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O Método nas Ciéncias Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa Alda Judith Alves-Mazzotti Fernando Gewandsznajder Ane 2 Edigao THOMSON —_. ral Caiads —Cagepure— Epamha Glades Daas Wako ene Uns THOMSON oreo) EditeragaoElatronia: segmento & 63, Producbes Grsicas Ltda, © copyight 1998.1888 de one Thorton tearing Ueda uma divs da Thomson teotning, Ine, Thorson Feaitada aqui ullzae sob ance. Irpresso no Bras Dante in sri. fs Sona sting, 496, Via Oimpia ~ CEP otses-082 Sho Paulo ~$P Tet: (2 3848-2600 Fae (11) 30050338, $eathomrorlesrring com br ‘hewvtnomoniearning com be cops: Mavco Vout Revisso: LAM -assessoria Edtoriat Todos ordre reer enc pee i rd esa Gh oue fre oni Setdasen acne, “eae facie ser Seecurpesnar noses Tok toe sto tor aoe ate de 19 Se tee Sian Dados Interaclonals de Catelogao. na Pubieaao CP) (Cimara. Brasileira do tyre. 5, Beas ‘AveeManeot, Ae Lu O mito nes céncsnaturas 2 sadam: posse quanta f gusltativa ‘de alin Aber azeot, Fernando Gewendsanaier, Shs aur pioneira Thomson tearing 02 saw ae2n1.01397 {Ganda Metodologa 2 in tras Tistodlopia 3. Cerca soca Tetodologla 4. Pesauisa~ imetodoiog Sewandsanelder, Fernando To, Biers coo 42 Indices para catdloge stamatics| {Velen Metodolegia 001.2 2 todo sentieo 0142 5: aqui: Metodoloia 001.42 Sumario Apresentagao PARTE I © METODO NaS CIENCIAS NATURAIS. Fernando Getenndsennjder CAPITULO 1 ~ Uma Visio Geral do Método nas Ciéncias Naturais 1. A.atividade cientifica desenvolve-se a partir de problemas 2. As hipdteses cientificas devem ser passiveis de teste 3. Os testes devem ser as mais severos possiveis 4. Leis cientfficas 5. Teorias cientificas CAPITULO 2 ~ Cigncia Natural: Os Pressupostos Filoséficos 1. O positivismo l6gico 11 Criticas 20 positivisma 2. As idéias de Popper 2.1 O métocio das conjecturas e refutagdes 2.2 A importncia da refutabilidade 23 Verdade e coroboragio 24 Critica das idéias de Popper 3. Afilosofia de Thomas Kuhn 3:1 O conceito de paradigma 32 Aciéncia normal 33 Crise e mudanga de paradigma 34 Atese da incomensurabilidade 35 A avaliagao das teorias 3.6 Conclusio 4. Lakatos, Feyerabend e a sociologia do conhecimento 41 As idéins de Lakatos 42 As idéias de Feyerabend 43 A sociologia do conhecimento 10 13 u 15 16 18 20 24 5 26 28 34 39 a vi [AUDA JUDITH ALVES MAZZOTT & FERNANDO GEWANDSZNAJDER 5, Adefesa da objetividade: 0 racionalismo critico hoje 5a. A mudanga de significado 5.2. Verdadeiro até prova em contrério 5.3 Observacées e testes que dependem de teorias 5A Eliminando contradicées 55 Os testes independents 5.6 O objetivo da ciéncia 6. O empirismo de van Freassen e a abordagem cognitiva 6.1 O empirismo de van Fraassen 6.2 A.abordagem cogniiva 7. Conclusio CAPITULO 3 ~ A Pesquisa Cien 1. Problemas : ; 2 Respostas aos problemas: as explicagdes cientificas 2410s lendmenos aleatirios ¢ a5 explicacbes estasticas 3. Aformagio de hipsteses -um espago para a criatividade do cientista ° 5.1 As qualidades de uma boa hip6tese 4. Leis e teorins 441 Acomplexidade do mundo rel ea necessidade ce um modelo 5, Testando hipsteses 5:1 Os testes estatisticos : 32 ‘Testes rigorosos e cbservaghes mais precisas ~ medias CAPETULO 4 - A Cigncia e Oxtras Formas de Conhecimento 1. Aciéncia ea atitude critica 1.1 Paranormalidade 12 Ufologia 13 Criacionismo 1.4 Homeopatia 2. Criticas & astrologia 2.1 O raciocinio por semelhanga 2.2. Incompatibilidade com a ciéncia ¢ incoertneias 23 Aastrologia funcicna na prética? 24 Os testes estatisticos 25 Uma experiéncia controlada para testar a astrologia 3 Citncia e senso comum. PARTE IL O METODG NAS CIENCIAS SOCIAIS: All Judith Alves-Mazzotti Introdugito CAPITULO 5 ~ As Ciéncias So: 0 1. Acritica radical da crenga na ciénei orelativismo 2 4B a7 9 54 59 61 62 67 68 9 70 70 2 7 81 87 89 90 92 92 95 96 98 100 105 109 m m2 (© MitTODO AS CIENCIAS NATURAIS & SOCIAIS 2. O questionamento ideolégico: A escola de Frankfurt 3. A "crise dos paradigmas” 4. A discussio contemporinen 5. Conelusio 7 CAPITULO 6~ © Debate Contemporineo Sobre os Paradigmas 1. O*paradigma qualitativo” na década de 80 ~ 2. Panorama sttal 21 Construtivismo social 2.2 Pos-positivismo 23 ‘Teoria ertica 3. Avangos e perspectivas 4. Conclusto CAPITULO 7 ~ 0 Planejamento de Pesquisas Qualitativas 1. Focalizagao do problema 1 Introdugéo 12 Objetivo e/ou questies do estudo “1.3 Quadro tedrico 14 Importancia do estuclo 2. Procedimentos metodolégicos 2.1 Justificagto do paradigma adotado 22 Btapas de desenvolvimento da pesquisa 23 Contexto e participantes 24 Procedimentos e instrumentos de coleta de dados 24.1 Observagdo 242 Entrevistas 243 Documentos Unidade de andlise Andlise dos dados Procedimentos para maximizar a confiabilidade 27.1 Critérios relativos a credibilidade 27.2 Critérios relativos a transferibilidade 2.7.3 Critérios relativos & consisténcia e confirmabilidade 3. Conelusso CAPITULO 8 - Revisio da Bibliografia 1. Contextualizagio do problema 2. Anilise do referencial teGrico 3. Tipos de reviséo a serem evitados 4, Consideragoes finais Referencias Bibliogrificas dla Parte L Referéncins Bibliogréfias da Parte TT vin 6 9 120 126 129 130 132 133 135 139 dL a4 a7 149 152 155 158 159 159 160 160 162 163 164 168 169 169 370 i 172 174 174 1% 179 180 182 184 187 189 198 i Apresentagdo Procuramos reunir neste livro os furdamentos necessétios para que 0 cestudante compreenda a natureza co método cientifico nas ciénclas naturais e sociais. Esperamos com isso néo apenas ajudar o estudante a realizar suas pesquisas na gracuagio e pés-gracuagio, mas também estimular uma viséo cxitica, do método cientifico jf que até mesmo no nivel universitério 0 ensino do método cientifico ¢ feito, muitas vezes, de forma incompleia, concentrando- se na parte prética, em detrimento de uma reflexio critica e de uma discussio te6rica sobre seus fundamentos filos6ficos, Ensina-se a construgioe a anélise de {graficos,téenicas cle medidas, testes estatisticos e outros procedimentos rotinei- 10s, mas nao se explica 0 porqué destes procedimentos. Afinal, por que procu ramos medic os fendmenos? A ciéncia comega com a observagio pura e impar~ al, livre de preconceitos? Pode-se comprovar definitivamente a verdade de ‘uma teoria cientifica? Em que consiste a objetividade da ciéncia? (O desconhecimento dessas questiesfa2.com que o método centifico passe a ser visto como um conjunto de regras dogmaticas —justamente a antitese da atitude erica necesséria para o progresso do conhecimento. Se estas questées precisam ser esclarecidas no Ambito das ciéncias naturais, ‘problema se torna ainda mais complexo quando se trata das ciéncias socias, ‘na medida em que, nestas,discute-se a propria adequagio do mcdelo daquelas cigncias para o estudo cos fendmenos humanos e socials. Alguns autores defen- dem a utilizagio do modelo das ciéncias natura, e mais do que isso, consice- ‘ram que s6 neste caso as cigncias sociais podem ser propriamente chamadas de *ciéncias". Entretanto, embora esse modelo tenha prevalecido por varias déca- das, muitos pesquisadores sociais vém questionando sua eficdcia para estucar co comportamento humano, alegando que este deixa de lado justamente aquilo que caracteriza as agées humanas: as intengGes, significados e finalidades que hes so inerentes. A primeira parte do livro discute 0 método nas ciéncias naturais. No primeiro capitulo sfo apresentados conceitos bisicos, como o de lei, teoria e teste controlado, No segundo capitulo sfo discutidas as diversas concepcoes Biloséficas acerca da natureza do método cientfico. Esta discussfo € relevante x |ALDA JUDITH ALVESMAZ2OTT é FERNANDO GEWANDS2NAJDER também para estudantes de ciéncias sociais, uma vez que trata dos pressupostos filosoficos do métoco cientifico. No terceiro capitulo sdo discutidas as etapas da ‘pesquisa cientfica e os conceitos de lei, teoria, medidas e testes controlados € Estalisticos. Finalmente, no quarto capitulo a ciéncia é comparada a outras formas de conhecimento. ‘O segundo capitulo é umarversio modificada de parte da tese de doutora- do de um dos autores (Gewandsznajder, 1995), enquanto o primeiro, 0 terceiro 0 quarto capitulos sio versbes modificadas do livro O que é@ método cientifico (Gewandsznajder, 1989). "Asegunda parte do livro discute a questo do método nas ciéncias saciais, focalizando especificamente as metodologias qualitatives, uma vez que as pes- quisas quantitativas seguer basicamente 0 mesmo modelo das ciéncias natu ais, Essa opcao se justifica, ainda, pelo fato de que essas metodologias vem focupando espagos cada vex maiores nas pesquises nas ciéncias sociais e na educacio e, embora haja um mimero razodvel de livros sobre metodologias ‘qualitativas, a analise de seus fundamentos dficilmente é encontrada. ‘O Capitulo 5 examina as raizes da chamadia “crise dos paradigmas” para situar historicamente a discussio sobre a cientificidade das ciéncias sociais. O Capitulo 6 analisa 0 debate sobre 0 “paradigma qualitativo” na déeada de 80, para depois caracterizar seus principais desdobramentos atuals: 0 pés-positi- ‘vismo, © construtivismo social ¢ a teoria critica. O Capitulo 7 & dedicado a0 planejamento de pesquisas qualitativas, Af buscamos discutir alternativas e Dferecer sugest6es, acompanhadas de exemplos, que possam ajudar 0 pesqui- sador iniciante a planejar e a desenvolver sua pesquisa com o rigor necessario 2} produgao de conhecimentos confiaveis. Finalmente, 0 Capitulo 8 focaliza a revisio da bibliografia, um ds aspectos da pesquisa que mais preocupam os lsluiios de graciuagao e de pés graduagio, Cabe agsinalar que os Captitios 6, 7 8 sio versoes ampliadas e atualizadas de artigos anteriormente publicados nas Cadernos de Pesquisa, da Fundagio Carlos Chagas (niimeros 96, 77 ¢ 81, respectivamente). PARTE I O Método nas Ciéncias Naturais Fernando Gewandsznajder CAPITULO 1 Uma Viséo Geral do Método nas Ciéncias Naturais Em ciéncia muitas vezes construimos um modelo simplifieado do objeto do nésso estudo. Aos poucos, 0 modelo pode tomnar-se mais complexo, passan- doa levar em conta um niimero maior cle variaveis. Este capitula apresenta um ‘modelo simplificado do métoco cientifico. Nos capitulos seguintes, tornaremos ‘este modelo mais complexo. Veremos também que nfo hd uma concordancia ‘completa entze 03 filésofos da ciéncia acerca das caractersticas do método cientifico Pode-se discutir se hé uma unidade de método nas diversas cidncias. A matemitica ¢ a I6gica possuem certas caracteristicas prOprias, diferentes das das demais ciéncias. E vérios fil6sofos discordam da idéia de que as ciéncias humanas ou sociais, como a sociologia ou a psicologia, utilize o mesmo método que as ciéncias naturais, como a fisica, @ quimica e a biologia. Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver tim problema, No caso do método cientifico, estas regras so bem gerais, Nio sfo infaliveis e nfo suprem o apelo A imaginacio e & intuigfo do Gentista, Assim, mesmo que nio haja um método para conceber ids Rovas, descobrir problemas ou imaginar hipOteses (estas atividades depencem da criatividade do cientista), muitos filésofos concordam que hé um métoco para testar crticamente e selecionar as melhores hip6teses e teorias e éneste senticlo que podemos dizer que hd um método cientiico. ‘Uma das caracteristicas bésicas do método cientific é a tentativa de resolver problemas por meio de suposicbes, sto ¢, de hipoteses, que possam ser testadas através de observacies ott experiéncias. Uma hipétese contém previ- s0es sobre o que deverd acontecer em determinadas condigtes, Se o cientista fizer uma experiencia, e obtiver os resultados previstos pela hipStese, esta sera aceits, pelo menos provisoriamente. Se os resultados forem contrérlos 20s 4 |ALDA JUDITH ALVES: MAZZOTT& FERNANDO GEWANDS2NAIDER previstos, ela sera consicerada ~ em principio ~ falsa, ¢ outra hipétese teré de ser buscada 1. A atividade cientifica desenvolve-se a partir de problemas ‘Ainda € comum a crenga de que a atividade cientifiea comeca com uma coleta dle dadios ou observagées puras, sem idéias preconcebidas por parte do cientista, ‘Na realidade, qualquer obse-vagio pressupde um critério para escolher, entre as abservagdes possiveis, aquelas que supostamente sejam relevantes para ‘o problema em questio. Isto quer dizer que a observacio, acoleta de dados.eas texperiéncias sio feitas de acordo com ceterminados interesses e segundo certas texpectativas ou idéias preconcebidas. Estas idéias e interesses cortespondem, fem ciéncia, as hipdteses e teorias cue orientam a observagio e os testes a serem realizados. Uma comparacéo ajuda a compreender melhor este ponto. ‘Quando um médico examina um paciente, por exemplo, ele realiza certas observagies especificas, guladas for cestos problemas, teorias e hip6teses. Sem seas ideias, o nuimero de observa;Ges possiveis seria praticamente infinito: ele ppoceria observar a cor cle cada pega de roupa do paciente, contar o rimero de fios de cabelo, perguntar o nome de todos os seus parentes ¢ assim por diante, Em vez disso, em fungio do problema que o paciente apresenta (a garganta d6i, ‘0 paciente escuta zumbido no ouvido, etc) © de acordo com as teorias da fisiologia e patologia humana, o médico ira concentrar sua investigagio em certas observaces ¢ exames especificos ‘Ao observar ¢ escutar tm paciente, o médico jé esté com a expectativa de encontrar um problema, Por i859, tanto na ciéncia como nas atividades do dia-a-din, nossa atencao, curiosidade e raciocinio so estimulados quando algo ‘nao ocorre de acordo com rossas expoctativas, quando nao sabemos explicar sum fenémeno, ou quando as explicagtes tradicionais no funcionam —ou seje, ‘quando nos defrontamos com um problema, de teste As \éteses cientificas devem ser passiv [Em cidncia, emos cle admitir, sempre, que podemos estar errados em rnossos palpites, Por iss0, ¢ fundamental que as hipsteses cientficas sejam testadas experimentalmente. ~ Hipéteses sao conjecturas, palpites, solugdes provisérias, que tentam re- solver uri problema ou explicar um fato. Entretanto, 0 mesmo fato pode ser expligado por vérias hipSteses ot teorias diferentes. Do mesmo modo como ha tim sem-nuimero de expitacoes para uma simples dor le cabega, por exemplo, (0 METODO NAS CIENCIAS NATURAIS SOCIAKS 5 «a histéria da cigncia nos mostra como os fatos foram explicados e problemas foram resolvidos de formas diferentes no longo co tempo. ‘Uma das primeiras tentativas de explicar a evolugio dos seres vivos, por ‘exemplo, foi a teoria de Lamarck (que supunha haver uma heranca das caracte- ristieas adquiridas por um organismo ao longo da vida), substituida depois pela teoria da evolucio por selesio natural, de Darwin (pela qual caracterfsticas herdadas aleatoriamente s8o selecionadas pelo ambiente). O movimento dos pplanetas foi explicado inicialmente pela teoria geocéntrica (os planetas e o Sol giravam ao recior de uma Terra imével) que foi depois substitufda pela teoria Hreliocéntria (a Terra eos planetas girando ao redor co Sol). Estes sio apenas dois exemplos, entre muitos, que mostramque uma teoria pode ser substitufda por outra que explica melhor os fatos ou resolve melhor Geterminados problemas. ‘A pattir das hipéteses, 0 cientista deduz uma série ce conclusdes ou previsées que serio testadas. Novamente, pademos utilizar a analogia coma pratica médica: se este paciente esté com uma infecgio, pense o médico, ele fslara com febre, Além disso, exames de laborat6rio podem indicar a presenga debactérias. Bis af duas previsbes,feitas a partir da hipétese nical, que podem set testadas. Se os resultados dls testes forem positives, ces ilo fortalecer a hipétese de infeccao. [No entanto, embora 0s fatos possam apoiar uma hipétese, torna-se bastan- te problemitico afirmar de forma conchisiva que ela é verdadeira. A qualquer momento podemos descobrir novos fatos que entrem em conflito coma hipdte- se, Além disso, mesmo hipdteses falsas pociem car origem a previsives verda- deires. A hipétese de infecgdo, por exemplo, prevé febre, que écanfirmada pela Teitura do termémetzo. Mas, outras causes também podem ter provocado a febre. Por iso, hipOleses confit wapesiinentalmente so aceites sempre com alguma reserva pelos cientistas: futuramente elas poderdo ser refutadas por novas experiéncias, Pode-se entéo dizer que uma hipétese s2r4 aceita como possivel ~ ou provisoriamente ~ verdadeiza, ou ainda, como vercadeira até prova em contrat. © fildsofo Karl Popper (1902-1994) enfatizou sempre que as hipéteses de caréter geral, como as leis cientificas, jamais pocem ser comprovadas ou ve cadas. E facil compreender esta posicio examinando uma generalizagio bem simples, como “todas os cisnes sao brancos’: por maior que seja 0 nuimero de cisnes observades, nfo pociemos demonstrar que 0 proximo cisne a ser obser- vvado sera branco. Nossas observagées nos autorizam a afirmar apenas que todos os cisnes observacos até ¢ moniento so brancos. Mesmo que acreditemos aque todos 0 sf0, nfo conseguiremos prové-lo, e pocemos perlzitamente estar enganacios, como, aliés, 60 caso ~alguns cisnes sao negros Para Popper, no entanto, uma tinica observagao de umm cisne negro pose, logicamente, refutar a hipétese de que todos os cisnes sio brancos. Assim, ‘embora as generalizagées cienificas ndo possam ser comprovadas, elas podem 6 [ALDA JUDITH ALVES-MAZZSTT & FERNANDO GEWANDSZNAJDER ser refutadas, Hipéteses cientificas, seriam, portanto, passtveis de serem refuta- das, ou seja,seriam potencialmente falsedveis ou refutveis, 3. Os testes devem ser_os mais severos possiveis Em ciéncia deveros procurartestar uma hipétese através dos testes mais severos possiveis. Isto implica em utllzar medidas ou testes estatistcos, se hnecesedtios e procuray, sempre que possivel, controlar os fatotes que podem Intervir nos resultados através deum teste controlado. Se, por exemplo, uma pessoa ingerir determinado produto e se sentir relhor de algam sintoma (dor de cabeca, or de estémago, et), ela pode supor ue a melhora deve-se a substineia ingerida. No entanto, € petfeitamente Soasivel que a melhora teria ocotida independentemente do uso do produto, ito é tena sido uma melhota expontinea, provocadia pelas defesas do orga~ rismo (em muites doencas ha serapre um certo mimero de pessoas que ficam ‘boas sozinhas) Para eliminar a hipétese de melhora esponténes, é preciso que 6 produto passe por testes controlados. Neste caso, sA0 utilizados dois grupos Ge doentes voluntétios: um dos dois grupos recebe o medicnmento, enquanto 0 Gutro recebe uma imitacio do remédio, chamacla placebo, que é uma pilula ou preparado semelhante ao temédio, sem conter, no entanto, o medicamento em Questo. Os componentes de amos os grupos néo so informados se estavar Gu no tomando 0 remédio verdadeiro, jf que o simples fato de uma pessoa Schar que est tomando o remétio pode ter um efeito psicol6gico e fazé-la ‘sentir-se melhor ~ mesmo que o medicamento ndo seja eficiente (¢ 0 chamado feito placebo). Além rls, comin a pessoa que fornece 0 remédio poderia, inconstientemente ou nao, passar alguma influéncia a quem o recebe, ela também néo ¢ informada sobre qual dos dois grupos esta tomando o reméo. © mesmo se aplica aqueles que itfo avaliar os efeitos do medicamento no ‘organismo: esta avaliagao poderd ser tendenciosa se eles souberem quem zeal- mente tomou remédio. Neste tipo de experimento, chamado duplo cego, os emédios sfo numerados e somente uma outra equipe de pesquisadores, nfo envalvida na aplicagao do medicamento, pode fazer a identificasio. Finalmente, nos dois grupos podem existir pessoas que melhoram da doenga, sea por efeito psicol6gico, seja pelas proprias defesas do organismo. ‘Mas, se um miimero sighifletivamente maior de individuos (e aqui entram 08 testes estatisticos) do grupo que realmente tomou o medicamento ficar curado, podemos considerarrefutada a hipétese de que acura deve-se exclusivamente Zo efeito placebo ou a uma melhora espontinea e supor que o medicamento fenha alguma eficécia, "Arepeticio de um teste serve para checit se 0 resultado obtido pode ser repro = icusvg por outros pesqinors 0 que consibul Fare 2 iaior objetividade do teste, na medida em que permite que se cheque a inter- (0 METODO NAS CIENCIAS NATURAIS E SOCIAIS 7 feréncia de interesses pessoais de determinado cientista na avaliagéo do resul- tado ~ entre outros fatores. 4. kL jcas De uma forma simplificada, pode-se dizer que as leis s4o hipéteses gerais aque foram testadasereceberam apo experimental que preterm destrover _relacdes ou regularidades encontrades em certos grupos de fenémenos. O Cardter geral de uima lei pode serilustracio por alguns exemplos, Alei da queda livre de Galileu vale para qualquer corpo caindo nas proximidades da superi- cie terreste e permite prever a velocidade e o espago percorrico por este corpo apés certo tempo. A primeira lei de Mendel (cada earéter € convticionado por um par de fatores que se separam na formagiio dos gametas) explica por que duas plantas de ervilhas amarelas, cruzadas entre si, podem produzir plantas de ervilhas verdes. Mas esta lei ndo vale apenas para a cor da ervilla. Ela funciona para diversas outres caracteristcas e para diversos outros seres vivos, permitindo previsdes inclusive para certas caracteristicas humanas. A lei da ‘conservagio ca matéria (numa reacio quimica a massa 6 conservada) indica que ‘em qualquer reacao quimica a massa dos produtos tem de ser igual & massa das pubitnas que aga. Al da reflex nena que sempre ie rao de iuz (qualquer um) se refletir numa superficie plana (qualquer superficie plana ang eset oer igual detncdensas nn Pe ‘As explicagdes e as previsbes cientticasutilizam els gerais combinadas a onde ini, que sto as creunstincs particulars que acompanham os fatos a serem explicados, Suponhamos que tum peso correspondiente A massa Ge der quilogrames € pencorado em tim fio de cobre ce umn mulimetro de fespessuira €0 fio se rompe, A explicagao para seu rompimento utiliza uma lei ‘que permite calcular a resisténcia de qualquer fio em fancSo cio material e da espessura. As condigdes iniciais sfo o peso, a espessura do fio eo material de que ele é formado. Para outros tipos de fendmenos, como 0 movimento das meléculas de wm £343, as proporcdes relativas das caracteristiens hereditévias surgidas nos cruza- ‘mentos ou a desintegragio radioativa, utilizamos leis probabilisicas. De qual= quer modo, hé sempre a necessicade de se buscar leis para explizar os fatos. A ciéncia néo consiste em um mero actimulo de dados, mas sim ruma busca da ordem presente na natureza 5. Teorias cientificas A partir de certo estégio no desenvolvimento de uma ciéncia, as lel deixam de estar isoladas e passam a fazer parte de teorias. Uma teoria é i. 8 [AUDA [UDI ALVESMAZZ01T1 & FERNANDO GEWANDSZNAJDER formada por uma reuniZo de leis, hipéteses, conceitos e definibes interligadas G covrentes, As feorias t&m tm cater explicativo ainda mais geral que as leis. ‘Ateoria da evolugio, por exemplo, explica a adaptacto individual, a formagio Ge novas espécies, a seqiléncia de fésseis, a semelhanca entre espécies aparen- tadas, e vale para todos os seres vivos do planeta. A mecénica newtoniana explica nao apenas o moviment5 dos planetas em toro do Sol, ou de qualquer Dutta estrela, mas também a formacio das marés, a queda dos corpos na superficie da Terra, as Grbitas de satélites e foguetes espacias, et. ‘O grande poder de previsiio das teorias cientificas pode ser exemplifieado pela historia da descoberta do planeta Netuno, Observou-se que as irregulari- Fades da érbita de Urano nfo podiam ser explicadas apenas pela atzacio exereida pelos outros planetas conhecidos. Levantou-se entio ahipétese de que hhaveria um outro planeta ainda néo observado, respons4vel por essas irregla- ridades. Utilizando a teoria da gravitagio de Newton, os mateméticos John C. ‘Adams e Urbain Le Verrier