Entendo cabível o julgamento antecipado da lide, porquanto reputo
ser desnecessária a produção de outras provas acerca da matéria. Registre- se que em nenhum momento a requerida negou a ocorrência dos fatos e que a documentação acostada aos autos é suficiente para a elucidação dos mesmos. Nessa seara, cumpre salientar que é adotado no Direito Processual Brasileiro o Princípio da Livre Persuasão Racional, sendo o magistrado o destinatário final das provas produzidas, de maneira a formar seu convencimento motivado. Em tal sentido, já se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça: "EMENTA: PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL -FALTA DE COTEJO ANALÍTICO – AUDIÊNCIA PRELIMINAR - NÃO REALIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE NULIDADE – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA -INOCORRÊNCIA. (...). 3 - No que se refere à apontada ofensa aos artigos 234 e 330, I, do CPC, relativa o julgamento antecipado da lide, o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização audiência para produção de provas, ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento. É do seu livre convencimento o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide. (…). (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 693982. Processo: 200501160928 UF: SC Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data da decisão: 17/10/2006. Fonte DJ DATA:20/11/2006 PG:00316. Relator (a) JORGE SCARTEZZINI. Decisão por unanimidade).
A relação entre as partes é indiscutivelmente de consumo, na
medida em que temos de um lado a autora, na qualidade de consumidora, e de outro lado as rés, na condição de fornecedoras de serviços,em consonância com os artigos 2º e 3º do CDC.
Ademais, a Súmula 469 do STJ reforça: “aplica-se o Código de
Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.
No caso dos autos, restou incontroverso que a parte autora é
conveniada de plano de saúde mantido pela requerida (fls.23/24), e o documento de fls. 32, subscrito por médico competente, comprova que a requerente necessitou de intervenção clínica para realização de CPRE e Colecistectomia, em razão de seu quadro de inflamação aguda, causado por colecistite. Em sua defesa a requerida alega que a autora tinha relação contratual Ambulatório e que, em 12/09/2019, aderido o novo plano, e que a promovente passou a se submeter as regras do contrato novo, que por sua vez, em sua Cláusula Décima, consigna a necessidade de observância do período carencial de 180 (cento e oitenta) dias para os procedimentos cirúrgicos, não cumpriu a carência.
Pois bem a demanda será resolvida pela Lei nº 9.656/98 – Leis dos Planos de Saúde.
Com efeito, o contrato estabelecido entre as partes determina que o
prazo de carência para os casos de urgência ou emergência é de 24 horas e, para internações clínicas, de 180 dias, conforme fls. 19, em contraposição ao artigo 12, inciso V, da Lei 9.656/98. Senão vejamos:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos
produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano- referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
(...)V - quando fixar períodos de carência:
a) prazo máximo de trezentos dias para partos atermo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos; c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência”.
Ainda nesse sentido, a lei supramencionada ampara situações em
que é obrigatória a cobertura do atendimento em casos de urgência e situações de lesões irreparáveis, o que é o presente caso, vide artigo 35 – c da lei 9.656/1998 in verbis:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
(Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009)
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco
imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizada em declaração do médico assistente; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001);
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes
pessoais ou de complicações no processo gestacional. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001).
Dessa forma, as referidas cláusulas contratuais restringem as
despesas nos casos de emergência ou urgência, sobrepondo-se à lei de regência supramencionada, tendo em vista que esta não limita os procedimentos nem a duração do tempo para atendimento emergencial.
Insta consignar que foi constatado processo inflamatório agudo e
quadro sugestivo de colecistite, bem como a indicação de “necessidade de cirúrgia” (fls. 32), motivo pelo qual foi solicitado o referido procedimento.
Não há dúvidas, que no caso em questão a autora configurada como
consumidora, precisou de atendimento de urgência, mas não foi de pronto atendido, em razão de não haver cumprido uma carência contratual genérica,o que denota que a empresa contratada preferiu sobrelevar a letra fria do contrato, a restabelecer a saúde do segurado.
