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Meu Chefe Indecente
 
Scarlett Salvage
 

1ª edição, Rio de Janeiro


 
Pitangus Editorial
 

Copyright @2020 por Scarlett Salvage


 

Capa: LA Creative
 
Revisão Final:  Cris Castro
 
Diagramação digital: Yasmim Kader
 

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.


 
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
 
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
 
Acordo assustada com o som do despertador.  Todo santo dia é a
mesma coisa, basta o apito insistente começar para que eu me sente na cama,
com o coração aos pulos. Definitivamente eu não estou pronta para mais um
dia de trabalho.
Principalmente quando esse dia será inteiramente na companhia dele,
meu chefe.
“Calma, Julia” digo para mim mesma na tentativa inútil de encontrar
um pouco de paz no meu coração.  Respiro fundo e começo a entoar meu
mantra matinal.
“Ele é um babaca.
Você é uma ótima profissional.
Tudo vai dar certo.
Ele é gostoso demais.”
Opa! Essa última parte é verdade, mas não deveria estar no meio do
meu mantra de tranquilidade. 
Com um suspiro resignado, jogo o lençol para o lado e me
espreguiço, olhando a paisagem pela janela. E por paisagem, quero dizer o
prédio ao lado do meu. Com o salário miserável que ganho, tudo que
consegui arrumar foi uma quitinete em um prédio simples, porém de boa
reputação na Zona Norte do Rio de Janeiro. 
Mas isso já é melhor do que o que eu tinha antes — um quarto, que
dividia com as minhas irmãs, na casa dos meus pais. Minhas três irmãs,
diga-se de passagem. Não era nada agradável, eu não tinha privacidade e,
uma vez ou outra, uma delas roubava minhas roupas e meus cosméticos.
Então, sem sombra de dúvidas, essa quitinete é a melhor definição de
liberdade e paraíso que eu posso esperar.
O alarme do meu celular me lembra que está na hora de tomar
minhas vitaminas e correr para o chuveiro. Apesar do salário baixo, eu não
posso me dar o luxo de perder o emprego, pois isso significaria voltar para a
casa dos meus pais e para todo o meu tormento. Jamais vou permitir que isso
aconteça, mesmo que tenha que enfrentar o Vinicius todos os dias, vinte e
quatro horas por dia.
Vinicius Barros é o nome do meu chefe, meu demônio particular.
Juro para vocês que eu nunca fiz nada de errado, não levanto a voz, não
deixo furos ou qualquer outra encrenca que você pode estar imaginando que
sou capaz de fazer. Ah, porque sou mesmo encrenqueira, mas tenho muito
juízo e meu trabalho é, no mínimo, impecável.
Mesmo assim esse homem sempre consegue encontrar algo para
reclamar, e até mesmo rebaixar a qualidade do meu serviço. Acreditem, eu
tenho uma autoestima bem trabalhada, sei das minhas qualidades e até —
preciso confessar — dos meus defeitos, mas toda vez que ele abre aquela
boca gostosa, de lábios grossos e dentes perfeitamente brancos e alinhados,
todas as palavras que saem me ferem profundamente.
Não, gente! Juro que não sou apaixonada por ele, nunca sequer
deixei que esse pensamento libidinoso passasse pela minha cabeça. Acontece
que ele tem um poder inquestionável sobre mim e isso eu não posso negar.
Talvez sejam seus olhos azuis, que brilham perigosamente quando ele está
irritado, ou, quem sabe, seu lábio inferior carnudo e convidativo. Tudo bem,
o corpo dele ajuda muito e eu tenho que confessar que me peguei várias
vezes admirando a bunda de Vinicius quando ele ia caminhando na minha
frente. E o peito, sem falar nas coxas e... Melhor parar por aqui.
Depois de jogar uma água no corpo, penteio os cabelos castanhos
com cuidado e prendo-os em um rabo de cavalo firme, que resista ao
empurra-empurra do metrô lotado. A viagem até Copacabana é longa e o
metrô é a minha melhor opção. Me olho demoradamente no espelho
enquanto passo a maquiagem, meus olhos castanhos sendo suavemente
realçados pela sombra clarinha e as maçãs do rosto ficando em evidência
quando aplico o blush rosado de forma sutil. Fico em dúvida entre um batom
acobreado e um alaranjado, mas como ainda tenho que tomar café da manhã
decido colocar os dois na bolsa.
Me enfio em um vestido azul marinho, calço as sapatilhas pretas —
amigas fiéis, confortáveis e especialmente escolhidas para aguentar essa
longa jornada até o escritório, e sento para comer alguma coisa.
Cardápio do café da manhã de hoje — pão com mortadela e um café
preto bem quentinho, com um toque de canela. Pode parecer coisa de pobre,
mas eu amo! Se for com Coca-Cola então, chego a revirar os olhos de
prazer.  Mas, melhor nem falar de prazer essa hora do dia, senão vou
começar a me lembrar do meu sonho e isso com certeza vai atrapalhar meu
dia de trabalho.
Porque, obviamente, sonho com o Vinicius pelo menos umas três
vezes na semana.
E agora você está pensando: “Ah, Julia está toda apaixonada por esse
cara!”
Eu te afirmo que não estou. Volto a falar que não tenho culpa se,
além daquela boca linda, ele tem um queixo quadrado e autoritário, cabelos
pretos ondulados — que eu posso jurar que são macios ao toque — e os
olhos azuis mais profundamente perturbadores que eu já vi. Eu sei que já
falei sobre os olhos dele, mas acho válido repetir, para que você entenda meu
drama.
Isso tudo, aliado ao corpo bem trabalhado que parece se sentir preso
dentro do terno de corte caro, e aquela altura toda. Meu Deus, com toda a
sinceridade, me responda: “Para que um homem precisa ser gostoso,
malhado, ter olhos azuis e ainda ser tão alto quanto um deus do Olimpo?” 
Eu acho um exagero. Só digo isso.
Enfio o último pedaço do pão na boca e mastigo bem devagar,
enquanto minha mente vagueia pelo sonho erótico que tive com meu chefe.
Lembro de suas mãos quentes subindo pelas minhas coxas nuas, afastando o
vestido e segurando com força minha...
“Opa, Julia! Que caminho perigoso é esse que você está tomando?”
pergunto a mim mesma enquanto sacudo a cabeça.  Levanto apressada e
corro até o quarto, pegando uma calcinha extra. Pelo jeito que meu corpo
anda me traindo, vou precisar dela antes do fim do dia. 
A menos, é claro, que eu consiga passar todo o expediente com essa
calcinha encharcada. Ainda com resquícios do sonho perturbador na minha
cabeça, enfio tudo na bolsa e saio mastigando o restinho do sanduíche. Deus
me livre se eu chegar atrasada logo hoje!

Quando eu acordei, sabia que forças malignas poderiam fazer de tudo


para transformar meu dia em um total pesadelo. Mas, Universo, meu
querido, vamos combinar que não precisava ser logo de manhãzinha, não é
mesmo?
Agora, trancada no banheiro das secretárias e olhando o estado
lastimável em que me encontro, oscilo entre a vontade de chorar de ódio ou
voltar até o “local do crime” e estapear a responsável por esse desastre.
Meu vestido lindo e maravilhoso, já era! A peça mais perfeita e
elegante que eu tinha separado no meu guarda roupa para usar na reunião de
hoje, encontra-se sem nenhuma chance de recuperação, completamente
arruinado. Inclusive, não existe palavra melhor para definir o estado em que
ele se encontra depois de eu ter sido literalmente abraçada por uma mulher
que carregava uma daquelas tortas salgadas com cobertura de maionese. 
A doida varrida saiu do prédio como um furacão, sem sequer olhar à
sua volta e eu, apesar de ter tentado parar a tempo, bati de frente com ela.
Pior do que isso, enfiei os peitos na tal torta. Agora tenho uma crosta seca de
maionese espalhada por toda a frente do meu vestido e, não importa o quanto
eu esfregue, ela se recusa a sair. 
Sinto meus olhos enchendo de lágrimas de frustração e respiro fundo,
entoando meu mantra pessoal pela segunda vez hoje.

“Ele é um babaca.
Você é uma ótima profissional.
Tudo vai dar certo.
Ele vai acabar com a sua raça.”

Mais uma vez, a última frase não pertence de verdade ao mantra, mas
se encaixa perfeitamente à realidade do meu dia. Na tentativa de sanar meu
problema, Lorena, minha colega de trabalho e fiel escudeira em dias como
esse, me emprestou um blazer que ela mantinha guardado no armário e
somente agora, me olhando no espelho, me pergunto como alguém com a
idade dela  tem uma peça tão ultrapassada como essa em seu guarda-roupa.
Tudo bem, eu, beirando os trinta anos, confessar que já havia
sonhado em ser uma executiva usando um conjunto de calça social vincada e
blazer combinando, mas ela não passa de uma garota, e o seu estilo combina
muito mais com os casaquinhos descolados daquelas lojas alternativas que
estou cansada de ver por aí. Para piorar a situação, o blazer não tem estrutura
e muito menos um caimento decente. Um dia ele havia sido preto, porém
analisando com atenção o meu reflexo no espelho, concluo que agora ele
parece mais com um pedaço de pano surrado e encardido, no melhor estilo
“cor de burro quando foge”.
Ela mesma me contou que guardava aquilo apenas para usar nos dias
em que o ar condicionado do escritório estava mais frio do que o normal, e
eu sabia exatamente do que ela estava falando.
Esses eram os dias nos quais Vinicius estava mais atacado, colocando
fogo pelas ventas e arrumando problemas onde bem queria. Ele me fazia
ligar para a manutenção e mandar que colocassem o ar condicionado a toda,
congelando todo o andar.
Não, gente, ele não se importa com quem pode estar batendo os
dentes de frio. Esse homem dos infernos só pensa nele e em seu magnífico
pau.
“Ah, Julia...” penso mais uma vez, “pare de fantasiar com o pau do
seu chefe, ou todo mundo vai achar que você está apaixonada por ele. O que
não é verdade.
Eu juro.”
Dou mais uma olhada no espelho e chego à conclusão de que esse
pretinho nada básico vai ter que servir até que eu possa dar uma corrida na
rua durante o almoço e comprar alguma roupa para usar na reunião da tarde. 
Para piorar a minha vida, preciso confessar que eu recebi mais de dez
e-mails do meu chefe sobre a importância de estar apresentável durante essa
reunião, sobre como eu deveria dar meus 150% de atenção a esse fato e
nunca envergonhá-lo. Eu preciso ser mais do que perfeita para que ele jamais
se arrependa de ter me dado essa chance.
Confesso que eu acreditei que estava tudo em ordem, até o Universo
— esse sacana — enviar sua mensageira infernal em forma de maionese
direto nos meus peitos. Depois disso, eu já não tenho certeza de mais nada.
Sem perder mais tempo, analiso novamente minha imagem no
espelho e visto o blazer que fica bem apertado nos peitos. Mesmo assim, é
ele — tentando esconder os rastros da maionese destruidora de carreira —
ou a infelicidade de ser repreendida por Vinicius.
Sem sombra de dúvidas, escolho os peitos apertados.
Apago a luz e destranco a porta, dando uma conferida no corredor
antes de sair apressada. Ainda tenho que tirar as sapatilhas e calçar os
sapatos de salto que mantenho guardados na minha gaveta, então me apresso
em passar a chave na porta e deixá-la na mesa da recepcionista do andar. Eu
nem deveria usar aquele banheiro e se uma das secretárias da diretoria me
visse, eu estaria perdida.
Tudo tranquilo, ninguém no corredor, então apresso o passo e,
quando estou chegando à minha mesa, escuto aquela voz familiar e quase
sempre zangada, chamando o meu nome.
— Dona Julia. — Paro de imediato, mas mantenho as costas viradas
para ele. — Não acha essas sapatilhas um pouco informais demais para o dia
que temos pela frente? Ou esqueceu da reunião de apresentação do projeto
para os empreiteiros?
Engulo em seco a resposta malcriada que se forma na ponta da minha
língua e a substituo por um sorriso inocente enquanto me viro na direção
daquele deus.
Digo, do meu chefe.
— Bom dia para você também, Vinicius. — Me arrependo das
palavras no momento em que elas saem da minha boca. — São mesmo as
piores sapatilhas do mundo, mas são as únicas que aguentam a minha
jornada de casa até aqui, dentro do metrô lotado. Já estou acabando de juntar
a documentação e logo apareço na sua sala, totalmente apresentável.
— Você deveria morar mais perto. —  A resposta seca é seguida de
um muxoxo, e ele me deixa em pé no corredor com meus colegas olhando
para minha cara de palhaça.
Antes que eu consiga raciocinar, digo aquelas que seriam as piores
palavras da minha carreira.
— E você deveria me pagar um salário melhor.
Vinicius para no meio do caminho, seus ombros se encolhem e eu sei
que a raiva está tomando conta de cada músculo de seu corpo. Nervosa,
passo a mão pelos cabelos e olho para Lorena, que sacode a cabeça sem
conseguir acreditar na minha ousadia.
— Você tem cinco minutos. — É tudo que ele diz antes de continuar
andando para sua sala.
Coloco as mãos no rosto, me maldizendo interiormente por ser tão
bocuda e, quando levanto os olhos, dou de cara com o sorriso incrédulo de
Lorena, que me avisa.
— Se prepara que hoje ele vai comer seu rabo.
Uma parte de mim pensa: “quem me dera.”
Dá para acreditar na ousadia dessa mulher em me dar um ultimato
sobre aumento salarial na frente dos outros funcionários?  
Sabe o que me impede de mandá-la embora? Ela é competente para
caralho. E muito gostosa, claro, mas isso não vem ao caso nesse momento.
Assim que botei meus olhos em Julia hoje de manhã, senti uma
vontade incontrolável de dar uma sacudida nela, tipo um choque de
realidade.
Perdi a conta de quantos e-mails eu enviei para ela frisando a
importância dessa reunião e tenho a certeza de que fui bastante enfático
sobre a necessidade de estar bem apresentável. Agora ela me aparece de
sapatilhas? Ainda por cima escolheu uma daquelas bem baixinhas que não
valorizam o corpo fenomenal que ela tem.
Julia deveria ser obrigada a andar de saltos altos o dia inteiro. Não
só aqui, mas em casa também. Fico imaginando-a parada na frente da
minha geladeira, usando uma camisola transparente e sapatos de salto alto
vermelhos. Ela se inclinaria para frente, na tentativa de alcançar alguma
coisa no fundo da prateleira e empinaria a bunda na minha direção, me
tentando, me convidando.
Eu esticaria a mão em sua direção, louco para tocá-la e...
“Mas que porra é essa, Vinicius!”
Respiro fundo e tento colocar na minha cabeça que preciso parar de
ter fantasias sexuais fetichistas com a minha funcionária andando seminua
na minha casa. Isso não vai dar em nada, principalmente se eu levar em
consideração os olhares homicidas que ela me dirige, como se eu fosse o
responsável por todo os males do mundo.
Não tenho culpa se as pessoas ao meu redor são incapazes de
trabalhar no ritmo que eu preciso. E, acima de tudo, não tenho culpa de que
ela seja tão gostosa a ponto de me deixar com o pau duro mesmo calçando
aquelas sapatilhas cafonas.
Caminho rapidamente até o banheiro masculino, com uma dor
familiar e gostosa na virilha e meu pau pulsando enquanto a imagem de
uma Julia sorridente e seminua acena para mim.
Me tranco em uma das cabines e, segurando meu pau com força,
começo a me masturbar enquanto, na minha fértil imaginação, ela sorri de
forma irresistível e rebola, sedutora, no meu colo.
Preciso dar um jeito nessa situação antes que seja tarde demais.
Com todos os documentos organizados dentro da pasta preta — para
combinar com o meu humor — subo nos saltos altos e caminho apressada
em direção à sala de Vinicius. A porta está eternamente aberta e permite que
ele ouça e veja tudo que os funcionários do departamento dele estão fazendo.
Sei que isso faz todo mundo ficar apavorado, mas eu não deixo que me
abale.
Juro que tem gente que nem respira direito quando ele está no andar.
Para mim é indiferente ele estar ou não, pois como assistente direta dele para
os contratos com os empreiteiros, Vinicius me liga de onde estiver. E muitas
vezes, na hora que quer. Logo, a porta da sala aberta não é nenhum problema
para mim, uma vez que já faz tempo que ele entrou na minha vida metendo o
pé na porta.
Agora, quando ela está fechada, aí sim eu tenho calafrios. Significa
que ele está dando um daqueles esporros magníficos em alguém e que a
pessoa vai sair da sala dele se sentindo o último dos mortais.  Pobre coitado
de quem entrar lá depois, corre o risco de pegar o restinho de fúria.
No dia de hoje — e não poderia ser diferente — a desgraçada da
porta está fechada. Mas em vez de gritos, eu ouço risadas deliciosas vindo lá
de dentro. Sem entender nada, fico parada alguns segundos, deixando meus
ouvidos se intoxicarem com aquele som que eu nunca ouvi saindo da boca
— deliciosa — de Vinicius.
Ouço ele se despedindo carinhosamente da pessoa com quem está
falando ao telefone e, antes de ser pega no flagra, bato na porta, abrindo-a
sem esperar resposta.
— Cheguei, e nem se passaram cinco minutos.
Minha piada é recebida com um olhar gelado e eu dou de ombros, me
sentando de frente para ele. Abro a pasta, tiro os documentos e arrumo sobre
a mesa enquanto Vinicius me examina em silêncio por alguns segundos até
que resolve falar
— Julia, porque está usando essa coisa velha por cima do vestido?
Pronto, ele notou. Puta merda.
— Estou com frio — respondo sem olhar para ele.
— Então não tem nada a ver com essa mancha esquisita que estou
vendo no decote aí perto dos seus peitos? — Sinto um toque de malícia em
sua voz, e meus joelhos amolecem. Ainda bem que estou bem segura,
sentada nessa cadeira macia e...
“Para de divagar!” meu cérebro ordena.
— Ah, sim. — Puxo o blazer mais para cima tentando esconder o
estrago do meu vestido. — Você viu.
— Claro que vi. Você, mais do que ninguém, sabe que nada escapa
do meu olhar analítico. — Olho para Vinicius e tenho vontade de arrancar a
unhadas, aquele sorriso cínico da cara dele. — Mesmo que eu estivesse na
Lua, seria capaz de enxergar essa mancha pavorosa. O que houve, afinal?
— Sofri um pequeno acidente aqui na esquina. Não tive tempo de
trocar a roupa, mas conserto isso na hora do almoço. — Ele continua me
olhando em silêncio e eu completo: — Estou ciente da importância da
reunião de hoje à tarde.
— Conte-me — Vinicius ordena enquanto se senta na beirada da
mesa, olhando para mim como se fosse a primeira vez.
Eu não sei bem do que ele está falando, o que ele quer que eu conte,
então começo a falar sobre a roupa.
— Vou comprar outro vestido na hora do almoço e...
— Não, Julia. — Ele suspira já sem paciência. — Me conte como
aconteceu esse tal acidente.
Olho para ele e tenho certeza de que a incredulidade está estampada
em meu olhar. Vinicius acena com a mão, me incentivando a contar a
história e eu resolvo entrar na dele.
— Bem, uma idiota saiu na rua carregando uma torta coberta de
maionese sem nenhuma proteção. Ela não me viu, eu não parei a tempo e
pronto. Abracei a torta e arruinei o meu vestido.
O rosto dele se iluminou e juro que ele estava contendo uma
gargalhada. Animada, continuo meu monólogo.
— De verdade, quem sai na rua, em Copacabana, com uma torta
desprotegida? Sem um papel alumínio sobre ela para proteger da imundície
da rua? — Vejo o sorriso dele aumentando e me empolgo. — Honestamente,
acredito que o Universo me enviou para salvar as pessoas que iriam comer
aquela torta contaminada pela poluição e todo o resto.
Vinicius solta uma gargalhada e eu sinto um calor tomando conta da
parte interna das minhas coxas e espalhando-se por todo o meu corpo. A
risada dele é rouca, macia e é impossível não imaginar como seria ouvi-lo
gozando no meu ouvido.
“Julia, Julia” meu cérebro me cutuca “cuidado com essas sensações
perigosas.”
Resolvo ignorar o Sr. Cérebro e sorrio de volta para meu chefe. Mas
do mesmo jeito que veio, o momento vai embora e ele mete a mão no bolso,
a procura de algo enquanto me repreende.
— Não tem nada a ver com essas suas bobagens de Universo, Julia.
Tem a ver com as pessoas serem desleixadas e inconsequentes. — Vinicius
estende a mão para mim e vejo o brilho do cartão de crédito dele. — Pegue
aqui, você já tem a senha. Junte suas coisas e vá comprar um vestido antes
do almoço, trate de comer algo rápido pois temos que partir para a reunião
em Angra dos Reis.
Atônita, estico a mão e pego o cartão. Não sou de recusar gentilezas
e, se um homem que pagar pelo meu vestido, vou tratar de aceitar.
— Pode deixar, chefe. Assim que você assinar esses documentos,
corro ali na galeria e compro um vestidinho.
Ele pega a caneta e começa a rabiscar os contratos enquanto balança
a cabeça em negativa.
— Não me venha com essas porcarias dessa galeria aí de frente,
Dona Julia. — Mais uma vez meus joelhos dão uma tremida. Toda vez que
ele me chama de Dona Julia, mil fantasias eróticas cruzam minha mente.
Passo a mão pelos cabelos, na tentativa de afastar toda a pornografia
que está se formando dentro da minha cabeça, e rebato.
— Mas se não for ali, vou aonde? O shopping é longe daqui.
— Não me interessa. — Vinicius junta todos os documentos e enfia
na pasta preta, entregando-me com um olhar contrariado. — Pegue um táxi,
vá correndo, se vira. Tem uma loja no segundo piso que eu gosto muito —
ele diz o nome de uma das lojas mais caras do shopping e eu arregalo os
olhos. — Quero que compre o vestido lá.
Fico parada olhando para ele sem acreditar. E antes que eu possa
agradecer ele vira de costas para mim e começa a mexer no notebook.
— Mas vá agora, Julia. O trabalho precisa ser feito e você não tem o
dia todo para ficar molengando do jeito que gosta.
Com esse jeitinho grosseiro, meu chefe consegue acabar com o nosso
momento especial e mágico. Pelo menos para mim.
Saio da sala sem falar nada e assim que chego na minha mesa, largo
a pasta, fazendo barulho e chamando a atenção de Lorena.
— E aí? — Ela se reclina na cadeira e me dá um sorriso sacana. —
Doeu muito?
— Ah, larga a mão de ser idiota, Lorena. — Começo a rir. —
Vinicius é um babaca, eu nunca daria pra ele.
— Sei. — É tudo que minha amiga diz usando todo o cinismo do
mundo. — O blazer foi útil?
— Porra nenhuma — desabafo —, ele viu a mancha e me mandou
sair agora para comprar um vestido para a reunião.
— Ah, sim, porque você ganha rios de dinheiro e pode comprar um
vestido novo no meio do mês.
Levanto o cartão Black para ela, que cobre a boca com a mão em
assombro.
— Ele te deu o cartão dele? — Concordo com a cabeça, meu sorriso
tão grande que minhas bochechas chegam a doer. — Ah, minha amiga, ele
quer alguma coisa de você sim. E não e só relacionado à rotina desse
escritório.
Sem me dar ao trabalho de responder, pego minha bolsa e a penduro
no ombro, preparada para sair. Viro para Lorena e aviso.
— Vou aproveitar e comprar um blazer novo pra você. — Ela dá uma
gargalhada silenciosa e eu completo: — Por conta do chefe.
E saio trotando, satisfeita com a reviravolta do meu dia. Vamos ver
quem manda aqui, Universo, seu sacana!