calcularam, em 1846, a massa ea posicio do suposto planeta, Um més depois da comunicagio de seu trabalho, um planeta com Equelas caracteristicas ~ Netuno ~ foi descoberto pelo telescdpio a apenas um grau dla posigho prevista por Le Verrier e Adams. Um processo semelhante fconteceu muitos anos depois, com a descoberta do planeta Pluto. ‘Vemos assim que a ciéncia no se contenta em formular generalizagSes como a lei da queda livre de Gaileu, que se limita a descrever um fenémeno, nas procura incorporar estas gereralizagbes a teorias. Estaincorporagao peemi- te queasleis possam ser deduzidas ¢ explicadasa partir da teoria. Assim, as eis de Charles e de Boyle-Mariotte (que relacionam o volume dos gases com @ [pressdo e a temperatura) podemser formuladas com base na teoria cinética dos gases. A partir das teorias é possivel inclusive deduzir novas leis a serem estadss. Além disso, enquanto as leis muitas vezes apenas descrevem uma reguleridade, as teoriascientifiees procuaram explicar estas regularidades, suge- «indo um mecanismo oculto por trés dos fendmenos e apelando inclusive para ‘tidades que nfo podem ser chservadas.E esse 0 caso da feoria cinta dos ates ue propos tn modelo pam a estrutura do gs (particles muito peque- nas, movendo-se ao acaso, ete.). “Apestr de todo éxito que a teoria poss ter em expicar a realidade, & importante rcoshecer que ela sempre conjectural, sel passvel decorregto ceRereigoamento, povendo ser subsutuida por outa teoria que explique thal os fatos Fol isto que ecorret coma mectnica de Laplace que procura- ‘rn cxpicar os fendmenon fisicos através ce Forgas centrais aan sobre pa Stina com a teoria de Lamaick da evolugdo, com a teoria do cari, ete: Seam # teoria de Darwin, embora superior 9 de Lamarck, contin sérias Jacunas e somente a moderta teoria da evolugo ~ 0 neodarwinismo —conse- fatoriamente através de ntutagbes) 0 aparecimento ce novi fi, a hstria da cidncia contém um grande mimero de dades genéicas txemplos de feoriagabandonadase substuldas por outras (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS E SOCIAIS 9 A nov tris deve ser capes no de dar ota ds fen cxpcados pla tora antiga, como tambm de expen fotos nevon, Assit teoria da relatividade é capaz de explicar todos os fendmenos explicados pela tcrin newton © ands fone que ators nowonica seveloeas IReapee deeply, come asinegterdndes pln Mocs rege sata on aries queso orem aves proses da ue ae tnt as pres dara newtoana contin ves dent se ees lines Cuando balan com voces pestonescompartoncon ras tus pur tramp leegs ene eli Telos a ss dae wove Cisne ser malo pens fal deez posendo se deeds na peie Ca Como oe edlclne ects emtaisn so as ese pile de stn feos to cone en aplzagies na engage tonto defepuces enti ‘ine scenes lero obtose mecarismosocutesedesconhe- cies, Nenad, no saunos come net un von es cont tienen elven sno cmd ina ee Seti sipliiadn eps de aig gue pons el Una das coe erreur ee eee eae Iailzadocesinplinds seats coe occ cnc eposo ISel no uals menses de corp, ¢ msn doles eatin do oso considers despecivesAcontragio de modes sinpieaos tele ‘Stam aieea pce cele pre met ane tentials haturas quem nose forme preter spot mente, representa algo fal, podemos realizar experiments para test sun ‘ated Date mode pent os pores cagh omoasoe mio mal Sept de ema pon is ve a ede a Sra, pone com orem on pp ssn a cn prot, formalando teva cada vez nals amples e profurclas, capazes de explicar una maior varledade de fendimenc.Entretanto, fan sno nto ocrts deve senate’ coro oleae spas pra e noted ence Tsimentsallmar qua nia €objtvando sgn zee que ss eee ar maa eee ae iaceata nd tase cape dermal cpubtea pee pee serem submetidas a criticas por parte de outros cientistas; na disposicio de ical efor que psc at esadasesperinentaivete ts eg Gequeserpitndnsgacncads ede celts sents poses ope os tn to for nett. aos ess pocednentos vce ae inutnel dents sues na avlagi le pots ert avarés de tm conto ierubjev, eaves da tephen do ee por outs perssdues entatés doo deparmereoonrldes CAPITULO 2 Ciéncia Natural: Os Pressupostos Filos6éficos Nest capfalo vamos ducati as pencipasconcepstes acerca da naturza te ee coe e varios pontos, é possfvel extrair algumas conclusdes importantes, que sio Ge vac Ponce Pose efenion a tan da blvd como mee! do ‘conhecimento cientifico. 1. 0 positivismo légico mo positivismy vous de Comte, que considerava a cltneia como 0 (an ama stir a ne ae | Comte para a linha ‘anglo-amercana foi a combinacio de idéias empiristas (Mill, Hume, Mach & Russell) com o uso da légica moderna (a partir dos trabalhos em matemstica e l6gice de Hilbert, Peano, Frege, Russell e das idéias do Traciatus Lagico-Philasophicus, de Wittgenstein),Dafo movimento ser chama~ Go também de positivismo légico ou empicismo légico. © movimento foi “nfluenciado ainda pelas novas descobertas em fisica, principalmente a teoria quintica e a teoria da relatividade. (Para uma exposisio mais detalhada das jdéias ¢ do desenvolvimento do positivismo légico ver Ayer, 1959, 1982; Gillies, 1995; Hanfling, 1981; Oldroyd, 1986; Radnitzky, 1973; Suppe, 1977; Urmson, 1956; Wedberg, 1984.) ‘bora tenha gurgido nos anos 20, na Austria (a partir do movimento coaheado como “Cictlo de Vin", hndndo pelo Holo Most Sel, ‘Alemanha ¢ Poldnia, muitos de seus principals filésofos, como Rudolf Carnap, Hens Reichenbach, Herbert Feigl e Otto Neurath, emigraram para os Estados ‘Unidos ou Inglaterra com o surgimento do nazismo, uma ver que alguns dos (0 MET000 NAS CIENCIAS NATURAIS E SOCIASS u membros do grupo eram judeus ou tinham idéias liberais ou socialistas incom- ppativeis com 0 nazismo. Para o positivismo, a Légica ¢ a Matemitica seriam vélidas porque estabe- lecem as regras da linguagem, constituindo-se em um conhecimento a priori ow seja, independente da experiéncia. Em contraste com a Logica ea Matemética, porém, 0 conhecimento factual ou empirico deveria ser obtido a partir da observacio, por um método conhecido como indusio, A pattir da observacio de um grande mimero de eisnes brancos, por exemplo, conclufmos, por inducio, que 0 proximo cisne a ser observado seré branco. Do mesmo modo, a partir da observagao de que alguns metais se dilatam quando aquecidos, concluimos que todos os metais se dilatam quando aquecidos e assim por diante. A indugio, portanto, € 0 processo pelo qual’ podemos obter e confirmar hipéteses e enunciados gerais @ parlir da observa- io. As Jeis cientificas, que s0 enuunciados gerais que indicam relagdes entre dois ou mais fatores, também poderiam ser obtidas por indugdo, Estudando-se a variagio do volume de wm gas em funcio de sua pressao, por exemplo, ‘concluimos que o volume do gas é inversamente proposcional 8 pressio exerci- dda sobre ele (lei de Boyle). Em termos abstratos, as leis podem ser expressas na forma “em todos os casos em que se realizam as condigées A, ser4o realizadas 1s condigdes BY. A associagio das leis com 0 que chamamos de condicées, iniciais permite prever e explicar os fenémenos: a lei de Boyle permite prever ‘que se dobrarmos a pressio de um gas com volume ce um litto,em temperatura constante (condigdes iniciais), esse volume seré reduzido & metace. Embora o termo teoria tenha varios signilicados (podendo ser utilizado simplesmente como sindnimo de uma hipétese ou conjecture), em sentido estrito as teorias sfo formadas por um conjunto de leis ¢, freqiientemente, procuram explicar os fendmenos com auxilio de conceitos abstratos @ néo diretamente observéveis, como “tomo”, “elétron", “campo”, “selegao natural” etc. Esses conceitos abstratos ou te6ricos estio relacionados por regras de cortespondéncia com enunciados dliretamente observéveis (0 panteiro do apa relho deslocou-se em 1 centimetro, indicando ma corrente de 1 ampate, por ‘exemplo). As teorias geralmente utilizam modelos simplificados de uma situagio mais complexa, A teoria cinética cos gases, por exemplo, supde que um gas sejt formado por particulas de tamanho desprezivel (étomos ou moléculas), sem {orcas de atracéo ou repulsio entre elas em movimento aleatério. Com auixilio desse modelo, podemos explicar ¢ deduzir diversas leis ~ inclusive a lei de Boyle, que relaciona a pressio com o volume do gés (se o volume do recipiente do gas diminuir, o nsimero de choquies cas moléculas com a parece do recipien- ‘te aumenta, aumentando a pressio do gas sobre a pared?) sew 2 [ALDA JUDITH ALVES MAZZOTT& FERNANDO GEWANDSZNAIDER 0s positivists exigiam que cada concsito presente em uma teoria tivesse ‘como reertncla algo observavel. Into explica 8 oposigfo A teoria atdmica no ‘clo do séeulo embora esta teoriaconseguisseexplicar as leis da quimica, as propriedades cos pases ea natura do calor, Mach e seguidores nfo a aclta eeppvuma ver que os étomos nig podiam ser cbservados com qualquer técnica Jmaginavel da época. A aceitagzo de uma li ou tora seria decidida exclusivamente pela obser- ‘ago ou experiment, Uma lei onteoriapoderia ser testada dices ou inireta- Talis com undo de sentengas odservacionais que descreveriam o que uma peawoa estri experimentando em determinado momento seriam sentencas do po "um culbo vermalho ets sobre a mest). Estes enuincados forneceriam Ue base empiica sida, n pari da qual poderia ser consruido 0 conheci- thunto centiico, gazantindo, ainda a objetividade ca ciéncia ‘Para o poslvismo, as sentengas que nfo puderem ser verfcadas empiti- camente exteviam fora da Frontera do conkecimento: seriam sentengas sem sentido. A tarefa da Elosofia seria pens a de analisaslogicaments 0s conceitos SGontificos. A verificabilidade sera, portanto, o citério de significaglo de wm. crnclado: para todo enunciado com sentido devera er possivel decidir seele G falgo ou verdadeito. "AS leise teorias poderiam ser formuladas everficadas pelo método indu- tivo, umm processo pelo qual a parir de um certo nimero de observacies eeinidad de um conjunto de objets, fatos ou acontecimentos (a observagio de tiguns canes brances),concluimos ago aplicivel a um conjunto mais amplo (talos os snes sfo brancos) ou «casos dos quais no tivemos experiéncia (0 proximo cisneseré Branco). Mesmo que néo gerantisse cetteza, o uso indutivo poderia confer probabilidade cada ver maior ao conhecimento cientifco, que se aproximaria Pie vex mais da verdade. Haverla um progresso cumulativo em ciéncia:novas feise teorns serlam capazes de explicar e prever um niimero cada vez maiorde fenémencs. TMuitos filésofos positivistis admitiam que algumas hipGteses, leis teoris nao poslem ser obticas per inducio, mas sim a parti da imaginacio Cetlavidade do cientista. A Hipotese de que a molécula de benzeno teria a founa de um arel hexagonal, por exemplo, surgit. na mente do quimico Frederick Kelalé ~ quando ele imaginot! uma cobra mordendo a prépria nuda, Hi‘ aga! uma idia importante, antecipada pelo fil6sofo John Herschel {€830)e depois reatirmada por Popper (1975s) Reichenbach (1961):a diferenca hire “contexto da descoberta"e'0 “context da jstiicagfo”, Isto quer dizer Gue 0 piocedimento para formlar ott descobrir uma teoria é irelevante Ha gun sestagzo. No enfanto, embora nfowhala regra para a invenco ou Mggndberta de novas hipSteses, una vez formulads, elas teriam desertestadas experimentalment. « (© METODO NAS CIENCIAS NATURA'S & SOCIAIS B Na realidade, os positivistas nao estavam interessaclos exatamente em ‘como o cientista pensava, em suas motivagbes ou mesmo em como ele agia na pprtica: isto seria uma tarefa para a psicologia e a sociologia. O cue interessava ‘eram as relagbes logicas entre enunciados cientificos. A légica da ciéncia forne- ceria um critério iden! de como o cientista ow a comunidade cietifica deveriaagix ‘ou pensar, tendo, portanto, um caréter normativo em vez dle descritivo. O objetivo central nao era, portanto, o de explicar como a ciéncia funciona, mas justificar ou legitimar 0 conhecimento cientifco, estabelecendo seus fundamen- {08 logicos e empiricos. 