cutâneas. Isso afeta não
orais para o tratamento de lesões de pele do CET em indivíduos somente o estado emocional, mas as relações sociais e as ativida-
que não são candidatos para abordagens cirúrgicas e cujas lesões de des cotidianas dos indivíduos. Nos doentes com CET, observa-se
pele apresentam risco médico grave, como angiofibromas causando esse impacto, sendo, então, fundamental que a equipe médica que
hemorragia recorrente e extensa.5 acompanha o doente considere não apenas os sinais clínicos da
O tratamento oral com inibidores de mTOR, no entanto, está doença, mas também a morbidade psicológica e social inerentes a
essa condição.37,38q

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Neurol. 2015;78:929-38. 34. Bissler JJ, Kingswood JC. Optimal treatment of tuberous sclerosis complex
26. French JA, Lawson JA, Yapici Z, Ikeda H, Polster T, Nabbout R, et al. Adjunctive associated renal angiomyolipomata: a systematic review. Ther Adv Urol.
everolimus therapy for treatment-resistant focal-onset seizures associated with 2016;8:279-290.
tuberous sclerosis (EXIST-3): a phase 3, randomised, double-blind, placebo- 35. Switon K, Kotulska K, Janusz-Kaminska A, Zmorzynska J, Jaworski J. Tuberous
controlled study. Lancet. 2016;388:2153-63 Sclerosis Complex: From Molecular Biology to Novel Therapeutic Approaches.
27. Franz DN, Belousova E, Sparagana S, Bebin EM, Frost M, Kuperman R, et al. IUBMB Life. 2016;68:955-62.
Efficacy and safety of everolimus for subependymal giant cell astrocytomas 36. Kotulska K, Borkowska J, Jozwiak S. Possible prevention of tuberous sclerosis
associated with tuberous sclerosis complex (EXIST-1): a multicentre, randomised, complex lesions. Pediatrics. 2013;132:e239-42.
placebo-controlled phase 3 trial. Lancet. 2013;381:125-32. 37. Weber MB, Lorenzini D, Reinehr CP, Lovato B. Assessment of the quality of life of
28. Bissler JJ, Kingswood JC, Radzikowska E, Zonnenberg BA, Frost M, Belousova E, pediatric patients at a center of excellence in dermatology in southern Brazil. An
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or sporadic lymphangioleiomyomatosis (EXIST-2): a multicentre, randomised, 38. Taborda ML, Weber MB, Teixeira KAM, Lisboa AP, Welter EQ. Evaluation of the
double-blind, placebo-controlled trial. Lancet. 2013;381:817-24. quality of life and psychological distress of patients with different dermatoses in a
dermatology referral center in southern Brazil. An Bras Dermatol. 2010;85:52-6.

Larissa Karine Leite Portocarrero 0000-0003-3357-1013 Zilda Najjar Prado de Oliveira 0000-0002-8596-1999

Klícia Novais Quental 0000-0002-5920-8186 Maria Cecília da Matta Rivitti-Machado 0000-0003-2910-7330

Luciana Paula Samorano 0000-0001-7077-8553

Como citar este artigo: Portocarrero LKL, Quental KN, Samorano LP, Oliveira ZNP, Rivitti-Machado MCM. Tuberous sclerosis complex:
review based on new diagnostic criteria. An Bras Dermatol. 2018;93(3):323-31.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):323-31.


330 Portocarrero LKL, Quental KN, Samorano LP, Oliveira ZNP, Rivitti-Machado MCM

QUESTÕESs

1. O complexo esclerose tuberosa é uma genodermatose: c) A placa fibrosa cefálica está presente em mais de 80%
a)  Autossômica dominante que apresenta prolifera- dos casos, sendo mais comumente encontrada unilate-
ções hamartomatosas que afetam diversos órgãos. ralmente na fronte.
b)  Autossômica recessiva que apresenta proliferações d) O tumor de Koenen geralmente surge na adolescên-
hamartomatosas que afetam diversos órgãos. cia, com predileção para o sexo feminino e unhas dos
c)  Autossômica dominante com acometimento pre- pododáctilos.
dominante do sexo feminino, e os órgãos mais aco-
metidos são pele, sistema nervoso central, coração, 5. De acordo com as manifestações sistêmicas do CET,
pulmão e rim. pode-se afirmar que estão corretos os itens:
d)  Autossômica recessiva que apresenta malformação 1- Os angiomiolipomas aumentam progressivamente a
vascular em diversos órgãos, sendo os mais acome- partir da primeira infância e apresentam parada de
tidos pele e sistema nervoso central. crescimento nos idosos.
2- As lesões renais apresentam curso indolente, assin-
2. A tríade clássica da esclerose tuberosa se caracteriza tomático do ponto de vista clínico, sem repercussões
por: potencialmente graves na vida do doente.
a) Placas de shagreen, angiofibromas faciais e retardo 3- Nos casos dos pacientes que evoluem na idade adulta
mental. com hematúria, deve-se ter atenção, principalmente, à
b) Epilepsia, adenoma sebáceo e placas de shagreen. possibilidade de malignização dos angiomiolipomas,
c)  Angiofibromas faciais, placa fibrosa cefálica e pois esses geralmente são assintomáticos.
epilepsia. 4- A linfangioleiomiomatose acomete predominante-
d)  Retardo mental, epilepsia e adenoma sebáceo mente mulheres jovens, com as primeiras manifesta-
(angiofibroma). ções após o início da adolescência.
5- O rabdomioma é o tumor cardíaco mais comum e ten-
3. Marque a alternativa que contém a sequência correta: de ao crescimento progressivo no primeiro ano, quan-
( ) As lesões de pele são encontradas em mais de 90% do se estabiliza e sem mantém até a idade adulta.
dos casos, sendo a maioria de surgimento na terceira a) 1 - 3
década de vida. b) 2 - 4
( ) As lesões em folha costumam seguir as linhas de Blas- c) 3 - 5
chko quando encontradas no tronco, típicas do mosai- d) 1 - 4
cismo tipo 3.
( ) As manchas hipomelanóticas em confete ou leucoder- 6. Assinale a alternativa INCORRETA:
mia gotada são máculas hipocrômicas que vão surgin- a) A identificação da mutação patogênica TSC1 ou TSC2
do ao longo dos anos. no DNA não é suficiente para estabelecer o diagnósti-
( ) As manchas hipocrômicas são encontradas, muitas co definitivo de CET.
vezes, desde o nascimento, possibilitando diagnóstico b) Os testes moleculares produzem um resultado positi-
precoce da doença quando associadas a outros acha- vo em 75 a 90% dos pacientes com CET.
dos clínicos. c) Em 10 a 25% dos pacientes, os testes genéticos conven-
a) F V V F cionais não identificam a mutação patogênica TSC1 ou
b) F F F V TSC2.
c) V V F V d) A identificação da mutação patogênica do CET nos
d) F V F V testes genéticos convencionais configura um critério
diagnóstico independente.
4. S
 obre os nevos conjuntivos e os fibromas ungueais ou
tumor de Koenen, é correto afirmar:
a) Os nevos conjuntivos vistos no CET são placas nor-
mocrômicas acastanhadas que ficam restritas à região
lombrossacra.
b) Placas de shagreen possuem, muitas vezes, o aspecto
de casca de laranja e encontram-se localizada no dor-
so superior.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):323-31.


Complexo esclerose tuberosa: revisão baseada nos novos critérios diagnósticos 331

7. Sobre os critérios diagnósticos para complexo escle- 9. Do ponto de vista dermatológico, várias opções de tra-
rose tuberosa, revisados em 2012, na Segunda Confe- tamento destrutivos ou cirúrgicos são utilizadas para
rência Internacional para Consenso sobre Complexo reduzir o aparecimento e remover os angiofibromas fa-
Esclerose Tuberosa, são incluídas como manifestações ciais. É correto afirmar:
extracutâneas, EXCETO: a) Os procedimentos destrutivos costumam ser confortá-
a) Astrocitoma de células gigantes subependimal. veis para o paciente, podendo ser realizados em qual-
b) Rabdomioma cardíaco. quer idade.
c) Linfangioleiomiomatose. b) Normalmente, não é necessária repetição das sessões
d) Hamartomas pigmentados da íris. de laserterapia em intervalos periódicos, pois não cos-
tuma haver recorrência das lesões.
8. Consiste em critério clínico MAIOR para o diagnóstico c) Consistem em opções terapêuticas para angiofibromas
de CET: faciais dermoabrasão, excisão cirúrgica, eletrocauteri-
a) ≥ 5 máculas hipomelanóticas, com, pelo menos, 3mm zação e laserterapia.
de diâmetro. d) Não é necessário combinar métodos terapêuticos para
b) ≥ 3 angiofibromas faciais. otimizar os resultados, uma vez que, independente-
c) ≥ 2 fibromas intraorais. mente do tratamento instituído, todos apresentam re-
d) > 3 pits no esmalte dentário. sultados satisfatórios.

10. A suspeita diagnóstica de CET advém dos seguintes


achados, EXCETO:
a) Detecção pré-natal de rabdomiomas cardíacos.
b) Identificação pós-natal de máculas hipopigmentadas
na pele.
c) Visualização de efélides em região axilar ou inguinal.
d) Convulsões na infância, especialmente com espas-
mos.

Gabarito
Gnatostomíase: uma doença infecciosa emergente e relevante
para todos os dermatologistas. An Bras Dermatol. 2018;93(2):
172-80.

1. D 3. A 5. D 7. D 9. D
2. C 4. A 6. C 8. B 10. D

Aviso
Caros associados, para responder ao questionário de
EMC-D, por favor, acessem o site dos Anais Brasileiros
de Dermatologia. O prazo para responder é de 45 dias a
partir da publicação online no link a seguir:
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An Bras Dermatol. 2018;93(3):323-31.


332 Investigação
s
Análise dos pacientes diagnosticados com melanoma cutâneo primário
nos últimos seis anos no Hospital Erasto Gaertner: perfil epidemiológico*

Tariane Friedrich Foiato1 Bruno Rafael Kunz Bereza1


Marcos Flávio Montenegro2 Marina Riedi Guilherme3
Larissa Beatriz Volski4 Juliano Camargo Rebolho2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20185788

Resumo: Fundamentos: O melanoma é uma das doenças com maior aumento na incidência mundial nas últimas décadas. É
uma neoplasia cutânea com potencial de letalidade alta e predomina em adultos brancos. O tratamento do melanoma cutâneo
é essencialmente cirúrgico, e a busca do linfonodo sentinela pode modificar a radicalidade do tratamento.
Objetivo: Analisar o perfil epidemiológico dos pacientes com melanoma cutâneo primário, características histopatológicas e
comparar com dados da literatura.
Métodos: Trata-se de um estudo de série de casos, retrospectivo, observacional, unicêntrico, de pacientes com melanoma
cutâneo primário, submetidos a tratamento cirúrgico entre janeiro de 2008 e dezembro de 2013. Os parâmetros incluem: idade,
sexo, estádio clínico, data da cirurgia, localização do tumor, subtipo histológico, estado das margens, índice Breslow, índice
mitótico, presença de ulceração e metástase na admissão.
Resultados: Foram incluídos 321 pacientes portadores de melanoma cutâneo que foram atendidos no Hospital Erasto Gaert-
ner. A população foi de 58,9%, do sexo feminino, e 41,1%, do sexo masculino, com idade média de 52,8 ± 16,3 anos. Quanto
ao estádio clínico, 51,1%encontravam-se no estádio inicial, 24,3%, no estádio clínico II (A, B e C), 21,2%, EC III, e 3,4%, com
metástases a distância. A localização do melanoma mais frequente foi em tronco e o padrão extensivo superficial foi o subtipo
histológico mais comum. Os melanomas intermediários e espessos foram mais frequentes.
Limitações do estudo: Por tratar-se de estudo retrospectivo, algumas informações estão incompletas ou ausentes.
Conclusão: O diagnóstico e o tratamento no estádio inicial proporcionam menor morbidade e maior sobrevida dos pacientes.
Entender o comportamento biológico do tumor e conhecer a epidemiologia local norteiam estratégias de saúde.
Palavras-chave: Diagnóstico; Melanoma; Neoplasias cutâneas

INTRODUÇÃO
O melanoma é originado da transformação maligna dos aumentado consideravelmente nas últimas décadas. No Brasil, a
melanócitos, predominando em adultos brancos. Esse tipo de cân- estimativa de novos casos foi de 5.670 em 2016.2
cer pode ocorrer em qualquer parte ou órgão do corpo, porém é O alto nível de suspeição clínica para detectar a doença em
muito mais comum o acometimento cutâneo (91,2%).1 O melanoma seus estágios iniciais restringiu o aumento da mortalidade dessa
cutâneo representa 4% dos tumores de pele, apresenta letalidade doença (cerca de 85% nos estágios I e II).3,4
alta, porém sua incidência é baixa (2.960 casos novos em homens e O tratamento do melanoma primário cutâneo é essencial-
2.930 em mulheres). As maiores taxas estimadas, no Brasil, em ho- mente cirúrgico, no qual as margens são delimitadas, de forma ra-
mens e mulheres encontram-se na região Sul. Sua incidência tem dial, entre 1 a 4cm, conforme o grau de espessura da lesão.5,6 Na

Recebido 17 Março 2016.


Aceito 05 Abril 2017.
* Trabalho realizado no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba (PR), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
1
Departamento de Cirurgia Oncológica, Centro de Oncologia, Cascavel (CEONC), Cascavel (PR), Brasil.
2
Serviço de Pele e Melanoma do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba (PR), Brasil.
3
Acadêmica de Medicina, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba (PR), Brasil.
4
Acadêmica de Medicina, Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR), Curitiba (PR), Brasil.

Endereço para correspondência:


Tariane Friedrich Foiato
E-mail: tarianefoiato@msn.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.


Análise dos pacientes diagnosticados com melanoma cutâneo primário nos últimos seis anos... 333

impossibilidade de tratamento cirúrgico da lesão primária, tem-se Os parâmetros principais incluem: idade, sexo, estádio clí-
estudado o uso de outras modalidades de tratamento, como a ra- nico, data da cirurgia, localização do tumor, tipo histológico, esta-
dioterapia.7 do das margens cirúrgicas, índice de Breslow e índice mitótico. O
O linfonodo sentinela foi introduzido por Morton et al. em objetivo do estudo é correlacionar os parâmetros encontrados nos
1992 e, a partir de 1998, foi utilizado no estadiamento do melanoma. pacientes da amostra com a literatura vigente, traçar o perfil epide-
Atualmente, é recomendado para lesões com espessura maior que miológico e comparar a amostra com dados da população brasileira.
0,76mm, com índice mitótico acima de um e/ou lesões ulceradas Em nosso serviço, os pacientes provenientes da atenção bá-
ou maior e igual a 1mm e exame clínico sem evidência de linfono- sica, seja com diagnóstico de biópsia externa ou por lesão suspeita,
domegalia.8-10 são incluídos num organograma de tratamento de melanoma. Todas
Entender o comportamento biológico do tumor e conhecer as lesões suspeitas de melanoma são submetidas à biópsia excisio-
a epidemiologia local norteiam estratégias de saúde. O diagnóstico nal com margem de 1-2mm. A biópsia incisional de lesões pigmen-
precoce por meio de um alto índice de suspeição clínica altera o des- tadas é avaliada em situações de exceção. O diagnóstico patológico
fecho e os gastos com saúde pública. da biópsia orienta o tratamento definitivo. Após o diagnóstico de
O objetivo deste trabalho é analisar o perfil dos pacientes melanoma invasor, os pacientes são estadiados com ultrassono-
com diagnóstico de melanoma cutâneo primário, atendidos no Ser- grafia (USG) de abdome, raio-X de tórax, fosfatase alcalina (FA) e
viço de Pele e Melanoma do Hospital Erasto Gaertner, característi- desidrogenase-lática (DHL). Para os pacientes com risco de metás-
cas tumorais e comparar com dados da literatura. tase elevado, o estadiamento é realizado com tomografias. Demais
exames são realizados individualmente a depender de alterações
MÉTODOS clínicas. Para os pacientes sem doença metastática, com melanoma
Trata-se de um estudo de série de casos, retrospectivo, ob- cutâneo primário com espessura < 0,75mm, o tratamento consiste
servacional, unicêntrico, com base na coleta de dados de prontuá- em ampliação de margens cirúrgicas de, pelo menos, 1cm. Como se
rios de pacientes com melanoma cutâneo primário, submetidos a trata de estudo retrospectivo, no período estudado, para os melano-
tratamento cirúrgico entre janeiro de 2008 e dezembro de 2013. A mas com espessura maior ou igual a 0,75mm, procedeu-se a biópsia
série de casos compreende a experiência do Serviço de Pele e Mela- do linfonodo sentinela (BLS) e ampliação de margens cirúrgicas de,
noma do Hospital Erasto Gaertner. Inicialmente, foram analisados pelo menos, 2cm. O procedimento de ampliação de margens cirúrgi-
383 pacientes com base em procura por diagnóstico; 62 pacientes fo- cas é padronizado, a ressecção da peça é feita de forma trapezoidal,
ram excluídos por não apresentarem todos os critérios de inclusão, de forma que o tecido subcutâneo seja retirado com maior margem
restando 321 pacientes para análise no estudo (Figura 1). de segurança. O plano profundo é limitado à fáscia profunda, in-
Os pacientes incluídos no estudo eram portadores de mela- cluindo essa. O fechamento é realizado com avanço primário, reta-
noma cutâneo com diagnóstico histopatológico que foram atendi- lho ou enxerto de pele.
dos e submetidos a tratamento cirúrgico no Hospital Erasto Gaert- Para a BLS, os pacientes são submetidos à linfocintilografia
ner no período entre janeiro de 2008 e dezembro de 2013. E foram no dia anterior ao da cirurgia. Os pacientes são operados pela ma-
excluídos os pacientes com diagnóstico de melanoma cutâneo nhã, associando a técnica de marcação com azul patente. O linfono-
primário que foram tratados cirurgicamente em outra instituição, do sentinela é preparado com hematoxilina & eosina (H.E.). Para os
presença de melanoma ocular ou em mucosa. Também os pacientes pacientes com acometimento macroscópico do linfonodo sentinela,
cujas informações disponíveis nos prontuários foram insuficientes é indicado o esvaziamento da cadeia linfonodal. Nos casos de linfo-
para análise das variáveis principais. nodo sentinela sem acometimento macroscópico, é realizado estudo
com imuno-histoquímica para avaliar micrometástase, cuja presen-
ça indica esvaziamento linfonodal de rotina.
A decisão de tratamento adjuvante é realizada de acordo
com os critérios do National Comprehensive Cancer Network (NCCN).
As metástases isoladas, passíveis de tratamento cirúrgico, são ava-
liadas individualmente, sendo indicada ressecção das lesões confor-
me orienta a literatura.
Em nossa instituição, o seguimento dos pacientes com me-
Excluídos lanoma é realizado com consultas clínicas periódicas e exames de
• 62 pacientes seguimento a saber: USG de abdome total, radiografia de tórax, FA
• 383 pacientes excluídos por • 321 pacientes e DHL nos estádios mais precoces. Demais exames são solicitados
com melanoma falta de dados analisados no de acordo com os sintomas clínicos dos pacientes. O sistema de esta-
cutâneo ou perda de estudo
seguimento diamento utilizado foi o American Joint Committee on Cancer (AJCC),
Total Incluídos no 7ª edição, 2010.
estudo O Projeto de Pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Erasto Gaertner, número do
CAAE 32157214.5.0000.0098.

Figura 1: Pacientes incluídos no estudo

An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.


334 Foiato TF, Bereza BRK, Montenegro MF, Guilherme MR, Volski LB, Rebolho JC

Não foi necessária a utilização de Termo de Consentimento vo superficial (48%). Os demais tipos histológicos foram nodular
Livre e Esclarecido (TCLE), já que a análise dos dados foi puramente (35%), lentigo maligno (4,6%), acral (3,7%), in situ (3,7%) e desmo-
retrospectiva. plásico (0,6%). Outros tipos histológicos encontrados incluiram
A análise estatística foi realizada usando IBM SPSS Statistics melanocarcinoma, melanoma verrucoso e melanoma amelanótico.
v.20. Variáveis categóricas foram descritas por frequência e percen- A distribuição da frequência do tipo histológico e sua localização
tual. Para a idade, foi apresentada média ± desvio padrão. DHL e anatômica estão ilustradas no gráfico 1. A aplicação de teste esta-
FA foram descritas por mediana e quartis. Para a comparação dos tístico para inferir sobre a associação entre tipo histológico e sítio
estádios clínicos quanto ao DHL e FA, foi usado o teste não-paramé- anatômico não foi possível, pois o número de casos em algumas
trico de Kruskal-Wallis. A associação entre metástase na admissão combinações das duas variáveis é muito pequeno. A presença de
e índice mitótico foi avaliada usando-se o teste de Qui-quadrado. ulceração foi evidenciada em 32,7% dos casos. Satelitose foi encon-
Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. trada em apenas 8,1% dos melanomas.
Ao diagnóstico, a mediana de DHL foi igual a 461 com am-
RESULTADOS plitude interquartílica de 397 a 532 (média igual a 539,7), dados de
Foram analisados 383 pacientes no total, sendo que 62 DHL disponíveis em 218 pacientes. A mediana de FA foi de 74 com
preencheram os critérios de inclusão e foram retiradas da amostra. amplitude interquartílica de 61 a 92 (média igual a 83,7), dados dis-
Foram incluídos no estudo final 321 pacientes portadores de mela- poníveis em 204 pacientes. Ao comparar os estádios clínicos quanto
noma cutâneo, tratados no período entre janeiro de 2008 e dezembro ao DHL, foi encontrada diferença significativa (p = 0,009), sendo o
de 2013. estádio clínico IV significativamente diferente dos demais (p < 0,005
Quanto ao gênero , 58,9% eram do sexo feminino, e 41,1%, nas comparações dos EC dois a dois; EC I, II e III apresentaram o
do sexo masculino. A média de idade foi de 52,8 ± 16,3 anos (variou mesmo comportamento). Não foi encontrada diferença estatística
de 10 a 89 anos, mediana de 52 anos). As distribuições dos estádios entre os EC em relação à FA (p = 0,266).
clínicos iniciais e da espessura do melanoma cutâneo (Índice de
Breslow) são apresentadas na tabela 1. A distribuição por estádio clínico encontra-se na tabela 2.
A localização do melanoma primário mais frequente foi em A BLS foi necessária em 201 pacientes (62,6%). O esvazia-
tronco (42,4%), seguida da cabeça (20,1%), membros superiores e mento linfonodal da principal cadeia de drenagem foi realizado em
inferiores (16,7% e 15,5%), pé e mão (4,6% e 0,6%). 83 pacientes (25,9%). A presença de micrometástases linfonodais foi
A análise do subtipo histopatológico dos pacientes eviden- de 7%. Todas as margens cirúrgicas das ampliações foram livres de
ciou que a maioria deles apresentaram tipo histológico extensi- comprometimento neoplásico.
A presença de metástase na admissão foi observada em 11
pacientes (3,4%), os sítios acometidos foram: pulmão, fígado, siste-
ma nervoso central, adrenal, baço, pâncreas, retroperitônio e ossos.
Tabela 1: Distribuição percentual e numérica dos pacientes
O aumento de linfonodos no exame clínico inicial foi evidenciado
por estádio clínico (AJCC) e índice de Breslow. NR = não
fornecido no laudo patológico em 30 pacientes.
Quanto ao índice mitótico avaliado nas amostras, em 39,2%,
Variável n %
não havia mitose. A presença de uma mitose foi encontrada em 46
Estádio clínico
casos (14,8%), mais de uma a seis mitoses, em 75 casos (24,1%), mais
0 37 11,5
de seis mitoses, em 68 casos (21,9%). Não foi encontrada associação
IA 76 23,7 significativa entre o índice mitótico e a presença de metástase (p =
IB 51 15,9 0,965) (Tabela 3).
IIA 27 8,4
IIB 28 8,7 DISCUSSÃO
O entendimento do perfil de paciente acometido por mela-
IIC 23 7,2
noma é de suma importância para o diagnóstico precoce de melano-
IIIA 12 3,7
ma. Visto que o prognóstico piora muito nos pacientes em estádios
IIIB 24 7,5 mais avançados. Por ser assintomática no início, o diagnóstico pre-
IIIC 32 10,0 coce é extremamente difícil, com taxas de detecção pelos pacientes
IV 11 3,4 em cerca de 50% dos casos.11,12 Em nosso estudo, houve uma pro-
Índice de Breslow (mm) porção maior de mulheres diagnosticadas com melanoma (58,6%
≤ 1,0 103 32,1 mulheres contra 41,7% homens), relação de 1,4 mulher para cada
homem com melanoma, característica que difere dos encontrados
1,01 - 2,00 63 19,6
na literatura, em que a proporção é de cerca 1M:1F, com tendência a
2,01 - 4,00 44 13,7
aumento de casos no sexo masculino.2,12 Nos EUA, segundo dados
> 4,00 71 22,1 do National Cancer Institute, a incidência nos anos de 2008-2012 foi
In situ 33 10,3 de 28,2 casos/100.000 pessoas, nos homens, para 16,8 casos/100.000
NR* 7 2,2 pessoas, nas mulheres.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.


Análise dos pacientes diagnosticados com melanoma cutâneo primário nos últimos seis anos... 335

Durante o período levantado de 2008 a 2013, a idade dos inicial vertical, índices de Breslow maiores e consequentemente um
pacientes acometidos pela patologia em estudo foi homogênea, com maior risco para acometimento regional e a distância. Os tumores
média de 52,8 anos (10-89 anos) e cerca de 40% entre 50 e 69 anos. Ho- espessos foram predominantemente do tipo nodular (77%, 55/71).
mens apresentaram idade, ao diagnóstico, mais avançada do que as O subtipo lentigo maligno foi mais evidenciado em pacientes com
mulheres (médias de 55,7 ± 14,9 e 50,8 ± 17,0 anos, respectivamente). idade mais avançada. O tamanho da nossa casuística foi muito re-
O diagnóstico precoce muda o curso da história natural da levante, dos levantamentos realizados no Estado do Paraná até o
doença, pacientes em estádios inicias (IA e IB) possuem sobrevida momento, é o que apresentou o maior número. Revela uma alta taxa
em 10 anos de cerca de 90%.4 Em nosso estudo, 39,6% dos pacien- de melanomas intermediários e espessos, total de 55,4%, e finos de
tes encontravam-se nesse grupamento. No EC II (A, B e C), foram 42,4%. Na cidade de Londrina-PR, também foi encontrado cerca de
incluídos 24,3% dos pacientes, e, com estádio III, constaram 21,2% 70% dos tumores com níveis de invasão de Clark III e IV.17 Em estu-
dos pacientes estudados. Os pacientes com diagnóstico de doença dos nacionais tanto da região Sul quanto da Nordeste, foi observada
avançada, com metástases a distância, foram 3,4%. Um levantamen- maior porcentagem de melanomas finos, variando de 62 a 73%.13,18
to no Estado de Santa Catarina dos laudos anatomopatológicos ava- Os valores, ao diagnóstico, de DHL e FA se mostraram mais
liados no período de 1999 a 2004 obteve, aproximadamente, 30% elevados apenas no estádio IV.
dos pacientes com melanoma EC I e II.13 Em contrapartida, no Reino As mulheres apresentaram um maior acometimento pro-
Unido, dados do Cancer Research UK apresentaram cerca de 80% dos porcional de lesões primárias em membros inferiores, e os homens,
pacientes no momento do diagnóstico para esses mesmos estádios. maior acometimento do tronco, o que vem de encontro com as áreas
O subtipo histológico mais encontrado foi o extensivo su- expostas à radiação solar. Dados já apresentados por diversos au-
perficial, perfazendo 48%, seguido do padrão nodular e lentigo tores.14,15,19 Não houve diferença quanto à espessura tumoral entre
maligno (38% e 6%), também encontrados por vários autores.14-16 O os sexos.
subtipo nodular tem como característica um padrão de crescimento

Gráfico 1: Representação da
frequência do tipo histológico
pelos sítios anatômicos. Tipos
histológicos: ES = extensivo su-
perficial; NO = nodular; LM =
lentigo maligno; AC = acral; DE
= desmoplásico; MELANOC =
melanocarcinoma; IN SITU= in
situ; VERRUCO = verrucoso; AM
= amelanótico; NR = não relatado.
Sítios anatômicos: CA = cabeça e
pescoço; TR = tronco; MS = mem-
bro superior; MI = membro infe-
rior; MA = mão; PE = pé

Tabela 2: Valores de DHL e FA ao diagnóstico. Mediana Tabela 3: Metástase na admissão e índice mitótico
(1º quartil - 3º quartil) Índice Sem metástase Com metástase
EC DHL FA mitótico n % n %
0 456 (395 - 512) 69 (61 - 78) 0 119 39,1% 3 42,9%
I 463 (393 - 541) 72 (61 - 93) 1 45 14,8% 1 14,3%
II 451 (392 - 517) 72 (60 - 92) 2a6 73 24,0% 2 28,6%
III 461 (406 - 532) 75 (61 - 88) >6 67 22,0% 1 14,3%
IV 666 (523 - 843) 92 (71 - 94)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.


336 Foiato TF, Bereza BRK, Montenegro MF, Guilherme MR, Volski LB, Rebolho JC

A BLS foi necessária em 201 pacientes (62,6%), quando po- tempo foi, em média, de 104 dias, o que pode ser justificado pelo
sitiva, foi indicado o esvaziamento linfonodal da cadeia acometida. fato que, nos primeiros anos do estudo, o fluxograma de atendimen-
Há evidência que essa conduta demonstra aumento de sobrevida to e prioridade estava em fase de implementação.
global.20,21 Os pacientes analisados neste artigo permanecem em segui-
O aumento de linfonodos no exame clínico inicial foi evi- mento nessa instituição e serão avaliados quanto ao desfecho onco-
denciado em 30 pacientes (9,3%), sendo realizado PAAF ou já indi- lógico do tratamento instituído.
cado esvaziamento na dependência das características tumorais. A
correlação entre tumores espessos e presença de linfonodos aumen- CONCLUSÃO
tados no exame físico inicial mostra-se diretamente envolvida, 80% O diagnóstico e o tratamento do melanoma no estádio inicial
desses possuíam Breslow > 2mm. proporcionam menor morbidade, maior sobrevida dos pacientes,
Metástase a distância na admissão foi encontrada em 11 pa- visto que o controle da doença com outras terapias não cirúrgicas
cientes, 3,4% da amostra, sendo que 57% apresentavam índice de é precário. O aumento do número de profissionais especializados,
Breslow > 4mm. campanhas de prevenção e proteção solar tendem a proporcionar
O tempo entre o diagnóstico da doença e o tratamento é fa- melhores taxas de detecção precoce da patologia. Este estudo mos-
tor impactante para o prognóstico da doença. No nosso serviço, esse trou uma análise da população atendida em nosso hospital que é
referência no tratamento de melanoma. q

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Tariane Friedrich Foiato 0000-0003-0854-817X Marina Riedi Guilherme 0000-0003-4765-2180

Bruno Rafael Kunz Bereza 0000-0001-7738-9219 Larissa Beatriz Volski 0000-0002-2740-1563

Marcos Flávio Montenegro 0000-0001-6518-9332 Juliano Camargo Rebolho 0000-0002-9603-5309

Como citar este artigo: Foiato TF, Bereza BRK, Montenegro MF, Guilherme MR, Volski LB, Rebolho JC. Analysis of patients diagnosed with
primary cutaneous melanoma in the last six years in the Hospital Erasto Gaertner: epidemiologic profile. An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):332-6.


337 Investigação
Soares de Sá BC, Moredo LF, Gomes EE, de Araújo ESS, Duprat JP 337
s
Melanoma hereditário: estudo brasileiro após cinco anos de seguimento
em centro de referência em câncer - características fenotípicas dos
probandos e patológicas dos tumores primários*
Bianca Costa Soares de Sá1 Luciana Facure Moredo1
Elimar Elias Gomes
1
Erica Sara Souza de Araújo1
João Pedreira Duprat1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186201

Resumo: Fundamentos: Aproximadamente, 5 a 10% de todos os melanomas ocorrem em famílias com predisposição hereditá-
ria. O principal gene de susceptibilidade para o melanoma, descrito até o momento, é o CDKN2A.
Objetivos: Descrever as características clínicas e patológicas dos pacientes com melanoma (probandos) de famílias de alto risco,
após cinco anos de seguimento.
Métodos: Foram incluídos pacientes com diagnóstico de melanoma e pelo menos um parente de primeiro ou segundo grau
com melanoma ou câncer de pâncreas e pacientes com múltiplos melanomas primários (dois ou mais).
Resultados: Foram estudados 124 probandos, sendo 64 casos com familiares acometidos e 60 com múltiplos tumores primá-
rios, sem acometimento familiar. A média de idade ao diagnóstico foi de 50 anos. Foi encontrada alta prevalência das seguintes
características: pacientes com fotótipo I ou II (89,5%), história de queimadura solar na infância (85,5%), contagem total de
nevos acima de 50 (56,5%), melanomas finos ≤ 1,0mm (70,2%), localização da lesão primária no tronco (53,2%) e tumores do
tipo extensivo superficial (70,2%).
Limitações do estudo: A análise dos familiares será demonstrada em publicação futura.
Conclusões: Nossos achados estão de acordo com a literatura descrita em melanoma familial. Uma vez que os pacientes foram
acompanhados em programa de vigilância adequado, foi possível o diagnóstico de 15 novos melanomas em 11 probandos,
sendo todos tumores iniciais e com altas taxas de cura. Este é o maior banco de dados brasileiro de famílias de alto risco para
melanoma, descrito até então, e abre caminho para vários estudos nessa área.
Palavras-chave: Fatores de risco; Fenótipo; Melanoma; Padrões de herança; Síndromes neoplásicas hereditárias; Vigilância

INTRODUÇÃO
A etiologia do melanoma cutâneo (MC) está relacionada a Aproximadamente 5 a 10% dos melanomas ocorrem em fa-
fatores de risco ambientais, genéticos e fenotípicos. A radiação ul- mílias com predisposição genética. A síndrome do melanoma fami-
travioleta (RUV) é o principal fator ambiental envolvido e seu efeito lial (SMF) pode ser definida pela presença de dois ou mais casos de
na gênese do melanoma está relacionado às características de pig- melanoma na família, em parentes de primeiro ou segundo graus
mentação do indivíduo, como pele clara, fotossensibilidade, cabelos (na mesma ramificação); ou dois ou mais casos de melanoma no
claros ou ruivos, olhos azuis e presença de efélides. Outro fator de mesmo indivíduo (melanoma múltiplo primário). Em regiões onde
risco constitucional é a presença de múltiplos nevos e nevos atípi- a incidência do melanoma é caracterizada como moderada ou alta,
cos. Contudo, histórias pessoal e familiar de melanoma constituem deve-se considerar famílias ou indivíduos com três ou mais mela-
os fatores de risco mais importantes a serem considerados para a nomas no diagnóstico da SMF.5-8 O principal gene de predisposição
seleção e seguimento de indivíduos e famílias de alto risco.1-4 ao melanoma descrito até o momento é o CDKN2A (cyclin-dependent

Recebido em 27 Junho 2016.


Aceito em 16 Março 2017.
* Trabalho realizado no Núcleo de Câncer de Pele, AC Camargo Cancer Center, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Núcleo de Câncer de Pele do AC Camargo Cancer Center, São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Bianca Costa Soares de Sá
E-mail: bianca.sa@terra.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

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338 Soares de Sá BC, Moredo LF, Gomes EE, de Araújo ESS, Duprat JP

kinase inhibitor 2A), que codifica duas proteínas distintas atrav dos pâncreas e tumor de sistema nervoso central; 5- História oncológica
exons 1α e 1β, sendo elas p16INK4a e p14ARF, respectivamente. (outros cânceres não-melanoma) dos probandos ou casos-índice.
Ambas atuam como supressoras tumorais inibindo a progressão do Ao longo de todo o programa de acompanhamento no Am-
ciclo celular por meio de diferentes vias, estando p16INK4a relacio- bulatório de Melanoma Familial, probandos e seus familiares foram
nada à via da proteína do retinoblastoma (pRb), e p14ARF, à via de submetidos a rastreamento que inclui exame minucioso da pele a
p53.9 cada seis meses (probandos e parentes com melanoma) ou doze
Mutações no gene CDKN2A foram descritas em mais de meses (parentes sem história de melanoma), mapeamento corporal
10% das famílias com dois casos de melanoma e em 30 a 40% das total, seguimento de lesões melanocíticas por dermatoscopia digital
famílias com três ou mais casos.10,11 e revisão de heredograma anualmente, para atualização dos casos
Famílias europeias e norte-americanas com mutação detec- oncológicos. Além do seguimento clínico dos melanomas diagnosti-
tada nesse gene mostraram aumento no risco de desenvolvimento cados, de acordo com o estadiamento de cada paciente.
de carcinoma de pâncreas.12 Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
A SMF pode ter relação também com outros tipos de câncer, do AC Camargo Cancer Center, sob a inscrição 2076/15.
entre eles, tumor de sistema nervoso central, melanoma ocular, car-
cinoma de pulmão e mama.12-15 Análise estatística
Desde junho de 2010, atendemos famílias de alto risco para Foi realizada análise descritiva contemplando porcentagem
o desenvolvimento de melanoma cutâneo em ambulatório especí- para variáveis categóricas, e, média, mínimo, máximo e desvio pa-
fico denominado Ambulatório de Melanoma Familial. O objetivo drão (DP) para variáveis contínuas.
deste estudo é descrever características clínicas e patológicas dos Teste exato de Fisher e Qui-quadrado foram usados para
indivíduos portadores de melanoma, inseridos nas famílias de alto avaliar as diferenças de frequência para características fenotípicas
risco, denominados casos-índice, após cinco anos do início dos tra- e exposição a RUV entre probandos com SNA e sem SNA e entre
balhos desse ambulatório específico. MM x MF.
Diferenças relacionadas à idade ao diagnóstico entre os gru-
MÉTODOS pos foram testadas utilizando o teste de Mann-Whitney. Todos os
Os pacientes foram encaminhados ao Ambulatório de Mela- testes foram bicaudais, e a significância estatística foi considerada
noma Familial a partir do Núcleo de Câncer de Pele do AC Camargo com P < 0,05.
Cancer Center, São Paulo, Brasil, de acordo com os seguintes crité- As análises foram feitas usando o programa GraphPad
rios de inclusão: 1- Indivíduos com diagnóstico de melanoma e, ao PRISM (GraphPad Software Inc, La Jolla, Califórnia, USA).
menos, um parente de primeiro ou segundo grau com melanoma
ou câncer de pâncreas – grupo melanoma familial (MF); 2- Indiví- RESULTADOS
duos portadores de melanoma múltiplo primário (≥ 2 melanomas) Em cinco anos (2010 a 2015), de todos os pacientes enca-
– grupo melanoma múltiplo (MM; 3- Apresentação de documento minhados ao Ambulatório de Melanoma Familial, 124 probandos
comprovando o diagnóstico dos tumores, tanto dos casos-índice preencheram os critérios de inclusão, 63 homens e 61 mulheres. A
quanto dos familiares (laudo anatomopatológico, relatório médico média da idade ao diagnóstico foi de 50 anos (DP 13; variação 15-
ou atestado de óbito). 85). Nove pacientes foram diagnosticados aos 30 anos de idade ou
Questionário foi preenchido pelos médicos assistentes ou menos, e a maior parte dos casos ocorreu na 5ª década de vida (29%).
pela enfermeira de pesquisa do ambulatório (BCSS, EEG ou LFM), Cinquenta e um pacientes tiveram apenas um melanoma
incluindo as seguintes variáveis: 1- Características demográficas e (41,1%), 55 apresentaram dois melanomas (44,4%), e 18, três ou mais
de fenótipo - gênero, idade ao diagnóstico, cor dos olhos e dos ca- melanomas (14,5%). Observou-se melanoma múltiplo primário sem
belos, fotótipo de acordo com a classificação de Fitzpatrick (I- IV), história familiar de melanoma em 60 probandos (48,4%) – MM. Dos
número total de nevos, presença de nevos clinicamente atípicos ( 64 probandos com história familiar (MF), 13 (20,3%) tinham também
diâmetro ≥ 5mm e, no caso de lesão papulosa, o nevo deveria conter melanoma múltiplo primário.
também componente maculoso; e, ao menos, duas das três caracte- A maioria dos pacientes foi classificada como fototipo I e
rísticas a seguir: múltiplas cores, assimetria e bordas mal definidas), II (89,5%) e apresentavam cabelos e olhos escuros (50,8% e 52,4%,
síndrome do nevo típico (SNA) de acordo com o sistema de pontua- respectivamente). Queimadura solar na infância foi relatada em
ção dos critérios de Newton et al. (pontuação ≥ 3)16,17. , densidade de 85,5% dos casos e 64,5% apresentavam alta densidade de efélides
efélides no antebraço e tronco superior/ombros (gradação variando nos ombros. Em relação ao número total de nevos, 56,5% tinham
de 0 a 100 em intervalos de 20, em que 0 = sem efélides, 20/40 = contagem ≥ 50 e 28,2% preenchiam critérios para SNA. Os dados
baixa densidade e 60/80/100 = alta densidade18) , pigmentação na fenotípicos completos dos 124 probandos estão apresentados na
íris; 2- História de queimadura solar na infância/adolescência e tabela 1. Dentre os 124 casos avaliados, 58 tinham história de mela-
idade adulta ou ambos; 3- Características específicas dos melano- noma na família (84,5% em parentes de 1º grau e 15,5% de 2º grau)
mas – data da cirurgia, local anatômico (cabeça e pescoço, tronco, e seis apresentavam apenas história familiar de câncer de pâncreas
membros superiores e membros inferiores), subtipo histológico (cinco em parentes de 1º grau e um de 2º grau). Dois pacientes (dos
(extensivo superficial, nodular, lentigo maligno, acral lentiginoso) e 58 descritos acima) tinham tanto história de melanoma quanto de
espessura de Breslow; 4- História familiar de melanoma, câncer de câncer de pâncreas.

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Melanoma hereditário: estudo brasileiro após cinco anos de seguimento em centro de referência em câncer.... 339

Tabela 1: Características fenotípicas dos 124 probandos Tabela 2: Características patológicas dos melanomas
Variáveis N (%) Variáveis Número (%)
Fotótipo I/II 111 (89,5) Espessura de Breslow
III/IV 13 (10,5) ≤ 1,0mm 87 70.2
Cor dos olhos azul 23 (18,6) > 1,0mm 24 19.3
verde 38 (30,6) sem informação 13 10.5
castanho/preto 63 (50,8)
Sítio anatômico
Cor dos cabelos ruivo 13 (10,5)
cabeça/pescoço 8 6.5
loiro 46 (37,1)
tronco 66 53.2
castanho 65 (52,4)
membros superiores 18 14.5
Queimadura solar infância 106 (85,5)
membros inferiores 30 24.2
adulto 61 (49,2)
sem informação 2 1.6
ambos 53 (45,7)
efélides – Braços Ø 29 (23,4) Tipo histológico
baixa 67 (54,0) ES 87 70.2
alta 25 (20,2) MN 4 3.2
sem informação 3 (2,4) LMM 3 2.4
efélides - Ombros Ø 7 (5,7) Acral 2 1.6
baixa 34 (27,4) Outros 2 1.6
alta 80 (64,5) Não classificável/ desconhecido 26 21.0
sem informação 3 (2,4) Fonte: ES: extensivo superficial.
Bronzeamento artificial sim 20 (16,1) MN: melanoma nodular.
LMM: lentigo maligno melanoma.
não 102 (82,3)
sem informação 2 (1,6)
Nevo atípico sim 56 (45,2)
total de 15 melanomas foi diagnosticado durante as consultas de
não 64 (51,6)
seguimento em 11 pacientes, todos melanomas iniciais (7 in situ e
sem informação 4 (3,2) 8 < 1,0mm).
Contagem total de nevos Ø 2 (1,6) Evidenciamos apenas um caso de história de tumor de sis-
0-49 49 (39,5) tema nervoso central na família. Trinta e sete probandos apresenta-
≥ 50 70 (56,5) ram outros cânceres primários: 24 casos de carcinoma basocelular,
sem informação 3 (2,4) oito casos de carcinoma espinocelular, dois de câncer de mama, dois
de câncer de próstata e três casos de câncer de tireoide. E, ainda, cin-
SNA sim 35 (28,2)
co pacientes tiveram dois tipos diferentes de câncer primário além
não 86 (69,4)
do melanoma.
sem informação 3 (2,4) Quando comparados os pacientes com e sem SNA e, tam-
Pigmentação na íris sim 20 (16,1) bém os subgrupos MF versus MM, não foi encontrada diferença es-
não 100 (80,7) tatisticamente significativa em relação ao fenótipo, às características
sem informação 4 (3,2) patológicas dos melanomas ou à idade ao diagnóstico. Também não
houve associação entre SNA e os subgrupos estudados (MF x MM).

DISCUSSÃO
Foram evidenciados 50 probandos (86,2%) com apenas um Este estudo apresenta dados provenientes de um centro
familiar afetado por melanoma, seis (10,3%) com dois familiares e de referência brasileiro para o tratamento de câncer a partir de um
dois (3,5%) com três membros da família acometidos pela doença. programa que tem como objetivo identificar famílias de alto risco e
Quanto aos dados clínicos e patológicos dos melanomas, promover prevenção e diagnóstico precoce através de seguimento
a média da espessura de Breslow foi de 0,62mm (variação de e exame minucioso da pele dos chamados casos-índice (probandos)
0-6,4mm), sendo que a maior parte dos casos (70,2%) eram melano- e seus familiares. Neste primeiro estudo, descrevemos as caracte-
mas finos (≤ 1,0mm). O local anatômico mais frequente foi o tronco rísticas fenotípicas dos probandos e características patológicas dos
(53,2%), seguido por membros inferiores (24,2%). O subtipo histo- seus melanomas.
lógico predominante foi o extensivo superficial (70,2%). As caracte- O aparecimento da doença em idade jovem é um impor-
rísticas patológicas dos melanomas estão descritas na tabela 2. Um tante aspecto a ser considerado no contexto de câncer hereditário.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):337-41.


340 Soares de Sá BC, Moredo LF, Gomes EE, de Araújo ESS, Duprat JP

Neste estudo, a média da idade ao diagnóstico foi de 50 anos, apro- Uma vez que todos os probandos foram alocados em pro-
ximadamente dez anos mais cedo em relação à população geral, grama de rastreamento e vigilância, conseguimos diagnosticar 15
embora apenas 7,3% dos pacientes tenham sido diagnosticados com novos melanomas em 11 pacientes, todos com espessura < 1,0mm.
30 anos ou menos.19,20 Não foram observadas diferenças na idade ao O diagnóstico realizado nessa fase possibilitou a exérese da lesão
diagnóstico quando comparamos os grupos com e sem SNA, tam- em estágio inicial da doença, melhorando o prognóstico desses pa-
pouco entre os subgrupos MF e MM. cientes.
A grande maioria dos pacientes (85,5%) relatou ocorrência
de queimadura solar na infância, como descrito em estudos prévios CONCLUSÕES
em melanoma hereditário.20,21 Nossos achados confirmam relatos prévios que mostraram
A maior parte dos probandos apresentou contagem total de predominância de certas características fenotípicas e características
nevos ≥ 50 (45,2%), alta densidade de efélides na região dos ombros patológicas do tumor primário em pacientes que preenchem critério
(64,5%) e tronco como o local anatômico mais frequente do tumor pri- para SMF, tais como história de queimadura solar na infância, ida-
mário (53,2%). Como descrito recentemente em melanoma familial, de jovem ao diagnóstico, maior número de nevos, maior frequência
esses resultados sugerem que a “via dos nevos” (nevus pathway) pode- do subtipo histológico extensivo superficial e baixa frequência de
ria ser responsável pela patogênese do melanoma nesses pacientes e melanomas lentiginosos, além da predominância de melanomas em
estaria também associada às mutações somáticas em BRAF.22-24 tronco.
Muitos melanomas foram caracterizados como “não classifi- Esta é a maior compilação de dados de SMF do Brasil, que
cáveis” em relação ao tipo histológico ou a classificação não foi encon- gerou um completo banco de dados, possibilitando a realização de
trada no prontuário do paciente (21%). Mesmo assim, o tipo histoló- diversos estudos genéticos futuros.
gico mais frequente foi o extensivo superficial (70,2%) com proporção Atualmente, o Ambulatório de Melanoma Familial do Nú-
baixa de melanoma acral (1,6%) e melanoma lentigo maligno (2,4%), cleo de Câncer de Pele do AC Camargo Cancer Center permanece
como descrito em outros estudos de melanoma hereditário.22,25,26 ativo e mantém o seguimento desses e de novos pacientes, contando
Foram observados muitos casos de melanoma < 1,0mm com mais de 300 famílias. q
(70,2%), como relatado em estudos com famílias de alto risco para o
desenvolvimento do melanoma.21,22

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mutation in CDKN2A. J Am Acad Dermatol. 2011;65:281-8.

Bianca Costa Soares de Sá 0000-0001-6572-3283 Erica Sara Souza de Araújo 0000-0002-4464-7493

Luciana Facure Moredo 0000-0003-3589-7041 João Pedreira Duprat Neto 0000-0001-8968-4506

Elimar Elias Gomes 0000-0003-2637-7749

Como citar este artigo: Soares de Sá BC, Moredo LF, Gomes EE, de Araújo ESS, Duprat JP. Hereditary melanoma: a five-year study of Brazilian
patients in a cancer referral center - phenotypic characteristics of probands and pathological features of primary tumors. An Bras Dermtatol.
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342
342 Soares de Sá BC,
Particular characteristics Moredo
of atopic LF, Gomes
eczema in tropical
Investigação
EE, deenvironments.
Araújo ESS, Duprat JP Environment...
The Tropical 342
s
Ulceração aftosa recorrente: estudo epidemiológico dos fatores
etiológicos, tratamento e diagnóstico diferencial*

Salomão Israel Monteiro Lourenço Queiroz1 Marcus Vinícius Amarante da Silva2


Ana Miryam Costa de Medeiros1 Patrícia Teixeira de Oliveira1
Bruno Cesar de Vasconcelos Gurgel1 Éricka Janine Dantas da Silveira1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186228

Resumo: Fundamento: Ulcerações aftosas recorrentes são lesões ulceradas benignas comuns na boca, cuja etiologia é pouco
compreendida, com tratamento controverso e de difícil controle clínico.
Objetivo: Avaliação dos casos de ulcerações aftosas recorrentes com foco no tratamento, diagnóstico e etiologia.
Métodos: Estudo retrospectivo dos casos do serviço de Diagnóstico Oral da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
em Natal/RN. Foram coletadas informações como sexo, idade, raça, localização, hábitos de tabagismo, tipos de tratamento,
episódios de recidiva, resultados de exames laboratoriais e características clínicas. As associações entre as variáveis foram
analisadas utilizando o teste do Qui-quadrado de Pearson (p < 0,05).
Resultados: Foram atendidos 4.895 pacientes no serviço em um período de 11 anos. Desses, 161 (3,3%) exibiram queixa de ulce-
rações aftosas orais, sendo 76 pacientes (47,2%) diagnosticados como portadores de ulcerações aftosas recorrentes e 68 (42,2%)
com as informações clínicas necessárias para avaliação. A língua foi a região anatômica mais acometida, com 27 indivíduos
(39,7%), seguida pela mucosa jugal, com 22 casos (32,3%).
Limitação do estudo: Estudo retrospectivo com dados registrados em prontuários.
Conclusão: Os cirurgiões-dentistas, dermatologistas e otorrinolaringologistas são os principais responsáveis pelo primeiro
contato com os portadores dessa doença e devem estar atentos aos aspectos clínicos e tratar cada paciente de forma individua-
lizada, já que a terapêutica é paliativa, o seu diagnóstico é por exclusão, e sua etiologia é desconhecida.
Palavras-chave: Diagnóstico; Estomatite aftosa; Mucosa bucal; Terapêutica

INTRODUÇÃO
O termo “aftosa” é decorrente da palavra grega “afta” de 10-14 dias.1,3 A quantidade de ulcerações também é importante
cujo significado é úlcera. As aftas ou ulcerações aftosas recorrentes e, nas UAR menores, variam geralmente de 1-5, normalmente não
(UAR) ou estomatites aftosas recorrentes são lesões ulceradas benig- causando cicatrizes.1-4
nas comuns na boca, cuja etiologia é incerta, o tratamento ainda é A forma maior é menos comum que as menores, represen-
controverso, e o diagnóstico diferencial requer atenção e experiência tando cerca 7,0-20,0% dos casos, possui mais de 1cm de diâmetro,
clínica.1,2 mais profundas e podem estar associadas à disfagia e durar meses,
Clinicamente, as UAR são divididas em três formas: menor, deixando cicatrizes. A disfagia está associada à localização da lesão,
maior e herpetiforme. Apresentação clínica mais comum, a forma sendo mais frequente na mucosa interna do lábio, língua e palato
menor é responsável por 70,0-85,0% de todas as UAR, caracterizan- mole.2,3
do-se por lesões circulares, alongadas ou ovoides, com base crateri- A forma herpetiforme é rara e se apresenta como grupos de
forme, com menos de 1cm de diâmetro, recobertas por pseudomem- úlceras puntiformes em 5,0-10,0% das UAR, com 0,1-0,2cm de tama-
brana branca acinzentada e que apresentam um tempo de resolução nho e em grande quantidade (5-100 úlceras ao mesmo tempo). Po-

Recebido 15 Julho 2016.


Aceito 03 Abril 2017.
* Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal (RN), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal (RN), Brasil.

2
Departamento de Odontologia (Graduação), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal (RN), Brasil.

Endereço para correspondência:


Éricka Janine Dantas da Silveira e Salomão Israel Monteiro Lourenço Queiroz
E-mail: ericka_janine@yahoo.com.br e salomaoisrael10@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):342-8.


Ulceração aftosa recorrente: estudo epidemiológico dos fatores etiológicos, tratamento e diagnóstico diferencial 343

dem coalescer produzindo uma lesão larga e irregular que pode ter Foram incluídos, na pesquisa, os prontuários que conti-
curso clínico de 7-14 dias. Apesar do nome e de suas características, nham as informações mencionadas. Foram excluídos da pesquisa
o vírus do herpes simples (HSV) não é identificado nessas lesões.4,5 os prontuários de pacientes com diagnósticos clínicos de UAR,
As UAR exibem etiologia pouco esclarecida e, em alguns mas que, após análise clínica e laboratorial, não eram portadores
casos, de difícil controle e tratamento, acarretando em desconforto de UAR, ou seja, lesões resultantes de traumas por objetos, dentes
para os pacientes. O surgimento de episódios de recorrência pode fraturados, síndromes e próteses mal adaptadas e sem apresentar
estar relacionado a fatores hereditários, psicossomáticos, infeccio- episódios de recorrência.
sos, hormonais (menstruação, gravidez ou período pós-menopau- Os dados colhidos foram processados e transcritos para o
sa), traumas, estresse, alergia alimentar, deficiências nutricionais Statistical Package for the Social Sciences na versão 17 (SPSS Inc.; Chi-
(ferro, vitamina B12 e ácido fólico) e alterações hematológicas. Po- cago, USA, 2008). As análises descritivas foram realizadas com base
rém, ausência de alterações bioquímicas e histopatológicas específi- na média e desvio padrão para variáveis quantitativas e frequências
cas caracterizam essa doença e permitem fechar o diagnóstico como absolutas e relativas para variáveis categóricas. A associação entre
ulceração aftosa recorrente.6,7 as variáveis categóricas foi analisada utilizando o teste qui-quadra-
Sua semelhança com outras doenças mucocutâneas, esto- do de Pearson com razão de prevalência e intervalo de confiança
matológicas ulcerativas dificultam o diagnóstico, de modo que o de 95,0% para variáveis com associações significativas. O nível de
diagnóstico diferencial com outras lesões, como herpes, varicela, significância adotado foi de 5,0%.
eritema multiforme, líquen plano erosivo com ulceração, aftas de
Sutton, a doença de Riga-Fede, pênfigo vulgar e penfigoide, deve RESULTADOS
ser baseado nas características clínicas, localização e evolução des- No período avaliado, foram atendidos 4.895 pacientes no
sas ulcerações.2,4,6 serviço, desses, 161 (3,3%) apresentam diagnóstico clínico de aftas
Existem muitas tentativas de encontrar o tratamento ideal orais, e 76 (47,2%) foram diagnosticados com UAR. Os outros 85
para essa condição, porém, alguns pacientes não necessitam de tra- (52,8%) casos foram excluídos com base na metodologia proposta,
tamento por causa da natureza branda da doença, enquanto, outros, fundamental para o diagnóstico correto da doença, e oito (4,9%) por
que experimentam múltiplos episódios por meses e/ou com impor- não apresentarem as informações clínicas necessárias para a realiza-
tantes sintomas de dor e dificuldades de alimentação, devem ser ção da pesquisa.
tratados de forma paliativa.2,8 Os agentes tópicos são o primeiro tra- Dos 68 casos com UAR com informações adequadas, 40
tamento de escolha, pois eles são efetivos e seguros, havendo pou- (59,2%) eram do sexo feminino, e 28 (40,8%), do masculino, com
cos efeitos colaterais e menor chance de interação medicamentosa.3,9 média de idade de 41,9 (± 16,5) anos. A raça mais frequente foi a par-
Diante das controvérsias que ainda são inerentes às UAR, da, 30 (44,1%), seguida da branca com 23 (33,8%) e negro com nove
principalmente no âmbito de sua etiologia, tratamento e diagnósti- (13,2%), sendo essa informação omitida em seis casos (8,8%). Com
co, o objetivo deste trabalho foi analisar características sociodemo- relação ao hábito de fumar, na maioria dos casos, 59 (77,6%), essa
gráficas, manobras de diagnóstico e de tratamento em uma séria de informação não foi notificada, sendo a frequência de fumantes nos
casos de UAR diagnosticadas em um Serviço de Diagnóstico Oral casos informados de quatro (44,4%) e ex-fumantes de cinco (55,6%),
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal/RN. todos com 40 anos ou mais. É importante ressaltar que as porcen-
tagens das notificações do tabagismo não serão consideradas, pois
MÉTODOS sofrem influência do viés de seleção dessa amostra.
O presente estudo consistiu em análise retrospectiva de A língua foi a região anatômica mais acometida, com 27
todos os casos com diagnóstico clínico de UAR em pacientes que pacientes (representando 27,0% dos locais e 39,7% dos pacientes),
foram atendidos no Serviço de Diagnóstico Oral da Universidade seguida pela mucosa jugal com 22 (representando 22,0% dos locais e
Federal do Rio Grande do Norte em Natal/RN, em um período de 32,3% dos pacientes), com a ressalva de que 21 pacientes apresenta-
11 anos (2003-2014). Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éti- ram lesões em mais de uma localização anatômica (duas até quatro),
ca em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte obtendo-se, assim, um total de 100 locais em 68 pacientes (Tabela
sob o parecer n.º 148.865. 1). Um caso foi diagnosticado como herpetiforme (1,5%), três, como
Nos prontuários clínicos, foram coletadas informações UAR maior (4,4%), e o restante, como menor (Figura 1).
como sexo, idade, raça, localização, hábitos de tabagismo, tipos de O principal sintoma relatado pelos pacientes foi a dor
tratamento, episódios de recidiva, resultados de exames laborato- (50,0%), seguida da dor tipo ardência (25,0%) e outros sintomas
riais: hemograma completo, glicemia em jejum, fosfatase alcalina como disfagia, disgeusia e dor tipo queimação (13,2%). Em 11,7%
sérica, cálcio sérico, fósforo sérico, vitamina B12 sérica. E, anticor- dos casos, não foi relatada nenhuma sintomatologia. Na maioria dos
pos específicos em caso de suspeita de doenças autoimunes com casos (70,3%), o fator etiológico não foi identificado, mas possíveis
apresentação clínica semelhante como penfigoide e pênfigo vulgar fatores como trauma físico ou químico (13,5%), estresse (8,8%) e de-
e, biópsia em casos de não remissão da úlcera. E, características clí- ficiências nutricionais e imunológicas (7,3%) foram relatados, mas,
nicas das lesões para classificação da UAR. Todas as imagens foram posteriormente, descartados concretizando a confirmação do diag-
obtidas conforme o termo de autorização da Universidade Federal nóstico de UAR com investigação clínica criteriosa e utilização de
do Rio Grande do Norte em Natal/RN (ficha de avaliação da esto- exames complementares.
matologia), assinado pelos pacientes na primeira consulta. O tratamento mais utilizado foi o uso de corticosteroides

An Bras Dermatol. 2018;93(3):342-8.


344 Queiroz SIML, Silva MVA, Medeiros AMC, Oliveira PT, Gurgel BCV, Silveira EJD

tópicos como a dexametasona, betametasona e propionato de clo- panhados por duas semanas. Outras formas de tratamento como o
betasol a 0,05% (26,5%), todos na forma de elixir, seguido pelo ace- bochecho com tetraciclina (8,8%), anti-inflamatórios não esteroides
tonido de triancinolona a 0,05% (Omcilon-A em orabase®) (14,7%). (5,9%) e nistatina solução oral, quando associada à candidose, além
Em 38,2% dos pacientes, não foi instituído tratamento, sendo acom- de vitamina C e laser de baixa intensidade (5,9%) também foram uti-
lizados.
Avaliando separadamente cada localização das lesões, foi
Tabela 1: Distribuição dos casos de ulcerações aftosas recor- verificada associação significativa de pacientes com menos de 40
rentes conforme localização anatômica anos com a ocorrência de UAR em mucosa jugal (p = 0,025; razão de
Localização Porcentagem Porcentagem prevalência = 2,140 e intervalo de confiança de 95% = 1,301-3,256),
com base nos 100 com base nos ou seja, pacientes com menos de 40 anos apresentam mais de 100%
locais avaliados 68 pacientes de chances de estar mais associados à ocorrência de lesão em muco-
n % n % sa jugal (Tabela 2).
Língua 27 27,0 27 39,7 Quando avaliados o sexo e a localização das lesões, foi ve-
Mucosa jugal 22 22,0 22 32,3 rificada associação significativa (p = 0,009; razão de prevalência =
2,541 e intervalo de confiança de 95% = 1,320-3,782) entre o fato de
Lábio superior e infe- 20 20,0 20 29,4
rior ser homem e ter lesões em mucosa jugal, ou seja, os homens apre-
sentam mais de 150% de chances de estar associados a lesões em
Fundo de sulco 14 14,0 14 20,6
mucosa jugal (Tabela 3).
Assoalho bucal 10 10,0 10 14,7
Com relação ao acompanhamento clínico dos pacientes, a
Palato mole 7 7,0 7 10,3 maioria (88,0%) relatou melhorar com a terapêutica instituída no
Total 100 100,0 68 * momento do diagnóstico da doença, mesmo com os episódios de re-
*O total da porcentagem de pacientes excede os 100%, pois o mesmo pacien- corrência. As Figuras 2 e 3 são referentes a um caso de UAR tratado
te pode ter apresentado leões em mais de uma localização.

A B

C D

Figura 1: Localizações anatômi-


cas das UAR. A - Lábio inferior
(UAR maior), B - Lábio superior
(UAR menor), C - Mucosa jugal
e Palato mole (UAR herpetifor-
me), D - Assoalho (UAR maior),
E - Fundo de sulco (UAR maior)
E F e F - Língua (UAR menor)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):342-8.


Ulceração aftosa recorrente: estudo epidemiológico dos fatores etiológicos, tratamento e diagnóstico diferencial 345

Tabela 2: Localizações anatômicas das ulcerações aftosas


recorrentes segundo a faixa etária
Localização Idade em faixa etária
< 40 40 ou mais
n % n % p
Mucosa jugal Sim 14 46,6 8 21,1 0,025
Não 16 53,4 30 78,9
Língua Sim 13 43,3 14 36,8 0,587
Não 17 56,7 24 63,2
Lábio Sim 9 30,0 11 28,9 0,925
Não 21 70,0 27 71,1
Fundo de sulco Sim 6 20,0 6 15,8 0,651
Não 24 80,0 32 84,2
Figura 2: UAR maior localizada em borda lateral esquerda da língua
Palato mole Sim 1 3,3 7 18,4 0,076
Não 29 96,7 31 81,6
Assoalho Sim 4 13,3 6 15,8 1,000
26 86,7 32 84,2

Tabela 3: Localizações anatômicas das ulcerações aftosas


recorrentes segundo o sexo
Localização Sexo
Masculino Feminino
n % n % p
Mucosa jugal Sim 14 50,0 8 20,0 0,009
Não 14 50,0 32 80,0
Língua Sim 11 39,3 16 40,0 0,953
Não 17 60,7 24 60,0
Lábio Sim 11 39,3 9 22,5 0,135
Figura 3: Acompanhamento clínico de 15 dias, evidenciando o suces-
Não 17 60,7 31 77,5
so do tratamento e remissão da lesão e da sintomatologia dolorosa
Fundo de sulco Sim 4 14,3 8 20,0 0,543
Não 24 85,7 32 80,0
Palato mole Sim 2 7,1 6 15,0 0,322
Não 26 92,9 34 85,0 diagnóstico e tratamento, visto que tem curso clínico curto e autoli-
Assoalho Sim 4 14,3 6 15,0 0,935 mitado. Estudos de prevalência dessa doença são importantes pelo
fato de expor o perfil da população acometida, fatores etiológicos e
Não 24 85,7 34 85.0
experiência em relação ao diagnóstico e tratamento. Infelizmente,
encontramos dificuldades na realização desse tipo de trabalho pelo
fato de se tratar de um estudo retrospectivo com dados registrados
com propionato de clobetasol a 0,05% (bochechos de 10ml, durante em prontuários, estando a avaliação e a evolução clínica limitadas
um minuto, três vezes ao dia, por 15 dias). ao que está documentado, sendo que, muitas vezes, as informações
são negligenciadas como é o caso do tabagismo na nossa amostra
DISCUSSÃO (77,6% não informado). A não notificação do tabagismo deve ser
A UAR é uma doença comum da mucosa oral que acomete considerada como um alerta para que essa informação seja coletada
principalmente os tecidos não queratinizados. Tem início geralmen- com maior interesse no futuro, pois esse é um importante fator de
te na infância, é uma condição recorrente, sintomática e a manifesta- risco para o desenvolvimento de diversas enfermidades da cavida-
ção clínica ocorre na forma de úlceras que podem ser únicas ou múl- de oral.
tiplas. Tem sido relatado que sua prevalência varia de 5,0 a 60,0% Sua etiologia ainda é pouco compreendida, mas Sawair10,
na população.1,10 Na presente pesquisa, sua prevalência foi de 1,4%, em 2010, cita que fatores como estresse, trauma físico e/ou quími-
no serviço analisado, em um período de 11 anos, menor do que a co, sensibilidade alimentar e predisposição genética podem favo-
relatada na literatura, fato esse que pode sugerir que muitos porta- recer os episódios de recorrência da doença.2,9,10 Mahmoud et al.11,
dores dessa condição não procuram atendimento odontológico para em 2012, caracterizam essa condição como uma doença de etiologia

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346 Queiroz SIML, Silva MVA, Medeiros AMC, Oliveira PT, Gurgel BCV, Silveira EJD

multifatorial. Em relação à predisposição genética, tem sido relata- ção, número, localização (tecido ceratinizado ou não ceratinizado),
do que cerca de 40,0% dos pacientes portadores de UAR tem histó- tamanho e forma das ulcerações são muito importantes também
ria familiar e que exibem probabilidade de desenvolver a doença no direcionamento do diagnóstico.2,3 É importante relatar que não
mais precocemente e de forma mais grave.3,4,9 existe teste laboratorial específico para diagnóstico de UAR, e os
A pesquisa de Mahmoud et al.11 investigou o perfil psicoló- achados histopatológicos são inespecíficos, mas exames comple-
gico de 50 pacientes portadores de UAR, sendo detectado que situa- mentares, como hemograma completo, dosagem de marcadores
ções de estresse e de ansiedade favorecem os episódios de recorrên- inflamatórios, hematológicos e vitaminas, bem como testes soroló-
cia dessa doença. Os autores explicam que, em situações de estresse, gicos são ferramentas úteis para excluir possíveis condições sistêmi-
há aumento na concentração de cortisol salivar e consequente estí- cas causadoras de ulceração oral.3,15
mulo do sistema imunológico no recrutamento de leucócitos para A estomatite herpética primária pode ser confundida com
sítios de inflamação, exercendo papel essencial na patogênese da a UAR, assim como a recorrente, na sua forma intraoral, mas, ge-
doença.10,11 Neste estudo, por se tratar de uma avaliação retrospecti- ralmente, a estomatite herpética, na sua forma primária, apresenta
va, não foi possível identificar nenhum fator psicológico associado. envolvimento sistêmico como febre, e a fase de vesícula pode ser
Sawair10 encontrou que o fumo exerceu um efeito protetor observada em mucosa oral e, quando sob a forma de úlcera, apre-
na mucosa de fumantes para episódios de recorrência da afta. Em senta-se mais eritematosa e difusa nas diversas localizações, princi-
nosso estudo, não foi possível verificar essa associação, já que essa palmente nas mucosas queratinizadas, o que é incomum nas UAR.2,8
informação foi negligenciada, sendo necessária uma melhor avalia- Aproximadamente, dois terços dos casos de líquen plano
ção desse fator. oral apresentam-se de forma ulcerada, mas sua ocorrência em mu-
As deficiências nutricionais também têm sido associadas cosas queratinizadas é mais comum que as UAR, porém, o diag-
com a predisposição a episódios de recorrência de UAR. Singh12 nóstico de líquen plano pode ser confirmado por exame histopa-
relatou que deficiências das vitaminas B1, B2, B6, B12 e ferro po- tológico, e, permeando as ulcerações, na forma erosiva, é possível
dem estar associadas a esses episódios. Com base nesse aspecto, identificar discretas estrias esbranquiçadas. Lesões vésico-bolhosas,
investigaram a concentração sérica de vitamina B12 e ácido fólico como penfigóide e pênfigo vulgar, resultam em ulcerações doloro-
em 160 pacientes e dividiram esses em dois grupos, um que recebeu sas que podem se confundir com as UAR, sendo o acompanhamen-
suplementos diários de vitaminas, e outro que não o recebeu, verifi- to e posterior biópsia, após a não remissão, fundamentais para a
cando que essa manobra não implicou na redução dos episódios de confirmação do diagnóstico.3,14
recorrência das UAR. A doença de Riga-Fede caracteriza-se por ulceração reativa
Alguns estudos relatam que a UAR é uma lesão com alta da mucosa oral associada ao traumatismo dentário repetitivo. Foi
prevalência em mulheres.7,13 No entanto, os resultados deste estudo, inicialmente descrita em crianças com déficit neurológico, sendo
apesar de mostrar a alta prevalência nas mulheres, não confirmam muito rara em adultos. Sua semelhança com outras ulcerações pode
a hipótese da existência de uma relação entre essa condição patoló- dificultar seu diagnóstico diferencial. Uma característica importante
gica e o gênero, corroborando outros relatos como de Lima et al.13 desta lesão é que sua resolução completa geralmente ocorre após a
e Chattopadhyay e Shetty14, que também demonstraram não haver recuperação neurológica.4
relação entre UAR e gênero. Essa alta prevalência em mulheres pode As UAR também podem se desenvolver secundariamente a
ser explicada pelo fato de as mulheres procurarem mais o serviço. doenças sistêmicas como síndrome da imunodeficiência adquirida
Na presente pesquisa, foi verificada uma associação entre ser ho- (SIDA), doença celíaca, de Crohn, de Behçet e síndrome de Router
mem e lesões em mucosa jugal, fato que poderia justificar os ho- e, nesses casos, o tratamento deve ser multiprofissional.16,17 Nesta
mens procurarem menos o serviço, visto que essa localização causa pesquisa, não houve relatos de associação de UAR com quaisquer
menos desconforto ao paciente. dessas alterações sistêmicas. `Com relação aos tratamentos utiliza-
Dependendo da localização das UAR e da idade dos pacien- dos, Chattopadhyay e Shetty14, em 2011, citam os corticosteroides
tes, alguns autores afirmam que as UAR podem ser mais ou menos tópicos ou intralesionais e anestésicos locais como sendo os mais
dolorosas. Geralmente áreas de atrito durante a alimentação como usados para a terapia paliativa, que visa proporcionar alívio sinto-
palato mole, língua e pacientes idosos, em vista da diminuição da mático, controlando a dor e diminuindo o número de futuras úlce-
capacidade de reparo tecidual, estariam mais associados à UAR ras, sem, no entanto, curar, já que não existe um tratamento especí-
maiores e mais dolorosas.2,3 No presente trabalho, a idade de me- fico para UAR, que vise à cura das lesões.
nos de 40 anos esteve mais associada a ter lesão em mucosa jugal, Pensin et al.18 realizaram uma pesquisa com 30 participan-
localização onde possivelmente essas lesões seriam menores e me- tes com histórico de UAR, com uma frequência mínima de quatro
nos dolorosas, o que poderia justificar o fato de lesões em pacientes recorrências anuais, em que foram tratados com uma pomada à
mais jovens serem menos dolorosas e menores. Vale ressaltar tam- base de própolis, um composto resinoso produzido pelas abelhas
bém que paciente com idade mais avançada geralmente tem uma para proteção da colmeia, na forma de orabase a 5%. A pesquisa
maior quantidade de dentes perdidos do que pacientes mais jovens, demonstrou que o uso desta pomada reduziu a dor e o tempo de
potencializando o trauma das mucosas durante a mastigação. cicatrização e promoveu maior intervalo entre as recidivas em por-
Para estabelecer o diagnóstico de UAR, são indispensáveis tadores de UAR.
a história clínica relatada pelo paciente e o exame clínico cuidadoso Meng et al.19 realizaram um estudo em que exploraram e
da boca.6,7 O histórico familiar, frequência de aparecimento, dura- compararam os resultados da eficácia do amlexanox (agente an-

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Ulceração aftosa recorrente: estudo epidemiológico dos fatores etiológicos, tratamento e diagnóstico diferencial 347

tialérgico e anti-inflamatório) via oral, na forma de películas adesi- dentro de algumas semanas. Em seis meses, o acompanhamento de
vas, e amlexanox na forma de comprimidos no tratamento de úlce- todos os três pacientes não revelou recorrência das lesões. Em nossa
ras aftosas recorrentes menores, a fim de analisar a diferença entre pesquisa, nenhum paciente foi tratado sistemicamente com a vita-
as duas formas de dosagem. Os autores concluíram que não houve mina B12, apenas de forma tópica com gel ou elixir à base de cor-
nenhuma diferença significativa na eficácia entre os dois tipos de ticosteroides, entretanto, é possível que a associação do tratamen-
tratamento. No nosso estudo os tratamentos mais utilizados foram to local com o sistêmico, especialmente à base de vitaminas, pode
os corticosteroides tópicos. contribuir para a diminuição dos episódios de recorrência dessas
A laserterapia também vem sendo usada no tratamento de lesões.
UAR. O laser de baixa potência e o laser de CO2 vêm sendo testados É importante ressaltar que o paciente deve ser informado
visando a diminuição do tempo de cicatrização dessas lesões.20,21 que o tratamento é paliativo, e que ele deve observar os fatores mais
Zand et al.21 concluíram, depois da realização de um ensaio clínico relacionados aos episódios de recorrência. Tem sido relatado que,
controlado randomizado e cego, que o laser de CO2 pode ser usado em alguns casos, os pacientes exibem resistência ao tratamento, e a
para acelerar a cicatrização de UAR menores, sem efeitos colaterais terapêutica mencionada é usada apenas como paliativo para contro-
visíveis, apesar de seus efeitos analgésicos serem muito mais im- le e alívio da dor.2,3
portantes do que seus efeitos curativos. Os autores ainda ressaltam
o fato de seu estudo ainda ser um estudo piloto, sendo necessários CONCLUSÕES
estudos posteriores com amostras maiores. O tratamento e, por vezes, o diagnóstico de UAR consti-
Além dos tratamentos tópicos, existem os tratamentos sistê- tuem um desafio no dia a dia do clínico. Os cirurgiões-dentistas,
micos, como o uso de talidomida, prednisona e dapsona. Segundo dermatologistas, otorrinolaringologistas e médicos de outras espe-
Mimura et al.22, tais medicamentos possuem propriedades anti-in- cialidades, geralmente, são os responsáveis pelo primeiro contato
flamatórias e imunossupressoras que podem reduzir ou evitar o de- com os pacientes portadores desta enfermidade. Esses profissionais
senvolvimento das UAR. A partir disso, eles realizaram um estudo devem estar atentos aos aspectos clínicos dessa doença, visto que
tratando pacientes portadores de aftas de Sutton, a forma clínica cada paciente deverá ser tratado de forma individualizada, já que
maior das UAR, com esses medicamentos, concluindo que a talido- a terapêutica normalmente é paliativa, e não curativa. Mesmo sem
mida foi a droga mais eficaz, funcionando muito bem na maioria sua etiologia comprovada, a identificação dos fatores associados aos
dos casos, de modo que, em sete pacientes, houve a remissão com- episódios de recorrências é importante para verificar os possíveis
pleta das lesões. riscos de cada paciente de agravar ou potencializar a sintomatologia
Volkov et al.23 encontraram baixos níveis séricos de vitamina dolorosa. O diagnóstico diferencial das UAR com outras ulcerações
B12 em três pacientes jovens e saudáveis, portadores de ulcerações orais já está bem estabelecido, sendo fundamental uma experiência
aftosas recorrentes. A vitamina B12 foi administrada de acordo com clínica para a realização de um exame clínico criterioso, haja vista
o protocolo e levou a uma melhora rápida e completa recuperação seu diagnóstico, muitas vezes, ser por exclusão de outras doenças. q

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348 Queiroz SIML, Silva MVA, Medeiros AMC, Oliveira PT, Gurgel BCV, Silveira EJD

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Salomão Israel Monteiro Lourenço Patrícia Teixeira de Oliveira 0000-0002-0641-1033


0000-0003-0150-9522
Queiroz Bruno Cesar de Vasconcelos Gurgel 0000-0001-5971-134X
Marcus Vinícius Amarante da Silva 0000-0002-4689-6223 Éricka Janine Dantas da Silveira 0000-0003-2128-0147
Ana Miryam Costa de Medeiros 0000-0003-1839-1030

Como citar este artigo: Queiroz SIML, Silva MVA, Medeiros AMC, Oliveira PT, Gurgel BCV, Silveira EJD. Recurrent aphthous ulceration: an
epidemiological study of etiological factors, treatment and differential diagnosis. An Bras Dermatol. 2018;93(3):341-6.