Eu poderia ter apenas ignorado o estado deplorável da roupa de


Julia? Com toda a certeza.  Mas, em minha defesa, nunca fui conhecido
pelas decisões acertadas que tomei no decorrer da minha vida e,
francamente, não me sinto nada inclinado a mudar isso agora.
Enquanto me reclino na cadeira enquanto minha mente passeia pelas
curvas do corpo dela, espremido naquele blazer ridículo e velho, os peitos
praticamente saltando na minha direção, implorando para serem adorados.
Tenho certeza de que foi Lorena quem lhe emprestou aquela coisa do século
passado e, mais uma vez, me pergunto o que se passa na cabeça daquela
garota. Tão jovem e bonita e com um dos piores comportamentos que eu já
vi na minha vida. Pode acreditar quando eu digo que já vi muita gente
agindo de forma bizarra, mas Lorena extrapola todos os limites. Sem contar
que a amizade entre Julia e essa garota é uma verdadeira incógnita para mim.
Nunca perguntei a idade das duas, mas tenho certeza de que existe pelo
menos uns dez anos de diferença entre elas.
Minha mente vagueia sobre vários assuntos, enquanto imagino
minhas mãos livrando Julia daquelas roupas, seus seios presos dentro da
lingerie com os mamilos apontando em minha direção. Sigo tocando-a em
todas suas partes sensíveis e fazendo com que ela gema e se contorça de
prazer. Pressiono minha ereção com a mão, prestes a cometer mais uma
imprudência em pleno horário de trabalho, quando o alarme do meu telefone
toca, me trazendo de volta à sanidade.
Muito a contragosto, afasto a imagem do corpo macio e nu de Julia,
sentada sobre meus joelhos, com os braços em volta do meu pescoço e a
língua rosada passeando por seus lábios, e volto minha atenção para o
trabalho. Tenho exatos dez minutos para entregar a documentação do novo
projeto ao pessoal da área de planejamento e, para não correr o risco de que
algo saia errado, aperto o botão de enviar mensagem, com todos os
documentos anexados e decido correr até o primeiro andar, para me
certificar de que aqueles preguiçosos irão ler tudo hoje, ao invés de deixar
para segunda-feira.
Assim que saio da sala, ouço uma funcionária chamar meu nome em
tom de urgência e viro meu rosto na sua direção enquanto continuo
caminhando a passos largos. Antes que eu possa gritar que planejo estar de
volta em alguns minutos, uma pessoa bate de frente comigo e sinto um
líquido quente escorrendo por toda a minha camisa, queimando minha pele e
me fazendo gritar instintivamente.
— Mas que merda!
— Opa, foi mal. — Eu sabia, só podia ser obra dessa menina. — Foi
mal mesmo, chefe. Não vi você, estava ouvindo música e…
— Deixa pra lá, Lorena. — Puxo a camisa arruinada para longe da
minha pele, e empurro-a para o lado, o café escorrendo por toda a parte.
— Não, chefe, deixa eu ajudar! Vou ali no banheiro pegar papel. —
Ela sorri para mim, nada constrangida. Na verdade, tenho certeza de que está
gostando da situação, quase como se tivesse uma satisfação pessoal em me
ver sujo e irritado.
— Não precisa — resmungo entredentes. — Prefiro que você largue
esse copo aí no lixo e corra até o primeiro andar para se certificar que os
inúteis do Planejamento já estão trabalhando no e-mail que mandei para eles.
— Agora? — Ela balança o corpo nos calcanhares, olhando à sua
volta como se procurasse algo mais importante para fazer.
— Não, Lorena. Pode resolver o que você tiver que resolver
primeiro. — Minha boca se retorce em um arremedo de sorriso. — Faça
tudo com muita tranquilidade e depois aproveite para passar no RH e pegar
sua demissão. Sem pressa alguma.
— Cruzes, que mau humor. — Ela dá um sorriso sem dentes para
mim, inclinando o corpo em uma mesura irônica enquanto finaliza minha
manhã com chave de ouro. — Tudo que Seu Mestre mandar.
A garota vira as costas e sai sacudindo a cabeleira ruiva sem dizer
mais nada, me deixando muito puto da vida no meio do corredor. Fecho os
olhos e, mentalmente, conto até cento e oito, ou algum outro número místico
que não faz nenhum sentido para mim. Sei que já estou novamente no
controle das minhas emoções quando a ideia se forma em minha cabeça:
comprar camisa e gravata novas. Pronto, coisa simples.
Fico muito satisfeito comigo até que, em um estalo me lembro que
meu cartão está com Julia e que ela já saiu. Vou até o banheiro e tento
remediar a situação, mas a mancha de café destruiu minha camisa e preciso
admitir que só existe uma solução para meu problema: ir atrás da mulher que
me tira o sono.
E tem que ser agora.
Preciso contar uma coisa para você: eu amo shopping. Amo demais
as luzes, o movimento e o cheirinho especial de cada loja. Sou uma
consumista nata, tenho bom gosto e estilo, só me falta a grana.
Abro minha bolsa e o cartão de crédito de Vinicius parece piscar
sedutoramente para mim. Se ele falasse com certeza diria: “Ei, gostosa, me
usa.”
Vou te usar, meu querido. Vou sim e vou com força.
Chego na tal loja do segundo piso e, por um momento, fico
constrangida. Minha roupa está um lixo e a loja é um luxo. Perdoe meu
trocadilho infantil, mas essa é a mais pura verdade.
O piso é de mármore preto e as araras prateadas estão posicionadas
contra uma parede branca, que realça a cor das peças penduradas. Do
corredor, consigo me imaginar sentada nas poltronas cor de creme, com as
minhas longas pernas cruzadas e uma taça de champanhe na mão enquanto
escolho quantos vestidos vou passar no cartão de Vinicius.
Olho em volta e tomo uma decisão drástica e um pouco dramática.
Caminho até a lata de lixo, tiro o blazer e faço um bolo com ele, enfiando
aquela coisa horrorosa no buraco disfarçadamente. Estufo o peito e,
ignorando toda a maionese seca estampada na frente do vestido, marcho em
direção à loja, escolhendo a vendedora que me parece mais meiga entre
todas as metidas espalhadas pelo salão.
— Bom dia. — O olhar da vendedora está fixo na sujeira do meu
vestido, mas quem pode culpá-la?  A maionese seca o transformou em algo
que somente uma pessoa fora do seu juízo normal usaria. — Preciso de um
vestido, urgente.
Jogo a informação no colo dela como se isso não fosse óbvio pelo
estado lastimável da peça que estou usando e me calo. Mantenho o olhar
duro, encarando a menina como se não houvesse nada de errado comigo. Por
dentro fico com dó, porque ela não sabe se ri de mim ou se me atende. Se ela
começar a rir, pode perder a cliente, então resolvo dar uma mãozinha e saco
o cartão da bolsa, batendo com ele no balcão de vidro enquanto falo.
— Não me importa o preço, desde que ele seja lindo e adequado para
uma reunião de negócios.
Os olhos da moça brilham e ela me dá um sorriso perfeito. Ela parece
tão feliz em ver aquele cartão que seus lábios pintados de rosa se retraem
demais, mostrando dentes de um branco que quase me deixa cega, enquanto
sinaliza para uma das araras no canto da loja.
— Vai ser um prazer ajudar a senhora, Dona...
— Julia. — Ouço uma voz grave atrás de mim. — O nome dela é
Julia, Natasha.
Fecho os olhos em um misto de surpresa e raiva quando Vinicius
coloca a mão em meu ombro e o aperta de leve, me virando em sua direção.
Que raios esse homem pensa? Precisava vir atrás de mim para saber se eu ia
gastar o dinheiro dele da melhor forma possível?
— Relaxa, Dona Julia. — Lá vou eu de novo, sentindo aquela
comichão entre as coxas quando ele me chama assim. — Estou aqui apenas
porque preciso comprar uma gravata nova e você está com o meu cartão.
Ele aponta para a gravata que está usando, a seda azul clara
ostentando uma enorme mancha de café que se espalha pela camisa.
— Ficou com inveja de mim, Vinicius? — De novo, a piada se forma
na ponta da minha língua e quando percebo já deixei as palavras escaparem.
— Não seja ridícula — ele responde, seco, e eu dou de ombros como
se eu tivesse cinco anos de idade e achasse que o ridículo fosse ele. —
Aquela destrambelhada que você chama de amiga, veio andando e rindo de
alguma coisa, sem olhar para a frente e me deu um banho de café.
Vinicius dá um passo para trás e vejo que não só a gravata, mas
também sua camisa está toda manchada. Pelo visto, Lorena havia caprichado
no banho de café. Enquanto eu o observo, ele vira as costas e sai andando
pela loja, passando a mão pelos vestidos, examinando tudo com uma calma
que eu não reconheço. Estou tão perdida em pensamentos observando esse
homem se movimentando que, quando Natasha toca em meu ombro, dou um
pulo e coloco a mão no coração.
— Desculpe — a jovem dá um daqueles sorrisos fabricados —, não
queria assustá-la.
— Tudo bem, eu estava distraída.
— Isso é normal. Todas ficamos distraídas quando ele aparece por
aqui.
Vejo seu olhar percorrendo cada centímetro do corpo do meu chefe,
que nem parece notar o que acontece ao seu redor, concentrado em examinar
um vestido vermelho com um profundo decote nas costas.
Não tem como negar, minha gente, que Vinicius é um belo exemplar
de masculinidade com seus intensos olhos azuis e o queixo quadrado. Isso
porque ainda não falei sobre as ondas que se formam em seus cabelos
quando eles estão um pouco mais compridos que o habitual ou sobre as
mãos grandes e fortes. Estou perdida em pensamentos pervertidos sobre as
mãos de Vinicius percorrendo meu corpo quando ele joga o vestido no
ombro e, displicentemente, desfaz o nó da gravata, fazendo com que algo
dentro de mim acenda.
— Ele vem aqui com frequência? — Consigo perguntar antes que a
baba escorra da minha boca. Vinicius está abrindo os botões da camisa
enquanto conversa com o gerente da loja e eu começo a imaginar coisas
nada inocentes quando vejo os pelos em seu peito.
— Ah, sim. — Natasha dá um risinho sem vergonha. — Sempre que
tem uma namorada nova ele aparece com ela para comprar algumas coisas.
Mas, isso você já sabe, né?
Olho espantada para a garota que parece acreditar que sou namorada
de Vinicius. Ela tem um sorriso irritante pregado nos lábios e eu nego com a
cabeça, apressando em informar.
— Não sei de nada. Ele é meu chefe e não sei o que veio fazer atrás
de mim.
Ela dá de ombros e me entrega um vestido verde escuro, que vai até a
altura dos joelhos e tem um belo decote quadrado. O tecido dele é tão macio,
que tenho vontade de ir para a cama com ele e passar horas me acariciando.
Aliás, é exatamente o que vou fazer depois que esse dia terminar.
Com o canto dos olhos, observo meu chefe muito à vontade,
conversando animadamente com o tal gerente, então decido agir. Pego o
vestido da mão da vendedora e caminho até os provadores, com ela nos
meus calcanhares. Viro para a jovem, na tentativa de ficar sozinha e peço.
— Pode me conseguir um blazer preto? — Ela me olha com um
certo desdém quando uso a palavra “blazer”. — Ou o mais próximo que
tiver de um.
Sem se dar ao trabalho de me responder, ela vira as costas e eu
finalmente tenho paz. Entro no provador e fecho a porta de madeira atrás de
mim. Tudo no ambiente é chique e diferente das lojas de departamento onde
estou acostumada a comprar minhas roupas.
Dentro do provador, me pego encarando um espelho enorme, com
luzes iguais às de camarim ao seu redor. Um banco de veludo fúcsia e um
tapete creme bem felpudo completam o ambiente, dando um ar íntimo e
ainda assim natural àquele espaço, quase como se fosse um closet criado
com cuidado e atenção para uma mulher delicada e sensual.
No caso, eu.
Dou uma risada silenciosa assim que formulo esse pensamento e,
sem perder tempo, coloco minha bolsa no banco e tiro o vestido pela cabeça,
arremessando-o no chão. Paro para me olhar no espelho por alguns
segundos, o conjunto de calcinha e sutiã em renda preta valorizam minha
silhueta e, vamos combinar, quando se está em cima de saltos altos, tudo fica
mais bonito.
Sorrio para mim mesma e na hora em que começo a passar o vestido
verde pela cabeça, ouço uma batida na porta. Tateio até achar a tranca e abro,
esticando a mão para que a vendedora me entregue o blazer.
— Quero que você prove este aqui. — A voz rouca e máscula não
pertence a Natasha, e sim a Vinicius, me pegando totalmente de surpresa.
Fico parada no lugar sem saber o que fazer. O vestido está enroscado
na minha cabeça e o resto do meu corpo todo de fora, exibindo aquele lindo
conjunto de lingerie preta.
— Anda, Julia. — Sinto ele se aproximando de mim e suas mãos
puxam o vestido verde para longe da minha cabeça. — Não tenho o dia todo.
Livre da peça de roupa, arregalo os olhos para ele que está exibindo
um sorriso que eu nunca tinha visto antes. Um sorriso que me faz desejar
passar a língua pelo lábio inferior dele até que Vinicius não aguentasse mais
de tesão.
Em vez disso, levanto o queixo e me mantenho firme, como se
estivesse vestindo minha melhor roupa e não seminua na frente da pessoa
que paga o meu salário.
Eu juro que quero falar, mas nada sai da minha boca.
Ele se aproxima de mim, o vestido vermelho nas mãos, a camisa
aberta deixando o peito magnífico à mostra e, colocando os lábios contra
meu ouvido me deixa arrepiada enquanto sussurra baixinho:
— Cacete, Julia. — Eu prendo a respiração, esperando um elogio,
um convite, qualquer coisa. — Deixa de ser lerda e veste logo esse vestido.
Qualquer coisa menos essa grosseria. Dando um passo para trás,
encosto minha bunda no espelho e tiro o vestido das mãos dele.
— Você facilitaria muito essa tarefa se liberasse algum espaço para
eu me mexer.
Sem falar nada ele se vira em direção à porta e a fecha, passando o
trinco enquanto empurra o banco para o canto com o pé. Com um sorriso
satisfeito brincando nos lábios, senta-se e olha para mim, declarando.
— Pois bem, aí está o seu espaço. Estou esperando.
Solto um grunhido de ódio e me viro de costas para ele,
amaldiçoando o universo por me enganar mais uma vez. Quando eu achava
que o dia estava melhorando, tudo desanda novamente.
Meu chefe abafa uma risada e cruza os braços, esperando que eu me
mexa.
E, juro por Deus, olhando para ele dentro desse provador, percebo
que quero me mexer de muitas maneiras com ele.
Caralho.
Não, sério. Caralho.
Confesso que passei algumas noites imaginando como ela seria sem
roupas, mas nada me preparou para a visão de Julia dentro de uma calcinha
de renda preta.
Eu não estava preparado para me apaixonar por seu umbigo delicado,
nem pelas coxas grossas salpicadas de sardas. Inclino a cabeça e me
pergunto se coxas podem ter sardas ou se estou completamente enlouquecido
pela curva suave que os seios dela fazem dentro desse sutiã minúsculo. Do
jeito como ela se inclinou, Julia sabe que seus peitos estão quase pulando
para fora. Ela tem que saber.
Dizer que fantasiei muitas coisas com ela é uma declaração, no
mínimo, inadequada. Passei dias e noites pensando em como seria beijá-la,
morder a sua orelha delicada, lamber seu pescoço até que ela implorasse
para que eu a beijasse. Inclusive me imaginei fazendo coisas que nunca antes
passaram pela minha cabeça. Sou homem o suficiente para não negar isso,
da mesma forma que tenho total controle sobre minhas reações. 
Mas esse pedacinho de pano quase transparente e que não cobre
porra nenhuma consegue fazer com que meu corpo tenha vida própria.
Agora aqui estou eu, sentado em um banquinho cor-de-rosa, meu pau
rijo em uma ereção dolorida, com os olhos na altura da bunda deliciosa de
Julia e, enquanto ela resmunga alguma coisa, tudo em que consigo pensar é:
como ela deve ser macia.
E quente.
E cheirosa.
Dou uma risada e ela me olha indignada, mas não fala nada. Nem eu,
porque mesmo que quisesse, tudo que eu conseguiria dizer é:
“Caralho, muito linda.”
Estou indignada? Claro que estou. Mas confesso que dividir um
espaço tão pequeno com esse homem está me deixando confusa e com um
calor daqueles que queima as entranhas das melhores e mais divertidas
formas possíveis. E que calor é esse, minha gente!
Seguro o vestido vermelho à frente do meu corpo e me olho no
espelho. Ele tem o mesmo comprimento do verde, porém é tão vibrante e
sexy que me faz apertar os olhos para ele e perguntar:
— Vinicius, esse ‘vestidinho” não é um pouco demais para uma
reunião com os empresários?
— Veste essa coisa logo, Julia. — Percebo que, para variar, a
paciência dele já se esgotou. Grosso. — Estamos perdendo tempo sem
necessidade. É apenas um vestido.
Dou de ombros e desisto de tentar entender o que se passa na mente
dele. Levanto os braços e passo a peça pela cabeça. O tecido macio desliza
pela minha pele como se estivesse me acariciando e sinto os olhos do meu
chefe grudados em mim. O decote alto mantém meu colo escondido, mas a
parte de trás do vestido revela tudo que não deve. O decote é profundo e eu
tenho uma certa dificuldade em encontrar o ângulo certo para puxar o zíper.
— Pode deixar — ele sussurra ao meu ouvido, seus lábios quase
tocando minha pele, que está em chamas. — Eu fecho para você.
Pelo espelho, vejo ele dar dois passos para trás antes de se ajeitar às
minhas costas e logo meus olhos são atraídos para o volume entre suas
pernas. A calça do terno está esticada e a ereção dele é algo impossível de
não se notar.  Ele se aproxima novamente, coloca as mãos em meus ombros
e, sem pressa, desliza-as pela lateral do meu corpo, parando por alguns
segundos na minha cintura enquanto me olha pelo espelho. Engulo em seco
quando seus dedos tocam a pele exposta das minhas costas e estico a mão
para me apoiar no espelho, empinando levemente a bunda em sua direção.
— Ficou perfeito — ele sussurra enquanto sobe o pequeno zíper,
fechando o vestido com uma prática impressionante. — Mas você vai
precisar usá-lo sem sutiã.
E, chegando mais perto, passa o dedo pelo fecho do meu sutiã, como
se estivesse brincando com a ideia de me tirar de dentro daquela peça
desconfortável. Sinto algo frio sendo pressionado contra as minhas costas,
algo que deduzo ser a fivela do cinto, mas, antes que eu possa fazer qualquer
movimento, ou dizer alguma coisa, ele coloca a boca perto da minha orelha,
roça a ereção na minha bunda e diz:
— Sempre desconfiei que, debaixo daquela sua pose de autocontrole,
havia uma mulher esperando para ser devorada.
Vinicius sorri para mim pelo espelho e, enquanto abre a porta do
provador para sair, completa.
— Leve este e o verde, Dona Julia. Os empreiteiros vão dar um
jantar depois da nossa reunião e vamos precisar pernoitar em Angra. — Ele
nem se dá ao trabalho de me olhar novamente quando avisa. — Vá para casa
e prepare uma bolsa de viagem. O dia vai ser longo.
Assim que o perco de vista, me jogo no banco, as pernas trêmulas e a
calcinha molhada. Bota longo nesse dia.
Depois de conseguir colocar os pensamentos em ordem, experimento
o vestido verde e fico bastante satisfeita com a imagem que vejo no espelho. 
Dando um rodopio, examino como ele fica na parte de trás, só para ter
certeza de que minha bunda não está totalmente marcada e, nesse momento,
Natasha abre a porta com cuidado e me entrega uma peça preta.
— Olha — ela começa —, não sei se é o que você quer, mas é o que
tenho mais próximo de um blazer.
Agradeço com um sorriso e saio, já usando o vestido verde, enquanto
entrego o meu velho azul marinho para ela, pedindo com um sorriso:
— Pode se livrar disso para mim? — Ela concorda com a cabeça
enquanto segura o vestido a uma distância segura. — Nunca mais quero
olhar para ele.
Chego no salão e Vinicius não está à vista, mas antes que eu consiga
sequer formular uma frase, Natasha aponta para o outro lado da loja.
— Ele está ali, no provador masculino. Pela quantidade de camisas
que pediu, deve demorar um pouco. — E, com um sorriso irônico, completa:
— Por que não vai até lá dar uma conferida?
“Quer saber, sua insuportável? Vou mesmo.”
Mas não falo em voz alta, apenas viro de costas e caminho até onde
Vinicius está, e bato na porta três vezes.
— Achou a camisa preta?
— Não sabia que tinha que procurar. — Merda, eu e minha boca
grande. — Sou eu, Julia.
Ele abre a porta e, antes que eu possa reagir, me puxa para dentro do
provador. Meu corpo vai de encontro ao seu peito nu, e apoio minhas mãos
nele para não cair, ficando presa dentro do seu abraço. Sinto sua respiração
em meu pescoço enquanto seus braços envolvem minha cintura e ele desliza
uma das mãos até minha bunda, me pressionando contra seu corpo cheiroso
e declara:
— Precisamos parar de nos encontrar assim, Dona Julia.
E meu mundo explode em cores, como foguetes de fim de ano no
céu, no momento em que ele toma minha boca na sua.
Não tenho mais como negar: Julia me deixa louco de todas as
maneiras possíveis. E eu não tenho o autocontrole que acreditava ter. Pelo
menos não no que diz respeito a ela.
A visão daquele vestido vermelho abraçando seu corpo como se
tivesse sido feito sob medida para ela, fez com que meu pau ganhasse vida
própria mais uma vez. Estou começando a achar que, caso não consiga
controlar esse tesão reprimido, vai ser muito difícil trabalhar ao lado dessa
mulher daqui para frente.
Natasha sorri para mim de uma forma convidativa, mas não tenho
nenhum interesse em repetir a rodada de sexo que tivemos há alguns dias.
Não sou o tipo de homem que se apega, gosto da minha liberdade para poder
ter ereções quantas vezes eu quiser, sem que seja necessariamente com a
mesma mulher.
A não ser que essa mulher seja a Julia.
Não. Isso está errado, não posso ter formado essa frase dentro da
minha cabeça. Balanço a cabeça e dou um sorriso para a moça que agora me
olha de uma forma muito esquisita. Puta merda, será que eu falei em voz
alta?
Pego a pilha de camisas que ela separou e, enquanto travo uma luta
com meu corpo, entro no provador. Jogo as roupas no banco de madeira e
corro os dedos pelos cabelos, entendendo que tudo isso é pura perda de
tempo. Não vim comprar bosta de camisa nenhuma, tenho um armário
lotado delas. A verdade é que eu vim atrás da Julia, e agora estou
arrependido.
Apoio a cabeça no espelho e fecho os olhos apenas para sentir o
cheiro dela invadindo minhas narinas. Mais essa agora, estou alucinando, era
só o que me faltava. Antes que eu possa me recuperar, ouço três batidas na
porta e pergunto em voz alta.
— Achou a camisa preta?
— Não sabia que tinha que procurar. — Sinto um sorriso se
formando em meus lábios ao ouvir a resposta engraçadinha. — Sou eu, Julia.
Meu coração dá um salto dentro do peito e eu abro a porta pegando-a
desprevenida e puxando-a para dentro do provador. Ela apoia as mãos no
meu peito e, por Deus, o toque dela é quente e macio. Sinto as pontas das
unhas vermelhas tocando minha pele e preciso me controlar para não fazer
uma loucura.
Penso em soltá-la, mas desisto, mantendo-a presa em meu abraço
enquanto abaixo o rosto até a curva do seu pescoço. Julia é alta, mas não
tanto como eu, o que nos transforma no casal perfeito. Meus braços
encontram seu lugar ao redor da cintura dela e seguro sua bunda, perfeita e
redonda, apertando-a em minha mão.
— Precisamos parar de nos encontrar assim, Dona Julia.
É tudo que eu consigo falar antes de tomar sua boca com paixão.
Uma paixão que há muito tempo eu não sentia.
A sensação daqueles lábios carnudos e macios junto aos meus me
deixa completamente sem ar. Nem sequer tenho tempo de pensar em resistir,
em vez disso, enlaço o pescoço de Vinicius enquanto entreabro meus lábios,
me deliciando com o toque de sua língua contra a minha.
Sinto sua mão subindo por minhas costas até alcançar o rabo de
cavalo, para logo em seguida tirar o elástico, deixando meus cabelos soltos
pelas costas.
— Odeio seu cabelo preso — ele murmura contra minha boca
enquanto crava os dedos na minha cintura, me puxando mais para perto do
seu corpo.
Não falo nada, simplesmente por não ter nenhum controle sobre
minhas faculdades mentais nesse momento. E, como a oferecida que sou,
jogo o pescoço para trás e puxo a boca de Vinicius para perto do meu corpo,
totalmente alheia às possíveis complicações que esse ato pode trazer para a
minha vida.
Ele não precisa de nenhum outro incentivo, passa a língua pelo meu
pescoço, preguiçosamente, até chegar ao lóbulo da minha orelha, me
arrancando um gemido alto.
— Dona Julia! Comporte-se. — Enquanto diz isso, um sorriso sacana
enfeita seu rosto e sua mão direita sobe de forma possessiva por minha coxa,
levantando meu vestido novo em folha até encontrar a calcinha que, claro, já
está molhada. — Se um simples beijo fez você gemer assim, como vai ser na
hora que eu fizer isso?
Seus dedos encontram rapidamente o caminho do meu prazer, se
enroscam em meus pelos e ele começa a massagear o lugar mais delicado do
meu corpo. Ele está fazendo coisas diabólicas com meu clitóris e eu quero
gritar de tesão. Ao perceber isso, Vinicius esmaga minha boca contra a sua,
abafando meus gemidos enquanto aprofunda seu toque. Os dedos dele são
grandes, macios e quentes, preenchendo cada pedacinho de mim,
massageando, apertando, me levando aos mais altos níveis de loucura.
Mal consigo me manter em pé, meus joelhos não me obedecem e
preciso me apoiar nele, sem pudor e sem sequer pensar em nada que não seja
seus dedos dentro da minha boceta. Vinicius suga minha língua, morde meu
lábio inferior, e parece desconhecer limites.
Eu sei que vou gozar nos dedos dele e me preparo para isso fechando
os olhos e deixando que ele segure meu corpo com força. Mas antes que eu
consiga chegar ao clímax, uma batida na porta quebra o nosso momento
mágico.
— Tudo certo aí dentro? As camisas serviram?
Claro que Natasha sabe exatamente o que está acontecendo aqui
dentro. Aliás, tenho certeza de que meus gemidos foram ouvidos por todos
na loja e isso basta para que eu sinta um calor subindo pelo meu rosto. Tento
empurrar meu chefe para longe de mim, mas ele me puxa de volta, mantendo
seus dedos pressionados e firmes contra meu clitóris.
— Tudo perfeito, Natasha. — Fico impressionada com a calma que
ele apresenta ao falar essas palavras quando eu não consigo sequer respirar.
— Dona Julia vai levar as camisas que eu escolhi e aproveitar para pegar
algumas gravatas.
Ele sorri para mim, e enterra os dedos um pouco mais fundo na
minha boceta molhada. Levo a mão até a boca, abafando um gemido, e ele
completa.
— Pode ir separando as gravatas que eu pedi mais cedo.
Natasha sai resmungando alguma coisa, mas eu não me importo, pois
Vinicius tira os dedos de dentro de mim e os leva até os lábios carnudos,
lambendo um a um, sem tirar os olhos de mim.
— Eu sempre desconfiei que você era gostosa, Dona Julia — ele diz
lambendo o último dedo. — Mas nunca sonhei que poderia ser assim tão
deliciosa.
Sem nenhuma cerimônia, ele enfia a mão por meus cabelos e me
puxa de encontro ao seu corpo mais uma vez. Sinto a firmeza do seu pau e
deixo que ele me beije novamente. Melhor ainda, eu o beijo de volta,
sugando sua língua e mordiscando seus lábios enquanto meus dedos brincam
com seus cabelos macios.
Ele sobe a mão pelo meu pescoço e pressiona o polegar firme contra
o meu queixo enquanto sua língua explora cada pedacinho da minha boca.
Sinto meu coração bater acelerado e me esfrego em Vinicius sem nenhum
pudor, ansiosa por dar continuidade ao que estávamos fazendo quando a
vendedora nos interrompeu.
Mas ele me surpreende ao colocar as mãos em meus ombros e me
afastar com brusquidão.
— Prenda o cabelo, Julia. — Seus olhos estão duros novamente, e
fico confusa. Será que aconteceu alguma coisa que eu não percebi? — Não
quero que saiam por aí dizendo que me agarro com funcionárias em
provadores de lojas.
Ele vira de costas para mim e começa a abotoar a camisa enquanto
eu, desnorteada, sigo suas ordens e prendo os cabelos. Procuro seus olhos no
espelho e ele tem aquele sorriso cretino nos lábios.
— Pode pegar essas camisas aí no chão, vou levar todas. E não
demore, nosso dia é longo e não vou saber lidar com a sua lerdeza.
E sai do provador, me deixando sem chão, sem gozo e com muita
raiva.
Não foi nada fácil me controlar. Queria ter arrancado as roupas da
Julia e deslizado meu pau para dentro dela sem medo de que alguém ouvisse
nossos gemidos. Aliás, meus gemidos, porque eu sei que ela ia gritar.
Respiro fundo algumas vezes, penso na população faminta da
Etiópia, no prefeito da cidade e na vez que, aos quinze anos, entrei no
banheiro e vi minha tia Idalva, de setenta anos, pelada.
Pronto, tudo sobre controle.
Me afasto dos provadores e aceno para a vendedora no meu caminho
para fora da loja. Já no corredor, encontro com um dos meus vizinhos e ele
começa a me contar o que aconteceu na última reunião de condomínio,
fazendo com que minha mente tente se ocupar de outra coisa além do cheiro
delicioso que ela deixou em meus dedos.
Vamos conversando até o guichê de pagamento e, assim que nos
despedimos, levo meus dedos até os lábios sentindo novamente o gosto de
Julia se espalhar pelo meu organismo. Valeu a tentativa, penso enquanto
caminho sem pressa até o carro, mas não deu muito certo.
Nessa hora, nem Tia Idalva, nem Etiópia ou a crise no país
conseguem me acalmar pois tudo em que consigo pensar é que tenho um fim
de semana pela frente com Julia e preciso aproveitar todas as chances que
tiver de levar essa mulher para a minha cama.
Mesmo que, nesse momento, eu saiba que ela está com ódio de mim
e do meu comportamento machista.
Claro que, quando consigo me recompor e colocar os pés para fora
do provador — arrastando meu corpo dolorido pela falta de gozo —,
Vinicius já foi embora. Natasha está atrás do balcão colocando várias peças
de roupa dentro de duas sacolas grandes e, quando me vê, dá um sorriso
irônico.
Sem descer do salto, retribuo o sorrisinho debochado e caminho até
onde ela está, ansiosa para pegar as sacolas e sair dali como um foguete. 
Rapidamente tiro o cartão de crédito da bolsa e entrego a Natasha que, sem
me dirigir a palavra, o enfia na máquina enquanto me entrega um bilhete.
— O que é isso? — Minha voz sai mais firme do que eu esperava,
quase como se eu fosse uma rainha do gelo, coisa que minhas coxas
molhadas insistem em negar.
— Seu chefe — Natasha sorri, essa garota maldosa —, deixou para
você. Deve ser bem divertido trabalhar com ele, não é verdade?
Meu rosto pega fogo e acho que passei por todos os tons de rosa e
vermelho enquanto tentava não perder a classe e mostrar a língua para essa
menina insolente.
— Apenas passe o cartão, menina — respondo com raiva, pois nesse
momento não consigo decidir se é divertido ou não trabalhar com Vinicius.
E completo, enfiando no bilhete na bolsa: — Estou com pressa.
— Ah, se eu estivesse no seu lugar, também teria muita pressa.
Ela dá uma risadinha abafada, que me deixa com muito ódio. A
vontade de colocar essa garota no lugar dela só não é maior do que a
vergonha de saber que ela tem total conhecimento do que rolou dentro do
provador. Logo, digito a senha do cartão, pego as sacolas e saio sem nem
olhar para trás.
Entenda, não é que eu esteja envergonhada, mas não gosto que as
pessoas me julguem sem saber...  Ah, porra, estou envergonhada mesmo,
para que negar?
Respiro fundo assim que chego ao corredor do shopping, mais uma
vez deixando aquele ambiente maravilhosamente consumista abraçar meu
corpinho e me consolar sobre o fato de eu não ter dinheiro suficiente na
minha conta bancária para gastar comprando coisas supérfluas que vão
aquecer meu coração. 
Caminho até a praça de alimentação, compro um suco de abacaxi
com hortelã e, enquanto me refresco, abro o bilhete do meu chefe. 
Como sempre, ele vai direto ao ponto, e eu fico sem ar.
“Dona Julia,
Não precisa voltar para o escritório. Pego você daqui a duas horas na
porta da sua casa. Não esqueça o vestido vermelho, sua bunda ficou
deliciosa nele.  
V”