1.1 Criticas ao positivismo Popper e outros filésofos questionaram o papel azibuido Aobservago no positivism logico. A idéia ¢ que toda a observacio ~ cientifica ou nao —esté imersa em teorias (ou expectativas, pontos de vista, ete). Assim, quando um cientista mede'a corrente elétria ou a resistencia de um cirewto ou quando observa uma eélula com 0 mierosc6pio eletrnico, ele se vale de instrumentos construfdos com auailio de complicadas teoris fisicas. A fidedignidade de uma simples medica ca temperatura com auxiio de um termémetro, por exemplo, depencle da lei da dilatagéo co merctiro, assim como a observacao através de uum simples microsc6pio éptico depencle das leis da refracto. ‘Atese, hoje amplamente aceita em flosofia da ciéncia, de que toda obser- vagio é “impregnada” de teoria (Hheoryladen) foi defendida jé no infcio do século pelo fil6sofo Pierre Duhem. Dizia ele, que “tum experimento em fisica nao é simplesmente a observagao de um fendmeno; 6 também ¢ interpretagio teGrica desse fetémeno” (Dthem, 1954, p.14d), Em resumo, do momento em que as observagées incorporem teoris fli- vis, elas no poclem ser consideracas como fontes segueas para se construir 0 conhecimento e no podem servir como uma base séida para oconhecimento entifico, como pretendia o positivismo. (Mais detalhes sobre a relacdo entre observagio e conhecimento estao em: Gregory, 1972; Hanson, 1958; Musgrave, 199; Popper, 1975b; Shapere, 1984; Watkins, 1984.) (Outro problema para o positivismo foi a critica A inducio. J& no século dezoito, o filésofo David Harrie questionava a validade do raclocinio indutivo, argumentando que a indugto nao é um argumento deduti- vv e, portanto, nao ¢ logicamente vélida (Hume, 1972). Além disso, ela também nao pode ser justficada pela observacio: 0 fato de que todos os cisnes obser- ‘vados até agora sejam brancos, nfo garante que o préximo cisne seja branco ~ rem que todos os cisnes sejam brancos. A indugio no pode, portanto, ser justificada ~nem pela légica, nem pela experiéncia. ory |ALDA JUDITH ALVES MAZ20TT & FERNANDO GEWANDSZNAJDER Se passarmas de generalizagSes superficiais, como a dos cisnes, paraas leis, ceteoriay cientificas, 0 problema se complica mais ainda. A partir da observagio Ge ann certo ndimero de fatos, podemos extrair diversas leis eteorias cientificas Compatives com os dads recolhidos, Isto quer dizer que. induct, por si 6, SRoe suficionte para descobrizaas qual das generalizagbes € ¢ que melhor explica os dados. ‘lém disso, mesmo que procedimentos indutivos permitam reunir um conjunto de dados e formar generalizagies superficiais (do tipo “todos o= settle ge dilatam”), eles s40 insufcientes para originar teorias profundas, que [pelam para conceitesimpossvels de serem percebidos por observagio direta, ‘como elétron, quarck, selegio nattxal, etc ‘Os fil6sofos positivistas afirsam, no entanto, que o método indutivo pode ser usado para atumentar o grau de confirmagio de hipsteses e teorias, Com Sepa da teoria da probabilidade, procuram desenvolver uma logica indutiva para medir a probabilidade de uma hipétese em fangto das evcéncins a sett Favor (caleulando, por exemplo, a probabilidade que um paciente tem de ter ddeterminada doenga em fungio dos sintomas que apresenta). “A construgao cle uma logica incutiva contout com a colaboracio de varios positivistas l6gicos, como Carmap (1950) ¢ Reichenbach (1961) ¢ ainda tem Bofensores até hoje, que procuran,, por exemplo, implementat sistemas induti- Gos em computadores para gerar e avaliar hipoteses (Holland et al, 1986). ‘Outra linha de pesquisa, o kayesianismo, utiliza o teorema de Bayes (em rhomenagem ao matemético inglés do século XVII, Thomas Bayes) para atuall- Zzaro grau de confirmagio de hipsteseseteorias a cada nova evidéncia, a partir de rsa probabilidade inicial edas evidénciasa favor da teoria. (Para exposigio CTiefese do bayocianismo, vor Howson & Urbach, 1989; Jeffrey, 1983; Horwich, 1982.) ‘Os sistemas de légica indutiva e as tentativas de atribuir probabilidade a hip6tesese teorias tém sido bastante crticados e apresentam muitos problemas Ai resolvidos, Mesmo que se possa atribulr probabilidade a enunciados gerais, parece muito diffell ~ Sendo impossivel ~ aplicar probabilidades &s teorias Mrgntifies profundas, que tratam de conceitos nfo abservéveis. (Para exiticas Tépien indutiva, 20 bayesianismo e & busca de prineipios que justifiquem 9 indusio, ver: Eazman, 1992; Gillies, 1993; Glymoutr, 1980; Lakatos, 1968; Miller, 1994; Pollock, 1986; Popper, 1972, 1974, 1975a, 1975b; Watkins, 1984). ‘ApartrdascriticasAindugio, Popper tenta construir uma teoria acerca do ntl clonifico (também ace-ca do conbectinento em geral) quenfoenvolva aiteae to que no sei, portanto, vlnerivel aos argumentos de Fume. A {questo 6: como é pbssfvel que 20550 conhecimento aumente a partir de hipé- (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS F SOCIAIS 1B tec eis fora que no posem ser comprovadss? (Mais acre as dn de oper re 13 Gani Mags Nir ianere 1 Oe 198, Poppe 1972, 197,75, 197, 1 Schilpp, 1974; Watkins, 1984.) . 9 Os 2.1 0 Método das conjecturas e refutacdes Popper aceita a conclusto cle Hume de que a partir de observagdes © igi to pornos verfent 9 verdad (ou aurea «protide) de enunciados gerais, como as leis ¢ teorias cientificas, No entanto, diz, Popper, a observacio e a légica poclem ser usadas pard(refutat esses enunciados gerais: a observagio de um tinico cisne negro (se ele de fato for negro) pode, logicamen- te, refutara generalizacao de que tocos os cisnes so brancos. Hé,portanto, uma assimetria entre a refutaglo ea verificacdo. ‘A partir dat, Popper constréi sua visdo do método cientifico- 0 racionalis- 9 critico~ e também do conihecimento em geral: ambos progrcdem através do, qiie ete chama de conjecturas e refutagdes. Isto significa que a busca de conhe- Cimento se inicia com a formulacio de hip6teses que procuram resolver proble- ‘mas e continua com tentativas de refutacio dessas hipdteses, através de testes que envolvem observagbes ou experimentos. Se a hip6tese nZo resist aos testes, formulam-se novas hipsteses que, por sua vez, também serao testadas. Quando uma hipstese passar pelos testes, ela serd aveita como uma solugéo pertrta pan probe. Cosidernae, eno, qua hipdee fal corroborda ‘ou adquiriu algum grau de corroboragéo. Este grau ¢ fungio da saveridade dos eee cea seen eee eet hhipétese ou teoria passou por estes testes. O termo corroboracta é preferivel & confimago para no das ain de que as hp, el om ois sho ver eas ou se tormam cada ver mais provéveis a medica que passam pelos testes. ‘A.corroboracio é uma medida que avalia apenas 0 sucesso passado de uma teoria e nto diz nada acerca de seu desempenho futuro. A qualquer momento, novos testes poderiorefutar uma hipétese ou uma teoria que foi 3em-sucedida zo passado, isto 6, que passou com sucesso pelos testes (como aconteceu coma hipdtese de que todos os cisnes sio brancos depois da descoberta de cisnes negros na Austria) [As hipéteses, leis ¢ teorias que resistiram aos testes até o momento so importantes porque passam a fazer parte de nosso conhecimento de base: podem ser usadas como “verdades provisérias”, como um conhecimento ndo problemético, que, no momento, nao esté sendo contestado, Mas a decisio de aceitar qualquer hip6tese como parte do conhecimento de base ¢ temporéria ¢ pode sempre ser revista e revogada a partir de novas evidéncias. 16 |ALDA JUDITS ALVESMAZZOVT & FERNANDO GEWANDSZNAJDE Por vivias veres, Popper protestou por ter sido confundido por seus esteem laos, por even) cen “sscaonsta ingino” GPoppen 1H, Pant, norte org esses ros confer ref (rope or jo com vetulagio enn xprinentl Em nivel experimental se or tkcy munca poderon provi conclsivamente qu una toi fl isto decorre do carater conjectural do conhecimento. Mas a tentativa de refuta- se eects comm a apoio da Togica dedutiv, que est ausene na fentativa de corre de aceitar que wna hipotese fl refutada 6 sempre conjectural pode ter hai un eno a observacio ot no experiment que passou desper- reside Nocntnio, se a observaco ow o experimentoforem bem ralizaclos€ ide or duvides quanto a sua corrgto, podemasconsiderar que, em pit- aoe eoviorimente, a hipotse fl reftads, Quem duvidar do resultado ire art questa”, mus par eso deve apresentarevidéias de que ro vee aaro tavexperimento ou na observagio. No caso do cise, isto Shuler srr que suman crtum dst quesetateade mci ance pintado de preto, por exeplo : prance Pfutaglo conta com 0 apot L6ico presente em argumentos do tio: sods ooze so branes; esteisne nego logo €falsoquetodoso ines creer acon. Nete caso, esos dite de um argumento dedativamente wir te tipo apoto, porém, do est presente na comprovacioindutiva, Popper tan endo Hg codutva no Para prov era, mas Par citioh oe Tipton teotis funciona como presses de um argument daar crecas remisras deduims provisbes i ser tesiadas experimental rare Se ung pfeviato for false, pelo menos uma das hipseses os teorias Meee dos dave lnlan Desse modo, a gica dedutiva passa ase um Instr mento decrica. 2.2 A importancia da refutabitidade een aciimne wren eas et in tenn gnc tess ti evo (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS & SOCLAIS v conjunto de falseadores potenciais nos dé uma metiida do contetido ‘empitico da teoria: quanto mais a teoria “profbe”, mais ela nos diz acerca do mundo. Para compreender melhor essa coloeacao, observe-se 0 caso oposto: 0 de enunciadlos do tipo “vai chover ou-ndo vai chover amanhé”. Enunciados deste tipo nio possuiem falseadores potenciais e, portanto, nao tem contetido ‘empitico ow informativo, nao sio testaveis ou refutaveis e nadia dizem acerca do mundo nem contribuem para o progresso do coniecimento. Por outro lado, quanto mais geral for um enunciado ou lei, maior seu contetido empirico ou informativo (a generalizagao “todos os metas se dilatam ‘quando equecidos” nos diz, mais do que “o chumbo se dilata cuando aqueci- do”) e maior sua refutabilidade (a primeira afirmagio pode ser refutada caso algum metal - inclusive 0 chumbo ~ néo se dilate, enquanto a segunda s6 é refutada caso o chumbo no se dilate). Concluimos entio que para acelerar 0 progresso do conhecimento deve- -mos buscar leis cacia vez mais gerais, uma vez que 0 risco de refutagio e 0 contetido informative aumentam com a amplitude da lei, aumentando assim a chance de aprendermos algo novo. ‘Um raciocinio semethante pode ser feito com a busca de leis mais precisas. Fssas leis tém contetido maior e arriscam-se mais & refulagio; exemplo: “a dilatagao dos metais ¢ diretamente proporcional ao aumento dla temperatura” tem maior refutabiliciade do que “os metaisse dilatam quando acuecicos”, uma ‘vez que este tiltimo enunciado somente seré refutado se 0 metal nfo se dilatas, ‘enquanto © primeiro enunciado serd-refutado caso o metal néo se dilate ou quando a dilatagao se desviar significativamente dos valores previstos. A refulabilidade tamioém se aplica a busca de leis mais simples. Se medi mos a simplicidade de uma lei em Fungo do niimero de parasietros (0 critério de Popper), veremos que leis mais simples sio também mais refutaveis (a hipétese de que os planetas lém érbitas circulares € mais sirrples do que a hipétese de que os planetas tém érbitas elipticas ~j4 que ocirculo € um tipo de elipse) Portanto, de acordo com Popper, a ciéncia deve buscar leis e teorias cacla ‘vez mais amples, precisas e simples, jé que, desse modo, maior serd a refutabi- lidade e, conseqiientemente, maior a chance de aprendetmos com nossos eros, ‘No entanto, néo se deve confundir refutabilidace com refutagdo: a lei mais precisa, simples ou geral pode nao ser bem-sucedica no testee terminar substi- tuida por uma lei menos geral (ou menos simples ou precisa). A avaliagio das teorias s6 estar completa apés os resultados os testes. Na realidade, o que definiré o destino de uma teoria serd o seu grau de corroboracio. importante compreender, porém, que ha uma ligagio entre a refutabili- dade e a corroboracio: quanto maior @ refutabilidade ce uma teoria, maior o riimero de acontecimentos que ela “proibe” e maior a variedade e severidade dos testes a que ela pode ser submetida. Conseqtientemente, maior 0 grau de corroboragio adquirido se a teoria passar pelos tests. 