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Investigação
Particular characteristics of atopic eczema in tropical environments. The Tropical Environment... 349
349
s
Tratamento da leishmaniose cutânea com termoterapia no Brasil: estudo
de eficácia e segurança*

Sheila Viana Castelo Branco Gonçalves1 Carlos Henrique Nery Costa2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186415

Resumo: Fundamentos: Os antimoniais pentavalentes permanecem como drogas padronizadas no tratamento da leishmaniose
cutânea. O alto custo, a dificuldade de administração, o tempo de tratamento, a toxicidade e o aumento da morbidade são
fatores limitantes no uso dessas medicações.
Objetivos: Descrever a resposta à termoterapia por radiofrequência no tratamento da leishmaniose cutânea localizada, no Bra-
sil, bem como avaliar sua segurança e tolerabilidade.
Métodos: Foi feito um ensaio clínico aberto não comparativo com um total de 15 pacientes que tiveram o diagnóstico de
leishmaniose cutânea confirmado parasitologicamente. Uma única sessão de termoterapia com radiofrequência a 50ºC por
30 segundos foi aplicada na lesão e em sua borda. Quando havia mais de uma lesão no mesmo paciente, apenas a maior era
tratada inicialmente. Se após 30 dias não houvesse evidência de cicatrização, as demais lesões menores também recebiam a
termoterapia. A cura clínica foi definida como cicatrização visível até três meses após o tratamento. Os pacientes foram acom-
panhados durante seis meses e não houve perda de seguimento.
Resultados: Um total de 23 lesões foram monitoradas, e somente duas evoluíram para cura sem necessidade de receber tra-
tamento. Houve completa cicatrização de 18 lesões (85,7%) de um total de 21 lesões tratadas. Os principais efeitos colaterais
observados foram prurido, ardência, dor e bolhas.
Limitações do estudo: Amostra com pequeno número de pacientes e seguimento de apenas seis meses.
Conclusão: A termoterapia com radiofrequência pode ser considerada uma alternativa terapêutica na leishmaniose cutânea
localizada, especialmente nos casos de lesão cutânea única e com contraindicações formais ao tratamento tradicional com
antimoniato.
Palavras-chave: Hipertermia induzida; Leishmania; Leishmaniose cutânea; Terapêutica

INTRODUÇÃO
A leishmaniose cutânea (LC) é uma doença infecciosa cau- elevados (73,3 casos/100.000 hab.), seguida das regiões Centro-Oes-
sada por protozoários do gênero Leishmania, transmitida ao homem te (35,4 casos/100.000 hab.) e Nordeste (18,8 casos/100.000 hab.).3
e a outros mamíferos pela picada de insetos flebotomíneos. A doen- Apesar de o Estado do Piauí, localizado no Nordeste do Brasil, ser
ça é endêmica em mais de 70 países, com 90% dos casos ocorrendo um dos estados com maior número de casos de leishmaniose visce-
no Afeganistão, Argélia, Brasil, Paquistão, Peru, Arábia Saudita e ral, ele permanece com baixa incidência de casos de leishmaniose
Síria. No Novo Mundo, ela é encontrada desde o sul dos Estados tegumentar, ocupando a quarta posição entre os estados do Nordes-
Unidos até o norte da Argentina. A incidência anual é estimada em te. Em 2014, o Estado do Piauí notificou 85 casos de leishmaniose
1-1,5 milhão de casos.1,2 No Brasil, está presente em todos os esta- tegumentar americana, com coeficiente de detecção de 4,1 casos por
dos, com elevada incidência nos últimos 20 anos, com 25.000 novos 100.000 habitantes.4
casos, em média, por ano e 8 a 18 casos/100.000 habitantes. A região As leishmanioses figuram entre as doenças mais negligen-
Norte vem contribuindo com o maior número de casos (cerca de ciadas devido aos recursos limitados investidos no seu diagnósti-
40% do total de casos registrados) e com os coeficientes médios mais co, tratamento e controle, juntamente com a sua forte associação

Recebido 06 Setembro 2016.


Aceito 19 Março 2017.
* Trabalho realizado no Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella, Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina (PI), Brasil.
Suporte Financeiro: FADEX - Fundação Cultural e de Fomento à Pesquisa, Ensino e Extensão e Inovação.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Ambulatório de Dermatologia, Hospital Getúlio Vargas (HGV), Teresina (PI), Brasil.

2
Departamento de Medicina Comunitária, Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina (PI), Brasil.

Endereço para correspondência:


Sheila Viana Castelo Branco Gonçalves
E-mail: sheilacastelo@hotmail.com

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350 Gonçalves SVCB, Costa CHN

com pobreza e conflitos sociais. Ocorrem com maior frequência em 20mg/kg/dia de Glucantime® intravenoso ou intramuscular, por
áreas economicamente desfavorecidas, sem saneamento básico, com um período de 20 dias, no tratamento das formas cutâneas. Caso
baixos níveis de educação e renda.5 Constituem uma das afecções não haja cicatrização completa três meses após o término do trata-
dermatológicas que merece mais atenção pela sua magnitude, pelo mento, o esquema deverá ser repetido por um período de 30 dias.
risco de causar deformidades no ser humano e também pelo envol- Persistindo o insucesso terapêutico, deve ser utilizada uma das dro-
vimento psicológico, com reflexos no campo social e econômico.2 gas de segunda linha.3
No Brasil, a doença é também conhecida como leishmaniose Um dos grandes problemas em relação ao uso dos antimo-
tegumentar americana (LTA), causada basicamente por três espécies niais pentavalentes são seus efeitos colaterais. Os principais incluem
principais: Leishmania (Viannia) braziliensis, Leishmania (Viannia) gu- artralgia, mialgia, anorexia, náuseas, vômitos, sensação de plenitu-
yanensis e Leishmania (Leishmania) amazonensis. No entanto, a maioria de gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre,
dos casos é causada por L. (V.) braziliensis, produzindo a principal fraqueza, cefaleia, tontura, insônia, palpitação, edema, hepatite
forma clínica da LTA, a LC localizada. Outras espécies menos co- com aumento de transaminases e fosfatase alcalina, insuficiência
muns causadoras da doença são a L. (Viannia) lainsoni, L. (Viannia) renal aguda, pancreatite e alterações dose-dependentes no eletro-
naiffi, L. (Viannia) shawi e L. (Viannia) lindenbergi.3,6 Os vetores são cardiograma, tais como alteração da repolarização ventricular com
insetos flebotomíneos conhecidos popularmente como mosquito inversão do segmento ST, aumento do intervalo QT, alterações is-
palha, tatuquiras, birigui, sendo as principais espécies envolvidas quêmicas e extrassístoles bigeminadas, polimorfas e polifocais.15,16
na transmissão Lutzomyia flaviscutellata, L. whitmani, L. umbratilis, L. Arritmias fatais são raras, existindo poucos casos de morte súbita,
intermedia, L. wellcome e L. migonei.7 provavelmente relacionados a arritmias ventriculares.17 Essas rea-
As manifestações clínicas da LTA são diversas, dependen- ções são mais acentuadas em idosos, devendo a droga ser usada
do da espécie de Leishmania envolvida e de fatores do hospedeiro, com cautela em pacientes acima de 50 anos.18
incluindo sua resposta imune. É também possível que esses fatores Outra desvantagem dessa classe de drogas é que são con-
desempenhem um papel na persistência do parasita.8 Clinicamente, traindicadas em gestantes, lactantes, pessoas com hipersensibilida-
a LTA pode se apresentar basicamente de quatro formas: LC locali- de à droga e pacientes com doenças crônicas graves (cardiopatias,
zada, leishmaniose mucocutânea, LC disseminada e LC difusa. A hepatopatias, nefropatias).14 O índice de sucesso com o esquema
manifestação clínica inicial da doença caracteriza-se por uma pápu- descrito é muito variável na literatura, variando de 60 a 90%, se-
la eritematosa ou nódulo, localizado geralmente na região exposta gundo diferentes autores e em estudos conduzidos em diferentes
do tegumento, que evolui para úlcera com bordas elevadas, contor- locais e serviços.16,19 Vale enfatizar que, mesmo com o tratamento
nos regulares e fundo com granulações grosseiras, recobertas ou não adequado com antimonial, as recidivas ou o comprometimento de
por exsudato seropurulento. São usualmente encontradas em áreas mucosas podem ocorrer, sendo de 2%, nos casos tratados, e ao re-
expostas como face, braços e pernas 9. O envolvimento da mucosa dor de 10%, nos casos não tratados.10 A resistência aos antimoniais
nasal, palato, faringe, laringe e cordas vocais pode ser observado em por algumas espécies de Leishmania no Velho Mundo aparece como
até 5% dos pacientes. Adenopatia regional, com ou sem linfangite, outro problema que vem aumentando, embora esse fato não tenha
ocorre em 12-30% dos casos.10 sido observado no Brasil.20 O curso prolongado do tratamento e o
Embora o diagnóstico da LC possa ser feito somente pelo fato de as aplicações serem múltiplas e dolorosas levam o paciente a
critério clínico-epidemiológico, exames complementares são essen- abandoná-lo, fazendo com que a baixa adesão ao tratamento possa
ciais para diferenciar a doença de outras dermatoses infecciosas, in- ser uma das principais causas do surgimento de cepas resistentes à
flamatórias e neoplásicas. O diagnóstico de certeza é feito quando o terapêutica convencional.
parasito é identificado por meio do exame direto, cultura em meio O uso de medicamentos de segunda linha como a anfote-
específico, histopatológico de pele ou reação em cadeia da polime- ricina B e a pentamidina é indicado nos casos de resistência ou im-
rase (PCR).11 A reação intradérmica de Montenegro é um método possibilidade de uso do antimoniato de N-metilglucamina.3 Porém,
indireto usado para auxiliar na confirmação do diagnóstico.12 apresentam a limitação do alto custo e da necessidade de serviços
As lesões de LC podem cicatrizar espontaneamente, mas de maior complexidade para sua administração, bem como efeitos
isso levaria meses a anos. Quando não tratadas, complicações como adversos frequentes e graves.21,22
expansão da doença para as mucosas ou lesões de aspecto desfigu- Historicamente, a aplicação de calor local tem sido usada
rante podem ocorrer. Isso é particularmente importante nas infec- para tratar lesões de LC. Em comunidades rurais da América do Sul
ções com espécies pertencentes ao subgênero L. viannia (L. viannia e da África, o uso empírico de materiais cáusticos, como nitrato de
braziliensis, L. viannia guyanensis e L. viannia panamensis), que têm prata, pólvora, açúcar marrom, óleo, solução de bateria ou a cauteri-
mostrado uma forte tendência para a disseminação sistêmica quan- zação das lesões com pingo de vela ou objetos de metais aquecidos,
do comparadas a outras espécies.13 como colheres e garfos, é muito comum.23-25 Em estudo realizado em
Apesar de vários esforços dedicados na tentativa de desen- regiões rurais do Equador, foram identificados diversos métodos
volvimento de novas drogas para o tratamento da LC, há várias alternativos de tratamentos como cauterização das lesões com apli-
décadas, são utilizados, como droga de primeira escolha, os antimo- cação de cáusticos, produtos derivados do petróleo, metais pesados,
niais pentavalentes. Há, comercialmente disponíveis, o antimoniato produtos veterinários e preparações de plantas e ervas medicinais.
de N-metilglucamina (Glucantime®) e o estibogluconato de sódio Muitos desses tratamentos foram descritos pelos participantes da
(Pentostam®).14 O Ministério da Saúde do Brasil recomenda 10 a pesquisa como “quentes” ou “fortes”, uma vez que causavam inten-

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Tratamento da leishmaniose cutânea com termoterapia no Brasil: estudo de eficácia e segurança 351

so ardor e dor. Segundo eles, o aquecimento das lesões aumentava posta ao tratamento em relação às espécies causadoras da doença.
suas chances de cura.26 Entretanto, o número de efeitos colaterais relatados com a miltefo-
Estudos laboratoriais demonstraram que espécies de sina foi maior.41
Leishmania que causam doença cutânea não conseguem se multipli- No Brasil, um estudo realizado na Bahia comparou a res-
car no interior dos macrófagos em temperaturas acima de 39°C, e posta inflamatória sistêmica por meio da dosagem de citocinas in-
que a termossensibilidade é especialmente pronunciada para L. bra- flamatórias após realização de termoterapia por radiofrequência e
ziliensis e L. mexicana. Esses trabalhos sugerem que existe uma fase após o tratamento convencional com o antimonial pentavalente e
de crescimento e sobrevivência desses parasitos que é termossensí- demonstrou que, em ambos, houve aumento de citocinas inflama-
vel.27,28 Essas observações impulsionaram o uso da termoterapia com tórias, sem diferença estatística entre eles. Não se sabe, entretanto,
banhos quentes, luz infravermelha, estimulação elétrica direta, laser se essa alteração na resposta inflamatória é resultado direto da ter-
e terapia fotodinâmica para tratar lesões de LC.29-33 moterapia e do medicamento sistêmico ou resulta do processo de
A terapia com radiofrequência tem vantagens distintas de cicatrização estimulado pelos tratamentos efetuados. Também foi
outros métodos locais de tratamento. O calor produzido pelas ondas observado que, em um paciente com somente uma de duas lesões
de radiofrequência penetra uniformemente por uma profundidade tratadas com termoterapia por radiofrequência, a lesão que não foi
de 4mm, de modo que a derme superior, onde as amastigotas de tratada evoluiu para cicatrização.42
Leishmania se localizam, pode ser aquecida a altas temperaturas Esse efeito da terapia em cicatrizar lesões a distância não
sem injúria na pele ao redor. Além disso, ondas de radiofrequência tratadas pode ser explicado pelas alterações inflamatórias sistêmicas
podem ser produzidas por aparelhos portáteis. O primeiro estudo que ocorrem. Após a aplicação da terapia com calor, há um declínio
da sua eficácia foi realizado na Guatemala com 66 pacientes com significativo nas células T circulantes e nas células T NK-like (natural
LC por L. braziliensis e L. mexicana que foram randomizados e killer-like), acompanhado por uma expansão nas células NK (natural
demonstrou uma proporção de 73% de cura, a mesma dos pacientes killer). Uma queda na proliferação celular antígeno específico T CD4+
tratados com antimonial pentavalente sistêmico.34 Entretanto, em também é vista, assim como uma depleção de células T CD8+. Além
dois estudos randomizados, também comparando a termoterapia disso, o período de cicatrização foi caracterizado por uma diminuição
com o antimoniato pentavalente sistêmico, realizados na Colômbia, nas células T regulatórias circulantes, redução na produção de IFN-γ e
o percentual de cura foi menor, em torno de 60%, mas com a uma contração nos linfócitos T helper CD4+ polifuncionais.43
vantagem de menor custo e menos efeitos adversos da termoterapia Apesar de os estudos realizados excluírem pacientes imu-
com radiofrequência. Um deles randomizou 292 pacientes com nossuprimidos, existe relato de caso de paciente portador de HIV
diagnóstico de LC por L. panamensis e L. braziliensis em dois grupos, com LC que não respondeu bem ao tratamento efetuado com anti-
o da termoterapia e o do antimoniato sistêmico. Nesse estudo, não moniato intralesional e foi tratado com uma única sessão de termo-
houve diferença estatística em relação às espécies na resposta ao terapia com radiofrequência com boa resposta, demonstrando que,
tratamento efetuado. O outro randomizou 130 pacientes com LC nesses casos de imunossupressão ou contraindicações à terapia con-
causada especialmente por L. guyanensis para receber o tratamento vencional, a termoterapia possa ser uma alternativa satisfatória.44
convencional e a termoterapia.35,36 Até o momento, não existem vacinas aprovadas contra as
Vários ensaios clínicos randomizados compararam a ter- leishmanioses, e as drogas utilizadas no seu tratamento são extrema-
moterapia com outras alternativas terapêuticas. Um estudo rando- mente tóxicas, caras e de difícil administração. As opções terapêu-
mizado controlado, realizado no Afeganistão para tratar casos de ticas para o tratamento dessa doença permanecem muito restritas.
LC por L. tropica envolvendo 401 pacientes, demonstrou eficácia de Além disso, já existem evidências, no Velho Mundo, de resistência
69,4%, quando comparado ao antimoniato intralesional (75,3%) e dos parasitos às drogas comumente utilizadas, como os antimoniais
ao antimoniato intramuscular (44,8%).37 Mais tarde, estudo rando- pentavalentes. A busca por novas opções de tratamento com poucos
mizado controlado, realizado no Irã com 117 pacientes, mostrou a efeitos colaterais, baixa toxicidade, boa tolerância, fácil aplicação,
superioridade da termoterapia com radiofrequência (80,7%), quan- com tempo de tratamento reduzido e com custo acessível se faz ne-
do comparada ao antimoniato intralesional (55,3%).38 Outro estudo cessária para poupar os indivíduos dos transtornos advindos com
randomizado controlado feito para tratar LC por L. major em 54 sol- suas terapias tradicionais. O estudo tem como objetivos descrever a
dados americanos vindos do Irã e do Kuwait obteve cura similar en- resposta à termoterapia por radiofrequência no tratamento da LC e
tre a termoterapia (48%) e o antimoniato pentavalente endovenoso avaliar a segurança e a tolerabilidade da termoterapia no tratamen-
(54%), mas com muito menos efeitos colaterais da termoterapia.39 to da LC.
Um recente estudo realizado na Índia, com 100 pacientes randomi-
zados em dois grupos, mostrou eficácia elevada tanto da termotera- MÉTODOS
pia com radiofrequência como do antimoniato intralesional após 12 Foi feito um ensaio clínico aberto não comparativo com 15
semanas de seguimento.40 A eficácia e a segurança da miltefosina foi pacientes atendidos no Hospital de Doenças Tropicais Natan Portel-
comparada a da termoterapia em estudo randomizado controlado la, referência no atendimento de doenças infecciosas no Estado do
com 294 pacientes com LC causada por L. panamensis e L. brazilien- Piauí, em algumas cidades do Estado do Maranhão e no Laborató-
sis realizado na Colômbia. Não houve diferença estatística entre os rio de Pesquisas em Leishmanioses (Lableish) em Teresina, Piauí,
dois tratamentos, que demonstraram proporção de cura em torno Brasil, no período de abril de 2015 a setembro de 2015. Todos os pa-
de 70%. Também não houve diferença estatística significante de res- cientes com suspeita clínica de LC foram submetidos à realização de

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exames complementares para confirmação do diagnóstico clínico de da aplicação, as demais lesões não demonstrassem sinais de cicatri-
LC. O teste cutâneo de Montenegro foi aplicado na superfície me- zação, a termoterapia com radiofrequência também era aplicada nas
dial do antebraço, e a reação, mensurada 48 horas depois. Também demais lesões.
foi realizada uma biopsia da lesão, e o fragmento, utilizado para A cura clínica foi definida como completa epitelização, re-
análise histopatológica, exame direto, cultura e PCR convencional gressão total da infiltração e do eritema, e cicatrização visível até
com os primers 150/152. Quando as lesões apresentavam infecção três meses após a aplicação do tratamento. A cura definitiva foi con-
secundária, eram tratadas previamente com cefalexina. Todos os pa- siderada quando não houve recorrência após seis meses da aplica-
cientes foram testados para o vírus da imunodeficiência adquirida ção do tratamento. O seguimento completo dos pacientes foi de 12
humana e fizeram exames gerais de bioquímica do sangue. meses.
Foram incluídos, no estudo, os pacientes com diagnóstico clí- Os pacientes que não responderam a essa terapia foram tra-
nico-epidemiológico de LC e teste cutâneo de Montenegro positivo tados com N-metilglucamina na dose de 20mg/Sb+5/kg/dia por 20
associados a, pelo menos, um dos seguintes exames complementares: dias, conforme recomendação do Ministério da Saúde, Brasil.
demonstração do parasito por pesquisa direta na lesão ou por cultura Os dados coletados foram transportados para o programa
(meio Neal, Novy e Nicolle/NNN - agar sangue modificado), ou por Microsoft Windows Excel 2010® e foram processados e analisados
exame histopatológico sugestivo ou por PCR convencional. por meio do programa estatístico Stata/SE® 14.1 for Windows (Col-
Os critérios de exclusão foram a presença de lesões em mu- lege Station, Texas, USA), com o qual foram realizados uma análise
cosas oral ou nasal, presença de mais de dez lesões cutâneas, lesões de distribuição de frequência e cálculo do intervalo de confiança de
de LC com distância menor que dois centímetros da órbita, lesões 95%. O programa Microsoft Windows Excel 2010® também foi usado
localizadas no nariz, lábios, olhos, orifício urogenital ou anal ou ad- para a construção de tabelas e gráficos.
jacentes a esses locais e pacientes imunossuprimidos.
Depois de receberem explicações detalhadas sobre o estudo RESULTADOS
e os procedimentos realizados, todos os pacientes ou seus responsá- Um total de 15 pacientes participou do estudo no período
veis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. de abril a setembro de 2015. Todos os pacientes tiveram o diagnós-
Após assepsia das lesões com povidine e anestesia local tico confirmado por, pelo menos, um dos métodos complementares
com lidocaína 2% sem vasoconstrictor, uma sessão de tratamento realizados. As características demográficas e clínicas dos pacientes
foi realizada utilizando o aparelho de radiofrequência portátil Ther- são apresentadas na tabela 1.
moMed Model 1.8 (Thermosurgery Technologies, Inc., Phoenix, AZ, A média de idade dos pacientes foi de 43 anos, com idade
USA), conforme instruções do fabricante. Antes da aplicação, a pon- mínima de 16 anos e máxima de 79 anos, sendo 60% dos pacien-
teira do aparelho era colocada na borda da lesão em direção ao cen- tes do sexo masculino. Mais da metade dos pacientes apresentava
tro e a aquecendo numa temperatura de 50°C por 30 segundos, e, somente uma lesão, e apenas um paciente apresentava três lesões.
depois, o aplicador era movido para a área adjacente até a lesão ser Nenhum dos pacientes apresentava história pessoal de leishmanio-
completamente coberta. O tamanho da lesão determinava o número se, entretanto, cinco pacientes referiram que algum familiar já havia
de aplicações e o tempo gasto na sessão. apresentado a doença. Infecção secundária foi notada antes do trata-
Depois de selecionada a temperatura desejada para o trata- mento em cinco pacientes e foi devidamente tratada com cefalexina
mento (50º C), a máquina regula a energia e mantém a temperatura oral antes da aplicação do tratamento. O diagnóstico parasitológi-
selecionada. Por meio do visor digital, é possível detectar a tem- co foi confirmado por meio do exame histopatológico em 60% dos
peratura atingida na pele. A máquina emite um bipe a cada dois pacientes pela presença de amastigotas. Os demais pacientes apre-
segundos e um sinal sonoro mais forte após o término do tempo sentavam anatomopatológico sugestivo de LC. Entre as alterações
selecionado, indicando quando o tratamento planejado chegou ao encontradas, as mais comuns foram dermatite crônica granuloma-
fim, sem a necessidade de ficar olhando para a máquina. A aplica- tosa com hiperplasia pseudoepiteliomatosa na epiderme e infiltrado
ção produz um eritema local, de modo que é possível identificar inflamatório linfoplasmocitário. O teste de Montenegro foi realiza-
quais áreas da lesão já foram tratadas e quais não foram. O aparelho do em todos os pacientes, e a média dos dois dígitos do resultado
é leve e funciona por meio de baterias recarregáveis, tornando pos- do teste nos pacientes foi de 10,7mm. A cultura foi positiva para
sível seu uso em áreas rurais ou sem eletricidade. O funcionamento Leishmania sp em apenas dois (25%) de oito pacientes, nos quais, esse
ocorre quando os eletrodos são aplicados sobre a pele, gerando ca- exame foi realizado. Todos os pacientes incluídos no estudo tiveram
lor quando as ondas de radiofrequência passam entre os dois eletro- a PCR convencional positiva para Leishmania sp.
dos atingindo uma área de cerca de 3mm x 4mm. Um total de 23 lesões foi avaliado, e, dessas, a maioria era
Após o tratamento, os pacientes foram orientados a cobrir de úlceras (56,52%), seguidas de placas (21,74%), pápulas (13,04%) e
a lesão com gaze e aplicar creme de ácido fusídico por sete dias, nódulos (8,7%). Em relação à localização das lesões, a maioria estava
para evitar infecção secundária. O seguimento dos pacientes foi rea- localizada nos membros inferiores (60,87%), 30,43%, nos membros
lizado com 15 dias, 30 dias, 90 dias, 180 dias e 360 dias. Entretanto, superiores, e 8,7%, na cabeça. A média de duração das lesões infor-
foram orientados a retornar em caso de intercorrência. Fotografias mada pelos pacientes foi em torno de três meses (Tabela 2).
foram feitas antes do tratamento e em todos os retornos. Todos os pacientes retornaram às consultas, e não houve
Quando o paciente apresentava mais de uma lesão, a apli- perda de seguimento. A cura completa em até três meses do tra-
cação era inicialmente realizada apenas na maior. Se, após 30 dias tamento foi observada em 13 pacientes (86,67% IC95% 54,63% a

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Tratamento da leishmaniose cutânea com termoterapia no Brasil: estudo de eficácia e segurança 353

97,23%) (Tabela 3). O tempo médio de cura dos 13 pacientes conside- Uma paciente que não obteve cura após três meses de acom-
rados curados foi de dois meses. Nenhum dos pacientes que tiveram panhamento se recusou a receber a terapia sistêmica com antimo-
cicatrização completa das lesões apresentou recidiva das lesões no niato de N-metilglucamina e evoluiu com boa resposta e com com-
período de doze meses de acompanhamento. pleta cicatrização de suas duas lesões após três meses de uma nova
Dos sete pacientes que tinham mais de uma lesão, somente sessão de termoterapia por radiofrequência (Figuras 2). O outro pa-
dois apresentaram cicatrização das lesões que não foram tratadas ciente que foi considerado como falha terapêutica teve redução de
(Figuras 1). Cinco necessitaram da aplicação da termoterapia por ra- sua úlcera em aproximadamente 75%, mas não obteve uma comple-
diofrequência nas demais lesões, e não somente na maior lesão. Isso ta reepitelização da pele para ser considerado completamente cura-
ocorreu porque, após 30 dias da aplicação inicial, as lesões menores do. Esse paciente foi tratado com antimoniato de N-metilglucamina.
adjacentes não apresentaram sinais de evolução para cicatrização, e Do total de 23 lesões, somente 15 foram tratadas inicialmen-
algumas delas, inclusive, aumentaram de tamanho. te (uma lesão de cada paciente). Após 30 dias, as lesões foram reava-
liadas, e somente duas (25%) das oito lesões não tratadas evoluíram
para cura sem necessidade de receber aplicação da termoterapia.
Tabela 1: Características demográficas e clínicas dos pacientes
Sendo assim, das 21 lesões tratadas, 18 evoluíram para cura após
(n = 15)
o tratamento (85,7% IC 95% 63,7% a 97,0%) (Tabela 4). Duas foram
Idade (anos) Média ± DP 43,47 ± 20,97
excluídas da análise, pois não receberam tratamento.
Sexo Masculino 9 (60,00%) Os principais efeitos colaterais descritos pelos pacientes fo-
Feminino 6 (40,00%) ram dor (33,3%), prurido (16,7%) e ardência (5,6%). Apenas um dos
N.º de lesões Uma lesão 8 (53,33%) pacientes desenvolveu bolhas no local da aplicação. Sete pacientes
Duas lesões 6 (40,00%) (38,9%) negaram qualquer efeito colateral. Não foi observada infec-
ção secundária após a aplicação do tratamento.
Três lesões 1 (6,67%)
História familiar de sim 5 (33,33%)
leishmaniose
Tabela 3: Percentual de cura dos pacientes tratados com
não 10 (66,67%) termoterapia
Infecção secundária sim 5 (33,33%) Número de N.º de N.º (%) de IC (95%)
não 10 (66,67%) aplicações pacientes pacientes
tratados curados
Linfonodomegalia sim 1 (6,67%)
Uma aplicação 10 9 (90,0%)

não 14 (93,33%) Duas aplicações 4 3 (75,0%)


(uma em cada
Amastigotas na biópsia sim 9 (60,00%) lesão)
Três aplicações 1 1 (100,0%)
não 6 (40,00%) (uma em cada
Teste de Montenegro Média ± DP 10,70 ± 1,99 lesão)
(mm) Total 15 13 (86,7%) 54,6% a
DP = desvio padrão; IC (95%) = intervalo de confiança de 95% para a média 97,2%
IC (95%) = intervalo de confiança de 95% para a média

Tabela 2: Características das lesões (n = 23)


Descrição N % Mediana
± DP
Tipo de lesão Pápula 3 13,04%
Placa 5 21,74%
Nódulo 2 8,7%
Úlcera 13 56,52%
Localização das lesões MMSS 7 30,43%
MMII 14 60,87%
Cabeça 2 8,70%
Duração das lesões 3,0 ± 1,68
(meses)
Área das lesões (mm2) 300 ± 365,8 A B
Figura 1: A - Antes do tratamento com termoterapia. B - Depois do
DP = desvio padrão; MMSS = membros superiores; MMII = membros inferiores tratamento com termoterapia (apenas a lesão maior foi tratada)

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A área de reepitelização de treze lesões (56,5%) ficou com com soldados que contraíram a doença por L.major no Iraque ou no
excelente aspecto, adquirindo praticamente a mesma coloração da Kuwait, apresentou uma das menores taxas de cura (48%) entre os
pele inicial (Figuras 3). A cicatrização com hipercromia foi obser- estudos publicados.39
vada em 34,8% das lesões, e apenas uma paciente que apresentava É possível que fatores como resposta imunológica do hospe-
duas lesões cicatrizou com hipocromia. deiro e seu estado nutricional, bem como diferenças entre as espé-
cies causadoras da doença sejam responsáveis por essa divergência
DISCUSSÃO entre as proporções de cura encontradas nos estudos. Apesar de
Os resultados desse estudo mostram que a termoterapia neste estudo a espécie de Leishmania causadora da doença não ter
com radiofrequência pode ser considerada uma alternativa terapêu- sido identificada, é provável que as lesões tenham sido causadas
tica ao tratamento convencional da LC localizada. A amostra ficou por L. braziliensis na maioria dos pacientes.3 Estudo realizado ante-
restrita a 15 pacientes por causa do curto intervalo de tempo dis- riormente na Guatemala com 66 pacientes para avalizar a eficácia da
ponível para a coleta de dados e realização deste estudo, associado termoterapia demonstrou eficácia de 73% em pacientes com LC por
ao pequeno número de casos notificados, no período, no Estado do L. braziliensis e L. mexicana, a mesma dos pacientes tratados com an-
Piauí. Apesar disso, consideramos que essa amostra tem caracterís- timonial pentavalente sistêmico.34 Em outros dois estudos randomi-
ticas demográficas e clínicas representativas da população que cos- zados, também comparando a termoterapia com o antimoniato pen-
tuma ser acometida por essa doença. tavalente sistêmico, realizados na Colômbia, o percentual de cura
A termoterapia com radiofrequência teve uma taxa de cura foi menor, em torno de 60%. Nesses estudos, as espécies envolvidas
de 87%, uma das mais elevadas se comparada a outros estudos rea- na infecção eram L. panamensis, L. braziliensis e L. guyanensis.35,36 Se
lizados anteriormente, embora com um largo intervalo de confiança compararmos os resultados desses estudos com outros dois envol-
(IC 95% 54,6% a 97,2%). Uma meta-análise de estudos clínicos con- vendo L. tropica, vemos que lesões causadas por essa espécie, no Ve-
trolados com infecção cutânea por diferentes espécies avaliou a efi- lho Mundo, respondem, de maneira mais eficaz, à terapia com calor
cácia da termoterapia e encontrou uma média de eficácia de 73,2%, local, com eficácia, em média, de 98% e 82,5%, respectivamente.40,46
inferior à deste estudo.45As maiores taxas de cura já descritas com A grande maioria dos estudos demonstrou que uma única
essa modalidade de tratamento foram na Índia (98%), em estudo aplicação do calor local pelo aparelho de radiofrequência é suficien-
conduzido para comparar a eficácia da termoterapia com a do anti- te para promover a completa reepitelização das lesões e alcançar a
moniato intralesional (94%) em pacientes com lesões por L. tropica.40 cura. Apenas em dois estudos, a termoterapia não foi aplicada em
Um estudo realizado em um hospital do exército em Washington, uma única sessão. Um deles, realizado na Guatemala, consistiu de
três aplicações semanais da termoterapia com uma proporção de
cura de 73%, e o outro, realizado no Irã, optou pela aplicação da
terapia uma vez por semana, por quatro semanas, obtendo uma
eficácia de 81%.34,38 Uma dose térmica mais elevada, com mais apli-
cações ou temperatura mais alta, talvez possa melhorar as taxas de
cura, sem aumentar os efeitos colaterais. No entanto, no nosso estu-
do, optamos pela aplicação de uma única sessão da terapia com um
bom resultado.
O único estudo realizado no Brasil com o uso desse apare-
lho teve como objetivo principal determinar se a cicatrização das

A B
Figure 2: A - Antes do tratamento com termoterapia. B - Depois do
tratamento com termoterapia (as lesões cicatrizaram somente após
duas sessões em cada úlcera)

Tabela 4: Percentual de cura por pacientes e lesões após trata-


mento com termoterapia
Análise do Total Cura (%) IC 95%
tratamento
Por paciente 15 13 (86,7%) 54,6% a 97,2%
Por lesão* 21 18 (85,7%) 63,7% a 97,0% A B
IC (95%) = intervalo de confiança de 95% para a média.
*Duas lesões evoluíram para cura sem necessidade de tratamento e não foram incluídas Figure 3: A - Antes do tratamento com termoterapia. B - Depois do
na tabela tratamento com termoterapia

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Tratamento da leishmaniose cutânea com termoterapia no Brasil: estudo de eficácia e segurança 355

lesões de LC produzida pela terapia com calor local era associada delação do colágeno.48 Dessa forma, a maioria das lesões tratadas
com a modulação da resposta sistêmica pelas citocinas inflamatórias adquiriu uma coloração muito semelhante à cor da pele do paciente,
em comparação com a terapia convencional com o antimoniato de e as lesões que ficaram com discromias, provavelmente, ao longo
N-metilglucamina.42 A avaliação da eficácia ficou prejudicada neste do tempo, ainda terão uma melhora no seu aspecto estético, com
estudo, visto que, após 28 dias da aplicação do calor local, os pacien- tendência ao clareamento das lesões com hipercromia e retorno da
tes que não responderam receberam o tratamento padronizado com pigmentação nas lesões hipocrômicas.
o antimoniato pentavalente. Dessa forma, nosso estudo é pioneiro O calor produzido pela radiofrequência promove uma dose
no Brasil na avaliação da eficácia dessa terapia alternativa para a LC. térmica apenas no local. Sendo assim, como em todas as terapias
Existe uma carência de estudos controlados com pacientes locais, pode não ser capaz de curar lesões a distância nem infecções
com múltiplas lesões de LC. A finalidade seria avaliar se há neces- latentes. Essa preocupação ocorre especialmente nas Américas Cen-
sidade de tratar todas as lesões ou se a aplicação da termoterapia tral e do Sul, onde a LC por L. braziliensis é prevalente, e o risco de
apenas na lesão maior seria capaz de induzir uma resposta inflama- disseminação da infecção para a mucosa permanece preocupante.
tória capaz de promover a cura das demais lesões. No nosso estu- Além disso, também existe o risco de se propor um tratamento ape-
do, dos sete pacientes que tinham mais de uma lesão, somente dois nas localizado para uma doença que talvez não seja somente locali-
apresentaram cicatrização das lesões não tratadas. Cinco necessita- zada e que pode ter acometimento de linfonodos e mucosas. Outra
ram de aplicações adicionais nas lesões menores, visto que, após 30 desvantagem em relação à termoterapia diz respeito à duração de
dias de seguimento, não demonstraram qualquer sinal de evolução sua resposta e às chances de recidivas. Entretanto, essa possibilida-
para reepitelização. Das oito lesões não tratadas inicialmente, so- de também pode ser extrapolada para os tratamentos sistêmicos,
mente duas (25%) evoluíram para cicatrização sem necessidade de que ainda não têm comprovação suficiente de sua eficácia em inibir
aplicação local. Esse efeito sistêmico sobre as lesões não tratadas, a persistência ou a reativação dos parasitos. Na Guatemala, em mais
não confirmado no presente estudo, foi descrito em relato prévio.30 de 600 pacientes já tratados com termoterapia, não houve evidência
O mecanismo para esse efeito de cura a distância não é conhecido. de leishmaniose mucosa no seguimento após 12 meses do tratamen-
Possivelmente, a resposta inflamatória gerada no local onde o calor to.34 Além disso, na Índia, estudo de eficácia, em longo prazo, não
foi aplicado induza uma resposta imunológica sistêmica com efeito demonstrou parasitos na pele, por meio de PCR, mesmo após 18
indutor de cicatrização a distância. meses de seguimento.40
Os dois pacientes que não evoluíram com boa cicatriza- Ao longo dos anos, a terapia com o antimoniato penta-
ção das lesões após três meses de tratamento foram considerados valente tem sido usada como droga de escolha no tratamento da
como falha terapêutica. Eles apresentavam uma área de 1.225mm2 LC. Entretanto, devido à sua toxicidade, necessidade de exames
e 950mm2 de lesão. A maioria dos pacientes do estudo apresenta- laboratoriais para monitorização, dificuldade de aplicação, tempo
va lesões pequenas, com área média da lesão de 410,17mm2, sendo prolongado de tratamento, baixa adesão, custo e diminuição de sua
a menor área de 50mm2 e a maior de 1.400mm2. É possível que a eficácia ao longo do tempo atribuível à administração incompleta
termoterapia com radiofrequência não seja tão adequada para tra- de regimes terapêuticos, seu uso deve ficar restrito às situações nas
tar lesões grandes. Independente do método de tratamento, quanto quais o tratamento sistêmico se faz estritamente necessário. Entre
maior for a lesão, menor será a probabilidade de cura.46 Além disso, essas situações, estão os casos de leishmaniose cutâneo mucosa,
fatores relacionados à resposta imune do hospedeiro e seu estado leishmaniose disseminada, leishmaniose difusa e nos locais onde a
nutricional, bem como a virulência da espécie envolvida na doença terapia com calor local deva ser evitada, como em regiões próximas
poderiam influenciar na evolução para a cura dos pacientes.47 Um às mucosas. Sendo assim, a grande maioria dos pacientes, com LC
desses pacientes que apresentou falha terapêutica se recusou a rece- localizada e com poucas lesões, seria poupada de uma terapia mais
ber o antimoniato pentavalente sistêmico. Após três meses de nova agressiva que a própria doença. Esse benefício seria de especial va-
sessão de termoterapia, apresentou completa cicatrização de suas lor nos pacientes idosos. Muitas vezes, esse grupo de pacientes rece-
úlceras e evoluiu para cura. be um tratamento sistêmico tóxico por causa de uma lesão ulcerada,
Após a aplicação da termoterapia por radiofrequência, to- que nem mesmo teve o diagnóstico de certeza de LC confirmado
dos os pacientes foram orientados a usar creme de ácido fusídico por métodos parasitológicos. Isso evitaria desfechos fatais como an-
duas vezes ao dia, por sete dias, o que provavelmente contribuiu teriormente registrados.17,18
para que não ocorresse infecção secundária como complicação após Uma das principais maneiras encontradas para amenizar as
o tratamento. Estudos nos quais não foi tomada tal precaução re- desvantagens do uso do antimoniato pentavalente sistêmico é o seu
gistraram taxas de infecção secundária de 7% e de 19%.39,41 Os prin- uso apenas intralesional. Com isso, a maioria dos efeitos adversos é
cipais efeitos colaterais observados foram ardência, dor e prurido. minimizada. A eficácia do antimoniato intralesional já foi registra-
Apenas um paciente apresentou uma reação mais grave com bolhas da variando entre 80-92%.40,49 Entretanto, estudos publicados no Irã
no local da aplicação. Apesar disso, esse paciente apresentou boa apontam taxa de cura não tão elevada dessa modalidade de trata-
evolução, cura de sua úlcera e excelente cicatrização, com leve eri- mento, com eficácia entre 40-60%.38,50 Outras desvantagens incluem
tema no local. a necessidade de múltiplas aplicações diminuindo a adesão dos pa-
Todos os pacientes que responderam ao tratamento tiveram cientes, o maior número de efeitos colaterais quando comparado à
um resultado cosmético aceitável após 12 meses de seguimento. A termoterapia, o custo e a necessidade de monitorização laboratorial.
radiofrequência é capaz de induzir a contração, a síntese e a remo- Novas opções terapêuticas têm sido buscadas. Contudo,

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apesar dos bons resultados, nenhuma delas foi considerada conve- CONCLUSÕES
niente ou eficaz o suficiente para substituir o tratamento conven- Levando, em consideração, os resultados desse estudo, con-
cional. Dentre as opções de tratamentos localizados, a termoterapia clui-se que a termoterapia por radiofrequência pode ser considerada
com radiofrequência aparece como uma opção bastante viável, uma como uma possível alternativa aos antimoniais pentavalentes para
vez que é eficaz e geralmente requer apenas uma sessão, aumen- o tratamento da LC localizada no Brasil, especialmente nos casos de
tando a adesão por parte do paciente. Uma das principais vanta- lesão cutânea única e em casos em que haja contraindicação formal
gens dessa terapia é que o aparelho usado é de fácil aplicação, leve e ao tratamento tradicional.
funciona por meio de baterias recarregáveis, tornando possível seu Estudos adicionais controlados e randomizados são ne-
uso em áreas rurais ou sem eletricidade. Outra vantagem dessa mo- cessários e estão sendo conduzidos com um maior número de pa-
dalidade de tratamento é que não necessita de monitoramento com cientes e um maior tempo de seguimento, para que essa forma de
exames laboratoriais, poupando os órgãos de saúde de gastos adi- tratamento seja colocada como uma das principais alternativas ao
cionais nesse sentido. Embora o equipamento para a termoterapia tratamento convencional da LC localizada no Brasil. q
seja ainda relativamente caro, dificultando o seu acesso em países
endêmicos, os gastos relacionados ao tratamento convencional são
superiores. Outra possibilidade a ser estudada é a associação da ter-
moterapia com novas propostas de tratamento oral, como a miltefo-
sina, por exemplo. Todas essas vantagens fazem dessa terapia uma
boa alternativa no tratamento da LC localizada, especialmente em
pacientes que apresentem contraindicações absolutas ou relativas à
terapia convencional, tais como cardiopatias, nefropatias, hepatopa-
tias, gestantes e pacientes com HIV.

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Sheila Viana Castelo Branco Gonçalves 0000-0002-3405-0386


Carlos Henrique Nery Costa 0000-0001-7302-2006

Como citar este artigo: Gonçalves SVCB, Costa CHN. Treatment of cutaneous leishmaniasis with thermotherapy in Brazil: an efficacy and
safety study. An Bras Dermatol. 2018;93(3):347-55.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):349-57.


Investigação
358
s
Presença de Candida spp. e candidíase em pacientes transplantados
hepáticos*
Samantha Bertoncello dos Santos1 Clarice Elvira Saggin Sabadin1
Débora Nunes Mario2 Lilian Rigo1
Dulce Aparecida Barbosa3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186533

Resumo: Fundamentos: Candidíase é a infecção fúngica oportunista mais comum da cavidade oral, causada por fungos do
gênero Candida e, geralmente, associada a indivíduos imunodeprimidos.
Objetivos: Avaliar a presença de candidíase oral e identificar a presença de Candida spp. em pacientes receptores de fígado e
verificar associação entre a presença do fungo e variáveis sociodemográficas, hábitos alimentares e exposição ambiental.
Métodos: Foi realizado estudo transversal com 49 pacientes submetidos a transplante de fígado no Hospital São Vicente de
Paulo em Passo Fundo - RS. A coleta de informações dos pacientes foi realizada para obtenção dos dados sociodemográficos,
hábitos alimentares e exposição ambiental. As infecções fúngicas foram rastreadas por exame clínico bucal, e a presença
de Candida spp., por meio da coleta de material oral com swab estéril, semeado em Ágar Sabouraud, incubadas a 25°C e
observadas em 48 horas. Para identificação de Candida albicans, foi realizada a prova do tubo germinativo.
Resultados: A partir das amostras de 49 pacientes, em 39%, foi isolada levedura do gênero Candida, e, desses pacientes, 12%
apresentavam candidíase, sendo 66% do tipo atrófica e 34% pseudomembranosas. As espécies de leveduras identificadas
foram 11 (58%) Candida não-albicans e oito (42%) Candida albicans.
Limitações do estudo: O presente estudo apresenta como limitação a inclusão de pacientes em diferentes estágios de
imunossupressão.
Conclusão: A elevada incidência de Candida não-albicans na cavidade oral de pacientes transplantados com maior tempo de
realização do transplante serve de alerta para um controle mais eficaz da saúde desses indivíduos, especialmente aqueles com
idade mais avançada.
Palavras-chave: Candida; Candidíase bucal; Transplante de órgãos

INTRODUÇÃO
Os avanços científicos e tecnológicos da medicina estão am- vas em unidades de cuidado intensivo, a utilização de antibióticos
pliando a sobrevida das pessoas, propiciando que pacientes grave- de amplo espectro em larga escala e a quimioterapia mais agressiva
mente enfermos vivam por mais tempo, aumentando a população para neoplasias (provocando mucosite e neutropenia).4,5
de risco, ou seja, pacientes acometidos por doenças imunossupres- A incidência e a severidade de tais infecções, bem como os
soras, tornando-os mais vulneráveis a infecções fúngicas.1-3 Essa agentes patogênicos causadores, podem estar relacionadas a vários
população inclui pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência fatores de risco relativos ao paciente, tais como a doença subjacente,
adquirida (HIV), receptores de órgãos sólidos ou transplante de cé- o estado de imunossupressão e, até mesmo, a localização geográfica
lulas sanguíneas, ainda, considera o surgimento de novos e mais do indivíduo.3,6 Com a introdução de estratégias profiláticas mais
potentes imunossupressores, o uso de técnicas terapêuticas invasi- efetivas e com refinamentos nos regimes de imunossupressão, o nú-

Recebido 27 Setembro 2016.


Aceito 16 Março 2017.
* Trabalho realizado no Hospital São Vicente de Paula e Faculdade Imed, Passo Fundo (RS), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Departamento de Saúde Coletiva, Escola de Odontologia, Faculdade Imed, Passo Fundo (RS), Brasil.

2
Departamento de Microbiologia, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Uruguaiana (RS), Brasil.

3
Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Clarice Elvira Saggin Sabadin
E-mail: clarice.sabadin@imed.edu.br

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An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


Presença de Candida spp. e candidíase em pacientes transplantados hepáticos 359

mero de complicações infecciosas após transplante de órgãos tem te e produtos de leite não pasteurizado, frutos do mar e presença de
diminuído, porém infecções permanecem como das complicações alterações/doenças cutâneas - processos infecciosos causados por
ameaçadoras à vida.6 fungos na pele e/ou unhas).
A candidíase é a infecção micótica mais comum da cavi-
dade oral, causada por fungos do gênero Candida, especialmente Coleta de dados com finalidade microbiológica
Candida albicans, embora outras espécies possam estar envolvidas. Foi realizado um exame clínico bucal nos pacientes para ve-
Geralmente, a infecção oral por espécies de Candida está associada rificar a presença de candidíase oral e de fungos do gênero Candida.
a indivíduos imunocomprometidos, sendo caracterizada como uma Com o auxílio de afastadores bucais estéreis, foi coletado material
infecção oportunista.7 oral com swab estéril, semeado em placas de Petry, contendo Ágar
A candidíase oral está entre os indicadores de imunodefi- Sabouraud dextrose acrescido de cloranfenicol, incubadas a 25°C e
ciência, e, nas últimas décadas, estudos em vários países demons- observadas em 24 e 48 horas. Em pacientes que não apresentaram
tram mudança na epidemiologia das infecções por Candida spp., lesões, foram coletadas amostras para investigar a presença da le-
com o aumento da incidência de Candida não-albicans como C. gla- vedura. Consideraram-se como resultados positivos para leveduras
brata, C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei. Uma tendência preocu- do gênero Candida aquelas amostras que apresentaram, em meio de
pante é o aumento significativo de cepas resistentes a diversos anti- cultura, crescimento de colônias cremosas e, observadas ao micros-
fúngicos da classe dos azólicos e equinocandinas. Além disso, dois cópio óptico, células leveduriformes Gram positivas.
terços dos casos de candidemia são detectados fora das unidades de
tratamento intensivo.8,9 Essa mudança epidemiológica tem impacto Variáveis e análise dos dados
significante nas opções terapêuticas para o tratamento inicial e de- Como variável dependente, foi utilizada a presença de Can-
finitivo para essa doença.10-12 Porém, as escassas informações exis- dida spp., incluindo, assim, os pacientes que apresentaram candidía-
tentes relacionadas a infecções oportunistas em pacientes fora das se e os que apresentaram fungo do gênero Candida. Para as variáveis
unidades de tratamento intensivo são relevantes para assegurar a independentes, foram utilizados dados do questionário aplicado
sobrevivência desses indivíduos. aos pacientes.
Frente ao panorama do problema exposto, este estudo tem Todos os dados foram anotados e digitados em um Banco
como objetivo avaliar a presença de candidíase oral e identificar os de Dados específico para a análise estatística descritiva e inferencial
fungos do gênero Candida em pacientes receptores de fígado, bem da presente pesquisa. Os dados foram processados eletronicamen-
como verificar associação entre a presença de Candida spp. e variáveis te com a utilização do Programa Statistical Package for Social Science
sociodemográficas, de hábitos alimentares e de exposição ambiental. (SPSS), versão 17.0. No presente estudo, optou-se por não realizar
uma análise multivariada e usar análise bivariada pelo teste do qui-
MÉTODOS -quadrado de Person (χ2). Esse é um teste de hipóteses que se des-
Aspectos éticos tina a encontrar valor da dispersão para duas variáveis nominais e
O estudo foi precedido da aprovação pelo Comitê de Ética avaliar a associação existente entre variáveis qualitativas. Assim, a
em Pesquisa (CEP) sob o número de aprovação 1.216.546, seguindo os associação entre a variável dependente (presença de Candida spp.) e
aspectos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. as variáveis independentes foram testadas ao nível de significância
de 5% e intervalo de confiança de 95%, levando-se, em considera-
Desenho, período e local do estudo ção, a hipótese unilateral. As variáveis associadas ao desfecho foram
Este estudo foi um estudo transversal, realizado no período as que tiveram nível de significância menor do que 0,05.
de setembro a outubro de 2015.
RESULTADOS
População e amostra Análise descritiva dos dados
Foram incluídos todos os pacientes (n = 49) submetidos a Dos 49 indivíduos avaliados neste estudo, a maior parte
transplante hepático, maiores de 18 anos e que consentiram em par- era do sexo feminino (83,7%) com idade média de 59 anos, sendo a
ticipar da pesquisa. maioria deles casados (87,8%) e moradores do Estado do Rio Gran-
de do Sul (83,3%). Mais da metade dos participantes (57,1%) não
Coleta de dados epidemiológicos exercia mais a sua profissão (inativos). Quanto à renda mensal in-
A coleta de dados foi realizada uma única vez sob a super- dividual, 55,1% recebiam até R$ 2.000,00. A maior proporção dos
visão do médico responsável. Foi aplicado um questionário padro- pacientes receptores de fígado realizou o transplante há menos de
nizado, conforme proposta de Sabadin et al.13, contendo dados de 10 anos (63,3%), conforme tabela 1.
variáveis sociodemográficas (idade, sexo, estado onde reside, esta- A hepatite C revelou-se como a principal etiologia que
do civil, atividade profissional atualmente, renda individual, tempo levou ao transplante, tendo acometido 20 (41%) dos pacientes da
da realização do transplante, causa do transplante); variáveis de há- amostra, seguido de hepatite B (29%), etilismo (14%), câncer (6%)
bitos alimentares e de exposição ambiental (residiu ou viajou para ou outras causas (10%).
locais com micoses ou doenças parasitárias endêmicas, exposição a Quanto às variáveis relacionadas à exposição ambiental,
animais de estimação, exposição a crianças pequenas de até 10 anos 38% afirmaram residir ou ter viajado para locais fora do seu estado
de idade, água utilizada para beber, alimentação com carne crua, lei- de residência. Quanto aos hábitos de alimentação, 71% afirmaram

An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


360 Santos SB, Sabadin CES, Mario DN, Rigo L, Barbosa DA

Tabela 1: Distribuição total dos pacientes receptores de fíga- Tabela 2: Distribuição dos pacientes receptores de fígado
do quanto às variáveis sociodemográficas quanto à exposição a fatores ambientais e hábitos alimentares
Variáveis sociodemográficas n (49) % (100) Variáveis n (49) % (100)
Sexo Reside ou viajou a lugares com Sim 11 22
Masculino 8 16,3 micoses ou doenças parasitári-
as endêmicas
Feminino 41 83,7
Não 38 78
Faixa etária
Exposição a animais de esti- Sim 34 70
21 a 59 anos 24 49,0 mação
60 a 78 anos 25 51,0 Não 15 30
Estado civil Água utilizada para beber Mineral 27 55
Casados 43 87,8 Torneira 22 45
Solteiros, viúvos, divorciados 6 12,2 Exposição a crianças pequenas Sim 8 16
Estado Não 41 84
Rio Grande do Sul 40 83,3 Hábitos de alimentação: carne Sim 35 71
Santa Catarina 9 16,7 crua, leite e produtos de leite
não pasteurizado e frutos do
Atividade profissional atual
mar
Ativo 21 42,9
Não 14 29
Inativo 28 57,1
Alterações cutâneas Sim 20 41
Renda mensal individual
Não 29 59
Até R$ 1.000,00 13 26,5
De R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00 14 28,6
Acima de R$ 2.000,00 22 44,9
Data do transplante
De 1 a 9 anos 31 63,3
De 10 a 15 anos 18 36,7

ingerir, pelo menos, um dos seguintes alimentos: carne crua, leite e


produtos de leite não pasteurizado e frutos do mar. Somado a isso,
27% ingeriam água mineral, e 41% relataram alteração cutânea pós-
-transplante (Tabela 2).
Dos 49 pacientes investigados, a presença de Candida spp.
foi observada em 19 (39%), sendo que, desses, seis (12%) apresenta-
ram candidíase oral, quatro (66%), do tipo atrófica, e dois (33%), do
tipo pseudomembranosa (Figuras 1 e 2).
Das 19 (39%) amostras de Candida, oito (42%) eram C. albi- Figura 1: Candidíase atrófica em região anterior do palato
cans, pela comprovação por meio da formação do tubo germinativo,
e 11 (58%), Candida não-albicans.

Análise inferencial dos dados


Após a análise estatística, foi possível verificar que, em
relação às características sociodemográficas, a variável tempo do
transplante dos pacientes esteve associada à variável dependente
presença de Candida spp. Esse resultado demonstra maior presença
de Candida spp. nos pacientes com maior tempo de realização do
transplante (p = 0,016). Em relação à variável faixa etária, não houve
relação entre as variáveis, porém, os valores foram limítrofes com p
= 0,05. Os resultados encontram-se na tabela 3.

DISCUSSÃO
Receptores de transplantes de órgãos sólidos estão sob risco
de infecções fúngicas, muitas vezes, devido ao uso prolongado de
Figura 2: Candidíase atrófica em região posterior do palato

An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


Presença de Candida spp. e candidíase em pacientes transplantados hepáticos 361

Tabela 3: Análise inferencial entre a variável dependente presença de Candida spp. e as variáveis independentes
Presença de Candida spp.
VARIÁVEIS Sim Não TOTAL
n (%) n (%) n (%) p
Faixa etária 0,050
21 a 59 anos 6 (31,6) 18 (60) 24 (49)
60 a 78 anos 13 (68,4) 12 (40) 25 (51)
Sexo 0,370
Feminino 4 (21,1) 4 (13,1) 8 (16,3)
Masculino 15 (78,9) 26 (86,7) 41 (83,7)
Estado civil 0,147
Casado 15 (78,9) 28 (93,3) 43 (87,8)
Divorciado, viúvo ou solteiro 4 (21,1) 2 (6,7) 6 (12,2)
Estado de residência 0,489
Rio Grande do Sul 15 (78,9) 25 (83,3) 40 (81,6)
Santa Catarina 4 (21,1) 5 (16,7) 9 (18,4)
Profissão/trabalho 0,165 0.165
Ativo 15 (50) 6 (31,6) 21 (42,9)
Inativo 13 (68,4) 15 (50) 28 (57,1)
Renda Individual 0,952
Até R$ 1.000,00 5 (26,3) 8 (26,7) 13 (26,5)
De R$ 1.000,00 a 2.000,00 5 (26,3) 9 (30) 14 (28,6)
Acima de R$ 2.000,00 9 (47,4) 13 (43,3) 22 (44,9)
Período do transplante *0,016 *0.016
1 a 9 anos 8 (42,1) 23 (76,7) 31 (63,3)
10 a 15 anos 11 (57,9) 7 (23,3) 11 (36,7)
Complicações pós-transplante 0,228
Não 6 (31,6) 14 (46,7) 20 (40,8)
Sim 13 (68,4) 16 (53,3) 29 (59,2)
Reside ou viajou a lugares com micoses ou doenças parasitárias endêmicas 0,571
Não 15 (78,9) 23 (76,7) 38 (77,6)
Sim 4 (21,1) 7 (23,3) 11 (22,4)
Exposição a animais de estimação 0,329
Não 7 (36,8) 8 (26,7) 15 (30,6)
Sim 12 (63,2) 22 (73,3) 34 (69,4)
Água utilizada para beber 0,506
Mineral 10 (52,6) 17 (56,7) 27 (55,1)
Torneira 9 (47,4) 13 (43,3) 22 (44,9)
Exposição a crianças pequenas 0,134
Não 14 (73,7) 27 (90) 41 (83,7)
Sim 5 (26,3) 3 (10) 8 (16,3)
Hábitos de alimentação: carne crua, leite e produtos de leite não pasteurizado e frutos do mar 0,276
Não 4 (21,1) 10 (33,3) 14 (28,6)
Sim 15 (78,9) 20 (66,7) 35 (71,4)
*p < 0,005 – Diferença estatisticamente significativa.

fármacos imunossupressores. O conhecimento das espécies fúngi- quisa realizada por Rai et al.15 evidenciou 29 amostras positivas para
cas, o diagnóstico precoce e a terapêutica adequada dessas infecções a presença de Candida, Aspergillus ou Alternaria como agentes de
são fundamentais para melhorar a sobrevida e reduzir a mortalida- infecção secundária de total de 45 amostras coletadas de pacientes
de dos pacientes transplantados.4 No presente estudo, foi demons- debilitados. Receptores de órgãos sólidos estão suscetíveis a infec-
trada uma prevalência de presença de Candida spp. de 39%. Leves- ções oportunistas, dessa forma, torna-se importante o diagnóstico
que et al.14 investigaram 52 pacientes transplantados hepáticos em correto e o conhecimento da epidemiologia dos principais fungos
hospital da França e encontraram leveduras do gênero Candida em causadores de infecção.16
81% dos indivíduos, sendo C. glabrata a espécie prevalente (47%). O Apesar de não haver evidências suficientes para comprovar
mesmo estudo demonstrou que ocorreram, durante o período de que pacientes transplantados hepáticos apresentam maior prevalên-
avaliação, seis casos de candidíase invasiva nesses pacientes. Pes- cia de Candida spp. na cavidade oral do que indivíduos imunocom-

An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


362 Santos SB, Sabadin CES, Mario DN, Rigo L, Barbosa DA

petentes, pode-se chamar a atenção para a necessidade de cuidados em questão, foram comparadas a presença da doença com variá-
especializados com a cavidade oral desses pacientes, para evitar com- veis sujeitas a possíveis fatores de risco. Após análise estatística,
plicações como infecções sistêmicas por microrganismos oportunistas verificou-se que o tempo do transplante dos pacientes esteve as-
devido ao uso de terapia imunossupressora após o transplante. sociado à variável dependente presença de candidíase. Em tra-
Infecções por espécies de Candida respondem a maior parte balho semelhante, Couto et al.27 verificaram que infecção fúngica
das micoses invasivas no grupo de pacientes transplantados.12 No em pacientes submetidos a transplante de fígado é dependente
presente estudo, foram verificados seis (12%) casos de candidíase de alguns fatores que podem interagir propiciando o aparecimen-
oral, quatro (66%) do tipo atrófica e dois (33%) do tipo pseudomem- to da doença, tais como a intensidade da exposição a patógenos
branosa. Estudo semelhante foi realizado por Rojas et al.17, em que potenciais, o grau de imunossupressão empregado e o cuidado
relataram um índice de 7,5% de candidíase clínica nos pacientes re- pós-operatório. Sun et al.28 observaram que a idade e a frequên-
ceptores de fígado. Em estudo realizado por Gondim et al.18, a pre- cia de escovação dentária foram fatores de risco para colonização
valência de candidíase variou de 3,7% a 18,7%, sendo a forma mais por Candida spp., embora, no presente estudo, não houve relação
frequente a eritematosa (atrófica). Rezvani et al.19 observaram can- significativa com a idade dos pacientes, mas os valores ficaram
didíase oral do tipo eritematosa em 8,5% dos pacientes estudados próximos de considerar significante. Independentemente do tipo
(transplantados imunossuprimidos) e ainda constataram percentual do transplante e de drogas imunossupressoras, estudos chamam a
de 17,1% de episódios de candidíase, sendo que 76% eram do tipo atenção para os cuidados com possíveis fatores de risco, pois esses
pseudomembranosa. Já em outro estudo com pacientes transplanta- requerem diferentes estratégias para a prevenção e o controle de
dos renais, 15,8% apresentavam candidíase oral.20 infecção por Candida spp.
Fatos tais demonstram que pacientes na condição de imu- Como limitações deste estudo, podemos relatar a pequena
nossupressão estão mais vulneráveis ao desenvolvimento de can- amostra atendida no ambulatório do hospital no período da pesqui-
didíase, pois, apesar de ser variável a ocorrência de episódios infec- sa, a inclusão de pacientes em diferentes estágios de imunossupres-
ciosos entre os diversos estudos, ocorre com maior frequência em são, bem como a ausência de um grupo de controle saudável, que
pacientes receptores de órgãos sólidos. impediu delineamento que pudesse realizar comparação entre os
Apesar de vários estudos demonstrarem ser C. albicans a grupos. Dessa forma, poderia se chegar a conclusões mais defini-
principal espécie isolada de pacientes com candidíase invasiva, ob- tivas quando comparados os resultados com os de outros estudos.
serva-se aumento significativo de espécies de Candida não-albicans, É importante ressaltar que os resultados dos estudos
principalmente C. tropicalis e C. parapsilosis, tendência essa já nota- sobre o tema em questão podem ser explicados pelos diferentes
da em vários cenários de candidemia.21 No presente estudo, foram delineamentos, diversidade de tamanhos de amostra e indicadores
identificadas oito espécies de C. albicans e 12 de Candida não-albicans. de avaliação, além de outros fatores que possam estar envolvidos.
Estudo realizado por Levesque et al.14 relatou 42 culturas (81%) de Embora o tamanho da amostra seja reduzido, os resultados
Candida spp., tendo, como espécie prevalente, C. glabrata (47%), fato apontam para a necessidade de um controle mais eficaz da saúde
tal que demonstra a importância da identificação da espécie fúngica, desses pacientes, especialmente, aqueles com idade mais avançada.
pois as espécies de Candida não-albicans podem apresentar suscetibi- Além disso, houve maior incidência de presença de Candida spp. nos
lidade reduzida a determinados antifúngicos convencionais. Discre- pacientes com maior tempo de realização do transplante, aumen-
pante ao presente estudo, a investigação realizada por Mímica et al.22 tando o risco de morbidade nessa população.
caracterizou 50% das amostras como C. albicans; 20,8%, C. tropicalis;
2,4%, C. krusei e 26,9%, outras espécies (não determinadas). Crocco CONCLUSÃO
et al.23, a partir da técnica de CHROMagar Candida, identificou C. As espécies de Candida classificadas como não-albicans vêm
albicans em 76% dos isolados estudados, C. krusei em 19%, seguida emergindo em todas as infecções fúngicas. Esse cenário é preocu-
de C. tropicalis em 1%. Ainda, na pesquisa de Rocha et al. 24, C. albicans pante, uma vez que o arsenal antifúngico disponível é bastante res-
foi a espécie de maior prevalência (86,4%), seguida de C. tropicalis trito e, em alguns casos, ineficaz frente infecções causadas por cepas
(4,5%). No estudo de Wingeter et al.25, foram identificadas, entre as multirresistentes. O quadro infeccioso atinge essa gravidade quan-
amostras, 93% de C. albicans. Esses estudos ressaltam a importância do não é realizado o diagnóstico correto pela falta de padronização
da identificação do agente fúngico para que possa ser realizado o laboratorial de identificação de fungos.
tratamento correto o mais precocemente possível, a fim de se evitar Aqui demonstramos, no grupo estudado, que a cavidade
o risco de infecções fúngicas invasivas.26 oral de pacientes que sofreram transplante hepático está sendo habi-
A candidíase oral pode ser considerada um problema que tada, em maior parte, por Candida não-albicans, o que serve de alerta
traz agravos para a saúde de pessoas com alteração do sistema para controle mais eficaz da saúde desses pacientes, especialmente,
imunológico, devido ao uso de imunossupressores.21 No trabalho aqueles com idade mais avançada. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


Presença de Candida spp. e candidíase em pacientes transplantados hepáticos 363

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Clarice Elvira Saggin Sabadin 0000-0002-2592-1346 Dulce Aparecida Barbosa 0000-0002-9912-4446

Débora Nunes Mario 0000-0001-7021-3245

Como citar este artigo: Santos SB, Sabadin CES, Mario DN, Rigo L, Barbosa DA. Presence of Candida spp. and candidiasis in liver transplant
patients. An Bras Dermatol. 2018;93(3):356-61.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):358-63.


364
Investigação
Particular characteristics of atopic eczema in tropical environments. The Tropical Environment... 364
s
Prevalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento para
o câncer de mama*

Tamara Hoffmann1 Mariane Corrêa-Fissmer2


Camila Soares Duarte1 Rayane Felippe Nazário1
Ana Beatriz Sanches Barranco1 Karen Waleska Knipoff de Oliveira1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186541

Resumo: Fundamentos: Doenças malignas internas, como o câncer de mama, assim como seu tratamento podem frequente-
mente acarretar alterações dermatológicas.
Objetivos: Avaliar a prevalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento oncológico para o câncer de mama em
um hospital de Tubarão, Santa Catarina, Brasil.
Métodos: Estudo observacional do tipo transversal, realizado durante o período de outubro de 2015 a fevereiro de 2016, em
que foram entrevistados 152 pacientes que apresentavam diagnóstico de câncer de mama e que se encontravam em tratamento
com quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e/ou cirurgia, por meio de preenchimento do protocolo de pesquisa ela-
borado pela autora.
Resultados: O tratamento do câncer de mama esteve associado a queixas dermatológicas em 94,1% dos entrevistados, sendo
a queda dos cabelos a mais frequente, presente em 79,6% da amostra, seguida das alterações ungueais (56%). Pacientes com
fotótipos de pele mais baixos (I, II e III) apresentaram uma menor chance (p = 0,045) de desenvolver alterações dermatológicas
quando comparados aos fotótipos mais altos. Já a radioterapia (p = 0,011) e a cirurgia oncológica (pFisher = 0,004) apresenta-
ram significância estatística quando relacionadas a alterações dermatológicas.
Limitações do estudo: Inerentes ao delineamento do estudo, assim como o viés de memória.
Conclusões: Verificou-se que a maioria dos pacientes com diagnóstico de câncer de mama apresentou manifestações dermato-
lógicas durante o tratamento oncológico proposto, sendo que os pacientes submetidos à radioterapia e à cirurgia apresentaram
alterações dermatológicas com maior significância estatística.
Palavras-chave: Neoplasias da mama; Pele; Radioterapia; Tratamento farmacológico

INTRODUÇÃO
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequen- diagnosticada em estádios avançados.2 Desse modo, a importância
te no mundo e o mais comum entre as mulheres, tanto em países de pesquisas sobre a prevenção primária dessa neoplasia e de suas
em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, apresentando, no intervenções é bastante evidente.1
Brasil, uma taxa bruta estimada, para 2016, de 57.960 casos novos.1 Como modalidades terapêuticas para essa neoplasia, tem-se
Acomete, com maior frequência, mulheres por volta dos 50 anos a cirurgia e a radioterapia para tratamento locorregional, além da
de idade. Nas últimas décadas, porém, foi observado um aumento quimioterapia e a hormonioterapia para tratamento sistêmico.3
da incidência mundial dessa neoplasia, inclusive em faixas etárias Doenças malignas internas, como o câncer de mama, po-
mais jovens, bem como da taxa de mortalidade também crescen- dem frequentemente causar manifestações cutâneas devido aos
te no país, fato que pode ser explicado porque a doença ainda é efeitos diretos, ou seja, a invasão da pele por um tumor ou suas

Recebido 05 Outubro 2016.