V? Que jeito mais ridículo de assinar um bilhete! V. E, cá entre nós,


quando foi que ele começou a achar que tinha essa liberdade para falar
comigo sobre minha bunda?
“Talvez depois de você ter deixado ele enfiar a mão entre suas pernas
e os dedos em sua boceta?”
Meu cérebro interrompe racionalmente o fluxo de emoções
contraditórias que começa a se formar dentro de mim, e eu paro para
ponderar. É verdade, deixei mesmo ele fazer isso, e deixaria muito mais se
ele tivesse me dado a oportunidade. Mas ele resolveu se comportar como um
idiota e me abandonou dolorida e atordoada, ansiando por um orgasmo.
Depois de ter sentido aquela língua áspera tomando a minha boca e
seus dedos me tocando como se eu sempre houvesse sido dele, chego à
conclusão de que quero muito ter Vinicius inteiro entre minhas pernas. Sua
língua, seus dedos, seu pau. Quero me enroscar em suas pernas, mergulhar
naqueles diabólicos olhos azuis e fazer ele gritar meu nome repetidas vezes,
enquanto eu cavalgo rumo ao meu próprio prazer.
Sinto minha calcinha ficar molhada e olho à minha volta, analisando
as pessoas sentadas por perto. Você já teve aquela sensação de que todo
mundo ao seu redor sabe o que você está pensando só de olhar para sua
cara? Sou eu hoje, nesse exato momento. Tenho certeza de que aquela
mulher dando papinha para uma criança acaba de me lançar um olhar
furtivo, e está pensando que eu sou uma daquelas mulheres fáceis que gosta
de se esfregar no chefe dentro do provador de uma loja chique.
Posso jurar que aquele coroa, que está lendo um livro de suspense
enquanto toma uma cerveja, acabou de me dar um sorriso cheio de
cumplicidade e uma piscadela sacana. Ele sabe exatamente que eu sou capaz
de fazer loucuras em nome do meu prazer.
E quer saber?  Dane-se, pois sou mesmo. Confesso que admitir isso
está me deixando muito mais satisfeita comigo, ao mesmo tempo que
entendo que o coroa anseia por esse tipo de aventuras e aquela mesma
mulher que alimenta pacatamente seu filho, daria um pouco da sua tranquila
vida familiar para estar no meu lugar. Deixar o bebê em casa e se perder em
lânguidas tardes regadas a sexo com um deus feito meu chefe. 
Afinal de contas, quem não gostaria disso?
Guardo o bilhete na bolsa, termino meu suco e me apresso em
chamar um carro no aplicativo e tomar o caminho de casa. Tenho pouco
tempo para me preparar para horas na companhia de Vinicius, e preciso fazer
com que esses momentos sejam inesquecíveis.
Estou determinada a tirar o melhor proveito dessa situação, ou eu não
me chamo Julia!
Por algum milagre, o trânsito está tranquilo, e isso permite que eu
chegue em casa com tempo de sobra antes que Vinicius decida aparecer
como um furacão enraivecido. Então, decido tomar uma ducha rápida e
trocar de roupa.  Coloco os dois vestidos dentro de uma bolsa de viagem e
me pego admirando minha gaveta de calcinhas.
Tenho lingeries de todas as cores do arco-íris. Roxo? Tenho. Amarelo
Neon? Tenho. Preto, cinza, fúcsia, verde? Ah, gente, eu tenho, tenho e tenho.
Sou louca por essas peças de roupa tão delicadas e, ao mesmo tempo, tão
poderosas, já fui muito admirada pelos homens da minha vida usando uma
microcalcinha e um sutiã arrasador. Pensando nisso — e na possibilidade de
tirar a roupa na frente de Vinicius — passo a mão em vários conjuntos,
enfiando todos no fundo da bolsa.  Não posso me esquecer dos itens
pessoais, então jogo escova de dente, fio dental e mais alguns outros
produtos de beleza em um nécessaire e, depois de me enfiar em um vestido
leve que não seja incômodo para as horas de viagem na estrada, estou
pronta.
Confiro as horas no celular e me parabenizo por ter conseguido
arrumar a mala em tempo recorde. Mas nem tenho oportunidade de fazer
uma dancinha da vitória, pois o meu celular começa a tocar e o nome do meu
chefe aparece na tela. Corro para atender e sou surpreendida por uma batida
impaciente na minha porta.
— Alô? — Nada além do silêncio do outro lado da linha, então corro
até a porta gritando mais alto do que os sons das batidas.
— Já vou! Que saco! Espera!
Só pode ser Bill, o porteiro abusado que vive me pedindo dinheiro
em troca de serviços que eu sei que ele nunca vai fazer. Abro a porta sem
olhar pelo olho mágico e quase caio para trás quando a figura de Vinicius
aparece, ocupando todo o espaço entre os portais.
“Puta merda, como ele é grande!”
Não consigo coordenar meus pensamentos e, quando percebo que ele
está sorrindo para mim, algo derrete dentro do meu peito. Esse sorriso é uma
coisa inédita, jamais vi meu chefe sorrindo dessa forma para ninguém. Passo
a mão pelos cabelos e sorrio de volta.
— Você está com os cabelos soltos.
Isso é tudo que ele me diz antes de esticar o braço e tocar com
delicadeza nos fios que estão sobre os meus ombros. O toque é tão leve que
meu corpo se arrepia, fazendo com que os bicos dos meus seios me traiam, e
enrijeçam sob o tecido do vestido. Ele dá um passo à frente, a mão descendo
pela curva do meu braço e, delicadamente, me empurra para trás, em direção
ao interior do apartamento.
— Sim. — Minha voz sai um pouco fora do tom normal enquanto
fecho os olhos e tento parecer irônica. — Você pode entrar.
— Mas eu já entrei, Dona Julia. — Ele se inclina e sussurra em meu
ouvido. — Você que ainda não prestou atenção.
Abro os olhos e noto que ele já está dentro da minha cozinha com
suas mãos envolvendo minha cintura. Entreabro os lábios, uso minha língua
para umedecê-los e levanto o rosto para ele.
Vinicius sorri e coloca uma mecha dos meus cabelos para trás da
minha orelha, aproveitando para descer os dedos eroticamente pelo meu
pescoço.
— Adoraria beijá-la até deixar sua boca inchada e sua boceta
pulsando, Dona Julia. — Dito isso, me solta e complementa. — Mas temos
um horário a cumprir. Está com tudo pronto?
Incapaz de formar palavras, apenas concordo com a cabeça e pego a
bolsa no chão, pronta para segui-lo aonde quer que seja. E eu desconfio que
essa estrada por onde vou me embrenhar pode me levar tanto ao paraíso
quanto ao inferno.
— Perfeito. Vamos então? — E ele mostra a porta da minha casa para
mim. 
— Uhm, vamos, mas você precisa sair primeiro para que eu tranque a
porta.
Vinicius dá uma risada muito gostosa e sacode o dedo na minha cara
falando em tom brincalhão:
— Excitada, mas ainda assim atenta aos detalhes.  Por isso sempre
gostei de você, Julia. Só não imaginei que tudo que sempre desejei poderia
se transformar em algo tão divertido.
Ainda rindo baixinho, ele vira de costas e me deixa sozinha no
corredor, atrapalhada com bolsa, chaves e um tesão infernal queimando a
parte interna das minhas coxas.
Não me resta outra opção a não ser trancar a porta, juntar minhas
coisas e me jogar nos braços dessa viagem que promete ser uma grande
aventura. Ou assim espero!

Bem a cara dela, mesmo!


Achei que ia surpreendê-la ainda enrolada com os preparativos para a
viagem em cima da hora e com isso fosse garantir minha entrada em seus
domínios para poder bisbilhotar sua vida enquanto ela acabava de arrumar a
mala, mas ela já estava pronta para partir. 
Tudo que pude vislumbrar foi a cozinha clara e simples, com
armários daqueles comprados nos grandes magazines e um fogão
extremamente limpo e coberto por um pano. O que combina bem com ela,
diga-se de passagem. Acho que Julia raramente usa o eletrodoméstico, pois o
utensílio tem aparência de quem é tratado com uma imensa reverência e
mantido em estado de descanso eterno.
Eu gostaria de dizer que prestei atenção em outras coisas, mas a
verdade é que, quando Julia abriu a porta, seu perfume me envolveu. O
aroma suave que veio dos seus cabelos me envolveu e fiquei parado com um
sorrisinho idiota na cara. Ou acho que fiquei, já não tenho certeza de mais
nada.
Estamos no elevador, e ela fica sacudindo a cabeça fazendo com que
o cheiro delicioso dos seus cabelos me leve à loucura. Tudo bem, eu não
deveria ter dito que adoraria beijá-la até deixar sua boca inchada e sua
boceta pulsando. Eu deveria era ter feito isso, e dane-se o fato de Julia ser
minha funcionária. Afinal eu já a encurralei logo de manhã dentro do
provador de uma loja e ela não reclamou, então porque estou tendo essa crise
de consciência agora?
Posso muito bem apertar o botão de emergência e foder ela dentro do
elevador até que ela grite meu nome e goze para mim. Comigo. Em mim.
— Que cara é essa, Vinicius? — O tom de voz dela parece divertido
e percebo que estou com um sorriso preso nos lábios. — Parece que está
sonhando acordado.
Antes que eu consiga fazer meu cérebro funcionar devidamente, o
elevador chega ao térreo e Julia se mete na minha frente, rebolando aquela
bunda maravilhosa enquanto abre a porta.
— Vai ficar aí parado?
Ah, na hora que eu pegar essa mulher, ela vai entender que ficar
parado é a última coisa na minha lista de desejos. Engulo as palavras não
ditas e me apresso a segui-la para fora do elevador.
Algo dentro de mim parece pulsar, e não é meu pau dessa vez. Acho
que é meu coração, acordando de um longo período de hibernação e
avisando que talvez estejamos — eu, ele e meu pau, obviamente —
preparados para seguir essa mulher aonde quer que ela vá.
Confesso que esperava que um motorista fosse nos levar até Angra
dos Reis. Inclusive, na minha mente fértil, estaríamos eu e Vinicius no banco
de trás de um carro preto, daqueles que a gente vê nos filmes americanos. O
motorista levantaria a divisória para nos dar privacidade enquanto iríamos
nos agarrando e transando do Rio até Angra.
Pois eu não poderia estar mais distante da verdade.
Assim que saio do meu prédio dou de cara com um carro importado,
estacionado sem a menor cerimônia na porta da garagem. Bill está andando
de um lado para o outro, nervoso e, assim que me vê, vem logo reclamando.
— Oh, Dona Julia! A senhora sabe que não pode parar aí na frente do
portão da garagem que o Doutor Epaminondas reclama. Ele sempre me diz
que é para anotar a placa e o nome do morador pra ele poder multar.
— Ih, Bill. — Ofereço um sorriso amarelo para ele, me desculpando
mesmo sem sentir vontade. — O Epa continua nessa onda? Não dá pra você
quebrar meu galho? Não posso pagar uma multa não.
— Ah, mas o namorado da senhora parece que pode. — E olha de
lado para Vinicius, que ainda tem um sorriso meio idiota na cara e parece se
divertir com a situação toda. Ele não demonstra a menor pressa em tirar o
carro do portão da garagem, o que deixa meu porteiro ainda mais
alvoroçado.
Faço um bico daqueles que as modelos fazem para as fotos e cruzo
os braços, na tentativa de seduzir o porteiro e me livrar da multa. Mas Bill
logo saca o bloquinho e eu me admiro com a cara de pau dele em sequer
pensar em me dedurar para o síndico. Logo eu, que vivo dando dinheiro e
café para esse encostado.
— A senhora sabe, né Dona Julia... — ele começa, mas eu logo o
interrompo.
— Sei de nada Bill. Só não tô acreditando que você vai realmente
contar pro Epa que meu — olho para Vinicius que ainda parece se divertir
com tudo e continuo — namorado estacionou por dez minutinhos na calçada.
Se o uso da palavra “namorado” incomoda Vinicius, ele não dá
nenhum sinal. Muito pelo contrário. Ele se afasta do carro com o peito
estufado e mete a mão no bolso tirando a carteira. Deve ser uma sensação
mágica puxar algumas notas e resolver todos os problemas do mundo num
piscar de olhos. Eu, honestamente, poderia me acostumar com isso. Observo
enquanto ele desliza as notas para dentro do bolso da camisa do porteiro e o
adverte.
— Seu Bill, mas o senhor nem viu a Julia hoje, não é verdade? —
Bill tira as notas do bolso e arregala os olhos ao ver que ganhou pelo menos
uns cem reais. — Se não a viu, não pode ter visto o meu carro parado aqui,
correto?
— Corretíssimo, doutor. Não tenho nada pra contar pro Seu Epa — o
cretino concorda mais rápido do que um raio e pisca para mim. — Esse seu
namorado é nota dez, Dona Julia. Muito melhor do que aquele mão de vaca
do Marcelinho do 301.
Sinalizo desesperada para Bill, na tentativa de fazer com que ele cale
a boca, mas é tarde demais. Sinto a mão de Vinicius no meu cotovelo,
guiando-me para o carro enquanto me pergunta com um sorriso.
— É verdade isso? Você chama seu síndico de Epa?
— Só pelas costas. — Não consigo controlar o riso e completo: —
Epaminondas é um nome muito longo. E feio também.
Ele me empurra para dentro do carro, entrando logo em seguida e,
antes de partirmos, dá uma buzinada alegre para meu porteiro que está
ocupado demais contando as notas que ganhou para notar que saímos da
porta da garagem.
— Quer dizer então que você namorou o Marcelinho do 301?
Acho graça na intimidade que ele coloca na pergunta, como se
tivesse passado a infância jogando bola com Marcelinho. 
— Sim. Um idiota, diga-se de passagem. Mas era o que dava pra
arrumar no momento. — Afivelo o cinto de segurança e, quando dou por
mim, percebo que acabei falando mais do que deveria. — Com o meu
horário de trabalho, tive que me contentar com um cara que “meio que”
morasse no mesmo prédio e facilitasse as idas e vindas lá de casa.
— Você namorou um cara por que era cômodo? — Vinicius mantém
os olhos atentos ao trânsito, seguro do que faz. Mas algo em sua voz
desperta a minha curiosidade. — E fez isso porque tem um chefe que é um
carrasco?
— Isso é mentira, por acaso?
— Achei que gostava de trabalhar comigo, Julia. — Mais uma vez eu
consigo sentir algo diferente no tom de voz dele. Um leve toque de
humanidade que não combina em nada com tudo que eu penso sobre
Vinicius.
— Com você, não. Para você. Isso faz toda a diferença. — Minha
língua sempre foi mais rápida do que meu cérebro, e mais uma vez acabo
falando mais do que devia.
Vejo Vinicius assentindo em silêncio enquanto me xingo
mentalmente por ter estragado a viagem logo no início. Sem perder a chance,
meu cérebro avisa.
“Pode dar adeus ao sexo quente, Júlia!”
Parece que, nesse relacionamento, meu cérebro nunca vai se cansar
de ter a última palavra.
Durante meia hora, tudo que ouvimos foi o suave som da MPB
tocando pelos autofalantes. Meu Deus, que tédio! Nada de pop ou rock, só
essa coisa melosa, meio bossa nova, que Vinicius parece gostar tanto. Tenho
que abrir um parêntese nessa conversa e dizer que seu gosto musical me
pegou desprevenida. Nunca havia sequer imaginado que esse homem
pudesse gostar de músicas românticas sobre barquinhos e amores perdidos.
Parece que eu ainda tenho muito para aprender sobre ele.
Penso em colocar os fones de ouvido para escutar um pouco de rock,
mas logo descarto a ideia. Isso seria uma coisa antipática de se fazer, e eu
não posso correr o risco de irritá-lo ainda mais, apesar de ainda não ter
entendido o motivo que o levou a ficar calado. Eu disse alguma mentira, por
acaso? Não é possível que ele realmente pense que trabalhar com ele é fácil
e prazeroso. Estou falando de trabalho mesmo, não daquela putaria que
fizemos hoje pela manhã.
Estou perdida nesses pensamentos quando sinto a mão dele tocando
meu joelho. Como se isso não fosse o suficiente para me tirar do devaneio, a
pergunta que ele solta me faz arregalar os olhos, espantada.
— Julia, eu faço da sua vida um inferno?
Queria poder olhar em seus olhos para entender aonde ele quer
chegar com essa conversa, mas Vinicius mantém o olhar fixo na estrada
sinuosa à nossa frente.
— Bem, para ser honesta, faz sim. — Pronto, lá vou eu de novo, a
eterna linguaruda descontrolada. — E essa trilha sonora não está ajudando
em nada a melhorar a minha vida.
A minha tentativa de fazer graça com a situação não surte efeito, pois
ele continua sério, apesar de desligar o rádio. Olho pela janela e para o mar
que surge do lado esquerdo, mas para poder continuar admirando essa
paisagem eu tenho que olhar para Vinicius e, nesse momento, não me sinto
confortável fazendo isso. Me resta olhar para o céu e para a estrada e me
assusto quando ele coloca a mão novamente sobre meu joelho, deslizando-a
até minha coxa e massageando minha pele sob o vestido.
— Eu sempre achei que você não ligava para as minhas provocações.
— Sua voz enche o carro, rouca e sexy, e quando eu não respondo, ele
continua. — Ou que pelo menos levasse na esportiva. Nunca achei que você
detestasse trabalhar comigo.
— Ah, tem dó, né? Em que mundo você vive?
Deixo escapar minha indignação, aquela mesma que eu guardo há
tanto tempo presa na garganta. Como ele pode sequer pensar que todas as
piadas sem graça, as provocações e grosserias não me incomodavam? Em
que realidade alternativa alguém em sã consciência poderia gostar desse tipo
de comportamento?
Sem aviso, ele faz um movimento brusco no volante e joga o carro no recuo
na estrada, onde um dia funcionou um pequeno restaurante que agora não
passa de uma casa abandonada, e liga o pisca-alerta imediatamente.
Assustada, seguro firme no console do carro enquanto ele solta o cinto de
segurança e se inclina na minha direção. Ele está lindo, os olhos escuros, a
boca cheia tão perto da minha.
— Eu não sabia, ok? Se eu soubesse que era tão difícil para você, não
teria te trazido comigo nessa viagem.
O cheiro do perfume dele me envolve e tenho que lutar para formular
uma frase sensata.
— Mas trouxe. — Minha voz é um sussurro abafado pelo barulho
dos carros na estrada. — Estamos nessa juntos agora, e o que você pretende
fazer?
Sem aviso, Vinicius enfia os dedos pelos meus cabelos e me puxa na
sua direção, enquanto solta meu cinto de segurança com a outra mão. Não
resisto, porque seu toque me deixa alucinada e abro os lábios como um
convite que ele aceita sem demora. Sua mão encontra o caminho entre as
minhas pernas e eu paro de pensar quando sinto seu toque em minhas coxas.
Mas ele não me toca por inteiro como eu desejo, apenas brinca com a renda
da minha calcinha enquanto mordisca meus lábios com uma paixão que eu
jamais imaginei.
— Para. — Consigo sussurrar. — Aqui não.
Ele se afasta de mim, mas eu o seguro pela camisa, mantendo-o ao
alcance dos meus lábios. Vinicius sorri sedutoramente e eu dou uma
gargalhada.
— Deixa de idiotice. — Ele arregala os olhos com a minha ousadia
na escolha das palavras. — Você é um demônio e sabe muito bem disso.
Você gosta que as pessoas tenham medo de você, e faz tudo de propósito.
Não precisa usar máscaras comigo.
— Você não tem medo de mim, Julia. — Vinicius segura meus
cabelos com mais força e inclino a cabeça quando os puxa delicadamente,
oferecendo meu pescoço para que ele me beije. — Eu te provoco e você
reage. E eu gosto que seja assim.
Sinto a sua língua traçando um caminho de fogo, desde minha orelha
até a curva do meu ombro e, usando toda a minha força de vontade, fecho os
olhos e respondo sem cautela.
— Ah, mas eu tenho medo sim. Tenho medo que você me mande
embora e só reajo porque meus instintos são mais fortes que minha razão.
Sinto seus lábios distribuindo pequenos beijos pelo meu colo e
desisto de pensar em resistir. Sem música, tudo que escuto são os sons das
nossas respirações, entrecortadas e cheias de desejo.
— Julia?
— O quê? — A pergunta sai da minha garganta como um desabafo.
— Você sabe que não vamos voltar para o Rio hoje, não é? — Ele faz
uma pausa antes de continuar. — Quero passar a noite com você.
— Mas o que eu digo para o Marcelinho? — Aquela faísca dentro de
mim se acende e eu não perco a oportunidade de fazer uma brincadeira. —
Eu tinha combinado de dar uma segunda chance para ele hoje à noite.
— Foda-se o Marcelinho. — Vinicius morde meu ombro e juntos
damos uma gostosa gargalhada.
Quem disse que o tal sexo quente não vai acontecer? Dessa vez você
perdeu, cérebro, e eu vou me dar muito bem.