18 [ALDA JUDITES ALVESMAZZCTT & FERNANDO GEWANDSZNAIDER ‘A conclusto é que teorins mais refutévels possuem maior potencial de corroboragio ~embora tuma teoria 6 aleance de fato um alto grau de corrobo- fagdo ve, aiém dealtamenterefutdvel ela também passar com sucesso por testes severos. ‘A refutabilidade nos dé, entéo, um critério « priori para a avaliagdo de teoris: se quisermos 0 progresi® do conhecimento, devemos buscar teorias ada ver mais rfutéveis (geras, precisase simples). A seguir, devemos subme- flas aos testes mais rigorosos possivels. Temos assim um critério de pro- fresso! teorias mais refutAveis representam wm avango sobre teorias menos Rofutaveis - desde que as primeiras sejam cortoboradas e nio refutadas ‘Popper esti, na realidade, propondo um objetivo para aciéncia:a busca de teorias He maior refutabilidade e, consegjentemente, de maior contesido empi- fico, mais informativas e mais testiveis. Estas sfo, também, as teorias mais ‘erat, simples, preisas, om maicr pater explicativo e preditivoe ainda, com ‘Rtior potencial de corroboracio.# através dessa busca que iremos aumentar 8 chance de aprendermos com noss0s err0s. Finalmente, 0 conceito de refutabilidade pode ser usado também para resolver o problema da demarcagio, isto & 0 problema de como podemos dlistinguir Ripoteses centificas dehipéteses nao cientificas. fara o positivismo, uma hipétese sera cientfica se ela pudesse ser verifi- cada experimentalmente. No entento, as critieas 3 indugio mostram que essa Comprovacio é problemdtica. Popper sugere entio que uma hiptese ou teoria Sea considerada clentfica quando puder sec refutada. Teorias que podem explicar e prover eventos doservéves so refutdveis: se 0 evento nfo ocorzer & feria falsa,Jé tearias irrefutéveis (do tipo “vai chover ou nfo amanhi") no tem qualquer vatdter cienifico, wina vez que nfo fazem previsoes, ndo tem poder explanatorio, nem podem er testades experimentalmente, 2.3 Verdade e corroboracao Ada. de verde tem, ar Popper um opel imporate em ute dologia, funcionando como tm principio regulacor que guia a pesquisa cient- Persea propria ida de eo (.) implica aida ce uma verdade ojetiva ue podemos deixar de aleangar’ (Poppet, 1972 p. 252). rR definigso de verdad usada por Popper € a cle corresponcléncia com os fotos, Este seria o sentido de verdade para 0 senso comum, para a ciéncia ou parz um julgamento em um tibunal: quando uma testemunta jure que fla a Parade ao ter visto 0 1éu comeler 0 crime, por exemplo, espera-se que ela tenlha, de fato, visto o ex cometerocrime. {ito se deve confundir, porkm, a idéia ou a definigfo de verdade com um citerg de verdade,Tettos idela do que significa dizer que “é verdade que a (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS SOCtAIS 1» sacarina provoca cincer", embora os testes para determinar se isto de fato acontece (08 eritérios de verdacle) nto sejam conclusivos. 'Em certos casos ¢ até possivel compreencier a idiéia de verdade sem que seja possivel realizar testes que funcionem como critérios de verdade. Pode-se compreender o enunciado "E verdace que exatamente oito mil anos atrés chovia sobre 0 local onde exa a cidade do Rio de Janeiro”, embora nao soja possivel imaginar um teste ou observagio para descobrir se este enunciado & verdadeiro, ‘ss0 quer dizer que néo dispomos de um eritério para reconhecer a verda- de quando a encontramos, embora algumas de nossas teorias possam ser vverdadeiras ~ no sentido cle correspondéncia com os fatos. Porlanto, embora ‘uma teoria cientifica possa ter passado por testes severos com sucesso, ndo podemos descobrir se ela € verciadeira e, mesmo que ela 0 se, nfo temos como saber isso com certeza. ‘No entanto, segundo Popper (1972), na hist6ria da ci@ncia hS vétias situa- ‘gbes em que uma teoria parece se aproximar mais da verdade de que outra. Isto acontece quando uma teoria faz afirmagoes mais precisas (que sto corrobor- dias); Guando explica mais fatos; quando explica fatos com mais detalhes; quando resiste a testes que refutaram a outra tooria: quando sugere testes novos, nfo sugeridos pela outra teoria (e passa com sucesso por estes testes) © quando permite relacionar problemas que antes estavam isolados. Assim, mes- ‘mo que consideremos a dinmica cle Newton refutada, ela permenece superior as tearias de Kepler e de Galileu, uma vez que a teoria de Newton explica mais fatos que as de Galilew e Kepler, além de ter maior preciso e de unir problemas (mecinica celeste e terrestz) que antes eram tratados isoladamente. ‘© mesmo acontece quando comparamos a teoria da relatividade de Bins- tein com a dinamica de Newton; ox a teoria da combustio de Levoisier e a do flogisto; ou quando comparamos as diversas teorias atOmicas quese sucederam ‘ao longo da historia da ciéncia ou, ainda, quando comparamos a seqiiéncia de teorias propostas para explicar a evolucio cos seres vivos. [Em todos esses casos, 0 grau ce corroboracio aumenta quando ceminha- ‘mos das teorias mais antigas para as mais recentes. Sendo assim, diz. Popper, 0 ‘gra de corroboracZo poderia indicar que uma teoria se aproxima mais da vverdade que outra ~ mesmo que ambas as teorins sejam falsas. Isto acontece ‘quando 0 contetido-verdace de uma teoria (a classe das conseqiiencias I6gicas ‘everdadeiras da teoria) for maior que oda outra sem que 0 mesmo ocorra com ‘o-cantetido falso (a classe de conseqiténcias falsas ce ume teoria). Isto é possivel, ‘porque a partir de uma teoria falsa posiemos deduzir tanto enunciados falsos ‘como vercadeiros: 0 enunciado “toclos os cisnes so brancos" é falso, mas a ‘conseqiiéncia légica “todas os cisnes clo zoalogico do Rio de Janeiro sao bran- ‘cos” pode ser verdadeira. Logo, uma teoriafalsa pode conter maior nuimero de afirmagbes verdadeiras do que outra. 20 [ALDA JUDITH! ALVES MAZZOTT& FERNANDO GEWANDSZNAIDER Se isto for possivel, a corroboragfo passa a ser um indicador para uma aproximagao da verdade, eo objetivo da ciéncia passa a sero de buscar teorias dada vez mais proximas 4 verdade ou, como diz Popper, com um grau cada vez tnaior de verossimithanca ou verossimilitude (versimilitude ou, truthikeness,em inglés). 2.4 Critica das idéias de Popper Boa parte das eriticas das idéias de Popper foram feitas pelos repre- sentantes do que pode ser chamado de “A nova filosofia da ciéncia”: Kuhn, Lakatos e Feyerabend. Para Andersson (1994), estas crticas apdiam-se pri palmente em dois problemas metodol6gicos: 0 primeiro é que os enunciados Felatando 0s resultados dos testes esto impregnados de teorias, O segundo, & {que ustialmente testamos sistemas tebricos complexos e nio hipéteses isoladas, do tipo “tacos os cisnes sao brancos”. ‘Suponhamos que queremos testar a teoria de Newton, formadia pelas trés Icis do movimento e pela lei da gravidade. Para deduzir uma conseqiiéncia observavel da teoria (uma previsio), precisamos acrescentar & teoria uma série Ge hipéteses auxiliares, a respelte, por exemplo, da estrutura do sistema solar e fe outros corpos celestes. Assim, para fazer a previsio a respeito da volta do Yamoso cometa ~ depois chamato cometa de Halley -, Halley no utilizow apenas as leis de Newton, mas também a posigio e a velocidade do cometa, caleuladas quando de sua aparigio no ano de 1682 (as chamadas condigdes {nicias). Além disso, ele desprezou certos dados considerados irrelevantes (a influéncia de |piter foi considerada pequena demais para influenciar de forma ‘sensivel 0 movimento do cuuels). Por isso, se a previo de Halley nfo tivesse Sido cumprida (0 cometa voltou no més e ano previsto), nfo se poderia afirmar aque a teoria de Newton foi refutada: poderia ter havido um erro nas condigdes {niciais ou nas chamadas hipéteses auxiliares. Isto significa que, quando uma ‘provisio feita a partir de uma teoria fracassa, podemos dizer apenas que pelo fnenos uma das hipéteses do con unto formado pelas leis de Newton, condigoes iniciais e hipoteses auviliaes ¢falsa ~ mas ndo podemos apontar qual delas foi responsavel pelo fracesso da previsdo: pode tex havido um erro nas medidas da Grbita do cometa ou endo a influéncia dle Jipiter ndo poderia ser desprezada. Feta critica também foi fornulada pela primeira vez por Pierre Duhem, que diz: © fsico nanea pode submeter vara hipotese sola a um teste experimental, mss somente todo um conjuta de hipsteses. Quando 0 experiment se ccloca em desecordo com a prod, o que ele arene € que pola menos wma des hipéteses do grupo 6 inaceitvel & Fem ae ser molfctda; aso eyperimento nao indica qual delas deve ser mudada (1554, p.l8n. s (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS E SOCIAIS a Duhem resume entio 0 que é hoje designado como tese de Duhem: “Um experimento em Fisica nfo pode nunca condenar uma hipétese isolada mas apenas todo um conjunto tebrico” (1954, p. 183) Na realidade, mais de uma teoria ~eaté todo um sistema de teorias ~ pode estar envolvico no teste ce uma previséo. Isto porque, teorias cientificas gerais, ‘com grancle amplitude, como a teoria de Newton, s6 podem ser testadas com auxilio de teorias mais especificas, menos gerais. ‘As quatro leis de Newton, juntamente com os conceitos fundamentals da teoria (massa, graviiade et.) formam o que se pode chamar de micleo central ‘ou suposigGes fundamentais da teoria. Este nicleo precisa ser enriquecicio com ‘um conjunto de “miniteorias” acerca da estrutura do sistema solar Este conjun- to constitui um modelo simplificado do sistema solar, onde se considera, por ‘exemplo, que somente forcas gravitacionais sio relevantes e que aatragao entre planetas é muito pequena comparada com a atracao do Sol Se levarmos em conta que os dados cientificos so registrados com instru- mentos construidos a partir de teorias, podemos compreender que 0 que esté tendo testado na reaidade, uma tla complena de eorias ehipotses sui: ) res ¢ 4 refutagdo pode indicar apenas que algo esté errado em todo esse | conjunio, Isto significa que a teoria principal (no caso a teoria de Newton) nao precisa ser modificada, Podemos, em ver. disso, modificar uma das hipdteses auxiliares. Um exemplo cléssico dessa situacio ocorréu: quando astronomos ealcularam a érbita do planeta Urano com auxilio da teoria de Newton e descobriram que esta érbita néo concordava com a 6rbita observada, Flavia, portanto, oque chamamos em filosofia da ciéncia, de uma anomalia, isto é, uma observacio que contradiz: uma previsao. _ ‘Coma vimos, dais astrdinamas, Adams @ Le Verrier, imaginaram, entio, que poderia haver um planeta desconhecido que estivesse alterando a érbita cle Urano. Eles modificaram, portanto, uma hipstese auxiliar -ade que Urano era 6 timo planeta do sistema solar, Calcularam entao a massa e a posigéo que o planets desconhecido deveria ter para provocar as discrepancias entre a drbita previstae a éxbita observada. Um més depois da comunicacio deseu trabalho, fem 23 de setembro de 1646, um planeta com as caracteristicas previstas ~ \Netuno ~ foi observado. Neste caso, 0 problema foi resolvido alterando-se uma das hip6teses auniliares, a0 invés de se modificar uma teoria newioniana. Em outta situagio bastante semelhante ~ ume diferenga entre a érbita prevista e a drbita observada do planeta Merctirio -, Le Verrier se valeu da ‘mesma estratégia, postulando a existéncia de um planeta, Vulcano, mais proxi- ‘mo do Sol do que Mercirio. Mas nenhum planeta com as caracteristicas previs- {as foi encontrado. Neste caso, 0 problema somente péde ser resalvido com a | substituicio da teoria de Newton pela teoria ca relatividade - nenhura mu- dang nas hipoesessucines foi paz de resolver o problems, expicando a \ | | 2 [ALDA JUDITHE ALVES MAZZOTTT & FERNANDO