Vislumbro que a presente ação se amolda exatamente nas hipóteses
previstas nos dispositivos supracitados. Extraindo-se dos autos que, o quadro clínico da requerente permite concluir que o tratamento foi requerido em caráter de emergência, diante da gravidade do quadro apresentado, com dor abdominal intensa, sendo indicada a intervenção cirúrgica de emergência para solução do mal que a acometia. Com isso, não se pode dizer que urgência/emergência não pode ser ditada para situações de alívio de dores que sabidamente são extremas e não puderam ser afastadas por tratamento meramente convencional.
Assim, no caso em tela, não assiste razão à requerida, mostrando-
se injusta a negativa de cobertura do procedimento cirúrgico da autora, tendo em vista sua situação de emergência, sendo abarcada pela Lei 9.656/98.
Nesse diapasão também dispõe a Súmula 597 do STJ: "A cláusula
contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação."
Ainda nesse sentido o Colendo Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que “o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. (...) A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber o tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta” (STJ, REsp 668.216/SP, 3ª Turma, Rel.Min. Menezes Direito, DJ 02.04.2007).
Quanto aos danos morais, não é difícil vislumbrar a angústia, a
aflição e o pesar moral que ocorreu à reclamante. Imagine-se alguém sofrendo de dor latente e que, portanto, necessita de premente atendimento médico-hospitalar. Tendo em vista que a indicação para a realização do procedimento cirúrgico tinha caráter de urgência, assevera-se que o descumprimento da obrigação contratual da ré excedeu o limite do mero aborrecimento, causando à autora transtorno exagerado, sobretudo porque havia grave risco de mortalidade.
Nesse sentido:
“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Fornecimento de
medicamento.Sentença de parcial procedência. Apela a autora pugnando pela indenização por danos morais. Apela a ré alegando a expressa exclusão contratual de fornecimento da medicação para o tratamento em questão.Cabimento do apelo da autora. Danos moais. A conduta da ré excedeu ao mero aborrecimento. Hipótese de descumprimento contratual em situação na qual a vítima se encontra especialmente fragilizada, mormente quando há estado de urgência para tratamento. Descabimento do recurso da ré. Recusa injustificada. O contrato de plano de saúde está sujeito às regras do Código de Defesa do Consumidor e deve ser interpretado da maneira mais benéfica ao consumidor. Obrigação incontroversa de fornecer tratamento à doença da segurada. Recurso improvido.” (TJSP; Apelação 1005187- 76.2016.8.26.0562; Relator(a): James Siano; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos 3ª Vara Cível;Data do Julgamento: 19/01/2018; Data de Registro: 19/01/2018). (grifo nooriginal).
Para a fixação do seu montante, em que pesem os posicionamentos
em sentido contrário, entendo que devem ser sopesados os seguintes fatores, quais sejam, a gravidade objetiva do fato ofensivo, a condição econômica do ofensor e do ofendido, e a sua dupla finalidade, a saber, punitiva ao causador e compensatória à vítima, de forma a constituir um consolo para quem recebe e um castigo para quem paga, sem ser insignificante, nem acarretar enriquecimento sem causa.
Nesse passo, considerando todos os fatores acima mencionados e
em especial que havia grave risco de mortalidade caso a cirurgia não fosse realizada com urgência, fixo a indenização no valor de R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), por considerá-lo suficiente para atingir as finalidades da reparação.
Ante o exposto com fundamento no artigo 487, I, do Código de
Processo Civil, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados para confirmar a liminar anteriormente deferida no sentido de isentar a Autora de qualquer tipo de pagamento a Requerida quanto a internação e procedimentos cirúrgicos oriundos dos fatos narrados nesta peça com base no artigo 35 C, I, II da lei 9.656/1998; e para condenar a ré ao pagamento de R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, corrigido desde a presente data (STJ 362), e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.
Condeno a requerida ao pagamento das despesas e dos honorários
advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. P.R.I.