Aceito 16 Março 2017.
* Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão (SC), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Ambulatório Médico de Especialidades, Curso de Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Tubarão (SC), Brasil.
2
Sistema Sensorial, Curso de Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Tubarão (SC), Brasil.

Endereço para correspondência:


Tamara Hoffmann
E-mail: tamara.hoffmann@hotmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

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Prevalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento para o câncer de mama 365

metástases, ou por efeitos indiretos que desencadeiam sinais e sin- para a consulta ou tratamento dos pacientes. A coleta foi realizada
tomas cutâneos.4 Sabe-se ainda que o próprio tratamento do câncer por cinco estudantes do curso de medicina da Universidade do Sul
com quimioterapia e terapia de radiação, por exemplo, também es- de Santa Catarina, sendo a autora e quatro colaboradores devida-
tão aludidos ao aparecimento de inúmeros efeitos colaterais na pele mente treinados para sua padronização. Informação a respeito do
do paciente com câncer.5,6 Além da pele propriamente dita, o cabelo subtipo histológico do câncer de mama foi acessada pela análise de
e as unhas, estruturas anexiais cutâneas complexas, indiretamente prontuário médico eletrônico do serviço, por meio do sistema Phi-
influenciadas pelo estado fisiológico do paciente, também podem lips Tasy, utilizado pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição, para
ser afetadas por malignidades internas, assim como pelo seu tra- preenchimento do protocolo de pesquisa elaborado pela autora.
tamento.5 Foram consideradas quaisquer queixas cutâneas ocorridas
As drogas quimioterápicas, por exemplo, doxorrubicina, durante o tratamento dos pacientes com câncer de mama, excluin-
ciclofosfamida, fluoracil e docetaxel, atuam sobre as células que do-se as queixas prévias ao início do tratamento. Esse dado foi con-
apresentam alta taxa de multiplicação agindo não somente sobre as siderado quando descrito no prontuário e/ou informado pelo pa-
células neoplásicas, mas também sobre qualquer célula do organis- ciente durante todo o período de acompanhamento. As variáveis de
mo com alto metabolismo, acometendo, dessa maneira, a pele e seus interesse ao estudo foram sexo, idade ao diagnóstico, estado civil,
anexos.7 Apesar de não haver números exatos, uma vez que não profissão, escolaridade, procedência, história familiar de câncer de
existem estudos epidemiológicos dessas drogas usadas isoladamen- mama, fotótipo, tipo histológico do câncer de mama, tratamentos
te, estima-se uma incidência de alterações dermatológicas de 65% realizados e queixas dermatológicas intercorrentes.
relacionadas ao seu uso.8 Entre as mais frequentes, estão a alopecia, Os dados foram organizados no software Microsoft Excel e
reações de hipersensibilidade e alterações ungueais.9 analisados no software SPSS 15.0. As variáveis qualitativas, como
A radioterapia também é capaz de ocasionar inúmeros sexo, estado civil, profissão, escolaridade, história familiar, fotótipo,
efeitos sobre o tecido cutâneo, podendo ocorrer desde discreto tipo histológico do câncer, tratamentos prévios e atual, assim como
eritema na mama, nos casos mais leves, até necrose cutânea com as queixas dermatológicas, foram descritas na forma de frequência
risco aumentado de úlceras e degeneração maligna, em casos gra- absoluta e relativa, por outro lado, as variáveis quantitativas, como
ves.10,11 A exérese cirúrgica do tumor também pode resultar em idade ao diagnóstico, por meio de medidas de tendência central e
sequelas locais, tanto cosméticas quanto funcionais, como cicatrizes dispersão dos dados. As comparações de proporções foram avalia-
atróficas, hipertróficas, queloidianas, hiperpigmentação, fibrose e das pelo teste do Qui-quadrado, e as comparações de médias, pelo
outras.12 Já a terapia hormonal, realizada mais frequentemente com teste t de Student ou correspondentes não paramétricos. O nível de
o tamoxifeno, está associada a uma incidência de 19% de reações significância estabelecido foi de 5%, e o intervalo de confiança, 95%.
cutâneas em algum momento durante o curso do tratamento, desde A presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em
eventos adversos comuns de fogachos a raros desfechos como a sín- Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e foi aprovada sob o protoco-
drome de Stevens-Johnson.13 lo de n.º 1.541.235.
Devido às altas taxas de incidência de pacientes com cân-
cer de mama e sabendo que as diversas alterações dermatológicas, RESULTADOS
tanto decorrentes da própria doença quanto do seu tratamento, po- O presente estudo obteve uma amostra de 152 pacientes. To-
dem acarretar importantes consequências na qualidade de vida de dos os membros pertenciam ao sexo feminino, com média de idade
pacientes, o atual estudo tem como objetivo avaliar a prevalência de 53,32 anos (desvio padrão = 12,956) e apresentaram diagnóstico
das afecções dermatológicas nos pacientes que estão em tratamento de câncer de mama, atendidos no Hospital Nossa Senhora da Con-
oncológico para o câncer de mama no Hospital Nossa Senhora da ceição. Todos os pacientes haviam sido submetidos a tratamentos
Conceição em Tubarão, Santa Catarina. como quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e/ou cirurgia.
A tabela 1 apresenta as informações sociodemográficas da popula-
MÉTODOS ção entrevistada.
Trata-se de um estudo de delineamento observacional do Em relação ao tipo histológico do tumor, o mais frequen-
tipo transversal, realizado durante o período de outubro de 2015 a te foi o carcinoma ductal invasivo, em 134 pacientes, o que corres-
fevereiro de 2016. Foram entrevistados 152 pacientes que apresen- ponde a 88,2% dos casos, seguido pelo carcinoma lobular invasivo,
tavam o diagnóstico de câncer de mama e que se encontravam em como mostra a tabela 2.
tratamento com quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e/ Todos os componentes da amostra, quando entrevistados
ou em consulta pré ou pós-cirúrgica, nas dependências do Hospital para este trabalho, já haviam realizado ou encontravam-se em re-
Nossa Senhora da Conceição. gime de tratamento para o câncer de mama. A forma de tratamento
Foram incluídos todos os pacientes maiores de 18 anos de mais frequente entre os pacientes que compuseram a amostra foi a
idade, que se encontravam em tratamento para o câncer de mama quimioterapia, realizada por 129 (84,9%) pacientes. O segundo tra-
no Hospital Nossa Senhora da Conceição, durante o período em es- tamento mais utilizado foi a cirurgia, em 127 (83,5%) mulheres, se-
tudo, sendo excluídos os pacientes que não concordaram em parti- guido da hormonioterapia, em 93 (61,2%), e, por fim, a radioterapia,
cipar do estudo e os quais os dados de prontuário médico estavam em 86 (56,6%) pacientes.
incompletos. Os dados foram coletados por entrevista, por meio de Durante o tratamento do câncer de mama, 143 (94,1%) par-
um questionário elaborado pela autora, durante o período de espera ticipantes apresentaram algum tipo de queixa dermatológica, sendo

An Bras Dermatol. 2018;93(3):364-9.


366 Hoffmann T, Corrêa-Fissmer M, Duarte CS, Nazário RF, Barranco ABS, de Oliveira KWK

Tabela 1: Distribuição das pacientes de acordo com variáveis Tabela 2: Distribuição dos pacientes conforme tipo histológi-
sociodemográficas obtidas ao diagnóstico de câncer de mama. co do câncer de mama. Tubarão, 2015 (n = 152)
Tubarão, 2015 (n = 152) Tipo Histológico N %
Características N % Ductal Invasivo 134 88,2
Faixa etária Lobular Invasivo 5 3,3
Abaixo de 30 4 2,6 Intraductal 2 1,3
30-39 19 12,5 Lobular in situ 1 0,7
40-49 39 25,6 Tubular 1 0,7
50-59 37 24,3 Mucinoso 1 0,7
60-69 35 23,0 Papilífero 1 0,7

70 ou mais 18 11,8 Metaplásico 1 0,7

Estado Civil Outros 6 3,7

Solteira 21 13,8
Casada 88 57,9 que a queda de cabelos foi a alteração mais frequente, observada em
Divorciada 12 7,9 121 (79,6%) pacientes. A tabela 3 evidencia a frequência de queixas
Viúva 31 20,4 dermatológicas de acordo com cada tratamento.
Além disso, 34 (22,4%) pacientes relataram a presença de
Procedência
alteração dermatológica local já ao diagnóstico da neoplasia. Quinze
Tubarão 54 35,5 pacientes (9,9%) referiram retração mamária, 14 (9,2%), inversão
Laguna 18 11,8 mamilar, quatro (2,6%), mama em aspecto de “casca de laranja”, e
Braço do Norte 13 8,6 três (2,0%), extensão da lesão neoplásica para a pele subjacente.
Capivari de Baixo 11 7,2 A partir da análise dos dados, verificou-se, então, que pa-
cientes submetidos à radioterapia apresentaram queixas dermatoló-
Imbituba 10 6,6
gicas com maior frequência, com valor estatisticamente significativo
Outros 46 30,3 (RP:1,13; IC95%:1,03 a 1,23; p = 0,011). Da mesma forma, a realização
Ocupação de cirurgia também foi um fator associado a alterações dermatológi-
Aposentada/pensionista 72 47,4 cas. Os pacientes que realizaram cirurgia apresentaram uma chance
de 20% de alterações dermatológicas (RP:1,24; IC95%:1,02 a 1,54;
Doméstica/do lar 23 15,2
pFisher = 0,004).
Desempregada 3 2,0
Já a quimioterapia (p = 0,138), a hormonioterapia (p = 0,311)
Outros 54 35,4 e o tipo histológico do tumor (p = 0,288) não tiveram associação
Escolaridade estatisticamente significativa com a frequência de alterações
Analfabeta 1 0,7 dermatológicas.
O fotótipo de pele, segundo Fitzpatrick, mais frequente foi
Ensino Fundamental incompleto 79 52,0
o II, em 41 (27%) pacientes. Todavia, de acordo com a associação
Ensino Fundamental completo 18 11,2 dos fotótipos com a incidência de alterações dermatológicas, os
Ensino Médio incompleto 6 3,9 pacientes de fotótipos baixos (I, II e III) apresentaram uma menor
Ensino Médio completo 37 24,3 chance de alterações dermatológicas (8%), quando comparados aos
fotótipos mais altos (IV, V e VI) (RP:0,92; IC95%:0,86 a 0,99; pFisher =
Ensino Superior completo 6 3,9
0,045). De forma semelhante, os pacientes com fotótipo de pele VI
Pós-graduação 5 3,3
apresentaram uma prevalência três vezes maior de cicatrizes dis-
História familiar de câncer de mama tróficas em comparação aos fotótipos I a V (RP:3,00; IC 95%:1,11 a
Positiva 29 19,1 8,10; p = 0,046).
Negativa 123 80,9
DISCUSSÃO
Fotótipo
Os dados de caracterização geral mostram que, dos pa-
I 17 11,2
cientes estudados, cerca de 50% pertenciam à faixa etária de 40 a
II 41 27,0 59 anos, achado também encontrado em um estudo realizado em
III 29 19,1 Florianópolis, que demonstrou que a maioria (56,3%) das pacientes
IV 28 18,4 diagnosticadas com câncer de mama encontravam-se nessa mesma
faixa etária.14 Em relação ao estado civil, a maioria das participantes
V 29 19,1
do estudo (57,9%) era casada, dado esse que corrobora com outros
VI 8 5,3 estudos.14,15

An Bras Dermatol. 2018;93(3):364-9.


Prevalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento para o câncer de mama 367

Tabela 3: Distribuição da amostra segundo queixas dermatológicas durante o tratamento para câncer de mama. Tubarão, 2015 (n = 152)

Queixa QT RT HT Cirurgia
dermatológica N = 129 (%) N = 86 (%) N = 93 (%) N = 127 (%)
Alteração ungueal 67 (44,0) 5 (3,2) 12 (7,9) 1 (0,7)
Queda de cabelos 117 (76,9) 4 (2,6) 0 0
Cicatriz distrófica 0 3 (2,0) 0 18 (11,8)
Eritema da mama 4 (2,6) 63 (41,4) 14 (9,2) 11 (7,2)
Hiperpigmentação da mama 7 (4,6) 55 (36,1) 10 (6,5) 8 (5,2)
Rubor da mama 5 (3,2) 45 (29,6) 10 (6,5) 3 (2,0)
Hiperqueratose palmoplantar 37 (24,3) 9 (5,9) 12 (7,9) 2 (1,3)
Feridas/úlceras na mama 0 20 (13,1) 4 (2,6) 0
Bolhas na mama 1 (0,7) 20 (13,1) 2 (1,3) 1 (0,7)
Ressecamento na mama 16 (10,5) 27 (17,7) 12 (7,9) 2 (1,3)
Prurido da mama 11 (7,2) 18 (11,8) 15 (9,8) 18 (11,8)
Prurido difuso 8 (5,2) 3 (2,0) 8 (5,2) 1 (0.7)
Hirsutismo 10 (6,5) 4 (2,6) 4 (2,6) 1 (0.7)
Hipertricose 10 (6,5) 12 (7,9) 10 (6,5) 1 (0,7)
Hiperidrose/ fogacho 22 (14,4) 6 (3,9) 48 (31,6) 2 (1,3)
Anidrose 2 (1,3) 0 0 2 (1,3)
Aftas orais 12 (7,9) 2 (1,3) 3 (2,0) 2 (1,3)
QT: quimioterapia; RT: radioterapia; HT: hormonioterapia; %: corresponde ao percentual de cada alteração presente na amostra total.

A maioria dos entrevistados (52,0%) possuía ensino funda- cutâneas em algum momento do tratamento, desde manifestações
mental incompleto, o que determina um risco 3,76 vezes maior de mais comuns como rubor, a outras potencialmente fatais, como a
óbito por câncer de mama, o que poderia ser explicado pelo fato de síndrome de Stevens-Johnson. Da mesma forma, no presente estu-
que a maior escolaridade está relacionada com maiores chances de do, notou-se uma frequência de 69% de alterações dermatológicas
a paciente submeter-se a exame clínico das mamas e mamografias, ocorridas durante a hormonioterapia. Além disso, o uso de hormo-
possibilitando diagnóstico e tratamento mais precoces.14,16 nioterapia esteve relacionado ao surgimento de fogachos em 51,6%
Apesar de a história familiar em parentes do primeiro grau dos pacientes, corroborando com estudo de Leite et al.25, os quais o
ser considerada um fator de risco bem estabelecido para o câncer de relataram como o principal efeito colateral do uso de tamoxifeno em
mama, aumentando em duas vezes o risco relativo para a doença, pacientes em tratamento para o câncer de mama.
do grupo em estudo, apenas 19,1% apresentaram história familiar Já os efeitos adversos cutâneos decorrentes da radioterapia
positiva.17 Além disso, esse parece ser o fator de risco de maior im- são comuns e, algumas vezes, graves, podendo, inclusive, limitar
pacto em relação ao estímulo às práticas preventivas, como realiza- a duração do tratamento.26,27 Esses efeitos podem ser agudos ou
ção de mamografia e consultas ginecológicas de rotina.18,19 crônicos. Os agudos são os que ocorrem horas a semanas após a
A prevalência de carcinoma ductal invasivo foi a maior, cor- exposição à radiação e são caracterizados por eritema, edema, des-
respondendo a 88,2% dos pacientes, apresentando perfil similar a camação, hiperpigmentação e alopecia local. Já as reações crônicas
outros estudos.14,20-23 tendem a ser mais graves e ocorrem meses ou anos após a exposição
Hochman et al.24 observam, em sua pesquisa, que quanto e podem apresentar úlceras, necrose e fibrose.28 Hu et al.29 obser-
maior o fotótipo de pele, segundo Fitzpatrick, maior a tendência varam que 95,1% das mulheres com câncer de mama, em terapia
de desenvolvimento de cicatrizes fibroproliferativas, classificadas adjuvante com radioterapia, apresentaram reações cutâneas agudas
como cicatrizes queloideanas, cicatrizes hipertróficas e mistas. O à radiação. Do mesmo modo, o atual estudo obteve uma frequên-
atual estudo não teve como objetivo especificar o tipo de cicatriz cia semelhante, na qual 97,6% dos pacientes submetidos à radiação
referida pelos pacientes, porém notou-se uma associação significa- apresentaram alterações dermatológicas. A queixa mais relatada foi
tiva (p = 0,046) entre o fotótipo de pele VI e o desenvolvimento de o eritema da mama, seguido da hiperpigmentação dela, presente em
cicatrizes, apoiando, desse modo, dados já presentes na literatura. 73,2% e 64% dos pacientes submetidos à radiação, respectivamente,
Andrew P et al.,13 em sua revisão sistemática sobre reações o que vai ao encontro de outro estudo, que avaliou os efeitos da
cutâneas relacionadas ao uso de tamoxifeno no câncer de mama, radioterapia pós-operatória, no qual a hiperpigmentação e a fibrose
relataram que cerca de 20% dos pacientes apresentam alterações foram detectadas em 52% das pacientes.30 O estudo de Hu et al.29

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368 Hoffmann T, Corrêa-Fissmer M, Duarte CS, Nazário RF, Barranco ABS, de Oliveira KWK

também demonstrou hiperpigmentação nas mamas submetidas à Em relação à cirurgia oncológica das mamas, a presença de
radioterapia, assim como menor hidratação cutânea, queixas relata- cicatriz distrófica foi referida como principal alteração associada,
das em 20,9% das pacientes irradiadas na presente pesquisa. Isso se observada em cerca de 14% das pacientes a ela submetidas. Já Febra
deve ao fato de que a pele, um órgão que se renova continuamente, et al.12 apresentaram, em seu estudo, o linfedema como principal al-
é altamente susceptível a danos da radiação, acarretando tanto alte- teração dermatocosmiátrica desencadeada pela cirurgia oncológica,
rações cutâneas agudas quanto tardias, portanto, a radioterapia está presente em 32% dos pacientes avaliados, e apenas 4% referiram
relacionada a uma maior prevalência delas (p = 0,011).31 Além disso, hipercromia no local da cirurgia. Esse dado vai ao encontro do pre-
Patani e colaboradores32, em estudo, apontam que as pacientes sub- sente estudo, no qual, a hipercromia esteve presente em 6,2% dos
metidas à cirurgia e à radioterapia adjuvante tiveram um resultado mastectomizados. Contudo, a cirurgia mostrou-se, assim como a
estético pior, quando comparadas com as pacientes que não realiza- radioterapia, associada a uma maior prevalência de queixas derma-
ram a radioterapia. tológicas (p = 0,004).
A quimioterapia, por sua vez, também está relacionada a Crippa et al.,39 em sua pesquisa sobre o câncer de mama em
múltiplas alterações dermatológicas, tais como alopecia, eritema, pacientes jovens, demonstraram que 75,4% das mulheres procuraram
prurido, xerose, acne, reações de hipersensibilidade, descamação lo- atendimento médico devido à presença de nódulo mamário e 22,4%
cal e alterações ungueais, e por ter, como alvo, células em prolifera- por apresentarem sintomas, enquanto que, no atual estudo, 22,4% das
ção, as reações dermatológicas são os efeitos colaterais mais comuns pacientes já relataram lesões cutâneas na mama no momento do diag-
no pacientes com câncer que recebem quimioterapia.33 O presente nóstico do câncer, o que demonstra a dificuldade em se diagnosticar
estudo encontrou a queixa de queda dos cabelos como evento mais o câncer de mama de maneira precoce, acarretando em diagnósticos
frequente relacionado à quimioterapia, referido por 117 pacientes. tardios, estágios avançados e piores prognósticos.
Essa é considerada a primeira manifestação dermatológica decor-
rente do uso das drogas antineoplásicas, aparecendo logo após o CONCLUSÃO
início do tratamento, e ocorre devido à tricorrexe, fragmentação, Esta pesquisa contribui para a identificação do perfil das
diminuição do diâmetro e despigmentação do fio.33 Alterações un- mulheres com diagnóstico de câncer de mama, as quais pertencem
gueais também são consideradas frequentes. Heidary et al.,34 em sua ao sexo feminino, encontram-se, na maioria das vezes, na faixa etá-
atualização, observaram-nas em cerca de 10 a 15% dos pacientes em ria de 40-69 anos, são casadas, aposentadas ou pensionistas e pos-
uso de quimioterapia, tipicamente como eventos tardios, que costu- suem ensino fundamental incompleto. Além disso, a avaliação da
mam aparecer entre quatro a oito semanas de tratamento. Calderón prevalência de queixas dermatológicas dessas pacientes revela que a
et al.,35 em estudo comparativo realizado no México, avaliaram a maioria apresentou algum tipo de alteração dermatológica durante
frequência de alterações ungueais secundárias ao tratamento qui- o tratamento, sendo que as pacientes submetidas à radioterapia e à
mioterápico com taxanos e observaram que 56% dos pacientes de- cirurgia apresentaram significância estatística quando relacionados
senvolveram tais alterações, e as mais comuns eram melanoníquia, a tais alterações. Tais dados possibilitam a elaboração de estratégias
linhas de Beau, linhas de Muehrcke e estrias longitudinais. Outras de intervenção, a fim de minimizar os possíveis efeitos colaterais
alterações ungueais induzidas por quimioterápicos são hematoma decorrentes do seu tratamento, seja ele quimioterápico, hormonio-
subungueal e onicólise, sendo sua apresentação clínica influencia- terápico, radioterápico ou cirúrgico. Cabe ressaltar que um grande
da pela duração do tratamento e gravidade da toxicidade de cada número de entrevistadas referiu alterações dermatológicas no mo-
droga antineoplásica.36 Já Winther et al.37 avaliaram alterações un- mento do diagnóstico do câncer, mostrando que, nesses casos, não
gueais em pacientes com câncer de mama metastático durante tra- foi realizado o diagnóstico de forma precoce.
tamento com docetaxel, e seu estudo mostra que 55% dos pacientes Dessa forma, destaca-se a importância em continuar es-
experimentaram algum grau de alteração ungueal. Também, neste tudos a respeito do tema, a fim de melhorar a qualidade de vida
estudo, os dados foram concordantes com a literatura, sendo ob- referente a aspectos dermatológicos dos pacientes em tratamento
servado que, aproximadamente, 52% dos pacientes submetidos à oncológico para o câncer de mama.
quimioterapia relataram alguma alteração ungueal. Outras altera- Podem ser citados como limitações desse trabalho as ineren-
ções relacionadas à quimioterapia foram observadas no estudo de tes ao delineamento do estudo, assim como o viés de memória. q
Kang et al.,38 no qual a queixa de ressecamento da pele em pacientes
em tratamento para o câncer de mama foi apontada por 57,9% dos
pacientes, frequência ainda maior a encontrada na presente pesqui-
sa, referida em 12,6%.

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Prevalência de queixas dermatológicas nos pacientes em tratamento para o câncer de mama 369

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Tamara Hoffmann 0000-0002-5218-8506 Rayane Felippe Nazário 0000-0003-2323-0215

Mariane Corrêa-Fissmer 0000-0003-2382-7150 Ana Beatriz Sanches Barranco 0000-0001-9481-2488

Camila Soares Duarte 0000-0002-5755-6742 Karen Waleska Knipoff de Oliveira 0000-0001-6804-0058

Como citar este artigo: Hoffmann T, Fissmer MC, Duarte CS, Nazário RF, Barranco ABS, de Oliveira KWK. Prevalence of dermatological
complaints in patients undergoing treatment for breast cancer. An Bras Dermatol. 2018;93(3):362-7.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):364-9.


Investigação
370
s
Densidade de mastócitos e intensidade do prurido em psoríase vulgar:
estudo transversal*
Letícia Pargendler Peres1 Fabiana Bazanella Oliveira2
André Cartell3 Nicolle Gollo Mazzotti2
Tania Ferreira Cestari2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186607

Resumo: Fundamentos: A psoríase é uma doença crônica prevalente, e o prurido associado a ela é um sintoma frequente e de
difícil controle. Os mediadores envolvidos no prurido da psoríase não estão completamente estabelecidos.
Objetivo: Avaliar a associação entre densidade de mastócitos em lesões de psoríase e intensidade do prurido nos pacientes com
psoríase.
Métodos: Foram estudados 29 pacientes com psoríase em placas. Em todos os participantes, foram avaliados Psoriasis Area and
Severity Index e Body Surface Area bem como um questionário com informações clínicas e o Dermatology Life Quality Index. O
prurido foi avaliado por uma escala análogo visual, e uma biópsia de pele com lesão de psoríase foi obtida e corada por meio
das técnicas de GIEMSA e Imuno-histoquímica com C-Kit.
Resultados: 91,3% dos pacientes avaliados apresentavam prurido, sendo a mediana da escala análogo visual = 6 e p25-75 = 2-8.
A média de mastócitos por campo foi de 11,32 para Imuno-histoquímica e de 6,72 para GIEMSA. Não houve correlação entre
intensidade do prurido e contagem de mastócitos, sendo p = 0,152 e rho = -0,273 para a Imuno-histoquímica e p = 0,159 e rho
= -0,269 para GIEMSA. O prurido não impactou no Dermatology Life Quality Index (p = 0,511; rho = -0,127).
Limitações do estudo: O tamanho da amostra foi a principal limitação do nosso estudo.
Conclusão: Apesar de os mastócitos serem mediadores pruritogênicos em diversas doenças, nossos achados reforçam o
conceito de que o prurido, na psoríase, possui uma fisiopatologia complexa e multifatorial, envolvendo outros mediadores
além dos mastócitos.
Palavras-chave: Mastócitos; Prurido; Psoríase

INTRODUÇÃO
A psoríase é uma doença inflamatória crônica e imunome- sendo que o aumento no número e a ativação precoce de mastócitos
diada, com prevalência de 1-3% nos países ocidentais.1,2 Prurido é cutâneos são achados típicos da inflamação psoriática.9-13 Uma das
observado em 70 a 90% dos pacientes com psoríase.3-6 Mesmo sendo alterações morfológicas precocemente observada é a degranulação
um sintoma muito frequente, a fisiopatologia do prurido na pso- dos mastócitos.14,15 Em lesões ativas e em pele clinicamente não
ríase ainda não é bem compreendida.7 Muitos estudos demonstram acometida de pacientes com psoríase, a degranulação de mastóci-
expressão aumentada da substância P em placas de psoríase, sendo tos associa-se a alterações vasculares e à angiogênese.14,16 Ambos os
essa substância também implicada no processo inflamatório e proli- fenômenos têm significado crucial na fisiopatologia da psoríase.17
ferativo de outras dermatoses.8 A inervação cutânea encontra-se aumentada na pele de pso-
A presença de mastócitos em placas estabelecidas e em le- ríase com prurido comparada com a pele sem prurido.18 O aumento
sões iniciais de psoríase já foi documentada em diversos estudos, da inervação pode acelerar a intensidade do sintoma em pacientes

Recebido 24 Outubro 2016.


Aceito 16 Março 2017.
* Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA- UFRGS), Porto
Alegre (RS), Brasil.
Suporte Financeiro: Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) (FIPE) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Clínica de Dermatologia Pargendler, Porto Alegre (RS), Brasil.
2
Serviço de Dermatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA- UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil.
3
Serviço de Patologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA- UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil.

Endereço para correspondência:


Letícia Pargendler Peres
E-mail: lpargendler@gmail.com

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Densidade de mastócitos e intensidade do prurido em psoríase vulgar: estudo transversal 371

portadores de psoríase com inflamação,19 o que pode explicar a coeficiente de correlação de Spearman. As de distribuição assimétri-
maior incidência de prurido nas fases em que a doença está mais ca foram comparadas pelo teste de Mann-Whitney, e as categóricas,
ativa. As alterações na vasculatura dérmica, secundárias à liberação pelo teste exato de Fisher. A concordância entre os métodos de colo-
de histamina pelos mastócitos nas lesões de psoríase, talvez pos- ração para análise de mastócitos foi realizada pela técnica de Bland
sam exercer um papel importante na fisiopatologia do prurido na and Altman e foi avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasse
psoríase.7 (ICC) para perfeita concordância (aleatório de duas vias).22 Foi con-
A maioria dos pacientes aponta o estresse como um fator siderado um nível de significância de 5%.
desencadeante tanto para as lesões de psoríase como para o prurido
associado à doença.3,18 O mecanismo pelo qual o estresse provoca o RESULTADOS
prurido na psoríase não está elucidado, porém é de conhecimento Características clínicas e epidemiológicas
que o estresse emocional causa alteração dos níveis de certos neu- Dos 29 pacientes participantes do estudo, 44,8% eram ho-
ropeptídios, como a substância P, tanto no SNC como nos tecidos.20 mens, e 55,2%, mulheres, com média de idade de 50 anos. Desses,
A substância P, além de ser um dos peptídeos endógenos pruritogê- 89,7% eram brancos. A mediana do tempo de doença foi de 18 anos
nicos mais potentes, quando aumentada em condições de estresse, (Ir 11-30,5), e história familiar de psoríase foi positiva em 37,9% dos
pode proporcionar a degranulação dos mastócitos.20,21 estudados.
Existem poucos trabalhos envolvendo quantificação de A maioria dos pacientes (65,5%) vinha usando algum tipo
mastócitos em lesões de psoríase. Este é um dos poucos estudos que de medicamento para o tratamento da psoríase: 20,7% deles usa-
se propõe a avaliar a relação entre a quantidade de mastócitos em vam metotrexato (MTX), 6,9%, acitretina, 58,6% deles, corticoides
lesões de psoríase com a intensidade de prurido. tópicos, e 17,2%, formulações com líquor carbonis detergens (LCD) e
ácido salicílico (AS).
MÉTODOS A população em estudo foi bem diversificada em relação ao
Trata-se de um estudo de delineamento transversal, reali- PASI, BSA, DLQI e EAV. Conforme documentado na tabela 1, pode-
zado nos meses de abril a dezembro de 2013. Nesse período, foram mos observar que a mediana do PASI foi de 7,6 (p25-75: 5,35-25,05),
convidados para participar do estudo pacientes com idade maior ou do DLQI, de 5 (p25-75: 2,5-12,5), e do EAV, de 6 (p25-75: 2-8).
igual a 18 anos, portadores de psoríase vulgar e que frequentavam
o ambulatório de psoríase do serviço de Dermatologia do Hospital Características do prurido
de Clínicas de Porto Alegre. A amostragem foi realizada por conve- O prurido foi referido por 93,1% dos pacientes, sendo que,
niência, sendo que 29 pacientes foram incluídos no estudo após os desses, 51,7% apresentavam sintomas diários. A maioria (82,8%)
critérios de elegibilidade. Foram considerados critérios de exclusão: queixava-se de sintomas apenas nas lesões de psoríase, enquan-
pacientes em uso de medicações indutoras de degranulação masto- to 17,2%, de prurido difuso. Fatores de alívio foram relatados por
citária, gestação e pacientes em tratamento com fototerapia. 75,9% dos pacientes, sendo os mais apontados o uso de corticoides
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa tópicos (24,1%) e hidratação cutânea (48,2%). Dentre os fatores de
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob protocolo de agravo, relatados em 72,4% dos casos, os mais frequentes foram
número 13-0128. Todos os pacientes incluídos no estudo assinaram estresse/ansiedade (27,6%) e exposição ao calor (27,6%). O banho
Termo de Consentimento Informado. foi descrito como fator de alívio para o prurido por oito pacientes
Os pacientes responderam a dois questionários: um para (27,6%) e como fator de agravo por três (10,3%).
avaliação de características clínicas e epidemiológicas, como sexo,
idade, tempo de evolução da psoríase, história familiar de psoríase, Avaliação das biópsias de pele
comorbidades, uso de medicações, etilismo e tabagismo; outro para De um total de 58 lâminas avaliadas, sendo 29 coradas
avaliação do impacto da psoríase na qualidade de vida, pelo DLQI. com GIEMSA e 29 com C-Kit, obteve-se uma contagem de mastó-
Por meio da AVS, foi estimada a intensidade do prurido nas últimas citos mediana de 6,3 (p25-75= 4,9-8) e 10,7 (p25-75 = 8,65-13,5) para
24 horas, e do exame dermatológico, o PASI e o BSA. GIEMSA e Imuno-histoquímica, respectivamente.
Após avaliação clínica, os pacientes foram submetidos a Não encontramos nenhuma correlação com significância es-
uma biópsia de pele com punch de 4mm em local com lesão ativa tatística na quantificação dos mastócitos entre os valores de PASI (p
de psoríase. Os fragmentos de pele foram fixados em formalina, = 0,718 e rho = -0,070 IHQ; p = 0,314 e rho = 0,194 GIEMSA), DLQI
emblocados em parafina e corados com GIEMSA e com C-Kit (CD-
117). A densidade de mastócitos foi analisada por um único derma-
Tabela 1: Descrição dos valores máximo e mínimo, mediana e
topatologista sob microscopia ótica em magnificação de 40x. Foram
intervalo interquartílico das variáveis PASI, BSA, DLQI, EAV
avaliados, ao menos, três campos, e, calculada a média do número
Mínimo Máximo Mediana Percentis
de mastócitos para cada um dos dois métodos de coloração.
(25-75)
Os dados coletados foram armazenados em tabela do EX-
PASI 1,8 29,30 7,6 5,35-25,05
CEL 2007, e os testes estatísticos foram realizados no programa SPSS
versão 18.0. A comparação das variáveis quantitativas simétricas foi BSA 1 76 17 10-29,5
realizada por meio do teste t de Student ou do teste ANOVA, de- DLQI 0 26 5 2,5-12,5
pendendo das categorias avaliadas, e foram correlacionadas pelo EAV 0 10 6 2-8

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372 Peres LP, Oliveira FB, Cartell A, Mazzotti NG, Cestari TF

(p = 0,692 e rho = -0,077 IHQ; p = 0,769 e rho = 0,057 GIEMSA), EAV Na tabela 2, comparamos a densidade de mastócitos (variá-
(p = 0,152 e rho = -0,273; IHQ ; p = 0,159 e rho = -0,269 GIEMSA). vel média para as duas colorações - IHQ e GIEMSA) nos pacientes
A maior quantificação de mastócitos (média de 21,6 mastó- que estavam em uso de algum tratamento para psoríase (tópico ou
citos, entre os campos corados por IHQ -Figura 1- e de dez mastóci- sistêmico) com aqueles sem tratamento no momento do estudo, não
tos na análise por GIEMSA - Figura 2) foi observada em um paciente encontrando nenhuma diferença estatisticamente significativa entre
portador de psoríase leve (PASI = 5,3 e BSA = 1) e que não apresen- esses. Apesar de terem sido excluídos do estudo pacientes em uso
tava queixa de prurido (EAV = 0). de drogas degranuladoras de mastócitos, o uso dos medicamentos
O paciente com maior gravidade de psoríase em nosso es- para tratamento da psoríase pode ter alterado a contagem de mastó-
tudo (PASI = 29,3 e BSA 76) apresentou EAV = 7, e a quantificação citos nas lesões de psoríase, bem como a avaliação do prurido desses
média de mastócitos em sua biópsia de pele foi de 14,6 e 9,6 para pacientes.
IHQ e GIEMSA, respectivamente. O gráfico de Bland and Altman apresenta a média das dife-
A análise da quantificação de células, em relação ao sexo, renças e os limites em linha pontilhada (Figura 3). Os limites de 95%
encontrou, para os homens, uma média de 6,9 (desvio padrão da concordância das duas técnicas de quantificação de mastócitos
= 3,3) mastócitos na técnica GIEMSA e, para as mulheres, uma estão entre -1,49 e 10,83. A coloração C-kit identifica mais mastóci-
média de 6,4 células (desvio padrão = 1,9), não havendo diferença tos que a GIEMSA, e, à medida que a contagem cresce, a diferença
estatisticamente significativa entre esses valores (P = 0,602). Já a entre os mastócitos aumenta. Após o cálculo do coeficiente intra-
média do número de mastócitos avaliada por IHQ foi de 12,8 (desvio classe (ICC = 0,344) para as contagens de mastócitos no GIEMSA e
padrão = 5,5), para os homens, e de 10,2 (desvio padrão = 3,1), para C-kit, podemos observar, na figura 3, que a contagem C-kit aumenta
as mulheres, também sem diferença estatística significante. em relação à contagem GIEMSA em função do aumento do número

Tabela 2: Quantificação de mastócitos em biópsias de pacientes


com psoríase e prurido que usam medicamentos ou não, coradas
por diferentes técnicas
Com tratamento Sem tratamento P
para psoríase para psoríase
n = 19 n = 10
GIEMSA 6,8 ± 3,0 6,4 ± 1,6 0,757
IHQ 12,0 ± 5,2 10,0 ± 2,3 0,152
Dados apresentados pela média ± desvio padrão e comparados pelo teste t de Student
para amostras independentes.

Figura 1: Fragmento de pele com psoríase evidenciando mastócitos


corados com C-kit (CD 117) em campo de 40x

Figura 2: Mastócitos corados com GIEMSA mostrando grânulos Figura 3: Diagrama de Bland-Altman com o estudo posterior da
intracitoplasmáticos em um campo de 40x tendência em função da medida

An Bras Dermatol. 2018;93(3):370-4.


Densidade de mastócitos e intensidade do prurido em psoríase vulgar: estudo transversal 373

de células. A partir de 6-7 células, a diferença fica de mais de cinco do um poder de 80% e um nível de significância de 0,05. Entretanto,
células, o que pode justificar o uso do C-kit em vez do GIEMSA também é importante ressaltar que não consideramos, em nossos re-
como técnica preferível na quantificação de mastócitos na derme. sultados, o tempo de evolução das lesões e o local da biópsia (se em
pele fotoexposta ou não). Esses dados poderiam modificar nossos
DISCUSSÃO resultados, visto que uma maior densidade de mastócitos pode ser
A psoríase é uma doença dermatológica crônica, estigmati- observada em lesões recentes de psoríase,9 e em áreas fotoexpostas,
zante, de difícil manejo, muitas vezes com comprometimento sistê- uma vez que os mastócitos são ativados e recrutados pelas radiações
mico e com impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes. O ultravioleta e infravermelha, bem como pelo calor.27
prurido é um sintoma frequente, porém, muitas vezes, subestimado Toruniowa e Jablónska9 estudaram 122 pacientes com pso-
nos pacientes com psoríase, contribuindo ainda mais para a dimi- ríase e 80 pacientes controles e evidenciaram aumento na quantifica-
nuição da qualidade de vida dos portadores dessa doença.23 ção de mastócitos após escarificação na pele, tanto de pacientes com
Bilac et al.24 avaliaram 87 pacientes portadores de psoríase psoríase como nos controles, demonstrando um importante papel
e encontraram uma frequência maior de prurido em pacientes com dos mastócitos na resposta inflamatória cutânea ao trauma. Além
DLQI ≥ 10. Diferentemente desses achados, na população do nosso disso, comprovaram que o fenômeno de Koebner está associado
trabalho, não encontramos associação entre o prurido e qualidade com o acúmulo de mastócitos, reforçando o envolvimento mastoci-
de vida. tário nas lesões iniciais de psoríase.
Nossos resultados confirmaram os dados da literatura, que Diversos mediadores têm sido associados ao prurido da
demonstram que o prurido é um dos sintomas mais prevalentes nos psoríase, mas nenhum foi, de fato, comprovado como o causador do
pacientes com psoríase em placas.18,24 Assim como Amatya et Nor- prurido. A histamina, que é um dos principais mediadores de pruri-
dlind25 e Nakamura et al.,19não encontramos relação entre o prurido do em diversas doenças dermatológicas, não parece estar envolvida
com a gravidade da psoríase, apesar de essa associação ter sido rela- no sintoma em pacientes com psoríase. Não foi demonstrada corre-
tada por outros autores.5 Com resultados semelhantes aos de nosso lação entre a intensidade do prurido e os níveis plasmáticos de his-
estudo, Prignano et al.18 também não identificaram correlação com tamina em pacientes com psoríase, bem como não houve diferença
significância estatística entre a presença e a intensidade do prurido nos níveis plasmáticos de histamina entre pacientes portadores de
com a idade do paciente, o sexo e a gravidade da psoríase de acordo psoríase com e sem prurido.28
com o escore PASI. Muitos estudos já demonstraram expressão e/ou distribui-
Para o manejo adequado do prurido da psoríase, é neces- ção alterada de vários neuropeptídeos e seus receptores em lesões
sário o entendimento de sua fisiopatologia. Nakamura et al.19 fo- de psoríase, entre eles, a substância P (SP), peptídeo relacionado ao
ram os primeiros a documentar os marcadores locais associados ao gene da calcitonina (CGRP) e peptídeo intestinal vasoativo (VIP).
prurido na psoríase por meio da análise histológica de lesões de 38 Além disso, diversas citocinas, especialmente a IL-2, também têm
pacientes sintomáticos comparados com os achados em portadores sido implicadas na fisiopatologia do prurido na psoríase.19 Porém
assintomáticos. A característica peculiar no achado dos mastócitos ainda existem muitas lacunas, como o papel exato do sistema ner-
nas lesões de pacientes com prurido foi a presença de grânulos em voso central no prurido crônico. Sendo assim, são necessários mais
estreita justaposição com o perineuro de fibras nervosas não mieli- estudos para a melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológi-
nizadas, achado não encontrado em nenhum paciente sem queixa cos do prurido na psoríase.
de prurido. Ao contrário de nossos achados, os autores observaram
uma grande quantidade de mastócitos em processo de degranula- CONCLUSÃO
ção na derme papilar dos pacientes com prurido. Porém, no tra- Apesar de atuarem como importantes células inflamatórias
balho supracitado, os pacientes tiveram seus tratamentos tópicos na fisiopatologia da psoríase, em nosso trabalho, não encontramos
para psoríase suspensos duas semanas antes do início do estudo, um papel para os mastócitos no prurido da psoríase, o que reforça o
e os tratamentos sistêmicos, três meses antes. Em nosso trabalho, conceito de que a fisiopatologia do prurido, na psoríase, é complexa
os tratamentos para psoríase tanto tópicos como sistêmicos foram e multifatorial. Concluímos também que a estimativa da contagem
mantidos, representando uma possível limitação do nosso estudo, de mastócitos torna-se mais precisa com a técnica de IHQ em com-
sabendo-se que uso de corticoides tópicos e algumas medicações paração ao GIEMSA, especialmente quando um grande número de
sistêmicas como retinoides e ciclosporina podem reduzir a conta- mastócitos for considerado. Trabalhos futuros são necessários, ava-
gem de mastócitos.26 liando vários outros mediadores de prurido e considerando outras
A maior limitação do nosso estudo foi o pequeno tamanho variáveis, como tempo de evolução das lesões e áreas biopsiadas
de nossa amostra, cujo cálculo foi estimado para que fosse possível para melhor compreensão do prurido na psoríase. q
detectar uma correlação moderada com valor de r ≥ 0,5, consideran-

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374 Peres LP, Oliveira FB, Cartell A, Mazzotti NG, Cestari TF

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suffering from psoriasis. Dermatol Psychosom. 2004;5:73–8.

Letícia Pargendler Peres 0000-0002-7084-7659 Nicolle Gollo Mazzotti 0000-0002- 5734-8425

Fabiana Bazanella Oliveira 0000-0002-5278-3153 Tania Ferreira Cestari 0000-0003-3001-0202

André Cartell 0000-0003-1436-9418

Como citar este artigo: Peres LP, Oliveira FB, Cartell A, Mazzotti NG, Cestari TF. Density of mast cells and intensity of pruritus in psoriasis
vulgaris: a cross sectional study. An Bras Dermatol. 2018;93(3):368-72.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):370-4.


Investigação
Incidence, clinical manifestations and clipping of nail psoriasis in the dermatology... 375
375
s
Melanoma: características clínicas, evolutivas e histopatológicas de uma
série de 136 casos*

Juliana Polizel Ocanha-Xavier1 José Cândido Caldeira Xavier-Junior2


Mariângela Esther Alencar Marques3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186690

Resumo: Fundamentos: O melanoma vem aumentando em incidência no Brasil e no mundo, e, a despeito das melhorias no
diagnóstico e tratamento, a mortalidade vem se mantendo estável.
Objetivos: Associar aspectos clínicos e histopatológicos com a evolução de 136 casos de melanoma cutâneo.
Métodos: Estudo de coorte retrospectiva que analisou todos os pacientes diagnosticados com melanoma, no período de 2003 a
2011, com seguimento clínico de, pelo menos, quatro anos. Lâminas armazenadas em arquivo foram analisadas para observar
as variáveis histopatológicas (Breslow, ulceração, mitoses e regressão histológica). Dados de prontuário foram recuperados
para as variáveis clínicas (idade, sexo, localização, tempo de surgimento, diâmetro) e evolutivas (metástases ou óbito). As
medidas de associação foram obtidas por análise estatística.
Resultados: Não houve diferença estatística entre os grupos com relação à idade. O subtipo extensivo superficial apresentou
menor Breslow (0,5mm) que acral e nodular (2 e 4,6mm, respectivamente), menor taxa de ulceração e metástases (9,4% contra
50 e 70,6%). O subtipo nodular apresentou maior mediana de mitoses/mm2 (5,0/mm2) que extensivo superficial e lentigo ma-
ligno (0,0/mm2 para ambos). Regressão foi mais presente nos subtipos extensivo superficial e lentigo maligno. Só houve mortes
por melanoma no grupo acral, porém houve mortes por outras causas nos grupos extensivo superficial (1), acral (2) e lentigo
maligno (2).
Limitações do estudo: Utilização do prontuário como fonte de dados.
Conclusões: Subtipo extensivo superficial apresenta indicadores de melhor prognóstico. O subtipo histológico deveria ser
considerado nos protocolos de seguimento e tratamento dos pacientes com melanoma cutâneo.
Palavras-chave: Melanoma; Patologia; Prognóstico; Sobrevida

INTRODUÇÃO
  Nos Estados Unidos, entre 1992 e 2014, os casos de No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer estima 5.670 ca-
melanoma aumentaram, em frequência, em torno de 1,4% ao ano sos novos de melanoma para 2016 (INCA, 2016).2  Segundo Nasser
(de 15 casos/ 100000 habitantes para 21,6 / 100.000). Além disso, (2011), em estudo epidemiológico realizado no sul do país, obser-
o número de mortes por melanoma é da ordem de 2,7/100.000 por vou-se aumento na incidência e na mortalidade por melanoma nos
ano, o que representa 1,7% de todas as mortes por câncer. Quando últimos 30 anos. Além disso, foi identificada maior frequência dessa
está confinado à epiderme (in situ), os pacientes com melanoma neoplasia entre as mulheres, após os 50 anos, sendo o tronco o sítio
apresentam sobrevida, em cinco anos, de aproximadamente 98,3%; mais acometido.3
no entanto, quando metastático, a taxa de sobrevivência, em cinco Desde 1969, os casos de melanoma têm sido agrupados em
anos, é inferior a 18%. Identifica-se que as taxas de mortalidade per- quatro principais subtipos clínicos e patológicos: extensivo super-
manecem estáveis, apesar de uma melhoria no diagnóstico e busca ficial (ES), lentigo maligno (LM), lentiginoso acral (Ac) e nodular
de novos enfoques terapêuticos.1 (Nd); que são a base para a classificação da Organização Mundial da

Recebido 08 Novembro 2016.


Aceito 30 Março 2017.
* Trabalho realizado no Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-UNESP), Botucatu (SP), Brazil.
Suporte Financeiro: FAPESP: 16013-5/2014.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Clínica Tiradentes, Araçatuba (SP), Brasil.

2
Instituto de Patologia de Araçatuba, Araçatuba (SP), Brasil.

3
Departamento de Patologia, Universidade Estadual Paulista(UNESP), Botucatu (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Juliana Polizel Ocanha-Xavier
E-mail: jpocanha@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):375-8.


376 Ocanha-Xavier JP, Xavier-Junior JCC, Marques MEA

Saúde; além dos subtipos animal, desmoplásico e de mucosas. ES é após serem aplicados os critérios de exclusão. Foram identificados
o subtipo mais frequente (cerca de 60%).4,5 67 casos em homens (49,3%) e 69 em mulheres (50,7%); com média
O American Joint Cancer Comittee6 considerou, como marca- de idade de 57 anos. Considerando os subtipos histológicos estuda-
dores predominantes de pior prognóstico, o Breslow, o índice mi- dos, o subtipo mais comum foi o ES (n = 85; 62,5%), seguido pelo Ac
tótico e a taxa de ulceração, e não considerou o subtipo histológico (n = 21; 15,5%), Nd (n = 17; 12,5%) e LM (n = 13; 9,5%) (Figura 1).
para realização do estadiamento. Por outro lado, a identificação de A média de idade entre os grupos foi: ES = 58 anos, Ac = 62
mutações genéticas em subtipos específicos tem retomado a impor- anos e Nd = 59 anos e LM = 70 anos (Tabela 1). Houve uma diferença
tância da classificação histológica para decisão terapêutica dos ca- entre os subtipos histológicos acerca do diâmetro e metástases (p
sos.5 < 0,001). Nos casos de ES, a mediana do diâmetro foi de 1,0cm con-
Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo ava- tra 2,3 e 2,0cm nos subtipos Ac e Nd, respectivamente. A presença
liar possível associação entre: variáveis clínicas, histopatológicas e de metástases foi menor em ES (9,4%) que nos subtipos Ac e Nd
evolutivas para os diferentes subtipos de melanoma, apresentando (50,0% e 70,6%). Mortes relacionadas ao melanoma foram maiores
dados que poderão servir de referência para orientação quanto ao no grupo de Ac (15%). Não houve mortes por melanoma nos demais
seguimento e organização das políticas públicas acerca do melano- subtipos de melanoma. Além disso, cinco pacientes morreram por
ma em nosso país. outras doenças: um paciente do grupo do ES, dois pacientes do gru-
po do Ac e dois pacientes do grupo do LM (Tabela 1).
MÉTODOS Entre os subtipos ES, Nd e LM, a maioria das lesões ocor-
Trata-se de estudo de coorte retrospectiva, no qual foi rea- reu em área fotoexposta (55%), e, nos indivíduos com subtipo Ac, a
lizada análise confidencial do banco de dados de todos os casos de maioria ocorreu na região plantar (33%), sendo que apenas um caso
melanoma submetidos à exérese cirúrgica na Faculdade de Medici- foi localizado nas mãos.
na de Botucatu (Unesp – Botucatu – SP) no período de primeiro de Breslow, ulceração, mitoses e regressão também foram di-
janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2011. O trabalho foi aprovado ferentes entre os grupos (p < 0,001). A mediana do Breslow foi de
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina 0,5mm para ES, contra 2,0 e 4,6mm para Ac e Nd. Ulceração foi me-
– Unesp/Botucatu – SP (CAAE 33405714.1.0000.5411/2014). nos frequente no grupo ES. Além disso, o subtipo Nd exibiu maior
Dados do prontuário foram a fonte para dados clínicos e taxa de mitoses (5/mm2) que os subtipos ES e LM.
evolutivos (idade, sítio de acometimento, diâmetro em centímetros, Observou-se que frequência de regressão histológica foi
tempo até o diagnóstico, metástase, morte relacionada com melano- mais elevada nos casos de ES (58,2%) e LM (69,2%) que nos casos de
ma e morte por outras causas). Foram estudados casos dos quatro Ac (20,0%) e Nd (12,5%) (Tabela 2).
subtipos histológicos principais, não sendo considerados os casos
de melanoma de mucosas e melanoma desmoplásico, por exemplo. DISCUSSÃO
A localização das lesões foi subdividida em áreas fotoexpos- O principal resultado desse estudo foi a identificação de
tas e não fotoexpostas. Foram consideradas áreas não fotoexpostas: características clínico-histopatológicas distintas para os diferentes
axilas, tronco e raiz de coxas. As restantes foram consideradas fotoe- subtipos de melanoma numa população do interior do Brasil.
xpostas. Em relação ao grupo Ac, pela dificuldade maior de estabe- O subtipo mais frequente foi o ES. No estudo, ele apresen-
lecer fotoexposição, a localização foi pormenorizada em mãos e pés tou menor Breslow, menor diâmetro, menor número de mitoses, de
(plantar, subungueal, calcâneo, metatarso e dorso). ulceração, metástases e frequência de mortes por melanoma, justi-
As lâminas foram submetidas à segunda análise realizada ficando o melhor prognóstico desse subtipo.5 Além disso, ES e LM
por dois patologistas e por uma dermatologista para complementar
todas as informações histológicas acerca da lesão primária. Foram
analisados: Breslow, presença de ulceração, mitoses e regressão his-
tológica.
Foram excluídos os pacientes que interromperam o segui-
mento e aqueles que não apresentavam classificação quanto ao sub- Lentigo
tipo histológico. A variável “tempo para o diagnóstico” não pode Maligno
13%
ser avaliada porque os pacientes com subtipo ES não conseguiam
determinar o tempo exato desde o início da primeira lesão.
Os dados foram submetidos à análise estatística com utili-
zação do software SPSS versão 21.0. Comparações entre os subtipos Lentiginoso Acral
15%
histológicos foram realizadas por meio de testes de Qui-quadrado,
exato de Fisher, Kruskal-Wallis e teste de Dunn. P valor abaixo de
0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS
De um total de 195 pacientes diagnosticados com melanoma
Figura 1: Distribuição dos subtipos histológicos na população estu-
nos nove anos do estudo (2003-2011), permaneceram 136 pacientes
dada. Fotos de lâminas em Hematoxilina & eosina

An Bras Dermatol. 2018;93(3):375-8.


Melanoma: características clínicas, evolutivas e histopatológicas de uma série de 136 casos 377

Tabela 1: Comparação entre os subtipos de melanoma cutâneo em relação aos aspectos clínicos
Subtipo
Variáveis Extensivo Superficial Lentiginoso Acral Nodular Lentigo Maligno Valor de p1,2
Idade1 58,0 (22,0-83,0) 59,0 (29,0-88,0) 59,0 (29,0 - 88,0) 70,0 (41,0 - 81,0) p = 0,051
Diâmetro 1
1,0 (0,1-5,0) a 2,3 (0,5 - 6,0) bc 2,0 (1,0 - 6,5) bc 1,5 (0,5 - 15,0) ac p < 0,0011
Metástases2 8/85 (9,4%) a 10/20 (50,0%) bc 12/17 (70,6%) bd 4/13 (30,8%) acd p < 0,0012
Óbito por outras causas 2
1/85 (1,2%) a 2/20 (10,0%) ab 0/17 (0,0%) ab 2/13 (15,4%) b p = 0,0252
Óbito por melanoma 2
0/85 (0,0%) a 3/20 (15,0%) b 0/17 (0,0%) ab 0/13 (0,0%) ab p = 0,0052
(1)Teste de Kruskal-Wallis seguido por teste de Dunn para comparações múltiplas. Dados em mediana (mínimo-máximo). Letras iguais indicam similaridade entre os grupos.
(2)Teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Dados em média. Letras iguais indicam similaridade entre os grupos.

Tabela 2: Comparação entre os subtipos clinicopatológicos de melanoma cutâneo em relação aos aspectos histopatológicos
Subtipo
Variáveis Extensivo Superficial Lentiginoso Acral Nodular Lentigo Maligno Valor de p1,2
Breslow1 0,5 (0,0 - 10,0) a 2,0 (0,0 - 25,0) bc 4,6 (1,1 - 20,0) bc 0,7 (0,0 - 8,0) ac p < 0,0011
Mitoses 1
0,0 (0,0 - 21,0) a 2,0 (0,0 - 50,0) ab 5,0 (1,0 - 44,0 ) b 0,0 (0,0 - 15,0) a p < 0,0011
Ulceração2 11/79 (13,9%) a 13/20 (65,0%) bc 11/16 (68,8%) bc 5/13 (38,5%) ac p < 0,0012
Regressão 46/79 (58,2%) a 4/20 (20,0%) b 2/16 (12,5%) b 9/13 (69,2%) a p < 0,0012
histológica2
(1)Teste de Kruskal-Wallis seguido por teste de Dunn para comparações múltiplas. Dados em mediana (mínimo-máximo). Letras iguais indicam similaridade entre os grupos.
(2)Teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Dados em média. Letras iguais indicam similaridade entre os grupos.

apresentaram maiores taxas de regressão, fenômeno que é contro- O melanoma nodular apresenta frequência aproximada
verso quanto a seu significado prognóstico.7 entre 10% e 30%, havendo altas taxas de autodiagnóstico devido à
Lentigo maligno melanoma é o subtipo histológico mais história clínica de crescimento rápido.15 Barbe et al. (2012) demons-
frequentemente correlacionado à exposição solar.8,9 O grupo LM traram média de Breslow de 2,02mm, consideravelmente inferior
apresentou apenas um caso em área não fotoexposta. Considerando aos 4,6mm identificados nessa população, podendo caracterizar
a idade dos pacientes e o crescimento tumoral lento, além da provável atraso no diagnóstico nos casos.16  Apesar da associação
dificuldade quanto à exérese completa desses tumores, tratamentos do grupo nodular com metástases (70,6%), essas não resultaram em
conservadores no caso de LM podem ser sugeridos.9 Entretanto, nes- aumento na frequência de mortes por melanoma na população es-
se grupo, foram identificados 13 pacientes (9,5%), sendo que quatro tudada, o que pode refletir o fato de, na literatura, serem descritas
casos (30,8%) apresentaram metástases, em acordo com as estimati- como principalmente de localização linfonodal, o que limitaria a
vas mais elevadas, apesar da ausência de mortes por melanoma.10 disseminação da doença.17
Já o melanoma lentiginoso acral é mais comum na popula- Como limitações do estudo, destaca-se que o prontuário foi
ção não-caucasiana, ocorrendo geralmente em locais não expostos a fonte de dados, utilizando casos com mínimo de quatro anos de
ao sol.11 Em conformidade com estudos anteriores e com a descen- seguimento. Além disso, a pequena população estudada requer es-
dência africana da população brasileira, o subtipo Ac apresentou tudos futuros para consolidar os resultados.
número considerável de pacientes,  predominantemente na região
plantar, o que ressalta a importância do exame completo dos pacien- CONCLUSÃO
tes nas consultas habituais.12,13   Os casos de Ac apresentaram, em Esse estudo demonstrou que o subtipo extensivo superficial
comparação aos casos do subtipo ES, menores taxas de regressão e se apresenta com características melhores acerca do prognóstico em
maior frequência de óbitos por melanoma (15%). relação aos subtipos acral e nodular. Os subtipos extensivo superfi-
A literatura é controversa quanto à agressividade do Ac ou cial e lentigo maligno apresentam maior prevalência de regressão.
se há atraso no diagnóstico desse subtipo histológico devido ao local Nesse contexto, os achados ressaltam a associação do subtipo histo-
em que ele ocorre, mas estudos indicam que, para casos de melano- lógico com o prognóstico, podendo influenciar na forma de aborda-
ma acral, a sobrevida de cinco anos é menor em relação aos demais gem e seguimento dos pacientes.
subtipos histológicos, corrigidos para idade e Breslow.14
AGRADECIMENTOS
Hélio R.C. Nunes pela análise estatística.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):375-8.


378 Ocanha-Xavier JP, Xavier-Junior JCC, Marques MEA

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Juliana Polizel Ocanha-Xavier 0000-0002-1200-3730

José Cândido Caldeira Xavier-Junior 0000-0003-0503-419X

Mariângela Esther Alencar Marques 0000-0001-6947-5627

Como citar este artigo: Ocanha-Xavier JP, Xavier-Junior JCC, Marques MEA. Melanoma: clinical, evolutive and histopathological characteristics
of a series of 136 cases. An Bras Dermatol. 2018;93(3):373-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):375-8.


Investigação 379
s
Ensaio clínico com esquema único de multidrogaterapia em pacientes
portadores de hanseníase - (U-MDT/CT-BR): abordagem dos efeitos adversos*

Rossilene Conceição da Silva Cruz1,11 Samira Bührer-Sékula2,11


Gerson Oliveira Penna3,4 Maria Elisabete Amaral de Moraes5,6
Heitor de Sá Gonçalves7 Mariane Martins de Araújo Stefani8
Maria Lúcia Fernandes Penna9 Maria Araci de Andrade Pontes7
Sinésio Talhari10,11

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186709

Resumo: Fundamentos: O Ensaio Clínico do Esquema Único de Multidrogaterapia em pacientes com hanseníase - (U-MDT/
CT-BR), avaliaçao da eficacia do tratamento por seis meses para todos os pacientes e efeitos adversos ocasionados pelos fár-
macos.
Objetivos: Descrever os eventos adversos em pacientes incluídos no U-MDT/CT-BR, comparando o esquema único (U-MDT)
com o esquema OMS (R-MDT). Pacientes e métodos: Após classificação operacional, os pacientes foram randomizados e alo-
cados nos grupos de estudo. U-MDT/PB e U-MDT/MB: esquema único (U-MDT) seis doses do esquema MB-MDT (rifampi-
cina, dapsona e clofazimina); R-MDT/PB e R-MDT/MB, esquema OMS: seis doses (rifampicina e dapsona) nos PB e 12 doses
(rifampicina, dapsona e clofazimina) nos MB. Pacientes compareceram mensalmente para avaliação clínica e laboratorial.
Pacientes com lesão única não foram incluídos no estudo.
Resultados: Exames laboratoriais mostraram concentração de hemoglobina menor que 10g/dL em 23,3%; transaminase glu-
tâmica oxalacética (TGO) acima de 40U/L em 29,5% e transaminase glutâmico pirúvica (TGP) acima de 40U/L em 28,5% dos
pacientes. Em 24 pacientes (3,2%) a dapsona foi suspenso em consequencia de eventos adversos. Dentre esses, 16,6% desen-
volveram anemia grave. Um caso de síndrome da dapsona foi registrado.
Limitação do estudo: Perda na coleta mensal de amostras laboratoriais.
Conclusão: Não foi observada diferença estatística significante entre os eventos adversos nos grupos R-MDT e U-MDT, porém
a anemia foi maior em pacientes do grupo R-MDT/MB. Portanto, os eventos adversos não representam limitação para a reco-
mendação do esquema único para tratar qualquer forma clínica da hanseníase.
Palavras-chave: Anormalidades induzidas por medicamentos; Hanseníase; Monitoramento de medicamentos; Terapêutica

INTRODUÇÃO
A hanseníase é doença tropical negligenciada e continua multidrogaterapia (MDT), recomendada pela OMS em 1981, baseia-
sendo problema de saúde pública em muitos países, inclusive o -se na combinação de medicamentos: dapsona e rifampicina para
Brasil. O diagnóstico é basicamente clínico. O tratamento atual, a pacientes classificados como paucibacilares (PB) e dapsona, rifam-

Recebido 17 Novembro 2016.


Aceito 15 Maio 2017.
* Trabalho realizado no Centro de Dermatologia Dona Libânia, Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia “Alfredo da Matta” (FUAM), Manaus (AM),
Brasil.
Suporte financeiro: Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) - Ministério da Saúde CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Conflito de interesses: Nenhum


1
Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia “Alfredo da Matta” (FUAM), Manaus (AM), Brasil.

2
Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia (GO),
Brasil.
3
Núcleo de Medicina Tropical, Universidade de Brasília (UnB), Brasília (DF), Brasil.
4
Escola Fiocruz de Governo, Fundação Oswaldo Cruz (EFG-Fiocruz), Brasília (DF), Brasil.
5
Unidade de Farmacologia Clínica, Universidade Federal do Ceará (UNIFAC- UFC), Fortaleza (CE), Brasil.
6
Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Ceará
(UFC), Fortaleza (CE), Brasil.
7
Ambulatório de Dermatologia, Centro de Dermatologia Dona Libânia, Fortaleza (CE), Brasil.
8
Disciplina de Imunologia, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia (GO), Brasil.
9
Departamento de Epidemiologia e Estatística, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói (RJ), Brasil.
10
Disciplina de Dermatologia, Universidade Nilton Lins, Manaus (AM), Brasil.
11
Programa de Pós-Graduação, Fundação de Medicina Tropical e Universidade do Estado do Amazonas (UEA/FMT-HVD), Manaus (AM), Brasil.

Endereço para correspondência:


Rossilene Conceição da Silva Cruz
E-mail: rossilenecruz@uol.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):379-86.


380 Cruz RCS, Bührer-Sékula S, Penna GO, Moraes MEA, Gonçalves HS, Stefani MM, Penna MLF, Pontes MAA, Talhari S

picina e clofazimina para pacientes multibacilares (MB).1 Desde 1982, quência de reações e aceitabilidade da U-MDT por pacientes PB oca-
milhões de pacientes foram tratados e curados com a MDT. Os efeitos sionado pela clofazimina foram os principais objetivos do estudo.
adversos (EA) sao consideravelmente baixos quando comparados aos Na presente investigaçao comparamos os principais even-
benefícios para os pacientes e programas de controle da hanseníase.2 tos adversos observados nos diferentes grupos e esquemas de tra-
No entanto, os EA causados por estas drogas podem ser tamento.
graves, sendo necessário a interrupção do tratamento em alguns
pacientes. A dapsona pode causar metahemoglobinemia, anemia MÉTODOS
hemolítica e outras alterações hematológicas. Pode ocorrer hepatite, Um total de 753 pacientes foi recrutado de março de 2007 a
pancreatite e envolvimento renal. fevereiro de 2012 em dois centros brasileiros de referência nacional
Apesar de EA graves serem raros, existem relatos de vá- para hanseníase: Dona Libânia (Fortaleza, Ceará) e Alfredo da Mat-
rios EA diferentes.1 Um estudo retrospectivo na Índia com 10.426 ta (Manaus, Amazonas). Os pacientes foram classificados como PB
pacientes MB e 35.013 pacientes PB relatou 24 casos de EA graves, ou MB de acordo com o número de lesões cutâneas e distribuídos
resultando na interrupção do tratamento.3 Um estudo prospectivo aleatoriamente nos subgrupos U-MDT ou R-MDT. Mais detalhes do
que incluiu 176 pacientes relatou 45% de EA.4 Estudos retrospec- protocolo podem ser encontrados em “Clinical Trial for Uniform
tivos com MDT no Brasil relataram 15% e 45% de EA.5,6 Problemas Multidrug Therapy for Leprosy Patients in Brazil (U-MDT/CT-BR):
dermatológicos, hepatite tóxica, anemia hemolítica, insuficiência Rationale and Design” com acesso livre no website.17
renal e trombocitopenia foram as principais causas de interrupção Os pacientes retornaram mensalmente para avaliação médi-
de MDT em outros estudos brasileiros.7,8 Outro estudo retrospectivo ca e receber as cartelas com os medicamentos. Foram realizados he-
encontrou 19% de EA; 49% estavam relacionados às causas hemato- mograma completo (RBC- eritrócitos; Hb- hemoglobina; HT- hema-
lógicas e 50% à função hepática.9 tócrito; CHCM- concentração de hemoglobina corpuscular média,
Visando implementar o o controle da hanseníase neste meio, HCM- hemoglobina corpuscular média e VCM- volume corpuscu-
a OMS fez alterações na duração do tratamento. O número de doses lar médio) e testes de função hepática TGO e TGP (transaminase
para pacientes MB tem sido a maior preocupação: a primeira dire- glutâmico-oxalacética e transaminase glutâmico-pirúvica) antes da
triz, em 1981, recomendava 24 doses de MDT ou, caso possível, que MDT e mensalmente durante o tratamento. Bioquímica com ureia,
o tratamento fosse continuado até a negativação do esfregaço cutâ- creatinina, fosfatase alcalina e bilirrubina foram realizadas antes do
neo.1 Posteriormente, foram recomendadas 24 doses como duração tratamento e conforme necessário.
fixa do tratamento e, em 1998, a OMS recomendou 12 doses para Durante as visitas mensais, os pacientes foram examinados
pacientes MB.10 Apesar do sucesso da MDT, o tempo prolongado e interrogados sobre reações hansênicas e efeitos adversos; estas
de tratamento, a dificuldade na implementação do tratamento e a informações foram registradas nos Formulários de Registro Clí-
baixa adesão ao tratamento, reforçam a necessidade para esquemas nico (FRC). Os pacientes foram estimulados a retornar a qualquer
de tratamento mais curtos.11,12 Em 2002, o Comitê de Especialistas momento no caso de qualquer anormalidade. Os principais efei-
da OMS para a Hanseníase recomendou ensaios pilotos para avaliar tos adversos foram assim caracterizados: Anemia- diminuição da
a possibilidade de esquema uniforme de MDT (U-MDT) com seis hemoglobina dos valores basais (< 10 g/dL), e a possibilidade de
doses de MDT-MB para todos os pacientes de hanseníase, indepen- associação com fadiga, dispneia, tonturas e icterícia; metahemoglo-
dentemente da classificação.13 binemia- presença de cianose, dispneia, tontura, cefaleia e/ou fa-
Com esta finalidade, em 2004, foram iniciados ensaios cli- diga; alterações psiquiátricas- depressão, comportamento psicótico
nicos para investigar o U-MDT na India e China.14 Até o presente ou ansiedade; xerose- ressecamento da pele, com ou sem prurido e
momento, os principais aspectos observados são a melhora clínica descamação; pigmentação cutânea- escurecimento da pele; eritro-
dos pacientes PB e a boa aceitabilidade dos pacientes MB. Além dis- dermia- erupção eritematosa cobrindo mais de 90% da superfície
so, o esquema foi mais fácil de implementar nos serviços gerais de corporal; urticária- placas pruriginosas edematosas, com ou sem an-
saúde. Outro estudo conduzido na Índia concluiu que a U-MDT foi gioedema; síndrome da dapsona- dermatite esfoliativa, acompanha-
eficaz para o tratamento de pacientes PB, mas o seguimento não era da de febre, hepatoesplenomegalia e alterações da função hepática;
suficiente para avaliar a eficácia para pacientes MB e não foi compa- sintomas gripais- febre, coriza, dor de garganta, tosse, náusea, vômi-
rado ao MDT/WHO.15 Não foram observados aumentos nas recidi- tos, falta de apetite, cefaleia, dores musculares/articulares e mal-es-
vas entre os pacientes MB tratados com U-MDT em estudo recente tar; hepatotoxicidade: leve- níveis séricos de aminotransferases de 40
realizado em Bangladesh.16 UI/l a 100 UI/l; moderada a grave- aminotransferases acima de 100
Para avaliar a eficácia do novo esquema de tratamento UI/l, com ou sem evidência clínica de icterícia, mal-estar ou outro
(U-MDT) para pacientes com hanseníase, foi conduzido ensaio clíni- sintoma. Os critérios de leve, moderado ou grave para cada efeito
co aberto, randomizado e controlado – Clinical Trial for Uniform Mul- colateral foram baseados no U.S. National Cancer Institute - Cancer
tidrug Therapy for Leprosy Patients in Brazil (U-MDT/CT-BR) – em Therapy Evaluation Program, Common Terminology Criteria for Adverse
dois centros nacionais brasileiros de referência do Programa Nacio- Events, version 3.0, see. Protocolo MDTU- Rationale and Design – Su-
nal de Controle da Hanseníase: Fundação Alfredo da Matta (FUAM) pplementary data 1, com acesso livre no website http://memorias.
em Manaus, estado do Amazonas, e o Centro Dermatológico Dona ioc.fiocruz.br or at http://www.scielo/mioc.17,18
Libânia (CDERM), em Fortaleza, estado do Ceará. A eficácia dos Os pacientes randomizados nos grupos PB/U-MDT
esquemas de tratamento, diminuição do índice baciloscópico, fre- e PB/R-MDT, que receberam seis doses de MDT, retornaram 30 dias

An Bras Dermatol. 2018;93(3):379-86.