GEWANDSZNAIDER, ‘A partie da, vétios fil6sofosda cifncia ~ principalmente Kun, Lakatos ¢ Feyerabend ~ consideram que rem Popper hem os indutivistas resolveram fadequadamente 0 problema de como testar um sistema complexo de teorias, formado pela teoria principal e pelas teorias e hipéteses auailiares envolvidas no teste, Para esses filésofos, é sempre possivel fazer alteragbes nas hipéteses © teorias auxiliares quando uma previsio nfo se realize. Desse modo, podemos ‘sempre reconciliar Uma teoria com a observagio, evitancio assim que ela seja tefutada, Fiea dificil, ent#o, explicar, clentro da metodologia falsificacionista de Popper quando uma teoria deve ser considerada refutada e substituida por outra. ‘Para apoiar essas criticas, Kuhn, Lakatos e Feyerabend busca apoio na historia da eéncia, que, segundo eles, demonstraria que os cientistas no aban- idonam teotias refuladas, Em ver disso, eles modificam as hipsteses e teorias auxiliares de forma a proteger a teoria principal contra refutagses. “Outta exitica parte da idéia de que os enunciados de testes (que relatam. resuilados d¢ uma observacio ou experiéncia), esto impregnados de teorias auniliares e, por iss0, no podem servir como apoio para a para refutagio da feoria que et sendo testada, Seos testes dependiem de teoria eles sto falivais fe sempre podem ser revistos ~ no constituindo, portanto, uma base empirica s6lida para apoiar confirmagées ou refutacbes. Embora Popper admita a filibilidade cos resultados de um teste, ele no ros diz quando tm teste deve ser aceito como uma refutegao da teoria. Popper go teria tesolvido, na prética, o chamado “problema da base empirica”: « polugao de Popper seria valida épenas no nivel légico, mas ndo terin qualquer ttilidade no nivel metodol6gico ‘Outro tipo de caitica envolve a ligagto entze as idéias de corroboracio @ eesoasimiltute, Para Poppet, 4 corrohnragio seria o indicador (conjectural) Je Verossimilitude:teorias mais corroboradas seriam também mais proximas da verdade, (© problema é quea corroboragao indica apenas o sucesso passado de uma teoria, enquanto a avaliagao da verossimilhanga de dluas teorias implica wma previsio acerea do sucesso futuio da teori: se ma teoriaesté mais proxima da Perdade do que outra ela seria amibém mais confidvel, funcionando como um guia melhor para nossaa previsies. Neste caso, porém, a ligago entre corrobo- Paco e verossimilitude parece cepender de umm raciocinio indutivo: a partir do Sucesso passado de uma teoria estimamos seu sucesso futuro (Lakatos, 1970; ‘Watkins, 1984). Sendo assim, cs argumentos de Popper estariam sujeitos &s criticas 3 indugao feitas por Hume. “Além disso, para que uma teoria tenha maior verossimilitucle que outra, & necessério que haja um aumento no contetido de verdade (0 conjunto de pre- Visdes nfo Fefutadas), sem que haja também um aumento de conteddo de Jnlsidde (0 conjunto de previstes refutadas)*No entanto, Miller (19749; 19740) € Tichy (1974) demongtraram que quando duas teorias si falsas, tanto © (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS SOCIAIS 23 conto de verdade como eflsidae crescem com o conte dias teorias {o nico caso em que iso fo acome seria o caso em que ume das disk teria éverdadeire) Sen assim émpossvel compare quanta vetoes ia ss regu ese ln sna sougio para ese problesa conssteem propor iio de avaliagto de teorns que nao dependamn da verosinhanga, como fez Watkins (1954) outa solu €comig reformularoconcsito ce veossimilhanga, de modo gues sitva como um objetivo ca léncia como procuram faze Sos fgsotoe bsink ee tieldema, 1967, Danger & Heidein, 1694 Kuipers, 1987, Ninoot, 11984, 1987; Oddie, 1986; para criticas a essa tentativa, ver Miller, -994). " 3. A filosofia de Thomas Kuhn mA Estruturada RevolugdesCienficas, publicado originalm \ o fsto Thema Kuhn (19251380) cite a visto da el ropes tnt pelos postivstas ISgicos como pelo tacionalismo erftico popperiano, demons- frandg que o estudo da histria da cigncia dé uma visio da ciéncia e do seu método diferente da que foi proposta por essas escolas. Logo apés a primeira edisio de seu livro, Kuhn foi criticado por ted deta ema eco de ac erm Kat fe tendo Fs bjetivos para a avaliacfo de teories e ao defender uma forte influéncia de Fatores pslcolbgicos e sociais nessa avaliagio. [Na segunda edigfo do livro (1970b) ~ no postécio ~e em outros trabalhos (49702, 1971, 1977, 1979, 1987, 1990), Kuhn defenclew-se das critica, afirmando {que tinha sido mal interpretado: “Meus crticas respondem as minhas opinises Com acusagbes de irracionalidadiee relaivigma [J Todas sin atalns que rejeita categoricamente[..)”(1970a,p.234) 'Noentanto, medida que procurava se explicar melhor, Kuhn foi também reformulando muitas de suas posicdes originais. Para alguns fildsofos da cifn- cia, como Newton-Smith (1981), essas muclancas foram tantas, que fica dificil dizer "se um racionalista deverta negar tuo que Kuhn diz” (p. 103) Em seu primeiro livro (1957), Kuhn propde-se a discutir as causas da 5 - evolugio Capernicana, que ocorreu quando a teoriahelioaéntrca de Copérni- co substituiu 0 sistema geocéntrico de Ptolomeu. Para Kuhn, 9 fato de que teorias aparentemente bem confirmadas so pesiodicamente substituldas por outtas refuta a tese positvista de um desenvolvimento indutivo e cumulative da cigncia, Contrariamente ao falsifcacionismo de Poppet, porém, Kukn acha que uma simples observacio incompativel com uma teoria nZo leva um cientis- ts a abandonar essa teoria, substituindo-a por outra, Para ele, a historia da ciéncia demonstra que esta substituigfo (chamada “revolucio cientifica”) né0 ~e nao poderia ser ~ tio simples como a légica falsificacionista indica. Isso porque usna observacio nunca ¢ absolutamente incompativel com uma teoria 4 |ALDA JUDITES ALVES-MAZ2O0T fe FERNANDO GEWANDSZNAIDER Ni‘ realidade, uma teoria “falsificada” nfo precisa ser abandonada, mas pode ‘ser modificada de forma a se zeconciliar com a suposta refutagio. Mas, neste nso, por que os cientistas As vezes tentam modificar a teoria e, outras vezes, Como no caso de Copérnico, infroduzem uma nova teoria completamente dife- fente? © objetivo central de Kuhn ¢, portanto, 0 de explicar por que “os Cientistas mantém teorias apesat.das discrepancias e, tendo aderido a ela, por gue eles as abandonam?” (Kuba, 1957, p. 76). Em outras palavras, Kuhn vai tentar explicar como a comunidade cietificachega a um consenso @ como esse Consenso pode ser quebraco. (Além de livros e artigos do préprio Kuhn, podem Ser constltados, entre muitos out-os, os seguintes trabalhos: Andersson, 1994; ‘Chalmers, 1982; Gutting, 1980; Hoyningen-Hiuene, 1995; Kitcher, 1993; Lakatos & Musgrave, 1970; Laudan, 1984, 1990; Newton-Smith, 1981; Oldroya, 1986; Scheffler, 1967; Siegel, 1987; Stegmnllr, 1983; Watkins, 1984.) 3.1 0 conceito de paradigma Para Kuhn, a pesqitsa cientifica é orientada no apenas pot teorias, no sentido tradicional deste termo (o de uma colegao de leis e conceitos), mas por algo mais amplo, o paradigma, uma espécie de “teoria ampliada”, formada por Tels, conceitos, modelos, analogias, valores, regras para formaulagio de problemas, princizios metafisicos (sobre a natureza tiltima dos verdadeiros constituintes do universo, por exemplo)e ainda pelo que ele chama de “exemplares", que sio “solugies concretas de problemas que os estudantes tencontram desde 0 infcio ce sta educegéo cientifica, seja nos laboratérios, + exames ou no fim dos capitulos dos manuais cientificos” (Kuhn, 1970b, p. 232). ‘Kuhn cita como exemplus de paradigmas, a mecinica newtoniana, que explicaa atragio e o movimento dos corpos pelas leis de Newton; a astronomia ‘ptolomaica e copernicana, com seus modelos de planetas girando em torno da Ferra on doSol es teorias do flogisto e do oxigénio, que explicam a combustio ea calcinagio de substincias pea eliminagso de um principio inflamdvel ~ 0 Hlogisto ~ ou pela absorgio de oxigénio, respectivamente. Todas essas realiza- ‘qBes cientificas serviram como madielos para a pesquisa cientifica de sua época, funcionando também, como ums espécie de “visio do mundo” para a comuni- dade cientifica, determinando que tipo de leis sito vélidas; que tipo de questdes Gevem ser levantadas e investigadas; que tipos de solugdes devem ser propos- tas; que métodos de pesquisa devem ser usados e que tipo de constituintes formam 0 mundo (étamos, elétrons, flogisto etc) ‘A forca doparadigma seria tanta que ele determinaria até mesmo como um. fenémeno é percebido pelos cientistas: quando Lavoisier descobriu 0 oxigénio, cle passouta “ver” oxigenio onde, nos mesmog experimentos, Priestley e outros Cientistas defensores da teoria do flogisto viam “ar deflogistado”, Enquanto “Arist6teles olhava para wma pedea balangando amarrada em um fio e “via” um (0 METODO NAS CIENCIAS NATURAIS E SOCLAIS 25 corpo pesado tentando alcangar seu lugar natural, Galileu “via” um movimento pendular (Kuhn, 1970b). m ' Para Kuhn, a forca de um paradigma viria mais de seus exemplares do que de suas leis e conceitos. Isto porque os exemplares influenciam fortemente o ensino da ciéncia, Fles aparecem nos livros-texto de cada diseiplina como “exercicios resolvidos’, ilustrancdo como a teoria pocle ser aplicada para resol- ver problemas (mostrando, por exemplo, como as lel de Newton do usadas ppara calcular a atragio gravitacional que a Terra exerce sobre um corpo em sua superficie). S40, comumente, as_primeiras aplicacoes desenvoWvidas a parti da teoria, passando a servir entao como modelos para a aplicazio e 0 desen- volvimento da pesquisa cientifica. Os estucantes sao estimulados a aplicé-los na solugio de problemas e também a modificar e estender os modelos para a solugio de noves problemas. ‘Os exemplares so, portanto, a parte mais importante de um paradi paraaaprensto ds cngstscenificose paretablecer que problemnsst9, relevantes e de que moco cievem ser resolvidos, Desse modo, eles determinam © que pode ser consideraco uma solugio cientifieamente accitavel de um problema, ajudando ainda a estabelecer um consenso entre cs clentistas e servinclo como guias para a pesquisa ‘Ap6s ter sido eriticaclo por usar o termo paradiigma de modobastante vago (Masterman, 1970), Kuhn afirmou, no posficio de A Estrtura das Revolugoes Cientifeas (1970b), que ele pteferia usar o termo paradigia nos sentido mais estrito, de exemplares. Apesar disso, 0 termo paradligma continuou a ser usado fem sentido amplo pela maioria dos filésofos da cidncia ¢ o proprio Kuhn reconheceu ter perdico o controle sobre este termo, ‘Além disso, como durante as mudangas de paradigma (otermo sera usaclo aqui em sentido amplo, salvo observacio em contrétio) hé também mudances zn teoria que compée o paracigma, Kuhn muitas vezes fala indistintamenteem “substituir uma teoria ou um paracligma” (1970b). 