É isso, está decidido.


Não quero mais resistir a esse calor que sinto quando ela sorri para
mim. Nem quero imaginar como seria ter Julia nos meus braços, apaixonada
e entregue.
Não importa quais barreiras eu tenha levantado durante minha vida
inteira, ela chegou para derrubar tudo e me mostrar que não posso mais
seguir nesse ritmo, nesse desprendimento.
Ou talvez isso tudo esteja acontecendo dentro da minha cabeça, e ela
sequer esteja notando. Eu posso estar me apaixonando por Julia enquanto
para ela isso tudo não passe de uma brincadeira, uma diversão.
Caralho, quando eu me tornei tão emotivo?  Não era para ter deixado
esse meu lado idiota no passado?
Olho para ela, que digita alguma coisa no celular e sorri, e meu
coração comemora sua vitória sobre a razão.
“É, rapaz” ele diz “acabamos de nos foder. Mas você vai gostar.”
Sei... Quero só ver.
O restante do trajeto durou quarenta e cinco minutos, que foram
recheados de rock e amenidades. Deixamos nossas barreiras de lado e a
conversa fluiu como se fossemos amigos há décadas e, apesar de tudo isso
ser muito estranho, eu não dei muita bola para essas mudanças de humor de
Vinicius. 
Agora, parada na recepção do hotel, me pego pensando em como isso
foi acontecer. Ele está fazendo o nosso check-in para que possamos trocar de
roupa antes da reunião e, enquanto conversa com o gerente, eu aproveito
para admirar o local.
De onde estou, consigo ver um jardim maravilhoso com coqueiros
espalhados por toda sua extensão. Um caminho de pedras leva os hóspedes
até a praia, com um mar mais azul do que os olhos do homem que está
comigo e quando eu me viro para a esquerda, um deck de madeira com
vários sofás muito atraentes parece me convidar para momentos de
relaxamento. Sem pensar duas vezes, viro as costas para Vinicius e caminho
até um dos sofás, sentando e esticando as pernas. Confesso que esperava ver
uma piscina, mas quem, em sã consciência, passaria seu tempo nela em vez
de mergulhar nesse oceano maravilhoso?
— Vamos? — A voz dele me traz de volta à realidade e, quando
levanto os olhos, usando a mão para protegê-los do sol, percebo que ele sorri
para mim. O calor que toma conta do meu corpo não tem nada a ver com o
sol escaldante no céu, e eu sorrio de volta, me permitindo viver aqueles
momentos.
— Vamos sim. Sabe — falo enquanto me levanto —, pensei que teria
uma piscina aqui.
— E tem. — Ele me coloca na sua frente e, segurando meus ombros,
me vira para o outro lado, apontando para cima. — Ela fica no topo do hotel,
e você consegue ver toda a praia lá de cima.
Sinto seus dedos acariciando minha nuca e me arrepio um pouco
quando ele encosta a boca na minha orelha e completa.
— Mas se você quiser mais privacidade, eles têm uma piscina
coberta, e eu posso reservá-la para nós por algumas horas.
— Deixe de ser oferecido. — Dou um passo à frente me libertando
do seu toque. — Até parece que eu vou me dar ao desfrute de nadar com
você sem roupas em uma piscina particular.
Vinicius explode em uma gargalhada espontânea e eu fico me
perguntando onde ele esconde esse bom humor enquanto está trabalhando.
E, mais importante, por quê. Mas antes que eu possa fazer essa pergunta, ele
pega minha mão e me repreende com ironia.
— Ninguém falou em nadar pelado, Dona Julia. — Seus dedos
acariciam os meus e eu já quero arrancar a roupa agora, ficando pelada ali
mesmo no jardim, enroscada nas pernas dele. — Você que parece colocar
maldade em tudo que eu digo.
— Eu não trouxe biquíni. — Sacudo os ombros. — Só vou poder
nadar pelada.
Olho para Vinicius e seus olhos estão cravados em mim, passeando
pelos contornos do meu corpo enquanto seus lábios se curvam em um
minissorriso. Fico sem jeito e me xingo mentalmente pela língua imensa que
não cabe na boca, mas antes que eu possa responder, ele me puxa de
encontro ao seu corpo e sinto sua mão subindo por minhas costas até que
seus dedos encontram a base do meu pescoço. O toque dele espalha faíscas
por todo meu corpo e fecho os olhos, entregando-me ao momento.
— Você não vale nada — ele sussurra ao meu ouvido, sua língua
tocando de leve o lóbulo da minha orelha. — E eu estou adorando descobrir
isso.
Ele se afasta um pouco, mas deixa uma das mãos na minha cintura
enquanto me guia pelo gramado de volta ao lobby do hotel. Não sei como,
mas minhas pernas se mantêm firmes e acompanho os passos largos dele
sem nenhum problema. Mas, por dentro, estou em chamas, desejando que o
dia passe rapidamente e eu possa me jogar na cama de Vinicius.
Quando percebo já estamos no elevador e ele se encaixa atrás de
mim, dando espaço para que o carregador entre com as malas. Estou tão
ocupada pensando em todas as coisas que espero que ele faça comigo, que o
sigo como um robô, sem me dar conta do que estou fazendo. Agora, dentro
do espaço limitado do elevador, sinto o pau de Vinicius pressionado contra a
minha bunda enquanto ele brinca distraidamente com uma mecha dos meus
cabelos.
Seguimos em um silêncio constrangedor até chegarmos ao nosso
andar. O carregador coloca as malas na porta do quarto e nos informa:
— A porta de comunicação entre os quartos está fechada, mas pode
ser aberta usando o mesmo cartão da porta principal. — Ele abre a porta e
espera que eu entre, mas fico parada no corredor.
— Uhm — torço os lábios sem olhar para Vinicius —, pode abrir o
outro quarto também? Sou supersticiosa e prefiro os números impares.
— Claro, senhora — o rapaz responde, abrindo a porta do outro
quarto e, quando eu dou o primeiro passo, Vinicius segura meu cotovelo e
sussurra:
— Sem jogos, Julia. — Viro-me e o encaro sem dar uma palavra, a
garganta seca e o sexo pulsando. — Vamos passar essa noite juntos e esses
quartos separados são apenas para manter a sua reputação a salvo.
Balanço a cabeça, concordando com ele e entro no quarto atrás do
rapaz, que já colocou minha bolsa cor-de-rosa em cima de um belo banco de
madeira clara. Escuto Vinicius conversando com ele, mas nem me dou ao
trabalho de prestar atenção ao que estão falando, pois da minha janela tenho
a vista mais perfeita do mundo: o mar de Angra dos Reis.
— Gostou? — A voz de Vinicius me traz de volta à Terra e me viro
em sua direção com um sorriso enorme no rosto. Ele continua parado na
porta do quarto, o ombro apoiado no batente e os braços cruzados sobre o
peito como se fosse o dono do mundo.
Ou seja, lindo e irresistível.
— Adorei. Além da vista, esse quarto é maior do que meu
apartamento inteiro. — Caminho até a cama e me sento na ponta do colchão,
meus olhos presos nos dele. — Acho que fiz bem em trocar o Marcelinho
por essa viagem, chefe.
Espero que ele me dê um sorriso, mas Vinicius está sério. Os olhos
azuis parecem um pouco mais escuros e sua voz sai baixa e perigosa.
— Não quero mais ouvir esse nome saindo da sua boca, Julia. Somos
eu e você apenas. Não existe espaço para nenhum Marcelinho.
Opa, opa, opa! É mesmo ciúmes o que estou sentindo na voz dele?
— Uhm, tá bem. — Fecho os olhos e deito de costas no colchão mais
macio que meu corpo jamais experimentou. — Não precisa ficar bravo,
chefe. Só eu e você.
Quando abro os olhos, ele não está mais parado na porta e eu estou
sozinha. Não acredito que ele teve a coragem de me deixar falando para as
paredes. Desse jeito vou enlouquecer. Quer dizer, enlouquecer ainda mais.
Com um suspiro, levanto da cama, fecho a porta do quarto e caminho
até a porta de comunicação. Encosto a boca no vão e digo.
— Vou tomar banho. Sozinha. — E completo: — Seu idiota.
Escuto ele dar uma risada baixa do outro lado e tenho certeza de que
estamos bem. Por enquanto, pois quem sabe até quando esse bom humor
repentino de Vinicius vai durar?
Olha, preciso confessar que se minha casa tivesse a ducha que esse
hotel tem, nunca que eu passaria menos do que uma hora embaixo dela.
Tomo o banho mais demorado da história da minha vida, sempre
mantendo o olho no relógio para não me atrasar para a reunião. Tudo no
hotel é maravilhoso, a toalha é macia e felpuda, e o tapete do banheiro é
mais gostoso do que as toalhas de rosto da minha casa.
Triste, eu sei, mas é a dura realidade.
Faço uma anotação mental de dizer a Vinicius que mereço um
aumento para poder, ao menos, comprar toalhas decentes. Quem sabe
quando tiver o próximo bônus na empresa ele não decide ser bondoso com o
pessoal do departamento?
Enquanto visto a roupa, paro para analisar algumas coisas que nunca
me chamaram a atenção antes. Como Vinicius é duro e autoritário com as
pessoas no escritório, quase como se ele odiasse o que faz. Fico pensando se
o diretor da empresa trata ele do mesmo jeito que ele trata a gente e, por
alguns microssegundos, me compadeço daquele homem.
Mas, microssegundos mesmo, viu? Pois logo me lembro do carro
importado, do cartão ouro e das roupas caras. O salário dele é muito maior
do que o meu, e ele deveria mostrar um pouco mais de simpatia pela equipe
que o ajuda a manter o departamento sempre entre os primeiros da empresa.
Mas não, né?  Em vez disso, Vinicius distribui coices, berros e ordens a torto
e a direito, e eu quase com peninha dele.
Paro na frente do espelho e sacudo o dedo para o meu reflexo. Julia,
Julia, tome vergonha nessa cara! Não é porque anda cheia de vontade de dar
para ele que o homem de repente se transformou em um anjo! Passo a mão
pelos cabelos e decido deixá-los soltos, caindo em suaves ondas pelos
ombros. Aliso a frente do vestido, dou uma ajeitada no decote e, quando
estou finalizando o batom nude, escuto a porta entre os quartos se abrir.
Pelo espelho vejo quando Vinicius entra no meu quarto e dá de cara
com todas as calcinhas que enfiei na bolsa antes de sair de casa. Lembra de
todas as cores do arco-íris reunidas em um pacotinho de felicidade? Pois
bem, estão espalhadas na cama, dando um show para os olhos de Vinicius
que, levantando um dos cantos da boca em um sorriso divertido, comenta:
— Unidos da Dona Julia. — Ele faz uma pausa dramática igual aos
locutores que anunciam os resultados da votação do Carnaval no Rio de
Janeiro. — Alegoria. Dez. Nota Dez.
Faço um esforço tremendo para não rir da gracinha dele, e fecho a
cara prendendo a gargalhada em um bico de pato muito ridículo. O que me
garante algo que considerei como um elogio.
— Solta logo essa risada, Julia. — Vinicius parece muito confortável
parado na beirada da cama brincando com as rendas da minha calcinha cor-
de-rosa. — Adoro quando você ri, seu rosto se ilumina.
— Rio quando eu quero. — Dou de ombros. — E quando a piada
tem graça. O que não foi o caso.
Para o meu desespero, ele leva a calcinha rosa até o nariz e a cheira
demoradamente, seus olhos presos nos meus como se quisesse me transmitir
alguma mensagem.
Prestou atenção ao que eu disse? Ele cheira a minha calcinha!
E mais uma vez eu sinto um calor, já bastante familiar, queimar as
minhas coxas. Caminho até ele e tiro a peça da sua mão enquanto falo,
apressada.
— Vamos embora. Chega dessa coisa de cheirar minhas calcinhas e
fazer piadinhas sobre alegorias, escola de samba ou sei lá o que se passa na
sua cabeça.
— Você. — Ele me segura pelo cotovelo e puxa meu corpo contra o
dele, sua mão pressionando minha bunda sobre o vestido. — Você está na
minha cabeça, Julia, e eu não vejo a hora de continuar cheirando sua
lingerie. Com você dentro, sentindo o seu cheiro e não o do amaciante.
Vinicius aumenta a pressão dos dedos na minha bunda, solta o meu
cotovelo e mergulha a mão nos meus cabelos, afundando o rosto no meu
pescoço enquanto murmura coisas que eu nem sei contar. Solto meu corpo
em seus braços, passo os dedos por seus cabelos e não consigo segurar os
gemidos que se formam em meus lábios.
— Ah, Julia. — Seu hálito quente contra minha orelha arrepia toda
minha pele. — Puta que o pariu, Julia. Quero te comer agora, na beirada da
cama, em cima de todas essas calcinhas. Deixar nosso cheiro nelas, para que
você se lembre de mim todos os dias.
Antes que eu consiga transformar meus pensamentos sacanas em
palavras, ele se afasta de mim, ajeitando os cabelos com as mãos, a ereção
esticando o tecido da calça social. Sento na beirada da cama, justamente
onde ele disse que queria me comer, e espero. Mas é em vão. Nada de sexo
para você agora, Julia.
— Estamos em cima da hora. — Ele me dá as costas e vai até o
frigobar, enchendo um copo com água e tomando tudo de um gole só. —
Tire essa calcinha que você está usando agora e me dê.
— O quê? — Quase engasgo com a ousadia dele. — Claro que não!
Por que eu faria isso?
— Porque eu estou pedindo, Julia. Poderia mandar, mas estou aqui
pedindo que faça isso para mim. — Ele me olha de um jeito diferente, os
olhos brilham divertidos, mas o sorriso não chega aos lábios. — Porque eu
quero colocar ela dentro da minha cueca para senti-la acariciando meu pau
durante toda a reunião.
Estou embasbacada com tamanha sacanagem. Sério! Nunca na minha
vida nenhum homem falou nada nesse estilo para mim e tudo que eu quero
fazer agora é tirar essa calcinha e eu mesma enfiar esse pedacinho de renda
dentro da cueca do Vinicius.
— Mas essa é a única que eu tenho que não marca no vestido.
— Quem disse que é para você usar alguma coisa por baixo do
vestido? — Vinicius dá dois passos na minha direção e, antes que eu possa
reagir, se ajoelha na minha frente levantando lentamente meu vestido até que
seus dedos encontram a delicada peça de renda branca e começam a puxá-la
para baixo. — Quero saber que você está nua por baixo do vestido, com as
coxas molhadas e sem nenhuma proteção. Quero saber que, na hora que
estiver sentada na cadeira, com essa pose de princesa, dona da verdade,
convencendo a todos que a nossa empresa é a melhor escolha para eles, sua
bocetinha vai estar encharcada enquanto você não consegue parar de pensar
na sua calcinha enroscada no meu pau.
— Ai, porra. — Consigo murmurar quando sinto que ele já deslizou
a peça até meus tornozelos. — Não faz isso, Vinicius. Essa reunião é muito
importante para a empresa.
— Foda-se a empresa, Julia. — E por todas as deusas do Olimpo, ele
me soou muito sincero nessa afirmação. — Por mim a gente não descia para
porra de reunião nenhuma e resolvia agora essa situação.
Em algum momento eu devo ter desmaiado, saí do corpo, ou sei lá
que raios aconteceu comigo, pois ele já está de pé na minha frente, zíper
aberto, colocando a calcinha na minha mão e esperando que eu me mexa.
E eu me mexo. Sinto a boca seca, mas mesmo assim puxo o elástico
da cueca boxer dele e deslizo a calcinha com cuidado para dentro. Quero me
demorar nos pelos da sua virilha, quero brincar com seu pau duro, mas
resisto bravamente e solto o elástico com delicadeza, sem ceder aos meus
impulsos.
— Pronto — digo ousada. — Seja feita a sua vontade, chefe.
— Não me chame mais assim. — Ele segura meu queixo. — Eu
gosto quando você chama meu nome e tenho toda a intenção de fazer você
gritá-lo a noite toda. 
— Vinicius — digo baixinho.
— Julia. — Ele retribui ainda mais baixo.
Sacudo a cabeça em concordância e sem mais uma palavra pego a
pasta e meu notebook com a apresentação e saio do quarto sem olhar para
trás.  Finalmente entendi que ele vai me seguir aonde quer que eu vá.
E confesso que estou adorando isso.
Sim, eu sou fetichista, mas o que isso importa?
Confesso que eu sonho com Julia de camisola e salto alto, sim, mas
quem pode me culpar? Ainda mais agora, que tenho a calcinha dela
enroscada no meu pau que pulsa como se tivesse vida própria.
E daí que eu só consigo pensar em me enfiar entre suas pernas e
trepar a noite toda?
Pare de me julgar!  Me deixe ser feliz!
Enquanto caminhamos na direção do salão reservado para a reunião,
meu coração já não bate mais tão descompassado e sinto uma calma estranha
se apossando de mim.  Ainda no elevador, Vinicius recebeu uma ligação que
o deixou bastante contrariado. A secretária do Doutor Teixeira, um dos mais
importantes do grupo, ligou avisando que o empreiteiro estava
impossibilitado de comparecer à apresentação do projeto e havia enviado o
seu sobrinho no lugar. Mas, como tudo havia acontecido em cima da hora, o
rapaz iria se atrasar um pouco.
Vinicius desliga o telefone parecendo muito contrariado, olha torto
para mim e confessa:
— As esperanças da empresa estavam todas no Doutor Teixeira. —
Ele dá um suspiro cansado, que me leva novamente a cogitar o quanto ele
realmente gosta do emprego. — Teremos que mudar um pouco nossa
estratégia, Julia, apresentar apenas uma parte do projeto agora e deixar o
restante para o coquetel, quando esse tal moleque de recados do Teixeira
chegar. Você acha que conseguimos isso?
Olho para a pasta e concordo em silêncio. Minha mente já
trabalhando de forma rápida, buscando uma solução.
— Sim, acho que dá. Você consegue entrar antes de mim e me
ganhar alguns minutos para que eu possa reordenar os slides da
apresentação?
— Sem problemas — ele faz uma pausa e me dá um sorriso sacana
antes de completar —, chefa.
Uma risada nervosa escapa dos meus lábios, a provocação dele
surtindo o efeito desejado e, assim que a porta do elevador se abre, o
empurro rapidamente para fora.
— Vai logo, mantenha os rapazes entretidos com o que quer que
vocês falam quando as mulheres não estão por perto.
— Sexo, Julia. — Torço os lábios em uma careta e sacudo a cabeça
negativamente. — E futebol e outras coisas muito legais.
Ele vira as costas para mim e eu rapidamente encontro um lugar para
apoiar o notebook e fazer as alterações necessárias.  Na verdade, foi muito
mais fácil do que eu imaginei.
Veja bem, nossa empresa tem uma proposta única de construção de
parques pela cidade, mas precisamos convencer os empreiteiros de que esses
parques valem a pena para o bolso deles. Pensando nisso, juntei a lista dos
apoiadores comerciais dessa negociação, uma série de empresas que querem
anunciar nos parques, promover eventos e divulgar suas marcas. Entre elas, a
maior empresa de saúde do momento.
Esse é o nosso trunfo para conquistar o Doutor Teixeira e fazer com
que ele faça a proposta de assumir as obras. Depois de uma intensa pesquisa,
descobrimos um histórico familiar que era recheado de doenças crônicas e
engajamentos da família em combater e informar sobre prevenção e cura dos
mais variados tipos de doenças. Eu tinha certeza de que, depois de ouvir
nossa proposta, a Teixeira e Filhos iria ser a primeira da fila para viabilizar
nosso projeto, e todos sairíamos ganhando.
Agora é só ganhar tempo e deixar para apresentar tudo à mascote do
Doutor Teixeira, rezando para que o rapaz tenha a mesma visão que o tio e
não coloque tudo a perder.
Respirando fundo, salvo a apresentação e me apresso para entrar na
sala. O clima de camaradagem masculina sempre me impressionou e hoje
não foi nada diferente. Todos conversam e riem descontraidamente com suas
xicaras de café e copos de água espalhados pela mesa, porém assim que
ouvem a porta abrir e dão de cara comigo, tudo muda.
Aquele bando de marmanjos parece esquecer que estávamos em uma
reunião comercial e simplesmente me comem com os olhos, só porque eu
estou sem calcinha.
“Ah, Julia, para, né!”
Tudo bem, não foi isso que aconteceu, mas poderia ter acontecido!
Na verdade, todos estão muito tranquilos, me cumprimentam assim
que Vinicius faz as apresentações, e logo se preparam para prestar atenção
em tudo que eu tenho para falar. E olha que, mesmo reduzindo a
apresentação pela metade, eu tenho muita coisa para mostrar a eles. 
Falo durante quarenta minutos e quando finalizo a minha parte, deixo
que meu chefe comande o restante do show, respondendo a todas as
perguntas e dando as explicações necessárias. Ao final da reunião, ele faz a
jogada de mestre.
— Caros amigos! — Eu adoro a voz profissional de Vinicius. —
Como vocês devem ter percebido, o nosso querido Teixeira não pôde estar
presente à primeira parte do nosso encontro.
— Querido só se for para você, Vinicius. — Gomes, um camarada
careca, que mais tarde fiquei sabendo ser um dos donos da concorrente do
Teixeira, dá uma risada estrondosa. — Eu estou feliz que aquele calhorda
não pôde vir, assim tenho certeza de que vou abocanhar esse projeto e
encher os bolsos.
Meu estômago se revira com força diante dessa declaração. Uma das
coisas que mais havia me atraído para o projeto dos parques era o fato de
que a Teixeira e Filhos era perfeita para ele. Iriam ganhar dinheiro? Claro
que sim, mas eles tinham todo um engajamento social que se encaixava
perfeitamente com a nossa proposta. Pensar em outra empresa pegando o
projeto apenas para “encher os bolsos de dinheiro” me deixa enjoada.
Sinto os olhos de Vinicius sobre mim e forço um sorriso amarelo.
— Mas o Doutor Teixeira já enviou um representante. — Vinicius
senta e cruza as pernas, atraindo meu olhar para onde minha calcinha está
enrolada agora. —  E daremos continuidade à nossa conversa amanhã depois
do almoço. Ainda hoje, no fim do dia, seguindo a agenda proposta aos
senhores, teremos um coquetel aqui mesmo no hotel. Aconselho todos a
aproveitarem ao máximo pois estamos sendo bem generosos.
Essa declaração foi seguida por aplausos e comemorações, somente
Gomez reclama, querendo saber dos detalhes sem esperar o pessoal da
Teixeira e Filhos, e acaba conseguindo o apoio de alguns outros colegas, mas
Vinicius se mostra irredutível.
— Senhores, calma. Roma não foi construída em um dia, e vocês não
vão morrer se saírem agora para aproveitar todas as maravilhas que o hotel
tem para oferecer.
Vinicius olha diretamente para mim e completa.
— Pois é exatamente isso que eu pretendo fazer.
Engulo em seco e, enquanto todos se despedem de mim e tomam
seus caminhos separados, permaneço sentada, as coxas molhadas diante da
mera menção ao que vai acontecer durante a minha tarde.
Eu e Vinicius, sozinhos.
— Julia?
Ele já está em pé, mantendo a porta aberta e me esperando.
— Tudo bem? — O sorriso dele é o mais sacana do mundo e eu não
sei se o arranco dos seus lábios na unha ou se encho ele de beijos —
Podemos ir?
Junto todo meu autocontrole, que vocês sabem não ser lá essas