Ensaio clínico com esquema único de multidrogaterapia em pacientes portadores de hanseníase - (U-MDT/CT-BR)... 381

após a última dose para a primeira avaliação após o término da dos dados paramétricos usando SPSS e o teste de KAPLAN-MEIER
MDT. Os pacientes randomizados para o grupo MB/U-MDT que para o risco analítico de anemia foi usado como o valor de corte para
receberam seis doses de MDT foram monitorados e avaliados doze significância já que o limite para anemia foi considerado menor ou
vezes, de modo similar aos pacientes que receberam 12 doses de igual a 10 para hemoglobina.
MDT. Portanto, a 13ª coleta de sangue corresponde a 210 dias depois
da ultima dose de MDT para os pacientes MB/U-MDT e 30 dias RESULTADOS
para os pacientes MB/R-MDT. Um total de 753 pacientes foi incluído no estudo. Na tabela
1 estão apresentadas as principais características de base: 59,5% (448)
Considerações éticas eram homens; 80,3% (605) tinham entre 20 a 59 anos de idade. A dis-
O estudo foi realizado de acordo com as diretrizes de pes- tribuição de sexo foi diferente nos dois grupos da classificação opera-
quisas internacionais (Helsinque) e brasileiras envolvendo huma- cional da OMS, as mulheres representavam 67,3% (105/159) no grupo
nos e foi aprovado no dia 17 de fevereiro de 2006, (protocolo 001/06) PB e no MB eram 33,6% (200/594). De acordo com a classificação dos
pelos comitês de ética das duas instituições envolvidas na pesquisa pacientes, 78,9% (594) eram multibacilares e 47.4% (282/594) tinham
e da Comissão Nacional de Ética. Foi obtido termo de consentimen- um índice bacteriológico (IB) igual ou maior que três.
to informado de todos os pacientes e consentimento por escrito dos Um total de 10.600 efeitos adversos (EA) foi registrado. Os EA
pais ou responsáveis para pacientes com idades entre seis e 17 anos. mais frequentes foram pigmentação cutânea e xerose: 2.301 (21,7%) e
Foi garantida a confidencialidade dos dados e os pacientes estavam 1.787 (16,9%) pacientes, respectivamente. Para todos os outros sinais
livres para abandonar o estudo a qualquer momento durante o en- e sintomas, houve menos de 5% de EA. A pigmentaçao cutanea foi
saio (Clinical Trials.gov identifier - NCT00669643). considerada leve em 1.715 (16,2%), moderada em 297 (5,4%) e grave
em 14 (0,1%) pacientes. Xerose leve, moderada ou grave foi obser-
Análise estatística vada em 1.444 (13,6%), 297 (2,8%) e 46 (0,4%), respectivamente. Os
Os seguintes valores hematológicos foram usados como os principais EA estão apresentados na tabela 2.
parâmetros normais: eritrócitos- mínimo de 4,4 milhões de células Durante o tratamento, 253 (29,5 %) e 244 (28,5%) pacientes
para homens e 4,2 milhões para mulheres; hemoglobina- 13 g/dL tiveram alteração (>40) nos valores de TGO e TGP, sem significân-
para homens e 12 g/dL para mulheres; hematócrito- 43% para ho- cia estatística. TGP e TGO apresentaram valrores acima de 100 du-
mens e 37% para mulheres; leucócitos: 3.600 uL, CHCM: 30 - 35 g/ rante todo o tratamento em 18 e 36 pacientes, respectivamente. No
dL (%), VCM: 80 - 95 fL e HCM: 27 - 34 pg.18,19 entanto, mesmo nestes pacientes não foi necessário interromper o
Os dados foram expressos com média ± DP. Para a análise tratamento.
de variância (foi usado o teste ANOVA para testar a significância Não houve diferença estatisticamente significativa entre os

Tabela 1: Características basais de 753 pacientes de hanseníase, de acordo com os grupos de tratamento
Paucibacilar Multibacilar
Características
U-MDT R-MDT U-MDT R-MDT
TOTAL
Idade média 41,44 36,08 42,16 41,44
Faixa etária
0–9 1 1,3% 2 2,4% 5 1,6% 6 2,2% 14 (1,9%)
10 – 19 9 11,7% 17 20,7% 25 7,8% 24 8,8% 75 (10,0%)
20 – 29 12 15,6% 13 15,9% 65 20,2% 45 16,5% 135 (17,9%)
30 – 39 21 27,3% 18 22,0% 59 18,4% 52 19,0% 150 (19,9%)
40 – 49 11 14,3% 19 23,2% 68 21,2% 63 23,1% 161 (21,4%)
50 – 59 18 23,4% 10 12,2% 68 21,2% 63 23,1% 159 (21,1%)
60 – 69 5 6,5% 3 3,7% 31 9,7% 20 7,3% 59 (7,8%)
Sexo
Masculino 25 32,5% 29 35,4% 215 67,0% 179 65,6% 448 (59,5%)
Feminino 52 67,5% 53 64,6% 106 33,0% 94 34,4% 305 (40,5%)
IB
0 71 92,2% 80 97,6% 96 29,9% 80 29,3% 327 (43,4%)
0,1 – 2,99 6* 7,8% 2* 2,4% 75 23,4% 61 22,3% 144 (19,1%)
>3 0 0% 0 0% 150 46,7% 132 48,4% 282 (37,5%)
Total 77 10,2% 82 10,9% 321 42,6% 273 36,3% 753
*Para fins de tratamento, os pacientes recrutados foram classificados com base no número de lesões cutâneas: até cinco lesões PB e cinco ou mais lesões MB.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):379-86.


382 Cruz RCS, Bührer-Sékula S, Penna GO, Moraes MEA, Gonçalves HS, Stefani MM, Penna MLF, Pontes MAA, Talhari S

Tabela 2: Frequência e intensidade dos efeitos adversos observados em 753 pacientes tratados com MDT
Ausente Leve Moderado Grave Total
Sinais e sintomas
N % N % N % N % N %
Pigmentação cutânea 8298 78,3 1715 16,2 572 5,4 14 0,1 10599 100
Xerose 8813 83,1 1444 13,6 297 2,8 46 0,4 10600 100
Prurido 10252 96,7 280 2,6 56 0,5 10 0,1 10598 100
Cefaleia 10278 97,0 287 2,7 34 0,3 1 0 10600 100
Palidez 10286 97,0 284 2,7 27 0,3 3 0 10600 100
Fadiga 10363 97,8 214 2,0 20 0,2 2 0 10599 100
Mialgia 10389 98,0 184 1,7 24 0,2 3 0 10600 100
Anorexia 10458 98,7 118 1,1 24 0,2 0 0 10600 100
Dispneia 10475 98,8 109 1,0 16 0,2 0 0 10600 100
Náusea 10484 98,9 97 0,9 17 0,2 2 0 10600 100
Dor abdominal 10485 98,9 97 0,9 13 0,1 5 0 10600 100
Perda de peso 10496 99,0 92 0,9 12 0,1 0 0 10600 100
Febre 10499 99,1 80 0,8 20 0,2 0 0 10599 100
Diarreia 10524 99,3 61 0,6 15 0,1 0 0 10600 100
Erupção cutânea 10538 99,4 41 0,4 18 0,2 1 0 10598 100
Constipação 10545 99,5 47 0,4 8 0,1 0 0 10600 100
Eritrodermia 10548 99,5 26 0,2 21 0,2 5 0 10600 100
Fotodermatose 10552 99,5 23 0,2 24 0,2 1 0 10600 100
Depressão 10553 99,6 37 0,3 8 0,1 0 0 10598 100
Sangramento 10562 99,6 27 0,3 11 0,1 0 0 10600 100
Vômitos 10563 99,7 26 0,2 10 0,1 1 0 10600 100
Cianose 10575 99,8 17 0,2 7 0,1 1 0 10600 100
Icterícia 10579 99,8 14 0,1 7 0,1 0 0 10600 100

grupos de estudo para a variação de TGO e TGP durante o trata- os grupos MB (p< 0,0000). Em todos os grupos, as pacientes do sexo
mento (Figura 1). feminino apresentaram níveis reduzidos de eritrócitos, hematócrito
Efeitos adversos graves foram observados em 0,1% dos pa- e hemoglobina de forma mais pronunciada do que os do sexo mas-
cientes. A principal variação hematológica foi anemia (Hb<10g/dl); culino, com significância estatística - (p<0,0000).
foi observada em 201 (26,7%) pacientes, mas não houve diferença Considerando os outros resultados dos eritrócitos, obser-
significativa entre os grupos de U-MDT e R-MDT (p = 0,2242). Com vou-se que somente o CHCM não mostrou parâmetros estatistica-
a exceção dos leucócitos e dos parâmetros hematológicos de VCM, mente significativos quando da comparação da média entre os gru-
todos os outros apresentaram média inferior para o grupo PB/U- pos diferentes durante o tratamento. Apesar de ser mais evidente no
MDT em comparação aos outros grupos. As médias hematológicas grupo PB/U-MDT, o VCM e o HCM apresentaram grande aumento
foram maiores para o grupo MB/U-MDT, que recebeu seis ddoses, médio basal após a primeira dose em todos os grupos e permane-
quando comparadas ao MB/R-MDT, que recebeu 12 doses do es- ceu alta durante o tratamento. No grupo MB/U-MDT, foi observada
quema de tratamento. redução somente após o término do tratamento, quase alcançando
Independentemente do gênero, houve diminuição no nível os níveis basais; o grupo MB/R-MDT permaneceu elevado durante
médio de hemoglobina durante o tratamento em todos os grupos todo o tratamento.
do estudo, especialmente um mês após a primeira dose de MDT O teste de Kaplan-Meier foi utilizado para analisar o risco
com recuperação gradual, p<0,0000. A redução foi estatisticamen- de anemia relacionado à duração do tratamento e ao sexo. Compa-
te significativa entre os grupos de estudo (Figura 2). Foi observada rando os grupos de acordo com a duração do tratamento, foi obser-
recuperação para todos os grupos, mas foi mais evidente em ho- vado que os pacientes tratados com 12 doses (MB/R-MDT) apre-
mens. Pacientes MB/RMDT que receberam tratamento mais longo sentaram risco estatisticamente significativo para anemia quando
não atingiram o valor basal de hemoglobina 30 dias após o término comparados aos pacientes tratados com seis doses (PB/U-MDT +
do tratamento. De forma semelhante, os eritrócitos e o hematócrito PB/R-MDT + MB/U-MDT) (valor de p 0,005) (Figura 3A). A figura
apresentaram redução durante todo o período de tratamento, es- 3B evidencia que as mulheres tiveram risco aumentado para o de-
pecialmente um mês após a primeira dose, em todos os grupos. A senvolvimento de anemia (p<0,0000).
diferença entre os grupos de tratamento experimental e regular foi Vinte e quatro pacientes (3,2%) interromperarm a dapsona face
estatisticamente significativa. a EA, e receberam tratamento alternativo; 16 (66,7%) tiveram anemia,
Não foi observada diferença estatisticamente significativa três pacientes deste grupo tiveram leucopenia e dois desenvolveram
ao comparar os resultados de hemoglobina entre os grupos PB. En- aumento leve nos níveis de aminotransferases. Três pacientes (12,5%)
tretanto, foi observada diferença estatisticamente significativa entre desenvolveram eritrodermia secundária à dapsona e todos estes pa-

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Ensaio clínico com esquema único de multidrogaterapia em pacientes portadores de hanseníase - (U-MDT/CT-BR)... 383

Figura 1: Alterações nas tran-


saminases durante o trata-
Esquema uniforme paucibacilar Esquema uniforme multibacilar
mento em 753 pacientes de
Esquema padrão paucibacilar Esquema padrão multibacilar hanseníase de acordo com os
grupos do estudo

cientes tinham anemia leve. Um paciente fez metahemoglobinemia. em Pigmentaçao cutanea e xerose ocasionada pela clofazimina
um paciente. Outras razões para a interrupção da MDT foram urticária, foram os EA mais frequentes em todos os grupos do estudo. Estes
cefaleia e distúrbio psiquiátrico (Tabela 3). achados podem explicar a razao de os pacientes PB nao terem tido
Um menino de 10 anos de idade foi diagnosticado com sín- problemas com a administraçao da clofazimina, conforme relatado
drome da dapsona (Drug Reaction with Eosinophilia and Systemic anteriormente pelo nosso grupo.20
Symptoms – síndrome DRESS). Ele desenvolveu dermatite exfolia- Níveis aumentados de aminotransferases séricas foram ob-
tiva, hepatoesplenomegalia, febre, mal-estar e dispneia. Os exames servados em 272 (31,5%) pacientes. Estas alterações podem estar as-
de sangue revelaram anemia (Hb = 7,2g/dL), leucocitose (10900), sociadas a qualquer um dos diferentes componentes da MDT, mas
níveis aumentados de TGO (672) e TGP (919). A dapsona foi descon- a rifampicina é a droga mais comumente associada a este EA. Não
tinuada e o paciente foi hospitalizado. Tratamento alternativo foi houve diferença estatisticamente significativa nos níveis séricos de
posteriormente instituido. aminotransferase nos quatro grupos do estudo. Nenhum, paciente
teve que interromper a rifampicina ou a clofazimina.
DISCUSSÃO Ocorreram alterações nos parâmetros hematológicos em to-
Os EA estão entre os principais problemas relacionados ao dos os grupos e foi observada significância estatística entre MB/U-
tratamento da hanseníase e a maioria dos estudos é retrospectiva.5,8 -MDT e MB/R-MDT. A recuperação mais rápida dos parâmetros
Singh4 et al realizaram um dos poucos estudos prospectivos para in- hematológicos observada no grupo MB/U-MDTfoi, provavelmente
vestigar EA; 176 pacientes sob tratamento com MDT foram seguidos relacionada às seis doses de MDT, com prolongado período entre a
durante dois anos. Ao todo, 79 EA foram observados. Os EA mais im- última dose, e a coleta de sangue realizada para todos os pacientes
portantes foram: manifestações gastrintestinais- 76 (96,2%), alterações MB no 13º mês após o início da MDT.
hepáticas- 15 (10,98%), anemia-13 (16,5%). Um total de nove (11,8%) A análise dos níveis de eritrócitos, hematócrito e hemo-
dos pacientes tiveram que interromper o tratamento. globina de acordo com o sexo e grupos de tratamento evidenciou
O principal EA apresentado neste artigo é parte do Estudo redução significativamente maior em pacientes do sexo feminino.
Clínico de Multidrogaterapia Uniforme para o Tratamento da Han- Quando foi realizada a análise Kaplan Meier somente para o sexo,
seníase brasileiro (U-MDT/CT-BR).17 foi observado risco maior de anemia, estatisticamente significativo

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384 Cruz RCS, Bührer-Sékula S, Penna GO, Moraes MEA, Gonçalves HS, Stefani MM, Penna MLF, Pontes MAA, Talhari S

PB-UMDT Masculino A PB-UMDT Feminino B

PB-RMDT Masculino C PB-RMDT Feminino


D

MB-UMDT Masculino E MB-UMDT Feminino F

MB-RMDT Masculino G MB-RMDT Feminino H

Figura 2: Níveis
médios da varia-
ção de hemoglo-
bina durante o
tratamento de
753 pacientes,
por grupo e sexo,
MDT CT/BR
PB/UMDT -Esquema uniforme paucibacilar MB/U-MDT - Esquema uniforme multibacilar
PB/R-MDT -Esquema padrão paucibacilar MB/R-MDT - Esquema padrão multibacilar
Linha de referência para homens de 13 g/dl Linha de referência para mulheres de 12 g/dl

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Ensaio clínico com esquema único de multidrogaterapia em pacientes portadores de hanseníase - (U-MDT/CT-BR)... 385

A B
Estimativa de sobrevivência de Kaplan Meier Estimativa de sobrevivência de Kaplan Meier

Tempo de análise Tempo de análise

Mulheres Homens
Figura 3: Risco de anemia para o paciente,
6 doses = Pacientes de PB/UMDT, PB/RMDT e MB/U-MDT 12 doses = Pacientes de MB/R-MDT segundo a duração do tratamento e sexo

Tabela 3: Causas de interrupção da MDT nuição estatisticamente significativa do CHCM em pacientes trata-
dos com MDT.
Causa N %
Apesar da diminuição dos níveis de hemoglobina sanguí-
Anemia 16 66,7
nea provavelmente causada pela dapsona, somente 24 (2,8%) dos
Eritrodermia 3 12,5
nossos pacientes tiveram que interromper a MDT. Existem estudos
Metahemoglobinemia 1 4,2 retrospectivos relatando frequências maiores de baixos níveis de he-
Urticária 1 4,2 moglobina sanguínea relacionados à dapsona: 18,7% e 24,2% em dois
Cefaleia 1 4,2 trabalhos diferentes. Estes pacientes foram alocados em tratamentos
Alterações psiquiátricas 1 4,2 alternativos.5,9 Uma incidência menor com nove (11%) pacientes foi
observada em estudo prospectivo com 79 pacientes.4 A monitorizaçao
Síndrome sulfona 1 4,2
adequada, seguindo o protocolo estabelecido, possibilitou a correçao
imediata do EA, evitando a interrupçao do tratamento.

para mulheres. Dupnik6 também observou maior risco de anemia CONCLUSÕES


relacionado à dapsona em mulheres. Neste estudo, apesar de os Pigmentação cutânea e xerose foram os efeitos adversos
grupos PB terem sido compostos de 2/3 de pacientes do sexo fe- mais frequentes relacionados à MDT. As semelhanças dos EA nos
minino, foi encontrado nível mais baixo, estatisticamente significa- quatro grupos do estudo apontam para a viabilidade de esquema
tivo somente no grupo MB tratado com 12 doses (MB/R-MDT). É uniforme de seis meses.
provável que a diferença observada, esteja associada ao tratamento Foram observadas alterações hematológicas nos quatro
mais prolongado. É importante enfatizar que os pacientes MB tra- grupos do estudo: detectadas um mês após a primeira dose de MDT
tados com seis doses tiveram mais tempo para se recuperarem em e permaneceram alteradas durante todo o tratamento. O risco de
comparação com aqueles que receberam 12 doses. Além do mais, é anemia foi maior em mulheres e pacientes MB tratados com 12 do-
importante enfatizar que mulheres aparentemente mais saudáveis ses; estes foram afetados com maior frequencia.
tendem a apresentar mais anemia do que os homens.21 A menor duração do tratamento U-MDT minimiza os EA,
O CHCM foi o único parâmetro sem alterações significa- em especial aqueles secundários à dapsona.
tivas nos grupos do estudo. Um mês após a primeira dose de MDT, O monitoramento mensal permite a detecção precoce de
o VCM e HCM aumentaram em todos os grupos. Esta alteração foi EA, facilitando intervenções imediatas e a interrupção desnecessá-
mais evidente no grupo PB/U-MDT e permaneceu mais elevada ria ou mudança de esquema terapeutico.
durante todo o tratamento; resultados semelhantes foram obser- Baseados nestes dados é possível concluir que a
vados em pacientes MB/R-MDT que receberam 12 doses. Singh et U-MDT é segura e pode ser implementada em todos os níveis do
al4 também relataram aumento significativo nos parâmetros VCM e programa de controle da hanseníase. q
HCM, porém diferentes dos resultados; também verificaram dimi-

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386 Cruz RCS, Bührer-Sékula S, Penna GO, Moraes MEA, Gonçalves HS, Stefani MM, Penna MLF, Pontes MAA, Talhari S

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Med. 1973;42:1-13.

Rossilene Conceição da Silva Cruz 0000-0002-7735-7687


Mariane Martins de Araújo Stefani 0000-0001-7874-4315
Samira Bührer-Sékula 0000-0002-5984-7770
Maria Lúcia Fernandes Penna 0000-0003-0371-8037
Gerson Oliveira Penna 0000-0001-8967-536X Maria Araci de Andrade Pontes 0000-0002-7292-8452
Maria Elisabete Amaral de Moraes 0000-0002-6826-8930 Sinésio Talhari 0000-0001-9753-6706

Heitor de Sá Gonçalves 0000-0001-9062-2580

Como citar este artigo: CCruz RCS, Bührer-Sékula S, Penna GO, Moraes MEA, Gonçalves HS, Stefani MMA, Penna MLF, Pontes MAA, Talhari
S. Clinical trial for uniform multidrug therapy for leprosy patients in Brazil (U-MDT/CT-BR): adverse effects approach. An Bras Dermatol.
2018;93(3):377-84.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):379-86.


Investigação 387
s
Tazaroteno gel com fototerapia UVB de banda estreita: uma combinação
sinergística para o tratamento da psoríase*

Surabhi Dayal1 Rajiv Kaura2


Priyadarshini Sahu1 Vijay Kumar Jain1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186723

Resumo: Fundamento: O UVB-narrow band mostrou ser uma das modalidades de tratamento mais eficazes para a psoríase. O
tazaroteno, é modalidade terapêutica reconhecidamente eficaz contra a psoríase. Quando combinado com UVB-narrow band
pode aumentar o sucesso terapêutico.
Objetivo: Estudar a eficácia clínica e a segurança da associação de UVB-narrow band com tazaroteno tópico gel 0,05% na psoríase.
Método: Trinta pacientes com psoríase em placas com lesões simétricas foram acompanhados por 12 semanas. Todos os
pacientes foram instruídos a aplicar tazaroteno gel na placa alvo no lado esquerdo do corpo uma vez por dia. Além disso, o
corpo inteiro foi irradiado com UVB-narrow band duas vezes por semana. A eficácia foi avaliada por marcação da placa alvo e
pelo número de sessões de tratamento para resolução.
Resultado: Nosso estudo resultou em três principais constatações: Em primeiro lugar, a eficácia terapêutica de UVB-narrow
band foi ampliada pela adição de tazaroteno. Este aumento da eficácia foi mais proeminente para a diminuição da descamação
e espessura em comparação com a diminuição do eritema. Em segundo lugar, houve uma resolução mais rápida das placas
alvo com redução no número médio de sessões de tratamento com terapia de combinação. Em terceiro lugar, a dose cumulativa
média de UVB-narrow band necessária para alcançar a resolução da placa alvo foi significativamente reduzida com a terapia
de combinação.
Limitações do estudo: Não foi randomizado ou controlado, mas um ensaio aberto. Período de estudo foi relativamente curto,
isto é, 12 semanas, sem qualquer período de seguimento.
Conclusão: Gel de tazaroteno aumenta significativamente a eficácia terapêutica da irradiação UVB-narrow band com resolução
mais rápida e sem efeitos secundários graves.
Palavras-chave: Fototerapia; Psoríase; Retinoides

INTRODUÇÃO
A psoríase é doença dermatológica inflamatória crônica, A fototerapia, como a UVB de banda estreita (UVB-narrow
frequente e geneticamente determinada, que afeta a pele, unhas, band), é a terapia de primeira linha recomendada para a maioria dos
articulações e apresenta diversas associações sistêmicas. De acordo pacientes com psoríase entre moderada e grave.1 Entretanto, em
com a literatura, a prevalência varia de 0,91% a 8,5% em diferentes uma tentativa de melhorar a eficácia e minimizar a dose cumulativa
populações1 e é causa importante de morbimortalidade. A psoríase de radiação, a UVB-narrow band tem sido associada a outras mo-
geralmente apresenta evolução crônica com períodos de remissão e dalidades terapêuticas, inclusive ditranol, calcipotriol, tacalcitol e
exacerbação, sendo que ainda não foi descoberto um medicamento retinoides orais.2-6 O calcipotriol, quando utilizado em combinação
que cure completamente a doença. Diversos agentes tópicos e sistê- com a fototerapia, tem sido associado à fotossensibilidade.4 Embora
micos podem produzir alívio sintomático para o paciente, além de a terapia combinada com retinoides aumente a eficácia da fototera-
prolongar a remissão. Os agentes tópicos incluem os corticosteroi- pia, o uso prolongado desses medicamentos está associado a uma
des tópicos, ditranol (antralina), preparações de alcatrão, retinoides gama de efeitos colaterais, inclusive xerodermia, cefaleia, artralgia,
tópicos, ácido salicílico e derivados da vitamina D.1 dor óssea, hiperostose e teratogenicidade.6

Recebido 18 Novembro 2016.


Aceito 22 Março 2017.
* Trabalho realizado no Pt B. D. Sharma, Post graduate Institute of Medical Sciences, Haryana, India.
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesses: Nenhum


1
Departamento de Dermatologia, Venereologia e Hansenologia, Pandit B.D. Sharma Post Graduate Institute of Medical Sciences, Rohtak, Haryana, India.

2
Civil Hospital, Panchkula, Haryana, India.

Endereço para correspondência:


Surabhi Dayal
E-mail: surabhidayal7@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):387-92.


388 Dayal S, Kaura R, Sahu P, Jain VK

Com a aprovação do tazaroteno, o primeiro retinoide tópico do lado direito, à noite. De maneira semelhante, as placas-alvo do
receptor-seletivo indicado para o tratamento da psoríase, surgiu a lado esquerdo, chamadas de Grupo B, eram tratadas apenas com
oportunidade de investigar se esse medicamento melhora a eficá- UVB-narrow band. Nenhum tratamento tópico era aplicado à placa-
cia e tolerabilidade da fototerapia. Aparentemente a combinação da -alvo do lado esquerdo. Além disso, o corpo inteiro era irradiado
UVB-narrow band com um retinoide tópico (tazaroteno) seria uma com fototerapia UVB-narrow band duas vezes por semana em dias
alternativa melhor, porque o tazaroteno não está associado aos mes- não-consecutivos durante três meses.
mos problemas relatados com o uso dos psoralenos, ditranol, calci- Utilizou-se a fototerapia UVB-narrow band de corpo inteiro
potriol ou retinoides orais. Através de busca detalhada da literatura (V Care UV Therapy Unit, Bangalore, Índia) com comprimento de
em língua inglesa, até onde sabemos existe apenas um estudo sobre onda entre 310 e 315nm, contendo 16 lâmpadas fluorescentes (TL-
a combinação de UVB-narrow band com gel de tazaroteno, compara- 01) com 100 watts e 6 pés, com dose inicial padrão de 280 mJ/cm2.8
do com a UVB-narrow band enquanto monoterapia, no tratamento A cada sessão subsequente, a dose de irradiação era aumentada em
da psoríase.7 Isso nos motivou a realizar um estudo comparativo da 20%. A dose de UVB era aumentada até que fosse observada uma
eficácia clínica e da segurança da UVB-narrow band em combinação melhora na placa de psoríase ou que fosse atingida a dose mínima
com tazaroteno gel tópico a 0,05%, versus monoterapia com UVB- de eritema. No caso de eritema sintomático com ou sem edema/ve-
-narrow band, para o tratamento da psoríase, em termos de eficácia sículas, o tratamento era suspenso até resolverem os sintomas. Após
terapêutica, tempo até a resolução das lesões e efeitos adversos. a resolução dos sintomas, a dose era reduzida para 50% da última
dose, seguida de incrementos de 10%. O lado que atingia primeiro
MÉTODOS a resolução das lesões era ocluído, e a UVB-narrow band continuada
Delineamento do estudo: no lado contralateral até a resolução da placa-alvo ou completar 12
Realizamos estudo clínico prospectivo intra-individual, di- semanas de seguimento (o que ocorresse primeiro). De acordo com
reita-esquerda, com duração de 12 semanas. Hecker et al.9, o gel de tazaroteno permanece quimicamente estável
quando aplicado antes da fototerapia (i.e. UVB ou PUVA). Entretan-
Seleção de pacientes: to, em nosso estudo, o gel foi aplicado depois da fototerapia para
Foram incluídos no estudo, 30 pacientes, com 16 anos ou garantir que a resposta terapêutica não sofresse qualquer possível
mais, com psoríase em placas estáveis crônicas que não ultrapas- efeito do gel de tazaroteno sobre a penetração da luz UV.10
sassem 50% da superfície corporal, de acordo com a regra dos nove. Durante cada sessão, os olhos do paciente foram protegidos
Considerávamos a doença estável quando não havia aumento das com óculos anti-UV, e a genitália e outras áreas não comprometidas
placas ou novas lesões nos últimos seis meses. Todos os pacientes também eram protegidas. Todos os pacientes eram instruídos no
deram consentimento informado verbal e por escrito antes de par- sentido de evitar a exposição direta aos raios UV e a usar protetor
ticipar no estudo. solar durante o dia.
Os critérios de exclusão foram: idade abaixo dos 16 anos
ou acima dos 60, gravidez, aleitamento, doença renal ou hepática, Avaliação clínica:
história de carcinoma cutâneo ou ceratose actínica, doenças sistê- · PO critério de eficácia primária era o Target Plaque Seve-
micas descompensadas, inclusive infecção pelo HIV, ou qualquer rity Score.11
terapia imunossupressora. Também foram excluídos do estudo, pa- A avaliação foi realizada com base no escore morfológico
cientes com história de uso de retinoides orais nas últimas 8 sema- das placas-alvo, com três parâmetros: eritema, escamação e espes-
nas, terapia sistêmica ativa/terapia PUVA nas últimas 4 semanas, sura, cada um dos quais avaliados em uma escala de gravidade de
terapia tópica/fototerapia UVB nas últimas 2 semanas, suplemento 0 a 4, onde:
de vitamina A (>5000 IU) na semana anterior, fotossensibilidade ou 0 = Nenhum
erupção polimorfa solar ou história de intolerância ou falha prévia 1 = Leve
à fototerapia. 2 = Moderado
Realizou-se anamnese completa, com foco na idade ao iní- 3 = Grave
cio da doença, histórico familiar, duração da doença e histórico de 4 = Muito grave
fatores desencadeantes ou agravantes. Assim como, exame derma- A soma dos pontos dos três parâmetros dava o escore da
tológico detalhado, incluindo escore de placas-alvo, e registrada a placa-alvo, variando de 0 a 12. Esse escore foi utilizado porque faz
presença de quaisquer outros sinais e sintomas dermatológicos as- parte do PASI (Psoriatic Area Severity Index) e não inclui a loca-
sociados. lização ou extensão da placa, que não são consideradas úteis ou
necessários em uma comparação intra-individual com pouco com-
Esquema terapêutico: prometimento da superfície corporal.12 Todos os pacientes foram
Em cada paciente, duas placas-alvo de psoríase com o mes- examinados pelo mesmo dermatologista a cada consulta até com-
mo tamanho aproximado e localização semelhante foram seleciona- pletar três meses. O escore das placas-alvo foi calculado na consulta
das nos lados direito e esquerdo do corpo. As placas-alvo do lado inicial e depois às 4, 8 e 12 semanas de terapia, separadamente para
direito, chamadas de Grupo A, foram tratadas com tazaroteno tópi- as duas placas-alvo. Além disso, para cada placa-alvo, calculava-se
co e UVB-narrow band. Os pacientes eram orientados no sentido de a pontuação específica do eritema, da escamação e da espessura.
aplicar uma camada fina de gel de tazaroteno a 0.05% na placa-alvo

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Tazaroteno gel com fototerapia UVB de banda estreita: uma combinação sinergística para o tratamento da psoríase 389

· SOs critérios de eficácia secundária foram: Avaliação da eficácia clínica:


a) A determinação do percentual de pacientes que apresen- a) Escamação da placa-alvo – Na linha de base, a escamação
tava “sucesso terapêutico”, definido como redução de ≥50% no es- da placa-alvo no Grupo A era 2,47 ± 0,68, e no Grupo B, 2,46 ± 0,69.
core da placa-alvo comparado com o escore inicial.9 Portanto, a diferença na escamação da placa-alvo não foi estatistica-
b) A determinação da dose cumulativa média UVB-narrow mente significativa (p > 0,05) antes de iniciar a terapia. A diferença na
band, número de sessões e tempo total de tratamento, necessários escamação média da placa-alvo era altamente significativa no Grupo
para a resolução da placa-alvo (i.e. escore de placa-alvo = 0). A comparada com o Grupo B às 4, 8 e 12 semanas de terapia (Figura
c) A avaliação da resposta global ao tratamento:10 1A). No final da terapia, o valor médio da escamação da placa foi
0 = Resolução completa reduzido em 98,7% no Grupo A, comparado com 78,54% no Grupo B.
1 = Resolução quase completa (melhora de ~90%) b) Espessura da placa-alvo – Antes do início do tratamento,
2 = Resposta importante (melhora de ~75%) a espessura da placa-alvo no Grupo A era 3 ± 0,64 e no Grupo B, 3,03
3 = Resposta moderada (melhor de ~50%) ± 0,6. Portanto, a diferença não foi estatisticamente significativa (p >
4 = Resposta mínima (melhora de ~25%) 0,05) na linha de base. Ao longo do tratamento, a diferença na esca-
5 = Quadro inalterado mação da placa-alvo entre os dois grupos foi estatisticamente signi-
6 = Piora do quadro ficativa no Grupo A comparado com o Grupo B às 4, 8 e 12 semanas
d) A cada consulta realizou-se anotação dos efeitos adversos, (Figura 1B). Após 12 semanas, o valor médio da espessura da placa
como irritação no sítio da lesão, queimação, prurido, entre outras. foi reduzido em 99,9% no Grupo A, comparado com 79% no Grupo B.
c) Eritema da placa-alvo – Na linha de base, o eritema da
Análise estatística: placa-alvo no Grupo A era 2,96 ± 0,61, e no Grupo B, 2,86 ± 0,68, sem
Todas as análises estatísticas foram realizadas com o Statis- diferença estatisticamente significativa (p > 0,05). Durante o trata-
tical Package for Social Sciences (SPSS) para Microsoft Windows, 20ª mento, houve um pouco mais de eritema nas placas-alvo tratadas
versão. Os dados estatísticos descritivos foram analisados quanto com a combinação de UVB-narrow band e tazaroteno, comparado
ao intervalo, média, desvio-padrão, frequência (número de casos), com as placas-alvo tratadas apenas com UVB-narrow band. Portan-
razão ou percentual, conforme o caso. Mudanças nos parâmetros to, a diferença não foi estatisticamente significativa durante todo o
como o escore global, eritema, espessura e escamação da placa-alvo período. No entanto, o eritema tornou-se mínimo no final do trata-
entre os dois grupos e dentro de cada grupo foram analisadas com mento em ambas as placas-alvo (Figura 2A). No final da terapia, a
o teste de Mann-Whitney e o teste de postos sinalizados de Wilco- redução média do eritema da placa-alvo foi praticamente igual nos
xon, respectivamente. Da mesma maneira, a diferença no número dois grupos, i.e. 97,97% no Grupo A e 100% no Grupo B.
de sessões de tratamento e a dose cumulativa média entre as placas- d) Escore da placa-alvo – Antes do início da terapia, o escore
-alvo foram comparadas com o teste de Mann-Whitney. Os efeitos da placa-alvo no Grupo A era 8,37 ± 0,96, e no Grupo B, 8,37 ± 0,97,
colaterais entre os dois grupos foram comparados com o teste do sem diferença estatisticamente significativa (p > 0,05). Durante o
qui-quadrado. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamen- tratamento, a diferença no escore da placa-alvo entre as duas placas
te significativo. tornou-se estatisticamente significativa depois de quatro semanas
de terapia (p < 0,05). Ao final de 12 semanas, o escore médio da pla-
RESULTADOS ca-alvo foi reduzido em 99,64% no Grupo A comparado com 84,92%
Características dos pacientes na linha de base do estudo: no Grupo B (Figura 2B).
A tabela 1 mostra os dados sociodemográficos dos 30 pa- e) Sucesso terapêutico – Após quatro semanas de terapia,
cientes. O escore das duas placas-alvo selecionadas em cada pacien- 83,33% das placas-alvo no Grupo A e, apenas 3,33% placas-alvo no
te não mostrou diferença estatisticamente significativa entre os dois Grupo B, apresentavam sucesso terapêutico. Depois de oito sema-
lados na linha de base (p > 0.05). Da mesma maneira, não houve di- nas, 100% das placas-alvo no Grupo A e 86,67% das placas-alvo no
ferença estatística na média do eritema, escamação ou espessura da Grupo B mostraram sucesso terapêutico. No final da terapia, o su-
placa-alvo na linha de base (p > 0.05); portanto as duas placas-alvo cesso terapêutico foi alcançado em 100% das placas-alvo em am-
foram comparáveis antes de iniciar a terapia. bos os grupos. Foi maior o número de dias para alcançar o sucesso
terapêutico nas placas-alvo que recebiam apenas UVB-narrow band
Tabela 1: Dados sociodemográficos dos pacientes incluídos (i.e. 65,30 ± 8,469) quando comparado às placas-alvo tratadas com
no estudo a combinação de UVB-narrow band com tazaroteno (31,96± 5,486), e
Dados sociodemográficos Pacientes essa diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,05).
Idade ( em anos) Média + SD 36,40 ± 12,552 f) Resolução das placas-alvo – O número de sessões neces-
sárias para a resolução das placas-alvo nos Grupos A e B foi 16,40 ±
Razão entre os sexos (M:F) 2,3/1
[Masculino =21, 2,799 e 23,33 ± 1,212, respectivamente. Isto é, o número de sessões
Feminino=9] necessárias para a resolução das placas-alvo no Grupo A foi estatis-
Duração da doença (em anos) 5,8 + 3,112 ticamente menor do que no Grupo B (p < 0,05). A dose cumulativa
Média + SD média para a resolução no Grupo B foi 4010,267 ± 784,39mJ/cm²,
Área da superfície corporal afetada 25,97 + 5,379 enquanto no Grupo A foi 1839,533 ± 259,326 mJ/cm². Assim, a dose
(%) Média + SD cumulativa média para a depuração foi estatisticamente mais bai-

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390 Dayal S, Kaura R, Sahu P, Jain VK

Valor de p foi estatisticamente significante após O valor de p não foi significante a cada momento do
tratamento
Escala de placa-alvo

4 semanas de tratamento

Eritema na lesão alvo


Duração do tratamento (em semanas) Duração do tratamento (em semanas)

Valor de p foi estatisticamente significante após


Espessura da lesão alvo

4 semanas de tratamento Valor de p foi estatisticamente significante após

Escore da lesão alvo


4 semanas de tratamento

Duração do tratamento (em semanas) Duração do tratamento (em semanas)

Figura 1: A - Gráfico mostrando a variação na descamação nas pla- Figura 2: A - Gráfico mostrando a variação no eritema nas placas-
cas-alvo em relação ao pré-tratamento quando tratadas com a as- -alvo quando tratado com a associação de gel de tazaroteno a 0,05%
sociação de gel de tazaroteno a 0,05% com fototerapia UVB-narrow com fototerapia UVB-narrow band, vs. monoterapia com UVB-nar-
band, vs. monoterapia de UVB-narrow band. B - Redução na espessu- row band. B - Redução no escore da placa-alvo após o tratamento
ra da placa-alvo após o tratamento combinado com gel de tazarote- combinado com gel de tazaroteno a 0,05% com fototerapia UVB-nar-
no a 0,05% com fototerapia UVB-narrow band vs. monoterapia com row band, vs. monoterapia com UVB-narrow band
UVB-narrow band

xa nas placas-alvo tratadas com a combinação de UVB-narrow band nal observada em apenas duas (6,67%), queimação em uma (3,33%)
com tazaroteno, comparada com as placas-alvo tratadas apenas com e prurido em duas (6,67%) placas-alvo tratadas com a terapia com-
UVB-narrow band (p < 0,05). binada. Esses efeitos foram leves, e típicos de terapia com retinoide.
g) Resposta terapêutica global – De acordo com a avaliação Portanto, ao comparar os efeitos adversos nos dois grupos, o Grupo
da resposta global no final do tratamento, 96,67% das placas-alvo A esteve associado a mais efeitos colaterais do que o Grupo B, mas
no Grupo A alcançaram resolução completa, i.e. grau 0, compara- sem apresentar diferença estatisticamente significativa (p = 0,352).
das com apenas 6,67% das placas-alvo no Grupo B. Além disso,
mais 3,37% das placas-alvo no Grupo A alcançaram uma resposta DISCUSSÃO
importante, i.e. melhora de ~75%, enquanto 93,33% das placas-al- A fototerapia, especialmente a UVB-narrow band, já mostrou
vo no Grupo B alcançaram uma resposta importante. Nenhuma das ser uma das modalidades terapêuticas mais eficazes na psoríase.1
placas-alvo nos dois grupos mostrou piora do quadro. As figuras 3 Embora a UVB-narrow band seja eficaz na melhora da psoríase exten-
e 4 mostram fotografias de dois pacientes com melhora sequencial sa de grau moderado a grave, até a terapia extremamente agressiva
das placas-alvo. pode deixar de resolver completamente as lesões de psoríase em
muitos casos. Portanto, são importantes e de grande interesse atual,
Segurança: as terapias combinadas com a fototerapia, como a UVB-narrow band
Todos os pacientes desenvolveram eritema grau I (i.e. as- associadas ao ditranol, calcipotriol, tacalcitol e retinoides orais, que
sintomático, leve e quase imperceptível).13 O eritema grau II (i.e. são capazes de reduzir as doses cumulativas de UV e de acelerar a
assintomático moderado e bem-definido) foi observado em número resolução das lesões cutâneas.2-6 Entretanto, uma vez que a maio-
igual de placas-alvo, i.e. 4 em ambos os grupos após 8 semanas de ria dessas modalidades terapêuticas usadas em combinação com
tratamento.13 Em todos esses pacientes, o tratamento era interrom- a UVB-narrow band apresenta limitações importantes, é necessária
pido até a resolução do eritema, e a UVB-narrow band reiniciada com uma nova modalidade que seja adequada para a combinação com
a última dose tolerada, seguida de incrementos de 10%, de acordo a UVB-narrow band, aumentando a eficácia anti-psoríase no curto e
com o protocolo. Apenas um paciente desenvolveu dor perilesional longo prazo e melhorando simultaneamente o perfil de efeitos co-
bilateral. O tazaroteno foi bem tolerado, exceto pela irritação lesio- laterais.

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Tazaroteno gel com fototerapia UVB de banda estreita: uma combinação sinergística para o tratamento da psoríase 391

NB-UVB NB-UVB + TAZ


NB-UVB + TAZ NB-UVB NB-UVB + TAZ
NB-UVB

Aspecto no início do tratamento Aspecto na 6a semana de tratamento Aspecto na 12a semana de tratamento
Figura 3: Fotografias das placas-alvo localizadas na coxa posterior no início e no final do tratamento

NB-UVB + TAZ NB-UVB NB-UVB + TAZ NB-UVB + TAZ


NB-UVB NB-UVB

Aspecto no início do tratamento Aspecto na 6a semana de tratamento Aspecto na 12a semana de tratamento

Figura 4: Fotografias das placas-alvo localizadas no dorso no início e final do tratamento

O tazaroteno é o primeiro de uma nova classe de retinoi- tatisticamente significativa na mediana do PASI com a terapia com-
des tópicos. Os estudos sugerem que o tazaroteno melhora os três binada, quando comparado com a UVB-narrow band isolada. Ainda
principais fatores patogênicos da psoríase, i.e., hiperproliferação de que promissor, ainda faltam estudos clínicos na literatura sobre a
queratinócitos, diferenciação de queratinócitos anormais e infiltra- combinação do tazaroteno com a UVB-narrow band que incluam
do de células inflamatórias.7 Além disso, na psoríase em placas, o mais pacientes e com tempo de seguimento mais prolongado.
tazaroteno manteve de maneira significativamente melhor os efeitos Também comparamos a eficácia dos dois esquemas, estu-
terapêuticos após a interrupção da terapia, quando comparado aos dando separadamente a redução na espessura, descamação e eri-
corticosteroides tópicos.14 Um estudo recente de Luo et al.15 sugere tema da placas-alvo. A redução da espessura e da descamação foi
que um único tratamento com tazaroteno é capaz de inibir a proli- significativamente maior e mais rápida nas placas-alvo tratadas
feração dos queratinócitos e de aumentar a expressão do mRNA do com a combinação de UVB-narrow band com tazaroteno, quando
TIG3 (gene induzido pelo tazaroteno), mas que apenas uma dose comparadas com as placas tratadas apenas com UVB-narrow band,
mais elevada de UVB-narrow band consegue inibir a proliferação depois de oito semanas de terapia. Enquanto isso, o eritema era um
celular. Entretanto, quando se combina a UVB-narrow band com o pouco mais frequente nas placas-alvo tratadas com a combinação de
tazaroteno gel, os dois têm efeitos sinérgicos na inibição da proli- UVB-narrow band com tazaroteno, comparado com aquelas tratadas
feração dos queratinócitos e na elevação da expressão de TIG3 in apenas com UVB-narrow band. Esse achado pode ser consequente à
vitro. Portanto, o estudo mostrou que quando a UVB-narrow band é irritação cutânea induzida pelo tazaroteno, relatada em 23% dos pa-
usada em combinação com o tazaroteno, o efeito é mais forte quan- cientes tratados com monoterapia de tazaroteno, segundo Weinstein
do comparado com o uso deles enquanto monoterapias. Assim, rea- et al.16 Entretanto, em nosso estudo, a diferença no eritema lesional
lizamos este ensaio clínico para investigar a eficácia terapêutica e a entre os dois grupos não alcançou significância estatística, e chegou
segurança da combinação do tazaroteno com UVB-narrow band na a ser mínima no final do tratamento nos dois grupos. A irradiação
psoríase em placas. UV pode ter reduzido esse efeito adverso, potencializando a fun-
Quando avaliamos as placas-alvo no final do tratamento, ção da barreira cutânea e tornando-a mais resistente às substâncias
observamos diminuição estatisticamente significativa no escore da irritantes quando comparada com a pele não irradiada, conforme
placa-alvo no lado tratado com a associação de UVB-narrow band demonstrado por Lehmann et al.17
com tazaroteno, comparado com o lado tratado apenas com UVB- De acordo com nossos resultados, o número de dias para
-narrow band. Esse resultado corroborou o estudo de Behrens et al.7, o sucesso terapêutico inicial nas placas-alvo tratadas com a terapia
em que a eficácia foi avaliada mediante um escore de PASI modifi- combinada foi estatisticamente menor do que nas placas-alvo tra-
cado, mostrando que depois de quatro semanas houve redução es- tadas apenas com UVB-narrow band. Da mesma maneira, o número

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392 Dayal S, Kaura R, Sahu P, Jain VK

de sessões e a dose cumulativa média de fototerapia para a resolu- Os efeitos adversos relatados por todos os pacientes em
ção das placas de psoríase foram significativamente menores com ambos os lados foram leves e não exigiram a interrupção definitiva
a terapia combinada, quando comparados com a monoterapia com do tratamento. Além disso, não houve diferença nos efeitos adver-
UVB-narrow band. Esta observação está de acordo com o estudo de sos entre os dois lados. Portanto, não houve mudança no perfil de
Behrens et al.7, mostrando que a administração do tazaroteno tópico segurança quando o tazaroteno foi utilizado em associação com a
aumenta a eficácia da irradiação UVB-narrow band, com redução do UVB-narrow band. O perfil de efeitos colaterais observado por nós
número médio de sessões e da dose cumulativa de UVB. A duração corrobora os achados de Behrens et al 7, mostrando que ambas as
total da doença variava de 2 a 12 anos em nosso estudo. Entretan- modalidades são bem toleradas, e que os efeitos adversos são limi-
to, não foi observado nenhum efeito da duração da doença sobre a tados à irritação leve e à queimação transitória.
resposta ao tratamento. A duração total observada em nosso estudo No entanto, nosso estudo teve algumas limitações. Primei-
corrobora os achados de Koo et al.10 Mas nenhum dos estudos havia ramente, não foi um estudo randomizado ou controlado, mas um
avaliado o efeito da duração da doença sobre a resposta terapêutica. ensaio comparativo aberto. Em segundo lugar, o período do estudo
Quando comparado ao estudo anterior de Behrens et al., foi relativamente curto (12 semanas), sem um seguimento mais pro-
nosso estudo incluiu mais pacientes (30), com irradiação em ape- longado. Portanto, são necessários estudos prospectivos com maior
nas dois dias por semana em dias não consecutivos, ao contrário número de casos e com seguimento mais prolongado para confir-
de Behrens et al, que incluíram apenas 10 pacientes durante quatro mar nossos achados.
semanas, com cinco sessões de UVB-narrow band por semana. Com-
parado com Behrens et al7, o seguimento dos pacientes também foi CONCLUSÃO
mais longo em nosso estudo (12 semanas). Behrens et al7 também Concluímos a partir do nosso estudo que a associação da
usaram o escore PASI modificado para avaliar a eficácia terapêutica fototerapia UVB-narrow band com gel de tazaroteno a 0,05% é estra-
e não comentaram o efeito da terapia sobre parâmetros específicos tégia terapêutica anti- psoríase bem tolerada e eficaz, uma vez que
como eritema, descamação e espessura da placa. Enquanto isso, es- melhora significativamente a eficácia clínica, acelera a resolução, re-
colhemos o escore da placa-alvo para avaliar o desfecho terapêutico duz o número médio de sessões e diminui a dose cumulativa média
para poder evitar a influência de fatores como área de comprome- de irradiação UVB-narrow band para a resolução das lesões. O gel de
timento da superfície corporal sobre a eficácia terapêutica, além de tazaroteno também é uma abordagem prática para os pacientes com
monitorar o efeito dessa terapia combinada sobre parâmetros indi- psoríase em placas que são refratários ao tratamento e também para
viduais como eritema, descamação e espessura da placa. aqueles que não têm acesso aos agentes biológicos de alto custo. q

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Surabhi Dayal 0000-0001-9093-6731 Priyadarshini Sahu 0000-0002-7064-4181

Rajiv Kaura 0000-0002-1273-447X Vijay Kumar Jain 0000-0002-4486-9301

How to cite this article: Dayal S, Kaura R, Sahu P, Jain VK. Tazarotene gel with narrow-band UVB phototherapy: a synergistic combination in
psoriasis. An Bras Dermatol. 2018;93(3):385-90.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):387-92.


A1
394
Investigação
s
Desenvolvimento e validação de um questionário multidimensional para
avaliação da qualidade de vida em melasma (HRQ-Melasma)*
Camila Fernandes Pollo1 Luciane Donida Bartoli Miot2
Silmara Meneguin1 Hélio Amante Miot2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186780

Resumo: Fundamentos: Melasma inflige grande impacto na qualidade de vida. MELASQoL é o único instrumento específico
validado para avaliar qualidade de vida no melasma.
Objetivos: Desenvolver e validar um questionário multidimensional para avaliar a qualidade de vida relacionada ao melasma facial.
Métodos: Estudo transversal conduzido em duas instituições (pública e privada) no Brasil. Dois grupos focais foram realizados:
cinco dermatologistas titulados e dez pacientes com melasma, indicando as dimensões e as unidades de significado da
qualidade de vida no melasma. O questionário preliminar com 49 itens foi aplicado a 154 pacientes com melasma. A redução
dos itens foi realizada por análise de Rasch. Avaliações paralelas de aspectos clínicos (MASI), demográficos e qualidade de
vida (MELASQoL e DLQI) foram conduzidas. A estrutura dimensional foi avaliada por análise fatorial confirmatória. A
estabilidade temporal foi testada em um subgrupo de 42 pacientes dentro de 7-14 dias.
Resultados: A média (dp) da idade dos 154 sujeitos foi de 39 ± 8 anos, 87% eram mulheres. A mediana (p25-p75) do DLQI e
MELASQoL foram: 2 (1-6) e 30 (17-44). HRQ-Melasma foi composto de 19 itens distribuídos em quatro dimensões: Física/
Aparência, Social/Profissional, Psicológica e Tratamento. Alfa de Cronbach resultou 0,96 e > 0,74 para cada dimensão. Houve
alta correlação entre HRQ-Melasma com DLQI e MELASQoL (rho = 0,80 e 0,83), porém, modesto com MASI (rho = 0,35). A
estrutura dimensional do HRQ-Melasma foi comprovada pelos coeficientes da análise fatorial confirmatória. A análise teste-
reteste revelou um coeficiente de correlação intraclasse de 0,91 (p < 0,01).
Limitações do estudo: Estudo monocêntrico.
Conclusões: Desenvolveu-se um instrumento específico multidimensional para avaliar qualidade de vida no melasma, com
adequado desempenho psicométrico.
Palavras-chave: Melanose; Psicometria; Qualidade de vida

INTRODUÇÃO
Melasma é uma hipermelanose comum, crônica, caracte- A Organização Mundial da Saúde define QV como “a per-
rizada por máculas hipercrômicas simétricas na pele fotoexposta, cepção que o indivíduo tem de sua posição na vida, no contexto da
principalmente da face. Ocorre preferencialmente em mulheres, cultura e sistema de valores nos quais ele vive, em relação aos seus
durante a idade fértil. Apesar do tratamento, as lesões tendem à re- objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.7 Nesse ínterim,
corrência.1,2 qualidade vida relacionada à saúde é um conceito abrangente, que
As dermatoses podem influenciar a autoimagem e têm po- pode ter significado variável para diferentes populações e culturas,
tencial para desencadear processos que afetam a autoestima, provo- e vem sendo empregado como desfecho em ensaios clínicos tera-
cando sentimentos de ansiedade, tristeza ou até mesmo quadros de- pêuticos.8
pressivos. Apesar de assintomático, melasma acomete áreas visíveis Em 2003, foi desenvolvido e validado o único instrumento
e inflige importante impacto na qualidade de vida (QV).3-6 específico para avaliar a QV relacionada ao melasma: MELASQoL

Recebido 04 Dezembro 2016.


Aceito 19 Março 2017.
* Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu (SP),
Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
 epartamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu,Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu (SP), Brasil.
D
2
Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Hélio Amante Miot
E-mail: heliomiot@fmb.unesp.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):394-9.


Desenvolvimento e validação de um questionário multidimensional para avaliação da qualidade de vida em melasma (HRQ-Melasma) 395

(Melasma Quality of Life Scale). Os autores se basearam no SKIN- Adaptação semântica e validação de conteúdo
DEX-16 (7 itens) e em um questionário sobre alterações da cor da O questionário preliminar definido com 49 itens, em sete
pele (3 itens).9 MELASQoL foi adaptado e validado em diferentes dimensões, foi submetido à análise de cinco especialistas quanto à
países, sendo utilizado em diversos ensaios clínicos.10-18 adequação dos itens (validação de face) e semântica.
Há críticas ao processo de construção e aplicação do ME- Também foi submetido a 10 pacientes para adaptação se-
LASQoL, como: dificuldades na interpretação semântica dos itens, mântica e cultural dos itens.
ter sido validado apenas em mulheres, não ter sido precedido da
análise qualitativa da percepção sobre a doença, menor represen- Coleta de dados
tação da dimensão de sentimentos e autoestima, além da falta de O questionário preliminar foi aplicado a 154 pacientes com
estudo psicométrico quanto à dimensionalidade e estabilidade tem- melasma facial. Paralelamente, foram avaliados aspectos clínicos
poral.19 Esses argumentos apontam para a possibilidade de desen- (MASI – Melasma Area Severity Index), escala visual analógica de
volvimento de novas ferramentas para avaliar a QV no melasma. autopercepção de incômodo com cinco níveis (desenvolvida para
Neste estudo, desenvolvemos e validamos um instrumen- este estudo), aspectos demográficos e de qualidade de vida: ME-
to multidimensional de avaliação da QV relacionada ao melasma LASQoL-PB, DLQI-BRA.9,11,21-23
facial, no Brasil. A amostragem foi abordada por conveniência, sendo incluí-
dos os pacientes subsequentemente atendidos e concordantes em
MÉTODOS participar do estudo.
Estudo transversal, tipo metodológico, realizado na Facul-
dade de Medicina da Unesp (Botucatu-SP), Brasil, no período de Redução dos itens
04/2014 a 07/2015. O projeto de Pesquisa foi aprovado pelo Comitê A análise do comportamento dos itens dentro de cada di-
de Ética da instituição (n.º 476.666 / CAAE 24564413.3.0000.5411). mensão foi realizada segundo a teoria de resposta ao item, a partir
Os pacientes foram oriundos de duas instituições: Ambu- de modelo de Rasch politômico para dados ordinais (Samejima gra-
latório de Dermatologia da FMB-Unesp (público) e Clínica Laura ded model).24-26
Buratini (privada), em Botucatu-SP, Brasil. A redução do questionário decorreu da contribuição de in-
Foram incluídos, no estudo, dermatologistas e portadores formação de cada item dentro de cada dimensão, sendo excluídos os
de melasma facial de ambos os sexos, maiores de 18 anos, sem ou- itens de baixa informatividade.27,28
tras discromias faciais.
Validação do questionário
Grupos focais A validação do questionário reduzido (HRQ-Melasma) foi
O primeiro grupo focal foi realizado com cinco dermatolo- realizada pela avaliação da consistência interna, a correlação com
gistas titulados a partir da questão norteadora: “Em quais aspectos outros instrumentos de qualidade de vida (validade concorrente).
o melasma atrapalha a vida dos pacientes?”. Avaliação da dimensionalidade
O segundo grupo focal foi realizado com 10 pacientes portado- A estrutura dimensional do HRQ-Melasma foi testada pela
res de melasma, oriundos de ambas as instituições, a partir da questão técnica de análise fatorial confirmatória. O ajuste do modelo multi-
norteadora: “Na sua opinião, o que o melasma atrapalha a vida?”, den- dimensional foi realizado por meio dos testes: razão qui-quadrado
tro de cada dimensão identificada pelo primeiro grupo focal. por graus de liberdade (CMIN/DF), índice ajustado de qualidade
Ambos os grupos seguiram os passos metodológicos: cons- de ajuste (AGFI), índice de ajuste comparativo (CFI) e raiz do erro
trução dos assuntos, formulação dos critérios de representatividade quadrático médio de aproximação (RMSEA).29,30
e coleta de dados das diferentes percepções individuais.
Os depoimentos foram gravados e analisados segundo o Estabilidade temporal
método de análise de conteúdo de Bardin, para a definição prelimi- Foi avaliada a estabilidade teste-reteste do construto final
nar das dimensões afetadas pelo melasma.20 (HRQ-Melasma) e do MELASQoL-BP em um subgrupo de 42 sujei-
tos, dentro de um intervalo de 7-14 dias após as entrevistas.
Análise de conteúdo
As narrativas foram analisadas seguindo os passos da aná- Análise estatística
lise de conteúdo, que se desenvolve em três fases. Pré-análise: O Variáveis categóricas foram representadas por suas frequên-
estágio de organização do material e sistematização de ideias; a ex- cias absolutas e percentuais. Variáveis quantitativas foram represen-
ploração de material: essencialmente a operação de categorização tadas pela média e desvio padrão ou mediana e quartis (p25-p75),
de dados que ocorre na transformação de dados brutos para com- se a normalidade não for evidenciada pelo teste de Shapiro-Wilk.31
preensão do texto. Nessa fase, o recorte foi realizado (escolha de A correlação entre os escores do HRQ-Melasma, MELAS-
unidades de significado), e os dados, categorizados e, finalmente, a QoL-PB, DLQI-BRA, MASI e escala visual de incômodo foi avaliada
última etapa: processamento e interpretação dos resultados. pelos coeficientes de correlação de Spearman (rho).31
As narrativas dos especialistas foram transcritas e analisa- A análise de consistência interna da escala e das dimensões
das, emergindo as dimensões do instrumento. foi realizada pelo coeficiente alfa de Cronbach.32

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396 Pollo CF, Miot LDB, Meneguin S, Miot HA

A estabilidade teste-reteste foi avaliada pelo o índice de cor- O primeiro grupo focal (especialistas) indicou, inicialmente,
relação intraclasse (ICC) para perfeita concordância.33 sete dimensões. O segundo grupo focal (pacientes) levou à elabo-
O escalonamento dos escores do HRQ-Melasma baseou-se ração de 65 itens, posteriormente agrupados em 49 itens, dentro de
na projeção das categorias do DLQI,22 a partir de técnica de regres- quatro dimensões.
são cúbica. O questionário teste foi submetido à adaptação após análise
Dados foram tabulados em planilhas do MS Excel 2010 e semântica por pacientes e especialistas, além de validade de con-
analisados pelos softwares IBM SPSS 22, eirt-1.3 e AMOS 10.34,35 Foi teúdo, clareza, objetividade, adequação dos termos e facilidade de
considerado significativo valor de p < 0,05. compreensão, pelos especialistas (dados não mostrados). Posterior-
O dimensionamento amostral baseou-se em um pré-teste mente, o questionário teste com 49 itens foi aplicado a 154 pacientes
com 100 entrevistas, de forma a contemplar mais de 10 casos por portadoras de melasma.
item, dentro de cada dimensão.36 O processo de redução dos itens, dentro de cada dimensão,
baseou-se na função de informação expressa por cada item, de acor-
RESULTADOS do com a análise de Rasch. O questionário reduzido (HRQ-Melas-
Entre os 154 entrevistados, 87 (57%) eram oriundos do am- ma) resultou em 19 itens, distribuídos em quatro dimensões (Física/
bulatório de uma universidade pública, e 67 (43%), de clínica pri- Aparência, Social/Profissional, Psicológica, Tratamento) (Quadro 1).
vada. Os principais dados clínicos e demográficos estão descritos Houve alta correlação entre os escores do questionário teste
na tabela 1. Destaquem-se a predominância do sexo feminino e o e o HRQ-Melasma (rho = 0,98; p < 0,01).
surgimento da doença em idade reprodutiva. A consistência interna (alfa de Cronbach) do HRQ-Melasma
foi de 0,96; e a de suas dimensões foi: Física/Aparência (0,88), So-
cial/Profissional (0,92), Psicológica (0,94), Tratamento (0,74). Houve
Tabela 1: Principais dados clínicos, demográficos e de qualidade alta correlação entre os escores totais e das dimensões (Tabela 2). A
de vida dos pacientes com melasma facial correlação item a item está disposta na tabela 3.
Variáveis N (%) As correlações do HRQ-Melasma com escores clinimétricos
e de qualidade de vida estão dispostas na tabela 4. Destacam-se as
N 154
correlações modestas do MELASQoL-PB e HRQ-Melasma com o
Idade (anos)* 39 (8)
escore clinimétrico MASI. Contudo, forte correlação do HRQ-Me-
Sexo Feminino 134 (87) lasma com DLQI-BRA e MELASQoL-PB.
Masculino 20 (13) O HRQ-Melasma permite uma variação de escores de zero
Estado civil Solteiro(a) 42 (27) a 76. Quando comparado às categorias do DLQI-BRA,22 a projeção
Casado(a) / Amasiado(a) 93 (60) dos escores permitiu seu escalonamento em: < 15 (não afetado); 16-
35 (pouco afetado); 36-50 (moderadamente afetado); 51-65 (muito
Viúvo(a) 19 (12)
afetado); > 65 (extremamente afetado).
Escolaridade Fundamental 28 (18)
A estrutura dimensional do HRQ-Melasma, avaliada pela
Médio 50 (33) análise fatorial confirmatória, baseou-se no desempenho dos indi-
Superior 76 (49) cadores: Razão qui-quadrado por graus de liberdade (CMIN/DF) =
Renda familiar < R$ 1.000,00 20 (13) 1,77 (p < 0,01), índice ajustado de qualidade de ajuste (AGFI) = 0,84,
índice de ajuste comparativo (CFI) = 0,96; raiz do erro quadrático
R$ 1.100-3.000,00 51 (33)
médio de aproximação (RMSEA) = 0,06. O desempenho dos indica-
R$ 3.000-5.000,00 36 (23)
dores evidenciou adequado ajuste à estrutura dimensional latente:
> R$ 5.000,00 47 (31) AGFI ≥ 0,9; CFI ≥ 0,9; RMSEA ≤ 0,8, CMIN/DF < 5.23,24
Idade de surgimento Foi realizado o reteste do HRQ-Melasma em 42 sujeitos,
27 (8)
do Melasma (anos)*
com intervalo médio de 9,5 ± 2,6 dias. A estabilidade temporal foi
Tempo de doença
10 (6-16) estimada pelo coeficiente de correlação intraclasse das duas medi-
(anos)**
das resultando 0,91 (p < 0,01).
MASI** 8 (5-15)
O preenchimento do questionário HRQ-Melasma pelos su-
Escala visual 1 – Nenhum incômodo 14 (9)
jeitos foi realizado em menos de 10 minutos.
2 – Incômodo leve 25 (16)
3 – Incômodo moderado 43 (28) DISCUSSÃO
4 – Muito incômodo 34 (22) Foi desenvolvido e validado um novo questionário, de
estrutura multidimensional, para avaliar a QV em pacientes por-
5 – Incômodo excessivo 38 (25)
tadores de melasma facial, obedecendo aos passos clássicos deter-
DLQI-BRA** 2 (1-6)
minados pela psicometria.37 Os grupos focais desvelaram diferentes
MELASQoL-PB** 30 (17-44) aspectos do cotidiano em que a doença aflige a QV.
HRQ- MELASMA ** 31 (15-52) A amostra estudada reproduziu as casuísticas brasileiras de
*Média (desvio padrão); **Mediana (p25-p75).
melasma: principalmente mulheres em idade fértil.38,39 Da mesma

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Desenvolvimento e validação de um questionário multidimensional para avaliação da qualidade de vida em melasma (HRQ-Melasma) 397

Quadro 1: Versão original em português do Brasil do HRQ-Melasma


HRQ-Melasma
O objetivo deste questionário é medir o quanto suas manchas de pele afetaram sua vida NOS ÚLTIMOS 30 DIAS. Marque com um “X” a
melhor resposta para cada pergunta.
Nos últimos 30 dias, como você se sentiu devido a sua mancha?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
FA2-Quantas vezes, por causa das manchas, você se sentiu aparentemente mais velha(o) do que é?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
FA3-Quantas vezes, por causa da mancha, você se sentiu diferente das outras pessoas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4. Sempre
SP4-Quantas vezes a presença da mancha interferiu na realização de uma atividade ou profissão?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
SP5-Quantas vezes você se sentiu incomodada(o) em conhecer pessoas novas por causa das suas manchas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
SP6-Quantas vezes você se sentiu incomodada(o) em participar de compromissos durante o dia?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
SP7-Quantas vezes as manchas interferiram na busca por novas oportunidades de emprego?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
SP8-Quantas vezes suas manchas limitaram suas atividades sociais como compromissos, reuniões ou relações com pessoas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4. Sempre
PSI9-Quantas vezes você se sentiu decepcionada(o) por sua mancha ser um problema crônico e sem cura?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2. Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI10-Quantas vezes você se sentiu incomodada(o) com comentários ou perguntas de outras pessoas sobre suas manchas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
FA11-Quantas vezes, nos últimos 30 dias, você achou sua mancha feia?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI12-Quantas vezes você sentiu vergonha das suas manchas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI13-Quantas vezes, devido às manchas, você evitou ou se sentiu mal ao olhar no espelho?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI14-Quantas vezes você se sentiu incomodada(o) quando outras pessoas olharam diretamente para você e notaram a mancha?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI15-Quantas vezes, nos últimos 30 dias, você se sentiu triste ou deprimida(o) devido às manchas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
PSI16-Quantas vezes, nos últimos 30 dias, você teve dificuldade de aceitar suas manchas?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
TTO17-Quantas vezes você percebeu que os produtos utilizados no tratamento ou os filtros solares não eram adaptados para seu tipo
de pele?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
TTO18-Nos últimos 30 dias, quantas vezes você se sentiu incomodada(o) com os efeitos colaterais do tratamento? Por exemplo: verme-
lhidão.
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre
TTO19-Quantas vezes você se sentiu incomodada(o) porque as manchas escureceram apesar do tratamento?
( )0.Nunca/Não se Aplica ( )1.Raramente ( )2.Algumas vezes ( )3.Muitas vezes ( )4.Sempre

forma, foi bem representada para o desenvolvimento de instrumento prejuízo psicométrico (rho > 0,95). A estrutura dimensional ideali-
psicométrico, pois avaliou pessoas com níveis socioeconômicos hete- zada foi posteriormente ratificada à análise fatorial confirmatória.
rogêneos, diversidade de idades, sexo e extensão clínica da doença. A dimensão Física/Aparência reteve itens que refletiram o
HRQ-Melasma foi constituído a partir da redução de 49 aspecto da doença quanto ao impacto estético, aparência de idade
para 19 itens, distribuídos em quatro grandes dimensões, o que pronunciada e diferença da sua aparência em relação a um grupo.
permite a compreensão do fenômeno, em diferentes domínios de A dimensão Social/Profissional reteve itens que se relaciona-
impacto na QV. Apresentou boa consistência interna, assim como ram ao impacto da doença em relação à competitividade profissional,
em suas dimensões, e o processo de redução dos itens não infligiu limitação de convívio social, lazer e de construir relacionamentos.

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398 Pollo CF, Miot LDB, Meneguin S, Miot HA

Tabela 2: Correlação (rho de Spearman) entre o escore total e as Tabela 4: Correlação (rho de Spearman) entre os instrumentos
dimensões do HRQ-Melasma clinimétricos, de autoimagem e de qualidade de vida
aplicados no estudo

HRQ-Melasma

MELASQOL-BP

HRQ-Melasma
TTO Total

Escala Visual
PSI Total
SP Total

DLQI-BRA
FA Total 0,68 0,85 0,55 0,91
MASI 0,35 0,27 0,39 0,35
SP Total 0,73 0,45 0,81
MELASQoL-BP 0,73 0,72 0,83
PSI Total 0,63 0,96
DLQI-BRA 0,67 0,80
TTO Total 0,71
Escala Visual 0,74
FA- Física/Aparência SP- Social/Profissional PSI- Psicológica TTO- Tratamento.
Todos os p-valores foram < 0,01.

Tabela 3: Correlações (rho de Spearman) item a item e item total do HRQ-Melasma


FA FA FA SP SP SP SP SP PSI PSI PSI PSI PSI PSI PSI TTO TTO TTO HRQ
2 3 18 6 7 10 11 12 15 16 21 23 25 28 30 39 45 46 -Melasma
FA1 0,69 0,66 0,71 0,42 0,51 0,47 0,46 0,42 0,70 0,61 0,73 0,65 0,63 0,53 0,60 0,33 0,35 0,52 0,80
FA2 0,69 0,64 0,48 0,55 0,48 0,50 0,50 0,59 0,61 0,66 0,59 0,64 0,61 0,59 0,30 0,39 0,49 0,78
FA3 0,56 0,59 0,59 0,52 0,51 0,53 0,60 0,62 0,66 0,63 0,67 0,62 0,58 0,25 0,29 0,46 0,78
FA18 0,45 0,49 0,46 0,39 0,41 0,72 0,58 0,70 0,61 0,63 0,53 0,59 0,33 0,36 0,58 0,78
SP6 0,65 0,70 0,65 0,73 0,50 0,54 0,57 0,55 0,54 0,61 0,49 0,23 0,25 0,40 0,69
SP7 0,64 0,61 0,64 0,48 0,56 0,63 0,63 0,56 0,57 0,44 0,29 0,24 0,42 0,71
SP10 0,64 0,72 0,51 0,53 0,59 0,63 0,53 0,59 0,56 0,27 0,25 0,45 0,72
SP11 0,66 0,47 0,53 0,52 0,53 0,49 0,63 0,46 0,21 0,25 0,33 0,65
SP12 0,50 0,49 0,55 0,55 0,55 0,58 0,46 0,26 0,28 0,45 0,69
PSI15 0,68 0,77 0,66 0,70 0,62 0,64 0,32 0,42 0,71 0,84
PSI16 0,73 0,66 0,80 0,61 0,61 0,36 0,52 0,59 0,83
PSI21 0,75 0,80 0,71 0,70 0,26 0,41 0,60 0,88
PSI23 0,71 0,66 0,63 0,33 0,37 0,50 0,83
PSI25 0,66 0,65 0,31 0,44 0,59 0,84
PSI28 0,63 0,24 0,34 0,47 0,78
PSI30 0,37 0,40 0,50 0,76
TTO39 0,45 0,41 0,45
TTO45 0,57 0,53
TTO46 0,72
FA- Física/Aparência SP- Social/Profissional PSI- Psicológica TTO- Tratamento.

Sentimentos ligados à decepção, constrangimento, tristeza, forma, houve alta estabilidade teste-reteste, o que, conjuntamente,
depressão, percepção do outro em relação a si, prejuízo da autoima- autorizam seu emprego na prática clínica e na pesquisa.
gem e aceitação pessoal causada pela doença compuseram os itens A principal limitação do estudo é ter sido monocêntrico, e
que representaram a dimensão Psicológica, a mais numerosa (sete a exploração das propriedades psicométricas e estruturais do HR-
itens) do HRQ-Melasma. Q-Melasma deve ser realizada em outras realidades culturais e
A dimensão Tratamento reteve apenas três itens, e que apre- línguas, com ferramentas analíticas adequadas para as característi-
sentou menor informatividade à análise de Rasch. Entretanto, cons- cas estatísticas das medidas, a fim de identificar particularidades e
tituiu-se uma dimensão independente e que explora importantes deficiências do construto na investigação da qualidade de vida no
aspectos da doença: a tolerabilidade das intervenções e recorrência melasma.
das lesões apesar do tratamento.
HRQ-Melasma apresentou, ainda, alta correlação com a esca- CONCLUSÕES
la visual de incômodo, DLQI-BRA e MELASQoL-PB. A fraca correla- Desenvolveu-se um instrumento específico, multidimen-
ção do HRQ-Melasma e do MELASQoL-PB com MASI são evidências sional, para avaliar QV no melasma, com adequado desempenho
que o impacto do melasma transcende a dimensão física.40 Da mesma psicométrico. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):394-9.