3.2 A ciéncia normal A forga de um paradigm explicara por que as evolugbes clentificts sho resem ves absent is reid olen nia rama parte do tempo, com 0 que Kuhn chama “cnc normal’, que € a pesquisa Gasca rads por um praigmae based em in ‘conserso entre ape cialis ‘Nos periodos de cincia normal, todos os problemas esolugdes encontea das tam Ge eter condos dentro do paradigma adotcdo, Os cenfetas se liniariam resolver enigma pels) Estero € seco pa incns que na tléncia nora, ag “anomtalias” Gesultados dscrepants) due surgem ia pes: Shiba to tratados como enigmas ou qucbracabesas (uaz), dotipo enone 26 AUDA JUDITH ALVES MAZZOTTI 4c FaRNANDO GEWANDSZNAIDER do‘nos jogos de encaixar figuras ou nas palavras cruzadas: a dificuldade de char # palavra ou a pega cefta devese 8 nossa falia de habilidade e nfo (Provavelmente) a um erro na canstrugéo ou nas regras do jogo. Do mesmo {thodo, 0s problemas nao resolvidos eos resultados discrepantes nao ameacam, 2 a teoria ou 0 paradigma: 0 maximo que o cientista poderd fazer & contestar © { modifica alguma hipotese auxiit, mas nfo a teoria principal au o paradigma, ‘Na ciéneia normal néo hé, portanto, experincias refutacloras de teorias, nem grandes mudangas no parad gma. Essa ades4o a0 paracligasa, no entanto, ‘nao imnpede que haja cescobertas importantes na ciéncia normal, como aconte- ‘eu, por exemplo, na descoberta de novos elementos quimicos previstos pela tabele periédiea (Kuhn, 1977). £ um progresso, porém, que deixa as regras ( asicas do paradigma inalteradas, sem muclangas fundamentais. ssa sdesdo seria importante para o avanco da ci€ncia, uma vez que se 0 paradigma fosse abandonado rapidamente,na primeira experigncia refutadora, erderfamos a chance de explora todas as sugestbes que ele abre para desen- Yolver a pesquisa. Uma forte adesio ao paradigma permite a prética de uma pesquisa detalhade, eficiente e conperativa 3.3 Crise e mudanga de paradigma Hi perfocios na histéria da ciéncia em que teorias cientificas de grande amplitude sao substituidas por oatras, como ocorreu na passagem da teoria do fogisto para a teoria do oxigénic de Lavoisier, do sistema ce Ptolomeu para o de Copémico, ou da fisica de Aristoteles para a de Galileu. Nestes perfodos, chamaclos de "Revolugies Cientificas”, ocorre uma mu _danga de paridigis. wovos fenémenos.io descobertos, conhecimentos antigas ‘40 abandonados e ha wma mudanca radical na pratica cientifica ena “visto de mundo” do cientista. Segundo Kuhn, “embora o mundo nfo mude com a ‘mudanga de paradigma, depois dela o cientista passa a trabalhar em urn mundo diferente” (1970b, p. 121). Para Kubin, a ciéncia s6 tem acesso a um mundo interpretado por uma linguagem ou por paradigmas: nada pocemos saber a respeito do mundo independentemente de nossas teorias. Ele rejeita a ideia de que possamos construir teorias verdadeiras ou mesmo cada vez mais proximas & verdade (Kuhn, 19702; 1970b; 1977). elo mesmo motivo, seria impossivel estabelecer uma distingto entre conceitos observaveis — qite se referem a fendmenos observaveis, néo influen- Giados por teorias — e conceitos teéricos, que se referem a fendmenos no observéveis (como campo ou elétron), construidos com auxilio de teorias. ‘Kuhn compara as mudangas no modo dg observar um fenémeno durante as rovolugées cientificas a mucangas de Gesfalt, que ocorrem holisticamente: por exemplo, quando egrtas figuras ambfguas podem ser vistas cle modos ‘© METODO NAS CIENCIAS NATURA'S & SOCIAS 27 diferentes, como um coelho ou um pato (figura 1): “O que eram patosno mundo doen antesdarevoifopastam 3 ser coethos depois dela” (Kuhn, 1970, p.li). Figura 1. Cosiho ou pate? Como nenhuma teoria ou paradigma resolve todos os p-oblemas, ha sempre anomalias que, aparentemente, poceriam ser solucionacas pelo para- dtigma, mas que nenhum clentista consegue resolver. ‘Um exemplo de anomalia ocorreu quando Herschel, utilizando um novo ¢ melhor telescépio, observou que Urano ~ consideracio como uma estrela na época ~ nao era puntiforme, como uma estrela, mas tinha a forma de um disco, Outra anamalia ocoren quando Herschel abservou. que Urano mavia-se 20 longo do dia entre as estelas, em vez ce permanecer fixo, como elas. Herschel achou que Urano era uum cometa, até que outros astrénomos observaram que {Urano tinha uma 6ebita quase cizcular em volta do Sol, como fazer os plane's. forma eo movimento de Urano eram, portanto, anomalias que no se encai- xavam na percepgao original de que Urano era uma estrela. ‘Ao mesmo tempo, Kul fala que algumas anomalias S80 “sigaificativas” ou “essenciais”, ou ainda que elas so “contra-exemplos”, no sentido de que podem lancar diividas sobre a capacidade do paradigma de resolver seus problemas e gerando com isso uma crise (1970a,1970b, 1977, 1979).O problema entéo é descobrir o que levaria uma anomalia a parecer “algo mais do que um. novo quebra-abecas da ciéncia normal” (1970b, p. 81) 28 [AUDA JUDITH ALVESMAZZOTT & FERNANDO GEWANDS2NAIDEt Tudo o que Kuhn apresenta (1970b, 1977, 1978), porém, s20 indicios de alguns fatores que poderiam estimular os cientistas @ considerar uma ou mais Sromatias como significativas: uma discrepancia quantitativamente significati- ‘ya entre o previsto eo esperado; um aciimulo de anomalias sem resolugéo; uma fanomalia que, apesar de parecer sem importancia, impeca uma aplicaglo préti- ‘ta (a elaboragio de um calendaio, por exemplo, no caso da astronomia ptolo- naica); uma anomalia que resiste por muito tempo, mesmo quando atacada pelos melhores especialistas da érea (como as anomalias na érbita de Urano, {ue levaram & descoberta de Netuno ou as discrep&ncias resduais na astrono” aia de Ptolomeu); ou ainda um tipo de anomalia que aparece repetidas vezes em varios tipos de teste. ‘Do momento em que a ciércia normal produzi uma ou mais anomalias significativas, alguns cientistas podem comesar a questionar os fundamentos dda teoria aceita no momento. Eles comecam a achar que “algo esta errado com fo conhecimento e as crengas existentes” (1977, p. 235). Sunge uma desconfianga nas técricas utilizadas e uma sersagéo de inseguranga profissional. Neste por to, Kubn diz que a disciplina em questio esta em “crise” (1970b, 1977). “Actise 6 gerada se o cientista levar a sério as anomalias e “perder a fé” no -paradigma: para Kuhn, a revolegio copernicana aconteceut porque problemas Info resolvidos levaram Copémico a perder a fé na teoria ptolomaica (Kuhn, 1957). “Actise pode ser resolvida ée trés formas: as anomalias sio resolvidas sem grandes alteragées na teoria ou no paradigma; as anomalias nfo interferem na Tesoluggo de outros problemas e, por iss0, podem ser deixaclas de lado; a teoria oto paradigma em crise ¢ substituido por outro capaz de resolver as anomalias tA tinica explicacdo para o que ira acontecer parece ser psicologica sev cientista acredlita no paradigm, ele tenta resolver a anomalia sem alteré-lo, modificando, no maximo, alguma hipétese auxiliar. Se “perdeu a fé” no pars digma,ele pode tentar construir outro paracligma capaz de resolver a anomal 3.4 A tese da incomensurabilidade Em A Estrutura das Revoluoes Cientifiess, Kuhn parece defender a tese de que ¢ impossivel justificar racionalmente nossa prefertncia por uma entre ‘varias teorias: é a tese da incomensurabilidade ‘A incomensurabilicade decorre das mudangas radicais que ocorrem d= -rante uma revolugio cienttficn: mudancas no significado do conceito; na forma Ge ver o mundo ou de interpretar os fendmenos e nos critérios para selecionar ‘os problemas relevantes, nas técnicas para resolvé-los e nos critérios para avaliar teorias. © |S (© METODO NAS CIENCIAS NATURAIS& SOCtAIS 29 Assim, como compacar teorias ou paradigmas, se os cientistas que aderem 4 paradigmas ou teorias diferentes tém visbes diferentes co mesmo fenémeno (once um vé o flogistoo outro vé oxigenio) ox, colocando de forma ainda mais radical, se 0 mundo muda com 0 paradigma (antes da descoberta cle Herschel havia uma estrela onde agora hé um planeta)? ‘Outra questdo, é que os problemas que exigiam solugées dentro de um paradigma podem ser abandonados como obsoletos na viséo de outro paradig- ‘ma~o mesmo acontecendo com 0 tipo de solugio escolhida. Conseqiientemen- te, durante uma revolugio cientifica ha. ganhos mas também hé perdas na ‘eapacidade de explicacto e previsto: a teoria nova explica alguns fatos que a teoria antiga nfo explica, mas esta continua a explicar fates quea teoria nova nfo écapaz de explicar Nesta situacSo, toma-se problemético afirmar que uma das teorias é superior a outra, Bsta tese é conhecida como “a perda de Kuhn” ("Kudu loss") (Watkins, 1984, p.214) ‘A incomensurabilidade existiia também devido @ uma dificuldade de tradugio entre 05 conceitos e enunciados de paracigmas diferenies. Nas revo- Tugdes cienifcas ocorzem mudangas no significado de alguns conceitos funda- mentais, de modo que cada comunidade cientifica passa a usar conceitos dife- rentes ~ mesmo que as palavras sejam as mesmas, Isto quer dizer que, embora os conceitos do paracigma antigo continuem a ser used, eles aigucem um signifiado diferente: o conceited massa ma teoria da relatividede, por exemplo, seria diferente do concelto demassa na me- cinica newtoniana. O mesmo acontece com o conceito de planeta na teoria de Prolomeu e na teoria cle Copérnic. (s enunciados (leis e hipSteses) teriam entdo de ser taduzictos de um paracligma para outro. Mas, na auséncia de uma linguagem neutra (inde- ppendente de teorias ou paradigmas) a traducio nlo pode ser feitasem perda de significado, Finalmente, como veremos depois, a incomensurabilidade decorre tam bbém do fato de que cada cientista pode atribuir pesos diferentes ¢cada um dos crisis para a avaliago de torias (poder preltivo,simplicidade, amplitude fc) Ol ent interpretéclos de forma diferente ~sem que se possa dizer qual 0 peso ou a interpretacdo correta. Além disso, a prépria escolha dosses critcios io pode ser justificada objetivamente ~ por algum algoritmo Iégico ou mate- itico, por exemplo. Diante da dificuldade ~ ow mesmo da impossibilidade ~ de uma escolha entre teorias ou paradigmas,nio é de estranlnar que Kuhn dé a entender que a aceitagio do novo paractigma nfo se deva -ou, pelo menos, nfo se deva apenas “a recursos ogicos ota evideéncias experimentais, mas. capacidede de persua- sio ow A “propaganda” feita pelos cientstas que defendem o novo paradigma. Nallalia de argumentos ecritérios objetivos de avaliagio esta accitagto ocorreria através ce uma espécie de “conversi0” de novos adeptos ~ ou ento 8 medida 30 [ALDA JUDITH ALVES-MAZZOTT& FERNANDO GEWANDSZ2NAJDER que aqueles que se recusam a scetar 0 novo paradigms fossem morrendo 49700). | TEm obras posteriores, porém, (19703, 1977, 1983) e no posficio a obra original (19700), ele passou a afimmar que nem todos os conceitos mudam de Sentido durante as mudangas de eorias ou paradigmas: hé apenas uma “inco- {_ mensurabilidade local”, em quamucdanca deseitide afeta “apenas um peque- rho subgrupo de termos” (1983, pp. 670-671) ‘Neste caso, haveria uma incomunicabilidade apenas parcial entre os de fensores de paracligmas diferentes eo potencial empitico de teorias “incomen- suravels” poderia er comparado, Ura Ver que es5as teories tm interseccOes empitieas que podem ser mutuamente incompativels. Assim, embora oconcel- fo dle planeta fenha mudado na passagem da teoria de Ptolomett para a de Copéchigo, as previsdes de cada \coria sobre as posigdes planetérias podem ser fellas com insteurentos aproprizdos, que medem os angulos entre os planetas as esttelas fixas. O resultado dessas medidas pode se revelar incompativel ‘Com alguma dessas previsdes. Naste caso, a comparaco entre teorias pode ser feita porque algumas das previsBes empiricas nfo se valem dos conceitos incomensurveis. 