coisas, me levanto e coloco o notebook embaixo do braço, caminhando até
ele sem sorrir.
— Estou pronta, vamos.
Assim que chego perto dele, Vinicius pega meu cotovelo e me vira
em sua direção, seus olhos cheios de promessas que nem precisavam ser
colocadas em palavras.
— Duvido que esteja pronta. Na verdade, sei que não estamos.
Ele me solta gentilmente, empurrando meu traseiro para fora da sala.
Enquanto caminhamos lado a lado e em silêncio, fico pensando o que ele
quer dizer com essas palavras.
Enquanto caminhamos pelo corredor, o som dos nossos passos
abafados pelo espesso carpete, eu insisto em afirmar para mim mesma que
tudo está bem, que eu estou calma e que vai ser apenas mais uma trepada.
Afinal, quantas vezes eu já saí com homens maravilhosos para noites de
sexo casual e tudo deu certo no final?
“Aham, claro, Julia. Todos os caras que você pegou em noites de
sexo casual foram assim iguaizinhos ao Vinicius.” 
Preciso contar uma coisa para vocês: Toda vez que meu cérebro fala
comigo, eu imagino a Fernanda Montenegro, plácida e elegante, me
julgando com sua blusa de seda preta e seu colar de pérolas, iguais ao que
ela usa em uma propaganda na televisão.
E, nesse momento, enquanto caminho ao lado de Vinicius em direção
aos nossos quartos, o sorriso da Fernanda enche minha mente enquanto sua
voz anuncia dentro da minha cabeça:
“Senhoras e Senhores, essa é a Julia e ela vai dar para o chefe pois
acha que é uma ótima ideia. Será que ela ainda vai achar isso na segunda-
feira quando tiver que olhar para ele na empresa?”
— Está nervosa?
A voz grave de Vinicius interrompe mais um dos meus devaneios
enlouquecidos, e eu engulo as palavras, lutando contra a minha língua
enorme que sempre parece ter mil coisas inadequadas a dizer. Consigo
murmurar algumas palavras sem nexo e vejo quando ele sorri para mim,
passando as mãos pelos cabelos.
— Não fique nervosa, Dona Julia. Quando fecharmos a porta do
quarto, o mundo vai ficar do lado de fora. As pessoas que somos na empresa,
ficarão esquecidas e seremos apenas você e eu. Prontos para tudo que
sempre desejamos.
— Você não está me ajudando, Vinicius. — É tudo que consigo falar
enquanto paro na porta do quarto buscando o cartão dentro da bolsa. —
Sério! Você fala e fala, eu vejo sua boca mexer e sei que está falando coisas
que devem fazer sentido, mas só escuto “você vai transar com o seu chefe”. 
E isso me deixa uma pilha de nervos.
Para comprovar o que acabo de falar, minha bolsa se solta das
minhas mãos e todos os meus pertences se espalham pelo carpete. Moedas,
papeis de cartão de credito, batom e o cartão do hotel ficam largados no chão
enquanto eu esbravejo do alto da minha indignação.
— Meu Deus do céu! — Solto um suspiro resignado enquanto rolo
os olhos para dentro da cabeça, de preferência para sempre. — Não aguento
mais tudo caindo das minhas mãos.
Um clique faz com que eu abra os olhos rapidamente. Vinicius abre a
porta do seu quarto e, com uma suavidade que eu jamais desconfiei que ele
tivesse, segura meus dedos, me puxando de encontro ao seu peito. Entre
nossos corpos está apenas o notebook que eu insisto em manter firme em
meu abraço, como se ele fosse capaz de me impedir de fazer alguma idiotice.
Até parece!
— Vou recolher suas coisas, Julia. Agora entre, use a porta de
comunicação e vá até o seu quarto. — Com a mão livre, ele levanta o meu
queixo e roça levemente seus lábios nos meus. — Leve o tempo que quiser,
estarei aqui te esperando.
Ele me solta e meu corpo reclama, sentindo a falta do toque quente.
“Mas, como assim sentindo falta, Julia? Já?”
Já sim, Cérebro. Já sim, pois meu corpo é um idiota independente e
não segue as suas regras. Sempre que Vinicius está perto de mim desse jeito,
meus joelhos ficam meio molengas, as pernas tremem, a calcinha — quando
estou usando — molha e eu só penso em dar para ele.
Tá bom para você, Senhor Sabe Tudo?
Já no meu quarto, jogo o notebook na cama e abro o frigobar em
busca de algo alcoólico que cale essa voz insistente dentro da minha cabeça.
Cervejas e refrigerantes à parte, encontro uma garrafa de vinho e, apesar de
não ser daqueles bem doces e baratos que eu tanto amo, acabo escolhendo-o.
Luto com a rolha até que finalmente consigo abrir a garrafa e encho
uma taça. Arranco o vestido pela cabeça, ficando nua no meio do quarto e
sem me dar muito tempo para remoer o que estava fazendo. Contenho o
impulso de guardar todas as calcinhas que ainda estão em cima da cama e
corro para mais um banho. Afinal, se eu vou mesmo mergulhar nos braços
de Vinicius, quero estar bem senhora de mim e sem nenhuma inibição. Então
o banho e o vinho são as duas coisas que vão me ajudar.
Mais uma vez agradeço a chance de usar aquela ducha divina, e tomo
um banho rápido, com medo de que o efeito do vinho passe e eu acabe
perdendo essa tal coragem que toma conta do meu corpo. Me enrolo na
toalha megafelpuda, enfio as pernas pela calcinha vermelha que trouxe
comigo, e abro a porta do banheiro, trazendo uma nuvem de fumaça atrás de
mim enquanto cantarolo no meu inglês macarrônico.
— Parece que alguém mentiu no currículo quando afirmou ter inglês
avançado.
Tomo um susto com a gracinha de Vinicius e acabo enfiando meu
dedinho no pé da cadeira. A dor excruciante sobe por toda minha perna e
começo a pular em um pé só e desfiar um rosário de palavrões que fazem
com que o homem maravilhosamente esculpido e deitado sobre as minhas
calcinhas, rompa em uma gargalhada.
— Não ri, porra! — Sacudo a mão em direção ao frigobar. — Gelo.
Pega gelo.
Sento-me no chão, esquecida da classe, da vontade de ser sexy e de
todo o resto. Apenas dobro bem a perna, trazendo o pé para perto do peito,
me sacudindo como se estivesse embalando um bebê enquanto resmungo.
— Puta.Que.Pariu. Que dor, que dor, que dor!
Sinto a mão de Vinicius pegando meu tornozelo com firmeza e
pressionando o gelo contra minha pele.
— Vai me queimar!
— Não vai nada. Abra os olhos, enrolei o gelo para não queimar a
sua pele.
Obedeço e vejo, enrolados na minha calcinha roxa, vários cubos de
gelo que começam a aliviar a dor da pancada. Vinicius não ri mais, seus
olhos ocupados em admirar meu rosto. Sinto minha boca formigando, uma
vontade imensa de beijá-lo toma conta de mim, mas antes que eu possa falar
algo, ele sussurra:
— Se segure, Julia.
Ele passa os braços pelo meu corpo e me pega no colo, colocando-
me na cama e sentando-se do meu lado enquanto minha toalha fica
esquecida no chão. Vinicius está apenas de calça jeans, sem camisa, e eu
admiro cada pedacinho daquele corpo liso, sem nenhuma tatuagem ou pelos,
e antes que me dê conta, minha mão já está acariciando seu peito, subindo
em direção ao seu pescoço, pronta para puxá-lo para mais perto de mim.
— Ainda dói? — ele sussurra, seus olhos presos nos meus.
— Um pouco — confesso. — Foi uma bela pancada.
— Foi sim. Nunca achei que você fosse desastrada, mas os
acontecimentos de hoje comprovaram que estava errado.
— Você me assustou. — Deslizo o dedo pelo contorno dos lábios
dele. — Não esperava te ver na minha cama.
— Achei que corria o risco de você desistir. — Ele mordisca a ponta
do meu dedo. — E eu não estava disposto a correr esse risco.
Com essa declaração, Vinicius mergulha seus lábios em direção aos
meus.
Os lábios de Julia têm gosto de vinho e eu não consigo pensar em
mais nada a não ser em beijá-la por horas. Não quero saber de projeto,
reunião ou qualquer outra merda que uma vez achei importante. Nada na
minha vida é mais importante e delicioso do que o toque aveludado da
língua dela contra a minha enquanto suas unhas arranham levemente as
minhas costas.
Quero dizer a ela para enfiar as unhas na minha pele e marcar a
minha carne, pois já sei que sou dela e que não existe mais espaço para
brincadeiras ou fingimentos. Todas as barreiras que construí nos últimos
anos de vida foram derrubadas com o suave sopro do perfume
enlouquecedor dessa mulher e, agora, nada mais importa, a não ser Julia.
Deslizo minhas mãos por suas costas, acaricio a lateral do seu corpo
apertando suavemente sua cintura até que chego às suas coxas, que estão
quentes e úmidas. Ela geme contra a minha boca e meu pau fica ainda mais
duro, deixando-me com um senso de urgência em ter essa mulher toda para
mim.
Acaricio sua boceta por cima do tecido da calcinha e ela morde meu
lábio com força, o que me deixa ainda mais excitado. Se ela soubesse o
quanto eu gosto disso, poderia até se assustar. Subo a mão até seu pescoço e
enrolo meus dedos em seus cabelos, trazendo-a para o meu colo. Ela rebola e
se ajeita sobre mim e eu tenho a certeza de que essa mulher vai ser tanto
minha perdição quanto minha salvação.
Macios, saborosos e perturbadoramente sedutores. Esses são os
lábios de Vinicius que, com apenas um toque, arrancam um gemido sofrido
dos meus. Já não sinto mais a dor no dedo, e nem me importo com o fato de
estar sentada em uma posição que não favorece muito todo aquele lenga-
lenga de “eu-tenho-que-ser-sempre-sexy” que as cenas de filmes e novelas
colocam na nossa mente.
Estou muito excitada, com as coxas molhadas e louca para jogar
aquele homem de costas na minha cama e me encaixar em cima do seu corpo
maravilhoso. Sem pensar duas vezes, prendo seu lábio inferior entre meus
dentes e o mordisco enquanto passo minha língua por toda sua extensão. Em
resposta, Vinicius enrosca os dedos nos meus cabelos, puxando-me para o
seu colo, onde me acomodo como se ali sempre houvesse sido o meu lugar,
arrancando de seus lábios um gemido dolorido.
— Te machuquei? — sussurro contra seu ouvido
— Ainda não. — Ele se afasta apenas o suficiente e olha para mim,
seus olhos azuis brilhando como duas pedras preciosas. — Espero que nunca
me machuque, Julia, meu coração não iria aguentar.
Dou uma risada gostosa, daquelas que jogam a nossa cabeça para trás
e entro no jogo dele. Se ele quer bancar o apaixonado, eu também sei jogar
esse jogo.
— Ah, Vinicius. Na hora que eu te machucar, você vai acabar
implorando por mais.
Mordo a ponta do queixo dele enquanto sinto sua mão direita
apertando minha cintura com força. A outra mão de Vinicius desliza por meu
pescoço, traçando o caminho tortuoso até meu seio. Assim que encontra meu
mamilo enrijecido, ele aperta o bico rosado com a ponta dos dedos, me
fazendo arfar de tesão.
— Temos que ter cuidado, Julia. Podemos nos machucar de verdade.
Se eu estivesse em meu total juízo, teria parado ao perceber um tom
meio obscuro nessa frase, mas tudo que eu quero é que ele tome meu corpo e
faça todas as loucuras que eu sempre sonhei. Sim, eu sempre sonhei com
Vinicius fazendo loucuras com o meu corpo, mesmo quando ele era o mais
detestável — e lindo — dos homens.
Deixo essa sensação passar e puxo sua boca na direção do meu seio,
o mamilo rígido, pronto para ser sugado por ele. Mas o homem não é fácil, e
com um movimento rápido me joga de costas na cama, posicionando-se
entre as minhas pernas, pairando sobre mim como um perfeito deus do
Olimpo. Ou pelo menos era o que eu via naquele momento.
Sem uma palavra, Vinicius se aproxima do meu corpo, segura meu
seio com uma das mãos e roça levemente os lábios macios contra a rigidez
do meu mamilo. Sinto minha boceta se contrair no momento em que ele o
pega entre os dentes, passando a língua com delicadeza em toda sua
extensão, fazendo meu corpo se contorcer na inútil tentativa de me esquivar.
Ele é mais rápido do que eu e, com a mão livre, segura meus braços sobre
minha cabeça, continuando a deliciosa tortura de mordiscar, lamber e sugar
meu mamilo.
— Para-para-para. — As palavras saem aos borbotões, pedindo que
ele fizesse justamente o oposto do que eu queria. Acho que é o meu instinto
de preservação, uma parte do meu cérebro que ainda resiste bravamente aos
avanços daquele homem.
— Quer que eu pare mesmo? — O sorriso dele é sensual e perigoso.
Ele sabe que parar é a última coisa que eu quero que faça, e como eu não
tenho condições de elaborar uma frase completa, ele afirma: — Eu sabia.
Você quer mais, quer que eu continue, que te dê tudo, não é mesmo, Julia?
— Sim, porra! — grito sem perceber. — Quero você em mim,
Vinicius. Quero tudo que você tem para me dar. E quero agora.
Os olhos dele brilham e eu posso jurar que é algo além de tesão, mas,
novamente, ele me surpreende, abocanhando meu seio com uma fome
assustadora, enquanto seus dedos encontram o caminho que leva até o meio
das minhas coxas. Sinto uma corrente elétrica no momento em que ele
mergulha o dedo em mim, e deixo mais um suspiro dolorido escapar dos
meus lábios, enquanto rebolo abrindo espaço para que ele explore meu corpo
de todas as maneiras.
— Julia....
— Cala a boca, Vinicius — interrompo enquanto mexo meus quadris.
— Você fala demais.
Ele sorri e eu me vejo inebriada com esse simples ato. Algo está
acontecendo dentro de mim, algo que eu sei que não deveria acontecer e,
quando ele leva os dedos até a boca, repetindo o que havia feito naquele
provador do shopping, eu falo algo que, com toda certeza, vou me
arrepender depois.
— Sexo. — Ele inclina a cabeça, os dedos ainda em sua boca, sem
entender o que estou dizendo. — Eu sei que é só sexo. Então vamos fazer
dele, o melhor de todos os tempos.
Uma sombra cruza os olhos de Vinicius, e por um momento eu
cogito interromper tudo que está por vir e perguntar o que está passando por
sua cabeça, mas do mesmo jeito que surgiu, a sombra se foi, e ele está de
volta à ação, arrancando minha calcinha com uma urgência que não combina
em nada com o discurso que ele vem fazendo.
Assim que me vê nua, ele não perde tempo e se livra do jeans e da
cueca, deixando-me completamente enlouquecida só de olhar para seu pau,
grande, grosso e rosa.
Do jeito que eu adoro.
Quando ele começa a abrir a boca para falar alguma coisa, é a minha
vez de surpreendê-lo. Sento-me na cama onde ele está de joelhos e subo as
mãos pelas suas coxas, segurando-o pela bunda enquanto mergulho de boca
nele. A rigidez do membro contra a maciez da minha boca parece
enlouquecer nós dois e, em questão de segundos, estamos em uma sincronia
perfeita, onde eu o chupo sem parar e ele fode minha boca com maestria.
Não tenho tempo de pensar em nada, de planejar nada, somente sigo meus
instintos e quando ele tenta me empurrar pelos ombros, aperto a sua bunda e
levanto os olhos para ele.
Eu sei como ele me vê nesse momento, uma mulher que deseja que
seu homem goze em sua boca. Ele para os movimentos e me olha como se
perguntasse se tenho certeza. Eu respondo mordiscando a cabeça do seu pau
para logo em seguida passar a língua por toda a extensão dele, enquanto
meus dedos acariciam suas bolas.
— Puta que pariu, Julia.
É só isso que ele fala. Voltamos ao nosso interlúdio, a mão dele
segurando o meu pescoço, sem forçar minha cabeça, deixando que eu dite o
ritmo da chupada e, quando eu menos espero, sinto o gosto de Vinicius na
ponta da minha língua, escorrendo pelos meus lábios, tomando todo o meu
corpo. Ele ainda tem forças para me levantar em um impulso e colar sua
boca na minha, em um beijo deliciosamente erótico onde ambos sentimos o
mesmo gosto, o mesmo tesão. E eu acredito ter encontrado a chave para o
paraíso.
Sinto seu braço envolvendo minha cintura e me puxando para perto
enquanto ele não larga meus lábios. A sensação erótica desse beijo é algo
que eu nunca provei na vida, bem, só mesmo nos meus sonhos mais
molhados. E aqui estou eu, realizando uma das minhas fantasias nos braços
do meu chefe.
Vinicius desaba na cama, me trazendo junto com ele e me aninhando
em seu peito enquanto acaricia a curva da minha bunda.
— Julia, Julia. Onde você esteve esse tempo todo?
Antes que eu possa responder, ele rola sobre mim e sinto sua ereção
pressionando minha barriga.
— Mas já?
— Eu não sou igual a esses garotos que você está acostumada. — Ele
se mexe, encontrando espaço entre as minhas coxas e, sorrindo, completa: —
Eu sou o homem com o qual você sempre sonhou.
E com essa afirmação — que eu já estou careca de saber — ele me
entrega um pacote de camisinhas. Rasgo a embalagem e, com os dedos
firmes, coloco-a em Vinicius que não perde tempo, e arremete para dentro de
mim.
Pela primeira vez em muitos anos me sinto completamente satisfeito
em estar na cama com uma mulher. Não que eu não tenha encontrado
satisfação no sexo oposto várias vezes durante minha vida, mas Julia
consegue trazer à tona em mim coisas que eu havia esquecido. Sentimentos
que enterrei bem fundo na minha alma e jurei nunca mais revisitar.
Mas aí, aparece Julia e agora estou nessa situação comprometedora:
possivelmente apaixonado por essa mulher inteligente e linguaruda, que me
deixa enlouquecido de todas as formas possíveis.
Sem mencionar o fato de que ela é gostosa para caralho. E safada. Ou
seja, a mulher dos meus sonhos e a personificação dos meus pesadelos. Só
de pensar em me apaixonar por ela e deixar que Julia vire minha vida de
cabeça para baixo com seu rebolado e suas piadinhas, eu já fico apavorado.
E ao mesmo tempo, estou aqui pensando se meu armário tem uma gaveta
extra para que ela encha com essas calcinhas coloridas.
Sou contraditório sim, mas qual homem não é?
Coloco esses pensamentos de lado e me concentro em mergulhar no
corpo dela, macio e molhado, com os seios gostosos de mamilos rosados e
duros, se oferecendo para mim. Meu pau está tão duro que chega a doer e eu
não quero mais perder tempo, afasto as pernas de Julia e meto com força,
sentindo sua boceta quente pulsando e me sugando, como sua boca fez há
poucos minutos.
Ela passa as pernas pela minha cintura, e eu a abraço com força. Não
quero pensar em nada, só sentir Julia e deixar que ela me sinta. Aumento a
velocidade das estocadas enquanto enfio os dedos em seu cabelo cheiroso e
beijo sua boca com uma fome que não sinto há muito tempo.
Algo me diz que eu jamais vou saciar essa fome, esse desejo que ela
me faz sentir. Mas quem disse que me importo?
A língua de Julia dança na minha boca, seus lábios prendem os meus,
sugando, mordendo, enquanto ela segue meu ritmo, transformando essa tarde
em algo que jamais esquecerei. Aperto sua bunda com força enquanto ela
sussurra obscenidades no meu ouvido, me fazendo ficar ainda mais duro
dentro dela.
Sinto o corpo de Julia enrijecer para logo em seguida se soltar em
meus braços. Seguro a cabeça dela e ordeno.
— Abra os olhos. Quero que você me veja gozar.
Ela entreabre os olhos e sorri para mim, passando a língua pelos
lábios, e eu meto com mais força, sem desviar o olhar, e sinto o alívio do
gozo tomar conta do meu corpo. Enterro o rosto na curva do pescoço dela e
sinto seu perfume me envolvendo, tornando aquele o melhor lugar que já
estive na vida.
Eu, um cara que já viajou o mundo todo, encontrei na curva do
pescoço de uma mulher o melhor lugar do mundo.
Puta que pariu, estou mesmo apaixonado.
— Sabe quando eu decidi que você tinha que ser minha?
Estou deitada de lado, minhas costas pressionadas contra o peito de
Vinicius ouvindo sua voz grave em meus ouvidos enquanto seus dedos
traçam um caminho perigoso entre meu umbigo e, bem, você sabe onde.
Ele falou muitas coisas durante o sexo e outras tantas depois, mas
confesso que a sensação de ter Vinicius só para mim entre aqueles lençóis
macios e cheirosos me impediu de prestar atenção às palavras que saíram de
sua boca.  Eu estava mais concentrada em sentir cada milímetro do seu pau
me preenchendo enquanto sua boca me mordia, lambia e beijava. Tinha
muito mais interesse em derreter sob seus dedos do que em prestar atenção
ao que ele falava.
E, Deus, como ele falava.
Sinto a pressão de sua ereção contra a minha bunda e, com um
sorriso, resolvo dar corda para que ele se enforque.
— Não faço a mínima ideia. Aliás, foi você quem decidiu?
Interessante... — Sua risada rouca enche meus ouvidos e me viro na cama,
ficando de frente para ele, perdida em seus olhos azuis.
— Claro. Foi no dia em que você entrou no elevador no andar da
presidência e me atrasou para a reunião com o Dr. Bernardes. Você estava
linda, usava um vestido branco justo e totalmente inapropriado para o
ambiente de trabalho, marcando essa bunda deliciosa.
— Eu te atrasei? — Passo o dedo com delicadeza por seu rosto,
demorando-me em seus lábios que me deixaram louca há poucos minutos.
— Claro. Na hora em que você entrou no elevador e ficou de costas
pra mim, eu não pude mais me mexer. Tive que me proteger com a pasta de
documentos que ia entregar ao Bernardes. Foram os sete andares mais
longos da minha vida.
— Meu Deus, Vinicius!!! — Dou uma gargalhada e ele me puxa
mais para perto, se é que isso é possível, pois estamos praticamente
grudados. — Isso tem no mínimo um ano. Eu... nunca mais usei aquele
vestido. Você tem toda razão, ele não era apropriado.
— Não mesmo. Mas eu adorei ver você dentro dele.
— Eu não tinha dormido em casa naquela noite, era a única roupa
que tinha para usar depois que...
— Nem se atreva, Julia. — Sua voz sai dura. — Não quero saber de
onde você vinha. Não estrague a primeira memória que tenho de você e do
efeito que vem causando em mim diariamente desde então.
— Calma aí. — Empurro o peito dele delicadamente, afastando-me o
suficiente para olhar fundo naqueles magníficos olhos azuis. — A gente nem
trabalhava junto, eu era funcionária da Marieta.
Ele dá um sorriso safado, desce a mão até minha bunda e a aperta
enquanto passa a língua pelos lábios. Tentando manter o foco, continuo:
— Ainda me lembro direitinho que aquele foi um dos piores dias da
minha vida, ela me infernizando por causa do meu vestido e Lorena tirando
um sarro da minha cara toda vez que me via. — Levanto uma sobrancelha e
pergunto, intrigada: — Mas como você se lembra disso?
Mais uma vez o sorriso que ele me dá é capaz de derreter uma parte
do meu coração. Tá bem, derreteu todo ele de uma vez só, sem contar o frio
no estômago e a vontade de enchê-lo de beijos.
— Lembro de todas as vezes que você cruzou o meu caminho até o
dia em que, finalmente, consegui o lugar da Marieta. — Ele me dá um beijo