Desenvolvimento e validação de um questionário multidimensional para avaliação da qualidade de vida em melasma (HRQ-Melasma) 399

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Camila Fernandes Pollo 0000-0003-0264-5841 Silmara Meneguin 0000-0003-3853-5134

Luciane Donida Bartoli Miot 0000-0002-2388-7842 Hélio Amante Miot 0000-0002-2596-9294

Como citar este artigo: Pollo CF, Miot LDB, Meneguin S, Miot HA. Development and validation of a multidimensional questionnaire for
evaluating quality of life in melasma (HRQ-melasma). An Bras Dermatol. 2018;93(3):391-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):394-9.


400
Revisão
s
Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas vasculares cutâneas*

Ana Cecilia Lamadrid-Zertuche1 Verónica Garza-Rodríguez1


Jorge de Jesús Ocampo-Candiani
1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187459

Resumo: A púrpura é definida como uma hemorragia visível na pele ou mucosa, e que não é evanescente sob pressão. A clas-
sificação adequada permite melhor abordagem ao paciente devido aos múltiplos diagnósticos possíveis. As púrpuras podem
ser categorizadas pelo tamanho, morfologia e outras características. A abordagem diagnóstica, tratamento e evolução variam
de acordo com a etiologia. Esta revisão discute a púrpura pigmentada e algumas síndromes oclusivas vasculares cutâneas.
Palavras-chave: Calciofilaxia; Doenças vasculares; Púrpura; Púrpura fulminante; Síndrome antifosfolipídica; Transtornos mie-
loproliferativos

INTRODUÇÃO
A púrpura é definida como hemorragia na pele ou mucosa
Tabela 1: Classificação das púrpuras
que não é evanescente sob pressão. A classificação correta assegura
Tamanho Morfologia Características
melhor manejo do caso, devido aos múltiplos diagnósticos. A púr-
pura pode ser classificada de acordo com o tamanho, morfologia, ≤ 4mm = petéquias Retiforme Inflamatória
fisiopatologia e outras características (Tabela 1). 5 a 9mm = mácula Não-retiforme Não-inflamatória
Quanto à morfologia, a púrpura retiforme deve ser diferen- ≥ 1cm = equimose Livedo reticular
ciada do livedo reticular e do livedo racemoso. Essas condições têm Livedo racemoso
aspecto morfológico semelhante, caracterizado como máculas vio-
Fonte: Piette WW, 2012. 1

láceas com formato em rede, arborizado ou estrelado, mas diferem


quanto à fisiopatologia (Quadro 1).
A evolução clínica varia de acordo com a etiologia. A púr-
Quadro 1: Características do livedo reticular, livedo racemoso e
pura macular ou púrpura não- palpável resolve mais rapidamente púrpura retiforme
e exibe transição cromática, de vermelho-azulado para violáceo,
Fisiopatologia Topografia
verde, amarelo ou marrom, devido ao extravasamento de hemácias
Livedo reticular Fluxo sanguíneo Membros inferiores
e poucas células inflamatórias.1 A púrpura palpável demora mais
baixo devido ao
tempo a resolver devido à presença de células inflamatórias e depó- estado de débito
sitos de complexo imune que levam à oclusão vascular.1 baixo.
A púrpura tem uma lista longa de diagnósticos diferenciais, Livedo racemoso Fluxo sanguíneo Tronco e membros
que diferem sobretudo em relação à fisiopatologia. Uma maneira de irregular devido à inferiores
abordar a púrpura é com a pergunta, “o paciente está sangrando?”, obstrução física.
já que alguns distúrbios hemorrágicos exigem intervenção imediata Púrpura reti- Púrpura e necrose Variável
(Figura 1). Esta revisão tem como objetivo descrever alguns desses forme devido à oclusão
diagnósticos diferenciais e seus mecanismos fisiopatogênicos para venosa.
Fonte: Wysong A, et al, 2011.16

Recebido 04 Agosto 2017.


Aceito 03 Novembro 2017.
* Trabalho realizado Departamento de Dermatologia, Hospital Universitário “Dr. José Eleuterio González”, Universidad Autónoma de Nuevo León, Nuevo
León, México.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Departamento de Dermatologia, Hospital Universitário Dr. José Eleuterio González”, Universidad Autónoma de Nuevo León, Nuevo León, México.

Endereço para correspondência:


Verónica Garza-Rodríguez
Email: anacecy.lamadrid@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas vasculares cutâneas 401

Púrpura

O paciente está
sangrando?

Sim Não

Síndromes Problema de
Distúrbio de Púrpura Entidades
Trombocitose Trombocitopenia Vasculite oclusivas suporte de parede
coagulação pigmentar variadas
vasculares do vaso sanguíneo

Distúrbio Vasos sanguíneos Embolia (colesterol, Aumento da


Emergência Outros Congênito Adquirido pequenos, cristal, gordura, Púrpura senil pressão
mieloproliferativo
médios e grandes infecciosa, mixoma) intravascular

Necrose cutânea
NPH APS Cateter Hemofilia A, B por varfarina Calcifilaxia Escorbuto Abuso infantil

Púrpura
Doença de Von Distúrbios
TTP (raro) fulminante Diluição Infecção Amiloidose Trauma
Willedebrand mieloproliferativos
(sépsis)

Droga (aspirina, Deficiência do


Insuficiência Picada de aranha Manobra de
TTP clopidogrel, abci- fator V e da Ehrles-Danlos
ximabe, AINEs, hepática (Loxosceles) Valsalva
proteina C
antibióticos,
fibrinolíticos, etc.)

Doença do tecido
HIT Afribinogenemia Insuficiência renal Crioaglutinação Drogas
conjuntivo (APS)

Organismos infec-
ciosos (pacientes Síndrome de
ITP Deficiência de
imunossuprimidos, Gardner-Diamond
vitamina K
pioderma gangre- (psicogênica)
noso, fenômeno de
Lúcio, etc.)

DIC
Endocardite
marântica

Diluição do
procoagulante Doença de
Mondor

Drogas

HPN: hemoglobinúria paroxística noturna; PTT: púrpura trombocitopênica trombótica; SAF: síndrome antifosfolípide; TIH: trombocitopenia induzida por heparina; PTI: púrpura tromboc-
itopênica idiopática; AINE: anti-inflamatórios não esteroides; CID: coagulação intravascular disseminada

Figura 1: Algoritmo diagnóstico das púrpuras

favorecer melhor manejo do paciente e orientar o tratamento. O ar- A capilarite idiopática é a forma mais comum, uma vez que a maio-
tigo discutirá as púrpuras pigmentadas e algumas síndromes cutâ- ria dos casos não está associada a uma causa específica.4
neas vaso-oclusivas. Embora a vasculite faça parte dos diagnósticos Faltam dados epidemiológicos mais abrangentes, porém,
diferenciais, não será discutida nesta revisão. observou-se frequência cinco vezes mais em homens comparado
com mulheres. A condição afeta predominantemente indivíduos
Púrpuras pigmentadas entre 40 e 60 anos de idade.2,5 Algumas variantes predominam em
As púrpuras pigmentadas, conhecidas também como der- crianças e adultos jovens.3-5
matose pigmentada purpúrica crônica, púrpura simples e capilarite, A fisiopatologia exata é desconhecida, porém acredita-se
entre outras, englobam cinco grandes variantes clínicas, inclusive que a capilarite seja devida a uma reação de hipersensibilidade
púrpura de Schamberg, púrpura anular telangiectásica de Majocchi, cutânea que provoca a fragilidade e permeabilidade capilares, le-
dermatite liquenoide purpúrica pigmentada de Gougerot e Blum, vando ao extravasamento eritrocitário e deposição de hemosside-
púrpura eczematoide de Doucas e Kapetanakis e líquen áureo.1-4 rina, observados nas peças de biópsia.1,2,6 As três principais teorias
Cada enfermidade está associada a fatores desencadeantes especí- patogênicas, de acordo com os dados histológicos, são: fragilidade
ficos, que são difíceis de determinar na prática e não parecem ter vascular, imunidade humoral e imunidade celular.2,3
implicações terapêuticas ou prognósticas. 3,4 As púrpuras pigmentadas apresentam petéquias ou má-
A capilarite está associada a muitos gatilhos, que incluem culas pigmentadas na região distal dos membros inferiores.1-4 As
hipertensão venosa, exercício físico, gravidez, fragilidade capilar, lesões podem ser generalizadas, devido a infecções virais autolimi-
toxicidade medicamentosa por acetaminofeno, aspirina, hidralazina tadas, ou então localizadas. As variantes têm características clínicas
e tiamina e substâncias hiperativas como têxteis, corantes e álcool.2,3 que as distinguem entre si (Quadro 2).

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


402 Lamadrid-Zertuche AC, Garza-Rodríguez V, Ocampo-Candiani JJ

Púrpura de Schamberg Doença de Gougerot e Blum


Conhecida também como dermatose purpúrica pigmentada A dermatose purpúrica liquenoide ou doença de Gougerot
progressiva ou crônica, a púrpura de Schamberg predomina mais e Blum afeta adultos com idade entre 40 e 60 anos.2 É caracterizada
em homens em torno da sexta década de vida, e está associada às in- por placas liquenificadas de cor alaranjada-avermelhada ou pur-
fecções virais.2 Acomete tipicamente as regiões pré-tibiais dos mem- púrica na região anterior dos membros inferiores (pernas e coxas),
bros inferiores e se estende no sentido proximal, poupando o rosto e tronco e às vezes braços.2, 4,8 A lesão, quando única, pode se asseme-
regiões palmo-plantares.3 A púrpura de Schamberg apresenta tipica- lhar ao sarcoma de Kaposi.2,4 Alguns casos podem estar associados
mente máculas purpúricas formando grandes placas que adquirem à micose fungoide. 2,4
cor amarronzada descrita como “grãos de pimenta-de-Caiena”.2,3
As lesões tendem a ser assintomáticas, mas eventualmente são le- Líquen áureo
vemente pruriginosas.3 Também conhecido como líquen purpúrico, o líquen áureo
é assim denominado devido à cor dourada da lesão.3 Afeta adultos
Púrpura Eczematoide de Doucas e Katepanakis jovens de 20 a 30 anos de idade, caracterizado por máculas purpú-
A púrpura eczematoide ou púrpura pruriginosa é descrita ricas alaranjadas ou douradas, tipicamente unilaterais, com pápulas
como variante da púrpura de Schamberg que acomete tipicamente líquenoides, nos membros inferiores.2-4 Muitas vezes as lesões são
o sexo masculino.3,5 Caracteriza-se por alterações eczematoides nos crônicas, persistindo entre três meses e 20 anos.4 Esta condição pode
membros inferiores associadas ao prurido e à liquenificação secun- estar associada a fármacos, trauma ou estase venosa.4 Compartilha
dária ao prurido.4,5 Semelhante a outros tipos de capilarite a lesão características histológicas, como o extravasamento eritrocitário e o
tem evolução crônica, com remissão espontânea.3,5 Esta forma de infiltrado perivascular, com outros tipos de capilarite, porém tipi-
púrpura está associada a reação alérgica aos téxteis.3,4 camente apresenta infiltrado linfocitário em banda logo abaixo da
zona de Grenz, estreita4 que o distingue, com base na histopatologia,
Púrpura anular telangiectásica de Majocchi de outros tipos de capilarite .
Esta forma de púrpura é caracterizada por lesões simétricas
que afetam predominantemente os membros inferiores com extensão Capilarite linear
proximal até a região glútea.3 As lesões aparecem na forma de A capilarite linear, ou púrpura pigmentada, se assemelha ao
máculas purpúricas de cor marrom-avermelhada com padrão anular líquen áureo, porem, apresentando distribuição linear. Entretanto,
ou arciforme com centro claro que pode se tornar atrófico.2,3,7 Podem histologicamente a lesão não cursa com infiltrado líquenoide.2 É cin-
ser confundidas com vasculite, portanto, é importante valoriza-las.4 co vezes mais comum em homens que em mulheres, e acomete os
A etiologia não está clara, mas a condição está associada à gravidez membros inferiores.9
e à insuficiência venosa que piora com o atrito com téxteis.2,4 Afeta
principalmente as adolescentes ou mulheres adultas jovens.4,7 As Diagnóstico, tratamento e prognóstico
lesões tipicamente apresentam evolução assintomática, mas podem O diagnóstico é clínico. As púrpuras pigmentadas tipica-
estar acompanhadas de prurido.2,4 mente exibem uma evolução assintomática com prurido mínimo,

Quadro 2: Púrpuras pigmentadas


Aspecto clínico Topografia Histologia
Púrpura de Schamberg Máculas purpúricas formando placas Região pré-tibial dos Infiltrado linfocítico perivascular,
grandes que adquirem uma tonalidade membros inferiores com extravasamento eritrocitário
amarronzada descrita como “grãos de e depósitos de hemossiderina.
pimenta-de-Caiena”
Púrpura eczematoide de Alterações eczematosas com Membros inferiores
Doucas e Katepanakis liquenificação
Púrpura anular telangiectási- Máculas anulares simétricas Membros inferiores
ca de Majocchi marrom-avermelhadas com centro atrófi-
co claro
Doença de Geugerot e Blum Placas liquenificadas laranja-avermelha- Pernas, coxas, tronco e
das ou purpúricas eventualmente braços

Líquen áureo Máculas purpúricas com pápulas Membros inferiores Mesmas características do
liquenoides alaranjadas ou douradas infiltrado linfocítico dérmico em
bandas.
Capilarite linear Semelhante ao líquen áureo, com padrão Membros inferiores A mesma das outras púrpuras
linear. pigmentadas.
Fonte: Díaz Molina VL et al., 2009 2; Sardana K et al., 2004 3; Allevato MA, 2007 4; Karadag AS et al., 2013 5, and Hoesly FJ et al,, 2009. 7

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas vasculares cutâneas 403

dor ocasional e achados laboratoriais normais.2 Alguns casos exi- É obrigatório descartar a trombocitopenia induzida por
gem biópsia para diferenciá-los de outras entidades como a vascu- heparina, ou síndrome HIT, para orientar a terapia.16 A síndrome
lite. Na histopatologia, as púrpuras pigmentadas exibem infiltrado HIT apresenta-se tipicamente como trombocitopenia (30-50% do
linfocitário perivascular, dilatação vascular com extravasamento valor basal) depois da exposição à heparina.13 Entre 10 e 20% dos
eritrocitário e depósitos de hemossiderina. pacientes exibem elevação do INR e hipofibrinogenemia compatível
Não existe uma terapia padrão disponível, mas o tratamen- com coagulação intravascular disseminada (CID) e testes sorológi-
to deve orientar quanto aos fatores desencadeantes. Com alguns cos positivos, tais como o ensaio de liberação de serotonina (SRA),
tratamentos, como os corticosteroides tópicos, griseofulvina, pento- considerado o “padrão de ouro” para o diagnóstico de HIT, com
xifilina, vitamina C e fototerapia, houve relatos de sucesso, com res- sensibilidade de 88% e especificidade de 100%.13,17 Além disso, reco-
postas variadas entre pacientes.5,9,10 Fármacos não-esteroides como a menda-se a confirmação com anticorpos anti-PF2/heparina através
ciclosporina e outros imunomoduladores como o metotrexato já fo- de ensaio imuno-enzimático.13
ram usados, com bons resultados.7 Os pacientes podem receber tra- A terapia tem como base a suspensão da heparina e o uso
tamento conservador com meias elásticas compressivas e elevação de um tratamento anticoagulante alternativo, p. ex., um inibidor de
dos membros inferiores, para ajudar a prevenir a estase venosa.2,7,9 trombina, seguido de vitamina K, quando necessário.12,15,16 Uma he-
As púrpuras pigmentadas costumam ter evolução benigna parina alternativa é utilizada em casos não associados à síndrome
crônica. Entretanto, alguns casos têm sido associados ao linfoma de HIT.12 Cuidados com a ferida, analgesia e enxerto cutâneo após de-
células T.2,3,4,7 Essas lesões deixam uma mácula pós-inflamatória, di- bridamento cirúrgico devem ser oferecidos quanto necessários.12, 16
fícil de se resolver.2
 rombocitopenia secundária a síndromes mieloprolifera-
T
Síndromes cutâneas vaso-oclusivas tivas
A síndrome cutânea vaso-oclusiva é caracterizada pela As síndromes mieloproliferativas são caracterizadas pela
púrpura retiforme. As púrpuras retiformes inflamatórias e não-in- proliferação anormal de uma ou mais linhagens celulares no san-
flamatórias devem ser diferenciadas entre si, e os exames de san- gue periférico. As síndromes diferem da leucemia aguda e afetam
gue específicos devem ser realizados para aprimorar o diagnóstico principalmente as mulheres jovens.11 O comprometimento cutâneo
e orientar o tratamento, já que há vários diagnósticos diferenciais. é mais frequente na policitemia vera e na trombocitopenia essen-
Além disso, o tratamento varia conforme a etiologia. A síndrome cial.11 Podem cursar como síndromes oclusivas cutâneas, na forma
pode causar danos maiores se for tratada equivocadamente como de púrpura, hematomas, eritromelalgia, livedo reticular, fenômeno
síndrome oclusiva ou inflamatória.11 de Raynaud, úlceras de perna, gangrena e tromboflebite.11,18,19 Não
Os diagnósticos diferenciais são muitos. Incluímos alguns, se conhece toda a patogênese molecular implicada nessas doenças,
mas o clínico deve levar consideração um rol mais amplo de possi- mas as mutações do gene da tirosina-quinase JAK-2 foram descritas
bilidades. A fisiopatologia é um método simples para classificar as em 90 a 95% dos pacientes com policitemia vera e em 50 a 70% dos
diversas formas e orientar o diagnóstico.11 pacientes com trombocitopenia essencial.11 A biópsia de pele pode
revelar trombos plaquetários nos vasos sanguíneos da derme.20 Em
Distúrbios relacionados à agregação plaquetária comparação com a população geral, os pacientes com esse sinal exi-
Necrose induzida por heparina bem aumento de morbidade, em função do aumento da trombose
A necrose induzida por heparina é uma entidade clínica e ou hemorragia, ou transformação em mielofibrose ou leucemia.21 O
patológica que requer exposição prévia à heparina.11-13 O paciente tratamento é definido de acordo com a idade e o risco cardiovascu-
apresenta púrpura necrozante não-inflamatória retiforme, tipica- lar do paciente. A anagrelida, aspirina em baixas doses, hidroxiuréia
mente entre cinco e 11 dias após a exposição, porém imediatamente, e flebotomia têm se mostrado úteis nos casos de policitemia vera.21
caso tenha havido outra exposição prévia ou, meses depois em caso
de reação de hipersensibilidade.11,12 As lesões normalmente come- Púrpura associada à crioaglutinação
çam como placas eritematosas dolorosas que evoluem para púrpura Os distúrbios da crioaglutinação incluem as crioglobuli-
com necrose rápida no mesmo sítio ou distal ao local de aplicação nemias, criofibrinogenemias e aglutininas frias.11 São síndromes
da heparina, com predileção pelo abdome, coxas e pernas.11,12 Na incomuns, mas devem ser levadas em conta no diagnóstico
histopatologia, pode ser observado um tampão plaquetário com in- diferencial das síndromes vaso-oclusivas. A imunoglobulina se pre-
flamação perivascular.14 cipita a como gel, em condições de laboratório, temperaturas abai-
A condição afeta entre 1 e 5% dos adultos, sobretudo mulhe- xo de 4°C e dissolve novamente acima de 37°C, correspondendo às
res de meia idade, com incidência e mortalidade de 30%.11,12,15 Foram crioglobulinemias.22,23 As criofibrinogenemias são causadas pelos
propostos os seguintes mecanismos fisiopatológicos: 1) imunidade fibrinogênios plasmáticos que gelificam a temperaturas baixas, e as
induzida por heparina, na qual os anticorpos IgG são produzidos crioaglutininas promovem a aglutinação eritrocitária a temperatu-
contra o fator plaquetário 4 e a heparina, provocando aglomera- ras baixas, provocando a oclusão vascular.11
ção e consumo plaquetários, levando à oclusão microvascular;11-13 As crioglobulinemias podem ser divididas em 3 tipos de
2) reação de hipersensibilidade Arthus, tipo III e 3) fatores físicos e acordo com a classificação de Brouet (Quadro 3).22,23 A crioglobu-
mecânicos, tais como técnica de injeção incorreta e insuficiência da linemia tipo 1 é vaso-oclusiva, enquanto os tipos 2 e 3 envolvem a
circulação adiposa.12 vasculite de pequenos vasos devida aos complexos imunes. Essas

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


404 Lamadrid-Zertuche AC, Garza-Rodríguez V, Ocampo-Candiani JJ

Quadro 3: Crioglobulinemias: classificação e características


Crioglobulinemias Tipo I Tipo II Tipo III
Tipo anticorpo IgM ou IgG monoclonal IgG policlonal e IgM monoclo- IgG policlonal de IgM, FR
nal, FR positivo positivo
Mecanismo oclusivo Hiperviscosidade Complexo imune Complexo imune
vascular
Comorbidades Neoplasia hematológica (doenças linfo- Hepatite C ou B, HIV, doenças Doenças autoimunes (síndrome
proliferativas de células B: macroglob- autoimunes de Sjögren, LES, atrite reu-
ulinemia de Waldenström, mieloma matoide), hepatite C, hepatite
múltiplo, gamopatia monoclonal) idiopática.
*FR (fator reumatoide), HIV (vírus da imunodeficiência humana), LES (lúpus eritematoso sistêmico). Fonte: Perez-Alamino, R et al, 201422 e Ghetie D, et al, 2015. 23

doenças costumam afetar mulheres, numa razão de 3:1, e o tipo me- forma um trombo, levando à oclusão vascular principalmente nas
nos comum é a crioglobulinemia tipo 1.23 A base da etiologia são regiões glúteas e membros inferiores.11,27,29 A ausência de supuração
as doenças autoimunes em 10 a 15% das crioglobulinemias mistas, diferencia o ectima gangrenoso do pioderma gangrenoso.27 No total,
neoplasias hematológicas em 10 a 15% de crioglobulinemias tipo 1 e 73,65% dos casos de ectima gangrenoso são devidos à Pseudomonas
idiopática ou infecciosa em 25% dos casos de crioglobulinemia mis- aeruginosa, enquanto 17,35% e 9% são devidos a outras bactérias e
ta.22 O mecanismo patogênico tem como base os anticorpos mono- a fungos oportunistas, respectivamente. Os primeiros devem ser
clonais ou policlonais, secundários à estimulação linfoproliferativa chamados de “tipo ectima gangrenoso”.29 Um sistema imune compro-
ou imune quando associado às doenças infecciosas.23,24 Esta seção metido não é fator obrigatório para a doença, mas tem sido relatado
foca a crioglobulinemia tipo 1, já que os dois outros tipos causam a em 59% dos casos.29 O diagnóstico é realizado com base na suspeita
vasculite, devido aos complexos imunes. clínica e cultura de fragmento da lesão. Na biópsia de pele, foram
As crioglobulinemias do tipo 1 afetam a pele e outros sis- descritas a dermonecrose com infiltrado inflamatório neutrofílico e
temas, de acordo com o mecanismo fisiopatológico da hipervisco- linfocitário e a vasculite com trombo oclusivo.28 Bactérias gram-ne-
sidade ou oclusão vascular, provocada pela precipitação proteica. gativas podem ser encontradas na adventícia vascular e áreas peri-
Essas doenças afetam a pele na forma de púrpuras em áreas acrais vasculares.11
expostas a temperaturas frias, acrocianose, necrose, úlceras cutâ- A hanseníase de Lúcio, conhecida também como eritema
neas, fenômeno de Raynaud e livedo reticular.11,22,23 Outros sistemas necrozante de Latapi, é uma reação de tipo 2 que corresponde à
são afetados, e os sintomas incluem cefaleia, obnubilamento, visão vasculite necrozante com trombose.30 É encontrada principalmen-
turva, epistaxe e hipoacusia.22 Úlceras de pele e necrose são manifes- te no México e América Central, afetando pacientes hansenianos
tações mais comuns da crioglobulinemia do tipo 1, comparado com com os tipos lepromatoso primitivo e não-nodular secundário difu-
os tipos 2 ou 3.25 O diagnóstico é feito pela suspeita clínica, presença so.30,31 Tem evolução de cinco dias que inicia nos membros inferiores
de crioglobulinas no sangue, imunoeletroforese, imunofixação ou e progride de maneira ascendente até atingir a face.30,31 As lesões
immunoblotting, com 98% e 28% de sensibilidade e especificidade começam como máculas purpúricas circundadas por eritema que
respectivamente, e biópsia de pele revelando trombose não-infla- progridem até bolhas que necrozam.31 Os resultados da biópsia de
matória.23,25 pele dependem do estágio da evolução no qual o fragmento é obti-
O prognóstico é reservado, devido à gravidade do compro-
metimento cutâneo e aos distúrbios hematológicos associados.22 As
taxas de sobrevida variam entre 87 e 94%.26 O tratamento deve ser
individualizado com base nas comorbidades, mecanismo patológi-
co e gravidade da doença.22,23 A medida mais importante é evitar a
exposição ao frio. Os corticosteroides, ciclofosfamida ou biológicos,
e a troca plasmática para tratar a hiperviscosidade grave podem ser
usados em casos selecionados.22,23,24

Oclusão vascular devida a microrganismos


São síndromes que envolvem oclusão vascular devida a mi-
crorganismos, afetando principalmente os pacientes imunossupri-
midos. O grupo inclui o ectima gangrenoso, hanseníase de Lúcio e
infecções fúngicas oportunistas, entre outros.
O ectima gangrenoso é caracterizado por máculas verme-
lhas ou arrroxedas que formam pústulas ou bolhas hemorrágicas
que evoluem para úlceras necróticas dentro de 12 a 24 horas (Figura Figura 2: Ectima gangrenoso por aspergilose em paciente imunos-
2).27,28 A proliferação bacteriana na adventícia dos vasos subcutâneos suprimido com seis anos de idade

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


Púrpura pigmentada e síndromes oclusivas vasculares cutâneas 405

do, mas os bacilos álcool-ácido resistentes com Fite-Faraco sempre clínica e é diferenciado de hematoma, coagulação intravascular dis-
estão presentes.30 seminada, púrpura fulminante, celulite e calcifilaxia.37 O exame his-
O tratamento das síndromes vaso-oclusivas causadas por topatológico da pele mostra trombose não-inflamatória dos vasos
microrganismos é orientado no sentido de melhorar o estado imune sanguíneos da derme.11 O tratamento consiste na descontinuação da
do paciente e tratar a infecção. No ectima gangrenoso, os antibióticos varfarina e na administração de vitamina K. A heparina é adminis-
devem ser administrados empiricamente com tratamento agressivo trada em casos que precisam de anticoagulação, além de concentra-
contra fungos e bactérias, geralmente com ceftazidima, ampicilina, dos de proteína C.35-37
amoxicilina/clavulanato ou anfotericina B. Além disso, o debrida-
mento cirúrgico é realizado quando indicado.29 Esses pacientes têm Púrpura fulminante
mau prognóstico quando apresentam bacteremia associada, resul- “Púrpura fulminante” é termo usado para descrever
tando em mortalidade entre 20 e 50%.28 Para a hanseníase de Lúcio, qualquer apresentação clínica de púrpura disseminada (equimo-
deve ser administrada talidomida (200 a 600 mg/dia) até se obter se, palpável e retiforme) no paciente séptico. Foram descritas as
resposta clínica.30 Como alternativa, a plasmaferese é realizada em apresentações neonatal, aguda e idiopática.38 As lesões clínicas re-
casos refratários, associada com o tratamento multibacilar e predni- fletem a coagulação intravascular disseminada devida à deficiência
sona em altas doses (1 mg/kg), com diminuição mensal da dose.31 ou disfunção de fatores de coagulação como as proteínas C e S, ou
antitrombina III, manifestadas como gangrena simétrica distal (Fi-
Púrpura devida a distúrbios de embolização gura 3).11 35,39 As lesões começam como manchas purpúricas distais
Embolização de colesterol dolorosas não-branqueáveis com halo endurecido, evoluindo para
Essa condição chama-se “síndrome do dedo azul”. A sín- bolhas que se tornam hemorrágicas e necróticas.39 Resultam prin-
drome afeta homens com 50 anos ou mais, dos quais 15 a 20% têm cipalmente de infecções meningocócicas, mas podem ser secundá-
história de doença aterosclerótica, diabetes mellitus, hiperlipidemia, rias a outras infecções bacterianas ou virais.11 Os exames de sangue
hipertensão e/ou tabagismo.11,32 Os êmbolos de esterol são causados são compatíveis com a coagulação intravascular disseminada.11,38 A
pela fragmentação da placa ateromatosa secundária à uma força que biópsia de pele revela coágulos de fibrina nos vasos da derme, com
provoca a instabilidade da placa, como o cateterismo cardíaco, an- algum infiltrado inflamatório.35 A síndrome é acompanhada de alta
ticoagulação prolongada, terapia antitrombótica, hemorragia, infla- taxa de letalidade (50%) e exige tratamento multidisciplinar com
mação ou infecção. As lesões aparecem em horas, dias ou meses.11,33 transfusões de sangue e de fatores de coagulação, plasmaferese com
Vinte por cento de todos os casos são espontâneos.32 Além dos siste- prednisona e anticoagulação com heparina.11,38
mas renal e digestivo, as manifestações cutâneas são observadas em
35-88% dos casos, com uma variedade que inclui o livedo reticular Síndrome de anticorpo antifosfolipídeo
em 40%, gangrena periférica em 35%, cianose em 28%, ulceração em A síndrome de anticorpo antifosfolipídeo (APS em inglês)
17%, nódulos em 10% e púrpura em 9%, junto com mal-estar.11,32,34 causa a oclusão dos vasos cutâneos ou sistêmicos, devido aos anti-
As manifestações cutâneas são bilaterais e limitadas aos membros corpos anticardiolipina e antifosfolipídeo circulantes que lesionam
inferiores, com pulsos periféricos normais.33 As biópsias de pele re- as células endoteliais ao ligar aos fosfolipídeos e interferir com a
velam fendas intravasculares que são diagnósticas em 92% dos ca- proteção procoagulante normal, levando à trombose.11 A síndrome
sos e correspondem a cristais de colesterol que se dissolvem durante afeta a pele em 70% dos casos, apresentando variedade de lesões
a fixação do tecido.11,32 A síndrome está associada a mau prognóstico cutâneas tais como o livedo reticular e a gangrena. Uma variante
com alta taxa de letalidade (81%), secundária a complicações car-
díacas e renais.34 O tratamento é de apoio, com aspirina, estatinas,
análogos da prostaciclina e suspensão da anticoagulação, além de
bypass ou endarterectomia em casos selecionados.11 Há controvérsia
quanto ao uso da corticoterapia sistêmica.32,33

Coagulopatias sistêmicas
Necrose induzida por varfarina
Essa síndrome é devida a uma γ-carboxilação anormal de
fatores vitamina K-dependentes, inclusive proteínas C e S, levando
a um estado de hipercoagulabilidade dentre de 24 a 48 horas.11,35,36
Ocorre sobretudo em mulheres (a uma razão de 4:1) na faixa de 60
a 70 anos de idade, principalmente em pacientes com deficiência
congênita da proteína C.11,36 Tem incidência de < 0,1% nos pacientes
tratados com varfarina, onde aparece em 90% dos casos entre dois e
cinco dias após o início do tratamento.35 As manifestações aparecem
A B
em áreas de gordura subcutânea, como o tórax, abdome, nádegas e
coxas, e são caracterizadas por eritema doloroso bem-definido que Figura 3: A - Púrpura equimótica disseminada em paciente mascu-
lino com meningococcemia B - Púrpura equimótica disseminada em
se torna arroxeado e necrótico.11 O diagnóstico é feito por suspeita
paciente masculino com meningococcemia

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406 Lamadrid-Zertuche AC, Garza-Rodríguez V, Ocampo-Candiani JJ

afeta pacientes renais crônicos em hemodiálise ou pacientes com


hiperparatireoidismo, com taxa de letalidade de 80%.11, 43-45 As ma-
nifestações incluem a calcificação da camada média da artéria e a
fibrose subintimal, seguidas pela oclusão trombótica.43 Afeta áreas
inferiores como abdome, região glútea e coxas, com manifestações
clínicas variadas tais como o livedo reticular, placas ou nódulos sub-
cutâneos dolorosos violáceos com úlceras necróticas e escaras com
superinfecção em alguns casos (Figura 4).44 A biópsia de pele revela
depósitos de cálcio Von Kossa-positivos na camada média arterial,
fibrose intimal e trombo intraluminal junto com extravasamento
eritrocitário.45,46 O tratamento deve ser agressivo e incluir a monito-
rização metabólica dos níveis de cálcio, fosfato e hormônio da para-
Figura 4: Placas purpúricas com necrose em paciente com calcifilaxia
tireoide. O tratamento é baseado em aglutinantes de fosfato, dieta
livre de fósforo, suspensão da vitamina D e antibióticos em caso de
superinfecção.43 Outros tratamentos incluem o tiossulfato de sódio
endovenoso como aglutinante de cálcio, bisfosfonatos, cinacalcete,
diálise hipocálcica, terapia de oxigênio hiperbárico e paratireoidec-
catastrófica rara é vista em 1% dos casos, com letalidade de 50%.11,40 tomia.11,43,44 Os corticosteroides são evitados devido ao risco de su-
Afeta principalmente mulheres entre 15 e 50 anos de idade.11 Em perinfecção, mas podem ser usados em casos de estágio inicial sem
caso de suspeita diagnóstica, pode-se solicitar dosagem de anticor- necrose.43,44 O diagnóstico está associado a mau prognóstico.
pos anticardiolipina, e as glicoproteínas anti-ß2 são mais específicas.
Além disso, o teste de anticoagulante lúpico e teste de VDRL (Vene- CONCLUSÃO
real Disease Research Laboratory) se mostram positivos.11,40 O exame A púrpura é uma das entidades mais frequentes na clínica
histopatológico das lesões cutâneas revela trombose não-inflamató- dermatológica e engloba uma ampla gama de diagnósticos diferen-
ria dos vasos da derme. 41 O tratamento é orientado pela história ciais. É importante levar em conta todos os diagnósticos diferenciais
clínica e risco do paciente. Nos pacientes de baixo risco, são admi- e conhecer sua fisiopatologia básica, porque o tratamento varia de
nistradas drogas anticoagulantes e antiplaquetárias, e, nos pacien- maneira significativa de acordo com a causa, embora a biópsia e as
tes de alto risco, altas doses de corticosteroides com anticoagulação, manifestações clínicas sejam muito semelhantes. A vasculite tam-
gamaglobulina endovenosa e plasma.40,42 bém está dentro do espectro de diagnósticos diferenciais: é um tema
extremamente importante e extenso que não foi incluído nesta revi-
Outras: Calcifilaxia são, mas que não devemos deixar de levar em conta ao abordar o
A calcifilaxia, também chamada de paniculite calcifican- paciente com púrpura. q
te ou arteriolopatia urêmica calcificante, é uma doença letal que

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Ana Cecilia Lamadrid-Zertuche 0000-0002-4766-8740

Verónica Garza-Rodríguez 0000-0002-5496-3262

Jorge de Jesús Ocampo-Candiani 0000-0002-0213-0031

Como citar este artigo: Lamadrid-Zertuche AC, Garza-Rodríguez V, Ocampo-Candiani JJ. Pigmented purpura and cutaneous vascular
occlusion syndromes. An Bras Dermatol. 2018;93(3):397-404.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):400-7.


408
Revisão
s
Síndrome PHACE: manifestações clínicas, critérios diagnósticos e
conduta*
Anita Rotter1 Luciana Paula Samorano1
Maria Cecília Rivitti-Machado1 Zilda Najjar Prado Oliveira1
Bernardo Gontijo2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187693

Resumo: O hemangioma infantil pode estar associado a malformações em outros órgãos. A síndrome PHACE foi definida,
em 1996, como a associação de hemangioma infantil extenso ou segmentar, geralmente na face, couro cabeludo ou região
cervical, com malformações de fossa posterior do cérebro, anomalias arteriais do sistema nervoso central, coarctação da aorta,
defeitos cardíacos e alterações oculares. Desde então, mais de 300 casos foram descritos, e a síndrome é hoje considerada a
doença neurocutânea mais frequente na infância. O conhecimento das características e localizações das lesões que determinam
maior risco de acometimento sistêmico é importante para diagnóstico, investigação e condução adequada dos pacientes.
Esta revisão objetiva destacar os critérios diagnósticos da síndrome PHACE, os exames de imagem para investigação do
acometimento extracutâneo, o tratamento do hemangioma infantil e a importância da abordagem multidisciplinar no manejo
desses pacientes.
Palavras-chave: Acidente vascular cerebral; Coartação aórtica; Hemangioma; Imagem por ressonância magnética; Proprano-
lol; Síndromes neurocutâneas

INTRODUÇÃO
O hemangioma infantil (HI) é o tumor benigno mais fre- abnormalities) para descrever as alterações mais representativas da
quente na população pediátrica, com incidência de 5 a 10%.1 Ge- síndrome.6 Posteriormente, foram descritas malformações esternais
ralmente, esses tumores não apresentam acometimento sistêmico. (sternal malformations), surgindo o acrônimo PHACES.7
Em casos de HIs extensos e segmentares, principalmente na face, Em 2009, foram estabelecidos os critérios diagnósticos da
couro cabeludo e região cervical, recomenda-se investigação clínica síndrome PHACE8, revisados, em 2016, por Garzon et al.3 Trata-se
e laboratorial a fim de verificar a presença das alterações descritas de uma doença neurocutânea em que pode ocorrer associação de
na síndrome PHACE.2 HI extenso ou segmentar, geralmente da face, couro cabeludo ou re-
A característica mais evidente da síndrome PHACE é o HI, gião cervical, com malformações de fossa posterior do cérebro, ano-
mas alterações encefálicas, da aorta, artérias torácicas e cervicais, malias arteriais, principalmente do sistema nervoso central (SNC),
pouco evidentes ao exame clínico, apresentam considerável poten- coarctação da aorta, defeitos cardíacos e alterações oculares.6
cial de morbidade.3,4
PREVALÊNCIA
DEFINIÇÃO DA SÍNDROME PHACE A síndrome PHACE pode ser identificada em 2 a 3% dos
A primeira descrição da associação com alterações cerebrais casos de HI. Há mais de 300 casos relatados na literatura, sendo
ocorreu em 1978 por Pascual-Castroviejo.5 Em 1996, Frieden et al. considerada a doença neurocutânea mais frequente na infância. Se-
criaram o acrônimo PHACE (posterior fossa malformations, haeman- gundo alguns estudos, quando o HI se localiza na face, sendo seg-
gioma, arterial anomalies, coarctation of the aorta/cardiac defects, and eye mentar ou de grandes dimensões, a chance de estar relacionado à

Recebido 28 Setembro 2017.


Aceito 07 Janeiro 2018.
* Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São
Paulo (SP), Brasil e no Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil.
2
Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil.

Endereço para correspondência:


Anita Rotter
Email: anita.rotter@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):408-14.


Síndrome PHACE: manifestações clínicas, critérios diagnósticos e conduta 409

síndrome PHACE é de 20 a 31%. Acomete, com maior frequência, o Em 2016, novas recomendações para o diagnóstico e acom-
sexo feminino (9:1) e, dentre as manifestações mais comuns, estão o panhamento de pacientes com síndrome PHACE foram publicadas
HI (maioria dos casos), as alterações cerebrovasculares (83 a 91 %) e por um grupo multidisciplinar, incluindo as áreas de neurorradio-
cardíacas (41 a 67%).2,9,10 logia, neurocirurgia, neurologia, cardiologia, cirurgia cardiotorá-
cica, dermatologia, otorrinolaringologia, hematologia-oncologia e
PATOGÊNESE cirurgia plástica. Além da experiência médica e revisão da literatu-
A patogênese da síndrome PHACE é desconhecida. Postula- ra sobre os acometimentos extracutâneos, prevalência, progressão
-se um defeito na embriogênese entre a terceira e a décima segunda e morbidade da síndrome PHACE, foram também incorporadas
semanas de gestação, antes ou durante a vasculogênese, já que há questões de acompanhamento e cuidado dos familiares.3
ipsilateralidade entre algumas das malformações e o HI.11
Até o momento, não há evidências de alterações genéti- COMPROMETIMENTO CUTÂNEO
cas que possam contribuir para o desenvolvimento da síndrome Ao nascimento, o HI pode estar ausente ou manifesstar-se
PHACE.12 como uma lesão precursora representada por uma área pálida ou
levemente eritematosa e/ou telangiectásica. Contudo, praticamente
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS todos os HIs já se encontram visíveis ao fim do primeiro mês de vida.
Em 2009, um grupo composto por diferentes especialidades Quanto à evolução, são descritas três fases: proliferativa (com maior
(dermatologia, neurologia, oncologia, genética, cardiologia e oftal- intensidade de crescimento nos primeiros cinco meses de vida), de
mologia) estabeleceu critérios para o diagnóstico da síndrome PHA- estabilização, e de involução espontânea (com duração de anos).10,13
CE, estratificando-a em duas categorias: Os HIs associados à síndrome PHACE tendem a ser gran-
1. Síndrome PHACE definitiva, definida pela presença de des (> 5cm de diâmetro) e/ou segmentares, termo proposto para
HI segmentar maior que 5cm na face, couro cabeludo ou região cer- descrever a morfologia do hemangioma que acomete um território
vical, associado a um critério maior ou dois critérios menores. e não surge de um ponto focal. Esses HIs podem se apresentar como
2. Possível síndrome PHACE, definida pela presença de HI telangiectasias, lesões solitárias, placas confluentes, pequenas pá-
e um critério menor. pulas agrupadas em uma determinada distribuição e tumores com
Os critérios maiores e menores foram determinados pelos acometimento mais profundo.14
acometimentos vascular e estrutural do cérebro, cardiovascular, Haggstrom et al. levantaram a suspeita de uma relação entre
ocular e de linha média (Quadro 1).8 a localização facial do HI e o acometimento extracutâneo.9 Para tan-

Quadro 1: Critérios diagnósticos da síndrome PHACES


Sistema Critério Maior Critério Menor
Cerebral Anomalia de artérias cerebrais maiores Persistência de artérias embrionárias
(vascular) Displasia, estenose ou oclusão arterial Artéria intersegmental pró-atlântica
Ausência ou hipoplasia Artéria hipoglosso primitiva
Origem ou trajeto aberrante Artéria óptica primitiva
Persistência de artéria trigeminal
Aneurismas saculares
Cerebral Anomalia de fossa posterior Lesão extra-axial compatível com hemangioma intracraniano
(estrutural) Dandy Walker
Hipoplasia/displasia unilateral/bilateral cerebelo
Cardiovascular Anomalia de arco aórtico Defeito de septo ventricular
Coarctação da aorta Arco aórtico à direita (duplo arco aórtico)
Aneurisma
Origem aberrante de artéria subclávia com ou sem
anel vascular
Ocular Anormalidades do segmento posterior Alteração do segmento anterior
Persistência de vascularização fetal Esclerocórnea
Anomalias vasculares da retina Catarata
Anomalia de disco óptico, tipo morning glory Coloboma
Hipoplasia de nervo óptico Microftalmia
Coloboma
Estafiloma peripapilar
Linha Média Deformidades esternais Hipopituitarismo
Fenda esternal Tireoide ectópica
Rafe supraumbilical
Defeitos esternais
Fonte: Adaptado de Metry D, et al., 2009.8

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410 Rotter A, Samorano LP, Rivitti-Machado MC, Oliveira ZNP, Gontijo B

to, a face foi dividida em quatro segmentos, que não estão relacio- torácica alta, tronco e proximal dos membros superiores também
nados aos dermátomos ou linhas de Blaschko, mas sim às proemi- estão descritos na síndrome PHACE.15
nências referentes ao desenvolvimento dessa área: frontotemporal, HIs grandes localizados na região infraorbitária gerando
frontonasal, maxilar e mandibular. Observou-se que HIs localizados proptose podem associar-se a anomalias arteriais típicas de síndro-
no segmento frontotemporal e frontonasal conferiam maior risco de me PHACE (Figura 5).16 Destaca-se ainda que, na definição de possí-
acometimento ocular e do SNC, enquanto HIs localizados no seg- vel síndrome PHACE, pode-se observar a presença de HI pequeno e
mento mandibular, maior risco de defeitos da linha média e cardio- não segmentar, ou mesmo ausência de hemangiomas cutâneos.7.17,18
vascular (Figuras 1 a 4).11
Cerca de 90% dos HIs na síndrome PHACE localizam-se no ACOMETIMENTO VASCULAR E ESTRUTURAL DO CÉREBRO
segmento cefálico. A face é o local mais comumente acometido, mas As alterações cerebrovasculares presentes na síndrome
podem ocorrer lesões no couro cabeludo, região retroauricular e PHACE conferem um risco aumentado de acidente vascular encefá-
cervical. HIs grandes e segmentares localizados na região occipital, lico (AVE). Embora se trate de um evento raro, sua maior incidência

Figura 1: Figura 3:
Hemangioma Hemangioma
infantil em infantil em
segmento segmento
frontotemporal maxilar

Figura 2:
Hemangioma Figura 4:
infantil em Hemangioma
segmento infantil em
frontonasal e segmento
frontotemporal mandibular

An Bras Dermatol. 2018;93(3):408-14.


Síndrome PHACE: manifestações clínicas, critérios diagnósticos e conduta 411

Quadro 2: Estratificação do risco de acidente vascular encefálico


de acordo com os achados da angiorressonância magnética
Risco Alterações cerebrovasculares
Alto Estreitamento ou estenose grave > 75% ou
não visualização de vaso principal (artéria
carótida interna, cerebral média, anterior,
posterior, basilar e vertebral), sem evidên-
cia de circulação colateral.
Padrão Estreitamento ou estenose < 75% ou não
visualização de vaso principal com circula-
ção colateral.
Estenose ou estreitamento < 75% de vaso
principal. Hipoplasia, displasia, origem e
Figura 5: RM de Crânio com hemangioma em região periorbitária trajeto aberrante de vasos
direita principais.
Artéria subclávia aberrante.
Persistência de artérias embrionárias.
é relatada quando, além das alterações do SNC, há malformações
Fonte: Adaptado de Metry D, et al., 2013.20
cardíacas, como a coarctação da aorta.19
O AVE na população pediátrica apresenta etiologia multifa- nesia não estenótica, estreitamento ou oclusão de artérias proximais
torial, e pacientes com síndrome PHACE possuem diversos fatores do polígono de Willis, sem repercussão hemodinâmica.
de risco potenciais, como as possíveis estenose e oclusão vasculares, Os pacientes incluídos no grupo de alto risco apresentam
com consequente diminuição de fluxo sanguíneo, e tromboembo- estreitamento significativo ou oclusão de vasos cerebrais próximos
lismo relacionado às potenciais lesões cardíacas e arteriais supra- ou pertencentes ao polígono de Willis que resultam em circulação
-aórticas.3 isolada, múltiplas estenoses associadas a um fluxo sanguíneo com-
Metry et al., em 2013, descreveram as alterações observadas plexo com potencial interferência na perfusão cerebral, e achados
na angiorressonância magnética de encéfalo (angio RM) que são de parênquima cerebral sugestivos de isquemia crônica e silenciosa.
preditoras de risco de AVE. Essas incluem o estreitamento grave ou São também considerados de alto risco aqueles pacientes com es-
a não visualização de artéria cerebral principal e cervical, associa- tenose cerebrovascular e coarctação da aorta que apresentam alto
dos à inadequada circulação colateral. O quadro 2 lista as principais risco de eventos neurológicos isquêmicos (Figura 6).
alterações cerebrovasculares observadas nos pacientes com PHACE As alterações estruturais do cérebro ocorrem em 30 a 80%
e estratifica o risco de desenvolvimento de AVE em alto e padrão dos pacientes com síndrome PHACE (Figura 7). Quando as lesões
(standard). Deve-se enfatizar que mesmo os casos classificados como são unilaterais, as alterações vasculares e o HI na pele costumam ser
padrão apresentam um risco de lesão cerebral por hipoperfusão. ipsilaterais. Na maioria dos casos, as lesões cerebrais não progridem,
Ainda, nos casos em que a angio RM demonstra grave comprometi- porém a associação de sinais e sintomas, como atraso do desenvolvi-
mento vascular, a presença do fluxo em colaterais deve ser mais bem mento neuropsicomotor, convulsões e cefaleia, deve ser monitoriza-
estudada com exame que detalhe a perfusão.20 da. Alterações estruturais pituitárias ou sintomas sugestivos de doen-
Hess et al., em 2010, descreveram os principais achados de ças endocrinológicas devem ser investigados nesses casos.21
ressonância magnética (RM) e angiotomografia computadorizada Considerando que as alterações estruturais e vasculares do
em 70 crianças com síndrome PHACE e arteriopatia. A disgenesia cérebro podem levar a sequelas neurológicas, como convulsões e atra-
foi a malformação mais observada, seguida de origem e trajeto vas- so do desenvolvimento, Tangtiphaiboontana et al. acompanharam o
cular anômalo de artérias cervicais e cerebrais, estreitamento e não desenvolvimento neurológico em 29 crianças com síndrome PHACE
visualização de vaso acometido.2 com mais de um ano de idade. Em 20 delas foram observados atraso
Siegel et al., em 2012, registraram 22 casos de síndrome da fala e alterações grosseiras do desenvolvimento motor.22
PHACE e AVE isquêmico. A RM revelou não visualização ou estrei- Porém, ainda há poucos estudos sobre morbidade e desfe-
tamento de, ao menos, um grande vaso cerebral em 19 dos 22 casos. cho neurológico desses pacientes. O acompanhamento neurológico
Em 15 casos, havia mais de dois vasos acometidos, e, em 13 pacien- é importante, tanto para avaliação de prognóstico do paciente como
tes, associação com malformações do arco aórtico.19 para a apropriada intervenção terapêutica.23
O risco de AVE em pacientes com síndrome PHACE, basea-
do nos achados de angio RM cerebral, pode ser classificado como ACOMETIMENTO CARDÍACO
baixo, intermediário e alto.3 Os achados de baixo risco compreen- A prevalência de doenças cardíacas congênitas em pacientes
dem a alterações frequentemente detectadas na população, com com síndrome PHACE é de 41% a 67%, sendo a coarctação da aorta
nenhum ou mínimo impacto clínico, e incluem a persistência de ar- responsável por 19-30% desses casos.24 Aproximadamente, 50% dos
téria embrionária, origem ou trajeto arterial anômalo, variações do pacientes com acometimento cardíaco apresentam origem aberrante
polígono de Willis, alterações essas com repercussão hemodinâmica de artéria subclávia, com ou sem anel vascular.25 As alterações de arco
insignificante. aórtico mais frequentes localizam-se na porção transversa e descen-
No grupo de risco intermediário estão pacientes com disge- dente. Quando há obstrução, esta ocorre principalmente no segmento

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412 Rotter A, Samorano LP, Rivitti-Machado MC, Oliveira ZNP, Gontijo B

A deficiência auditiva e o atraso na fala são achados comuns. O


atraso de linguagem pode ser decorrente do déficit auditivo resultan-
te de um acometimento neurossensorial quando o HI acomete o VIII
nervo craniano (vestibulococlear). Nesses casos, o diagnóstico deve ser
realizado o mais rápido possível para se obter sucesso terapêutico e
evitar sequelas. Todos os pacientes com síndrome PHACE devem ser
avaliados no período neonatal e, se apresentarem alto risco de deficiên-
cia auditiva, submetidos à investigação audiológica anual.26
Alguns portadores da síndrome podem apresentar disfagia,
dificuldade de alimentação e atraso da fala.27 Essas alterações são
mais observadas em pacientes com malformações da fossa poste-
rior, HI localizado no lábio, orofaringe e vias aéreas, e cirurgia car-
díaca prévia. A disfagia pode ser secundária à localização do HI (lá-
bios, cavidade oral e faringe) ou à coordenação motora. A detecção
Figura 6: Angio RM evidencia estenose e tortuosidade da artéria precoce do atraso da fala deve ser acompanhada pelo otorrinolarin-
carótida interna direita (1) e cerebral posterior direita (2) gologista, e a rápida abordagem com fonoaudiologia determina sua
evolução.3,26
Anormalidades endocrinológicas foram descritas na sín-
drome PHACE, como disfunção da tireoide, hipopituitarismo com
deficiência do hormônio de crescimento e insuficiência adrenal.28 O
hipotireoidismo pode ser causado por alterações do hipotálamo, da
glândula pituitária ou da própria tireoide, que pode se apresentar
ectópica ou com malformação.29
A hipoglicemia neonatal pode ser um sinal de hipopituita-
rismo e justifica a realização da investigação endocrinológica. Ou-
tras consequências de disfunção pituitária incluem hipogonadismo
hipogonadotrófico, manifestando-se com atraso da puberdade e
insuficiência adrenal.28
Alterações dentárias, incluindo hipoplasia do esmalte, que
confere um risco maior de desenvolvimento de cáries, também fo-
Figura 7:
ram descritas. São mais frequentes quando o hemangioma se locali-
RM de crânio
evidencia za na cavidade oral, sendo indicado acompanhamento odontológi-
hipoplasia co a partir do primeiro ano de vida.30,31
de cerebelo
direito
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
Diante da suspeita de síndrome PHACE, o exame físico
inicial deve contemplar a pesquisa de anormalidades oculares e da
longo e não na região justaductal, a área mais afetada em pacientes linha média esternal, além da avaliação neurológica e cardíaca. O
portadores de malformações não relacionadas à síndrome PHACE. ecocardiograma deve ser sempre realizado e, se alterado, a RM e
Essa obstrução é caracterizada por estreitamento ou interrupção, com angio RM cardíacas são recomendadas para melhor avaliação do
consequente dilatação aneurismática dos segmentos adjacentes. coração e da anatomia braquiocefálica. A RM com e sem gadolínio
Nos pacientes com síndrome PHACE, 37% dos casos de e a angio RM de cabeça, pescoço e arco aórtico devem ser realiza-
anomalias do arco aórtico necessitam de intervenção cirúrgica. Os das para investigação diagnóstica em todos os casos suspeitos de
casos não cirúrgicos devem ser seguidos com ecocardiograma anual síndrome PHACE. É importante ressaltar que a RM não é suficien-
devido à possibilidade de progressão da lesão.3 te para detectar todas as anormalidades arteriais, sendo necessária
também a angio RM.2,3,8,32
OUTROS ACOMETIMENTOS Não há consenso quanto à periodicidade dos exames de ima-
Com o acompanhamento dos pacientes com síndrome gem. Em algumas instituições, principalmente nos casos de alto risco,
PHACE, novas comorbidades foram detectadas como cefaleia, alte- os exames são realizados a cada três meses, enquanto que em outras,
rações endocrinológicas, auditivas e dentárias.3 anualmente. Considerar sempre a individualidade de cada caso, de
A cefaleia é mais frequente e intensa e inicia-se em idades acordo com as alterações apresentadas e os sintomas associados.
mais precoces. Nesses casos, a avaliação neurológica e a investiga- A indicação dos exames deve ser cautelosa devido à expo-
ção de vasculopatia e isquemia cerebral devem ser realizadas com sição aos anestésicos e contrastes. Alguns serviços adotam a técnica
auxílio dos exames de imagem, mesmo na ausência de alterações de contenção da criança, para evitar sedação e anestesia.3
cerebrovasculares na RM inicial. TRATAMENTO DO HEMANGIOMA INFANTIL

An Bras Dermatol. 2018;93(3):408-14.


Síndrome PHACE: manifestações clínicas, critérios diagnósticos e conduta 413

O propranolol é a medicação de primeira escolha para o nesses pacientes está relacionado a diversos fatores que incluem es-
HI que tem indicação de terapêutica sistêmica.33 O uso seguro do tenose arterial, anomalias do polígono de Willis, grau de circulação
propranolol em pacientes com síndrome PHACE é baseado na ava- colateral e coexistência de anomalias cardíacas e de arco aórtico que
liação cuidadosa das potenciais anomalias extracutâneas associadas podem levar à ocorrência de eventos tromboembólicos.20
ao HI e a decisão terapêutica é fundamentada na recomendação de Embora a redução completa do HI seja bem documentada
equipe multidisciplinar. durante o tratamento com propranolol oral, a experiência de alguns
Algumas controvérsias são apontadas em relação ao seu uso autores indica a possibilidade de recorrência e crescimento do tu-
na síndrome PHACE com doença arterial, devido ao risco de AVE. mor após a suspensão do tratamento.34 Acredita-se que nesses casos
Porém, os poucos casos de AVE relatados na literatura até o momen- possa ter havido retirada precoce da medicaçãoainda na fase proli-
to apresentavam graves arteriopatias.8,19 ferativa e, principalmente, em HI com componente profundo e do
Na síndrome PHACE, o uso de propranolol deve ser consi- tipo segmentar. Por todos esses detalhes mencionados, conclui-se
derado com cautela pelo risco de hipofluxo e AVE, principalmente que a determinação da duração do tratamento depende das carac-
quando houver anomalias arteriais do SNC, como estreitamento ou terísticas intrínsecas e de evolução clínica de cada HI. Dessa for-
não visualização de artérias cerebrais ou cervicais principais, em as- ma, suspende-se o tratamento quando não houver mais redução da
sociação às anomalias cardíacas e de arco aórtico.20 lesão na vigência da medicação.35,36 O acompanhamento após sus-
A introdução da medicação pode ser realizada ambulato- pensão do propranolol é necessário e, se houver recrudescência, a
rialmente, limitando-se a hospitalização às crianças com menos de medicação pode ser reintroduzida.
oito semanas de vida que apresentam comorbidades cardiovascula-
res e respiratórias. A dose ideal é atingida de forma lenta para mini- EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO
mizar mudanças abruptas de pressão arterial. A dose inicial é de 0,5 Estudos recentes detalharam as características da síndrome
a 1mg/kg/dia, na primeira semana, aumentada progressivamente PHACE, porém pouco é descrito sobre a evolução dos pacientes a
até 2 a 3mg/kg/dia e fracionada em duas ou três tomadas. Orienta- longo prazo. Anomalias vasculares encefálicas e cervicais são en-
-se a administração da medicação preferencialmente durante o pe- contradas na maioria dos casos, porém não há relatos dos desfechos
ríodo diurno, imediatamente seguida por alimentação. A medicação clínicos dessas alterações após a utilização do propranolol.
deve ser suspensa na vigência de infecções de vias aéreas superiores O acometimento extracutâneo mais frequente é o estrutural
com broncoespasmo e quadros de baixa ingesta alimentar.20 e vascular do encéfalo. Portanto, o comprometimento neurológico
Metry et al. relataram 32 casos de crianças com síndrome e cognitivo representa uma potencial causa de morbidade nesses
PHACE que foram tratadas com propranolol oral. Dessas, sete apre- pacientes.2
sentavam risco alto para AVE, de acordo com os critérios estabele- A avaliação multidisciplinar para a rápida identificação de
cidos pela RM e associados às alterações cardiovasculares. Dos pa- possíveis alterações do SNC, cardíacas, oculares, hormonais, audi-
cientes acompanhados, somente um apresentou hemiparesia. Nesse tivas, de linguagem e deglutição permite intervenções efetivas para
caso, o tratamento com propranolol foi mantido e houve recupera- prevenir futuras complicações. q
ção do déficit motor. Esses autores concluíram que o risco de AVE

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Anita Rotter 0000-0002-8627-2431 Zilda Najjar Prado Oliveira 0000-0002-8596-1999

Luciana Paula Samorano 0000-0001-7077-8553 Bernardo Gontijo 0000-0003-1938-5986

Maria Cecília Rivitti-Machado 0000-0003-2910-7330

Como citar este artigo: Rotter A, Samorano LP, Rivitti-Machado MC, Oliveira ZNP, Gontijo B. PHACE syndrome: clinical manifestations,
diagnostic criteria, and management. An Bras Dermatol. 2018;93(3):405-11.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):408-14.


Dermatopatologia
An Overview About Oxidation in Clinical Practice of Skin Aging 415
415
s
Necrose adiposa do recém-nascido: correlação dos aspectos clínicos e
histopatológicos*
Guilherme Muzy1 Silvia Assumpção Soutto Mayor1
Rute Facchini Lellis2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187508

Resumo: A necrose adiposa do recém-nascido é uma paniculite rara, benigna, que acomete bebês nas primeiras semanas de
vida, nascidos a termo ou pós-termo. Alterações específicas nos adipócitos, ao exame anátomo-patológico, somadas às carac-
terísticas clínicas, permitem o diagnóstico. A necrose adiposa do recém-nascido pode ocorrer em crianças cuja gestação e cujo
parto não apresentaram alterações. Entretanto complicações perinatais como asfixia, hipotermia, convulsões, pré-eclâmpsia,
aspiração de mecônio, além do protocolo de hipotermia ao qual recém-nascidos com hipóxia/anóxia perinatal são submeti-
dos, podem estar associados à necrose adiposa do recém-nascido.
Palavras-chave: Dermatologia; Patologia; Pediatria

Recém-nascida de 10 dias de vida, nascida a termo por par-


to cesáreo em razão de bradicardia fetal por asfixia perinatal grave
(Apgar: 2 e 6 no primeiro e no quinto minutos, respectivamente),
foi submetida a hipotermia terapêutica. Após a alta da UTI neona-
tal, com nove dias de vida, passou a apresentar múltiplos nódulos
eritêmato-violáceos, amolecidos e não aderidos à pele na região do
dorso, além de lesão solitária semelhante localizada no ombro es-
querdo (Figura 1). Exames laboratoriais evidenciaram trombocito-
penia e hipoglicemia.
Inicialmente, foi solicitado exame de ultrassom de pele e
partes moles, que evidenciou aumento da ecogenicidade do tecido
celular subcutâneo com áreas hipoecoicas e heteroecoicas, não pas-
síveis de punção, sem alterações dos planos musculares subjacentes.
Para melhor avaliação, foi realizada biópsia do nódulo infraescapu-
Figura 1: Múlti-
lar esquerdo, que demonstrou epiderme e derme conservadas e pa- plas nodulações
niculite lobular. Os lóbulos adiposos da hipoderme apresentavam eritematoviolá-
ceas no dorso da
reação histiocítica e extensa necrose, caracterizada por depósitos
paciente
intracitoplasmáticos nos adipócitos que formavam fendas radiadas
em forma de agulhas, as quais representavam os cristais de triglicé-

Recebido 08 Setembro 2017.


Aceito 08 Outubro 2017.
* Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Clínica de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.

2
Departamento de Patologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Guilherme Muzy
E-mail: guimuzy@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):415-7.


416 Muzy G, Mayor SAS, Lellis RF

rides dissolvidos durante o processamento histológico da amostra veis séricos de cálcio, principalmente pelo aumento da liberação de
(Figuras 2 e 3). prostaglandinas, pela liberação de cálcio do tecido necrótico e pela
A correlação clínico-histopatológica permitiu o diagnóstico maior liberação de 1,25-di-hidroxivitamina D3 pelos granulomas.2,4
de necrose adiposa do recém-nascido (NARN). Essa alteração é de suma importância, visto que o não emprego de
A NARN é uma paniculite incomum do período neonatal medidas terapêuticas possibilita complicações graves, como nefroli-
que, embora apresente caráter autolimitado, pode cursar com al- tíase, nefrocalcinose e lesão renal aguda.5
terações sistêmicas relevantes, principalmente injúria renal aguda O diagnóstico é feito pela associação dos aspectos clíni-
secundária a hipercalcemia. Acomete geralmente recém-nascidos a cos com os histopatológicos. Os espécimes de biópsia apresentam
termo submetidos a partos traumáticos ou complicados por disto- classicamente uma reação inflamatória granulomatosa, paniculite
cias, asfixia ou aspiração de mecônio.1 lobular e células gigantes multinucleadas com cristais birrefrigen-
Apresenta etiologia desconhecida, porém tanto fatores tes à luz polarizada, que representam focos de calcificação. Lesões
maternos (incompatibilidade do fator Rh, pré-eclâmpsia, uso de submetidas à biópsia logo após seu surgimento podem apresentar
cocaína e de bloqueadores de canais de cálcio) quanto fatores fe- padrão predominantemente neutrofílico com necrose adiposa asso-
tais (hipotermia terapêutica, asfixia perinatal e sepse) parecem es- ciada e poucas células multinucleadas, com saída de pus estéril do
tar implicados.2 Postula-se que quadros de asfixia neonatal levem local da biópsia.6,7 O diagnóstico diferencial deve ser feito principal-
a um desvio do sangue da pele e do tecido adiposo para estruturas mente com o esclerema neonatal, no qual ocorre espessamento cutâ-
mais nobres, como coração e encéfalo, ocasionando assim necrose neo secundário à fibrose dos septos trabeculares dos adipócitos com
dos adipócitos.3 A trombocitopenia costuma ocorrer simultanea- comprometimento do tecido muscular e ósseo, que está associado
mente às lesões e pode ser decorrente do sequestro de plaquetas a malformações congênitas, cianose, doenças respiratórias e sepse.8
pelos nódulos. A hipercalcemia é encontrada em 25% dos casos e Outro diferencial é o escleredema, no qual ocorre edema progres-
pode estar presente antes do aparecimento das lesões subcutâneas. sivo das extremidades e endurecimento dos membros acometidos,
Geralmente, a regressão das lesões está ligada ao aumento dos ní- geralmente precedidos por infecções gastrointestinais ou respira-
tórias; o exame anátomo-patológico demonstra intenso edema in-
tersticial associado a paniculite lobular sem vascularite.9 O quadro
1 compara as formas clínicas e os achados dos exames histopatoló-
gicos das três doenças.

Quadro 1: Resumo clínico e histopatológico dos diagnósticos


diferenciais
Doença NARN Esclerema Escleredema
neonatal
Pacientes A termo ou Prematuros Recém-nas-
pós-termo cidos
Prognóstico Autolimi- Alta morta- Baixa morta-
tada lidade lidade
Quadro clínico Nódulos Esclerose Edema si-
subcutâ- simétrica métrico dos
neos no da pele e do membros
Figura 2: Paniculite lobular (Hematoxilina & eosina, 40x)
dorso e nos subcutâneo inferiores,
glúteos de no tronco com sinal
paciente ou nos de Godet
saudável membros positivo
de paciente
com mal-
formações
e compro-
metimento
sistêmico
Histopatológico Inflamação Necrose de Edema
granulo- adipóci- intersticial
matosa tos sem com panicu-
com inflamação; lite lobular e
histiócitos fibrose dos sem vascu-
contendo septos dos larite
cristais bir- adipócitos
refrigentes
e paniculi-
Figura 3: Depósitos intracitoplasmáticos nos adipócitos, em formato te lobular
de agulhas (Hematoxilina & eosina, 400x)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):415-7.


Necrose adiposa do recém-nascido: correlação dos aspectos clínicos e histopatológicos 417

O manejo dos pacientes com NARN envolve o acompanha-


mento clínico constante durante pelo menos seis meses e a avaliação
laboratorial das complicações, como hipoglicemia, hipercalcemia e
trombocitopenia.9 Dessa forma, é importante orientar os pais sobre
os sinais e sintomas de hipercalcemia, para que a terapêutica seja ra-
pidamente instituída. No presente caso, a paciente manteve acom-
panhamento regular e o quadro evoluiu sem complicações (Figura
4). De maneira geral, por se tratar de uma condição autolimitada e
benigna, espera-se a involução completa das lesões sem a formação
de cicatrizes. q

Figura 4: Me-
lhora significa-
tiva do quadro
depois de uma
semana

REFERÊNCIAS
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6. Tran JT, Sheth AP. Complications of subcutaneous fat necrosis of the newborn: a
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5. Gomes MPCL, Porro AM, Enokihara MMSS, Floriano MC. Subcutaneous fat
necrosis of the newborn: clinical manifestations in two cases. An Bras Dermatol.
2013;88:S154-7.

Guilherme Muzy 0000-0002-7302-4113

Silvia Assumpção Soutto Mayor 0000-0001-9335-2758

Rute Facchini Lellis 0000-0001-7690-0513

Como citar este artigo: Muzy G, Mayor SAS, Lellis RF. Subcutaneous fat necrosis of the newborn: clinical and histopathological correlation.
An Bras Dermatol. 2018;93(3):412-4.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):415-7.


418
Dermatopatologia
An Overview About Oxidation in Clinical Practice of Skin Aging 418
s
Avaliação do colágeno dérmico corado com picrosirius red e examinado
sob microscopia de luz polarizada*

Polyana Galvão Bernardes Coelho1 Maria Verônica de Souza1


Lissandro Gonçalves Conceição1 Marlene Isabel Vargas Viloria1
Sirley Adriana Ortiz Bedoya1,2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187544

Resumo: A coloração especial picrosirius red destaca a birrefringência natural das fibras colágenas quando expostas à luz pola-
rizada. Os resultados advindos da birrefringência permitem avaliar a organização das fibras colágenas nos tecidos. Os autores
pretendem elucidar todos os passos para a obtenção e captura de imagens de cortes histológicos corados com picrosirius red e
avaliados com microscopia de luz polarizada, assim como os possíveis artefatos que possam vir a ocorrer.
Palavras-chave: Colágeno; Microscopia de polarização; Pele

O colágeno, principal constituinte dérmico, pode ser ava- cies diferentes. As amostras de pele usadas foram canina e equina,
liado ou quantificado utilizando diferentes técnicas como imunois- provenientes de projetos aprovados pela Comissão de Ética no Uso
toquímica, microscopia confocal, reação em cadeia da polimerase de Animais (Ceua) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) sob os
(PCR) e diversas colorações: tricrômico de Masson, picrosirius red, registros 78/2014 e 1/2017, respectivamente.
tricrômico de Weigert-van Gieson, Verhoeff.1–7 Apesar de os mé- Os cortes histológicos foram corados com kit comercial (Er-
todos de coloração não serem considerados de alta especificidade viegas Instrumental Cirúrgico Ltda, São Paulo, SP, Brasil), e ava-
como as técnicas mencionadas, são rapidamente realizados e de liados usando o microscópio óptico Olympus BX-50® (Japão), que
baixo custo. Portanto é preciso conhecer melhor as limitações ine- estava acoplado a câmera Olympus QColor 3 (Brazeiss Representa-
rentes a cada coloração. Neste estudo serão abordados os principais ções Ltda, São Paulo, SP, Brasil). O programa de captura de imagens
aspectos para a captura de imagens de cortes histológicos corados usado foi o QCapture Pro 6 (Versão 6.0.0.605, Qimaging, Canadá ht-
com picrosirius red e avaliados sob microscopia de luz polarizada. tps://www.qimaging.com/support/downloads/qcappro60.php).
A coloração especial picrosirius red possui a capacidade de A luz emite raios que se dispersam em todas as direções;
aumentar a birrefringência natural do colágeno quando exposto à quando ela é polarizada, somente raios em direções específicas
luz polarizada. O colágeno tipo I apresenta coloração amarelo-aver- passam sobre os polarizadores. Para que isso ocorra é necessária a
melhada, enquanto o tipo III, esverdeada.8 Por outro lado, Lattouf adaptação de filtros ao microscópio. O primeiro filtro, situado entre
et al.9 afirmam que essa coloração especial destaca a organização do a fonte de luz e o condensador, tem a capacidade de girar 360°. No
colágeno e a heterogeneidade da orientação das fibras nos tecidos, microscópio Olympus BX-50®, o filtro é o U-POT (polarizador da
sem diferenciação entre os tipos (Figura 1). luz transmitida, Olympus, Japão).10 O segundo filtro, alojado entre
Apesar das vantagens do uso das colorações especiais, a co- o revólver porta-objetivas e o tubo de observação, tem uma menor
loração picrosirius red apresenta dificuldades no momento de obter capacidade de rotação. Para o microscópio usado, é o U-ANT (ana-
as imagens polarizadas de colágenos contidos nos cortes histológi- lisador da luz transmitida, Olympus, Japão).10
cos. Nesse contexto, este manuscrito teve como objetivo elucidar É fundamental que o condensador e a íris do diafragma
todos os passos para a obtenção de fotomicrografias destacando a estejam abertos, permitindo a passagem da luz. Da mesma forma,
birrefringência do colágeno, utilizando pele íntegra de duas espé- é importante observar os filtros de densidade neutra (ND6 e ND25)

Recebido 15 Agosto 2017.


Aceito 03 Novembro 2017.
* Trabalho realizado no Departamento de Veterinária e no Laboratório de Associações Micorrízicas, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa (MG),
Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.
1
Departamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa (MG), Brasil.
2
Bolsista do Programa Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

Endereço para correspondência:


Polyana Galvão Bernardes Coelho
E-mail: polyanagalvao@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):418-21.