3.5 A avaliagao das teorlas ‘As razbes fornecidns por Kan para escolher a melhor entre cas teoias nao diferem, segundo ele proprio, das linhas tadicionais da ilosofia da iéncia. Sem pretender dar uma linha completa, Kuhn seleciona “cinco caractersticas te uma boa teoria cientfia[.]rexatio,consistencia, alcance, simplicidede e fecundidade” (1977, p. 32) fo, pata Kuhn, significa que as previsbes destuzidas da teoria ever ser qualitativa e quantitativamente exatas, isto é, as “consegiiéncias da tioria deven estar em concordancia demonstrada com os resultados das expe- imentacbes e observacbes existents” (1977, p. 321), "A exigéncia de consistence significa que a teoria deve estar Livre de contradigdes internas e ser considerada compativel com outras teorias acetas ‘no momento ‘Quanto ao aleance,édesevel queela tenha um amplo dominio de aplica- des, st € que suas conseqiiéncas estendam-se “além das observagoes leis ou SUbteorins pavticulares para as quais ela estejaprojetada em principio" (1977, |p. 221), Iso signifiea que uma feoria deve explicar fates ou leis diferentes Hagueles para os quais foi consrutca a Smplicidace pode ser caracterizada como capacidade ques teoria tem dle unifcarfendmenos que, aparentemente, wo tinham relagSo entre s. Uma bos teoria deve ser capaz cle organizar fendmenos que, sem ela, permaneceriam isolados uns dos outros (0 METODO NAS CIENCIAS NATURAIS F SOCIAIS a1 A fecundidacle implica que a teoria deve “desvendar novos fendmenos ou relagbes anteriormente nko verificadas entre fendmenos ja conhecidos” (1977, 1p-322). Hla deve ser uma fonte de novas descobertas; deve ser capaz. de orientar 4 pesquisa clentfica de forma produtiva! ‘Além dessas razdes, Kuhn cita, ocasionalmente, 0 poder explanatério (outro conceito comum na filosofia tradicional) a plausibilidade ea capacidade da teoria de definir e resolver o maior mimero possivel de problemas fe6ricos e experimentas, especialmente do tipo quantitativo (1977) ~*" A plausibilidade significa, para Kuhn, que as teorias devemser “compati- veis com outras teorias disseminadas no momento” (1970b, p. 185) Em relacio A eapacidade de resolver problemas, Kuhn é ruais explicto: além de resolver os problemas que deflagraram a crise com mais preciso que 6 paradigma anterior, “o novo paradigma deve garantir a preservagao de uma parte relativamente grande da eapacidacie objetiva de resolver problemas con- {uistacla pela circa com o aundlio dos paradigmas anteriores” (Kuhn, 1970b, 169) ‘Além disso, Kun inclui também na capacicade de resolver problemas, a hbilidade de uma teoria de prover fendmenos que, da perspectiva da teoria, antiga, sfo inesperacos (Kuhn, 1970b, 1977). “Kuhn reconhece que o poder explanat6rio, a plausibilidade e, principal- mente, a capacidade de resolver problemas, podem ser deduzidos dos valores anteriores. Mas ndo tem a preocupagso de avaliar a coeréncia ou aredundiincia esses critéios, uma ver que atibui um peso muito menor a cles do que os fil6sofos tradicionais. Para Kuhn, esses ertérios nio sfo canclusivos, isto é, no so suficientes para forcar uma decisfo undnime por parte da comunicace cienifica. Por sso, Ele prefere user ofermo “valores” em vez cle "eritérion”- Toco aconioce por vrios ‘motivos. Em primeiro lugar, valores como asimpliciclade, por exemplo, podem ser interpretados de formas diferentes, provocando uma discordancia entre ‘qual das teorias & de fato mais simples. Além disso, um valor ode se opor a ‘outro: tuma teoria podle ser superior em relagio a delerminado valor, mas inferior em relago a outzo: “ume teoria pode ser mais simples e outra mais precisa” (Kul, 1970a, p. 258) Neste caso, seria necessério atribuir pesos relat- ‘yosa cada valor ~mas esa atsibuigSo néo faz parte dos valores compartilhados pela comunidade, Na realidade, cada cientista pode atribuir um peso diferente cada valor ‘Alm disso, embora esses valores possam servir para persuadir a comuni- dade cientifca a aceitar um paradigma, eles nfo server para justiicar a teoria ~ no sentido de que ela seria mais verdadeira que outra. Pera Kuhn, nfo ht ligagao entre os valores ea verdace de wma teoria (ou de sua verossimilitude). Finalmente, Kuhn néo vé como justificar estes valores, a nao ser pelo faio de que esses so os valores compartilhados pela comunidade cientifica: “Que ‘melhor critério podria existir do que a decisio de-um grupo de cientistas?” 32 |ALDA JUDITH ALVES MAZZOTTI& FERNANDO GEWANDS2NATDER (2970, p. 170) A justificativa para a acetagto dessescrtérios passa a set, portant, a opinido da comunidad cenifica que tabalha como paradigma cm. esto. # ‘Kuhn sustenta que, do momento em que a escolha de teorias nao é com- pletamentedeterminada pelos velores compartilhados da comunidad cent re cimplicidade, precistoet.}-bem pode ser determinada (provada ou refuta- SA pos uma base empitica,obtos fatores, que variam de individuo para io) Feluo, influem nesca escolhu: experiéncia profissional, convicgbes religio- sn filosbicns,certostragos da personalidade (timidez,espirito de aventura ste) (1970a, 1970, 1977). Gara "Kun esta. indeterminagao € wtil para 0 desenvolvimento da déncia: como nenhuma teoria $ comprovada ou refutada concusivamente, Gualquer decisao de escolha implica um 1isco, Por isso, seria interessante que Gigce dentistas no abandonasoom uma teoriaprematuramente. E impor- tebe que alguns escolham a teodia nova e outros mantenkam a adesto & teoria stig somente assim o potencal das duas teorias poderé ser desenvolvido & exaustio, “Apartir dossasconclusSes Kuhn atncn outra tee admitda por posiivistas régicose raconalistas cricos a de que hé uma diferenca entre ocontexto da secberta eo da justifcativa de uma teoria. Para Kuhn, uma ver que fatores eSividuais« psicolégicos ~ que poderiam participar apenas do contexto da Jescoberta pata os filésofos trdicionais~ podem e clever participar da avalis- Gao de teorias, diferenga entreas dois contextos se dissolve. ‘No entanto, 20 mesmo temapo que chama a atengio para fatores subjetivos de avo, Kun acha que naconversio" de toda uma comunidade ao novo esadigma 6s arguments Lesoulon na eapecidace da noes teria de resolver Bfoblemas sto decsivos, Assim, a nova teria somenteseréaeita pela comuni- erie abla for capaz de esolver as anomalias significaivas que levaram & crise efor capa, também, de resolver ta grande parte dos problemas resolvidos pela teoria antiga (1970a). Knedida que os cientstas trabatham para corrigit e desenvalver as teoriae, o mimera de evidéneiss empiticas eargumentos tedricos em favor de tuna teoria pode aumentar progressivamente,a ponto de convencer ummimero erin ver motor de cientistas, aque, eventuaimente, toda a comunidade passa sregetar uma tinicnteoria ou paradigms: ¢ novo consenso restabelece entZ0 a ‘volta de uma ciéncia normal (Kuhn, 1970b). "No entanto, Kein argumenta que, embors em alguns casos resistencia & smudlaniga no parega razoavel nfo se “enconicard um ponto onde a resistencia {ho paradigma vigento]torne-eilégica ou nao cientifca”(1970b, 199). Fre pontocoloca novamntcem qustto cbjetvidede da escola: se nfo se pode convencer um cients por argumentos que su resisténcia €ilégin ou sear tice ent, pa que escolher entre das ou mais teorias? Por que nfo (© MIETODO NAS CIENCIAS NATURAIS SOCtAIS 33 ficar com todas elas ~ possibilitanclo o desenvolvimento & exaustéo de todos os paradigmas? 3.6 Conclusio Ervin os terra act ieee ep ee peregmc aumento da verossimilitude das teorias cientificas, mas também uma visto Tit enn eerie oe ne done aniade fa coma verceaimlituce: Tauris fu ato vesdadras nem ita mente ee ne ames 34 [ALDA JUDITH ALVES-MAZZOTT & FERNANDO GEWANDS2NAJDER Se a tese for verdadeira, nés estamos, de certa maneita, aprisionados dentro de nosso sistema de concaitos (ou dentro de paradigmas, classes socias, pocas histricas, linguagem etc), simplesmente, nao hé um sistema superior, objetivo ou neutro para avaliar nossas idias. Neste caso, fica comprometida ‘nao apenas a possibilidade de avaliacio de teoras, mas também. propria idéia {le progresso do conhecimento'Bi da circa. Afinal, que eit terfamos para afirmar que uma teoria é melhor que outra ou que ha progresso ao longo de ‘uma seqiléncia de teorias? 2 Tmbora Kuhn tenha rejeitado 0 r6tulo de relativista, vrios filésofos con- ‘sideram que ele néo consegue agresentar boas raaes para a escolha de teorias (Andersson, 1994; Bunge, 19852, 1985b; Lakatos, 1970, 1978; Laudan, 1990; Popper, 1979; Shapere, 1984; Scheffler, 1967; Siegel, 1987; Thagard, 1992; Toul- ‘in, 1970; Trigg, 1980, entre muitos outros). ‘Como pode, por exemplo, haver progresso, do momento em que a capaci- dade de resolver problemas é avaliada de forma diferente pelos defensores do paradligma antigo e do novo (para os primeizos pode ter havido mais perdas do {gue garhos, enquanto os itimos fazem a avaliagfo inversa) eclo momento em due fatores psicoldgicos esocias necessariamente infinenciam essa escolha ~ 0 que vera ser justamente a tese elativista? VAs teses de Kuhn, principalmente na interpretagio mais radical, estimula- ramum intenso debate. Os flésofos que acreditam que os crtérios de avaliagio Ge teorias dever ser objetivos, isto & devem ser independentes das crengas dos Cientistas ou das circunstincias sociais do momento, procuraram rebater suas feses relativistas, de forma a defender o uso de crtérios objetivos para a fvaliagio das teorias, como fizeram, os seguidores do racionalismo critica (Andersson, 1994; Bartley, 1984; Milles, 1994; Musgrave, 1993; Radnitzky, 1976, 1987; Watkins, 1984) ‘Outro grupo parte para a posicdo oposta, levando as teses relativistas 88 \dtimas conseqiiéncias, como fizeram Paul Feyerabend (1978, 1988) e a Escola de Edimburgo (Barnes, 1974; Blcor, 1976; Collins, 1982; Latour & Woolgar, 1986). ‘Finalmente, hé aqueles que, como Imre Lakatos ¢ Larry Laudan, incorpo- ramem sua filosofia algumas idéias de Kuhn, procurando, no entanto,construit ‘ritérios abjetivos para a avealiagko de teorias (Lakatos, 1970, 1978; Laudan, 1977, 1981, 1984, 1990) 4. Lakatos, Feyerabend e a sociologia do conhecimento ‘Do mesmo modo que Kubn, Imre Lakatos (1922-1974) acha que é sempre possfvel evtar que uma feora sj refutada fazenclo-se modificacbes nas hipS- feaes auniliares” A partis dai, “akatos prochra reformolar a metodologia de Popper de forma a preservar aidéin de objetividade racionaidade da céncie. Ja peal Beyerabensh(152. 1994 segue uina lina ainda mais radical do que a de (0 METODO NAS CIENCIAS NATURAIS SOCIAIS 35 Kuhn, ao afirmar que néo existem normas que garantam o progresso da ciéncia ‘ot que a diferenciem de outras formas de conhecimento. Finalmente, a sociolo- zgin do conhecimento procura demonstrar que a avaliagdo das tecrias cientificas 6determinada por fatores sociais. 4.1 As idéias de Lakatos Para ilustrar a tese de que é sempre possivel evitar que uma teoria seja refutada fazenco modificacoes nas hip6teses auviliares, Lakates imagina wm planeta hipotético que se desvia da éxbita caleulada pela teoria de Newton. De lum ponto de vista l6gico, isso seria uma falsificagio da teoria. Mas em vez de abandonar a teoria, 0 cientista pode imaginar que um planeta desconhecido esteja causando o desvio. Mesmo que este planeta nfo seja encontrado, a teoria de Newton nfo precisa ser rejeitada. Podemos supor, por exemplo, que 0 planeta é muito pequeno e nao pode ser observado com os telesc6pios utiiza- dos. Mas vamos supor que o planeta no seja observado com telesc6pios muito potertes. Podemos supor que uma nuvem de poeira césmica tenha impedido sua observagio. E mesmo que sejam enviacos stélitese que estes nfo consigam. defectar a nuvem, o cientista pode dizer ainda que tum campo magnético ‘naquela regifo pertusbou os instrumentos do satlite. Desse modo, sempre se pode formular uma nova hipétese adicional, salvando a teoria da refutacdo, Lakatos mostra assim que “refutacGes" de teorias podem sempre ser transfor aaa ec lena otedaea (Lakatos) Com exemplos como esse, Lakatos mostra também que. contrariamente a Popper, as teorias cientificas sao irrefutaveis: “as teorias cientificas [..]falham em proibir qualquer estado observavel de coisas” (Laketos, 1970, p. 100). Para Lakatos, a histéria da cidncia demonstra a tese dle que as teorias nfo fo abandonadas, mesmo quando refutadas por enunciados de este: “citenta e ‘incoanos se passaram entre aceitacao do peri¢lio de Mercsrio como anomalia «sua aceitagio como falseamento da teoria dle Newton" (1970,F. 115). ‘Além disso, para Lakatos as teorias ndo so modificadas a0 longo do tempo de forma completamente livre: certas leis e principios fundamentais resislem por muito tempo as modificagdes (como aconteceu com as leis de ‘Newion, por exemplo), Por isso ele acha que deve haver regras com poder heuristico, que orientam as modificagoes e servem de guia para a pesquisa cientifica. Se for assim, a pesquisa cientifica poderia ser melhor explicada através de uma sucessio de teorins com certas partes em comm: o cientista trabalha fazendo pequenas correcbes na teoriae substituindora por outra teoria ligeiramente modificada. Esta suicessao de teorias é chamadia por Lakatos de “programa de pesquisa cientifice”

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