‘mostrou tanto sua eficacia quanto um sentido democritico rele
vante. Ressalt-se que pelo menos trés dos mentorestécnicos do
Real, os economistas Persio Ari, André Lara Resende e Edmar
Bacha, tinham também participado da equipe que elaborou
implementou o Plano Cruzado, tendo tazido desse periodo aex:
periéncia de que congelamento de pregos no era. instrument
adequado para controlar a inflacio. Os tés ocuparam, em dife
rentes momentos, a presidéncia do ayDES. Persio Arida, de
setemro de 1993 a janeiro de 1985, quando assum a presidén.
cia do Banco Central (até junho de 1995). Edmar Bacha, de
janeiro a novembro de 1995. E André Lara Resende, de abril a
novembro de 1998. Outras duas figuras de destaque da equipe
{que formulou o Real foram Pedro Malan (presidente do Banco
(Central de setembro de 1993 a dezembro de 1994 ¢ ministco da
Fazenda durante os dois mandatos de Fitc) ¢ Gustavo Franco
(presidente do Banco Centra deagosto de 1997 a margode 1999)
64
2. A desigualdade no centro
da disputa: o sistema politico
polarizado dos anos FHC
‘Aalanga do Real produziu uma abertura econdmica do pais
de relevantes proporgdes, tanto em termos da facilidade de
entrada esuida de capitals como em relagdoimportacio de bens
« produtos. A abertura econémica foi sustentada basicamen
pelasltas de jurose pela taxa de cimbio. O real foi mantide por
longo tempo em situacio de quase paridade com 0 délar, uma
‘medida que, em sua versio mais extremada —adotada na Argen-
tina na década de 1990 pelo governo de Carlos Menem, por exem
plo —,eraentio conhecida como currency board.
A abertura econémica pretendia garantir muitos objtivos
20 mesmo tempo. Colaborava no controle da inflagio, pela po-
siblidade de importago ripidae arata de produtos que estives-
sem pressionando os pregos (o que, por exemplo, nio aconteceu
durante o Plano Cruzado, que enfrentou no poucos episidios
bastante graves de desabastecimento), Também atraia capitais
fnanciar 0s prprios deficits do governo, que se endividava
substancialmente com as altsstaxas de juros que praticava e que
‘custo da quase paridade
sn, em iltima instancia,
6‘como délar. Alm disso, com a exposigdo & competigio interna
ional, pretendia aumentar a competitividade das empresas ins.
taladas no pas.
[Empresas capazes de se restruturare sobreviver& compet:
‘lo internacional deveriam sai mais fortes. Esa selegio dos mais
fortes iriarevelar as verdadeiras vocagies do pals, as vocasoes
regionals, como se dizia no jargto da época, Na logic da entio
sempre presente globalizagdo, cada regio e pais deveriam se
cexpecialzar naqueles ramos em que fossem mais eficintes, em
vista da divisio global da producio. O resultado esperado ere um
grande salto de produtividade. Mesmo que isso quisesse dizer que
alguns paises iriam perder boa parte de sua indstria,conse-
‘guindo apenas exportar bens primarios (ditos de baixo valor
agregado), enquanto outros continuariam a deter o controle da
-”
|A medida defensiva mais importante tomada nesse campo
no periodo rrtc fot a transformagio da divida externa do setor
piiblico em divida interna. Néo estando em condigdes de criar
‘um colchio de reservas suicienteenéo tendo controle sobre os
fuxosglobas de capitas, uma das maneras de reduzi a vulnera
bilidade extern €oferecerttulos péblicosataxas de juros eleva
das, mas denominados em reais. A medida visa trocar financia
mento externo por financiamento interno, gerantindo maior
controle sobre o gerenciamento da propria divida. Foi assim que,
em 1993, divida interna representava 18,8% do P18, enquanto a
externa representava 14,4% do P18; jem 2002, a divida interna
passou a representar 41,2% do pis, enquanto a externa permane~
‘eu praticamenteestavel, cm 14,3% do 1p. Essa tendéncia nios6
prosseguiu como se aprofundou no periodo Lula: jem 2005, a
ivida interna representava 49% do Pip, enquanto aextera fig
rava em 2,6% do rin, A divida exter fl praticamente zerada no
segundo mandato de Lula e, em fevereio de 2008, 0 pais passou
dda posigio de devedor de eredor do Fat.
‘Altima reforma constitucional de peso aprovada no pe:
todo Fic foi a reforma da Previdéncia, em 1998, realizada logo
apés a sua releicio, Juntamente com introdugio do sistema de
ritas de inlagio, a aprovacio da chamada Lei de Responsabil.
dade Fiscal, em abril de 200, fol a grande novidade do segundo
‘mandato de rH. Essa lei estabelece limites para gastos com pes
soal para os rs poderese para os tes entesfederativos, probe
‘expressamente orefinanclamento das vidas de etadose muni
pio: exige que toda nova despesa prevsta, com duragdo supe:
‘ora dois anos, tenha indicada sua font de financiamento pro-
pia; retringe as despesaseexige oequllibrio de contas no ltimo
ano de mandatos executivos, entre outas providéncias.