rápido e declara: — Quando fui promovido, nem acreditei, quase soltei
fogos.
— Nossa, que mudança radical, hein! Porque agora você quer soltar
bombas. Parece que odeia o trabalho e todos os funcionários. — E lá vou eu
de novo, incapaz de controlar minha língua. Mas para minha surpresa, ele
me dá um sorriso triste enquanto responde.
— Não é que odeie, acontece que não era exatamente o que eu
esperava. Nem o cargo que eu tanto queria e nem você, que passou a
assombrar minha vida. Confesso que pensei que assim que começássemos a
trabalhar juntos seria muito fácil te conquistar, mas você nem me olhava
como homem, só como chefe. E eu sou bem consciente do meu poder e
charme sobre as mulheres.
Dou de ombros e torço a boca, aquela que contém a tal língua que eu
não consigo controlar.
— Eu não namoro no trabalho, logo não tinha porque olhar para você
de outro jeito.
Mais uma vez tenho quase certeza de que Vinicius ficou triste com o
que eu falei, mas não podia ser. Era público e notório que ele tinha todas as
mulheres que queria, não iria se importar com o fato de eu não estar disposta
a me envolver emocionalmente com alguém do escritório. Mas essa
sensação só pode ser fruto da minha imaginação, uma vez que ele segura
meu queixo firme e me beija com uma paixão que eu não me lembro de já
ter experimentado.
— E o que vamos fazer agora? — sussurra contra o meu ouvido, a
língua brincando com o lóbulo da minha orelha.
— Combinamos que seria só sexo, lembra? — Passo a perna pela
cintura dele, me ajeitando bem pertinho da ereção convidativa.
— Foi você quem disse isso, não me lembro de ter concordado. — A
língua dele percorre todo o meu pescoço e quando sua boca chega em meu
ombro, ele beija-o repetidas vezes antes de completar. — Mas acho que
posso aceitar. Só sexo, muitas vezes, em vários lugares.
— Eu não disse que isso ia se repetir. — Suspiro, já sabendo que
mentia descaradamente.
— Ah, mas vai se repetir, Dona Julia. — Sinto suas mãos me
segurando pela cintura com força enquanto ele deita de costas e me coloca
sentada no seu pau. — Começando a partir de agora.
Lentamente, ele desliza o pau para dentro do meu sexo molhado e me
arranca um suspiro deliciosamente dolorido. Estico as costas, apoiando as
mãos na lateral do corpo dele, flexionando meu corpo e movimentando os
quadris para acomodá-lo melhor. O pau de Vinicius é grande, macio e parece
ter sido feito para me dar prazer.
Muito prazer, diga-se de passagem.
Tudo começa bem devagar, o suave movimento dos meus quadris,
ritmado aos dele, a mão quente segurando minha cintura e aquecendo minha
pele fria. Fecho os olhos e me entrego à sensação deliciosa que é ter Vinicius
comigo e, nesse momento, eu sei, dentro do meu coração, que jamais será
apenas sexo e muito menos apenas essa vez. Eu sou apaixonada por esse
homem desde o dia em que ele chegou no departamento, e eu não posso
mais negar.
Como se ouvisse meus pensamentos, ele se levanta da cama, ficando
sentado e me puxa contra o peito, sem interromper o ritmo suave que havia
se estabelecido entre nós, algo totalmente diferente da fome e selvageria que
eu esperava encontrar nele.
— Abra os olhos, Julia. — Pressiono os lábios com firmeza e olho
para ele. — Quero olhar nos seus olhos quando você gozar.
Sacudo a cabeça concordando e enfio meus dedos em seus cabelos,
puxando sua cabeça para trás. Mas Vinicius não retribui o gesto, muito pelo
contrário. Me abraça ainda com mais força e beija minha boca com carinho e
dedicação, mordiscando e lambendo meus lábios, sem nunca perder o ritmo
das estocadas. Eu me deixo levar, esquecendo a tal coisa de “somente sexo”
por alguns minutos e me sentindo amada, “fazendo amor”, uma coisa que há
anos eu não faço.
Abraço Vinicius, enterrando meu rosto na curva do seu pescoço e
sentindo o seu cheiro, e ele vira nossos corpos, ficando por cima mais uma
vez.
— Julia — sua voz não passa de um sussurro —, nunca vai ser só
sexo entre nós.
— Cala a boca, Vinicius — peço entre gemidos. — Cama não é lugar
de fazer promessas.
— Vou repetir essa promessa para você fora da cama — ele me
assegura. — Mas agora, vamos terminar o que começamos.
Ele aumenta o ritmo e eu me entrego às sensações que tomam conta
de mim. Não penso em nada, nenhuma promessa, nenhum futuro. Só o que
me importa é Vinicius ali comigo, totalmente meu e sem nenhuma
interferência do mundo exterior. Ali, naquele quarto de hotel, nada mais
importa, só o nosso prazer.
E, pensando nisso, passo minhas pernas por sua cintura mais uma
vez, elevando o meu corpo, e sinto o orgasmo chegar, incapaz de controlar
os espasmos do meu corpo e os gemidos que saem pelos meus lábios.
Vinicius goza logo depois, e o peso do seu corpo sobre o meu é a melhor
coisa que já me aconteceu na vida.
Até ele deitar do meu lado e me abraçar, estilo conchinha, apertado
contra seu peito, e encher meus cabelos de beijos, sussurrando coisas que eu
não queria, ou melhor, não podia, ouvir.
— Sonhei com isso, Julia. Deus, como sonhei em ter você.
Eu poderia ter lhe oferecido as mesmas palavras, e não seria
nenhuma mentira, mas não o faço. Rapidamente me solto do abraço, antes
que faça alguma besteira, e pulo para fora da cama.
— Vou tomar banho, acho melhor você também tomar o seu. —
Confiro as horas no celular e completo: — Em uma hora temos que descer
para o coquetel.
Mas ele nem se mexe, os braços cruzados sob a cabeça, o corpo
maravilhoso espalhado na minha cama.
— Pare de fugir, Julia. Eu realmente acredito que isso entre nós dois
não é apenas sexo.
Viro as costas para ele e, enquanto caminho para o banheiro,
respondo com uma certeza que não é assim tão verdadeira.
— Claro que é. Você só está inebriado com a deusa do sexo que
habita em mim. Já, já isso passa.
Fecho a porta do banheiro e sento no chão frio enquanto ouço a
risada dele.
— Não vai passar, Julia, e você vai ter que conviver com isso. Te
espero no coquetel. Não se atrase.
Escuto a porta de comunicação fechando com um estrondo e só então
consigo permitir que meu corpo relaxe, apoiando a cabeça contra a porta.
Que merda você foi fazer, hein, Julia?
Seria muito fácil me apaixonar por Vinicius, sabe? Além de lindo,
cheiroso e super sexy, ele me fez gozar alucinadamente. Sabe quando foi a
última vez que sexo foi assim tão maravilhosamente estonteante para mim?
Exatamente, nem eu sei!
O problema é que esse homem que há poucos minutos esquentava a
minha cama, é um demônio no dia a dia. Por mais que eu queira fechar os
olhos e lembrar apenas das suas mãos percorrendo meu corpo, do toque
macio da sua língua na minha pele, eu não consigo me esquecer dos diversos
momentos em que ele fez com que algumas das funcionárias do nosso setor
se debulhassem em lágrimas depois de ouvir as palavras cruéis que,
invariavelmente, saíam daqueles lábios carnudos.
Eu? Ah, não, eu nunca havia chorado. Bem, pelo menos não na frente
dele ou de qualquer outra pessoa do escritório.  Todas as vezes — e foram
muitas — em que ele jogou meus relatórios em cima da mesa, gritando sobre
a minha dificuldade em entender o que ele queria conseguiram apenas que
eu sorrisse com uma raiva gélida, me controlando para não jogar os papeis
de volta na cara dele.
Veja bem, eu preciso do trabalho. Os boletos se empilham, as contas
não param de chegar e a vida continua. Então eu recolhia os relatórios, sorria
e os consertava. Mas quando eu chegava em casa, as lágrimas corriam soltas
e quentes, e eu sentia um ódio mortal daquele homem lindo, que agora havia
conseguido conquistar um pedaço do meu coração.
Deu para entender o meu dilema?
Levanto-me do chão frio do banheiro e, com um suspiro resignado,
entro no chuveiro na esperança de que a água quente consiga lavar todas as
minhas preocupações e indecisões.
Meia hora depois, estou parada em frente ao espelho do quarto e
preciso confessar que nada havia mudado dentro de mim. Meu coração ainda
bate descompassadamente enquanto ouço Vinicius cantarolando uma música
qualquer através da porta de comunicação entreaberta. Ele é extremamente
desafinado e ainda assim eu sinto uma vontade imensa de entrar pelo quarto
e me jogar em seus braços, completamente esquecida de qualquer dúvida
que possa ousar me manter longe dele.
Sorrio para o espelho, que mostra uma mulher linda, com cabelos
escovados e reluzentes lábios vermelhos, enfiada em um vestido também
vermelho e tremendamente sexy. Sem perder mais um segundo, deslizo os
pés pelos sapatos de salto alto, pego a bolsa na beirada da cama e, em três
passos, estou encostada na porta, admirando Vinicius.
Ele parece não ter nenhuma pressa e, enquanto cantarola, folheia um
livro grosso com muito cuidado. Parece estar procurando algo, correndo os
dedos pelas páginas batendo os pés no ritmo da música que parece tocar
apenas na sua cabeça. Está sem camisa e eu ainda me admiro com o fato de
o bad boy da empresa não ter uma tatuagem sequer no corpo. É pensando
nisso que eu abro a boca, dando um susto tremendo nele.
— Sempre imaginei que você tivesse, ao menos, umas três tatuagens.
Vinicius dá um pulo e deixa o livro cair no chão, com o título para
cima.
— Porra, Julia! — Ele passa as mãos pelos cabelos, bagunçando-os
de uma forma muito sexy. — Não faça isso, quase tenho um ataque cardíaco.
Achei que ia me encontrar lá embaixo.
— Que exagero, chefe — respondo enquanto caminho até onde o
livro está, me abaixando de uma maneira que minha bunda fique na direção
do rosto dele. — Olha isso! Harry Potter e A Ordem da Fênix.
Estou genuinamente surpresa. Se eu tivesse que estabelecer um
vínculo entre Vinicius e literatura, jamais pensaria em Harry Potter. Talvez
algo do Stephen King ou mesmo Agatha Christie, mas nunca poderia ter
imaginado que ele passaria horas do seu dia viajando para o mundo
fantástico da magia.
— O que tem de mais? — Sinto as mãos dele subindo por minhas
pernas até se acomodarem na minha bunda. — Eu gosto de ler, isso é crime?
— Não, só me surpreendi. — Deixo que ele me puxe para o seu colo,
encontrando meu lugar no mundo sentada sobre seus joelhos. — Não sabia
que era um fã da saga de Harry.
— Não cheguei ao final. — Levanto uma sobrancelha inquisidora
para ele que deu de ombros, confessando. — Não consegui superar a dor que
esse menino sentiu no final desse livro e, apesar de ter os outros volumes em
casa, nunca tive coragem de terminar.
Mais uma vez sou pega desprevenida e meu coração se enche de
ternura. Largo o livro na cama e, suavemente, começo a arrumar seu cabelo
enquanto argumento.
— Mas, você precisa ler até o fim! Muitas coisas acontecem e...
— Cala a boca, Julia — ele me interrompe colocando o dedo sobre
meus lábios. — Eu vou ler quando estiver pronto. Assim como você vai se
entregar a mim, de verdade, quando estiver pronta.
Fecho os olhos no momento em que ele me puxa contra seu peito, o
calor de Vinicius tomando conta de mim e fazendo com que meus joelhos,
mais uma vez, tremessem feito gelatina. Ele beija o lóbulo da minha orelha,
a curva do meu pescoço, meu ombro e, enquanto sobe a mão pelas minhas
costas nuas, toma meus lábios nos dele em um beijo desesperado e intenso,
diferente dos que já havíamos trocado até aquele momento.
Sinto o calor da sua mão subindo por minha coxa até que seus dedos
se enrolam na minha calcinha e a puxam para baixo enquanto ele murmura.
— Tire a calcinha, Julia. Quero usar ela de novo, enrolada no meu
pau até chegar a hora de te comer essa noite. — Murmuro uma negativa
fraca e ele insiste. — Tire, por mim, para mim.
Um gemido escapa dos meus lábios no momento em que ele me
levanta de seus joelhos e escorrega a pequena peça de renda para fora do
meu corpo.
— Minha, Julia. — Ele se levanta, colando o corpo no meu enquanto
exige. — Diga que você é minha.
— Só sexo — respondo juntando todas as minhas forças. — Sou sua,
mas isso tudo é apenas sexo.
— Vou me contentar com isso. — Ele mordisca minha orelha e
completa. — Mas apenas por hoje.
Vinicius se afasta, abre o zíper da calça e, mais uma vez, enfia a
calcinha de renda para dentro, tendo o cuidado de jamais desviar os olhos de
mim enquanto ajeita a peça contra seu membro totalmente duro e talvez um
pouco grande demais para aquela cueca boxer preta. Minhas coxas estão
molhadas e eu sinto minha boceta pulsando de desejo quando ele sorri e
pega a camisa nas costas da cadeira.
— Eu sei o que você está pensando, Julia. — Sacudo a cabeça em
negativa, mas ele não se deixa intimidar. — Você está pensando se daria
tempo de treparmos rapidinho antes do coquetel.
Engulo em seco pois era exatamente isso que eu queria. Sentar no
pau dele, subir o vestido até minhas coxas e cavalgá-lo loucamente até gritar
de prazer. Mas eu jamais confessaria isso para Vinicius.
— Está sim. — Ele dá uma gargalhada estrondosa quando eu falho
em encontrar palavras para rebater sua afirmação. — Mas eu não quero nada
rapidinho com você. Quero todo o tempo do mundo para beijar sua pele,
lamber suas curvas e foder você até seu cérebro derreter pelas orelhas.
Estamos claros?
Ainda sem conseguir formular uma frase que fizesse sentido,
simplesmente concordo com a cabeça e caminho em direção ao banheiro,
onde retoco o batom borrado, para logo em seguida me virar para Vinicius,
que segura minha mão com força, abre a porta para mim e sussurra com
carinho:
— Pode ser só sexo, mas ainda assim você merece o meu melhor.
Ele mantém a porta aberta para que eu passe, seguindo logo atrás de
mim. Caminhamos em silêncio até o elevador e ele roça os dedos de leve nos
meus, evitando meu olhar enquanto pede:
— Uma chance, Julia, é tudo que eu preciso. Uma chance para
provar que eu não sou esse monstro que tenho sido nos últimos meses.
Antes que eu possa responder, a porta do elevador se abre e alguns
dos empresários já estão lá dentro. Nossa conversa toma outro rumo e eu
guardo no coração o sim que estava pronta para oferecer a ele.
Quem sabe em outra oportunidade?
No momento em que saímos do elevador, somos engolidos pelas
pessoas que já estão nos esperando no saguão do hotel. Como o plano era
fazer a reunião na sexta-feira e passar o fim de semana discutindo detalhes,
muitos dos empreiteiros levaram esposas e, bem, acompanhantes. Quem sou
eu para julgar, certo?
Vejo quando Vinicius passa o braço pelos ombros de outro homem e
ouço sua gargalhada enquanto caminham em direção ao bar do hotel. Acho
que eu nunca vou me cansar de observar Vinicius caminhando. Seus
movimentos são fluidos, como se ele fosse um daqueles grandes e
preguiçosos tigres que, em um piscar de olhos, deixam a preguiça de lado e
correm para alcançar sua presa.
Ah, a presa, nesse caso, sou eu.
Ainda estou parada no saguão do hotel quando ouço uma voz
feminina me chamar.
— Dona Julia? — Viro a cabeça, olhando por cima do ombro, e uma
jovem sorri para mim. — Por favor, precisamos da sua assinatura em alguns
documentos para o registro do hotel.
Tenho vontade de dizer para ela que eu não sou ninguém na fila do
pão para assinar documentos importantes, mas me deixo levar e encosto o
corpo no balcão pronta para fazer o papel de mulher de negócios importante.
Alguns documentos são, na verdade, muitos papéis que exigem assinatura e
rubrica, e eu me distraio na repetição da minha assinatura, sem sentir o
tempo passar. Até que uma mão forte aperta meu traseiro e sinto um corpo se
esfregando suavemente no meu.  Sem conter um sorriso sacana, falo baixo o
suficiente para que apenas nós dois ouvíssemos.
— Eu sabia que você não iria aguentar ficar muito tempo longe de
mim.
— Mas aguentei. — Aquela voz causa um arrepio na minha coluna,
uma sensação de desespero toma conta de mim quando tento me virar, mas a
mão que segura minha bunda me mantém de costas para o dono da voz. —
Aguentei o quanto pude, Julinha, e mal consegui acreditar na sorte que tive
em te encontrar aqui.
Eu não preciso me virar para saber que a voz pertence a Marcelinho,
o filho do meu síndico, aquele mesmo cara que chegava para visitar o pai e
aproveitava para me comer. Dizer que eu sabia pouco sobre a vida dele era
mentira, pois eu não sabia nada além do que ele havia me contado e, bem,
ele não havia contado grandes coisas.
Na verdade, me encantei pelo sorriso gigantesco desse homem loiro e
másculo. Conheci o Marcelinho no corredor do meu prédio, em um dia que
chegava do supermercado e minha sacola de plástico arrebentou, espalhando
laranjas por toda a portaria. Ele veio correndo na minha direção, com esse tal
sorriso lindo e os cabelos loiros esvoaçando, como se estivesse em um
comercial de shampoo, e na hora que eu dei de cara com aquele par de olhos
verdes, caí encantada pelo homem. Lindo, gentil e disponível, sem falar o
fato de estar parado na portaria do meu prédio. Dali para ele tomar um
cafezinho na minha casa e engatarmos um namoro, foi um pulo.
Ele me tira dessa viagem ao passado quando desliza a mão pela
minha bunda em um carinho que, em outra época eu havia aprendido a
gostar, mas que hoje é algo que eu não quero sentir. Tento me virar
novamente, mas ele usa a outra mão para me pressionar contra o balcão
enquanto sussurra:
— Quieta, Julinha, e sorria, pois, tem gente nos olhando.
Levanto os olhos e, parado na porta do bar, Vinicius assiste o que,
aos olhos do mundo, parece ser o encontro de duas pessoas que se conhecem
muito bem. Mesmo de longe eu tenho aquela velha sensação de ver uma
nuvem escura cobrindo seus olhos azuis quando ele simplesmente bate com
o dedo no pulso, informando que estamos atrasados e vira as costas, me
deixando a mercê de Marcelinho.
— O que você veio fazer aqui? — Minha voz sai dura e baixa, pois
não quero dar um escândalo.
Ele se inclina na direção do meu ouvido e sinto o perfume
amadeirado que tantas vezes havia ficado em meus lençóis.
— Negócios, Julinha, que agora, para minha sorte, acabaram de se
transformar em prazer.
Com essas palavras ele me solta, dando dois passos para trás e
permitindo que eu me vire em sua direção. Ele ainda é lindo com seus
cabelos loiros e olhos verdes, sem falar na boca bem desenhada e...
— Você se casou??  — A aliança dele brilha no dedo esquerdo, tão
grossa que quase me cega. — Tem três meses que você sumiu da minha vida
e já está casado?
— Sempre fui casado, Julinha. — Ele estica a mão para tentar fazer
um carinho no meu rosto, mas sou mais rápida e dou um tapa na mão dele.
— Só nunca te contei. Por que arriscar perder uma das melhores fodas da
minha vida por causa de um detalhe técnico sem importância?
Meus olhos se enchem de lágrimas. Durante os meses em que deixei
Marcelinho entrar na minha vida nutri a vaga esperança de que, finalmente,
havia conhecido um cara legal e que o romance pudesse engrenar e se
transformar em algo muito bacana. Nunca imaginei que ele era casado, nem
o pai dele e nem o meu porteiro, aquele que sabe tudo, jamais disseram uma
palavra sobre o assunto. Agora, olhando nos olhos dele percebo o quanto
meu nome deve ter sido esfregado na lama e como eles devem ter se
divertido às minhas custas.
— Ei, não chora. — Ele cruza os braços ciente de que eu não vou
deixá-lo me tocar novamente. — Nem tudo está perdido, Carina só chega
amanhã então temos uma noite inteira para nos divertirmos, em nome dos
velhos tempos.
Faço uma força enorme para juntar os pedaços da minha dignidade e
sorrio para ele. O meu melhor sorriso, aquele que eu vinha reservando para
Vinicius.
— Nem hoje e nem nunca mais, Marcelinho. O tempo de me fazer de
babaca acabou e sinceramente acho uma pena que sua esposa não descubra o
traste que você é.
— Não era isso que você sussurrava quando eu estava entre suas
pernas, Julinha.
Abro a boca para responder, mas não tenho tempo.
— Dona Julia. — Meu corpo treme inteiro, de alívio e de tristeza,
pois sei que Vinicius ouviu as últimas palavras de Marcelinho. — Já acabou
de conversar com o seu amigo? Estamos esperando a senhora para conversar
sobre o restante da apresentação de amanhã.
— Ora, ora. — Marcelinho estende a mão para Vinicius que não se
mexe um milímetro. — Você deve ser o famoso Vinicius Barroso, meu tio
fala muito de você.
Vinicius permanece imóvel, os olhos fixos em Marcelinho, as mãos
dentro dos bolsos da calça. Sem perder tempo, Marcelinho dá a cartada final.
— Eu sou Jorge Marcelo de Mello e meu tio me enviou para tomar o
lugar dele na reunião e fechar negócio com sua empresa. — Vira-se na
minha direção e completa. — Parece que vamos ficar lado a lado novamente,
Julinha.
Marcelinho dá um dos seus sorrisos estonteantes e sai, me deixando
sozinha com um Vinicius muito contrariado.
— Puta que pariu, Julia. — Ele corre os dedos pelos cabelos e eu
tenho vontade de me jogar nos braços dele. — O porra do Marcelinho que
você namorava é o sobrinho do Teixeira?
Não consigo falar, presa em mais essa realidade, de que agora o
Doutor Teixeira também ia saber que eu trepava com o sobrinho casado dele.
— Fala comigo, porra! — Vinicius me segura pelos ombros. — O
cara é casado, Julia. Casado. E você era amante dele esse tempo todo. Não
podia olhar para mim por que eu era seu chefe, mas podia rolar na cama com
um cara casado.
A decepção está estampada ali, no fundo daqueles olhos azuis que eu
já adoro tanto, mas eu não tenho culpa no cartório e não vou deixar que ele
me diminua.
— Eu não sabia, tá legal? — Pego o rosto dele nas mãos e forço-o a
olhar para mim. — Eu não sabia. Era ...
— Só sexo? Do mesmo jeito que é comigo?  Para você, eu e o
Marcelinho somos iguais?
Antes que eu consiga responder ele se afasta de mim e eu vejo a
mágoa em seu olhar antes de sentir a frieza das suas palavras.
— Só sexo então, Dona Julia. Chega de conversinha, de carinhos e
de todo o resto. Volto a ser o chefe que você odeia, mas você ainda me deve
um fim de semana de sexo. — Ele vira as costas para mim e, enquanto anda,
completa. — Não fique parada aí como uma idiota, o Jorge Marcelo está
esperando para saber detalhes sobre a nossa apresentação e decidir se fecha o
contrato ou não. Se bem que, com você na jogada, ele não vai querer ficar de