Avaliação do colágeno dérmico corado com picrosirius red e examinado sob microscopia de luz polarizada 419

A C E

B D F
Figura 1: Fotomicrografias de pele sadia canina (A, C, E) e equina (B, D, F) corada com picrosirius red, com programa de captura de imagem
padronizado. Pele avaliada sem microscopia de luz polarizada (A e B) e com luz polarizada, permitindo a observação de todos os seus consti-
tuintes (C e D) (40x). Birrefringência do pelo (tonalidade verde) e do colágeno (E e F) (100x). Ep: epiderme; D: derme; Gs: glândulas sebáceas;
Gp: glândulas sudoríparas; *: pelos; cabeça de seta: músculo eretor do pelo

A B C
Figura 2: Fotomicrografias da pele de cão corada com picrosirius red e avaliada mediante três formas diferentes. Microscopia de luz sem po-
larização (A) e microscopia de luz polarizada com o programa QCapture Pro 6 padronizado pelos autores e com configuração automática,
respectivamente (B e C) (picrosirius red, 40x)

e o filtro azul luz do dia (LBD): quando presentes, o LBD e o ND6 1.8 – 2.0; green: 1.23, 1.4 – 1.8 e 1.6 – 1.8; blue: 2.38, 1.3 e 1.3 – 2.605,
devem estar abertos, enquanto o ND25 deve permanecer fechado. respectivamente.
O próximo passo é configurar o programa de captura de Os valores usados para a padronização do programa de
imagem e a luz do microscópio, pois o campo escurece com a adição captura de imagem devem visar a um fundo bem preto, e as cores
dos filtros polarizadores, levando à necessidade de maior quantida- vermelha e verde, advindas da birrefringência, devem apresentar-se
de de luz. Neste estudo, a intensidade do feixe de luz do microscó- bem brilhantes. A figura 2 apresenta um exemplo de como a con-
pio usada para a análise sob luz polarizada foi 11. A configuração figuração adequada do programa influencia no resultado final da
do programa está relacionada ao capture balance (gain, gamma, offset) imagem obtida. É importante lembrar que é necessário o cálculo da
e ao white balance [red (R); green (G); blue (B)], e a variação encontrada exposição da luz do programa sempre que a objetiva, a lâmina e a
está associada ao tecido, ao corante e ao manejo da luz polarizada. quantidade de luz forem trocadas.
Os valores do programa, assim como os utilizados para a pele ca- Depois de adaptados os filtros no microscópio e padroni-
nina e equina, foram: gain: 1.000, 1.850 e 2.330; gamma: 1.000, 1.000 zado o programa de captura, os campos devem ser focados sob luz
e 1.000 – 1.110; offset: 0, -531 – -630 e -430 – -630; red: 1, 1.6 – 2 e não polarizada, e a polarização deve ser feita girando o filtro U-POT

An Bras Dermatol. 2018;93(3):418-21.


420 Coelho PGB, Souza MV, Conceição LG, Viloria MIV, Bedoya SAO

até um ângulo de 90°. Durante a rotação, a birrefringência se torna para vermelho ou vermelho para verde) ou até mesmo com perda
evidente e o plano de fundo escurece até tornar-se completamente da birrefringência. Para evitar essa alteração, que pode resultar em
preto (Figura 3).3 Após a polarização, o foco deve ser novamente falsos resultados, sugere-se que a rotação seja feita gradualmente,
corrigido para evitar perdas de detalhes. para que se acompanhe o escurecimento do campo e a birrefringên-
A rotação excessiva do filtro U-POT, superior a 90°, pode cia das fibras colágenas (Figura 4).
alterar a coloração das fibras colágenas com inversão de cor (verde

A C E

B D F
Figura 3: Fotomicrografias de cortes de pele equina (A, C e E) e canina (B, D e F) durante a polarização da luz por rotação do filtro U-POT.
Ângulo aproximado de 60° (A e B), de 80° (C e D) e de 90° (E e F). Durante esse processo, observa-se a mudança gradual do plano de fundo
(*) e da birrefringência (seta) (picrosirius red, 200x)

A C E

B D F
Figura 4: Fotomicrografias evidenciando inversão (seta fina) e perda da birrefringência (seta grossa) de fibras colágenas. Fotomicrografias de
pele canina (A e B) e de pele equina (C, D, E e F) coradas com picrosirius red obtidas por polarização em programa padronizado (200x). Nota-se
alteração da tonalidade da birrefringência das fibras colágenas por rotação superior a 90° do filtro U-POT (B, D e F), enquanto nas demais
imagens (A, C e E) a rotação corresponde a 90°

An Bras Dermatol. 2018;93(3):418-21.


Avaliação do colágeno dérmico corado com picrosirius red e examinado sob microscopia de luz polarizada 421

Figura 5: Dobra em corte histológico de


pele equina. Fotomicrografia avaliada
sob polarização com rotação aproxima-
da de 60° (A) e 90° (B) do filtro U-POT.
Nota-se ausência de birrefringência (seta
A B grossa) (picrosirius red, 200x)

Durante a análise das imagens obtidas de cortes histológi- da captura das imagens, evitar campos com esses artefatos que le-
cos corados com picrosirius red, alguns artefatos podem ser obser- vam a erros.
vados, como, por exemplo, dobras e grânulos de hematoxilina, que Finalmente, as imagens adquiridas levando em considera-
podem interferir na análise final, por se tornarem, ou não, birrefrin- ção as sugestões deste manuscrito podem ser analisadas de forma
gentes em razão da superposição de partes do corte (Figura 5). Em confiável pela técnica de morfometria de ponto ou por programas
decorrência dessas possíveis alterações, recomenda-se, no momento de segmentação de cor, como os usados por Miot e Brianezi2 e por
Bedoya et al.5 q

REFERÊNCIAS
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histologia/anexos/microscopweb/MONOWEB/inicio.htm.

Polyana Galvão Bernardes Coelho 0000-0002-8145-8173 Marlene Isabel Vargas Viloria 0000-0002-3045-3241

Maria Verônica de Souza 0000-0002-2656-3333 Sirley Adriana Ortiz Bedoya 0000-0001-8349-2597

Lissandro Gonçalves Conceição 0000-0001-7898-8766

Como citar este artigo: Coelho PGB, Souza MV, Conceição LG, Viloria MIV, Bedoya SAO. Evaluation of dermal collagen stained with
picrosirius red and examined under polarized light microscopy. An Bras Dermatol. 2018;93(3):415-8.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):418-21.


422 Caso Clínico
s
Carcinoma basocelular plantar solitário*

Maura Simonetti Junqueira Bourroul1 Ludmila Lopes Trindade1


Vanessa Soares do Nascimento1 Anderson da Costa Lino Costa2
Ubirajara Honorato da Silva3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187079

Resumo: O carcinoma basocelular é o câncer de pele mais comum no mundo, geralmente localizado em áreas pilosas expostas
à luz solar. Ocorre principalmente na cabeça e no pescoço e mais raramente em locais extrafaciais. Relatamos o caso de uma
mulher de 65 anos de idade com lesão ulcerada única na região plantar do pé direito por dois anos. O exame histopatológico
mostrou um carcinoma basocelular nodular típico, confirmado pela positividade ao Ber-EP4 em análise imuno-histoquímica.
Não havia história de trauma local, exposição a agentes nocivos, síndrome do nevo basocelular ou xeroderma pigmentoso.
Palavras-chave: Carcinoma basocelular; Imuno-histoquímica; Neoplasias cutâneas; Relatos de casos; Úlcera do pé

INTRODUÇÃO
Cânceres de pele não melanoma, principalmente o carci- ou diagnosticar doença maligna eram carcinomas basocelulares.
noma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC), são as Os subtipos mais comuns nesse estudo foram: nodular, infiltrativo,
neoplasias cutâneas mais comumente observadas em todo o mundo micronodular e superficial; uma quantidade considerável desses tu-
e englobam 40% de todos os tumores malignos.1–3 mores demonstrou mais de uma morfologia na biópsia.1
A exposição solar crônica é o fator desencadeante da maior
parte dessas neoplasias malignas, mas elas também podem desen- RELATO DE CASO
volver-se em áreas não fotoexpostas.2,3 Paciente de 65 anos de idade, sexo feminino, foi encaminha-
Trabalho publicado por Scrivener et al. , que representa o da ao serviço de dermatologia para tratamento de lesão ulcerada
maior estudo sobre os CBCs, mostrou que as lesões extrafaciais cor- na planta do pé direito, que surgira dois anos antes. Não havia his-
respondem a 17% de todos os CBCs. Em uma recente série de casos tória de trauma local, exposição a agentes nocivos (especialmente
de pacientes coreanos, a densidade tumoral relativa foi maior na arsênico ou alcatrão), síndrome do nevo basocelular ou xeroderma
genitália, seguida pela axila. Extremidades superiores e inferiores pigmentoso. Tampouco havia antecedentes familiares de tumores
apresentaram um número muito menor, e não houve CBC nas mãos de pele ou doenças hereditárias.
ou nos pés em nenhum desses pacientes.3 Clinicamente, observou-se uma placa ulcerada de 2 x 2 cm,
CBCs nas palmas das mãos e plantas dos pés têm sido asso- normocrômica, com bordas bem delimitadas, no cavo plantar direi-
ciados a outros fatores patogênicos, tais como exposição ao arsênico, to (Figura 1).
radiação ionizante, trauma repetido local e síndromes hereditárias, Foi realizada excisão cirúrgica com margens de segurança
como a síndrome de Gorlin (nevo basocelular), a síndrome de Ba- e fechamento primário das bordas. O exame anátomo-patológico
zex-Dupré-Christol e o xeroderma pigmentoso.4 mostrou um carcinoma basocelular nodular típico, sem invasão an-
Em uma recente revisão de resultados de biópsias de pele giolinfática ou neural (Figuras 2, 3 e 4). Foram realizadas pesquisas
ao longo de 10 anos, 27,5% das 11775 biópsias realizadas por suspei- de marcadores imuno-histoquímicos, e a positividade para Ber-EP4
ta de proliferação queratinocítica ou lesão pigmentada para excluir confirmou o diagnóstico (Figura 5).

Recebido 28 Fevereiro 2017.


Aceito 10 Agosto 2017.
* Trabalho realizado no Hospital Heliópolis, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.
1
Ambulatório de Dermatologia, Hospital Heliópolis, São Paulo (SP), Brasil.
2
Serviço de Anatomia Patológica, Hospital Heliópolis, São Paulo (SP), Brasil.
3
Serviço de Cirurgia Dermatológica, Hospital Heliópolis, São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Maura Simonetti Junqueira Bourroul
E-mail: maurasimonetti@hotmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):422-4.


Carcinoma basocelular plantar solitário 423

DISCUSSÃO
Em virtude de sua ocorrência quase exclusiva em áreas pi- Youssef et al. demonstraram em modelo murino que o CBC
losas, há muito se postula que a população de células de origem do pode ser originado não apenas de folículos pilosos completamen-
CBC sejam os queratinócitos da bainha radicular externa do folículo te desenvolvidos, mas também a partir de células-mãe interinfun-
piloso. Essa teoria não consegue explicar a rara ocorrência do CBC dibulares da epiderme, e apenas secundariamente esses tumores
na região palmoplantar. Sinais proliferativos por meio da via de sofreriam diferenciação folicular. Outros fatores locais nas palmas
sinalização Sonic hedgehog (Shh) já foram claramente considerados e plantas devem ser responsáveis ​​pela raridade dos CBCs nessas
como a causa molecular do desenvolvimento do CBC.5 regiões anatômicas.5

Figura 1: Placa ulcerada no cavo plantar direito Figura 2: Fotomicrografia panorâmica de seção histológica demons-
trando neoplasia basaloide em arranjo nodular adjacente ao epitélio
escamoso e cercada por reação inflamatória. Observe a presença de
ulceração na superfície da lesão. (Hematoxilina & eosina, 40x)

Figura 3: A - Fotomicrografia de
seção histológica mostrando tumor
basaloide em arranjo nodular adja-
cente ao epitélio escamoso e rodea-
do por reação inflamatória (Hemato-
xilina & eosina, 100x).
B - Neoplasia basaloide nodular com
ligeira anaplasia, paliçada periférica
e reação inflamatória linfocítica ao
A B redor (Hematoxilina & eosina, 400x)

Figura 4: Fotomicrografias da seção


histológica em detalhe demonstran-
do: A - A típica paliçada periférica
em torno do bloco tumoral (He-
matoxilina & eosina, 400x) e B - O
aspecto basaloide das células que o
compõem (Hematoxilina & eosina,
A B 1000x)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):422-4.


424 Bourroul MSJ, Trindade LL, Nascimento VS, Costa ACL, Silva UH

ram relatados na literatura – por Rupec (1982 apud Mleczko, 2011, p.


142)5, Ee et al. em 2004,8 Gubianti et al.7 em 2007, Betti et al. em 2005,6
Albedaño et al. em 2006,9 e Ohata et al. em 2012.10 Foram relatados
também casos possivelmente relacionados à radiação de fluoroscó-
pio, usado como um auxílio para calçar sapatos no passado.2 Antes
disso, apenas 27 pacientes com CBC na planta dos pés haviam sido
relatados, e eles apresentavam padrões histológicos característicos
de fibroepitelioma de Pinkus.2,7
Os diagnósticos diferenciais levantados para este caso foram
carcinoma espinocelular, queratoacantoma e melanoma. O CBC sub-
tipo nodular encontrado na paciente em questão é relatado como sen-
do o mais comum em localizações extrafaciais, embora vários autores
anteriormente tenham considerado o subtipo superficial como sendo
o mais encontrado nos membros inferiores.3,7 A nossa paciente ilustra
Figura 5: Imuno-histoquímica positiva para Ber-EP4 (100x) a apresentação típica de um CBC plantar: mulher na sexta década
de vida, com lesão sem bordas perláceas ou teleangiectasias, que são
comuns nos CBCs clássicos da região da cabeça e do pescoço.8
Descrevemos este caso em razão da sua raridade e do pou-
O CBC de localização estritamente plantar é extremamente co entendimento sobre a ocorrência do CBC em áreas sem folículos
raro.2,6 Com exceção da síndrome do nevo basocelular, a localiza- pilossebáceos ou glândulas apócrinas.8 Além disso, buscamos de-
ção plantar pode ser considerada inusitada.6 Estudos anteriores de- monstrar a positividade para a imunomarcação com Ber-EP4 para
monstraram uma frequência de 3% dos CBCs ocorrendo no pé.7 Até diferenciar o CBC de outros tumores anexiais. q
a presente data, apenas seis pacientes com CBC plantar isolado fo-

REFERÊNCIAS
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Maura Simonetti Junqueira Bourroul 0000-0002-2087-9337 Anderson da Costa Lino Costa 0000-0003-1579-1477
Ludmila Lopes Trindade 0000-0003-0516-842X Ubirajara Honorato da Silva 0000-0002-5878-7016
Vanessa Soares do Nascimento 0000-0002-4738-9864

Como citar este artigo: Bourroul MSJ, Trindade LL, Nascimento VS, Costa ACL, Silva UH. Solitary plantar basal cell carcinoma. An Bras
Dermatol. 2018;93(3):419-21.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):422-4.


Caso Clínico 425
s
Linfoma de células T/NK extranodal tipo nasal em associação com
síndrome hemofagocítica*
Juliana Chaves Ruiz Guedes1,2 Karen de Almeida Pinto Fernandes da Cunha2
Jorge Ricardo da Silva Machado2 Luciana Wernersbach Pinto3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187097

Resumo: O linfoma extranodal de células T/NK tipo nasal é uma doença rara que acomete principalmente a cavidade nasal e
os seios paranasais de adultos do sexo masculino na quinta década de vida. Apresenta caráter agressivo e localmente destru-
tivo, podendo ser complicado pela síndrome hemofagocítica, que lhe confere alta letalidade. Este artigo descreve um caso de
linfoma de células T/NK tipo nasal em paciente previamente hígido, exemplificando seu curso rápido e fulminante.
Palavras-chave: Infecções por vírus Epstein-Barr; Linfoma extranodal de células T-NK; Neoplasias otorrinolaringológicas

INTRODUÇÃO
O linfoma de células T/NK é uma doença rara, mais comum referia septoplastia cinco anos antes e hipertensão arterial. Relatava
na Ásia e na América Latina. Representa de 3% a 10% de todos os piora da obstrução nasal, disfagia, disfonia, edema da face e linfono-
linfomas não Hodgkin nessas regiões e apenas 1% na Europa e na domegalia cervical nos últimos dois meses. Foi internado em serviço
América do Norte.1–6 O tumor acomete mais adultos do sexo mascu- de emergência com quadro de sangramento abundante pela cavidade
lino (3:1) na quinta década de vida e afeta principalmente a cavidade oral e edema da face, e foi indicada traqueostomia de urgência. Ao
nasal e os seios paranasais.1–4 exame dermatológico, apresentava lesão erosiva na região nasal, cros-
Em razão do seu caráter agressivo e localmente destrutivo, tas perinasais e perfuração do septo nasal (Figuras 1 e 2).
foi historicamente denominado “granuloma letal da linha média”, A tomografia computadorizada (TC) dos seios da face evi-
juntamente com doenças que afetam a região central da face, como a denciava fratura de ossos próprios do nariz, da porção anterior do
granulomatose de Wegener e a leishmaniose tegumentar.1,2 Na maio- septo nasal, do processo frontal do maxilar direito e da espinha na-
ria dos casos, os sintomas são inespecíficos e o quadro se inicia com sal inferior; espessamento das partes moles da pirâmide nasal; fra-
rinorreia, obstrução nasal e epistaxe, simulando infecção de vias aé- tura da parede posterolateral da órbita direita; hemossinus maxilar
reas superiores.1,2 Com a progressão da doença, sobrevêm extensas e etmoidal bilateral; material com densidade hemática ocupando as
áreas de necrose, o prognóstico torna-se reservado e a sobrevida, fossas nasais; e cavum sem alterações. A TC do crânio não exibia
curta.1,2 A síndrome hemofagocítica, condição grave caracterizada alterações.
pela ativação do sistema fagocítico mononuclear, pode sobrepor-se O paciente foi submetido a biópsia incisional na região su-
ao quadro, resultando em desfechos ainda mais desfavoráveis. pralabial para cultura e exame histopatológico, que demonstrou in-
filtrado de células linfoides atípicas, pequenas e médias, na derme
RELATO DE CASO profunda e alguns linfócitos pleomorfos, grandes (Figura 3). A imu-
Paciente do sexo masculino, de 46 anos, apresentava conges- noistoquímica mostrou positividade para CD3, CD7, CD30, CD8
tão nasal e sinusite de repetição por dois anos e vinha sendo trata- (fraca), CD2, granzima B, EBV-LMP1 e CD56 (fraca) e negatividade
do com múltiplos antibióticos. Como história patológica pregressa, para mieloperoxidase, CD68, CD15, CD99, CD10, CD20, CD5 e CD4.

Recebido 18 Março 2017.


Aceito 25 Agosto 2017.
* Trabalho realizado no Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG-UniRio), Rio de Janeiro (RJ),
Brasil.

2
Serviço de Dermatologia, Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

3
Departamento de Patologia, Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Endereço para correspondência:


Juliana Chaves Ruiz Guedes
E-mail: jucrg@yahoo.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):425-8.


426 Guedes JCR, Cunha KAPF, Machado JRS, Pinto LW

Figura 1:
Lesão erosi-
va na região
nasal com A
crostas peri-
nasais

Figura 3: A - In-
filtrado de cé-
lulas linfoides
atípicas, peque-
nas e médias, na
derme profunda
(Hematoxilina
& eosina, 100x).
B - Alguns linfó-
citos pleomorfos
grandes (Hema-
toxilina & eosi-
B na, 400x)
Figura 2:
Destruição e
perfuração
do septo
nasal
paranasal, mas também pode acometer os pulmões, o trato gastrin-
testinal, os testículos, os rins, o pâncreas, o sistema nervoso central
e a pele,2–6 sendo esta o segundo local mais envolvido depois da
O índice proliferativo pelo Ki-67 foi de 70% (Figura 4). Colorações cavidade nasal.2,3 As lesões cutâneas podem, ainda, ser similares às
especiais para fungos foram negativas. Esses achados corroboraram encontradas na micose fungoide.3 Linfadenopatia pode ser observa-
o diagnóstico de linfoma de células T/NK tipo nasal. da, principalmente nos pacientes com envolvimento nasal, e pode
Exames laboratoriais iniciais não demostravam alterações ser inflamatória ou relacionada ao tumor.1
significativas, exceto plaquetas de 88 mil. Durante a internação, o Os sintomas iniciais são inespecíficos, como rinorreia, obs-
quadro evoluiu com insuficiência renal aguda, disfunção hepática, trução nasal e epistaxe,1 observadas no caso em questão. O quadro
hiperbilirrubinemia, plaquetopenia, hipofibrinogenemia e coagula- é comumente confundido com o da sinusite e o da infecção das vias
ção intravascular disseminada (CIVD). O óbito ocorreu em menos aéreas, e frequentemente os pacientes são tratados com múltiplos
de 30 dias de internação. esquemas antibióticos, o que retarda o diagnóstico de linfoma.1,4,6
Com a progressão da doença, surgem edema, necrose e destruição
DISCUSSÃO dos tecidos adjacentes, que pode evoluir com destruição da parede
De acordo com a classificação da OMS-EORTC de linfomas nasal e fístulas oronasais, além de febre e perda ponderal.1,4
cutâneos primários revisada em 2008, o linfoma extranodal de célu- É bem estabelecida na literatura a associação da patogênese
las T/NK tipo nasal é um linfoma de comportamento clínico agres- do tumor com a infecção pelo vírus de Epstein-Barr (EBV).1–3 No
sivo, derivado de células natural killer (NK) ou, mais raramente, de exame histopatológico, o linfoma extranodal de células T/NK apre-
linfócitos T citotóxicos.2,5 Acomete tipicamente as regiões nasal e senta infiltrado celular misto com linfócitos atípicos, plasmócitos,

An Bras Dermatol. 2018;93(3):425-8.


Linfoma de células T/NK extranodal tipo nasal em associação com síndrome hemofagocítica 427

A B

Figura 4: Imunoistoquímica com:


A - positividade para CD3; B - positivida-
de para granzima B; C - positividade fra-
ca para CD56; D - índice de proliferação
C D celular elevado pelo Ki-67 (70%)

eosinófilos e histiócitos, além dos achados comuns de angiocentrici- paciente apresenta febre, pancitopenia, níveis elevados de ferritina
dade e angiodestruição.1,2,4,5 A imunoistoquímica revela positivida- e hipofibrinogenemia, além de alterações hepáticas, coagulopatias
de para CD45Ro, CD3, CD7 e CD56, além de Eber e marcadores de e disfunção renal, como apresentou nosso paciente.7–9 A síndrome
citotoxicidade como TIA-1 e granzima B.4,5 O índice de proliferação, frequentemente está relacionada a pior prognóstico e desfecho des-
Ki-67, costuma ser elevado. Considerando o quadro clínico do pa- favorável.8,9
ciente relatado e os achados histológicos e imunoistoquímicos, além Os protocolos de tratamento do linfoma de células T/NK
da associação com a infecção pelo EBV evidenciada pelo marcador ainda não estão bem estabelecidos, mas combinações de radiotera-
EBV-LMP1, pôde-se confirmar o diagnóstico de linfoma extranodal pia e quimioterapia são utilizadas de rotina e o uso de transplante
de células T/NK tipo nasal. de medula óssea tem sido estudado.1,6 No entanto, o prognóstico
A elevada capacidade destrutiva do tumor é responsável continua sombrio em razão do curso rápido e agressivo da doença,
pela sua alta mortalidade, que pode ainda ser agravada pela sín- havendo grande falha de reposta aos esquemas de quimioterapia
drome hemofagocítica, condição hiperinflamatória e agressiva que é com múltiplas drogas.3,5 A sobrevida média estimada na literatura é
geralmente secundária a linfomas, infecções virais (principalmente de 12,5 meses;2,5 a sobrevida em cinco anos é de 20% a 65%.1 Assim,
infecções por EBV) e doenças autoimunes.7–9 A forma relacionada é de extrema importância considerar esse diagnóstico entre os dife-
aos linfomas é mais comum nos linfomas não Hodgkin e está pre- renciais nos pacientes com sinusites refratárias ou lesões destrutivas
sente em pacientes com linfoma de células T/NK tipo nasal com re- na região central da face, que podem ser facilmente confundidas
lativa frequência.7,10 A síndrome é desencadeada por anormalidades com paracoccidioidomicose, leishmaniose tegumentar, granuloma-
de múltiplas citocinas, gerando ativação de linfócitos T e histiócitos, tose de Wegener e outras doenças, de forma a proporcionar o diag-
assim como aumento do interferon gama, do fator de necrose tumo- nóstico mais precoce e permitir melhores chances de tratamento. q
ral alfa e das interleucinas 6, 10 e 12.10 Clínica e laboratorialmente, o

An Bras Dermatol. 2018;93(3):425-8.


428 Guedes JCR, Cunha KAPF, Machado JRS, Pinto LW

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Juliana Chaves Ruiz Guedes 0000-0002-3796-8627 Jorge Ricardo da Silva Machado 0000-0002-2375-4994
Karen de Almeida Pinto Fernandes da Cunha 0000-0002-2689-8248 Luciana Wernersbach Pinto 0000-0001-7268-2547

Como citar este artigo: Guedes JCR, Cunha KAPF, Machado JRS, Pinto LW. Nasal-type extranodal T-cell/NK lymphoma in association with
hemophagocytic syndrome. An Bras Dermatol. 2018;93(3):422-5.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):425-8.


Caso Clínico
Dermatoscopic signs in Cutaneous Leishmaniasis: case report and literature review 429
s
Angioqueratoma genital em mulher portadora de doença de Fabry: o
papel do dermatologista*
Patricia Moraes Resende de Jesus1 Ana Maria Martins2
Nilton Di Chiacchio1 Carolina Sanchez Aranda2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187128

Resumo: Doença de Fabry é uma doença lisossômica de depósito rara, com herança ligada ao cromossomo X. É caracterizada
pela deficiência da enzima alfa-galactosidase, levando ao acúmulo de glicoesfingolipídeos nas células. O angioqueratoma é
uma das manifestações cutâneas dessa doença, auxiliando no seu diagnóstico. A localização típica envolve a região genital em
homens e as regiões lombossacral e glútea e o tronco em ambos os sexos. Relatamos um caso de angioqueratoma genital em
mulher portadora da doença de Fabry. O diagnóstico é realizado por meio de análise molecular e, quando precoce, o início
do tratamento reduz a morbimortalidade da doença. Dessa forma, o dermatologista tem papel importante na identificação do
angioqueratoma como marcador cutâneo, e conhecer suas diferentes formas de apresentação torna-se essencial para o diag-
nóstico e intervenção precoces da doença de Fabry.
Palavras-chave: Dermatopatias genéticas; Doença de Fabry; Lisossomos

INTRODUÇÃO
A doença de Fabry (DF) é uma doença de depósito rara, pri- por análise molecular do gene GLA, uma vez que a dosagem da ati-
meiramente descrita em 1898 como angioqueratoma corporis diffusum vidade enzimática pode estar alterada, como ocorre nos homens, ou
por Anderson e Fabry.1,2 Posteriormente foi descrita como doença apresentar-se normal, como nos indivíduos saudáveis.7
metabólica sistêmica com acometimento das células do endotélio A suspeita diagnóstica deve ser levantada ao encontro dos
vascular, músculo liso, miocárdio, epitélio renal e sistema nervoso seguintes sinais e sintomas: acroparestesia (dores em queimação
central. O tempo entre início dos sintomas e diagnóstico pode ser nas mãos e nos pés), perda auditiva, cornea verticillata, cefaleia recor-
maior que 10 anos.3 rente, dor abdominal, diarreia crônica, falência renal progressiva,
A DF é uma doença lisossômica com herança ligada ao cro- cardiomiopatia, doenças psiquiátricas, encefalopatia isquêmica e
mossomo X.4 O gene afetado chama-se GLA e leva à deficiência da angioqueratomas. O angioqueratoma (AQ) pode apresentar-se de
enzima alfa-galactosidase, com consequente armazenamento de diversas formas e ajuda na identificação dos pacientes acometidos
glicoesfingolipídeos no endotélio vascular, músculo liso, miocárdio, pela DF.8 A doença torna-se grave e até fatal se houver acometimen-
epitélio renal e sistema nervoso central. Em doentes do sexo mascu- to cerebral, renal ou cardíaco. O diagnóstico precoce e a instituição
lino, homozigotos, o gene tem alta penetrância, produzindo o cha- da terapia de reposição enzimática (TRE) diminuem a morbimorta-
mado fenótipo clássico da doença.5 O diagnóstico nessa população lidade desses pacientes.5
é feito por meio da dosagem da atividade enzimática da alfa-galac-
tosidase.6 Já em doentes do sexo feminino heterozigotas, a doença RELATO DE CASO
tem expressividade variável em razão da inativação aleatória de um Paciente feminina de 52 anos era portadora de DF, diagnos-
dos cromossomos X, conforme a hipótese de Lyon.7 Atualmente os ticada dois anos antes da consulta por triagem familiar. Era a pri-
pacientes heterozigotos não são considerados simples portadores, meira filha de uma união não consanguínea, e seu irmão era o caso
já que apresentam alterações sistêmicas relacionadas à doença e índice da família. Ele já havia recebido transplante renal e exibia
aumento da morbimortalidade. Nas mulheres, o diagnóstico é feito linfedema fixo nos membros inferiores, AQ no dorso e depressão.

Recebido 31 Março 2017.


Aceito 09 Julho 2017.
* Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM), São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Clínica Dermatológica, Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM), São Paulo (SP), Brasil.

2
Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Patricia Moraes Resende de Jesus
E-mail: patriciamrj@yahoo.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):429-31.


430 Jesus PMR, Martins AM, Di Chiacchio N, Aranda CS

O filho da paciente, no qual a DF também foi diagnosticada na tria- das, que podem ter manifestações precoces e atípicas da doença. São
gem, apresentava acroparestesia e hipoidrose com intolerância ao pápulas de cor variando de vermelha a preta, de 1 mm a 5 mm de
exercício. A paciente referia cefaleia diária desde a infância e do- diâmetro, com superfície lisa1 ou queratósica. O aparecimento geral-
res nas extremidades desde a adolescência. Ao exame, apresentava mente ocorre na adolescência com aumento progressivo. A localiza-
pápulas eritematovioláceas de superfície levemente ceratósica na ção envolve a região genital nos homens e as regiões lombossacral e
vulva (Figura 1). A dermatoscopia revelou múltiplos lagos azul-a- glútea e o tronco em ambos os sexos. Posteriormente, podem surgir
vermelhados (Figura 2). Foi realizada biópsia de uma pápula, que nos lábios, umbigo, unhas e palma das mãos. Observa-se maior nú-
revelou ectasia vascular na derme papilar associada a acantose su- mero de lesões nos homens. Mulheres raramente apresentam AQ
prajacente (Figuras 3 e 4). Ambos os exames corroboraram o diag- no tronco e na genitália.2 Na revisão da base de dados da Medline
nóstico de AQ. A família está em TRE, com melhora importante do e da Embase até a presente data, não encontramos caso semelhante
quadro clínico. na literatura.
Dentre as lesões dermatológicas, encontram-se — além dos
DISCUSSÃO AQs — as telangiectasias, o linfedema e a anidrose. A paciente apre-
Os AQs constituem marcador cutâneo importante na busca sentou nevos rubis. O filho, hipoidrose, e o irmão, linfedema fixo
de pacientes com DF e podem apresentar-se de diferentes formas. dos membros inferiores.
Estão presentes em 66% dos homens e 36% das mulheres acometi- A dermatoscopia ajuda a detectar múltiplos AQs nem sem-
pre visíveis ao exame clínico. Neste caso, mostrou estrutura vascu-
lar multilobular, descrita como lago vermelho bem delimitado com

Figura 1: Aspecto
clínico. Pápulas
eritematovioláceas Figura 3: Achados histológicos. Ectasia vascular na derme papilar
de superfície pouco associada a acantose suprajacente (Hematoxilina & eosina, 100x).
queratósica na vulva Imagem cedida pelo Dr. Alexandre Ozores Michalany

Figura 2: Achados dermatoscópicos. Lagos azul-avermelhados Figura 4: Achados histológicos. Ectasia vascular na derme papilar
na vulva associada a acantose suprajacente (Hematoxilina & eosina, 200x).
Imagem cedida pelo Dr. Alexandre Ozores Michalany

An Bras Dermatol. 2018;93(3):429-31.


Angioqueratoma genital em mulher portadora de doença de Fabry: o papel do dermatologista 431

áreas branco-amareladas correspondentes à hiperqueratose.3 De cientes com idade a partir de 18 anos que apresentam proteinúria,
acordo com a descrição da literatura, alguns achados dermatoscó- hipertrofia miocárdica, isquemia cerebral, sintomas gastrointesti-
picos indicam prováveis lesões associadas, como lagos escurecidos nais e acroparestesias.8,10 Leva à melhora do prognóstico geral, po-
associados a trombose, crostas hemorrágicas, sangramento e, por dendo também estabilizar e até diminuir as lesões cutâneas. Caso o
fim, áreas eritematosas e inflamação local. AQ cause desconforto estético, dor ou sangramento, o tratamento
Os achados histológicos revelaram vasos sanguíneos ectá- com eletrocoagulação e laser ablativo estará indicado.
sicos na derme papilar com hiperplasia epidérmica suprajacente, A paciente referida está em tratamento há doze meses com
reafirmando os achados clínicos e dermatoscópicos.4 a TRE e apresenta melhora da acroparestesia. Optou-se, nesse perío-
Os diagnósticos diferenciais do AQ incluem angioma rubi, do, pela observação do AQ.
granuloma piogênico, verruga vulgar, nevo de Spitz, queratose se- Em conclusão, pode-se afirmar que o AQ é um marcador
borreica e melanoma.5,6 Também devem ser diferenciados outros ti- cutâneo importante na busca de pacientes com DF e que o conhe-
pos de AQ [acral (Mibelli), genital (Fordyce), circunscrito neviforme, cimento dessa lesão pode ajudar na identificação da doença de ma-
solitário e corpóreo difuso]. A história familiar positiva para a DF (ir- neira precoce.7,10 q
mão e filhos), associada aos sinais e sintomas encontrados, conduziu
a realização da avaliação molecular, que confirmou a hipótese diag- AGRADECIMENTOS
nóstica e afastou os diagnósticos diferenciais mencionados. Agradecemos ao Dr. Alexandre Ozores Michalany, que rea-
A TRE para a DF está disponível desde 2001 e é a única op- lizou o estudo anatomopatológico e disponibilizou as imagens pre-
ção terapêutica até o momento.7–9 No Brasil, está indicada aos pa- sentes neste artigo.

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Patricia Moraes Resende de Jesus 0000-0002-0618-0415 Nilton Di Chiacchio 0000-0001-9536-2263


Ana Maria Martins 0000-0001-9328-8792 Carolina Sanchez Aranda 0000-0002-2187-8192

Como citar este artigo: Jesus PMR, Martins AM, Di Chiacchio N, Aranda CS. Genital angiokeratoma in a woman with Fabry disease: the
dermatologist’s role. An Bras Dermatol. 2018;93(3):426-8.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):429-31.


432
Caso Clínico
s
Caso exuberante de metástase cutânea de câncer da mama*

Vítor Angelo Ferreira1 Karla Spelta2


Lucia Martins Diniz3,4 Elton Almeida Lucas1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187157

Resumo: Metástase cutânea é a principal causa de morbimortalidade de pacientes com câncer, determinando prognóstico
reservado. O espectro clínico da doença é amplo, podendo mimetizar condições benignas. O diagnóstico depende de exame
clínico acurado e de exames complementares, com destaque ao estudo histopatológico e à imunoistoquímica. Por configurar
recaída sistêmica, faz-se necessária a intervenção com quimioterápicos intravenosos, aos quais se podem associar terapêuticas
locais. Relata-se o caso de uma paciente de 65 anos com metástase cutânea de câncer da mama tratado 14 anos antes, mani-
festada por placas eritematovioláceas, infiltradas e endurecidas, extensas, nas regiões laterais do tronco, com seis meses de
evolução. Após a avaliação, foi encaminhada ao centro oncológico regional, mas foi a óbito um mês e meio depois.
Palavras-chave: Histologia; Metástase neoplásica; Neoplasias da mama; Recidiva

INTRODUÇÃO
Metástase cutânea é rara e representa sinal de malignidade violáceas extensas, consistentes, nas faces laterais direita e esquerda
e mau prognóstico. Ocorre em 0,7% a 10,4% de todos os cânceres e do tronco (Figuras 1 e 2). Foi submetida a biópsia incisional de lesão
representa 2% dos tumores cutâneos.1 do flanco direito e encaminhada ao serviço de referência oncológica
O carcinoma de mama é o segundo câncer mais comum nas regional, com a suspeita de metástase cutânea de câncer da mama.
mulheres, com taxas de metástase de até 23,9%, e é o primeiro em O exame anatomopatológico evidenciou, na derme reticu-
envio de metástase cutânea.1,2 Ela ocorre mais comumente entre 50 lar, infiltrado neoplásico de células epiteliais com citoplasma róseo,
anos e 70 anos, em geral nos três primeiros anos após o diagnóstico núcleos grandes, nucléolos exuberantes e pleomorfismo nuclear, or-
do câncer.1 ganizando-se em massas e formando estruturas tubulares em cujos
Descreve-se caso de paciente com lesões exuberantes de me- lúmens havia secreção basofílica (Figuras 3, 4 e 5).
tástase cutânea de câncer da mama. Submeteu-se o material à imunoistoquímica, com reações
positivas para GATA-3 (fator de transcrição da mama), receptor de
RELATO DO CASO estrógeno, receptor de progesterona, citoqueratinas (CQs) 40, 48, 50
Mulher de 65 anos vinha apresentando placas no tronco nos e 50,6 kDa e HER-2 (2+). A expressão de CQs confirmou a histogê-
últimos seis meses, linfonodomegalia inguinal esquerda (um nódu- nese epitelial das células neoplásicas, e a expressão de receptores
lo indolor e consistente) e perda ponderal de 15 kg no período. In- de estrógeno e GATA-3 favoreceu a mama como sítio primário do
formou história de câncer na mama esquerda 14 anos antes, tratado carcinoma.
com mastectomia radical, quimioterapia (QT) e radioterapia (RT) A paciente foi submetida a novos ciclos de QT e RT, porém
adjuvantes. Ao exame dermatológico, apresentava placas eritemato- foi a óbito em um mês e meio.

Recebido 29 Março 2017.


Aceito 04 Julho 2017.
* Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM-UFES),
Vitória (ES), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil.

2
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH); Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil.

3
Disciplina de Clínica Médica/Dermatologia, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil.

4
Programa de Residência Médica em Dermatologia, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil.

Endereço para correspondência:


Vítor Angelo Ferreira
E-mail: vitorangeloferreira@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):432-4.


Caso exuberante de metástase cutânea de câncer da mama 433

Figura 1: Placas eritematovioláceas infiltradas, consistentes, na face Figura 3: Epiderme conservada. Na derme reticular, nota-se a
lateral direita do tronco presença de neoplasia de origem epitelial com células de citoplasma
róseo e núcleos grandes, dispostas em massas, esboçando ductos
(Hematoxilina & eosina, 2,5x)

Figura 2: Placas eritematovioláceas infiltradas, consistentes, na face Figura 4: Células epiteliais atípicas formando estruturas tubulares,
lateral esquerda do tronco. Observe o aspecto de casca de laranja constituindo lúmen — com secreção basofílica — e infiltrando a
(carcinoma en cuirasse) derme reticular. Também se nota presença de ocasionais células
neoplásicas isoladas (Hematoxilina & eosina, 10x)

DISCUSSÃO
A metástase cutânea pode ser o primeiro indício de recidiva e diminuição de fatores que levam a sua inibição (angiostatina e en-
de um câncer supostamente tratado ou configurar a apresentação dostatina), possibilitando o aporte nutricional ao tumor.4
primária de tumor maligno interno desconhecido.1 A metástase cutânea de câncer da mama se inicia como pá-
A disseminação do câncer pode dar-se por via sanguínea ou pula eritematosa, móvel, indolor, localizada nas paredes torácica
linfática, por crescimento contíguo ou por implantação iatrogênica.3 (anterior, mais frequentemente) e abdominal, que evolui a nódulo
A instauração da metástase depende de diversas alterações inflamatório com 1cm a 3cm. Aparece como lesão endurecida, única
celulares, como perda da adesão celular, pela modificação das proteí- ou múltipla, na derme ou hipoderme.1,3 Também pode apresentar-se
nas de adesão intercelular (caderinas) e de adesão entre a célula e como úlcera, mácula ou placa eritematosa e surgir na mama contra-
a matriz extracelular (integrinas), facilitando o desprendimento e lateral, em cicatrizes, nos braços, na cabeça e no pescoço.2
a migração celular; liberação de proteases (ativador de plasminogê- Segundo Bolognia, Jorizzo e Rapini, a metástase cutânea de
nio uroquinase, catepsinas e metaloproteases), que promovem o carcinoma da mama pode ser classificada clinicamente como:4
remodelamento da matriz extracelular, facilitando a migração das • Carcinoma erisipeloide: placa eritematosa bem demarca-
células; autonomização, desregulação da apoptose e da reprodução da, elevada, que lembra erisipela.
celular, levando à multiplicação de clones neoplásicos “imortais”; e • Carcinoma telangiectoide: pápulas eritematosas com te-
angiogênese, com aumento do fator de crescimento vascular endote- langiectasias.
lial (VEGF) e do fator de crescimento epidérmico humano 2 (HER2)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):432-4.


434 Ferreira VA, Spelta K, Diniz LM, Lucas EA

profunda, composto por agregado sólido de células neoplásicas cir-


cundadas por fibrose e reação inflamatória mínima ou ausente.1
A maioria dos carcinomas metastáticos da mama expressam
CQ7 e CQ19, receptores de estrogênio e progesterona, mamaglobi-
na, GCDFP-15, CEA e E-caderina, porém são negativos para CQ20,
CQ5/6, CD10 e TTF-1.1
São diagnósticos diferenciais: cistos, lipomas, tumores de
anexos, dermatofibromas, queratoacantomas, queloides, linfocito-
mas, hansenomas, lesões vasculares benignas e malignas, morfeia,
erisipela, dermatite por radiação, alopecias cicatriciais, entre outros.3,4
Os tratamentos se baseiam em QT, RT, imunoterapia, exci-
são cirúrgica, calor e, por vezes, conduta expectante e paliação.4 Al-
guns medicamentos utilizados são imiquimode, com bom resultado
nas lesões localizadas, e trastuzumabe (anticorpo anti-HER2), nos
Figura 5: Células epiteliais com núcleos grandes, nucléolos tumores com receptores HER2. Pacientes portadores de metástase
exuberantes, discreto pleomorfismo nuclear, esboçando ductos com cutânea de câncer da mama sem metástase para órgãos internos po-
lúmens contendo secreção. As células permeiam a derme reticular dem apresentar sobrevida prolongada ou mesmo cura, conforme re-
(Hematoxilina & eosina, 40x)
latos de subtipos positivos para HER2 tratados com trastuzumabe.2
As lesões cutâneas metastáticas são manifestações de re-
caída sistêmica, portanto a terapia nunca deve ser exclusivamente
• Carcinoma en cuirasse: lesão obscurecida, pele translúcida, tópica, demandando-se QT sistêmica associada, mesmo quando só
com aparência de casca de laranja, imitando morfeia. há acometimento da pele.2 A resposta cutânea ao tratamento serve
• Alopecia neoplásica: alopecia cicatricial, em qualquer lo- como parâmetro na avaliação da terapêutica sistêmica.4
cal do couro cabeludo. No geral, o prognóstico de metástases cutâneas de câncer da
• Metástase zosteriforme: nódulos cutâneos seguindo o tra- mama é reservado, com expectativa de vida curta.
jeto de dermátomo. Consoante a literatura, a paciente apresentava faixa etária
• Outras apresentações possíveis: infiltrado esclerodermi- e topografia das lesões compatíveis com as mais frequentes, porém
forme, carcinoma inflamatório e nódulos palpebrais.1 demonstrava extensas placas no tórax, e não nódulos, exibindo clí-
Microscopicamente, há depósitos dérmicos de células pleo- nica de carcinoma en cuirasse. Apesar da instituição da terapêutica
mórficas, mitóticas e neoplásicas, que podem ser vistas dentro do lú- preconizada, o mau prognóstico se confirmou com rápida evolução
men vascular.5 Também se apresenta como nódulo alargado na derme a óbito. q

REFERÊNCIAS
1. Campbell I, Friedman H, Alchorne M. Cutaneous metastasis of neoplasias: study 4. Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP. Dermatology. 3rd ed. Mosby: Elsevier. 2012;
carried out of 27 patients. An Bras Dermatol. 1995;70:409-18. Vol 2. 2049-55.
2. Cho J, Park Y, Lee JC, Jung WJ, Lee S. Case series of different onset of skin 5. Wong CY, Helm MA, Kalb RE, Helm TN, Zeitouni NC. The presentation, pathology
metastasis according to the breast cancer subtypes. Cancer Res Treat. and current management strategies of cutaneous metastasis. N Am J Med Sci.
2014;46:194-9. 2013;5:499-504.
3. Bittencourt MJS, Carvalho AH, Nascimento BAM, Freitas LKM, Parijós AM.
Cutaneous metastasis of a breast cancer diagnosed 13 years before. An Bras
Dermatol. 2015;90:134-7.

Vítor Angelo Ferreira 0000-0003-2672-5897 Lucia Martins Diniz 0000-0001-8107-8878


Karla Spelta 0000-0003-4790-443X Elton Almeida Lucas 0000-0002-6524-2030

Como citar este artigo: Ferreira VA, Spelta K, Diniz LM, Lucas EA. Exuberant case of cutaneous metastasis of breast cancer. An Bras Dermatol.
2018;93(3):429-31.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):432-4.


Caso Clínico 435
s
Pápulas e placas eritematoescamosas generalizadas: caso raro de doença
de Rosai-Dorfman acompanhada de mieloma múltiplo*

Anoosh Shafiee1 Soheila Nasiri1



DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187269

Resumo: Paciente masculino de 75 anos apresentou placas eritematoescamosas generalizadas e linfadenopatia indolor. Foi
levantada suspeita de doença de Rosai-Dorfman com base nas manifestações clínicas, confirmada por provas de reatividade
histopatológica e imune, realizada em biópsia de linfonodo supraclavicular esquerdo. O paciente também foi diagnosticado
com mieloma múltiplo, com base na eletroforese de urina, teste de cadeia leve sérica e biópsia de medula óssea, realizadas
inicialmente para avaliação da anemia. O relato destaca as manifestações dermatológicas da doença de Rosai-Dorfman com
linfadenopatia indolor generalizada.
Palavras-chave: Histiocitose sinusal; Mieloma múltiplo; Relatos de casos

INTRODUÇÃO
A doença de Rosai-Dorfman, ou histiocitose sinusal, foi des- do cicatrizes (Figura 1). O paciente não apresentava sintomas sistê-
crita pela primeira vez em 1969 por Rosai e Dorfman como entida- micos (febre, perda ponderal, sudorese noturna ou mal-estar), e não
de rara, caracterizada pela proliferação dos macrófagos-histiócitos, constava nada anotado no seu histórico clínico ou cirúrgico. Negava
com linfadenopatia maciça e generalizada, usualmente acometendo uso de medicamentos.
pessoas saudáveis sem outra doença de base.1,2 A linfadenopatia Durante a internação hospitalar, sinais vitais estáveis, e exa-
maciça com febre, aumento da velocidade de hemossedimentação e me físico detalhado revelou placas e pápulas escamosas eritemato-
hipergamaglobulinemia policlonal podem ser as primeiras manifes- sas em toda a superfície corporal, lesões nodulares nos membros
tações da doença de Rosai-Dorfman.3 inferiores, além de linfonodos palpáveis, móveis, indolores com
Uma revisão da literatura mostra poucos relatos de casos da consistência firme nas regiões axilar esquerda, supraclavicular es-
doença de Rosai-Dorfman com comprometimento cutâneo, nenhum querda e inguinal bilateral, cujos diâmetros máximos pela tomogra-
deles associados ao mieloma múltiplo. Apresentamos aqui, um caso fia computadorizada mediam 3, 0,8 e 1,7cm, respectivamente.
de doença de Rosai-Dorfman com placas escamosas eritematosas Os resultados laboratorial, os resultados do hemograma
generalizadas e linfadenopatia indolor que atendeu também aos cri- completo e contagem diferencial estavam dentro dos limites nor-
térios diagnósticos do mieloma múltiplo. mais, com exceção da hemoglobina baixa (10 g/dl). A contagem de
reticulócitos era 2%. Os exames bioquímicos, testes virais, marcado-
RELATO DE CASO res de colágeno vascular e nível de lactato-desidrogenase também
Paciente masculino de 75 anos compareceu à nossa clínica estavam dentro dos limites normais. As velocidades de hemosse-
dermatológica com placas e pápulas escamosas eritematosas persis- dimentação e da proteína C-reativa estavam altas (VHS= 90mm/h,
tentes e progressivas que haviam aparecido inicialmente dois anos PCR=62 mg/l). Os níveis de CA19-9 e de CA15-3 eram 3,5 U/ml e
antes. A primeira lesão cutânea surgiu no abdomen e se estendeu 17,9 U/ml, respectivamente (dentro dos limites normais).
progressivamente através de toda a superfície corporal. Durante O exame de ultrasson abdominal e pélvico revelou apenas
esse período, algumas lesões regrediram espontaneamente, deixan- os dois linfonodos aumentados não-reativos na região axilar esquer-

Recebido 03 Maio 2017.


Aceito 18 Julho 2017.
* Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Loghman-e-Hakim Hospital, Shahid Beheshti University of Medical Sciences, Teerã, Irã.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Centro de Pesquisa Dermatológica, Hospital Loghman-e-Hakim, Shahid Beheshti University of Medical Sciences, Teerã, Irã.

Endereço para correspondência:


Soheila Nasiri
E-mail: dr.nasiri.soheila@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):435-7.


436 Shafiee A, Nasiri S

da com eixo curto máximo de 30mm, além de outro linfonodo não- derme, junto com a fagocitose linfocítica (emperipolese) e padrões
-reativo na região supraclavicular, cujo eixo curto media 8mm. imuno-histoquímicos eram compatíveis com o diagnóstico de sus-
O exame histopatológico revelou epiderme estava normal; peita clínica de doença de Rosai-Dorfman.
a derme subjacente mostrou-se mal definida, com infiltração mode- Além disso, a linfadenopatia supraclavicular esquerda e
radamente densa de histiócitos com citoplasma abundante pálido anemia levantaram a suspeita de câncer gastrintestinal. Diante des-
ou xantomatoso, associado com poucas células gigantes de touton, te quadro, o paciente foi submetido a endoscopia digestiva alta, que
alguns linfócitos, muitos plasmócitos, neutrófilos e raros eosinófi- foi normal. Todos os marcadores tumorais foram negativos, portan-
los ao redor dos vasos sanguíneos ou dispersos dentro da derme, to foi descartada a malignidade.
revelando fagocitose linfocítica dispersa nos histiócitos. Uma bióp- Os resultados da eletroforese de proteína urinária eram
sia de linfonodo axilar revelou histiócitos distribuídos difusamente compatíveis com mieloma múltiplo, com cadeia leve= 8,3mg/dl,
nos cortes, com múltiplos lóbulos ou núcleos. Não foram observa- apoproteína A1= 1,8mg/dl, alfa1-microglobulina = 4,4mg/dl, albu-
das atipias nucleares, evidências de malignidade ou irregularida- mina= 3mg/dl e IgG/IgA= 0,4mg/dl. Os níveis de C3, C4 e CH50
des nucleares (grooves). Os histiócitos apresentavam cromatina fina eram 129,4 mg/dl, 20,8 mg/dl e 94%, respectivamente.
com nucléolos proeminentes inconspícuos e abundante citoplasma O aprofundamento da investigação para mieloma múltiplo
pálido, contendo numerosos linfócitos e plasmócitos intactos, um incluiu o teste sérico de cadeias leves livres com nefelometria de
achado característico da doença de Rosai-Dorfman, conhecido como tempo fixo e biópsia de medula óssea. A medida de kappa livre
emperipolese. Em alguns desses histiócitos, o número grande de cé- sérica foi 0,16mg/dl, lambda livre sérica 6,7 mg/dl e razão kappa/
lulas fagocitadas provocou o obscurecimento do núcleo (Figura 2). lambda 0,024. A biópsia de medula óssea revelou mais de 15% de
Também foi realizada imuno-histoquímica (IHC), que revelou his- plasmócitos, também indicativo de mieloma múltiplo.
tiócitos positivos para as proteínas S100 e CD68, porém negativos Assim, com base na história pregressa, achados clínicos,
para CD1a (Figura 3). O infiltrado celular linfo-histiocítico misto na exames laboratoriais, histopatologia e biópsia de medula óssea, o

Figura 1: Placas e
pápulas eritematosas
em toda a superfície
corporal do paciente

X4 X10 X400

X4 X10 X400

Figure 2: Achados
histopatológicos de
biópsia cutânea (painel
superior) e biópsia de
linfonodo axilar (seta
indica emperipolese)
Hematoxilina & eosina,
4x-400x

An Bras Dermatol. 2018;93(3):435-7.


Pápulas e placas eritematoescamosas generalizadas: caso raro de doença de Rosai-Dorfman acompanhada de mieloma múltiplo 437

A B C

Figura 3: Coloração imuno-histoquímica, 10x; proteínas A - S100, B - CD68 e C - CD1a

paciente foi encaminhado ao oncologista com diagnóstico concomi- Ao contrário da maioria dos casos de doença de Rosai-Dor-
tante de mieloma múltiplo e doença de Rosai-Dorfman, para avalia- fman, que apresenta sudorese noturna, mal-estar e perda ponderal,
ção e tratamento. nosso paciente negava quaisquer sintomas sistêmicos. Por outro
lado, a avaliação histopatológica da biópsia cutânea revelou aspecto
DISCUSSÃO característico da doença de Rosai-Dorfman, conhecido como empe-
A maioria dos pacientes com doença de Rosai-Dorfman ripolese ou fagocitose linfocítica, definida como a presença de lin-
apresenta linfadenopatia generalizada como primeira manifesta- fócitos intactos no interior do citoplasma de histiócitos volumosos.4
ção.2,4 Trinta a 40% dos pacientes apresenta comprometimento dos Embora a doença de Rosai-Dorfman tenha sido relatada em
linfonodos axilares, mediastinais ou inguinais.2 Em nosso paciente, associação com diversas doenças tais como o sarcoma de células cla-
estavam comprometidos os linfonodos supraclaviculares, inguinais ras ou doença relacionada à IgG4, ou simulando colangiocarcinoma,
e axilares. Oitenta por cento dos casos publicados de doença de Ro- até o momento não há relato da associaçao de mieloma múltiplo e
sai-Dorfman são pacientes com menos de 20 anos de idade; portan- de doença de Rosai-Dorfman.6-8 q
to, nosso paciente, com mais de setenta anos, representa um caso
bastante raro.5

REFERÊNCIAS
1. Rosai J, Dorfman RF. Sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy: a newly 6. Hassani J, Porubsky C, Berman C, Zager J, Messina J, Henderson-Jackson E.
recognized benign clinicopathological entity. Arch Pathol. 1969;87:63-70. Intraperitoneal Rosai-Dorfman disease associated with clear cell sarcoma: first
2. Kushwaha R, Ahluwalia C, Sipayya V. Diagnosis of sinus histiocytosis with case report. Pathology. 2016;48:742-744.
massive lymphadenopathy (Rosai-Dorfman Disease) by fine needle aspiration 7. Menon MP, Evbuomwan MO, Rosai J, Jaffe ES, Pittaluga S. A subset of Rosai-
cytology. J Cytol. 2009;26:83-5. Dorfman disease cases show increased IgG4-positive plasma cells: another
3. Gupta P, Babyn P. Sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy (Rosai- red herring or a true association with IgG4-related disease? Histopathology.
Dorfman disease): a clinicoradiological profile of three cases including two with 2014;64:455-9.
skeletal disease. Pediatr Radiol. 2008;38:721-8. 8. Teymoorian A, Earl TM, Borg BB. Rosai-Dorfman Disease Masquerading as
4. Sharma S, Bhardwaj S, Hans D. Rosai-Dorfman Disease. JK science. Cholangiocarcinoma. Clin Gastroenterol Hepatol. 2017;15:e55-e56.
2010;12:194-6.
5. Al-Khateeb TH. Cutaneous Rosai-Dorfman Disease of the Face: A Comprehensive
Literature Review and Case Report. J Oral Maxillofac Surg. 2016;74:528-40.

Anoosh Shafiee 0000-0001-8282-6241

Soheila Nasiri 0000-0002-1131-1870

Como citar este artigo: Shafiee A, Nasiri S. Generalized erythematous and scaly plaques and papules: a rare case of Rosai Dorfman accompanied
by multiple myeloma. An Bras Dermatol. 2018;93(3):432-4.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):435-7.


438 Caso Clínico
s
Dermatose bolhosa por IgA linear no adulto: relato de três casos*

Taila Yuri Siqueira Machado1 Milvia Maria Simões e Silva Enokihara1,2


Tatiana Miyuki Iida1 Adriana Maria Porro1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187304

Resumo: A dermatose bolhosa por imunoglobulina A linear é uma doença autoimune rara que tem, em geral, ótimo prognós-
tico na infância, sendo seu controle mais difícil nos adultos. Apresenta quadro clínico heterogêneo, e é frequentemente con-
fundida com outras doenças bolhosas, como o penfigoide bolhoso e a dermatite herpetiforme de Duhring. Seu conhecimento
pelos dermatologistas é importante, pois permite diagnóstico precoce e tratamento adequado. São aqui relatados três casos de
dermatose por imunoglobulina A linear em adultos.
Palavras-chave: Dermatopatias vesiculobolhosas; Dermatose linear bolhosa por IgA; Imunoglobulina A

INTRODUÇÃO
Descrita pela primeira vez na década de 1970 como uma croabcessos na derme papilar, e a IFD mostrou fluorescência moderada
entidade diferente da dermatite herpetiforme, a dermatose por IgA e linear de IgA na zona de membrana basal — achados compatíveis
linear é uma doença bolhosa autoimune rara, caracterizada por bo- com dermatose por IgA linear (Figuras 2 e 3). A paciente foi tratada com
lhas subepidérmicas e deposição linear de IgA na zona de membra- prednisona (dose máxima de 60mg/dia, equivalente a 1mg/kg/dia) e
na basal à imunofluorescência direta (IFD).1,2 Duas formas clínicas dapsona (dose máxima de 100mg/dia, reduzida para 50mg/dia por
são conhecidas/ a da infância, com pico de incidência dos quatro hemólise). Cinco anos depois do início do quadro, apresentava glauco-
aos cinco anos, com excelente prognóstico e rara persistência após a ma, hipertensão arterial, osteoporose e fácies cushingoide como efeitos
puberdade, e a do adulto, que ocorre após a puberdade ou após os colaterais do uso prolongado da corticoterapia, e surgiam novas lesões
60 anos ou 65 anos de idade e apresenta remissão menos frequente.3 sempre que se tentava reduzir a dose. Foram associadas azatioprina
Considerando a raridade da doença nos adultos e a impor- (100mg/dia) e eritromicina (2g/dia), porém com fraca resposta. Atual-
tância do seu conhecimento pelo dermatologista para um diagnóstico mente apresenta controle parcial da doença, em uso de prednisona
precoce, relatam-se três casos de dermatose por IgA linear no adulto. (10mg/dia) e dapsona (50mg/dia).

RELATO DOS CASOS Caso 2


Caso 1 Paciente do sexo masculino, de 51 anos de idade, relatou
Paciente do sexo feminino, de 44 anos de idade, queixou-se de lesões pruriginosas na pele no último mês. Ao exame, apresentava
lesões na pele nos últimos 50 dias. Ao exame, apresentava vesículas, bolhas tensas por todo o tegumento, algumas com configuração em
bolhas e crostas hemáticas de configuração arciforme na região cervi- roseta (Figura 4). Negava comorbidades e uso de medicações. Com
cal, no tronco e nos membros inferiores, sem lesões mucosas (Figura 1). as hipóteses de penfigoide bolhoso e epidermólise bolhosa adquiri-
Negava comorbidades e uso recente de medicamentos. O exame anato- da, foram realizadas biópsias para AP e IFD e iniciado o uso de pred-
mopatológico (AP) revelou dermatose bolhosa subepidérmica com mi-

Recebido 04 Junho 2017.


Aceito 10 Agosto 2017.
* Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Departamento de Dermatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil.
2
Departamento de Patologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Taila Yuri Siqueira Machado
E-mail: taila_ma@yahoo.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):438-41.


Dermatose bolhosa por IgA linear no adulto: relato de três casos 439

Figura 1: Vesículas e crostas hemáticas


de configuração arciforme na região
cervical anterior (A) e na região cervical
A B posterior e no dorso (B)

Figura 2: (A) Bolha subepidérmica


de conteúdo seroso (Hematoxilina &
eosina, 40x). (B) Conteúdo da bolha
com predomínio de neutrófilos e
serosidade. Ao lado da zona de
clivagem, notam-se microabcessos
na derme papilar (Hematoxilina &
A B
eosina, 400x)

Caso 3
Paciente do sexo feminino, de 30 anos de idade, apresentou
vesículas e bolhas na região lombar por uma semana. Já fazia uso de
prednisona (40mg/dia), prescrita em outro serviço, e trouxe resulta-
do de AP compatível com penfigoide bolhoso. Como antecedentes
pessoais, referia ovários policísticos e uso frequente de analgésicos
por cefaleia. Durante a redução da dose da prednisona, apresentou
piora, com lesões eritematosas recobertas por vesículas e bolhas
pruriginosas, localizadas no tronco e nos membros superiores, algu-
mas com bolhas na periferia, conferindo aspecto de roseta e levando
à hipótese de dermatose bolhosa por IgA linear (Figura 5). Reali-
zadas biópsias para AP e IFD, cujos resultados foram, respectiva-
mente, dermatose bolhosa subepidérmica de conteúdo neutrofílico
e fluorescência moderada de IgA linear na zona de membrana basal,
Figura 3: Depósito linear de IgA na zona de membrana basal à confirmando esse diagnóstico. Foi prescrita prednisona (20mg/dia).
imunofluorescência direta Três semanas depois, foi iniciado o uso de dapsona (100mg/dia),
suspenso duas semanas depois por falta de resposta e por hemólise
nisona [60mg ao dia (0,6mg/kg)]. Um mês depois, havia melhora sintomática. O quadro evoluiu com melhora depois do uso da pred-
importante das lesões. As biópsias revelaram dermatose bolhosa nisona por um mês, que a paciente suspendeu por conta própria.
subepidérmica com presença de fluorescência linear de IgA na zona Retornou um ano depois com recidiva da doença, e foi prescrita no-
de membrana basal — achados compatíveis com dermatose por IgA vamente prednisona (20mg/dia) com redução mensal da dose até
linear. Foi reduzida a prednisona e associada dapsona (100mg/dia). suspensão.
Três semanas depois, retornou apresentando hemólise leve, e então
foi reduzida a dapsona para 50mg/dia. Foi mantida a redução lenta DISCUSSÃO
da prednisona e da dapsona. Dois anos e meio depois do início do A dermatose bolhosa por IgA linear é uma doença bolho-
quadro, houve controle completo e as medicações foram suspensas. sa autoimune rara, cujas manifestações cutâneas são heterogêneas.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):438-41.


440 Machado TYS, Enokihara MMSS, Iida TM, Porro AM

Figura 4:
Figura 5:
Vesículas e
Lesões no
bolhas tensas
tronco: vesículas
de conteúdo
e bolhas tensas
seroso no dorso,
de conteúdo
algumas na
seroso, algumas
periferia de
sobre base
lesões prévias,
eritematosa (A);
conferindo
região lombar
aspecto de
B em destaque (B)
roseta

Pode haver pápulas eritematosas, placas urticariformes ou lesões mas hepáticas. A monoterapia com dapsona é suficiente em muitos
vesicobolhosas. Estas últimas podem apresentar configuração anular casos, porém a associação com corticosteroides e imunossupressores
ou arciforme ou aspecto de roseta, quando novas lesões bolhosas como azatioprina e ciclofosfamida pode ser necessária, principalmen-
surgem na periferia de lesões prévias. A doença pode acometer as su- te em função dos efeitos colaterais da dapsona, que limitam sua dose
perfícies flexoras dos membros e o tronco, como no penfigoide bolhoso, diária, como aconteceu nos três casos aqui relatados.6,7
ou as faces extensoras dos membros, como na dermatite herpetiforme; Há alguns casos descritos de sucesso terapêutico com a as-
além disso, comprometimento oral ocorre na maioria dos casos.4 Pode sociação de tetraciclina e nicotinamida ou com macrolídeos, como a
ser espontânea ou induzida por drogas, sendo a vancomicina a mais eritromicina, assim como se observa no penfigoide bolhoso.8,9
descrita. Entretanto há também relatos de surgimento após uso de É difícil precisar o tempo de tratamento, pois na maioria
amiodarona, anti-inflamatórios não hormonais, acetaminofeno e ou- dos casos há recidiva com a redução da dose da medicação, com
tros antibióticos além da vancomicina, como ceftriaxona e penicilina.5 necessidade de novo aumento. É descrito tempo médio de 4,6 anos
O diagnóstico é baseado em três critérios: i) vesículas ou de tratamento nos casos de dermatose por IgA linear espontânea.10
bolhas na pele ou mucosas; ii) bolha subepidérmica com infiltrado Conclui-se que a dermatose por IgA linear é uma doença
neutrofílico no AP; e iii) depósito de IgA na zona de membrana ba- bolhosa autoimune rara, frequentemente confundida com outras
sal com padrão linear e ausência de outras imunoglobulinas à IFD.2 doenças bolhosas, como penfigoide bolhoso e dermatite herpetifor-
A dapsona é a droga de escolha para o seu tratamento, assim me de Duhring, pela heterogeneidade do quadro clínico. O diag-
como na dermatite herpetiforme. Seus efeitos colaterais são anemia nóstico correto e precoce é importante para oferecer ao paciente o
hemolítica, leucopenia, meta-hemoglobinemia e alterações das enzi- tratamento adequado. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):438-41.


Dermatose bolhosa por IgA linear no adulto: relato de três casos 441

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Taila Yuri Siqueira Machado 0000-0002-5121-1858 Tatiana Miyuki Iida 0000-0001-7097-006X

Milvia Maria Simões e Silva Enokihara 0000-0002-3340-4074 Adriana Maria Porro 0000-0003-0736-4790

Como citar este artigo: Machado TYS, Enokihara MMSS, Iida TM, Porro AM. Adult linear IgA bullous dermatosis: report of three cases. An
Bras Dermatol. 2018;93(3):435-7.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):438-41.


442
Caso Clínico
s
Psoríase eritrodérmica e vírus da imunodeficiência humana: associação e
desafios terapêuticos*
Fernando Valenzuela1,2 Javier Fernández1
Margarita Sánchez1 Andrea Zamudio3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187387

Resumo: A psoríase eritrodérmica é uma forma incomum, porém grave, da psoríase que pode ser desencadeada pela infecção
com o vírus da imunodeficiência humana. Descrevemos paciente masculino de 65 anos com psoríase crônica, que apresentou
exacerbação do quadro ao longo de duas semanas. Devido à gravidade do caso e à necessidade posterior de terapia sistêmica,
foi realizado o ensaio imunoenzimático para o HIV, que resultou positivo. Iniciada a terapia antirretroviral em combinação
com a acitretina, mostrando boa resposta clínica após oito semanas de tratamento. Até o presente há poucas evidências sobre
o manejo da psoríase eritrodérmica associada ao HIV, e a terapia antirretroviral e retinóide sistêmico permanecem como trat-
amento de primeira linha.
Palavras-chave: Acitretina; HIV; Psoríase

INTRODUÇÃO
A psoríase é doença cutânea inflamatória crônica, presente pústulas, e as mucosas não estava afetadas (Figura 1). Hemogra-
em 2-3% da população mundial.1 Apresenta vários fenótipos, entre ma completo mostrou leve leucocitose (11.590 leucócitos/µl; 64%
os quais a psoríase eritrodérmica é uma variante incomum e grave.2 neutrófilos, 24% linfócitos, 4% eosinófilos), proteína C-reativa de
É caracterizada por eritema comprometendo mais de 75% ou 90% 87mg/l (faixa normal: 0-10mg/l). As enzimas hepáticas, bioquími-
da superfície corporal, segundo diferentes autores.2,3 Apresentamos ca do sangue, função renal e eletrólitos não mostraram alterações.
um caso de psoríase eritrodérmica associada à infecção pelo vírus As hemoculturas resultaram positivas para Staphylococcus aureus. O
da imunodeficiência humana (HIV), recém-diagnosticada. paciente foi internado para avaliação e tratamento. Corte histopa-
tológico de pele mostrou hiperceratose com pústulas intracórneas,
RELATO DE CASO agranulocitose, acantose regular, derme com vasos sanguíneos dila-
Paciente do sexo masculino de 65 anos com história de pso- tados e infiltrado linfocítico, todos estes achados sendo compatíveis
ríase crônica desde os 14 anos frequentava controles regulares e re- com a psoríase (Figura 2).
latava corticoterapia tópica irregular. Ao longo de duas semanas, Devido à gravidade do caso e à necessidade subsequente de
apresentou novas lesões em placas escamosas, eritematosas, assim terapia sistêmica, foi realizado ensaio imunoenzimático para HIV,
como aumento no diâmetro das lesões. O paciente relatava dor cutâ- o qual resultou positivo, sendo confirmado posteriormente. Foram
nea intensa (10 pontos em 10 na escala analógica visual), febre de até realizadas carga viral plasmática para HIV e contagem de células
39,7ºC e perda ponderal de aproximadamente 3kg em duas sema- CD4, revelando 117.000 cópias/ml e 632 células/ul, respectivamen-
nas. Não estava usando nenhuma medicação nova. te, confirmando uma infecção aguda pelo HIV. Foi administrada
O exame físico revelou placas eritematosas, púrpuras com antibioticoterapia sistêmica junto com terapia antirretroviral (emtri-
descamação fina no couro cabeludo, tronco e membros superiores citabina/tenofovir e raltegravir), em associação com acitretina 25mg
e inferiores, comprometendo 90% da superfície corporal. Não havia 1x/dia, com boa resposta em oito semanas.

Recebido 20 Junho 2017.


Aceito 05 Setembro 2017.
* Trabalho realizado: University of Chile, Santiago, Chile.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, University of Chile, Santiago, Chile.
2
Departamento de Dermatologia, Clínica Las Condes, Santiago, Chile.
3
Faculdade de Medicina, University of Chile, Santiago, Chile.

Endereço para correspondência:


Fernando Valenzuela Ahumada
E-mail: fvalenzuela.cl@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):442-4.


Psoríase eritrodérmica e vírus da imunodeficiência humana: associação e desafios terapêuticos 443

Figura 1: Paciente com psoríase


eritrodérmica e diagnóstico recente
de infecção pelo HIV. Placas
eritematosas, púrpuricas com
descamação fina comprometendo
desde o tronco até os membros
superiores e inferiores

Pode aparecer como a primeira manifestação da infecção do HIV


e deve levantar suspeita em casos novos e em pacientes com piora
repentina de psoríase anteriormente estável. No caso do nosso pa-
ciente, a carga viral alta e contagem de células CD4 permitiram a
confirmação da infecção aguda, e que a psoríase eritrodérmica tenha
sido a primeira manifestação da infecção do HIV. A psoríase pode
aparecer em qualquer momento da evolução da imunodeficiência,
mas a gravidade é proporcional ao grau de imunossupressão, sendo
mais grave quando a contagem de CD4 cai abaixo de 100 células por
microlitro. Embora a psoríase associada ao HIV possa se apresentar
com qualquer fenótipo, a psoríase eritrodérmica, gutata e acral e a
artrite psoriásica tendem a aparecer com mais frequencia do que em
indivíduos HIV-negativos.4,5
Não há ensaios ou diretrizes sobre o tratamento da psoría-
se eritrodérmica em pacientes com HIV. O tratamento da psoríase
Figura 2: Hiperceratose e pústulas intra-córneas, agranulocitose, associada ao HIV de grau moderado a grave representa um desafio
acantose regular, derme papilar com vasos sanguíneos dilatados e
infiltrado linfocítico. Hematoxilina & eosina, 100x terapêutico, uma vez que a maioria dos tratamentos sistêmicos é
imunossupressora e pode levar a complicações graves. Em 2010, a
Fundação Nacional de Psoríase dos Estados Unidos recomendou6
DISCUSSÃO a terapia antirretroviral como tratamento de primeira linha para a
A psoríase eritrodérmica é uma forma rara da psoríase, pre- psoríase associada ao HIV, com eficácia relatada em diversos casos
sente em 1% a 2,25% de todos os pacientes com psoríase,2 sendo e estudos clínicos. A terapia antirretroviral inclui inibidores nucleo-
a primeira causa de eritrodermia e constituindo 25% dos casos.2 A sídeos e não-nucleosídeos da transcriptase reversa, inibidores da
psoríase eritrodérmica se apresenta majoritariamente em homens protease e inibidores da fusão, e demonstraram melhora na psoría-
adultos, embora tenha sido relatada em outras faixas etárias, inclu- se associada ao HIV. A fototerapia com irradiação ultravioleta B ou
sive com casos congênitos.3 Embora a psoríase eritrodérmica possa psoraleno e UVA é outro tratamento de primeira linha recomenda-
ser a primeira manifestação da psoríase, costuma manifestar-se em do para pacientes com psoríase associada ao HIV de grau mode-
pacientes com psoríase crônica de longa data, geralmente entre 11 e rado a grave, sem eritrodermia.6 Entretanto, devem ser pesados os
18 anos depois do diagnóstico.3 benefícios da exposição à ultravioleta A como o risco potencial de
Os fatores desencadeantes relatados incluem a infecção câncer de pele, o aumento potencial na recontagem HIV e os riscos
sistêmica pelo HIV, estresse emocional, exposição intensa à luz associados ao uso de drogas fotossensibilizantes. Os retinóides orais
ultravioleta, uso de coaltar tópico, alcoolismo, retirada abrupta de são uma alternativa que não causa imunossupressão1,7 e podem ser
corticosteroides orais ou tópicos e terapia com metotrexato. A pso- administrados em combinação com o psoraleno e irradiação UVA.
ríase eritrodérmica está associada a complicações graves e até fatais, A ciclosporina, metotrexato e agentes biológicos (anti-TNF
como sepse, lesão renal aguda, angústia respiratória, desequilíbrio e interleucinas 12 a 23) são reservados para casos refratários.6,8 Uma
eletrolítico, anemia grave, regulação térmica alterada, depleção pro- vez que os estudos in vitro mostram que o TNF estimula a trans-
teica e insuficiência cardíaca.3 A prevalência da psoríase em pacien- crição intracelular do HIV, a terapia biológica tendo como alvo o
tes com HIV é semelhante àquela observada na população geral.4 TNF pode ser eficaz, embora esse benefício deva ser pesado contra

An Bras Dermatol. 2018;93(3):442-4.