A Lei de Responsabilidade Fiscal teve papel importante na
continuidade do processo de concentragio monopolistica da
on
politica econémica nas méos do governo central, que neutralizou
‘0 poder dos governadores, permitiuefetivo controle das contas
ppblicas, fortaleceuo Parlamento como instancia de ajustes (sto
6, como instincia de veto e de negociacéo de compensacio por
perdas)e, néo por timo, concedeu a0 governo central 0 mono-
piélio da iresponsabilidade fiscal eda respostaripidaa crises no
gerenciamento da estabilizacdo. Sobretudo, congelou uma
repartigdo orcamentiria desigual entre os nivels da Federagdo,
concentrando na Unido ndo s6 parte substancial dos recursos,
mas igualmente o poder de controlar, no tempo, os repasses
constituclonalmente devidosa estados e municipios, que operam,
por sua ver, comparativamente, dentro de margens de manobra
bem mais estreitas:
Esse processo de congelamento das desigualdades orgamen
tériascorrespondeu a um equilibrio das conta piblicas em que
¢stados e municipios negociaram suas dividasem condigdesduris
simas, Enquanto iso, a Unido, vitaminada por recursos oriundos
de privatizasies ¢ concessdes e,principalmente, do expressivo
aumento da carga tibutiria (que, entre 1993 e 2002, saiu de um
patamar de 25% para outro na casa dos 32%), passou a deter de
fato, pela primera ver desde o declinio da ditadura, supremacia
“orgamentiria,E certo que essa posigio de orca na relag entre os
entes federativos nao pode ser uilizada em todo o seu potencial
durante o periodo ruc, j que os custos do ajuste tal como reali
zado consumiram de fato a quasettaldade dos recursos, 0 ctes:
‘imento do Pt» nio fol suficente para aumentar a margem de
_manobra, Mas, ainda que em um contexto de grande restri¢io, oi
sea supremacta orgamentiria que aalianca do Real usou para ini-
iar um processo de estabilzagio, tanto econdmica como politica,
{que tnha desaparecido do horizonte desde os anos 1980.
‘Além disso, no momento de sua promulgaio, a Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal parecia colocar um ponto final legal, pelo
9%menos) em qualquer tipo de politica econémica alternativa,
como as do tipo keynesiano, ditas anticfclicas. Em situacio de
crise, es5e tipo de politica preconiza que o Estado aumente
investimento, em lugar de se retrair com o conjunto da econo-
ria, produzindo uma sida da crise mais ripida e menos dolo-
rosa em termos sociais. Com a economia novamente em cresc
‘mento, Estado poderia, enti, restabelecer equilbri de suas
conta, Politcas economicas de inspiraci keynesiana tém um
horizonte temporal de médio e longo prazo, nio considerando
desequilibrios orcamentirios de curto prazo como indicadores|
defintivos ou decisivos.
‘Que, no segundo mandato de Lula,o governo tenha langado
mio de politicas de tipo keynesiano, especialmente apéso inicio
‘da crise econdmica mundial de 2007-8, expica-se uma vez mais
pela continuidede do processo de concentragio nas mios do
sgoverno central do monopélio da politica econémica ede uma
‘masa de recursos desproporcional relativamente aos estados. De
certa forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal congelou em favor
‘da Unio todos os sucessivos aumentos da carga tributiria de
1994. 2008, que ficou com a parte mais importante dle, Alem
disso, no caso do governo Lula, o extraordinitio crescimento da
atividade econOmica, puxado por alta expressivas nos valores de
exportagio (bens primirios, fundamentalmente), resultou em
‘signifiativos aumentos na arrecadacio de impostosc taxas.