fora.
Entendo a mensagem nas entrelinhas e ela me magoa muito mais do
que tudo que o Marcelinho havia feito comigo.
Doeu, sabe?
Ver a Julia tão perto daquele cara, as mãos dele se apossando do
corpo dela. O mesmo corpo que algumas horas antes havia sido meu. Aquele
que eu quero que seja meu para sempre.
Dizer que estou nervoso é apenas minimizar o que estou sentindo.
Estou é muito puto, com o coração fervendo de ódio e uma vontade imensa
de voltar na recepção do hotel e dar uns três socos naquele playboyzinho
debochado. Na verdade, acho que apenas um soco já bastaria para nocautear
o sujeito.
Minha cabeça começa a doer e eu tateio os bolsos à procura do meu
remédio, apenas para lembrar que eu não o trago mais comigo. Durante
muitos anos eu fui consumido por uma enxaqueca que se manifestava
quando eu estava sob altos níveis de estresse, há alguns meses, graças ao
meu terapeuta, abandonei essa muleta emocional.
Se Bernardo estivesse aqui, me daria dois tapas no ombro e mandaria
eu esquecer esse meu comportamento machista e colocar as cartas na mesa
com a Julia. Na opinião do meu amigo, tudo pode ser resolvido com uma
boa dose de conversa.
Eu amo o Bernardo, ele é meu amigo de infância, o único que eu
tenho na vida, tanto que levei ele para trabalhar comigo. Mas, às vezes, ele
me irrita com esse papo de paz e amor.
Eu quero guerra, quero esmurrar o tal Marcelinho e arrastar a Julia
até o quarto. Mentira, quero jogá-la sobre meu ombro, como um homem das
cavernas faria, e trancá-la no quarto para que ela nunca mais possa ser
tocada daquele jeito pelo babaca do Marcelinho ou por qualquer outro
homem. Só eu posso tocar a Julia, ela é minha.
Respiro fundo e aceito o copo de água com gás que o garçom me
oferece, meus olhos atentos a todos os movimentos daquela mulher que me
enfeitiçou há alguns meses.
Desde que eu coloquei os olhos em Julia e em seu corpo preso dentro
daquele indecente vestido branco, nunca mais pensei em outra mulher.
Transei com várias, afinal não sou de ferro e, também, ela nunca havia me
dado uma segunda olhada em todas as vezes que nos esbarramos nos
corredores da empresa.  Mas pensar mesmo, fantasiar, só com a Julia. Ainda
me lembro do dia que estava na cama com uma mulher que conheci em uma
festa e chamei o nome de Julia enquanto gozava.
Patético, eu sei. Ainda caí na besteira de contar isso para o Bernardo,
que passou um mês inteiro arrumando mil e uma formas de me atormentar.
Eu já mencionei o fato de ele ser meu único amigo, certo?
Mas a grande verdade nisso tudo é que Julia assombra minhas noites
de sono tanto quanto atrapalha as noites de sexo. E isso tudo antes de eu
sequer ter conseguido fazer com que ela me desse um sorriso. Me esforcei?
Não, mas não tenho culpa. Sou um cara que veio com defeito de fábrica.
Certo, mentira de novo.
A verdade é que eu sempre fui um cara maneiro, tinha uma boa
reputação no colégio e apesar de ser mais bonito que Bernardo, pegava
menos meninas que ele. Sendo bastante honesto, demorei muito tempo até
dar o meu primeiro beijo. Enquanto meu amigo era bom de papo e tinha toda
uma lábia com as mulheres, eu dominava assuntos como física, biologia e...
Jornada nas Estrelas, algo que as meninas naquela época não curtiam. É
muito mais legal ser nerd nos dias de hoje, mas naquele tempo não era tão
bacana assim.
Acontece que Bernardo não desistiu de mim, me levou para a
academia e para os treinos de futebol. Aos poucos fui desenvolvendo gosto
por esportes, passei a ter assuntos mais genéricos para conversar e, de
repente, me transformei em um ímã de mulheres. Não pensem que eu deixei
de ser nerd, nada disso! Apenas passei a apreciar as aventuras do Doutor
Spock na tranquilidade do meu quarto, sem deixar que isso atrapalhasse
minhas outras atividades. Bernardo foi à loucura, animadíssimo de ter um
parceiro para as noitadas regadas à cerveja quente e salgadinhos frios que ele
se metia.
Eu? Bem, passei a me meter em outras coisas. O que foi? Minha
piada não teve graça?
Garanto que é a mais pura verdade. A partir do momento que
comecei a treinar futebol e era rodeado pelas meninas na saída dos treinos,
sexo se tornou algo corriqueiro para mim. Entre os rapazes eu era Vini, o
pegador que não se apegava e estava curtindo isso. Só era Vinicius em casa,
com meus pais, com minha irmã e com Bernardo, ou quando sentava para
ver TV e ler. Em algum momento, o Vini engoliu o bom e velho Vinicius e
eu acabei me transformando em um cara babaca que dormia com mais
mulheres do que conseguia lembrar.
Mas, olha só, eu não estou reclamando, ok? Aqueles foram os
melhores anos da minha vida. As meninas, as festas e toda a farra me deram
a autoconfiança que eu precisava para escolher uma carreira de sucesso e
estar aqui agora.
Puto da vida procurando Julia pelo salão.
Passei para uma universidade federal e meus pais não cabiam em si
de orgulho. Não éramos ricos, muito pelo contrário, logo ver o filhão
querido galgando os degraus da vida acadêmica era motivo de muita
felicidade para a minha família. Até Vitória, minha irmã que, na época, era
uma adolescente muito insuportável, ficou feliz por mim. Bernardo também
passou para a mesma universidade e nossa amizade seguiu como sendo a
única coisa sólida na minha vida.
Até o dia em que Penélope apareceu no meu caminho. Era um dia
ensolarado, típico do verão carioca, e ela estava usando short branco e
camiseta regata rosa e foi logo roubando meu coração. Aos vinte e um anos
me vi perdidamente apaixonado pela menina mais linda do mundo e que
gostava das mesmas coisas nerds que eu. Ela entrou na minha vida sem pedir
licença e, aos poucos, fui me afastando dos novos amigos e até de Bernardo,
pois não conseguia pensar em passar um minuto sequer longe da minha
namorada.
Namorada. Eis uma palavra que eu jurei nunca mais usar novamente,
mas quando vejo Julia parada no bar conversando com o Gomes, tenho
vontade de tatuar no meu peito: Sou namorado da Julia. Controverso, eu sei.
Acontece que a Penélope não era só minha namorada. Ela também
namorava o Joca de Letras e o Cadu de Matemática, e eu teria passado mais
vários meses sem saber disso, perdido na minha espiral do amor, se ela não
tivesse dado em cima do Bernardo, meu amigo, que fazia Informática.
Penélope gostava de colecionar nerds, porque era muito mais fácil
conseguir que fizéssemos tudo por ela. E eu, apesar de toda a vida
movimentada que tive até encontra-la, ainda era um desses caras, um alvo
fácil para uma mulher mais experiente.
Triste, porém real.
Quando Bernardo veio me contar as coisas que havia descoberto
sobre ela, eu entrei em negação. Não era possível que aquele anjo em forma
de menina fosse tão parecida com o Vini de antigamente. O Vini antes da Pê.
Fiquei arrasado, e naquele dia eu jurei que não queria mais me apaixonar. Eu
sei, sou muito clichê e um tanto idiota, mas foi assim que aconteceu.
E não me apaixonei, viu? Dediquei todos os meus dias a estudar e
malhar. Jogava futebol, fazia aulas de boxe, enfiava a cara nos livros com o
objetivo de terminar a faculdade de Engenharia como um dos melhores da
turma. Depois que Pê acabou com os meus sonhos idealistas de amor
perfeito, voltei a ser o mesmo Vini de antes. Conhecia a menina, dava um
sorriso, fazia um carinho, comia e ia embora.
Simples assim. E nem adianta me julgar.
Bernardo ia pelo mesmo caminho, até que um dia também caiu nesse
golpe do amor, mas Cintia era uma mulher mais velha, centrada e sabia
exatamente como tratar Bernardo. E foi assim que perdi o meu parceiro de
noitadas, mas ganhei um casal maneiro na minha vida, que me chamava para
ir ao cinema e comer pizza em casa. Era um toque de normalidade na minha
vida louca, onde eu trocava de mulheres como quem troca de roupa. E isso,
essa promiscuidade, nunca me incomodou.
Até que Julia entrou na minha vida. Com aquela porra de vestido
branco colado na bunda. Sério, na hora que ela entrou naquele elevador e
sorriu para todos eu senti meu estômago dar uma volta dentro da barriga. A
mulher tinha um sorriso avassalador, e eu me peguei pensando em como
seria ter ela sorrindo só para mim. Aí, para completar o quadro, ela virou de
costas, o longo cabelo castanho acariciando suas costas toda vez que ela se
mexia, e ficando a centímetros do meu corpo em um elevador lotado. Eu,
que tenho pavor de lugares lotados, comecei a pensar que poderia ser uma
boa se o elevador parasse, e ela não pudesse sair de perto de mim nunca
mais. 
Óbvio que o elevador não parou, e eu fiquei de pau duro, tendo que
me esconder atrás da pasta que ia entregar à secretária do presidente da
empresa.  Descobrir quem ela era foi muito fácil. Difícil mesmo foi fazer
nossos caminhos se cruzarem novamente, visto que trabalhávamos em
setores diferentes. Por duas vezes fui até a mesa dela, mas não consegui
puxar assunto. Era como se eu fosse aquele menino nerd novamente, com
medo de ser rejeitado pela garota popular. E a Julia é popular. Com esse
jeitinho engraçado e desbocado, ela consegue conquistar todo mundo
tornando a minha tarefa de seduzi-la ainda mais difícil.
Mas, conhecem aquele ditado: A sorte favorece os bravos? Parece
que ele é bem verdadeiro.
A chefe do departamento da Julia, Marieta, era o cão em forma de
gente e, finalmente, depois de muitas reclamações dos funcionários, ela ia
ser transferida. E eu consegui a vaga dela.
Como? Ah, pulei etapas, pedi favores e, bem, o Dr. Bernardes,
presidente da empresa, jogava poker comigo todas as semanas. Deixei ele
ganhar algumas vezes seguidas enquanto contava que meu maior sonho era
trabalhar no Departamento de Projetos e Planejamento. Ele me disse que
ninguém queria aquele cargo, que era o pior departamento da empresa, com
péssimo retorno financeiro e funcionários indomáveis. Eu apenas sorria e me
imaginava trabalhando ao lado de Julia, chamando-a até minha sala diversas
vezes por dia.
No final da noite, ele me ofereceu a vaga, e eu disse sim. Mas fez
uma recomendação muito severa de que eu estaria assumindo uma posição
em um departamento que não dava espaço para amizades e que eu deveria
ser o mais formal e direto com todos, trazendo a equipe com pulso de ferro.
E foi exatamente o que eu fiz, apesar de não ter ficado exatamente feliz com
isso.
E aqui estamos agora, eu com o estômago se revirando novamente,
Julia estonteante no vestido vermelho que escolhi para ela. E o bosta do
Marcelinho, que não para de olhar para a Julia, parecendo um daqueles lobos
de desenho animado.
Ah, antes que você fique se perguntando, Penélope desapareceu do
mapa logo depois que eu a confrontei. Nem se deu ao trabalho de tentar me
convencer de que tudo não passava de mentiras. Ela simplesmente me
ofereceu um de seus sorrisos forjados, deu de ombros e me desejou boa sorte
na vida, avisando que estava voltando para sua cidade em Minas Gerais. Foi
muito frustrante para mim, mas não tão frustrante como me sinto hoje,
olhando Julia conversando e conquistando todos à sua volta, enquanto eu
sinto minha cabeça latejar a ponto de explodir.
Onde foi que eu amarrei meu bode, Jesus?
O garçom passa por mim e eu pego mais um copo de água com gás,
lamentando mais uma vez não ter sequer um dos meus comprimidos contra
enxaqueca no bolso da calça. Tantos anos tomando aquela porcaria e, justo
agora que parei, sinto à vontade de tomar três de uma vez só.
Pelo canto do olho vejo quando Julia pega mais uma taça de vinho e
vem caminhando rapidamente na minha direção. Fico excitado só de ver a
forma suave como ela balança os quadris, se equilibrando nos saltos altos.
Ela sorri de uma forma muito descontraída e eu reconheço aquele tipo de
sorriso, o mesmo que as meninas que tomaram um ou dois copos a mais nas
noitadas do Rio me oferecem quando eu passo. O tal sorriso que sinaliza que
já está na hora de trocar o álcool pela água.
— O que você está bebendo? — ela pergunta chegando mais perto de
mim do que o necessário, e dou um passo para trás enquanto ela estica o
pescoço tentando cheirar meu copo. 
Se eu não estivesse tão puto, teria dado uma gargalhada com a cara
fofa que ela faz. Mas hoje eu não vou cair nessa brincadeira, serei uma
rocha, totalmente imune às gracinhas de Julia.
— Água com gás, exatamente o que você deveria estar bebendo,
levando em conta que estamos em um ambiente profissional. Acho bom
você se comportar e não causar nenhum espetáculo.
Ela dá de ombros e, com um gesto amplo, mostra todo o salão.
— Todo mundo está bebendo. Se chama confraternização.
A palavra sai meio enrolada e ela toma mais um gole, na tentativa de
disfarçar. O aroma da bebida me enche de vontade de mergulhar em uma
banheira cheia de vinho e beber até cansar. Coisa que eu já não faço mais
desde que Dona Enxaqueca chegou na minha vida. Dizer que eu não sinto
falta do álcool é uma grande mentira, mas sem ele comecei a me divertir
mais quando saio. E a observar as pessoas que me rodeiam.
Eu venho de uma família classe média, daquelas que batalharam
muito para ter as coisas e o emprego na B&G Associados me alavancou
financeira e socialmente, fazendo com que eu prestasse muita atenção ao
meu comportamento. Não sonho em ser presidente da empresa, mas com
certeza quero ser mais do que sou hoje em dia.
A menos, é claro, que eu tenha que ficar preso ao mesmo
departamento em que a mulher pela qual me apaixonei, trabalha. Mulher
essa, que me encara como seu eu não passasse de uma aventura
emocionante, e que já teve um caso com um funcionário da maior
empreiteira que presta serviços para nós.
Estou sendo dramático? Possivelmente, o drama está no meu sangue
italiano e geralmente aumento um pouco a real importância das coisas.
Mas, esse é o meu jeito de viver, e já ganhei muita mulher por causa
dele.
— Vinicius, não fica bravo comigo.
Ela está fazendo beicinho e acariciando a borda da taça com a ponta
dos dedos. Ah, Julia, se você soubesse...
— Não quero falar desse assunto agora. — Puxo uma cadeira e me
sento de frente para ela. — Mas quero que você pare de beber, suba e me
espere no quarto. Acha que consegue fazer isso?
— Ah, sim. — A boca carnuda de Julia se entreabre, me dando um
vislumbre de sua língua rosada. — Mas, e você?
Ela pisca para mim repetidas e lânguidas vezes enquanto eu me
concentro muito para não enfiar as mãos pelos cabelos dela e puxá-la de
encontro ao meu corpo, enchendo sua boca de beijos. Ao invés disso, coloco
as mãos sobre seus joelhos e os aperto suavemente.
— Estarei dois passos atrás de você.
— Você já me perdoou? Diz que sim! — Ela está um tiquinho
bêbada, e como eu preciso tirá-la do recinto rapidamente, respondo com
sinceridade.
— Já, Julia. Como posso ficar aborrecido com algo do seu passado,
quando o presente é nosso?
— Bonito isso. — O sorriso dela é que é bonito demais, e eu me
perco ali entre a vontade de beijá-la e o medo de fazer alguma cagada. —
Vou subir.
Ela se levanta com uma agilidade surpreendente, o vinho esquecido
sobre a mesa, o corpo balançando com sensualidade enquanto ela se
despede.
— Mas não demore. Estarei te esperando.
Fico sentado, rendido aos encantos do balanço do seu quadril e não
noto quando outra pessoa também sai do local.
Os saltos altos exigem um pouco mais da minha concentração ao
caminhar. Mas não me importo com isso e, para ser sincera, não me importo
nem com isso e nem com nada que não seja ele.
Dois passos atrás, ele disse. É com isso que eu conto.
Entro no elevador sozinha e respiro fundo, aceitando o fato de estar
apaixonada por Vinicius. Na verdade, eu estou apenas admitindo uma coisa
que eu já sei há algum tempo, que eu estou caída de quatro por ele desde a
primeira vez que o vi caminhando pelo corredor da empresa.
Fecho os olhos e, por uns instantes, me permito lembrar do sorriso
deslumbrante que ele deu a Marieta enquanto apertava sua mão. Até a
Rainha do Gelo se derreteu toda quando Vinicius se inclinou e disse algo que
arrancou um risinho juvenil da velha megera.  E eu fiquei encantada pelos
seus olhos azuis e seus cabelos pretos cheios de ondas. Foi preciso que
Lorena me desse um cutucão nada discreto para que eu saísse do transe.
Poucos dias depois, ele assumiu a gerência do departamento e, para
meu desgosto, o que tinha de lindo ele tinha de grosseiro. Até embarcar
nessa viagem com ele, eu jamais imaginaria que, por baixo de toda aquela
pose, existia um cara legal, capaz de me levar à loucura com um simples
toque.
Parece bem clichê, eu sei. O cara ferido e magoado que desconta sua
raiva e frustração em todos ao seu redor. Para ser bem sincera, nem eu
entendi ainda o motivo das grosserias que Vinicius faz na empresa, mas,
nesse exato momento, estou pouco me importando. Essa revelação vai ter
que ficar para outra hora pois quando ele entrar no meu quarto, não quero
pensar em mais nada, quero apenas sentir.
A porta do elevador se abre e eu caminho até o quarto, lutando contra
a vontade de tirar os sapatos e pisar descalça no piso frio. Um casal passa
por mim e sorrio quando vejo suas mãos firmemente entrelaçadas e os
sorrisos furtivos que lançam um para o outro. Toda minha ideia de que quero
só sexo com Vinicius se desfaz no momento que o homem para e puxa a
mulher para os seus braços e ela dá uma gargalhada enquanto se deixa ser
beijada ali no corredor, sem medo de ser vista aproveitando cada minuto
dentro do abraço do seu amante.
É isso que eu quero, pombas!
Chega de ficar negando meus sentimentos. Dane-se que Lorena vai
encher meu saco, ou que os outros colegas vão me dirigir aqueles olhares
tortos e invejosos. Está decidido, hoje vou enroscar minhas pernas em
Vinicius e sussurrar em seu ouvido que nunca vai ser apenas sexo. Nunca foi
apenas sexo, que eu quero muito mais e muitas vezes.
Quando dou por mim, estou parada na porta do meu quarto. Pensar
em Vinicius me deixa fora do ar e sacudo a cabeça sorrindo em silêncio
enquanto abro a porta.  Não me dou o trabalho de fechá-la pois, como ele
mesmo disse — e eu venho repetindo dentro da minha cabeça — está apenas
dois passos atrás de mim. Dois passos que parecem uma eternidade.
Fico parada no meio do quarto, os olhos fechados e o coração leve
depois de, finalmente, ter tomado a decisão de me entregar por completo.
Ouço os passos no corredor e curvo os lábios em um sorriso, mantendo as
costas viradas para a porta. Não quero olhar para ele agora, quero apenas
sentir o toque dos seus dedos quentes percorrendo meus ombros enquanto
ele liberta meu corpo do vestido que ele mesmo escolheu.
A porta faz um ruído suave, anunciando a chegada de Vinicius, e eu
reclamo usando o tom mais meloso que encontro.
— Porque demorou tanto?
— Você acha mesmo que demorei — sinto um calafrio na espinha
antes mesmo de ouvir o resto da frase —, Julinha?
Viro-me assustada e dou de cara com Marcelinho afrouxando a
gravata. O paletó já está no chão ao lado da porta e ele caminha calmamente
na minha direção. Meu coração acelera e eu sinto um bolo se formar na
minha garganta. Pode ser o efeito do álcool, mas eu acho que é puro medo, e
a verdade é que eu não consigo me mexer, apenas fico parada observando
enquanto ele me rodeia como um predador. 
Dois passos atrás, foi o que Vinicius disse. Onde ele está agora?
— Não gostou de me ver, Julinha?
— Não me chame assim — aviso enquanto tento chegar até a porta.
Porém ele é mais rápido do que eu, e muito mais forte e bloqueia a
minha passagem fechando os dedos com força em volta do meu pulso
tirando um gemido de dor de dentro das minhas entranhas.
— Isso, gatinha, você sabe como eu fico excitado quando você geme
assim baixinho.
— Me solta, seu imundo. — Tento puxar o braço, mas é inútil e ele
me empurra com violência, me jogando na cama que ainda tem o cheiro de
Vinicius.
Vinicius, o homem que deveria estar dois passos atrás de mim, e não
Marcelinho.
Ainda segurando meu braço, ele sobe a mão pela minha coxa
esquerda, apertando, arranhando e machucando. Eu me debato, chuto e
empurro, mas ele aperta meu braço com mais força e usa a mão livre para
me presentear com um sonoro tapa na cara.
— Sem show e sem escândalo — ele avisa e, chegando bem perto da
minha boca, ameaça. — Melhor deixar eu te comer logo ou vou espalhar
para a empresa toda como você é a vagabunda mais fácil do mundo. Vou
contar tudo que fiz e o que não fiz, e todas as suas chances de ser
reconhecida na B&G vão por água abaixo.
Sinto duas lágrimas quentes escorrerem pelas minhas bochechas em
uma mistura de medo e indignação. Não encontro a voz na garganta para
falar, então ele me dá mais um tapa e pergunta.
— Estou sendo claro, Julinha?
Sacudo a cabeça em silêncio e um sorriso perigoso se forma nos
lábios de Marcelinho. Quantas vezes beijei esse homem achando que ele
poderia ser meu príncipe encantado? Ele segura a barra do meu vestido e,
com um puxão, rasga a parte da frente, deixando meu corpo à mostra. Estou
nua por baixo da peça vermelha, minha calcinha está com Vinicius e era para
eu estar com ele também.  Meus olhos se enchem de lágrimas e tento
empurrar Marcelinho com os joelhos mais uma vez.
Ele segura meu pescoço com muita força, me sufocando
violentamente. O sexo com ele sempre foi bruto, mas ele nunca havia me
machucado de verdade. Parece que hoje eu não teria tanta sorte.
Enquanto luto para respirar ele lambe meu queixo, deslizando a
língua sem pressa pela minha pele, e sua mão aperta o bico do meu seio com
uma violência que eu até então desconhecia. Ele segue lambendo minha
bochecha e, quando chega perto da minha orelha, avisa.
— Vou comer você de todas as formas que eu sei que você gosta e de
outras que você vai adorar. Enquanto isso vai ficar quietinha aí, sem chorar e
sem gritar, mesmo se eu te machucar.
— E se eu te machucar? — A voz de Vinicius enche o quarto e eu
começo a soluçar com força em um misto de alivio e gratidão. — Você
também vai ficar quietinho, Jorge Marcelo?
Dois passos.
Os dois passos mais longos da história da minha vida.
Os dois passos que me salvaram.