444 Valenzuela F, Fernández J, Sánchez M, Zamudio A

o risco aumentado de infecções oportunistas e o fato de o TNF es- como primeira linha, e podem ser considerados uma alternativa
tar envolvido na formação de granulomas. Existe pouca experiência eficaz para pacientes com infecção do HIV estável, que sejam ade-
com o uso de etanercepte, infliximabe, adalimumabe e ustequinu- rentes à medicação e que tenham deixado de responder a outras
mabe.8-10 Não está clara a indicação do uso dos agentes biológicos modalidades terapêuticas.8,9 q

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Fernando Valenzuela 0000-0003-1032-9347 Margarita Sánchez 0000-0002-1104-6309

Javier Fernández 0000-0002-7110-3600 Andrea Zamudio 0000-0003-2569-2915

Como citar este artigo: Valenzuela F, Fernández J, Sánchez M, Zamudio A. Erythrodermic psoriasis and human immunodeficiency virus:
association and therapeutic challenges. An Bras Dermatol. 2018;93(3):442-4.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):442-4.


Caso Clínico
Dermatoscopic signs in Cutaneous Leishmaniasis: case report and literature review 445
s
Acne unilateral após paralisia do nervo facial*

Emilio Sudy1 Francisco Urbina1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187437

Resumo: Relatamos um caso de acne unilateral após paralisia do nervo facial. Paciente de 18 anos, sexo feminino, apresenta-
va, ao exame clínico, inúmeras pápulas e pústulas na face direita, duas semanas após sofrer paralisia do nervo facial na face
direita, que foi tratado com prednisona e terapias cinesiológicas (massagem, eletroestimulação e luz infravermelha). Como já
sugerido em outros casos de paralisias, incluindo pacientes com mal de Parkinson e lesões na medula espinhal, o aumento da
secreçao sebacea, e a imobilidade da área afetada são, provavelmente, os principais fatores responsáveis pelo surgimento das
lesões de acne unilateral.
Palavras-chave: Acne vulgar; Dermatite seborreica; Paralisia facial

INTRODUÇÃO
Já foram descritos casos de acne unilateral e outras enfermi- esquerda (Figuras 1 e 2). A paciente foi medicada com doxiciclina
dades relacionadas (rosácea, dermatite seborreica e demodicidose) na dose de 50mg, de 12/12 horas e adapaleno gel a 0,3%.
associadas a paralisias de diferentes causas. Relatamos um caso de
acne unilateral após paralisia do nervo facial. DISCUSSÃO
A acne unilateral é rara, mas há casos relatando sua associa-
RELATO DO CASO ção com paralisia facial. Foi descrita pela primeira vez em paciente
Paciente de 18 anos, sexo feminino, veio para exame der- de 13 anos, sexo masculino, sem histórico de acne que desenvolveu
matológico queixando-se de lesoes na face, unilaterais. Não havia comedões e seborreia na região da paralisia após intervenção cirúr-
histórico de acne e a paciente não estava tomando nenhum medica- gica na mastoide em consequência de otite severa.1 Em outro relato,
mento. Três meses antes, a paciente sofreu paralisia do nervo facial uma paciente de 23 anos, sexo feminino e portadora da síndrome
da face direita que foi tratada com aciclovir oral, prednisona 40mg/ de Ramsay-Hunt, medicada com prednisona 15mg/dia, apresentou
dia por cinco dias e terapia cinesiológica com massagem, eletroes- acne unilateral na região da paralisia após um mês.2 De modo simi-
timulação e luz infravermelha. A condição neurológica da paciente lar, uma paciente de 21 anos desenvolveu acne na região da paralisia
apresentou melhora com o tratamento e não houve sequelas. No após tratamento com vaselina branca, onde os autores concluíram
entanto, após duas semanas a paciente apresentava lesões de acne que o uso da vaselina havia causado o surgimento das lesões.3 Po-
na região da paralisia que aumentavam progressivamente, apresen- rém, em resposta, English e Murphy sugeriram que o aumento na
tando piora significativa um mês depois. Ao exame clínico, apresen- taxa de excreção sebácea em consequência da paralisia seria o fa-
tava inúmeras pápulas e pústulas na face direita, afetando a região tor etiológico mais provável.4 Dois relatos de caso em que não fo-
mandibular e a bochecha; havia poucas pápulas e comedões na face ram utilizados vaselina e outros medicamentos tópicos favorecem

Recebido 12 Julho 2017.


Aceito 17 Setembro 2017.
* Trabalho realizado em clínica privada, Santiago, Chile.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Clínica Vespucio, Santiago, Chile.

Endereço para correspondência:


Emilio Sudy
E-mail: emiliosudy@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):445-7.


446 Sudy E, Urbina F

Figura 1: Pápulas e pústulas na região mandibular da face direita Figura 2: Predominância das lesões de acne na face direita

a hipótese de que o aumento na taxa de excreção sebácea seria o Do mesmo modo, foi reportado um caso em que o paciente
principal fator causando a acne unilateral.1,4 Al-Ghambi et al relatam apresentava rosácea unilateral no local exato de herpes zoster re-
um caso de paciente de 25 anos que desenvolveu acne na região da cém curado (fenômeno isotópico de Wolf).9 Postulou-se que o dano
paralisia facial embora seu tratamento não envolvesse fisioterapia e nas fibras nervosas causado pelo herpes zoster pode desencadear a
medicamentos tópicos.5 Além disso, há relatos do aumento de secre- secreção de neuropeptídeos, ativando a resposta imune e causando
ção sebácea na região paraplégica, secundária a comprometimento doenças inflamatórias, como rosácea, no local afetado pelo herpes. 9
neurológico em pacientes que sofreram lesão da medula espinhal. 4 Assim, é possível que o mesmo fenômeno esteja envolvido na rosá-
A escassez de casos descrevendo o desenvolvimento de acne cea, dermatite seborreica e acne unilateral.
unilateral é notável, já que a ocorrência de paralisia facial é frequente. Para nós não fica claro o papel que o ácaro Demodex follicu-
No entanto, em uma série de 42 casos de paralisia facial, aproximada- lorum pode ter desempenhado neste caso em particular porque a
mente 17% dos casos detectaram acne e alterações cutâneas.6 rosácea unilateral tem sido descrita e relacionada ao ácaro D. folli-
Nós concordamos com English e Murphy, em que a acne culorum e, considerando que o mesmo se prolifera em área de rica
unilateral é resultado do aumento na taxa de excreção sebácea na re- secreção sebácea, como observado em regiões afetadas por paralisia
gião da paralisia.4 Estudos mostram que a taxa de excreção sebácea ou, mesmo, na demodicidose rosaceiforme. 10 O diagnóstico neste
é maior na face afetada pela paralisia facial, e também em pacientes caso não era rosácea já que a paciente não apresentou eritema ou
paraplégicos, na região de suas lesões neurológicas.7 Além disso, telangiectasias e apresentava comedões.
foi encontrada uma maior reserva de lipídios nos dutos pilo-sebá- Ainda não está claro se a acne é causada pela paralisia em
ceos das regiões paralisadas, possivelmente devido à imobilidade e si ou pelas diversas terapias utilizadas durante o tratamento, como
à paralisia muscular.7 Assim, tanto o aumento da secreção sebácea corticosteroides orais, manipulação da área afetada e o uso de subs-
quanto da queratinização podem ser considerados como fatores que tâncias oclusivas.
causam o surgimento de acne unilateral. A ocorrência de acne unilateral, afetando a região da para-
O aumento da secreção sebácea também foi encontrado em lisia facial, pode ser explicada por diversos fatores, incluindo o au-
pacientes com mal de Parkinson. A imobilidade facial facilita o acú- mento na secreção sebácea, o aumento da queratinização, a presen-
mulo de sebo, que se torna mais grosso em folículos dilatados.8 Por- ça de folículos dilatados com maior quantidade de neuropeptídeos
tanto, o acúmulo de sebo e o crescimento exagerado de Pityrosporum pró-inflamação e a imobilidade da região afetada. Ainda é incerto
ovale podem favorecer o desenvolvimento de dermatite seborreica qual o papel do ácaro Demodex folliculorum. q
em pacientes com distúrbios neurológicos, incluindo mal de Parkin-
son, paralisia facial e paralisias da medula espinhal.8

An Bras Dermatol. 2018;93(3):445-7.


Acne unilateral após paralisia do nervo facial 447

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Emilio Sudy 0000-0001-8349-4285

Francisco Urbina 0000-0001-6642-0284

Como citar este artigo: Sudy E, Urbina F. Unilateral acne after facial palsy. An Bras Dermatol. 2018;93(3):441-2.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):445-7.


A2
Caso Clínico 449

s
Correção cruzada e reconstrução da sensibilidade em úlceras cutâneas
recidivantes em paciente com mutação do gene WRN*

Jiqiang He1 Ding Pan1


Panfeng Wu1 Juyu Tang1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187517

Resumo: Paciente masculino de 37 anos apresentou queixa de ulceração maleolar posterior refratária no tornozelo esquerdo.
Foi diagnosticado com síndrome de Werner com base nas características progeróides e testes genéticos. Para resolver o proble-
ma da ulceração, foi mobilizado um retalho perfurante livre flow-through da coxa direita anterolateral, com o nervo cutâneo da
coxa anterolateral, para corrigir a úlcera do pé. Um ano depois, foi readmitido devido a uma nova ulceração no tornozelo di-
reito. Colhemos retalho da coxa esquerda anterolateral com o nervo cutâneo anterolateral para corrigir o novo defeito. Depois
de mais um ano, não houve mais recidiva das úlceras, e a sensibilidade do retalho havia sido restaurada parcialmente depois
de seis meses. Concluímos que o retalho perfurante livre flow-through da coxa anterolateral é uma alternativa viável para a
correção de úlceras de pé na síndrome de Werner.
Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Retalho perfurante; Síndrome de Werner; Úlcera cutânea

INTRODUÇÃO
A síndrome de Werner é uma doença autossômica recessi- paciente apresentava cicatrizes deprimidas, fibrose epidérmica e hi-
va rara com múltiplas características progeróides. Foi descrita pela perpigmentação em ambos os membros inferiores. Havia histórico
primeira vez por Otto Werner em 1904.1 É caracterizada por cata- familiar de casamento consanguíneo. O paciente negava histórico
rata bilateral, branqueamento do cabelo, alterações dermatológicas, de trauma ou trombose venosa profunda. O exame físico revelou
baixa estatura, úlceras cutâneas refratárias, “face de pássaro” e voz baixa estatura (1,42m), peso corporal 37kg, extremidades finas,
anormal.2 A confirmação do diagnóstico clínico requer testes para o branqueamento do cabelo, atrofia de pele e tecido subcutâneo, nariz
gene WRN.3 “em bico”, voz fina, e catarata juvenil. A radiografia mostrou calcifi-
É difícil corrigir as úlceras cutâneas na síndrome de Werner, cação do tendão de Aquiles e o ultrassom Doppler revelou arterios-
e é extremamente importante prevenir ou reduzir a recidiva das clerose moderada em ambos os membros inferiores. A investigação
mesmas. O passo primordial é o diagnóstico de certeza. Um diag- genética revelou mutação homozigótica, uma substituição de T para
nóstico incorreto e esquema terapêutico inapropriado podem au- C, no sítio de splice do intron 28 do gene WRN (IVS28+2C, Figura 1).
mentar o risco de amputação devido à ulceração refratária. O artigo Já havia sido realizado retalho pediculado para corrigir a
relata um caso típico utilizando retalhos livres perfurantes da coxa úlcera, que recidivou, deixando exposto o tendão de Aquiles (Figu-
anterolateral, tipo flow-through, para corrigir úlceras em ambos os ra 2A). Devido à lesão anterior aos vasos locais e à vascularização
calcanhares. Até onde sabemos, é o primeiro relato dessa técnica deficiente nas porções distais do pé provocadas pela arterioescle-
para o tratamento de úlceras refratárias na síndrome de Werner. rose, decidiu-se colher um retalho perfurante tipo flow-through da
coxa anterolateral contralateral, com o nervo cutâneo da coxa an-
RELATO DE CASO terolateral (Figura 2B). Após o debridamento cirúrgico, medimos
Paciente masculino de 37 anos foi admitido para avaliação o tamanho do defeito e dissecamos um retalho perfurante da coxa
e tratamento de úlceras cutâneas no membro inferior esquerdo. O anterolateral direita. O retalho foi transferido do sítio doador para

Recebido 11 Agosto 2017.


Aceito 05 Setembro 2017.
* Trabalho realizado no Xiangya Hospital, Central South University, Changsha, China.
Suporte financeiro: National Natural Science Foundation of China (81472104).
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Departamento de Mão e Microcirurgia, Xiangya Hospital, Central South University, Changsha, China.

Endereço para correspondência:


Juyu Tang
E-mail: tangjuyu@csu.edu.cn

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):449-52.


450 He J, Pan D, Wu P, Tang J

o sítio receptor (Figura 2C). O ramo descendente proximal da ar- pois do debridamento dessa nova úlcera, foi desenhado um retalho
téria femoral circunflexa lateral foi anastomosado à artéria tibial perfurante livre contralateral tipo flow-through, da coxa anterolate-
posterior proximal e o ramo distal foi anastomosado à artéria tibial ral, para cobrir o defeito (Figura 3B). Foi utilizada a mesma técnica
posterior distal. As duas veias do retalho foram anastomosadas, res- do procedimento anterior na anastomose vascular. Não houve in-
pectivamente, às veias que acompanhavam a artéria tibial posterior. tercorrências durante o pós-operatório. Até o momento não houve
Finalmente, o nervo cutâneo femoral anterolateral foi coaptado para aparecimento de novas úlceras em nenhum dos dois calcanhares, e
o nervo calcâneo medial. O retalho sobreviveu e recuperou a sensi- há apenas cicatrizes lineares pouco aparentes no sitio doador (Figu-
bilidade protetora após 12 meses de seguimento (Figura 2D). ras 3C e 3D).
Entretanto, um ano depois o paciente se queixou de uma
úlcera maleolar posterior direita e foi readmitido (Figura 3A). De- DISCUSSÃO
A síndrome de Werner geralmente é acompanhada de ano-
malias metabólicas no tecido conjuntivo, arteriosclerose, diabetes,
calcificação ectópica e atrofia do tecido subcutâneo e músculo.4 Um
Probando dos maiores desafios nos pacientes com síndrome de Werner são
homozigoto as úlceras em extremidades.5 Portanto, é altamente relevante buscar
um método eficaz para corrigir essa ulceração específica.
Pai Os estudos têm relatado diferentes métodos para corrigir
portador as úlceras (Tabela 1).6-10 Primeiramente, não são recomendados os
enxertos cutâneos. Devido à vascularização deficiente no leito da
Mãe úlcera, um enxerto cutâneo dificilmente sobrevive. Mesmo quando
portadora a pele enxertada sobrevive, é pouco resistente e sujeita à recidiva.
Em segundo lugar, os retalhos pediculados locais não são úteis para
Filha o tratamento de úlceras refratárias em extremidades, devido às le-
portadora
sões cutâneas simulando a esclerodermia e à vascularização pobre.
Nosso paciente já tinha história de falha na cicatrização da ferida
Esposa após procedimento com retalho pediculado. Portanto, é importante
normal
avaliar cuidadosamente o estado geral do paciente caso se opte por
Figura 1: Testagem do gene WRN. um retalho pediculado. Terceiro, os retalhos musculares ou múscu-
Substituição de T para C no sítio splice do intron 28 do gene WRN lo-cutâneos, como do flexor ulnar do carpo ou do grande dorsal,
(IVS28+2C)

A B

Figura 2: A - Úlcera e
calcificação do tendão
de Aquiles no calcanhar
esquerdo. B - Retalho
flow-through livre da coxa
anterolateral (11x4cm)
com nervo cutâneo
ânterolateral da coxa em
destaque. C - Calcanhar
esquerdo: O retalho foi
transferido para o sítio
receptor. D - Calcanhar
esquerdo: controle aos 12
C D
meses

An Bras Dermatol. 2018;93(3):449-52.


Correção cruzada e reconstrução da sensibilidade em úlceras cutâneas recidivantes em paciente com mutação do gene WRN 451

A B

Figura 3: A - Úlcera no
calcanhar direito, um
ano após a primeira
intervenção. B - Retalho
flow-through livre da coxa
anterolateral (13x5cm)
foi transferido para
a área receptora. C -
Calcanhares direito e
esquerdo: controle pós-
operatório aos 15 meses.
D - Cicatrizes lineares no
C D
sítio doador

Tabela1: Diversos métodos para o tratamento das úlceras na síndrome de Werner


N. de Posição da úlcera Método reconstrutivo Localização de Dorner Complicação Recorrência
casos
Koshima, et al.4 2 Cotovelo direito Caso 1: Retalho do mús- Caso 1: Fechado prima- Não Não
(1989) culo flexor ulnar do carpo riamente
e enxerto de pele
Caso 2: Retalho da perfu- Caso 2: Enxerto de pele
ração recorrente da arté-
ria ulnar inferior
Salinas et al.5 1 Cotovelo direito Retalho lateral do braço Fechado primariamente Não Não
(1995) de ilha de pele
Okazaki et al.6 1 Calcanhar direito Retalho Supramaleolar Enxerto de pele Necrose cutâ- Não
(1998) Lateral nea parcial
Taniguchi et al.7 1 Joelho direito Retalho musculocutâneo Fechado primariamente Não Não
(1998) do músculo latíssimo do
dorso direito
Yeong et al.8 2 Caso 1: Tornozelo Enxerto de pele ND ND ND
(2004) direito, borda late-
ral e calcanhar do
pé direito
Caso 2: Quarto e
quinto dedos, calca-
nhar e tornozelo
ND = não disponível ou desconhecido na literatura.

devem ser usados com cautela na síndrome de Werner, devido à Werner. A técnica apresenta diversas vantagens: (1) O retalho flow-
perda funcional no sítio doador. Além do mais, o retalho músculo- -through permite ao pedículo vascular manter a vascularização du-
-cutâneo é volumoso e incapaz de levar o nervo para reconstruir a pla do retalho e da extremidade distal. (2) Na síndrome de Werner,
sensibilidade. é indicado cobrir as úlceras do membro com retalho da coxa ânte-
Portanto, utilizamos os retalhos perfurantes contralaterais rolateral devido à lipoatrofia da coxa. Nosso paciente apresentava
flow-through ânterolateral da coxa com o nervo cutâneo femoral ân- espessura de tecido adiposo subcutâneo de 8mm, e o sítio recep-
terolateral para a correção de úlcera de calcanhar na síndrome de tor desenvolveu aspecto estético satisfatório. (3) Os pacientes com

An Bras Dermatol. 2018;93(3):449-52.


452 He J, Pan D, Wu P, Tang J

síndrome de Werner apresentam arteriosclerose, de maneira que se consegue usar calçados e caminhar normalmente. (5) Neste caso foi
deve evitar sacrificar vasos maiores, sempre que possível, porque feito o fechamento primário do sítio doador, deixando apenas cica-
pode provocar danos irreversíveis à perna inferior no futuro. O reta- trizes lineares no local.
lho perfurante flow-through da coxa anterolateral com o nervo cutâ- Concluímos que o retalho perfurante contralateral flow-
neo femoral lateral não apenas faz a transposição adequada até a -through da coxa anterolateral é uma alternativa viável para a corre-
artéria tibial posterior, como também, recupera parcialmente a sen- ção de defeitos no calcanhar de pacientes com síndrome de Werner.
sibilidade. (4) Com a sensibilidade protetora restaurada, o paciente O nervo cutâneo da coxa anterolateral pode ser transferido com o
retalho para recuperar a sensibilidade protetora. q

REFERÊNCIAS
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University; 1904. characteristics of Werner’s syndrome. Ann Plast Surg. 1989;23:357-62.
2. Mansur AT, Elçioglu NH, Demirci GT. Werner syndrome: clinical evaluation of two 7. Salinas Velasco VM, Herrero Fernandez F, García-Morato V, Alonso Martínez S..
cases and a novel mutation. Genet Couns. 2014;25:119-27. Coverage of elbow ulcers in a patient with Werner’s syndrome. Ann Plast Surg.
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2017;33:105-114. patient with Werner’s syndrome. Ann Plast Surg. 1998;41:307-10.
4. Fumo G, Pau M, Patta F, Aste N, Atzori L. Leg ulcer in Werner syndrome (adult 9. Taniguchi Y, Tamaki T. Reconstruction of intractable ulcer of the knee joint in
progeria): a case report. Dermatol Online J. 2013;19:6. Werner’s syndrome with free latissimus dorsi myocutaneous flap. J Reconstr
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2003;11:224-33. 2004;57:86-8.

Jiqiang He 0000-0001-9827-6897 Panfeng WU 0000-0003-1106-4045

Ding Pan 0000-0003-3537-4750 Juyu Tang 0000-0002-4956-0573

Como citar este artigo: He J, Pan D, Wu P, Tang J. Recurrent skin ulcers cross-repair and sensory reconstruction in a WRN gene mutational
patient. An Bras Dermatol. 2018;93(3):443-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):449-52.


Imagens em Dermatologia 453
s
Dermatoscopia na tinha da mão*

Enzo Errichetti1 Giuseppe Stinco1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186366

Resumo: A Tinha da mão é uma dermatofitose frequentemente confundida com outras ceratodermias, principalmente psoría-
se palmar e eczema crônico das mãos. Relata-se o emprego da dermatoscopia como ferramenta auxiliar no diagnóstico de uma
paciente com tinha da mão. A característica dermoscópica encontrada foi a presença de descamação esbranquiçada nos sulcos
da mão. Essa característica não havia sido detectada em outras ceratodermias e pode auxiliar no diagnóstico de tinha da mão.
Palavras-chave: Dermoscopia; Diagnóstico diferencial; Tinea

A Tinha da mão (TM) é uma dermatofitose que afeta as


palmas e os espaços interdigitais da mão e apresenta, tipicamente,
descamação/hiperceratose esbranquiçada difusa, podendo ser pru-
riginosa.1 Apesar do caráter unilateral e assimétrico, e da presença
de infecções concomitantes em outras regiões do corpo (principal-
mente nos pés e nas unhas) serem úteis no diagnóstico de TM, dis-
tingui-la de outras dermatoses inflamatórias similares é um desafio,
podendo levar a erros diagnósticos e tratamentos desnecessários.1
Nos últimos anos, o uso de dermatoscopia tem auxiliado no diag-
nóstico de diversas doenças cutâneas, incluindo ceratodermias ad- A
quiridas.2-10 Relata-se o emprego da dermatoscopia como ferramen-
ta auxiliar no diagnóstico de uma paciente com TM.
Paciente do sexo feminino, caucasiana, 52 anos, apresentan-
do há três meses um quadro assintomático de descamação difusa
nas palmas e na face palmar dos dedos de ambas as mãos (Figu-
ra 1A). A paciente sentia-se bem e não usava nenhuma medicação.
Não havia nada significativo em seu histórico médico, porém havia
história familiar (mãe) de psoríase. A paciente havia sido diagnos-
ticada anteriormente com psoríase palmar e tratada com esteróides
tópicos por cerca de dois meses sem melhora significativa. O exame
dermatoscópico (DermLite DL3 x10; 3Gen, San Juan Capistrano,
CA, EUA) por luz polarizada das mãos e dos dedos mostrou desca- B
mação esbranquiçada principalmente nos sulcos palmares das mãos Figura 1: Descamação esbranquiçada difusa acometendo
(Figura 1B). Escamas de raspado da palma da mão foram tratadas palmas e face palmar dos dedos de ambas as mãos (A). Der-
com KOH 10% e submetidas ao exame microscópico direto, no qual matoscopia por luzpolarizada mostra descamação esbran-
quiçada afetando principalmente os sulcos palmares (B)
foram observadas hifas septadas ramificadas. Espécimes também

Recebido 13 Agosto 2016.


Aceito 25 Março 2017.
* Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia, Santa Maria della Misericordia University Hospital, Udine, Itália.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Instituto de Dermatologia, Department of Experimental and Clinical Medicine, University of Udine, Udine, Itália.

Endereço para correspondência:


Enzo Errichetti
E-mail: enzoerri@yahoo.it

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):453-4.


454 Errichetti E, Stinco G

foram cultivados em meio de ágar Sabouraud dextrosado e, após das e sem estrutura, e escamas relativamente grandes de cor âmbar
três semanas, foi observado o crescimento de Trichophyton rubrum, sobre um fundo branco ou róseo, respectivamente.10 No caso aqui
confirmando o diagnóstico de TM. Foi iniciado tratamento com ter- relatado, o resultado dermatoscópico encontrado nunca havia sido
binafina 1% creme duas vezes ao dia com melhora significativa do observado em casos de psoríase palmar, eczema crônico das mãos
quadro clínico após quatro semanas. ou nas outras ceratodermias mencionadas acima, sendo típico de
O diagnóstico diferencial de TM inclui psoríase palmar e TM: escamas esbranquiçadas principalmente nos sulcos palmares.
eczema crônico das mãos.1 Recentemente, os autores mostraram Este arranjo característico das escamas é bem conhecido na TM,
como a dermatoscopia pode auxiliar no diagnóstico dessas doenças, sendo ocasionalmente observado ao exame dermatológico, princi-
diferenciando-as de outras ceratodermias comumente adquiridas, palmente se a descamação for intensa.1 Embora não se conheça o
por exemplo, devidas à pitiríase rubra pilar e micose fungoide.9,10 que causa tal padrão de descamação,, acredita-se que possa estar
Foi demonstrado que a presença de escamas brancas difusas é indi- relacionado com a preferência dos dermatófitos de se proliferarem
cativa de psoríase palmar, enquanto que escamas amarelas, pontos em ambientes úmidos como os sulcos das palmas das mãos.1
e glóbulos de coloração marrom-alaranjada (que correspondem a Portanto, a dermatoscopia pode ser uma ferramenta útil no
pequenas vesículas espongióticas) e crostas de coloração amarelo- diagnóstico da TM evidenciando o arranjo típico das escamas. No
-alaranjada caracterizam eczema crônico das mãos.9 Por outro lado, entanto, estudos com maior número de pacientes são necessários
ceratodermias resultantes de pitiríase rubra pilar e micose fungoide para confirmar esta observação. q
apresentam outras características dermatoscópicas: áreas alaranja-

REFERÊNCIAS
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Saunders; 2012. p. 1251-84. 7. Errichetti E, De Francesco V, Pegolo E, Stinco G. Dermoscopy of Grover’s disease:
2. Errichetti E, Stinco G. The practical usefulness of dermoscopy in general Variability according to histological subtype. J Dermatol. 2016;43:937-9.
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3. Lallas A, Giacomel J, Argenziano G, García-García B, González-Fernández D, atrophicans/parakeratosis variegata. Eur J Dermatol. 2016;26:300-2.
Zalaudek I, et al. Dermoscopy in general dermatology: practical tips for the 9. Errichetti E, Stinco G. Dermoscopy in differential diagnosis of palmar psoriasis and
clinician. Br J Dermatol. 2014;170:514-26. chronic hand eczema. J Dermatol. 2016;43:423-5.
4. Errichetti E, Stinco G, Lacarrubba F, Micali G. Dermoscopy of Darier’s disease. J 10. Errichetti E, Stinco G. Dermoscopy as a supportive instrument in the differentiation
Eur Acad Dermatol Venereol. 2016;30:1392-4. of the main types of acquired keratoderma due to dermatological disorders. J Eur
5. Errichetti E, Lacarrubba F, Micali G, Stinco G. Dermoscopy of Zoon’s plasma cell Acad Dermatol Venereol. 2016;30:e229-31.
balanitis. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2016;30:e209-10.

Enzo Errichetti 0000-0002-7152-6136

Giuseppe Stinco 0000-0002-2392-9504

Como citar este artigo: Errichetti E, Stinco G. Dermoscopy in tinea manuum. An Bras Dermatol. 2018;93(3):447-8.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):453-4.


Imagens em Dermatologia 455
s
Aspectos dermatoscópicos do acantoma de células claras*

Daniela Gomes Cunha1 Luiza Erthal de Britto Pereira Kassuga-Roisman1


Luisa Kelmer Côrtes de Barros Silveira1 Fabiane Carvalho de Macedo2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186977

Resumo: O acantoma de células claras é um tipo incomum de tumor epitelial benigno. Tipicamente é uma lesão solitária
encontrada nos membros inferiores. Apresenta-se como um nódulo ou uma pequena placa de crescimento lento e bem de-
limitado. O diagnóstico é clínico e histopatológico, mas com o advento da dermatoscopia houve um aumento da acurácia
diagnóstica. Descreveremos um caso em que a dermatoscopia foi de grande auxílio para o diagnóstico da lesão.
Palavras-chave: Acantoma; Dermoscopia; Diagnóstico; Diagnóstico por imagem

O acantoma de células claras é um raro tumor epitelial benig-


no de etiologia desconhecida. Clinicamente se manifesta como uma
lesão papulonodular ou como uma pequena placa eritematosa e arre-
dondada na perna de adultos de meia-idade. Mulheres e homens são
igualmente acometidos e não há predileção racial. Tipicamente é um
tumor solitário, entretanto há casos com múltiplas lesões.
Paciente masculino de 64 anos relatou o aparecimento de
uma lesão nodular e eritematosa na nádega esquerda, que ocorrera
aproximadamente dois anos antes. O exame dermatológico revelou
lesão nodular solitária, bem delimitada, eritematoviolácea, recober-
ta por discreto exsudato (Figura 1).
A dermatoscopia evidenciou vasos glomerulares e puntifor-
mes com distribuição “em colar de pérolas”, imagem muito caracte- Figura 1: Foto clínica do acantoma de células claras. Lesão nodular,
castanha e com eritema localizada na nádega esquerda
rística do acantoma de células claras (Figuras 2 e 3).
A biópsia excisória da lesão com exame histopatológico
mostrou vasos sanguíneos dilatados nas papilas dérmicas e prolife-
ração de queratinócitos claros, com demarcação nítida em relação à sintomático e único, mas ocasionalmente os pacientes apresentam
epiderme normal, compatíveis com acantoma de células claras (Fi- múltiplas lesões.2 Pode haver um colarete epidérmico periférico ou
guras 4 e 5). exsudação serosa sobreposta. O acantoma de células claras não de-
O acantoma de células claras é um tumor raro, descrito ini- monstra predileção étnica ou por gênero e apresenta um pico de
cialmente por Degos em 1962.1 Apresenta-se como uma lesão pa- incidência entre 50 anos e 60 anos.3
pulonodular ou em placa eritematosa, de crescimento lento, que Os diagnósticos diferenciais são granuloma piogênico, me-
se localiza com frequência nas pernas. O tumor é geralmente as- lanoma amelanótico, hemangioma traumatizado, carcinoma esca-

Recebido 31 Janeiro 2017.


Aceito 13 Abril 2017.
* Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia Oncológica, do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Serviço de Dermatologia, Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

2
Divisão de Patologia, Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Endereço para correspondência:


Daniela Gomes Cunha D’Assumpção
E-mail: danielagcunha@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):455-6.


456 Cunha DG, Kassuga-Roisman LEBP, Silveira LKCB, Macedo FC

Figura 2: Dermatoscopia com luz polarizada e aumento de 20x mos- Figura 4: Exame histopatológico. Observa-se hiperplasia irregular
trando vasos glomerulares com distribuição “em colar de pérolas” da epiderme e queratinócitos com citoplasma claro (Hematoxilina
& eosina, 40x)

Figura 3: Detalhe dos vasos glomerulares no aumento de 50x Figura 5: Exame histopatológico. Detalhe dos queratinócitos com
citoplasma claro (Hematoxilina & eosina, 100x)

moso, doença de Bowen, carcinoma basocelular, queratose seborrei- diferentemente de outras lesões, como a psoríase (vasos puntiformes
ca irritada e psoríase.3 homogeneamente distribuídos na lesão) e a doença de Bowen (vasos
A dermatoscopia é um excelente exame diagnóstico, pois re- glomerulares em cluster).5 Quando a lesão apresenta crescimento rá-
vela um padrão muito característico. Esse exame evidencia vasos glo- pido, a dermatoscopia pode mostrar um colarete branco periférico,
merulares ou puntiformes dispostos em trajetos lineares, com aspecto semelhante ao que acontece no granuloma piogênico.6
de colar de pérolas.4 A disposição dos vasos é diferente daquela de Embora a dermatoscopia seja muito característica, a histo-
outras lesões que apresentam vasos puntiformes e glomerulares. No patologia ainda é necessária para o diagnóstico definitivo do acan-
acantoma de células claras, os vasos se organizam de forma reticular, toma de células claras. q

REFERÊNCIAS
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diagnosis prior to biopsy. Int J Dermatol. 2010;49:1008-11. 6. Zalaudek I, Hofmann-Wellenhof R, Argenziano G. Dermoscopy of clear-cell
acanthoma differs from dermoscopy of psoriasis. Dermatology. 2003;207:428.

Daniela Gomes Cunha 0000-0003-3841-9811 Luisa Kelmer Côrtes de Barros Silveira 0000-0002-9000-2362
Luiza Erthal de Britto Pereira Kassuga- Fabiane Carvalho de Macedo 0000-0002-8359-7564
0000-0001-8403-7764
Roisman

Como citar este artigo: Cunha DG, Kassuga-Roisman LEBP, Silveira LKCB, Macedo FC. Dermoscopic features of clear cell acanthoma. An Bras
Dermatol. 2018;93(3):449-50.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):455-6.


Qual o seu diagnóstico? 457
s
Caso para diagnóstico. Eritrodermia com polineuropatia*
Maira Renata Merlotto1 Lucas Oliveira Cantadori2
Delmo Sakabe3 Hélio Amante Miot1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187419

RELATO DO CASO
Homem, 36 anos, ascendência japonesa, médico, sem co- e ulnares com redução de força nas mãos (Figura 1). Anatomopa-
morbidades ou estigmas atópicos. Há seis anos, iniciou quadro tológico da pele revelou acantose, espongiose, infiltrado linfocitário
de pápulas eritematosas, intermitentes, no tronco e face, além de superficial com eosinófilos (Figura 2). Ao hemograma, eosinofilia
prurido que piorava com calor e ingesta alcoólica. Há sete meses, de 2.812U/µL; IgE de 1.164 kU/L (normal até 114kU/L) e DHL de
progrediu com eritrodermia, tratada com ciclosporina (3mg/kg/d), 596U/L (normal até 225U/L). Ultrassom de punhos evidenciou es-
hidratação e corticoterapia tópica, com melhora parcial. Ao exame pessamento do nervo mediano, com morfologia do túnel do carpo
físico, apresentava eritrodermia, infiltração facial e placas eritem- normal. Ecocardiograma normal, e tomografia de abdome revelou
atoinfiltradas, principalmente em regiões cubitais e poplíteas, xe- linfonodos periaórticos discretamente aumentados em número.
rose, espessamento dos nervos auricular maior, fibulares, radiais

A B
Figura 1: A - Eritrodermia com infiltração facial. B - Detalhe de placas infiltradas nas extremidades e região antecubital

Recebido 10 Julho 2017.


Aceito 07 Dezembro 2017.
* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-UNESP), Botucatu (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


1
Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu (SP), Brasil.

2
Disciplina de Hematologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu
(SP), Brasil.

3
Departamento de Cirurgia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-Sorocaba), Sorocaba (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Hélio Amante Miot
E-mail: heliomiot@fmb.unesp.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):457-9.


458 Merlotto MR, Cantadori LO, Sakabe D, Miot HA

Figura 2: Exame histopa-


tológico (Hematoxilina &
eosina). A - Acantose leve
e espongiose (20x).
B - Edema da derme supe-
rior e infiltração linfocitá-
A B ria com eosinófilos (40x)

Quadro 1: Critérios diagnósticos da síndrome hipereosinofílica (SHE)


Critérios diagnósticos originais por Modificações nos critérios diagnósticos Comentários
Chusid et al.¹ de SHE por Simon et al.¹
1. Eosinofilia periférica maior que 1.500/ O valor arbitrário de 1.500/µL não é obri- A presença de infiltração tecidual por eosinófilos
µL persistente por mais de seis meses gatório levando a dano tecidual é mais importante do
consecutivos que definir um valor laboratorial

2. Exclusão de causas secundárias de hi- A eosinofilia periférica deve ser confir- Em pacientes sintomáticos com eosinofilia con-
pereosinofilia após extensa avaliação mada, mas a persistência por mais de seis firmada e envolvimento orgânico, deve-se pro-
clínica meses não é mais obrigatória ceder ao tratamento para prevenir danos; qual-
quer duração é significante, mesmo que menor
que seis meses
3. Envolvimento sintomático de órgãos Sinais e/ou sintomas de envolvimento or- É muito difícil prever a evolução de pacientes
secundário à hipereosinofilia gânico não são mandatórios assintomáticos no momento do diagnóstico.
Alguns podem estar assintomáticos na primei-
ra avaliação e permanecer assintomáticos ou
evoluir com sintomas devido ao dano tecidual/
envolvimento de órgãos.

Quadro 2: Principais características dos subtipos de síndrome hipereosinofílica (SHE)


Subtipos Características Tratamento Prognóstico
Variante mie- Ativação da tirosina quinase Pouca resposta a corticosteroide sistê- Sobrevida dependente da gravidade do
loproliferativa por fusão gênica FIP1L1 mico. Mais responsivos a hidroxiureia, dano tecidual, especialmente do grau de
(SHE-M) e PDGFRA, eosinofilia interferon e quimioterápicos – busulfan, envolvimento cardíaco. Risco de desen-
por proliferação clonal de chlorambucil e vincristina. volvimento de doença mieloproliferati-
precursores mieloides Imatinibe é a primeira escolha para va maligna
aqueles com mutação F/P positiva
Variante Expansão policlonal de células Boa resposta ao corticosteroide sistê- Caráter crônico, condição benigna com
idiopática T e produção desregulada de mico isolado ou combinado com hidro- curso clínico indolente
(SHE-I) citocinas Th2 (IL-5 e/ou IL-3) xiureia, mepolizumabe, interferon-α e Desenvolvimento de linfoma eventual
tofacitinibe
Variante Expansão policlonal de células Adequado controle com corticosteroide Caráter crônico recorrente.
(secundária) T anômalas (CD3-CD4+) e pro- sistêmico isolado ou combinado com Desenvolvimento de linfoma eventual
linfocítica dução desregulada de citocinas hidroxiureia, mepolizumabe ou tocilizu-
(SHE-L) Th2 (especialmente IL-5) mabe

DISCUSSÃO
Síndrome hipereosinofílica (SHE) é definida por eosino- É doença rara (5.000 casos/ano nos EUA), potencialmente
filia periférica (> 1.500/µL) persistente, associada a envolvimento letal, sendo os órgãos mais acometidos a pele, pulmões, intestino,
sintomático de órgãos, excluindo-se causas secundárias de eosino- coração, rins, olhos e sistema nervoso periférico. Sua complicação
filia (Quadro1).1 É classificada em mieloproliferativa (SHE-M), se- mais grave é a cardíaca, que deve ser investigada em todos os ca-
cundária ou reativa e idiopática (SHE-I) (Quadro 2).2 sos. Em adultos, há predileção pelo sexo masculino (9:1), e a idade

An Bras Dermatol. 2018;93(3):457-9.


Caso para diagnóstico. Eritrodermia com polineuropatia 459

média de surgimento é 50 anos. A investigação do acometimento de neoplásica, o estudo citogenético por FISH não evidenciou deleção
órgãos-alvo e a subclassificação são decisivos quanto à terapêutica ou translocação dos genes FIP1L1 e PDGFRA, e pesquisa de muta-
e ao prognóstico.3,4 ção no gene JAK2 veio negativa; imunofenotipagem não demons-
Manifestações cutâneas de SHE requerem diagnóstico dife- trou populações de linfócitos clonais. Programou-se, em conjunto
rencial com urticária, prurido autotóxico, micose fungoide, farma- com a hematologia, terapia adjuvante com hidroxiureia.
codermias, dermatite de contato e dermatite atópica. Dermatologis- Esse caso foi classificado como SHE-I pela ausência de anor-
tas devem atentar para pápulas eritematosas pruriginosas, urticária malidades fenotípicas linfocitárias e das alterações genéticas. A pre-
e angioedema, dermografismo, úlceras orais e genitais, eritema sença de neuropatia periférica, a ausência de estigmas atópicos e a
anular centrífugo, bolhas acrais e eritrodermia. O exame histopa- piora com ingesta alcoólica foram características. Altos níveis de IgE,
tológico da lesão cutânea geralmente é inespecífico, com infiltração boa resposta à corticoterapia, baixos níveis de triptase sérica e eosinó-
eosinofílica variável.4-7 filos < 100.000/µL são associados ao melhor prognóstico. Foi descrito
Em país endêmico, quadros de polineuropatia requerem sucesso terapêutico de SHE-I com tofacitinib e mepolizumab.4,8-10
exclusão de hanseníase, desfavorecida, nesse caso, pela clínica pru- O diagnóstico de SHE é frequentemente tardio devido a
riginosa e histologia. manifestações dermatológicas pleomórficas e evolução insidiosa.
Nesse caso, foi iniciada prednisona 1mg/kg/dia, com me- Sendo assim, é importante ressaltar que, em todos os casos de eritro-
lhora importante das lesões cutâneas, da eosinofilia (580/µL) e do dermia, SHE deve ser considerada como diagnóstico diferencial.6,7 q
prurido em 30 dias. Biópsia de medula óssea não mostrou infiltração

Resumo: Síndrome hipereosinofílica é definida por eosinofilia persistente (> 1500/µL por mais de seis meses) associada ao
envolvimento de órgãos, excluindo-se causas secundárias. É doença rara, potencialmente letal, que deve ser considerada
em quadros cutâneos associados à hipereosinofilia. Descreve-se um caso de eritrodermia como manifestação de síndrome
hipereosinofílica. Homem, 36 anos, sem comorbidades, apresenta eritrodermia, prurido, neuropatia periférica e eosinofilia
progressivos há sete meses. Não foram evidenciadas mutações FIP1L1 e PDGFRA. Houve rápida remissão após prednisona
oral e hidroxiureia. As manifestações cutâneas da síndrome hipereosinofílica podem ser a única evidência da doença. A geno-
tipagem exclui doença mieloproliferativa, orientando o tratamento e o prognóstico.
Palavras-chave: Dermatite esfoliativa; Eosinofilia; Polineuropatias

REFERÊNCIAS
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1. Simon HU, Rothenberg ME, Bochner BS, Weller PF, Wardlaw AJ, Wechsler ME, et
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7. Abdulsalam MS, Ghanta HC, Pandurangan P, Menon M, Jacob SS. A Case of
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manifestations of the hypereosinophilic syndrome. Arch Dermatol. 1978;114:531-5.

Maira Renata Merlotto 0000-0002-8918-5640 Delmo Sakabe 0000-0003-0181-0905

Lucas Oliveira Cantadori 0000-0003-0436-1842 Hélio Amante Miot 0000-0002-2596-9294

Como citar este artigo: Merlotto MR, Cantadori LO, Sakabe D, Miot HA. Case for diagnosis. Erythroderma as manifestation of hypereosinophilic
syndrome. An Bras Dermatol. 2018;93(3):451-3.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):457-9.


460
Comunicação
s
Relação entre baciloscopia e classificação operacional da hanseníase em
pacientes portadores de reações hansênicas*

Marcel Alex Soares dos Santos1 Larissa Mondadori Mercadante2


Elisangela Samartin Pegas3 Bogdana Victoria Kadunc2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20186725

Resumo: De acordo com a classificaçao operacional, a hanseníase pode ser classificada em pauci e multibacilar. A baciloscopia
integra o seu arsenal diagnóstico. Portadores da doença podem apresentar reações hansênicas. Este estudo descreve a
associação entre o resultado da baciloscopia e o tipo de classificação operacional da hanseníase em pacientes portadores de
reações hansênicas. Foi realizada análise de prontuários em centro de referencia no periodo de 2010 a 2015. Episódio reacional
ocorreu em quase metade dos pacientes, tornando importante a sua identificação. A caracterização baciloscópica e operacional
indica maior ocorrência de reações hansênicas nos pacientes com baciloscopia positiva e também nos multibacilares.
Palavras-chave: Classificação; Diagnóstico; Hanseníase

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, granulo- entre a baciloscopia e a classificação operacional da hanseníase em
matosa e crônica, causada pelo bacilo Gram-positivo e resistente pacientes portadores de reações hansênicas. Trata-se de estudo do
a álcool-ácido Mycobacterium leprae. De acordo com a classificaçao tipo observacional, transversal, em que foram analisadas informa-
operacional, os pacientes sao considerados paucibacilares quando ções contidas nos prontuários dos pacientes com hanseníase notifi-
apresentarem até cinco lesões cutâneas e multibacilares aqueles cados em um centro de referência no município de Campinas (SP)
com mais de cinco lesões cutâneas.1–3 A baciloscopia é um exame no período de 2010 a 2015 que apresentaram reações hansênicas tipo
que integra o arsenal diagnóstico da hanseníase. Trata-se da aná- 1 ou tipo 2 (n = 41). As variáveis analisadas foram: baciloscopia no
lise microscópica de esfregaço de linfa corado por Ziehl-Neelsen, momento do diagnóstico, classificação operacional e tipo da reação
para identificação dos bacilos. Pacientes com baciloscopia positiva hansênica. A análise estatística foi realizada usando-se frequências
são considerados multibacilares, independentemente do número de simples. Foram diagnosticados e notificados 91 casos de hanseníase
lesões.4 Portadores de hanseníase podem apresentar reações hansê- no período considerado. Destes, 41 casos (45%) apresentaram algum
nicas, fenômenos agudos de alterações imunológicas e inflamatórias tipo de reação hansênica. Vinte e cinco pacientes (61%) apresenta-
diante dos antígenos do M. leprae. As reações tipo 1 são decorren- ram reação tipo 1, 11 pacientes (27%) apresentaram reação tipo 2 e
tes de hipersensibilidade tardia por ativação das vias TH1 e TH17 cinco pacientes (12%) apresentaram as duas formas de reação em
e ocorrem nos pacientes borderline. Em geral, refletem melhora da períodos distintos da evolução da doença (Tabela 1). Entre os por-
defesa contra o M. leprae. As reações tipo 2 são provocadas pela exa- tadores de reação tipo 1, 18 casos (72%) apresentaram baciloscopia
cerbação compensatória da imunidade humoral por ativação das negativa no momento do diagnóstico (Gráfico 1A). Vinte e um casos
vias TH2 e TH17 nos pacientes do polo virchoviano.1–5 As reações (84%) tinham classificação operacional multibacilar e quatro casos
hansênicas representam respostas imunológicas pouco entendidas (16%), paucibacilar (Gráfico 1B). Entre os portadores de reação tipo
e refletem quadro clínico peculiar, por isso exigem a atenção do 2, todos os casos (100%) apresentaram baciloscopia positiva no mo-
dermatologista.4 Este estudo tem como objetivo descrever a relação mento do diagnóstico e classificação operacional multibacilar. Dos

Recebido 21 Novembro 2016.


Aceito 29 Agosto 2017.
* Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
2
Serviço de Dermatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
3
Ambulatório de Hanseníase, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Larissa Mondadori Mercadante
E-mail: larissa_40@yahoo.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):460-2.


Relação entre baciloscopia e classificação operacional da hanseníase em pacientes portadores de reações hansênicas 461

Tabela 1: Distribuição dos portadores de reação hansênica segundo características da baciloscopia e classificação operacional da
hanseníase
Baciloscopia Classificação operacional
Positiva Negativa Paucibacilar Multibacilar
n % n % n % n %
Reação tipo 1 (n = 25) 7 28 18 72 4 16 21 84
Reação tipo 2 (n = 11) 11 100 0 0 0 0 11 100
Ambas (n = 5) 5 100 0 0 0 0 5 100

entre os portadores de reação tipo 1 contradiz a maioria dos estudos


Distribuição do resultado da baciloscopia em
publicados, pois sabe-se que há relação positiva entre quantidade
portadores de reações hansênicas
de bacilos e surgimento de reação hansênica e que a presença de
Baciloscopia Baciloscopia índices baciloscópicos elevados é fator de risco para o desenvolvi-
positiva negativa
mento de qualquer uma das reações.2 O achado pode ser explicado
18
pela maior ocorrência de reação tipo 1 em portadores de hanseníase
11
7
borderline, nos quais há resposta imune celular mais efetiva e menor
5
carga bacilar que nos pacientes do polo virchoviano. Outra possibi-
0 0
lidade seria a ocorrência da reação tipo 1 associada à baciloscopia
A Reação tipo 1 Reação tipo 2 Ambas negativa em pacientes borderline tuberculoides, que são imunologi-
camente e histopatologicamente mais próximos do polo tuberculoi-
Distribuição da classificação operacional em de.1–3 Outras possíveis causas para o resultado podem ser a coleta
portadores de reações hansênicas insuficiente da linfa ou a indisponibilidade da coloração Faraco-Fite
Classificação operacional Classificação operacional no laboratório do serviço universitário onde o estudo foi realizado
Paucibacilar Multibacilar (essa coloração é mais sensível para identificar o bacilo no estudo
21
histopatológico das biópsias de pele), que assim interfeririam na
classificação operacional dos pacientes.6,7 Os demais achados são
11
semelhantes aos de outros estudos publicados.8,9 No período es-
4 5
0 0
tudado, houve maior prevalência de reação tipo 1, mas esse não é
achado tranquilizador: mesmo sendo sistemicamente menos grave,
B Reação tipo 1 Reação tipo 2 Ambas esse tipo de reação gera mais sinais de incapacidade física, acom-
panhada muitas vezes por neurite, que é responsável por danos e
Gráfico 1: A - Baciloscopia dos portadores de reações.
sequelas importantes, afetando a qualidade de vida dos pacientes.2,8
B - Classificação operacional dos portadores de reações
Esse quadro é mais frequente em portadores de reação tipo 1 do que
em portadores de reação tipo 2, inclusive quando ambos os grupos
são multibacilares.2,8 Por esse motivo, é errôneo pensar que pacien-
pacientes que desenvolveram reação tipo 1 e reação tipo 2 em algum tes com reações tipo 1 e classificação operacional multibacilar, mas
período de evolução da hanseníase, 100% (cinco casos) apresenta- com baciloscopia negativa, mostram melhor prognóstico por terem
vam baciloscopia positiva e eram multibacilares. Primeiramente, menor carga bacilar.8,9 Tendo em vista que quase metade dos pa-
observou-se que o percentual de pacientes com baciloscopia posi- cientes apresentou episódio reacional, conclui-se que é de extrema
tiva que apresentaram reação (56%) foi maior do que o percentual importância identificar e manejar de forma precoce os acometidos
de pacientes com baciloscopia negativa que apresentaram reação para evitar o surgimento de sequelas graves. A caracterização ba-
(44%). Foram identificadas frequências mais elevadas de reação tipo ciloscópica e operacional dos portadores de hanseníase contribui
1 entre pacientes com baciloscopia negativa e de reação tipo 2 en- positivamente no diagnóstico precoce das reações, pois há maior
tre indivíduos com baciloscopia positiva. Entretanto a maioria dos chance de desenvolver reação hansênica quando a baciloscopia é
pacientes de ambos os grupos de reação apresentaram classificação positiva e a classificação operacional é multibacilar, justificando a
operacional multibacilar. O predomínio de baciloscopia negativa importância dos resultados aqui apresentados. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):460-2.


462 Santos MAS, Mercadante LM, Pegas ES, Kadunc BV

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Hansen Int. 2007;32:155-62. reactions after treatment and bacterial load evaluated using anti PGL-I serology
5. Nery JAC, Sales AM, Illarramendi X, Duppre NC, Jardim MR, Machado AM. and bacilloscopy. Rev Soc Bras Med Trop. 2008;41:67-72.
Contribution to diagnosis and management of reactional states: a practical
approach. An Bras Dermatol. 2006;81:367¬375.

Marcel Alex Soares dos Santos 0000-0002-5589-0931 Elisangela Samartin Pegas 0000-0002-9362-9814

Larissa Mondadori Mercadante 0000-0003-2648-2522 Bogdana Victoria Kadunc 0000-0001-9093-3872

Como citar este artigo: Santos MAS, Mercadante LM, Pegas ES, Kadunc BV. Relationship between bacilloscopy and operational classification
of Hansen’s disease in patients with reactions. An Bras Dermatol. 2018;93(3):454-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):460-2.


Comunicação 463
s
Avaliação da presença de alérgenos em produtos infantis vendidos no
comércio de uma grande cidade*

Rosana Lazzarini1 Mariana de Figueiredo Silva Hafner1


Mayara Gomes Rangel2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187111

Resumo: Produtos infantis são considerados seguros pela população em geral e pelos médicos. Os rótulos com termos como
“hipoalergênico” ou “recomendado e testado dermatologicamente” denotam confiança e credibilidade, transmitindo a ideia
de que podem ser utilizados por qualquer indivíduo. Os portadores de dermatite alérgica de contato podem ser sensíveis a
alérgenos presentes em qualquer produto, inclusive nos infantis. Em nosso meio, há um desconhecimento sobre os alérgenos
nesses produtos. Avaliaram-se 254 produtos infantis, e pelo menos um alérgeno estava presente em 236 (93%) deles. A indica-
ção de um produto tópico deve ser cuidadosa e baseada nos testes de contato.
Palavras-chave: Aditivos em cosméticos; Dermatite alérgica de contato; Dermatite de contato; Haptenos

Produtos para cuidados da pele infantil são considerados O desconhecimento sobre a presença de alérgenos em pro-
seguros pela população em geral e pelos médicos. Muitos apresen- dutos infantis no nosso meio motivou a realização deste trabalho.
tam no rótulo termos como “hipoalergênico” ou “recomendado e Entre setembro e outubro de 2016, foram avaliados produtos en-
testado por dermatologista”, determinando confiança e credibilida- contrados no mercado da cidade de São Paulo para uso infantil por
de e levando à ideia de que podem ser utilizados por qualquer in- meio das informações nas embalagens ou no site do fabricante, sen-
divíduo. Entretanto, sabe-se que pacientes portadores de dermatite do esse o único critério de inclusão.
alérgica de contato (DAC) podem ser sensíveis a alérgenos presen- Os produtos avaliados pertenciam aos seguintes grupos:
tes em qualquer produto, inclusive nos infantis. xampus, condicionadores, sabonetes, colônias, cremes para assa-
A DAC pode ocorrer em qualquer época da vida, inclusive duras, hidratantes, óleos, repelentes, talcos, lenços umedecidos e
na infância. Embora o quadro possa surgir em locais de pele íntegra, maquiagens.
há maior risco em áreas de dermatoses prévias e com alteração da Foram avaliados 254 produtos de higiene pessoal e perfu-
integridade da barreira cutânea. Além disso, o uso contínuo do pro- maria de diferentes marcas. Neles foram pesquisadas 38 substâncias
duto é outro fator favorecedor da DAC.1 consideradas alérgenos, como componentes das fragrâncias, conser-
Os produtos cosméticos infantis são populares em nosso vantes, emulsificantes, solventes, surfactantes e veículos, presentes
meio. O mercado brasileiro é um dos maiores nesse segmento, regu- na tabela 1.
lamentado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).2 Os dados coletados foram aplicados a uma planilha do Ex-
O termo hipoalergênico é motivo de discussões entre os espe- cel®, analisados e comparados aos da literatura.
cialistas. Ele é aplicado a cosméticos, tinturas de cabelos e bijuterias Nas embalagens dos produtos constavam informações
e significa que o produto tem baixa capacidade de promover, desen- como: “dermatologicamente testado” (121; 43,8%), “hipoalergêni-
cadear ou potencializar reações cutâneas.3 Em nosso meio, produtos co” (99; 35%), “minimiza alergias” (15; 5,3%) e seguro/inócuo (18;
com esse termo passam por testes clínicos de sensibilização cutânea e 6,4%), e nenhuma informação estava presente em 30 (10%). Em al-
fotoalergia, que atestam a baixa incidência de reações adversas.4 gumas embalagens havia mais de um termo.

Recebido 13 Julho 2017.


Aprovado 30 Agosto 2017.
* Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Clínica de Dermatologia, Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
2
Acadêmica de medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Rosana Lazzarini
E-mail: rosana.fototerapia@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):463-5.


464 Lazzarini R, Hafner MFS, Rangel MG

Tabela 1: Alérgenos presentes em 236 produtos infantis Entre os produtos analisados, 236 (93%) apresentavam pelo
Alérgenos Número de Porcentagem (%) menos um alérgeno: 62 produtos com um alérgeno (24,4%), 51 com
produtos dois (20%), 26 com três (10,2%) e 97 com mais de quatro (38,3%).
Citronelal (F) 55 23,3 Dezessete produtos não apresentavam nenhuma das substâncias
Metilparabeno (P) 53 22,4 pesquisadas (7,1%).
Entre os 38 alérgenos pesquisados, 36 (94,%) estavam pre-
Propilparabeno (P)
52 22,0
sentes: 17 componentes de fragrâncias (47,5%), 13 conservantes
Cocamidopropilbetaína (S) 51 21,6
(36,1%), dois surfactantes e dois solventes (5,5% cada), um emulsifi-
Metilisotiazolinona (P) 50 21,2
cante e um veículo (2,7% cada). O cinamal e o iodopropinilbutilcar-
Fenoxietanol (F)
50 21,2 bamato não foram encontrados em nenhum produto. Uma publica-
Linalol (F) 49 20,7 ção de 2017 também mostra as fragrâncias como principal alérgeno
Metilclortiazolinona (P)
43 18,2 presente em produtos brasileiros.5
De todos os alérgenos encontrados, o mais prevalente foi o
Cumarina (F)
43 18,2
citronelol (55; 23,3%), utilizado em fragrâncias. Trata-se de um com-
Limoneno (F) 38 16,1
ponente dos óleos de rosa e de gerânio que faz parte da fragrância
Hexilcinamal (F)
38 16,1 mix II (hexilcinamal, cumarina, farnesol, liral, citral, citronelol) nos
Geraniol (F) 35 14,8 testes de contato. Embora não utilizado nos testes de contato no nos-
Propilenoglicol (P)
33 14,0 so meio, é um potencial alérgeno a ser pesquisado, considerando-se
Lanolina (V) 20 8,5 sua frequência entre os produtos aqui estudados. As fragrâncias es-
tão presentes em perfumes, cosméticos, medicamentos tópicos, pro-
Álcool cinâmico (F) 19 8,0
dutos de higiene pessoal e de limpeza e são causa comum de DAC.
Acetato de tocoferil (P) 17 7,2
Entretanto, de maneira geral, os rótulos dos produtos não as discri-
DMDM hidantoína (P) 13 5,5
minam, como exige a Resolução da Diretoria Colegiada n.º 16/2011,
Decilglucosídeo (S)
12 9,3 da ANVISA, o que facilitaria a orientação dos pacientes.
Amilcinamal (F) 10 4,2 Conservantes ou preservativos, entre eles os parabenos, são
Própolis (F)
9 3,8 utilizados em cosméticos e alimentos. Os ésteres mais comuns são
Hidroxicitronela (F) 8 3,4 metilparabeno, propilparabeno, etilparabeno e butilparabeno. A fre-
quência de DAC causada por esse grupo de conservantes é baixa em
Etilparabeno (P)
6 2,5
diferentes centros (de 0,3% a 3,5%), e alguns autores sugerem sua re-
Citral (F) 6 2,5
tirada das baterias básicas de testes de contato.6,7 Em nosso serviço,
Butilparabeno (P)
5 2,1 dados não publicados mostram 19/1340 (1,4%) de testes positivos
Extrato de camomila (F) 4 1,7 ao grupo dos parabenos no período entre 2011 e 2016, corroborando
Tocoferol/vitamina E (P)
3 1,2 as observações acima.
Álcool benzílico (F) 3 1,2 Metilisotiazolinona (MI) e metilclortiazolinona (MCI) foram
Farnesol (F) 3 1,2 encontradas em 21,2% e 18,2 % dos produtos, enquanto Harmann
et al. as encontraram em 10%.8 Esse fato é relevante e deve chamar
Liral (F)
3 1,2
atenção, uma vez que se trata de alérgenos causadores de derma-
Isoeugenol (F) 2 0,8
tites de contato graves, tanto em adultos como em crianças, cujas
Ciclo-hexano (So)
2 0,8 frequências de sensibilização aumentaram no mundo todo e em
Quaternium 15 (P) 1 0,4 nosso meio.9
Isobutilparabeno (P) 1 0,4 A cocamidopropilbetaína é um surfactante em sabonetes,
PEG 150 distearato (E) 1 0,4 xampus, espumas de banho e cremes dentais que torna a espuma
densa e suave e não causa ardor nos olhos do usuário. No nosso
Dipropilenoglicol (So)
1 0,4
estudo, esteve presente em 51 produtos (21,6%). Em trabalho publi-
Ácido benzoico (P) 1 0,4
cado em 2015 avaliando 187 produtos infantis, foi o alérgeno isolado
Cinamal (F)
0 0 mais prevalente. Em estudos sobre DAC na infância, está entre os 10
Iodopropinilbutilcarbamato 0 0 alérgenos mais importantes.8,10
P = preservativo; F = fragrância; S = surfactante; E = emulsificante;
V = veículo; So = solvente

An Bras Dermatol. 2018;93(3):463-5.


Avaliação da presença de alérgenos em produtos infantis vendidos no comércio de uma grande cidade 465

Os produtos para uso infantil são comumente rotulados Muitos dos alérgenos presentes nos produtos não constam
como hipoalergênicos e considerados seguros para uso por qual- das séries disponíveis em nosso meio, fato a ser reavaliado pelos
quer indivíduo. No entanto, como aqui demonstrado, esse fato não grupos que estudam o assunto.
se sustenta, uma vez que, entre os 254 produtos de higiene pessoal Assim, trata-se de um alerta para as autoridades e para os
estudados, 236 (93%) apresentaram pelo menos um alérgeno em sua médicos. As composições descritas nas embalagens devem ser ava-
composição. liadas antes do produto ser considerado seguro para determinados
indivíduos, principalmente portadores de DAC e dermatite atópica.
Nesses casos, a indicação dos produtos deve ser direcionada pelo
teste de contato. q

REFERÊNCIAS
1. de Waard-van der Spek FB, Andersen KE, Darsow U, Mortz CG, Orton D, Worm M, 5. Rocha VB, Machado CJ, Bittencourt FV. Presence of allergens in the vehicles of
et al. Allergic contact dermatitis in children: which factors are relevant? (review of Brazilian dermatological products. Contact Dermatitis. 2017;76:126-8.
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+N%C2%BA+44/623ee1f1-3f39-45f0-aabe-932342abfb3f. 2015;135:1070-1.
3. Murphy LA, White IR, Rastogi SC. Is hypoallergenic a credible term? Clin Exp 9. Scherrer MA, Rocha VB. Increasing trend of sensitization to MCI/MI. An Bras
Dermatol. 2004;29:325-7. Dermatol. 2014;89:527-8.
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2017]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br. 2016;27:293-302.

Rosana Lazzarini 0000-0002-4893-3593

Mariana de Figueiredo Silva Hafner 0000-0001-8322-3856

Mayara Gomes Rangel 0000-0002-7956-3425

Como citar este artigo: Lazzarini R, Hafner MFS, Rangel MG. Evaluation of the presence of allergens in children’s products available for sale
in a big city. An Bras Dermatol. 2018;93(3):457-9.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):463-5.


466
Comunicação
s
Perfil epidemiológico das reações hansênicas em centro de referência de
Campinas no período de 2010-2015*

Letícia Ambrosano1 Marcel Alex Soares dos Santos2


Elaine Cristina Faria Abrahão Machado2 Elisangela Samartin Pegas3,4,5

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187260

Resumo: Portadores de hanseníase podem apresentar reações hansênicas durante o curso da doença. Os dados sobre essas
reações não são conhecidos oficialmente no Brasil. Objetivamos descrever as características epidemiológicas de pacientes
portadores dessas reações, analisando as informações contidas em prontuários dos pacientes, em centro de referencia de
Campinas-SP, no período de 2010 a 2015.
Palavras-chave: Hanseníase; Hanseníase dimorfa; Hanseníase multibacilar; Hanseníase paucibacilar; Hanseníase tuberculoide;
Hanseníase virchowiana

Portadores de hanseníase podem apresentar intercorrências Por meio do sistema de informação oficial de hanseníase no
no curso da doença, sendo surpreendidos pelo surgimento de rea- Brasil, dados sobre as reações hansênicas não são conhecidos, uma
ções hansênicas, que representam fenômeno de hipersensibilidade vez que não são fenômenos infectocontagiosos e não são registra-
aguda diante dos antígenos do Mycobacterium leprae e decorrem de dos como hanseníase de acordo com as recomendações da OMS.1,7
processo imunológico acompanhado de aumento de citocinas pró- Dados sobre a frequência, gravidade e característica individual dos
-inflamatórias e imunocomplexos.1-10 pacientes só são conhecidos por publicações científicas.
Podem surgir antes ou, mais frequentemente, durante ou As reações hansênicas, muitas vezes, influenciam o retrata-
após o tratamento, sendo suas características influenciadas pela for- mento da hanseníase e são responsáveis por abandono de tratamen-
ma clínica da doença.3 to e pelas incapacidades físicas. Representam fenômenos imunoló-
As reações tipo 1 costumam ocorrer nos pacientes ainda gicos frequentemente pouco entendidos que refletem em quadro
reativos e, em geral, refletem melhora da defesa contra o M. leprae. clínico peculiar, exigindo a atenção do dermatologista.1-10
As lesões específicas tendem a aumentar em tamanho e número, Foi realizado estudo do tipo observacional-transversal que
assumindo caráter inflamatório e é usual o acometimento nervoso.4 tem como objetivo descrever as características epidemiológicas de
As reações tipo 2 são provocadas pela exacerbação com- pacientes portadores de reações hansênicas que foram notificados
pensatória da imunidade humoral nos pacientes virchowianos, nor- com hanseníase e atendidos em centro de referência no Município
malmente acompanhadas de danos sistêmicos.3,6 Surge quadro de de Campinas-SP. Para isso, foram analisadas informações contidas
eritema nodoso ou de eritema polimorfo, generalizado, em geral, nos prontuários dos pacientes notificados com hanseníase desse
precedido por poliartralgias e febre.3-6 centro de referência no período de 2010 a 2015 e que apresentaram
reação hansênica do tipo 1 e/ou 2 (n = 41).

Recebido 01 Maio 2017.


Aceito 25 Agosto 2017.
* Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro - Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas)
– Campinas (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
Ambulatório de Dermatologia, Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
2
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
3
Ambulatórios de Hanseníase da Residência de Dermatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
4
Ambulatório de Fototerapia da Residência de Dermatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.
5
Ambulatório de Doenças Bolhosas da Residência de Dermatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas (SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Letícia Ambrosano
E-mail: leambrosano@hotmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):466-8.


Perfil epidemiológico das reações hansênicas em centro de referência de Campinas no período de 2010-2015 467

Gráfico 1: Distribuição das reações hansênicas entre 2010 e 2015. Gráfico 2: Formas clínicas de hanseníase dos pacientes que apre-
A reação do tipo 1 foi mais prevalente. sentaram reação hansênica.
A maioria dos pacientes que apresentaram reação hansênica possui
a forma virchowiana

As variáveis analisadas foram: sexo, faixa etária, formas clí- estudado, dado que não era esperado, visto que pacientes com
nicas, classificação operacional, tipo de reação hansênica, época do hanseníase virchowiana evoluem mais comumente com reação do
seu surgimento em relação ao período de tratamento da hanseníase tipo 2 (Gráfico 2). Em estudo publicado por Kahawita, Stephen &
e forma de tratamento. A análise estatística foi realizada usando-se Lockwood, alguns dos fatores de risco para desenvolver reação do
frequências simples. O estudo foi feito de acordo com as normas tipo 1, que estão presentes nos nossos pacientes, são: índice bacilar
de ética previstas na Declaração de Helsinque e foi aprovado por positivo, idade de diagnóstico maior ou igual a 15 anos, presença de
comitê. déficit sensitivo ou motor e número de lesões maior do que cinco.10
Foram diagnosticados e notificados, no período considera- O tratamento com prednisona foi o mais utilizado, no en-
do, 91 casos de hanseníase no ambulatório de referência. Desses, 41 tanto, esses não são achados tranquilizadores, pois, apesar de menos
casos (45,05%) apresentaram algum tipo de reação hansênica. Quan- grave sistemicamente, a reação tipo 1 é acompanhada, muitas vezes,
to às reações, 22 casos (53,7%) ocorreram em homens, e 19 casos por neurite, que é responsável por danos e sequelas importantes.
(46,3%), em mulheres. A média da idade dos pacientes acometidos A presença maior de reação hansênica durante o tratamento
foi de 45,77 anos. Vinte e cinco pacientes (61%) apresentaram reação de hanseníase indica que há grande influência do comportamento
tipo 1, 11 pacientes (26,8%) apresentaram reação tipo 2, e cinco pa- imunológico do indivíduo e reforça a teoria de que o próprio trata-
cientes (12,2%) apresentaram as duas formas de reação em períodos mento pode ser um fator precipitante para o surgimento do quadro
distintos da evolução da doença (Gráfico 1). A maioria apresentava reacional.2-5,8 Em pacientes multibacilares, como os virchowianos,
a forma clínica virchowiana (23; 56,1%) (Gráfico 2). Quanto à época predominantes no estudo, a lenta eliminação dos bacilos mortos e,
do surgimento da doença, a maioria (32 casos, 78%) ocorreu duran- por consequência, a presença contínua de seus antígenos aumentam
te o tratamento da hanseníase. Para o tratamento da reação nesses o risco de reações hansênicas.2-5,8
pacientes, a droga de escolha foi a prednisona, isolada em 27 casos Tendo em vista que quase metade dos pacientes apresentou
(65,8%) ou associada à talidomida em oito casos (19,5%). episódio reacional, conclui-se que é de extrema importância a iden-
O diagnóstico e o manejo das reações hansênicas continuam tificação e o manejo precoce dos acometidos com esses quadros, pois
um desafio para o dermatologista, visto que, caso não sejam trata- podem evoluir com sequelas que interferem na qualidade de vida
dos precocemente, podem deixar sequelas para o paciente. do paciente, podendo, inclusive, levar à invalidez.
Em relação ao sexo dos pacientes, observamos que os homens A caracterização clínica dos pacientes reacionais contribui
foram mais acometidos, e a média de idade representa maior acome- positivamente nesse sentido, justificando a importância dos resulta-
timento da população economicamente ativa, compatível com estudos dos aqui apresentados, pois estudos sobre reação hansênica são es-
realizados no Brasil, o que pode causar grande impacto psicossocial cassos no Brasil. Nossos resultados foram semelhantes aos de outros
devido à maior atividade laborativa desse grupo (Gráfico 1).7,9 estudos relatados na literatura, demonstrando um perfil de reação
Apesar de maior número de pacientes com hanseníase hansênica semelhante nos estados do nosso País. q
virchowiana, a reação do tipo 1 foi a mais prevalente no período

An Bras Dermatol. 2018;93(3):466-8.


468 Ambrosano L, Santos MAS, Machado ECFA, Pegas ES

REFERÊNCIAS
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5. Cuevas J, Rodríguez-Peralto JL, Carrillo R, Contreras F. Contreras Erythema 2006;35:994-1000.
nodosum leprosum: reactional leprosy. Semin Cutan Med Surg. 2007;26:126-30. 10. Kahawita IP, Walker SL, Lockwood DNJ. Leprosy type 1 reactions and erythema
nodosum leprosum. An Bras Dermatol. 2008;83:75-82.