[Nao & casual que a aprovagio da Lei de Responsabilidade
Fiscal tenha se dado no ano 2000. 0 segundo mandato de ric
foi marcado por trés crises de grandes proporgdes: a desvalori-
zacio de 1999, 0 Apagio de 2001 ea crise do cimbio em 2002 —
‘esta jf ndo em decorréncia da insustentivel eveza do real nos
seus primeiros quatro anos de existéncia, mas em razio da
“incerteza” representada pela eleigio de Lula, 0 que obrigou 0
paisa recorrer novamente ao Ft. 0 ano 2000 foi 9 nica, por
%
tanto, em que nio ocorreu uma crise de grandes proporcdes
dorante o segundo mandato de Fc. Ede notar ainda que, jéem
‘meados de 2000, a economia dava sinais de recuperagao e de
cxescimento robusto, parecendo ter se readaptado bem e api
ddamente& nova taxa de cdmbio e4 nova politica econdmica ba
seada no sistema de metas de inflagio,
Alastado o isco de insolvenca cj sem o engessamento do
‘mbio, os setores sobreviventes da destruigio crativa A bri
leita estavam prontos para aproveitar a nova vantagem competi-
tiva representada pela desvalorizagio cambial, tendo se adaptado
rapidamente aos novos termos de troc, mals favoriveis. Mas, i
ro primeirosemestre de 2001, revelou-seporinteiroocolapso do
sistema de abastecimento de energiaeétrca que dizimou a ecu-
peragio em curso e que se estendeu praticamente até inicio da
campanha eleitoral de 2002, quando o “rsco politico” de uma
vitéria de Lula levou a nove descontrole do mercado cambial,a
tama nova stuagdo de quaseinsolvencia do paisem dezembro do
Em 2001, uma importante articlagio politica de esquerda
‘em nivel global coneretizou-se sob a forma do Férum Social
“Mundial, sediado na cidade de Porto Alegte, prefeitura-modelo
dor. Criado como contraponto ao Forum Econbmico de Davos
— encontro anual, na cidade suiga, da pula do empresariado e
4a finanga mundial —, o Férum Social Mundial representou
importante amplificador das forcas oposicionstaslideradas pelo
Pr, tanto em nivel interno como externo.
Esse quadro gerl mostra porque, em seu segundo mandato,
uc estevepraticamente o tempo todo na defensiva indo setra-
tava de prosseguir com a agenda de rformas liberalizantes, de
reformas estruturais, privatizagées e outras medidas que exig
jam a aprovagio de emendas constitucionas, mas to somente
ida pela propria logica do Plano Real
de administrar a crise| nl
«em sua forma de implementacio nos seus primelros anos de exe
téncia.E,evidentemente, de impedir qualquer forma de regression
0 modelo nacional-desenvolvimentista
Fazendo coincidir, sempre que necessirlo, a agenda de ror.
sganizagdo do sistema politico com a agenda neoliberal dos anos
1996, 0 governo Fic foi antiliberal, o longo de seu primeiro
‘mandato, no que diz respeito a diva pblica. Mas a irresponsa-
bilidade fiscal do primeiro mandato cobrou a conta no segundo.
‘A magnitude da crise de 1999 fez com que o governo, agora sim,
ficasse refém da cartlha neoliberal, tendo poucs ou nenhuma
‘margem de manobra em relacio a suas imposicdes. Fosse por
pressio direta do rat (do qual o pals emprestou 40 bilhoes de
dares epoca), fosse por press indireta dos chamados meres
dos (jé que o Brasil tnha se colocado em uma posicio de alta vul-
ilidade externa em todo o periodo),o sistema de metas de
inflag4o fol implantado em uma versio em que a taxa de juros
tinha destaque incontestivel, tendo chegado a impensiveis 45%
a0 ano em 1999,
‘Ao mesmo tempo, essa mudancaacrrou as dsputas noite
Flor do mcleo governamental entre aqueles que desde o inicio se
Posicionaram contra a sobrevalorizagio do real (e que foram cha
_mados de desenvolvimentistas) eos representantes do novo ss:
tema de metas de inflagio(ditos monetarisas, liberais ou ortodo-
1x08). E, uma vez mais, a derrotacoube aos desenvolvimentists,
‘que pretendiam introduzir mecanismos positives de politica
industrial, E iso ndo apenas porque um escindalo, ainda em
1998, envolveua figura central desse grupo, oentio ministro Luiz
Carlos Mendonca de Barros (absolve de todas as acusagdes pela
Justiga quase dez anos depois), que acabou pedindo demissto do
‘cargo, mas também porque a margem de manobra do governo
‘esse momento com relagio 40 programa neoliberal ortodoxo ji
se encontrava bastante diminuida, Ou sea, o governo FH foi
96
tanto mais ideologicamente dependente do neoliberalismo
“quanto menos autonamo em teemos de recursos orgamentitios.
Em termos socais, iso significow uma radial redugio da
:margem de recursos publics para a implementacio de politicas
ativas de indugdo ao crescimento ou mesmo para politias sociais|
compensatérias. Por outro lado, a manutengio de altastaxas de
juros garantia a preservacio da renda dos estratos mais rcos eo
proprio padrio desigual de distribuiglo de renda vigenteno pas.
Foi esse o preso pago pelo controle da inflagia no quadro estabe-
lecido pelo Plano Real: um substancial crescimento tanto da
divida do setor pablico como da carga tributiria.E,no segundo
_mandato, sem as consequéncis postivas que se tinham visto nos
primeiros anos de vigincia do plano de estabilizacio,
Em um quadro como esse, seria de esperar certadesagrega-
«so da base de apoio partdria ao longo do segundo mandato de
1c Eelade fato acorreu, Mas, ainda que bem perto do final
«do mandato, esa desagregagio deu-se de maneira bastante desor-
_genizada, E isso apesar de a candidatura de Lula ainda no se
apresentar naquele momento como real lternativa para o peme