Letícia Ambrosano 0000-0002-1156-3533 Elaine Cristina Faria Abrahão Machado 0000-0003-1389-5977

Marcel Alex Soares dos Santos 0000-0002-5589-0931 Elisangela Samartin Pegas 0000-0002-9362-9814

Como citar este artigo: Ambrosano L, Santos MAS, Machado ECFA, Pegas ES. Epidemiological profile of leprosy reactions in a referral center
in Campinas (SP), Brazil, 2010-2015. An Bras Dermatol. 2018;93(3):460-1.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):466-8.


Comunicação 469
s
Susceptibilidade medicamentosa em infecções fúngicas emergentes:
testes com fluconazol, itraconazol e anfotericina B*

Vanessa da Silva Fay1 Diana Mara Garcia Rodrigues2


Stela Maris Bottin Gonçalves2 Tatiana Schaffer Gregianini2
Renan Rangel Bonamigo1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187364

Resumo: O número de casos novos de infecções fúngicas emergentes aumentou consideravelmente nos últimos anos,
principalmente em razão do grande número de indivíduos imunocomprometidos. O objetivo deste estudo foi avaliar a
susceptibilidade de fungos emergentes frente ao fluconazol, ao itraconazol e à anfotericina B pelo método de difusão em
disco. Em 2015, 82 fungos emergentes foram avaliados no IPB-Lacen/RS, e 13 (15,8%) cepas apresentaram resistência: 10/52
eram micoses superficiais, e 3/30, micoses sistêmicas. Os dados do estudo alertam para a necessidade de uma permanente
vigilância quanto à criteriosa avaliação na prescrição e no acompanhamento clínico e laboratorial dos pacientes afetados por
infecções fúngicas.
Palavras-chave: Antifúngicos; Micologia; Resistência a medicamentos

A resistência fúngica tem aumentado em muitas regiões ao tantes, como é observado em Paracoccidioides brasiliensis.4 As sus-
redor do mundo, e determinar o perfil de sensibilidade dos agentes pensões celulares foram preparadas em solução salina fisiológica
permite uma conduta terapêutica segura. Entre vários métodos dis- (NaCl a 0,85%) e ajustadas para 106 células/mL, o que corresponde
poníveis para avaliar a sensibilidade de microrganismos, o método à escala 0,5 de MacFarland. Uma alíquota do inóculo foi retirada
de difusão em disco (DD) é acessível e facilmente reprodutível.1,2 com a imersão de um swab estéril e semeada nas placas de Petri com
Realizamos estudo para avaliar a susceptibilidade de fungos emer- ágar Mueller-Hinton (Oxoid Hampshire, England) suplementado
gentes frente a determinados antifúngicos em amostras provenien- com 2% de glicose. Os discos contendo fluconazol (25µg), itracona-
tes do Laboratório de Micologia do Laboratório Central do Estado zol (10µg) e anfotericina B (100µg) foram aplicados à superfície de
do Rio Grande do Sul (Lacen-RS), após a aprovação pelo Comitê de ágar e incubados a 35 °C durante 24 horas a 48 horas. O controle de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde qualidade dos testes foi realizado com as estirpes Candida parapsilo-
de Porto Alegre e da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa sis ATCC 22019 e Candida albicans ATCC 14053.
em Saúde. Foram definidos como emergentes os fungos saprófitos Das 82 amostras de fungos emergentes testadas, 57 foram
com capacidade de ocasionar infecções. Tais doenças possuem reco- isoladas de pacientes do sexo feminino e 25 do sexo masculino,
nhecimento recente ou recorrente na literatura, com incidências em com média de idade de 43 anos. Nos casos com resistência aos anti-
crescimento e tendência a uma ampla distribuição geográfica. fúngicos testados, a média de idade foi de 69 anos. Observamos 10
A determinação da susceptibilidade antifúngica foi testada (19,2%) cepas fúngicas resistentes entre os isolados de 52 micoses
por DD para fluconazol, itraconazol e anfotericina B em isolados (de superficiais e três (10%) cepas resistentes entre os isolados de 30
2015) mantidos em ágar e ressemeados periodicamente.3 As amos- micoses profundas, totalizando 13 (15,8%) cepas resistentes das 82
tras foram coletadas de pacientes com sinais clínicos de micoses analisadas. O perfil de susceptibilidade de acordo com os agentes
emergentes e foram imediatamente cultivadas e analisadas para antifúngicos testados é apresentado na tabela 1, relacionado com
evitar a diminuição da virulência decorrente de semeaduras cons- o gênero e o status de infecção pelo HIV. Não houve diferenças sig-

Recebido 27 Junho 2017.


Aceito 20 Novembro 2017.
* Trabalho realizado no Instituto de Pesquisas Biológicas/Laboratório Central (IPB-Lacen), Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
(RS), Brasil.
Suporte financeiro: Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT).
Conflito de interesses: Nenhum.


1
Programa de Pós-Graduação em Patologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre (RS), Brasil.

2
Instituto de Pesquisas Biológicas/Laboratório Central (IPB-LACEN), Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), Brasil.

Endereço para correspondência:


Vanessa da Silva Fay
E-mail: nessabiosinos@yahoo.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):469-71.


470 Fay VS, Rodrigues DMG, Gonçalves SMB, Gregianini TS, Bonamigo RR

Tabela 1: Frequência de resistência aos antifúngicos: relação Tabela 2: Espécies emergentes e resistência (n = 82, Lacen/RS,
com micoses superficiais ou profundas, gênero e status de 2015)
infecção pelo HIV (IPB/Lacen-RS, 2015)
Espécies Antifúngico Resistência (n)
Fluconazol Itraconazol Anfotericina B
Candida albicans (n = 25) Anfotericina B 0
S§ (n) R§ (n) S (n) R (n) S (n) R (n)
Fluconazol 3
Micose 45 6 42 3 50 1
superficial* Itraconazol 2
Micose 24 3 22 0 30 0 Candida spp.* (n = 5) Anfotericina B 0
sistêmica** Fluconazol 1
Gênero 20 2 21 0 25 0 Itraconazol 0
masculino
Candida parapsilosis Anfotericina B 0
Gênero 49 7 43 3 55 1
(n = 18) Fluconazol 1
feminino
HIV – 66 8 60 3 76 1 Itraconazol 1
HIV + 31 1 4 0 4 0 Candida guillermondii Anfotericina B 0
(n = 2) Fluconazol 0
* Tegumento cutâneo, unhas
** Tegumento mucoso (exceto se isoladamente apenas em mucosa oral, geni- Itraconazol 0
tal, anal), líquor, fluido broncoalveolar, fluido pleural, escarro, sangue, fígado, Candida tropicalis (n = 2) Anfotericina B 0
linfonodo, osso. Fluconazol 1
§
R = resistente; S = sensível.
Itraconazol 0
Candida colliculosa Anfotericina B 0
(n = 1) Fluconazol 0
nificativas (utilizando o teste do qui quadrado e considerando p <
Itraconazol 0
0,05) entre essas relações. O fluconazol foi o antifúngico ao qual o
Candida famata (n = 1) Anfotericina B 1
maior número de cepas apresentou resistência (9/82). A resistência
encontrada em micose sistêmica foi de Cryptococcus neoformans ao Fluconazol 0
fluconazol. Os resultados completos da susceptibilidade das espé- Itraconazol 0
cies são apresentados na tabela 2. Candida lipolytica (n = 1) Anfotericina B 0
Demonstrou-se, neste estudo, que a susceptibilidade aos Fluconazol 0
antifúngicos testados não foi influenciada pelo sítio da lesão nem
Itraconazol 0
pela infecção pelo HIV, mas sim pela idade, os casos que apresen-
Candida kefyr (n = 1) Anfotericina B 0
taram resistência possuíam média etária maior. O maior número de
Fluconazol 0
casos de micose superficial ocorreu em mulheres, sugerindo maior
exposição e procura por atendimento clínico. C. albicans continua Itraconazol 0
como uma das principais causas de infecções invasivas, mas a inci- Cryptococcus neoformans Anfotericina B 0
dência de C. parapsilosis tem crescido significativamente.5 A resistên- (n = 26) Fluconazol 3
cia à anfotericina B foi a menor entre os fármacos testados e estava Itraconazol 0
justamente relacionada a uma espécie pouco citada na literatura, a * Não foi possível identificação em cinco casos.
Candida famata.6 Estudos sobre isolados de C. albicans de pacientes
com infecções recorrentes mostraram que a resistência ao fluconazol
ocorreu nas mesmas infecções em que as espécies anteriores eram estar relacionada às altas taxas de recorrências das candidíases e ao
susceptíveis. Esse fato confirma dados de outros trabalhos em que perfil de nossa instituição, que realiza vigilância epidemiológica no
as cepas mudaram ao longo da exposição ao doente, caracterizando estado do Rio Grande do Sul, trabalhando com a confirmação de
a resistência adquirida.7,8 Pasqualotto et al. advertiram para esse fe- casos de difícil manejo.
nômeno, particularmente quanto ao uso de fluconazol para o mane- O presente trabalho pretende alertar sobre a importância
jo de infecções por Candida glabrata. De acordo com esses autores, a da criteriosa avaliação no uso de antifúngicos na prática clínica. Os
profilaxia deve ser evitada em situações de menor risco de infecção testes para definir susceptibilidade fúngica às terapias são instru-
sistêmica. Em geral, para todas as espécies de Candida avaliadas em mentos importantes para o conhecimento das mudanças de com-
nosso estudo, as taxas de resistência encontradas foram maiores do portamento dos fungos emergentes e do perfil epidemiológico das
que aquelas encontradas por outros autores. Tal discordância pode infecções fúngicas. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):469-71.


Susceptibilidade medicamentosa em infecções fúngicas emergentes: testes com fluconazol, itraconazol e anfotericina B 471

REFERÊNCIAS
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4. Macoris SA, Sugizaki MF, Peraçoli MT, Bosco SM, Hebeler-Barbosa F, Simões 8. Pasqualotto AC, Zimerman RA, Alves SH, Aquino VR, Branco D, Wiltgen D,et
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Cruz. 2006;101:331-4. Epidemiol. 2008;29:898-9.

Vanessa da Silva Fay 0000-0002-0523-4565 Tatiana Schaffer Gregianini 0000-0002-9912-9060

Diana Mara Garcia Rodrigues 0000-0003-3150-8205 Renan Rangel Bonamigo 0000-0003-4792-8466

Stela Maris Bottin Gonçalves 0000-0001-5346-742X

Como citar este artigo: Fay VS, Rodrigues DMG, Gonçalves SMB, Gregianini TS, Bonamigo RR. Drug susceptibility in emerging fungal
infections: tests with fluconazole, itraconazole, and amphotericin B. An Bras Dermatol. 2018;93(3):462-4.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):469-71.


472 Cartas

Cartas / Investigação t ecológica no que diz respeito à sua adaptação ao meio ambiente, po-
dendo ser divididos em três grandes grupos em relação ao seu hab-
itat: geofílicos, zoofílicos e antropofílicos.1 Os fungos geofílicos têm
Tinha do couro cabeludo: correlação das
o Microsporum gypseum como representante, e os zoofílicos, o Mi-
apresentações clínicas aos agentes identificados
crosporum canis e o Trichophyton mentagrophytes var. mentagrophytes.2
em cultura micológica*
Consideram-se esses dois grupos fúngicos como “não adaptados
John Verrinder Veasey1 ao ser humano”. Já os “adaptados” estão no ápice da evolução da
Guilherme de Souza Cabral Muzy2 escala filogenética fúngica: são dermatófitos capazes de parasitar o
ser humano, conhecidos como fungos antropofílicos. São exemplos
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187435 desse grupo o Epidermophyton floccosum, o Trichophyton tonsurans, o
Trichophyton schoenleinii, o Trichophyton mentagrophytes var. interdigi-
talis e o Trichophyton rubrum.1,2
Prezado Editor, As manifestações clínicas da tinea capitis podem ser dividi-
A tinea capitis (tinha do couro cabeludo) é uma infecção fún- das entre tonsurantes e inflamatórias.1 As tonsurantes são represen-
gica da pele e dos pelos do couro cabeludo causada por fungos der- tadas por áreas de alopecia, geralmente circulares e com caráter pru-
matófitos. Esses fungos queratinofílicos apresentam uma predileção riginoso variável, onde os pelos estão fragmentados, resultando em

A1 B1 C1

D1 E1

A2 B2 C2 D2 E2
Figura 1: Formas clínicas da tinea capitis: tonsurante de padrão microspórico (A1 e A2); tonsurante de padrão tricofítico (B1 e B2); e kerion
Celsi (C1 e C2) — seta indicando enfartamento linfonodal reacional, característico dessa apresentação. Cultura fúngica dos principais agentes
isolados: Microsporum canis com macrocultivo apresentando colônia filamentosa branca em seu anverso e amarelo-viva no reverso (D1) e
microcultivo com hifas septadas hialinas e macroconídio fusiforme com mais de seis septações em seu interior (D2); Trichophyton tonsurans
com macrocultivo apresentando colônia pulverulenta, acastanhada e de aspecto cerebriforme (E1) e microcultivo com hifas septadas hialinas
e microconídios intercalados (E2)

Recebido 07 Julho 2017.


Aceito 30 Outubro 2017.
* Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
Setor de Dermatoses Infecciosas, Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
2
Clínica Muzy. São Paulo (SP), Brazil.

Endereço para correspondência:


John Verrinder Veasey
E-mail: johnveasey@uol.com.br

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 473

Tabela 1: Correlação entre a apresentação clínica e os agentes isolados em cultura de fungos


APRESENTAÇÃO CLÍNICA M. canis M. gypseum T. tonsurans T. mentagrophytes TOTAL
MICROSPÓRICA 19 0 9 0 28
TONSURANTE
TRICOFÍTICA 9 0 11 0 20
INFLAMATÓRIA KERION CELSI 2 1 6 1 9
TOTAL 30 1 26 1 57

um aspecto semelhante à tonsura — corte rente no ápice do couro menos intensa aos fungos não adaptados.5 Outro achado surpreen-
cabeludo que alguns monges apresentam. Podem ser subdivididas dente que pode corroborar esse raciocínio foi a taxa de 66% de casos
entre dois padrões: o padrão microspórico, em que as lesões clínicas de kerion Celsi relacionados ao T. tonsurans, fungo antropofílico que
estão em número diminuto, podem atingir grandes diâmetros e são raramente é isolado nessa apresentação.
classicamente relacionadas aos dermatófitos do gênero Microsporum O tratamento estatístico dos dados por um teste exato de
sp, e o padrão tricofítico, em que as lesões alopécicas são múltiplas Fisher mostrou independência dos agentes etiológicos em relação
e diminutas, muitas vezes de difícil identificação, e classicamente às formas clínicas para um nível de confiança de 0,95. Pode-se,
relacionadas aos agentes do gênero Trichophyton sp (Figura 1).1–3 portanto, concluir que a avaliação clínica das lesões mostra 95% de
A tinea capitis inflamatória pode ser subdividida em tinha confiança, um procedimento inválido para a inferência do agente
supurativa (ou kerion Celsi) e tinha fávica (ou favosa). No kerion Celsi, etiológico, o que justifica a indicação da cultura.
a apresentação clínica é de uma placa escamosa e intenso processo O tratamento da tinea capitis é mais bem definido conforme
inflamatório local, com edema, rubor e secreção purulenta, acarre- o agente etiológico isolado: terbinafina para fungos do gênero Tri-
tando alopecia muitas vezes cicatricial (Figura 1).1,2 Os agentes ge- chophyton sp e griseofulvina para os do gênero Microsporum sp,1,3
ralmente isolados nesses casos são dermatófitos não adaptados, ex- apesar de a griseofulvina poder ser indicada para casos de Tricho-
plicando a reação inflamatória intensa produzida pelo hospedeiro. A phyton sp, desde que seja prolongado o uso da medicação. Os acha-
tinha fávica se caracteriza por massas com aspecto de crosta amare- dos deste estudo mostram que a análise micológica com isolamento
lada (escútulas ou godet), côncavas e com um pelo central, apresen- do agente por cultura de fungos é ainda necessária, visto que os
tando odor de urina de rato. O agente etiológico mais relacionado a aspectos clínicos da tinea capitis podem não estar relacionados aos
essa apresentação é o T. schoenleinii.1,2 agentes esperados em grande parte dos casos.
Foi realizado um estudo retrospectivo em ambulatório de Os autores agradecem à Juliane Damasceno o apoio aos
micologia de serviço de dermatologia de São Paulo, analisando to- procedimentos estatísticos. q
dos os casos com suspeita de tinea capitis atendidos de janeiro de
2013 a junho de 2017 e correlacionando seus aspectos clínicos aos
agentes isolados em cultura de fungos. Foram atendidos 94 pacien-
tes nesse período, dos quais 37 foram excluídos por não ter sido
isolado agente em cultura, resultando em 57 casos analisados. Os REFERÊNCIAS
achados se encontram na tabela 1. 1. Veasey JV, Miguel BAF, Mayor SAS, Zaitz C, Muramatu LH, Serrano JA.
Epidemiological profile of tinea capitis in São Paulo City. An Bras Dermatol.
Os resultados são compatíveis com dados publicados em 2017;92:283-4.
outros artigos. O principal agente isolado na região geográfica deste 2. Zaitz C, Marques SA, Ruiz LRB, Framil VMS. Compêndio de Micologia Médica. 2.
estudo foi o M. canis (52,63%), seguido pelo T. tonsurans (45,61%), ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p.157-159.
3. Gupta AK, Drummond-Main C.. Meta-analysis of randomized, controlled trials
pelo M. gypseum e pelo T. mentagrophytes, com apenas um caso de comparing particular doses of griseofulvin and terbinafine for the treatment of
cada no período estudado (1,75% cada).3,4 A apresentação clínica tinea capitis. Pediatr Dermatol. 2013 Jan-Feb;30:1-6.
mais comum foi o padrão tonsurante microspórico, em 28 casos 4. Aly R. Ecology and epidemiology of dermatophyte infections. J Am Acad
Dermatol. 1994;31:S21-5.
(49,12%), seguido pelo padrão tonsurante tricofítico, em 20 casos 5. Kallel A, Hdider A, Fakhfakh N, Belhadj S, Belhadj-Salah N, Bada N, et al. Tinea
(35,08%), e pelo kerion Celsi, em nove casos (15,78%). Não foi obser- capitis: Main mycosis child. Epidemiological study on 10 years. J Mycol Med.
vado nenhum caso de tinha fávica nem foi isolado o T. schoenleinii, 2017;27:345-50.

confirmando ser uma apresentação rara em nosso meio.


Apesar de os fungos antropofílicos estarem classicamente
John Verrinder Veasey 0000-0002-4256-5734
relacionados ao padrão tricofítico e os não adaptados ao padrão mi-
crospórico e ao kerion Celsi,4 foi observada neste estudo uma taxa Guilherme de Souza Cabral Muzy 0000-0002-7302-4113

de 45% de casos de padrão tricofítico pelo M. canis, além de 32,14%


de casos com padrão microspórico causados pelo T. tonsurans. Esses
dados podem ser interpretados com base na resposta imunológica
que cada paciente apresenta ao parasitismo fúngico, alguns com res- Como citar este artigo: Veasey JV, Muzy GSC. Tinea capitis: correlation
of clinical presentations to agents identified in mycological culture. An
posta intensa mesmo a fungos antropofílicos e outros com resposta
Bras Dermatol. 2018;93(3):465-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


474 Cartas

t Fez uso de azatioprina (150mg/dia), hidroxicloroquina


Rituximabe no tratamento do lúpus eritematoso (400mg/dia), talidomida (100mg/dia), dapsona (100mg/dia), pred-
subagudo extenso e refratário* nisona (0,5mg/kg/dia a 1mg/kg/dia) e pulsoterapia mensal com me-
tilprednisolona (21 ciclos), sem atingir controle completo da doença.
Mariana Álvares Penha1 Foi introduzido, como tentativa de tratamento, o RTX
Ricardo da Silva Libório1 (375mg/m²) semanal por quatro semanas como dose de ataque,
Hélio Amante Miot1
seguindo-se uma dose de manutenção a cada seis meses. Em cada
dose, também foi administrada metilprednisolona (100mg, intra-
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187561 venosa). A paciente apresentou melhora significativa com controle
completo e sustentado um mês depois da primeira dose, e o escore
Caro Editor, de gravidade do lúpus (SLEDAI) foi reduzido de 18 para 4.
Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é doença autoimune Foram mantidas a hidroxicloroquina, talidomida e dapso-
com múltiplas manifestações clínicas renais, hematológicas, neu- na. A prednisona oral foi gradualmente reduzida. Não houve recidi-
rológicas, cutâneas, entre outras. Entre as manifestações cutâneas vas da doença durante o seguimento de 12 meses (Figura 2).
clássicas, presentes em 80% dos casos de LES, estão o lúpus agu- O RTX é um anticorpo monoclonal anti-CD20 aprovado
do (LEA), lúpus subagudo (LESA) e lúpus crônico, que é composto para linfomas de células B e artrite reumatoide. Alguns estudos
pelo lúpus discoide (LECD) e pela paniculite lúpica. mostram resultados favoráveis em doenças autoimunes dermato-
Fotoproteção, antimaláricos, dapsona, talidomida e corti- lógicas, como pênfigo vulgar, pênfigo foliáceo, algumas vasculites e
costeroides são tratamentos de escolha para o lúpus eritematoso- LEC — especialmente o LESA. É uma droga imunossupressora que
cutâneo (LEC). Também são empregados imunossupressores como tem como vantagem diminuir o uso crônico do corticosteroide oral
azatioprina, metotrexato e ciclosporina para o controle da doença. e seus efeitos adversos.2
Entretanto, alguns casos são refratários a esses esquemas. O anti- Até o momento, há apenas oito relatos de pacientes com
corpo monoclonal anti-CD20, rituximabe (RTX), foi usado como LESA refratário que utilizaram RTX (Tabela 1).2–5 Após análise dos
opção terapêutica em casos refratários e mostrou bons resultados, estudos, constatou-se que os quadros de LESA selecionados para o
com controle adequado, principalmente dos quadros de LESA e das uso da nova terapêutica eram complexos e de difícil controle, pois
formas graves (extracutâneas) do LES.1 os pacientes já haviam utilizado diversas medicações sem melhora
A apresentação deste caso tem como objetivo demonstrar o
tratamento bem-sucedido com RTX do LESA refratário a terapêuti-
cas convencionais, além de revisar a literatura dos casos de LESA
tratados com RTX.
Paciente do sexo feminino, de 31 anos, parda, do lar, hi-
pertensa e tabagista, era acompanhada pela dermatologia desde
2002 por LES, com os seguintes critérios: LESA, fotossensibilidade,
linfopenia (456/ml), FAN (1/640; homogêneo) e outras alterações
imunológicas (anti-Sm, anti-RNP, anti-Ro). Não havia elementos de
comprometimento renal, neurológico ou pulmonar.
Ao exame dermatológico, apresentava placas eritêmato- A
-violáceas, anulares, exulceradas e descamativas, concentradas nas
áreas fotoexpostas, além do acometimento mucoso (labial) por pla-
cas exulceradas (Figura 1).

Recebido 12 Junho 2017.


Aceito 17 Setembro 2017.
* Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia,
Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
(FMB-Unesp), Botucatu (SP), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
D
 epartamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina
de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu
(SP), Brasil.

Endereço para correspondência:


Hélio Amante Miot
E-mail: heliomiot@gmail.com B
©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia Figura 1: Placas eritematosas, anulares, exulceradas e
descamativas nas áreas fotoexpostas (pré-rituximabe)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 475

Tabela 1: Resumo dos casos de lúpus eritematoso subagudo tratados com rituximabe e publicados na literatura
Sexo\ Esquema de tratamento Resposta Dose de manutenção Recidiva Tratamento anterior
idade terapêutica
2 x 1g de RTX + 100mg de metilprednisolo- Pouca Não relatada Ausente HCQ, PDN, MTX, MMF
F/402 na EV (dose a cada duas semanas) + 750mg
de ciclosporina após a primeira infusão
2 x 1 g de RTX + 100mg de metilprednisolo- Completa Não relatada Ausente PDN, AZA, MTX
F/742 na EV (dose a cada duas semanas) + 750mg
de ciclosporina após a primeira infusão
F/652 2 x 1g de RTX + 100mg de metilprednisolo- Completa Não relatada Ausente PDN, MMF
na EV (dose a cada duas semanas) + 750mg
de ciclosporina após a primeira infusão
M/443 2 x 1g de RTX (dose semanal) Completa Não realizada Ausente PDN, MMF, HCQ, AZA
F/484 4 x 375mg/m² de RTX Completa Uma dose a cada oito 11 meses HCQ, PDN, MTX,
(dose semanal) semanas por dois anos depois dapsona, AZA
da
primeira
dose
F/545 4 x 375mg/m² de RTX Completa 2 x 1g a cada 15 dias; Ausente HCQ, PDN, MMF,
(dose semanal) anual talidomida, IGIV,
etanercepte
F/375 4 x 375mg/m² de RTX Completa 2 x 1g a cada 15 dias; Ausente HCQ, PDN, AZA
(dose semanal) anual
F/285 4 x 375mg/m² de RTX Parcial Não relatada Ausente HCQ, PDN
(dose semanal)
RTX: rituximabe; PDN: prednisona; AZA: azatioprina; MMF: micofenolato mofetil; HCQ: hidroxicloroquina; MTX: metotrexato; IGIV: imunoglobulina intravenosa;
F: feminino; M: masculino

ou controle da doença — como também foi verificado no caso des-


crito. Houve uma boa resposta ao RTX, com mínimos efeitos adver-
sos, com exceção de um caso com resposta insatisfatória.
A dose variou de 1g semanal, administrada duas vezes, a
375 mg/m² semanais por quatro semanas. A administração de no-
vas doses de manutenção também foi variável e, quando realizada,
ocorreu num período de dois meses a um ano. No caso apresen-
tado, foi administrada uma dose semelhante à de um estudo aus-
traliano (375mg/m² semanais por quatro semanas); porém, como
houve melhora expressiva do quadro sem recorrência de lesões, A
optou-se pela dose de manutenção a cada seis meses.4
Nesta paciente, a melhora clínica ocorreu no primeiro mês
após a administração da primeira dose do RTX, de forma semelhante
à maioria dos casos da literatura. Isso permitiu a gradual redução da
prednisona oral, diminuindo seus efeitos colaterais pelo uso crônico.
Alguns relatos também evidenciaram recidivas da doença, que tive-
ram bom controle após a instituição da dose de manutenção.
Apesar dos ótimos resultados com o LESA, o uso do RTX
em outras formas de LEC não mostrou bons resultados para mani-
festações cutâneas características da forma crônica, como o LECD,
o que evidencia a indicação do RTX para manifestações lúpicas ca-
racterizadas pela resposta Th2, como serosites, vasculites, nefrites,
LEA e LESA, que são mediadas pelos linfócitos B (CD20+).
Mais estudos são necessários para que a prática do uso do
RTX no LESA seja categorizada como opção terapêutica, embora
os resultados independentes a indiquem como promissora no tra-
tamento do LESA de difícil manejo. Enquanto isso, em razão do
B
pequeno número de relatos, ainda não há dose nem frequência de
aplicação devidamente estabelecidas, tampouco descrição da tole- Figura 2: Hipercromia pós-inflamatória após sete
meses de tratamento com rituximabe (ausência de
rabilidade, dos efeitos adversos e da remissão de longo prazo. q
lesões ativas)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


476 Cartas

REFERÊNCIAS diagnosticada com lúpus eritematoso cutâneo crônico, após resul-


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B-cell depletion therapy on skin manifestations of lupus erythematosus--report of perda ponderal, fadiga e artrite nas articulações metacarpofalangia-
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refractory skin manifestations of systemic lupus erythematosus with rituximab: Foi iniciado hidroxicloroquina 5mg/kg/dia (400mg/dia). Após
report of a case. Dermatology. 2008;216:257-9. três anos do uso regular da medicação, queixou-se de zumbido e
4. Kieu V, O’Brien T, Yap LM, Baker C, Foley P, Mason G, et al. Refractory subacute de diminuição da audição bilateralmente. A audiometria tonal li-
cutaneous lupus erythematosus successfully treated with rituximab. Australas J
Dermatol. 2009;50:202-6 miar mostrou perda auditiva neurossensorial moderada no ouvido
5. Cieza-Díaz DE, Avilés-Izquierdo JA, Ceballos-Rodríguez C, Suárez-Fernández R. esquerdo e leve a moderada no ouvido direito. As alterações encon-
Refractory subacute cutaneous lupus erythematosus treated with rituximab. Actas tradas na audiometria são sugestivas de toxicidade pela hidroxiclo-
Dermosifiliogr. 2012;103:555-7.
roquina. Os anticorpos antifosfolípides foram negativos, auxiliando
na exclusão da disacusia neurossensorial pelo lúpus eritematoso.
Mariana Álvares Penha 0000-0001-6069-8015
Foi suspensa a medicação da paciente, e, após quatro meses, ainda
Ricardo da Silva Libório 0000-0003-4700-3973
apresenta zumbido e disacusia. Segue em acompanhamento clínico.
Hélio Amante Miot 0000-0002-2596-9294 A hidroxicloroquina é um fármaco relativamente seguro,
não sendo frequente os efeitos adversos, exceto a retinopatia asso-
Como citar este artigo: Penha MA, Liborio RS, Miot HA. Rituximab in
ciada ao seu uso em doses elevadas.1 Define-se por ototoxicidade
the treatment of extensive and refractory subacute lupus erythematosus.
An Bras Dermatol. 2018;93(3):467-9. medicamentosa uma perturbação transitória ou definitiva da fun-
ção auditiva e/ou vestibular, induzida por substâncias de uso te-
rapêutico.2 Uma variedade de fármacos tem o potencial de causar
t toxicidade vestibulococlear, e, embora a atividade antimalárica da
Ototoxicidade pela hidroxicloroquina em paciente hidroxicloroquina seja a mesma do fosfato de cloroquina, seu po-
com lúpus eritematoso sistêmico* tencial tóxico é significativamente menor.2,3 Os seus derivados, clo-
roquina e hidroxicloroquina, são amplamente usados em doenças
Mariana Rita de Novaes Fernandes1 do tecido conjuntivo. Os efeitos adversos, como hiperpigmentação
Débora Bergami Rosa Soares1
cutânea e retinopatia, são conhecidos e normalmente monitorizados
Chan I Thien1
Sueli Carneiro1,2,3,4 nos pacientes que os utilizam.1,2
A ototoxicidade induzida por quinina manifesta-se por dis-
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187615 função auditiva e vestibular, porém, seu mecanismo exato ainda não
é bem estabelecido. O medicamento é absorvido pelo trato gastrin-
Caro Editor, testinal, e a maior parte dele é depositada nos tecidos, sendo apenas
Relata-se o caso de paciente feminina, 51 anos, que apresen- uma parcela mínima excretada.2 A cloroquina acumula-se e perma-
tou quadro de alopecia e placas eritematosas e atróficas com regiões nece fixada seletivamente nos melanóticos, e altos níveis da droga
de hipocromia na face e no couro cabeludo em 2006. Na ocasião, foi estão presentes nas estrias vasculares, pigmento retiniano, pele,
folículo piloso e glândulas endócrinas.1 A ototoxicidade está relacio-
Recebido 04 Setembro 2017.
Aceito 29 Novembro 2017. nada com a destruição das células ciliadas sensoriais da cóclea em
* Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, vários graus, diminuindo a população neuronal, alterando as estru-
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ), Rio de Janeiro
turas de suporte, atrofiando as estrias vasculares, podendo resultar
(RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum. em isquemia.1 A melanina está presente no ouvido interno nas áreas
Conflito de Interesses: Nenhum. ricamente vascularizadas, e, dessa forma, os vasos sanguíneos estão
geralmente circundados por melanócitos. Nesse contexto, acredita-
1
S  erviço de Dermatologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ), Rio de Janeiro -se que o acúmulo de cloroquina seria responsável por uma injúria
(RJ), Brasil. vascular e mudanças degenerativas no plano semilunatum e na es-
2 Departamento de Especialidades Médicas, Faculdade de Ciências
tria vascular. Essas alterações dos tecidos epiteliais podem resultar
Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ), Rio
de Janeiro (RJ), Brasil. em uma mudança na composição da endolinfa, gerando lesão dos
3 Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Clementino Fraga receptores celulares.2 O acúmulo e a retenção em longo prazo dos
Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de
antimaláricos nos melanócitos do ouvido interno poderiam expli-
Janeiro (RJ), Brasil.
4 Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário Clementino Fraga car a instalação tardia das lesões e a relação com doses cumulativas
Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de elevadas.2
Janeiro (RJ), Brasil.
Os principais sintomas associados ao uso de antimaláricos
Endereço para correspondência: são zumbido, perda auditiva neurossensorial e vertigens. A perda
Mariana Rita de Novaes Fernandes auditiva normalmente é considerada irreversível, com relato de al-
E-mail: mari.ritafernandes@gmail.com
gumas exceções.2 Seçkin1 relata um caso de ototoxicidade com HCQ

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 477

em paciente com artrite reumatoide que desenvolveu disacusia neu- Cartas / Caso Clínico t
rossensorial leve bilateral e zumbidos. Após interrupção do trata-
mento, apresentou melhora dos zumbidos e do audiograma.
Eritema pigmentar fixo relacionado à nimesulida:
Diante da suspeita clínica, o diagnóstico pode ser feito por
caso exuberante confirmado com teste de contato*
meio da audiometria de resposta evocada pelo cérebro (BERA).2,4
Nesses casos, a perda auditiva deve ser diferenciada da disacusia do
lúpus, caracterizada por hipoacusia neurossensorial súbita ou rapi- Lidiane Pereira Marques1
damente progressiva, podendo haver resposta reduzida nos exames Ana Luiza Castro Fernandes Villarinho2
audiométricos. Provas inflamatórias e presença de anticorpos auxi- Maria das Graças Mota Melo2
liam nessa diferenciação.5 Marília Gabriela Senra Torre3
Existem relatos na literatura de melhora parcial após tera-
pia precoce com esteroides e vasodilatadores.3,4 Os medicamentos DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187338
utilizados têm efeitos anti-inflamatórios e poderiam controlar a rea-
ção de hipersensibilidade dos vasos aos antimaláricos, restaurando
o suprimento sanguíneo para o ouvido interno.3,4 Dessa forma, de- Caro Editor,
ve-se ficar atento a qualquer sinal ou sintoma relacionado a altera- As farmacodermias são um problema crescente da atualida-
ções auditivas nos pacientes em uso dessas medicações, para que o de, cujo diagnóstico, muitas vezes, é dificultado pela multiplicidade
diagnóstico seja precoce o suficiente para conseguir a reversão do de drogas existentes, interações farmacológicas diversas e mimetis-
quadro. mos clínicos com outras dermatoses. Relata-se o caso de uma pa-
Embora rara, a ototoxicidade pela HCQ é uma complicação ciente do sexo feminino, de 23 anos, que há três anos apresentava
grave que causa prejuízo às atividades funcionais e à qualidade de quadro de disúria, sangramento vulvar e ulcerações orais dolorosas,
vida dos pacientes, podendo ocorrer após períodos relativamente com resolução espontânea em torno de 10 dias (Figura 1). Os epi-
curtos de uso e em doses baixas. Com este estudo, objetiva-se alertar sódios ocorriam a intervalos irregulares e os sintomas tornavam-se
o potencial ototóxico dos antimaláricos e sugerir que os pacientes mais exuberantes a cada recidiva do quadro, passando a observar-
sejam instruídos cuidadosamente sobre essa complicação ao inicia- -se hiperemia conjuntival e edema palpebral. Foram consideradas
rem o tratamento. Sugere-se, também, avaliação audiológica perió- as hipóteses de lúpus eritematoso sistêmico e doença de Behçet, com
dica dos pacientes em uso regular e prolongado de antimaláricos apresentações incompletas. Os exames laboratoriais, incluindo so-
para que eventuais alterações ototóxicas sejam precocemente detec- rologias virais, FAN, VHS e ANCA foram normais, e a pesquisa de
tadas, evitando-se, assim, possíveis danos irreversíveis. q patergia foi negativa.
Apesar da indefinição diagnóstica, com o agravamento dos
sintomas, optou-se pelo início de prednisona 0,5mg/kg/dia e aza-
REFERÊNCIAS tioprina 150mg/dia, com controle clínico parcial. Evoluiu, mesmo
1. Seçkin U, Ozoran K, Ikinciogullari A, Borman P, Bostan EE. Hydroxychloroquine em uso de imunossupressores, com o surgimento de máculas eri-
ototoxicity in a patient with rheumatoid arthritis. Rheumatol Int. 2000;19:203-4.
2. Figueiredo MC, Atherino CCCT, Monteiro CV, Levy RA. Antimaláricos e tematosas nos membros inferiores que regrediam em algumas ho-
Ototoxicidade. Rev Bras Reumatol. 2004;44:212-4. ras. Estas lesões, nas recorrências, passaram a acometer o tronco e
3. Jourde-Chiche N, Mancini J, Dagher N, Taugourdeau S, Thomas G, Brunet C, se tornaram cada vez mais numerosas, pruriginosas, de coloração
et al. Antimalarial ototoxicity: an underdiagnosed complication? A study of
spontaneous reports to the French Pharmacovigilance Network. Ann Rheum Dis. eritematosa e violácea, deixando pigmentação residual (Figura 2).
2012;71:1586. Neste momento, foi aventada a hipótese de eritema pigmentar fixo
4. Bortoli R, Santiago M. Chloroquine ototoxicity. Clin Rheumatol. 2007;26:1809-10.
5. Cecatto SB, Garcia RID, Costa KS, Anti SMA, Longone E, Rapoport PB.
Sensorineural hearing loss in systemic lupus erythematosus: report of three Recebido 07 Julho 2017.
cases. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70:398-403. Aceito 26 Novembro 2017.
* Trabalho realizado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

1
S  etor de Dermatologia, Hospital de Força Aérea do Galeão, Rio de
Mariana Rita de Novaes Fernandes 0000-0003-1359-7187 Janeiro (RJ), Brasil.
Débora Bergami Rosa Soares 0000-0001-7425-9128
2
Setor de Dermatologia Ocupacional, Centro de Estudos de Saúde do
Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de Saúde Pública,
Chan I Thien 0000-0002-3188-959x Fundação Oswaldo Cruz (Cesteh-Ensp- Fiocruz), Rio de Janeiro (RJ),
Brasil.
Sueli Carneiro 0000-0001-7515-2365 3
Setor de Emergência, Hospital Copa D´Or, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Endereço para correspondência:


Lidiane Pereira Marques
E-mail: lidmarques2@yahoo.com.br
Como citar este artigo: Fernandes MRN, Soares DBR, Chan IT, Carneiro
S. Hydroxychloroquine ototoxicity in a patient with systemic lupus ©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia
erythematosus. An Bras Dermatol. 2018;93(3):474-5.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


478 Cartas

com acometimento cutâneo e mucoso. A paciente relatava o uso oca-


sional de nimesulida por quadro suspeito de virose de vias aéreas
superiores.
A biópsia de pele no local da lesão cutânea pigmentada evi-
denciou hipergranulose, necrose dos queratinócitos, dos acrossirín-
geos adjacentes à porção luminal e dos queratinócitos infundibula-
res imediatamente adjacentes aos canais foliculares, além de escasso
infiltrado linfocitário, com raros eosinófilos e numerosos melanó-
fagos dispostos ao redor dos vasos superficiais na derme papilar,
compatíveis com a hipótese de farmacodermia.
Após a interrupção do anti-inflamatório, apresentou impor-
tante melhora clínica, permitindo a suspensão do corticoide e da
azatioprina. A fim de confirmar o diagnóstico, após cinco meses sem
o uso de imunossupressores, a paciente foi submetida ao teste de
contato com a bateria padrão e de cosmético brasileira, além da ni- Figura 3: Teste de contato com nimesulida: reação positiva (+++)
mesulida a 1%, 5% e 10% em petrolatum. Uma vez que a nimesulida com nimesulida 5% e lesão residual. No detalhe, reação positiva
(+++) com nimesulida 10%
não está disponível para teste de contato no país, realizou-se a ma-
nipulação da droga. Tanto as concentrações da medicação quanto o
veículo foram obtidos na literatura especializada.1 O anti-inflamató-
rio foi aplicado na pele do dorso e em lesões residuais nos membros cobalto (+++) e sulfato de níquel (++), considerados sem relevância
inferiores. O teste com a bateria padrão foi positivo para o cloreto de clínica. Já o teste com a nimesulida foi positivo (+++) somente nas
lesões residuais, nas concentrações de 5% e 10% (Figura 3).
O diagnóstico do eritema pigmentar fixo depende de histó-
ria clínica minuciosa que permita a correlação temporal do quadro
com o uso da droga. O exame anatomopatológico não é específico.
Apesar de o teste de reexposição oral ser considerado padrão-ouro
para o diagnóstico, os efeitos deletérios de uma reexposição podem
ser evitados com a realização do teste de contato.1-3 Este exame tem
efetividade variável, porém apresenta bons resultados nos casos in-
duzidos por anti-inflamatórios não esteroides (AINEs).1,2
Considerando-se a provável fisiopatogenia do eritema pig-
mentar fixo, cuja hipótese mais aceita é a persistência de células T de
memória na pele acometida, a efetividade do teste de contato pode
Figura 1: ser melhorada com a aplicação do fármaco suspeito, devidamen-
Bolhas e ulcera- te diluído, em lesões residuais.1,2 São possíveis causas de resultado
ções na língua e falso-negativo nestas lesões a reduzida penetração da droga através
lábio
do extrato córneo ou a incapacidade da forma original da droga em
ativar o sistema imune, necessitando transformação sistêmica em
metabólitos imunologicamente ativos.1
Os efeitos colaterais cutâneos mais comuns da nimesulida
são prurido e exantema, havendo poucos relatos de eritema pig-
mentar fixo associado a esta medicação, especialmente se considera-
do o acometimento mucoso.4,5 A intervenção mais eficaz no eritema
pigmentar fixo é a interrupção do medicamento suspeito. A nimesu-
lida pode apresentar reação cruzada com derivados da sulfa e, mais
raramente, com outros inibidores da enzima COX-2, que devem ser
evitados ou ter seu uso precedido por prova terapêutica.4
Neste caso, é ressaltada a dificuldade diagnóstica pelo
exuberante acometimento inicial apenas das mucosas. É relevante,
ainda, a manutenção dos sintomas, independentemente do uso de
imunossupressor, enquanto se manteve a exposição intermitente ao
AINE. Destaca-se a positividade do teste de contato apenas nas le-
sões residuais e nas concentrações mais elevadas da droga, indican-
Figura 2: Lesões ovaladas com centro violáceo e halo eritematoso do serem as localizações e concentrações adequadas para o teste de
no membro inferior. No detalhe, lesões violáceas residuais na face
contato com este medicamento. q

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 479

REFERÊNCIAS
1. Andrade P, Brinca A, Gonçalo M. Patch testing in fixed drug eruptions-a 20-year
review. Contact Dermatitis. 2011;65:195-201.
2. Sousa AS, Cardoso JC, Gouveia MP, Gameiro AR, Teixeira VB, Gonçalo M.
Fixed drug eruption by etoricoxib confirmed by patch test. An Bras Dermatol.
2016;91:652-4.
3. Rallis E, Stavropoulou E, Paraskevopoulos I. Nimesulide-induced, multifocal,
urticarial fixed drug eruption confirmed by oral provocation test. Indian J Dermatol
Venereol Leprol. 2008;74:403-4.
4. Sarkar R, Kaur C, Kanwar AJ. Extensive fixed drug eruption to nimesulide with
cross-sensitivity to sulfonamides in a child. Pediatr Dermatol. 2002;19:553-4.
5. Kumaran S, Sandhu K, Saikia UN, Handa S. Nimesulide induced bullous fixed drug
eruption of the labial mucosa. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2004;70:44-5.

Lidiane Pereira Marques 0000-0002-5308-6261


Ana Luiza Castro Fernandes
0000-0002-4049-6114
Villarinho
Maria das Graças Mota Melo 0000-0003-2874-6771
Figura 1: Lesão papulosa e violácea na coxa esquerda
Marília Gabriela Senra Torre 0000-0001-5151-3736

How to cite this article: Marques LP, Villarinho ALCF, Melo MGM,
Torre MGS. Fixed drug eruption to nimesulide: an exuberant presentation
confirmed by patch testing. An Bras Dermatol. 2017;93(3):470-2.

t
Tumor glômico extradigital simulando doença
osteomuscular*

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187559
Figura 2: Exame dermatoscópico com luz polarizada sem contato
evidenciando lesão violácea, homogênea, sem estruturas ou padrões
Bruno de Castro e Souza1
Maria Cláudia Alves Luce1
José Alexandre de Souza Sittart1
Neusa Yuriko Sakai Valente1 que no joelho direito, de forte intensidade, em surtos, que piorava ao
movimento ou ao mínimo toque, inclusive ao simples contato com
Caro Editor, as vestimentas. Negava piora com o frio. Havia procurado vários
Apresentamos um caso clínico de tumor glômico localizado ortopedistas com tal queixa e realizado diversos exames de imagem,
no terço inferior da coxa direita de um paciente que apresentou, por entre eles cinco ressonâncias nucleares magnéticas (RNMs) e três ul-
muitos anos, quadro de dor na região do joelho. A investigação de trassonografias (USGs) do joelho e do terço inferior da coxa direita.
doenças osteomusculares não obteve sucesso. Em uma única USG foi descrito um pequeno nódulo subcutâneo na
Homem de 50 anos de idade veio à consulta dermatológica coxa esquerda, porém tal achado não foi valorizado pelos avalia-
referindo que por cerca de quatro anos e meio sofria de dor tipo cho- dores de então. O tumor não foi descrito no laudo de nenhuma das
RNMs. Diante da indefinição diagnóstica, ainda foi realizada eletro-
neuromiografia, a qual não mostrou nenhuma alteração.
Recebido 21 Agosto 2017. Ao exame osteomuscular, não apresentava edema, calor ou
Aceito 13 Outubro 2017. crepitação no joelho. O exame dermatológico demonstrou lesão pa-
* Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São
Paulo, São Paulo (SP), Brasil. pulosa, de cor violácea, medindo 4 mm, próximo ao côndilo lateral
Suporte financeiro: Nenhum. do fêmur, que ao mínimo contato desencadeava dor lancinante (Fi-
Conflito de interesses: Nenhum.
gura 1). Ao exame dermatoscópico com luz polarizada sem contato,
1
D
 epartamento de Dermatologia, Hospital do Servidor Público do foi evidenciada lesão violácea, homogênea, sem estruturas ou pa-
Estado de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
drões (Figura 2). Em razão da clínica e da sintomatologia peculiar,
Endereço para correspondência: fizemos a hipótese diagnóstica de tumor glômico extradigital, e foi
Bruno de Castro e Souza então realizada a exérese cirúrgica.
E-mail: brunocastro1990@hotmail.com
O exame anatomopatológico revelou proliferação de vasos
©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia sanguíneos, circundados por células pequenas, uniformes, com nú-

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


480 Cartas

O diagnóstico é sugerido pelo quadro clínico, uma vez que o


exame dermatoscópico é inespecífico. Os achados descritos incluem
estrutura branca homogênea com telangiectasias periféricas ou
áreas violáceas sem estrutura, como mostrou nosso caso.5 Exames
de imagem também auxiliam no diagnóstico, sendo a RNM o mais
sensível (82% a 90%), detectando lesões com diâmetro menor que
2 mm.2,3 Supomos que, em nosso paciente, a lesão não tenha sido
detectada nas RNMs porque, como a queixa era de dor na região
articular, os radiologistas também não a reconheceram. O exame
anatomopatológico confirma o diagnóstico, evidenciando tumor en-
volto por cápsula fibrosa, com espaços vasculares circundados por
células glômicas (citoplasma eosinofílico e núcleo oval ou cuboide).1
Depois da exérese cirúrgica, há regressão total dos sintomas
e baixas taxas de recidiva.2
A B Alertamos sobre o fato de que tumores dolorosos da pele
Figura 3: A - Neoplasia encapsulada localizada na hipoderme e do tecido subcutâneo podem simular quadros osteomusculares,
(Hematoxilina & eosina, 20x). B - Neoplasia benigna constituída
principalmente quando a localização é justarticular. q
por células cuboides e uniformes ao redor de vasos (Hematoxilina
& eosina, 200x)

REFERÊNCIAS
1. Clark ML, O’Hara C, Dobson PJ, Smith AL. Glomus tumor and knee pain: A report
of four cases. Knee. 2009;16:231-4.
cleos redondos ou ovais (células glômicas), achados típicos de tu- 2. Chou T, Pan SC, Shieh SJ, Lee JW, Chiu HY, Ho CL.. Glomus Tumor - Twenty-Year
mor glômico (Figura 3). As margens de ressecção estavam livres. O Experience and Literature Review. Ann Plast Surg. 2016;76:S35-40.
paciente retornou dois meses depois totalmente assintomático. 3. Schiefer TK, Parker WL, Anakwenze OA, Amadio PC, Inwards CY, Spinner RJ.
Extragenital glomus tumors: A 20-Year Experience. Mayo Clin Proc. 2006;81:1337-
O tumor glômico é considerado uma neoplasia benigna, 44.
rara, que corresponde a aproximadamente 1,6% dos tumores em 4. Drosos GI, Ververidis A, Giatromanolaki A. Glomus tumor as a rare cause of
tecidos moles localizados nas extremidades.1 Tem origem nos cor- anterior knee pain. J Med Cases. 2015;6:36-9.
5. Oliveira A. Dermoscopy un the diagnosis of extradigital glomus tumor. Int J
pos glômicos, estruturas neuromioarteriais existentes na pele, que Dermatol. 2016;55:e506-8.
funcionam como anastomoses arteriovenosas especializadas, auxi-
liando no controle da temperatura corpórea e na regulação do flu-
xo sanguíneo. Essas estruturas são encontradas em toda a pele, no
entanto são mais concentradas nas extremidades, fato que justifica
o maior acometimento da região subungueal pelo tumor.2 O tumor
glômico possui prevalência semelhante em ambos os sexos, porém
localizações “ectópicas” são mais comuns em homens.1 Clinicamen-
te apresenta-se como nódulo firme, roxo-azulado, em geral único,
com a tríade clássica de dor, hiperestesia à palpação e sensibilidade
ao frio (acentuação da dor quando exposto ao frio).2,3 Quando sua
localização é extradigital, torna-se com frequência um desafio diag-
nóstico, pois em várias ocasiões não apresenta o quadro clínico clás-
sico. Schiefer et al., em um estudo de tumores glômicos extradigitais,
encontraram 86% de dor e calor localizado e apenas 1% de insensi-
bilidade ao frio, como no caso apresentado (o paciente negava pio- Bruno de Castro e Souza 0000-0001-7140-3462
ra com o frio).3 Nosso paciente apresentava a lesão em sítio pouco
Maria Cláudia Alves Luce 0000-0002-1464-0821
usual, próximo ao joelho, o que o fez procurar vários ortopedistas,
José Alexandre de Souza Sittart 0000-0001-5267-9930
os quais também interpretaram a queixa como sendo de natureza
osteomuscular e recomendaram-lhe tratamento com fisioterapeuta. Neusa Yuriko Sakai Valente 0000-0002-8065-2695

Foi este profissional que indicou a consulta com dermatologista.


Existem poucos relatos de tumores glômicos simulando
afecções articulares. Especificamente na região do joelho, o tumor já
foi descrito no tecido subcutâneo, no ligamento patelar e, ainda, em
localização intra-articular. Como o diagnóstico diferencial de dor
no joelho é amplo, o diagnóstico dessa neoplasia, quando presente,
raramente é realizado, podendo levar até 40 anos desde o início dos Como citar este artigo: Souza BC, Luce MCA, Sittart JAS, Valente
NYS. Extradigital glomus tumor mimicking osteomuscular disease. An
sintomas.4
Bras Dermatol. 2018;93(3):472-3.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 481

t
Hidradenoma papilífero ectópico*

Rogerio Nabor Kondo1


Isabela Peron Melhado2
Cassio Rafael Moreira2
Jefferson Crespigio3

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187572
A B
Figura 1: A - Pápula eritematosa na aréola esquerda. B - Detalhe
Caro Editor, da lesão.
Reportamos um caso de paciente masculino, 36 anos de
idade, com presença há dois meses de pápula eritematosa, assinto-
mática, de consistência fibroelástica, medindo aproximadamente 1
x 1cm, na aréola mamária esquerda (Figura 1 A e B). Os linfonodos
axilares esquerdos não estavam aumentados.
Biópsia excisional da pápula foi realizada para diagnóstico.
A histopatologia mostrou tumor dérmico, sem comunicação com a
epiderme. A lesão apresentava arquitetura com invaginações papila-
res, tubulares, espaços cisticamente dilatados e lúmen formado por
células colunares com secreção por decapitação, compatível com hi-
Figura 2:
dradenoma papilífero (Figuras 2 e 3). A A - Exame
O hidradenoma papilífero (HP) é um tumor anexial benigno microscópico:
raro que ocorre quase que exclusivamente em região anogenital de tumor restrito à
derme com ar-
pacientes femininas.1-4 Apresenta-se, normalmente, como um nódu-
quitetura papilar
lo solitário, assintomático, circunscrito, da cor da pele ou eritêmato- (Hematoxilina
-acastanhado, medindo cerca de 0,5-1cm. Quando essas lesões não & eosina, 100x).
estão localizadas na área anogenital, são denominadas HP ectópi- B - Lúmen
delineado por
co.1,4,5 células colunares
HP foi primeiramente descrito por Werth em 1878.5 Desde com secreção
então, muitos casos têm sido relatados. Porém, poucos casos, acome- por decapitação
tendo pacientes masculinos e sendo simultaneamente ectópicos, têm (Hematoxilina &
B eosina, 400x)
sido reportados no mundo.4
HP ectópico pode ocorrer nas pálpebras, olhos, órbitas, na-
riz, mamas, tórax, abdome e couro cabeludo.4, 5 papiloma vírus humano (HPV) tenha sido identificada em poucos
A histopatogênese para ambas as formas, anogenital e ec- casos, não parece ter papel na patogênese do HP. A avaliação histo-
tópica, do HP permanece incerta. Embora a presença de DNA do patológica mostra um tumor dérmico, sem conexão com a epider-
me, apresentando arquitetura com formações papilares, tubulares,
Recebido 22 Agosto 2017. com espaços cisticamente dilatados e lúmen delineado por células
Aceito 26 Novembro 2017. colunares com secreção por decapitação. Esses achados histopatoló-
* Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário
gicos são similares ao do papiloma intraductal de mama, e alguns
Regional do Norte do Paraná, Universidade Estadual de Londrina
(HURNP-UEL), Paraná (PR), Brasil. autores pressupõem glândulas acessórias mamárias-símiles na his-
Suporte Financeiro: Nenhum. togênese do tumor.5
Conflito de Interesses: Nenhum.
A real incidência e prevalência do HP ectópico são desco-
1
D  isciplina de Dermatologia, Hospital Universitário Regional do Norte nhecidas devido ao baixo número de casos reportados. Porém, Kim
do Paraná, Universidade Estadual de Londrina, Paraná (PR), Brasil. et al. compilaram dados clínicos de todos os casos previamente rela-
2
Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Regional do Norte do
tados. Apesar de uma pequena série (19 pacientes), alguns aspectos
Paraná, Universidade Estadual de Londrina, Paraná (PR), Brasil.
3
Laboratório Logos, Londrina (PR), Brasil. são evidentes e algumas informações poderiam ser ressaltadas. A
média de idade dos pacientes com HP ectópico era de 40-59 anos
Endereço para correspondência:
(uma a duas décadas maior quando comparada ao subtipo anogeni-
Rogerio Nabor Kondo
E-mail: kondo.dermato@gmail.com tal). Ao contrário do HP anogenital, aproximadamente metade dos
pacientes com HP ectópico são homens, e a maioria das lesões estão
©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia
situadas na cabeça e pescoço.4

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


482 Cartas

t
Cromoblastomicose causada por Cladosporium
langeronii. Diagnóstico molecular de agente
previamente diagnosticado como Fonsecaea
pedrosoi*
Edoardo Torres-Guerrero1
Roberto Arenas1
Rigoberto Hernández-Castro2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187644

Caro Editor,
Figure 3: Seção transversa (Hematoxilina & eosina, 400 x) A cromoblastomicose é infecção subcutânea crônica e pro-
gressiva causada por fungos demácios (fungos negros). Clinicamente,
caracteriza-se por apresentar lesões em placa verrucosas frequente-
mente localizadas nos membros inferiores, mas que pode surgir em
O diagnóstico de certeza do HP requer exame histopatoló- qualquer região do corpo. Os agentes etiológicos pertencem a três
gico. 5 Os diagnósticos diferenciais de HP ectópico incluem tumores gêneros: Fonsecaea, Phialophora e Cladophialophora (Cladosporium). To-
anexiais benignos (hidrocistoma apócrino e siringocistoadenoma dos os agentes causais apresentam estruturas parasitárias conhecidas
papilífero).5 No nosso caso, foram incluídos, clinicamente, como como corpos fumagoides ou corpos de Medlar. Afeta principalmente
diagnósticos diferenciais o carcinoma basocelular, cisto epidérmico trabalhadores rurais que possuem histórico de trauma local com ma-
e granuloma piogênico. terial vegetal em decomposição e que frequentemente utilizam cal-
Transformação maligna é muito rara. Cinco casos de carci- çados inadequados, como sandálias e chinelos. Em 2010, nós publi-
noma ductal in situ a partir de HP preexistente foram documenta- camos um caso clínico em que o paciente apresentava carcinoma de
dos. Há dois casos relatados de carcinomas invasivos (hidradenoma células escamosas secundário a caso crônico de cromoblastomicose
papilífero perianal maligno e carcinoma adenoescamoso vulvar).5 e que evoluiu a óbito por falência múltipla de órgãos devido a de-
O tratamento de escolha para HP ectópico é a ressecção ci- sequilíbrio hidroeletrolítico.1 Baseado nas características fenotípicas
rúrgica completa,4 como no presente caso. Recidiva local pode ocor- do fungo, a cultura havia sido identificada, à época, como Fonseaea
rer caso a excisão seja incompleta.1,4 q pedrosoii. A cultura foi guardada e agora, após dez anos da publica-
ção do caso clínico, realizamos a amplificação do DNA por reação em
cadeia da polimerase (PCR) e o sequenciamento do espaçador inter-
REFERÊNCIAS no transcrito (ITS) e do ADN ribossômico (rDNA; Figuras 1 e 2).2 O
1. Tanaka M, Shimizu S. Hidradenoma papilliferum occurring on the chest of a man. produto de 550 pb da PCR foi purificado, sequenciado nas duas di-
J Am Acad Dermatol. 2003;48:S20-1.
2. Virgili A, Marzola A, Corazza M. Vulvar Hidradenoma Papilliferum. A review of reções e submetido ao banco de dados BLAST (Basic Local Alignment
10.5-year’s experience. J Reprod Med. 2000 ;45:616-8. Search Tool) da NCBI (National Center for Biotechnology Information). A
3. Handa Y, Yamanaka N, Inagaki H, Tomita Y. Large Ulcerated Perianal Hidradenoma sequência apresentou homologia de 100% com Cladosporium langero-
Papilliferum in a Young Female. Dermatol Surg. 2003;29:790-2.
4. Kim YJ, Lee JW, Choi SJ, Kim SJ, Kim YJ, Jeon YS, ET AL. Ectopic Hidradenoma nii DTO-124-D5, R1, CBS189.54, entre outras (Figura 3).
Papilliferum of the Breast: Ultrasound Finding. J Breast Cancer. 2011;14:153-5.
5. Theodosiou G, Zafeiriadou V, Papageorgiou M, Mandekou-Lefaki I. An unusual
lesion in rigth place. Dermatol Pract Concept. 2016;6:7-9.
Recebido 14 Setembro 2017.
Aceito 06 Novembro 2017.
* Trabalho realizado no Serviço de Micologia e Setor de Ecologia de
Agentes Patógenos, Hospital “Dr. Manuel Gea González” Cidade do
Mexico, Mexico.
Financial support: None.
Conflict of interests: None.

Rogerio Nabor Kondo 0000-0003-1848-3314 1


S  erviço de Micologia, Hospital “Dr. Manuel Gea González” Cidade do
Isabela Peron Melhado 0000-0003-2107-4482 México, México.
2
Departamento de Investigação, Setor de Ecologia de Agentes Patógenos-
Cassio Rafael Moreira 0000-0002-8781-1505 Hospital “Dr. Manuel Gea González” Cidade do México, México.
Jefferson Crespigio 0000-0002-2842-9349
Endereço para correspondência:
Edoardo Torres Guerrero
E-mail: drlalo2005@hotmail.com
Como citar este artigo: Kondo RN, Melhado IP, Moreira CR, Crespigio
J. Ectopic hidradenoma papilliferum. An Bras Dermatol. 2018;93(3):474-5. ©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 483

Figura 1: Cromoblastomicose. Corpos de Medlar Figura 3: Amplificação de PCR da região ITS-rDNA: 1) Controle
(Hematoxilina & eosina, 40x) negativo, 2) Marcador de peso molecular – escada de 100pb e 3)
isolado de C. langeronii.

mitem identificação mais precisa dos agentes etiológicos. Deste


modo, comunicamos, após confirmação molecular, a identificação
de C. langeronii como o agente causal do caso clínico de 2007. Até
o presente, foram descritas somente três sequências do ITS-rDNA
de C. langeronii associadas à casos clínicos. A primeira sequência,
CBS189.54 NT (número de acesso DQ780379), foi identificada com
micose no Brasil, enquanto as outras duas sequências (números de
acesso AF4555254 e AY3453524) estão relacionadas com a mucosa
nasal.3 Nós consideramos que comunicar esta identificação, através
de técnicas moleculares, deste agente etiológico raro e que causa
doenças em seres humanos, como importante. q

Figura 2: Cromoblastomicose. Corpos de Medlar (PAS, 10x) REFERÊNCIAS


1. Torres E, Beristain JG, Lievanos Z, Arenas R. Chromoblastomycosis associated
with a lethal squamous cell carcinoma. An BrasDermatol. 2010;85:267-70.
2. Korabecná M, Liska V, Fajfrlík K. Primers ITS1, ITS2 and ITS4 detect the
Em 2006, Zalar et al descreveram C. langeronii, entre outras intraspecies variability in the internal transcribed spacers and 5.8S rRNA gene
sete espécies novas coletadas de diversos substratos, como espécies region in clinical isolates of fungi. Folia Microbiol (Praha). 2003;48:233-8.
3. Zalar P, de Hoog GS, Schroers HJ, Crous PW, Groenewald JZ, Gunde-Cimerman N.
relacionadas à Cladosporium sphaerospermum. A descrição e análise Phylogeny and ecology of the ubiquitous saprobe Cladosporium sphaerospermum,
filogenética foi baseada na amplificação e sequenciamento do es- with descriptions of seven new species from hypersaline environments. Stud
paçador transcrito interno (ITS) do rDNA.3 Espécies do gênero Cla- Mycol. 2007;58:157-83.
4. deHoog GS, Guarro J, Gené J, Figueras MJ. Atlas of clinicalfungi. 2nd ed.
dosporium se distinguem por apresentarem colônias que crescem Spain:Centraal bureau voor Schimmel cultures/ Universitat Rovira e Virgili; 2000.
particularmente devagar em ágar-batata-dextrose, ágar-malte e p.582.
ágar-aveia à 25oC, na obscuridade, com concentração máxima de sal 5. Sadati R, Barghi A, AbbasiLarki R.Isolation and screening of lipolytic fungi from
coastal waters of the Southern Caspian sea (North of Iran). Jundishapur J
de 17%. As espécies de Cladosporium desenvolvem conídios alonga- Microbiol. 2015;8:e16426.
dos, de coloração marrom escura e com poucas ornamentações (es-
poros verruculosos) e escassos conídios secundários.4 As espécies de
Cladosporium tem distribuição global e não apresentam preferência
Edoardo Torres-Guerrero 0000-0003-2394-2730
por um ambiente específico, ocorrendo em diversos habitats, como
Roberto Arenas 0000-0002-2992-9564
blocos de gelo polar, material vegetal em decomposição, batentes de
janelas, mucosa nasal e, mais recentemente, nas águas do Mar Cás- Rigoberto Hernández Castro 0000-0002-5656-0942

pio.5 Os casos clínicos são considerados acidentais em consequência


de traumas locais com material contaminado.
A identificação clássica, baseada em características micro Como citar este artigo: Torres-Guerrero E, Arenas R, Hernández-Castro
e macroscópicas, fornece um diagnóstico fraco. Atualmente, téc- R. Chromoblastomycosis due to Cladosporium langeronii. Molecular
diagnosis of an agent previously diagnosed as Fonsecaea pedrosoi. An Bras
nicas moleculares baseadas no sequenciamento do ITS-rDNA per-
Dermatol. 2018;93(3):475-6.

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


484 Cartas

direita.
t
O exame físico revelou placas atróficas eritêmato-acasta-
Poroceratose linear generalizada* nhadas, com crista ceratósica periférica proeminente, coalescendo
na parte inferior da perna direita e planta, com distribuição linear
Claudio Escanilla-Figueroa1 ao longo das linhas de Blaschko (Figura 1). Lesões semelhantes po-
Isabel Jimeno-Ortega2 diam ser observadas na face, pescoço, braço direito, palma, além de
Héctor Fuenzalida-Wong3 pterígio dorsal no dedo indicador (Figura 2).
Francisco Chávez-Rojas1
Biópsias incluindo a borda e a área atrófica central revela-
ram a presença de lamela cornoide com perda da camada granulosa
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20187798 e infiltrado linfocitário focal (Figura 3)
A poroceratose linear é uma variante estritamente unilate-

Caro Editor,
Em 1893, Mibelli e Respighi cunharam o termo porocera-
tose supondo que as colunas de paraceratose emergiam dos óstios
dos ductos écrinos. O termo posteriormente se revelou inadequa-
do a partir da demonstração de que as lesões resultavam de uma
desordem clonal da ceratinização caracterizada pelo surgimento de
áreas atróficas circundadas pela lamela cornoide. 1,2 Embora apre-
sente herança autossômica dominante com penetrância incompleta,
a maioria dos casos é causada por mutações esporádicas.3,4
Os subtipos clínicos incluem a clássica poroceratose de
Mibelli, poroceratose superficial disseminada, poroceratose actíni-
ca superficial disseminada, poroceratose puntiforme, poroceratose
palmar e plantar disseminada, e poroceratose linear.
A poroceratose linear compreende as formas localizada,
zosteriforme, sistematizada e generalizada. O paciente pode apre-
sentar uma ou mais dessas formas e qualquer área corporal pode
ser afetada.
Uma paciente de 24 anos de idade procurou o serviço de
dermatologia com história de pitiríase rubra pilar na perna direita,
diagnosticada aos seis meses de idade. Não houve resposta ao tra-
tamento com corticoides e antifúngicos tópicos. As lesões eram ani-
dróticas, apresentavam prurido quando expostas ao sol, e gradual-
mente se estenderam ao membro inferior e braço direitos, pescoço, Figura 1: Placas atróficas eritêmato-acastanhadas, com cris-
ta ceratósica periférica proeminente, coalescentes na perna
face, palmas e plantas, afetando exclusivamente a metade corporal direita e se estendendo à região plantar. Distribuição linear
ao longo das linhas de Blaschko

Recebido 30 Outubro 2017.


Aceito 02 Março 2018.
* Trabalho realizado no Serviço de Dermatología, Hospital El Pino, San
Bernardo, Región Metropolitana, Chile.
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesses: Nenhum.

1
S  erviço de Dermatologia, Hospital El Pino, Universidad de Santiago de
Chile, San Bernardo, Chile.
2
Centro de Saúde Familiar “Salvador Allende Gossens”, Huechuraba,
Chile.
3
Acadêmico de Medicina, Pontificia Universidad Católica de Chile,
Santiago, Chile.

Endereço para correspondência:


Isabel Jimeno-Ortega
E-mail: isabel.jimeno.ortega@gmail.com

©2018 by Anais Brasileiros de Dermatologia Figura 2: Aspecto das lesões no braço direito e pterígio dor-
sal na dobra ungueal proximal do indicador direito

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


Cartas 485

ral, com lesões acrais agrupadas, e achados histopatológicos idênti- pulas ceratósicas semelhantes à paraceratose linear. Entretanto, a
cos aos da poroceratose de Mibelli.5 Pode eventualmente acometer histopatologia evidencia invaginação epidérmica contendo lamela
todo o hemicorpo. As lesões variam em tamanho, elevação e núme- cornoide que afeta os ductos écrinos e os folículos pilosos. Outros
ro. Crescem lentamente formando placas anulares irregulares com diagnósticos diferenciais incluem psoríase linear, nevo epidérmico
bordas elevadas e bem delimitadas. A porção central é geralmente verrucoso inflamatório linear, liquen estriado, incontinência pig-
anidrótica e desprovida de pelos. mentar e pitiríase rubra pilar
A poroceratose de Mibelli clássica, poroceratose actínica su- A transformação em carcinoma basocelular ou doença de
perficial disseminada, poroceratose palmar e plantar disseminada, Bowen pode ocorrer em até 20% dos casos de poroceratose. Há re-
e poroceratose puntiforme apresentam herança autossômica domi- latos de óbito por carcinoma espinocelular disseminado. A proteína
nante. A poroceratose de Mibelli e a linear podem também ser origi- p53 tem sido considerada como um possível marcador para degene-
nadas por mosaicismo. Relatos da coexistência das formas actínica ração maligna em pacientes com poroceratose confirmada.2
superficial disseminada e linear levantam a possibilidade de uma O tratamento inclui exérese cirúrgica, crioterapia, der-
aberração genética comum localizada nos cromossomos 12, 15 ou moabrasão, eletrodessecação ou laser de CO2. Há relatos de su-
18.2,4,5 Os fatores de risco para poroceratose incluem queimadura de cesso terapêutico com creme de 5-fluorouracil e imiquimode (5%)
pele, fotodano por radiação ultravioleta A e B, e imunossupressão.2 enquanto o uso de retinoides apresenta resultados inconsistentes.
A lamela cornoide, observada em todas as variantes, é for- Recomenda-se o seguimento frequente dos pacientes devido ao ris-
mada por uma coluna espessa de células paraceratósicas que se pro- co de malignização. q
jeta para o exterior a partir da camada malpighiana e constitui a
crista elevada da lesão clínica. Surge na epiderme interfolicular e se
estende através de toda a camada córnea. A camada granulosa está REFERÊNCIAS
ausente e ceratinócitos vacuolizados podem ser observados na base 1. Mibelli V. Contributo allo studio della ipercheratosi dei canali sudoriferi
(porocheratosi). G Ital Mal Ven Pelle. 1893; 28:313-55.
na lamela. 2. Emedicine.medscape.com [Internet]. Amarateedha H. Prak, Kristina Marie Dela
As lesões da variante actínica superficial disseminada são Rosa, Porokeratosis. Medscape. Available from: http://emedicine.medscape.com/
pequenas, com bordas menos proeminentes, e uniformemente dis- article/1059123-overview?src=medscapeapp-android&ref=email
3. Murase J, Gilliam AC. Disseminated superficial actinic porokeratosis co-
tribuídas nas áreas fotoexpostas. Na forma disseminada palmoplan- existing with linear and verrucous porokeratosis in an elderly woman: Update
tar, a borda é mais pronunciada e pode haver prurido. Assim como on the genetics and clinical expression of porokeratosis. J Am Acad Dermatol.
na poroceratose linear, raramente causa distrofia óssea e ungueal. 2010;63:886-91.
4. Happle R. Mibelli revisited: a case of type 2 segmental porokeratosis from 1893. J
As lesões da poroceratose puntiforme são individualizadas Am Acad Dermatol. 2010;62:136-8.
e com crista delgada. 5. Almeida Jr HL; Duquia RP. Linear porokeratosis following Blaschko lines. An Bras
O diagnóstico é confirmado clinicamente pela presença de Dermatol. 2000;75:51-5.

uma crista ceratósica na periferia da lesão e pelo achado histopato-


lógico da lamela cornoide.
Geralmente é difícil diferenciar a poroceratose linear do
nevo poroceratósico do óstio e ducto écrinos. Este se apresenta
como múltiplas depressões puntiformes lineares ou placas e pá-

Claudio Escanilla-Figueroa 0000-0002-8399-2708

Isabel Jimeno-Ortega 0000-0003-4631-4382

Héctor Fuenzalida-Wong 0000-0002-4484-0875

Francisco Chávez-Rojas 0000-0003-1763-2920

Como citar este artigo: Escanilla-Figueroa C, Jimeno-Ortega I,


Fuenzalida-Wong H, Chavez-Rojas F. Generalized linear porokeratosis. An
Bras Dermatol. 2018;93(3):477-8.

Figura 3: Hiperceratose epidérmica e presença de típica co-


luna paraceratósica (lamela cornoide). Observa-se discreto
edema na derme papilar e infiltrado inflamatório predomi-
nantemente linfocitário. (Hematoxilina & eosina, 20x)

An Bras Dermatol. 2018;93(3):472-85.


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Anais Brasileiros de Dermatologia


Maio/Junho 2018
Impresso em Junho 2018

An Bras Dermatol. 2018;93(3):486.

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