Eu ouço a voz do Marcelinho antes mesmo de entrar no quarto. O


filho da puta não está fazendo a menor questão de ser discreto enquanto se
aproveita brutalmente de uma mulher indefesa. 
Da minha mulher indefesa.
Apresso o passo sabendo que o que está acontecendo dentro daquele
quarto é culpa minha. Se em vez de bancar o machão eu tivesse tomado a
mão da Julia na minha e caminhado ao seu lado ouvindo todas as deliciosas
baboseiras embriagadas que ela falava, nada disso estaria acontecendo.
Ela não estaria acuada no canto da cama, o vestido rasgado e o rosto
apavorado banhado em lágrimas. 
Se eu tivesse demorado apenas mais dois minutos, Julia estaria
perdida e eu jamais seria capaz de me perdoar.
— Perdeu a voz, camarada? — Caminho lentamente na direção do
cara que eu quero esmurrar até transformá-lo em uma massa disforme no
chão do quarto. Ele não se abala, arruma as roupas e sorri para mim como se
não estivesse fazendo nada de errado.
— Ora, ora, quem diria. Agora entendi o motivo da Julinha não estar
tão interessada em passar algumas horas na cama comigo. — O sorriso dele
está me dando nos nervos e, antes que ele possa reagir, seguro-o pela gola da
camisa, levantando-o do chão.
Eu sei que a minha altura intimida, principalmente quando eu deixo o
troglodita que existe dentro de mim vir à tona. Momentos como esse são
raros, mas eu costumo gostar. Como agora, por exemplo, em que o cafajeste
está patinando no ar, incapaz de alcançar o chão.
— Cala a boca — digo, empurrando-o contra a parede. — Não quero
ouvir tua voz.
Viro o rosto na direção de Julia, que conseguiu puxar um pedaço do
lençol sobre o corpo e pergunto:
— Ele te machucou?
Quando ela me olha, sei exatamente o que ela está vendo. Um cara
enraivecido, provavelmente com a veia pulsando no pescoço, muito parecido
com o alter ego do Bruce Banner, que vem à tona nos momentos de raiva: o
Hulk. Julia está descabelada, o rosto vermelho e a maquiagem borrada, e
meu impulso é arremessar esse lixo humano no chão e abrigá-la em meu
abraço. Mas ela confirma com a cabeça, sem pensar duas vezes.
— Sim. — Sinto uma onda de ódio percorrer meu corpo quando ela
continua, lutando com as palavras. — Me bateu, me insultou e, se você não
tivesse chegado a tempo, teria me estuprado.
Marcelinho deixa escapar uma risada debochada e tem a coragem de
abrir a boca para retrucar.
— Deixa de ser hipócrita! Você estava gostando. — Ele segura
minhas mãos na tentativa de se livrar de mim, mas é inútil. Nada nem
ninguém vai ser capaz de me fazer soltá-lo. — Você sempre gostou de tudo,
porra. Para de frescura! Sempre fez de tudo para me agradar e agora, só
porque está de caso novo, cria essa confusão.
— Eu gostava de você, seu idiota! — Ouvir essas palavras saindo da
boca de Julia me quebra por dentro, mas engulo em seco. — Acreditei que a
gente tinha uma chance, acreditei que você era solteiro e que ...
Ela abafa um soluço com as costas da mão e para de falar. Isso é o
suficiente para mim.
— Escuta aqui, imbecil. — Solto Marcelinho bruscamente e ele
perde o equilíbrio, caindo sentado no chão. — Não quero ver você perto da
Julia, não quero ver você olhando para a Julia. E se eu sequer suspeitar que
você está pensando nela...
— Vai fazer o que, Vinicius? Arriscar seu emprego por causa de uma
vagabunda qualquer?
Minha mão se fecha por vontade própria e eu escuto o barulho que os
nós dos meus dedos fazem quando atingem o queixo do Marcelinho. Ouço
Julia gritar, mas não consigo parar e dou mais um soco, seguido de outro e
mais outro. Ele não tem como se defender, eu sou maior e mais forte, sem
mencionar que a raiva que estou sentindo não conhece fronteiras. Quando
preparo a perna para dar um chute nas costelas dele, sinto o toque de Julia no
meu braço e olho para ela.
Ela está assustada, mas existe algo mais por trás do susto em me ver
transtornado. Seus olhos tem um brilho diferente que eu não consigo
nomear, mas quando ela fala, eu entendo.
— Chega, Vinicius. Nós não precisamos disso. — Sinto a suavidade
do toque dela pelo meu braço, subindo lentamente até chegar ao meu queixo.
Me sinto amado e isso parece afogar a minha raiva e entendo que perto do
que eu sinto no peito, espancar aquele traste não significa nada. Só mesmo a
minha satisfação pessoal e, pela paz de espirito da Julia, posso viver sem
isso.
Julia segura meu rosto entre suas mãos e, olhando nos meus olhos,
me pede.
— Chega, por favor. Fica aqui comigo, Vinicius, deixa ele ir embora.
— Ela se vira na direção do outro homem, que está segurando o rosto
ensanguentado e avisa. — Vai embora, Marcelinho, acho que você já causou
danos suficientes por hoje.
— Ah, eu vou. Mas tenha certeza de que vou levar comigo todas as
chances que vocês tinham de entregar o contrato para a minha empresa.
E com essas palavras rancorosas, Jorge Marcelo recolhe o que resta
da sua dignidade e sai do quarto nos deixando sozinhos.
Eu deveria me importar com o que ele disse, com essa ameaça, mas,
de verdade, foda-se. Foda-se a empresa, o contrato e o Marcelinho. Julia se
aconchega nos meus braços, seu perfume invade meu mundo e a maciez do
seu corpo me faz, literalmente, não dar a mínima para qualquer
consequência que meus atos possam me trazer.
E antes que eu tenha sequer a chance de me arrepender, ela levanta
os olhos castanhos para mim e sorri.
— Nunca na minha vida eu me senti tão protegida e tão... — Eu sei
que ela está buscando uma palavra que não me assuste. — Tão querida.
Eu a abraço com força, e me sento na beirada da cama, puxando-a
para o meu colo. Com ela aninhada nos meus braços me lembro de como foi
ter o coração partido por Penélope, de tudo que eu fiz por ela e não tive
reconhecimento. Beijo o topo da cabeça de Julia e a aperto contra mim. Se
eu pudesse, nunca mais a largaria.
— Nunca vou deixar ninguém te fazer mal, Dona Julia. — Minha
voz sai rouca, mas não é desejo que eu sinto, é outra coisa que ainda não sei
nomear. — Você é minha e vou cuidar de você mesmo que insista que é
apenas sexo.
— Não é — ela murmura sem olhar para mim. — Nunca vai poder
ser apenas sexo com você. Eu só não queria admitir isso.
No meio de todo aquele caos, de toda a merda que eu sabia que ainda
estava por vir, eu me pego sorrindo como o jovem Vinicius faria, e isso me
faz muito bem.
Sacudo os joelhos e ela dá uma risada, levantando o rosto para me
encarar.
— Hoje não vai ter sexo, Julia. — Os olhos dela se enchem de
lágrimas, e eu entendo. Ela está agradecida. — Hoje você vai tomar um
banho e dormir nos meus braços, com a certeza de que nada vai te acontecer.
Tudo bem?
Ela sorri para mim, um daqueles sorrisos que eu sempre vi em seus
lábios quando ela não sabia que eu estava olhando. Mas dessa vez ela está
sorrindo para mim apenas, e eu, bem, tenho que confessar que estou fodido.
Sem soltar uma única palavra, ela se levanta e entra no banheiro. Eu
vou até a porta do quarto e olho para fora, me certificando que Marcelinho já
sumiu de vista. Fecho a porta e encosto a testa contra ela, dando um suspiro
resignado.
É isso aí, penso, Vinicius Barroso está apaixonado. E,
provavelmente, desempregado.
Escuto Julia entrando no chuveiro e percebo que isso não tem
importância. Nada mais tem importância.
Só ela.
Me enfio embaixo da ducha maravilhosa e logo percebo que sou
incapaz de sentir qualquer prazer nesse banho. Meu estômago está
embrulhado e minha meta é me esfregar até tirar a sensação dos dedos de
Marcelinho me tocando, ou arrancar a pele. O que acontecer primeiro.
Sinto a água quente quase escaldar meu corpo e fecho os olhos
permitindo que as lágrimas rolem pelo meu rosto enquanto cruzo os braços
sobre o peito. Cubro a boca com as mãos na tentativa de sufocar os soluços
que estremecem meu corpo, mas é inútil pois o horror da última hora parece
tatuado em minha mente.
Toda minha postura de mulher bem resolvida vai por água abaixo e
me sinto duplamente humilhada pois, além de ter sido amante de um homem
por meses sem sequer desconfiar que ele era casado, fui incapaz de reagir
quando ele me encurralou. Não importa que ele seja mais forte do que eu,
maior do que eu. Fui criada para reagir, me defender e, no momento em que
deveria ter colocado tudo em prática, falhei.
Agora que eu mais preciso que a Fernanda Montenegro fale comigo,
meu cérebro parece ter sofrido de um mal súbito e encontra-se mudo,
deixando que apenas meu coração e meus sentimentos tomem as rédeas do
momento.
E, acreditem, isso nunca dá certo.
Antes que eu me sinta uma derrotada total, Vinicius bate suavemente
na porta do banheiro, e eu encontro a minha voz, presa em algum lugar
sombrio da minha garganta, para responder.
— Oi! — Faço uma tentativa de parecer alegre, mas não sei se
funciona. — Já vou sair.
— Não precisa se apressar. — A voz dele parece tão tensa quanto a
minha e, por incrível que pareça, isso me deixa mais confortável pois mostra
que somos feitos do mesmo material: carne, osso e um monte de emoções.
— Eu vou pedir alguma coisa para a gente comer e queria saber o que você
gosta.
Comida.
A simples menção dessa palavra faz com que meu estômago se
aperte, faminto. Fecho o chuveiro, me enrolo na toalha e sem pensar duas
vezes abro a porta, encontrando-o parado com as mãos enfiadas nos bolsos
da calça como se não soubesse muito bem o que fazer com elas. Um
pequeno sorriso se forma no canto dos meus lábios antes que eu responda.
— Pão francês com mortadela. — Ele me olha, incrédulo. — E
Coca-Cola zero, bem gelada.
Observo enquanto ele corre os dedos pelos cabelos tentando não
parecer incomodado, a camisa está aberta e deixa seu peito à mostra. Não
consigo desviar o olhar de cada pedaço do corpo daquele homem que há
tantos meses vem aparecendo nos meus sonhos. Meu coração se aperta um
pouco mais dentro do peito e me pergunto se vou conseguir relaxar quando
ele tentar me tocar. Minha mente começa a vagar por mil situações
hipotéticas e nem sem sempre agradáveis, até que ele me chama.
— Uhm, Julia? — Levanto os olhos e percebo que ele tem o mesmo
sorriso miúdo que eu, a boca inclinada para cima, em uma tentativa de trazer
um pouco de leveza ao momento. — Estamos em um hotel cinco estrelas em
Angra dos Reis. Acho improvável que eles tenham pão francês com
mortadela.  A Coca-Cola, tudo bem, mas a mortadela... acho que vou ficar te
devendo.
— Que porcaria de lugar, isso sim. — Aperto mais a toalha contra o
corpo, transformando-a em um escudo capaz de me proteger de todos os
males, e vou até a cama, evitando sentar do lado onde Marcelinho me
encurralou. — O que eles têm, então? Coisas de gente fresca?
Vinicius chega perto de mim, estende a mão e convida.
— Que tal a gente ir para o meu quarto onde os lençóis estão limpos
e você vai se sentir mais segura? — Concordo com um suave movimento de
cabeça. — Eu tenho um cardápio lá e podemos escolher juntos. Vamos?
Não tenho tempo de pensar, pois minha mão procura a dele e sinto o
calor do toque de Vinicius na minha pele, apagando todos os traços que
Marcelinho poderia ter deixado. Um suspiro escapa dos meus lábios e me
deixo levar para longe da cama.
— Só estou te prometendo comida, Julia. — Dou uma risada baixa e
logo penso em um trocadilho, mas ele é mais rápido. — Alimento para o
corpo, sua danada. E se você for boazinha, podemos ler um pedacinho de
Harry Potter e alimentar a sua alma.
— Sempre gostei daquele menino. — Confesso sem nenhuma
vergonha. — Mas esse volume que você está lendo é triste demais e prefiro
passar um tempo conversando com você. Tentando entender algumas coisas
sobre essa sua personalidade enigmática e um tanto bipolar.
Vinicius abre a porta que liga nossos quartos e faz um sinal para que
eu passe na sua frente. Assim que entro em seu quarto, consigo sentir o
cheiro do seu perfume no ar, e vejo roupas espalhadas por todos os lados
como se estivéssemos em uma guerra nuclear.
— Você é bagunceiro? — pergunto admirada. — Jamais adivinharia.
— Existem muitas coisas sobre mim que você ainda precisa
aprender, Julia. — Ele pega o cardápio e me entrega. — Boa sorte tentando
encontrar mortadela.
Nesse ponto tenho que fazer uma pausa e dizer pra vocês que ‘sorte’
é pouco, tá certo?
Meu olhar percorre todo o cardápio e sou forçada a encarar o fato de
que não existe nada remotamente parecido com o que eu quero comer. Nem
misto quente de presunto e queijo prato tem nesse lugar. Sou obrigada a dar
o braço a torcer e pedir a ajuda de um Vinicius que me observa com um
sorriso muito divertido nos lábios.
— Tá bem. Desisto. — Devolvo o cardápio para ele que nem sequer
se dá ao trabalho de esconder sua satisfação. — O que você me recomenda?
— Podemos pedir esse aqui. — Aponta para a foto de um
hambúrguer rodeado de folhas e eu faço uma careta. — Não gostou?
— É mato, né? Meu corpo não se sustenta com um pedacinho de
carne enfiado nesse pão murcho e um monte de mato.
— Julia — ele suspirou resignado —, e se eu pedir para trocarem
esse mato por batatas fritas? Melhora para a senhora?
— Ah, aí sim... — Cruzo os braços e faço cara de quem está
pensando muito seriamente sobre o destino do Universo. — Mas esse queijo
aí, é cheddar?
— Gruyère. — Ele enrola a língua e eu acho graça. — Delicioso, por
sinal.
— Misto quente, nem pensar? — Quis saber, na tentativa de manter
minha esperança em alta.
— Sim, de presunto de Parma com queijo do reino e rúcula.
— Rúcula no misto quente? — Me jogo na cama derrotada. — Não
rola um cachorro-quente na praia? Uma pizza de calabresa? Pelo amor de
Deus, me ajuda aí, Vinicius.
— Vou pedir o hambúrguer — levanto o corpo e olho para ele muito
séria —, sem o mato. Prometo. E com batatas fritas.
— Tá certo. Mas pode pedir tipo, agora?
— Posso sim, Dona Faminta.
— Obrigada. Quando fico nervosa, tenho muita fome.  — Dou de
ombros resignada com a triste verdade. — E com tudo que aconteceu nos
últimos dias, somado a esse evento traumatizante de hoje, o que não me falta
é nervosismo. Logo, como mastigar é uma coisa que me relaxa, não consigo
pensar em outra coisa a não ser comer.
— Quem?
— Não!!! O que comer! O que... — Ele dá uma risada que enche
meu corpo de calor — Ah, para, não implica comigo.
— Vou implicar sempre. Você fica linda envergonhada, e isso é raro.
Nos últimos meses tentei várias vezes e você nunca se abalou.
— No trabalho você não me manipula, eu sei bem o que faço. Mas
aqui, quando somos apenas duas pessoas enroladas em lençóis... — Paro e
encaro seus olhos azuis, deixando as palavras saírem sem pensar muito no
efeito que elas podem causar em nós dois —, aqui você tem todo poder
sobre mim.
Vinicius se aproxima de mim e passa o dedo suavemente pela lateral
do meu rosto. Eu fecho os olhos e deixo que ele me acaricie como seu eu
fosse uma gatinha carente e ele sussurra:
— Muito bom saber esse seu segredinho, Julia. Muito bom. — Ele
beija meus cabelos e completa. — É importante que você saiba que eu não
sou como aquele arremedo de homem. Eu jamais tocaria em você sem que
você quisesse, jamais a machucaria. Você precisa acreditar nisso, Julia, que
está segura comigo.
Sem esperar minha resposta, ele se afasta da cama, caminhando até a
mesa para fazer o nosso pedido e eu sinto umas borboletas meio
enlouquecidas se agitando no meu estômago. Em outros dias, poderia ser
simplesmente fome, mas hoje elas têm nome e sobrenome: Vinicius Barroso.
Vai me dizer que eu não estou mesmo muito perdida na mão desse
homem?
Preciso confessar que o tal hambúrguer estava muito bom e que até o
mato que veio junto com as batatas me deixou com gostinho de quero mais.
Deixo meus olhos passearem pelas mãos de Vinicius, que seguram
firmemente o segundo hambúrguer e penso que tudo naquele quarto me
deixa com gostinho de quero mais.
— O que foi? — A voz dele interrompe o curso dos meus
pensamentos. — O que está se passando dentro dessa sua cabeça, Julia?
— Nada. — Me apresso em responder. — Nada que eu possa colocar
em palavras. Aliás, melhor nem tentar colocar em palavras.
Ele me dá um daqueles sorrisos matadores que eu passei a adorar e
abocanha mais uma parte do sanduiche. É muito errado eu querer estar no
lugar do pão e ser mordida por ele? Se é, podem me julgar.
— Gosto quando você coloca seus pensamentos em palavras. Sempre
gostei.
— Mas, Vinicius, me conte — dobro as pernas embaixo do corpo e
me encosto na cabeceira da cama, procurando uma posição mais confortável
quando na verdade gostaria mesmo de estar deitada no peito dele —, por que
essa mudança súbita de comportamento?  E antes que você venha com
alguma grosseria, deixa eu dizer que não estou reclamando desse lado
divertido que você tem. Estou apenas curiosa com tanta diferença de
personalidade em um homem só.
— Entendi. — Ele passa o guardanapo de tecido pelos lábios e eu
fico imaginando mil coisas impublicáveis que eu faria se fosse aquele
pedacinho de pano. — Sabe, Julia, eu sou um cara muito bacana e, algumas
pessoas até me consideram divertido. Acontece que aquele nosso
departamento acabou comigo. Eu não tinha ideia de que vocês seriam tão
difíceis e resistentes a mudanças. Acreditei que, livrando a turma da tirania
da Marieta, eu seria amado e adorado. Mas não foi bem o que aconteceu, né?
Ele me dá mais um sorriso e enfia os dentes no hambúrguer, me
dando tempo para responder. Mas eu não sei bem o que dizer.
— É que você chegou metendo o pé na porta, Vinicius. — Apertei a
toalha contra o corpo o que fez com que ele deslizasse o olhar pelo meu
corpo, demorando-se nas minhas coxas.
— Pode pegar uma das minhas camisetas, Julia. — Ele aponta a mala
largada no chão, meio aberta e com várias peças de roupa espalhadas ao
redor. — Tá zoneado, mas estão todas limpas.
Levanto lentamente e, enquanto penso na ironia de vestir uma camisa
dele quando queria mesmo ficar pelada e grudada no seu corpo, continuo
com meu falatório.
— Você sabe que chegou fazendo a linha dura, mexendo nos
processos, mandando todo mundo se reciclar enquanto entubava na gente
aquela ladainha de feedback 360. — Puxo uma camisa cinza com o emblema
do Super-Homem e rapidamente me enfio dentro da peça, que consegue
cobrir apenas um pedaço das minhas coxas. — Eu juro que, naquela época,
queria gostar de você. Até Lorena queria. Mas você não tornou as coisas
fáceis.
— Puta merda, aquela sua amiga Lorena. — Vinicius acaba de comer
e segue para o banheiro. — Ela é uma profissional muito boa, mas não
tornou minha vida mais fácil.
Ele para na porta e me olha cuidadosamente antes de completar.
— Nem você, Julia. Nem você tornou a minha vida fácil. — Vejo ele
dar de ombros e sorrir antes de completar. — Quem sabe agora, nosso
relacionamento profissional não pode evoluir para o próximo nível?
Vinicius fecha a porta do banheiro e eu fico parada tentando entender
o que ele quis dizer. Veja bem, eu não fiz nada para infernizar ele. Não
gratuitamente. Tudo que eu fiz foi reagir às ações dele e ninguém pode me
culpar por isso.
Ainda assim, trancada nesse quarto de hotel, com um homem
completamente diferente do que eu estava acostumada, me pego pensando se
não deixei passar sinais de que poderia estar errada.
Afinal, eu não sou assim tão perfeitinha e muitas vezes coloco o
carro na frente dos bois. Talvez ele não tenha sido tão irritante, mandão e
grosseiro quanto eu me lembro.
Ah, porra, tô querendo me enganar, né? Claro que ele foi isso tudo, e
claro que agora estou tentando arrumar desculpas para o comportamento
dele. Mas vai me dizer que você não faria exatamente a mesma coisa?
— Consigo ouvir sua cabeça funcionando daqui de dentro. Com a
porta fechada e a torneira aberta.
Vinicius dá uma risada e abre a porta para me olhar. A boca cheia de
espuma do creme dental, a cueca preta justa no corpo e mais nada. Mais
nada, senhoras e senhores da plateia do Circo da Julia. Sinto um calor tomar
conta de mim e, quando dou conta, já estou ao lado dele, meus braços
envolvendo sua cintura, minha cabeça contra suas costas.
— Julia, Julia. — Ele enxágua a boca sem me afastar. — Não me
provoque. Ambos sabemos que essa noite não é para sexo selvagem,
principalmente depois de tudo o que acabou de acontecer.
— E sexo com carinho? — Isso, Julia, abra a sua boca imensa. —
Não pode?
Levanto os olhos para ele e, por alguns segundos, nos encaramos
pelo espelho. Ele pega uma das minhas mãos e a leva até os lábios, beijando
meus dedos suavemente.
— Vamos ver. — Vinicius dá dois passos para o lado, afastando-se de
mim sem largar minha mão. — Vem comigo?
“Até o inferno.” É o que tenho vontade de responder. Mas acabo
seguindo-o sem dizer uma palavra. Tenho certeza de que não poderia estar
em melhor companhia nessa noite.
Vinicius se senta na cama e me puxa para o seu colo, onde me
aconchego sem oferecer nenhuma resistência. A grande verdade é que não
quero mais resistir, quero apenas me jogar em seus braços e transar
alucinadamente a noite toda. E um pouco mais quando o dia amanhecer. E,
se possível, mais uma vez antes de voltar para o Rio.
Não me julgue! Tenho certeza absoluta de que você faria o mesmo se
estivesse em meu lugar.
Com cuidado, ele me gira sobre suas pernas me colocando de costas
para o seu peito. Sinto seus dedos subindo pela minha pele, por baixo do
tecido da camiseta, traçando um caminho muito sexy por toda a minha
coluna até chegar à base do meu pescoço. Faço um movimento brusco e,
antes que ele me impeça, me livro da camiseta, dando a Vinicius livre acesso
ao meu corpo.
— Ah, Julia... — Ele encosta os lábios na minha orelha e sua voz
rouca de tesão me deixa louca. — Você não tem ideia do poder que tem
sobre mim.
Sinto o pau de Vinicius duro contra minhas coxas e me ajeito em seu
colo, pressionando a bunda contra sua ereção enquanto ele mergulha os
dedos em meus cabelos. Quero sentir cada pedaço desse homem, o toque da
sua língua em minha pele, seus dedos tocando cada centímetro do meu corpo
que já está em chamas. Preciso ter Vinicius dentro de mim, metendo com
força e me fazendo gemer e gritar para que eu esqueça de uma vez por todas
o que quase aconteceu no quarto ao lado.
Sem soltar os meus cabelos, ele gira nossos corpos e, em uma
questão de segundos, estamos deitados na cama. Eu por baixo, a bunda
arrebitada para ele como se convidando-o a explorar todo o meu corpo.
— Que rabo, Dona Julia. — Ele usa a mão livre para acariciar minha
bunda enquanto mantém meus cabelos presos na outra mão. — Todas as
vezes que você me dava as costas e saía furiosa da minha sala, eu ficava
imaginando como seria sua bunda. Nada me preparou para isso.
Sem aviso, ele dá um tapa na minha bunda, para logo em seguida
cobrir o local de beijos e lambidas me levando à loucura. Um gemido escapa
dos meus lábios e Vinicius dá uma risada sacana.
— Gostou né, Julia? — Sinto a mão dele alisando novamente minha
bunda, e já me preparo para o tapa, que não vem. — Mas só vou repetir se
você pedir com jeitinho.
— Não faz assim... — resmungo meio sem saber o que sentir. — Não
me faz pedir...
— Faço sim. — Ele se inclina sobre mim e passa a língua pelo meu
pescoço, puxando minha cabeça suavemente para trás pelos cabelos. —
Preciso saber o quanto você me quer, e até onde está disposta a ir.
— Quero muito, Vinicius! — Desisto de resistir. Mais uma vez. —
Quero sentir que sou tua de todas as formas. Quero gozar nos teus dedos, na
tua língua.
Ele solta meus cabelos e me vira de frente, nossos olhos se
encontrando, as bocas separadas por milímetros. Vinicius desce a mão pelas
minhas costas, me segurando firmemente contra seu peito e eu fecho os
olhos, esperando pelo beijo que não acontece.
— Julia, abra os olhos. — Puta merda, homem... Anda logo com isso
que eu já estou nervosa. — Abra os olhos e preste atenção em mim.
Relutante, abro os olhos e me deparo com aquele olhar azul
profundo, cheio de mistérios e promessas. Percebo que ele tem algo sério
para me dizer, algo que vai além do sexo louco e delicioso que estou
querendo nesse momento.
— Estou aqui, Vinicius.
— Eu não quero virar as costas para esse fim de semana, Julia.
Estou confusa. Que porra ele está querendo dizer? Que tanto drama é
esse? Antes que eu possa responder, ele continua:
— Existe uma chance enorme de eu me apaixonar por você. — Ele
sorri e seus olhos ficam mais suaves. — Na verdade, eu acho que estou
apaixonado já tem alguns meses, mas depois de ter você na minha cama, não
quero virar as costas para tudo isso.
— Vinicius, o que você está querendo dizer?
— Que é bem capaz de só saírmos desse hotel depois que você
aceitar namorar comigo.
Eu queria sexo. Só isso. Pura e simplesmente sexo com o meu chefe
gostosão e grosseiro. E acabei descobrindo um homem de muitas facetas,
capaz de me levar à loucura e que agora quer me chamar de namorada.
Se a vida pode ser melhor do que isso, eu realmente nem preciso
saber.
Passo os braços pelo pescoço de Vinicius e tomo seu lábio inferior
entre meus dentes, mordiscando de leve e passando a língua neles. A ereção
dele continua ali, pressionada contra o meu corpo, me levando à loucura
enquanto ele se deixa ser beijado por mim.
O beijo dele é o melhor que eu já provei e posso ficar ali presa entre
seus braços, beijando sua boca, por horas, mas ele quer uma resposta e se
afasta de mim decidido.
— Julia...
Jogo a cabeça para trás, olhos fechados e, como sempre,
aproveitando para transformar tudo em um momento dramático.
— Julia. Julia. Julia.  É tudo que você sabe falar. Parece que meu
nome tem mel. — Abro um dos olhos e dou um sorriso, afinal não tenho
nada a perder. — Sim.
Ele sorri para mim e eu me pego pensando em como ele consegue ser
assim, dois homens tão diferentes presos dentro do mesmo corpo.
— Então você aceita ser a minha namorada?
— Meu Deus, homem! — Me solto dos seus braços e sento na cama,
olhando para Vinicius como se ele fosse um grande enigma. — Até parece
que você tem alguma dificuldade em arrumar namorada.
— Não tenho nenhuma dificuldade — ele confessa despudorado e eu
dou uma risada. — Acontece que sou um cara de princípios, e tem coisas
que eu só gosto de fazer com as minhas namoradas.
— Por exemplo? — Assim que a pergunta sai dessa minha boca
enorme, me encho de arrependimento.
Ele se aproxima de mim novamente, dessa vez com movimentos
suaves como os de um grande felino. Sua mão desce pelo interior da minha
coxa e me preparo para sentir seus dedos invadindo meu corpo. Mas ele
passa direto, ignorando minha boceta que está pulsando de desejo e
escorrega a mão até a minha bunda, me segurando com força.
— Sexo anal. — Ele sorri diante da minha cara de espanto. — Sou
tarado em sexo anal, mas não saio por aí comendo qualquer mulher. Preciso
de intimidade, de entrega e de muito tesão para poder comer um cuzinho do
jeito que eu gosto.
— Ei! — Tento me soltar, mas ele me segura ainda mais firme. —
Não é bem assim que a banda toca. Quem disse que eu gosto de anal?
— Calma, Julia. — Ele se inclina e beija minha boca com fome,
mordendo, sugando, lambendo, e eu fico totalmente fora do ar, desejando
tudo que ele pode me dar. — Na hora que você pedir, eu paro.
— Para mesmo? — Preciso dessa certeza. — Eu nunca sequer pensei
em sexo anal.
— Uhm... uma virgenzinha anal? — Ele arqueia a sobrancelha, como
se já estivesse visualizando como vai ser na hora em que deslizar seu pau
para dentro do meu rabo. — Vou adorar te mostrar como sexo anal pode ser
delicioso.
— Quando eu pedir para parar — insisto, tentando ignorar as
provocações dele —, você vai parar?
— Se você pedir, paro na hora. — O sorriso de Vinicius é enorme,
delicioso e eu estou dividida. Não se se estou assustada ou cheia de tesão. —
Mas eu duvido que você vá pedir.
Puta merda!  Olha só onde eu fui me meter!
Minha cara de espanto causa um acesso de riso em Vinicius, que me
puxa para perto do seu peito, me apertando com força.
— Relaxa, Julia. — Sua voz rouca em meu ouvido não ajuda em
nada e eu tenho certeza de que sou incapaz de relaxar quando ele faz esse
tipo de brincadeira sexy comigo. — Tudo tem seu tempo, e eu te avisei que
não teríamos nada de sexo ardente hoje.
Eu sei que meus olhos estão embaçados de tesão e me surpreendo
quando ele deita na cama me aconchegando em seus braços. Sinto o coração
dele bater forte contra minhas costelas e, por um momento, fico na dúvida se
as batidas que me ensurdecem são dele ou minhas, pois sinto meu corpo
tremer todo presa dentro do seu abraço.
— Vinicius...
— Não, Julia. Não vou ceder aos seus encantos hoje. — Ele beija o
lóbulo da minha orelha. — Eu sei o que você passou naquele quarto, sei o
quanto tudo está mexido aí dentro e não vou deixar o meu desejo, o nosso
desejo, apressar as coisas.
Suavemente, e sem acreditar em tudo que esse homem me oferece,
me viro ficando cara a cara com ele. Alguma coisa no olhar de Vinicius me
impede de insistir e eu simplesmente lhe ofereço um sorriso agradecido.
— Eu me senti um merda por ter demorado a chegar no seu quarto —
ele confessa entredentes enquanto me aperta um pouco mais contra o peito e
eu sinto meus olhos se encherem de lágrimas. — Não chora, por favor. Se
você chorar de novo, eu não vou aguentar.
Engulo as lágrimas e procuro conforto em seu ombro. Vinicius
acaricia meus cabelos e continua falando.
— Eu estava me fazendo de durão, sabe? É um padrão que eu sigo
desde que... — Ele faz uma pausa e sua risada triste enche meus ouvidos. —
Desde que eu tive meu coração despedaçado. E você sabe, padrões são
difíceis de serem quebrados. Foi por isso que demorei, Julia, eu enrolei
conversando lá embaixo, para que você não soubesse que já tinha meu
coração em suas mãos e que eu faria praticamente qualquer coisa por você.
Levanto a cabeça e ele está me encarando com aqueles olhos
maravilhosos, cheios de ternura e que em nada me lembram o homem com o
qual estou acostumada a conviver. Quero perguntar quem foi a cretina que
teve a coragem de machucar seu coração e danificar sua alma, mas me calo.
Sim, você ouviu direito. Surpreendentemente, eu me calo, na
esperança de que ele continue a falar. Tudo que eu quero é ouvir a voz grave
de Vinicius contando coisas sobre sua vida. Mesmo que sejam dolorosas.
— Eu deveria ter segurado na sua mão e subido junto com você, mas
essa coisa dolorida que tenho dentro do peito, me impediu. E eu vou carregar
para sempre aquela cena na minha cabeça, daquele filho da puta
machucando você.
— Não. — A negativa sai suavemente dos meus lábios enquanto eu
levanto os dedos para acariciar o rosto dele. — Você precisa esquecer isso,
por favor.
— Esquecer? — Ele retorce os lábios em uma careta de desgosto. —
Nunca vou ser capaz, Julia. Por minha causa aquele traste te pegou
desprevenida. Por minha causa ele...
— Chega, Vinicius, por favor. Não faça isso. Você chegou e me
salvou. — Dou um sorriso gigante e completo, na tentativa de mostrar a ele
tudo que eu guardo dentro do peito, as sensações e esperanças. — Na
verdade, a cena que você não deveria tirar da cabeça é outra. Da cara
assustada daquele verme depois de tomar uns belos socos.
Vinicius dá uma risada baixa e meu corpo se aquece.
— Você não existe, Dona Julia. — Ele se inclina e beija meus lábios
com paixão. — Obrigado por me fazer entender que com o tempo as coisas
se ajeitam. Mas agora chega, vamos dormir porque amanhã quero acordar
cedo e resolver algumas pendências antes de encontrar os empresários.
— Pendências? — Estou relaxada nos braços dele, como se ali
sempre houvesse sido meu lugar. — Que pendências?
— Você. — Ele sorri, sedutor. — E todo o prazer que vamos ter
juntos. Mas isso só amanhã, pois hoje você precisa entender que está segura
comigo. Dorme, Julia
E assim, sem mais uma palavra sequer, ele fecha os olhos,
encerrando a conversa. Ele acaricia meus cabelos e seus dedos passeiam
pelas minhas costas até que sua respiração se acalma e ele adormece, me
deixando acordada e com a cabeça cheia de ideias, pensamentos e projetos.
Vocês sabem como sou criativa!
Ele quer me namorar, ele quer tudo comigo e eu não quero outra
coisa na vida. Agora me digam, como vou conseguir dormir com tudo isso
martelando dentro do meu cérebro hiperativo?

Teria sido muito fácil transar com ela essa noite. Julia me olha de
uma forma sensual e provocativa, flertando comigo de um jeito tão natural
que tudo em que consigo pensar é como foi delicioso transar com ela. E
como eu quero mais e mais.
Justamente por esse adendo – querer mais e mais – é que não consigo
pensar em simplesmente levar essa mulher pra cama e trepar até o dia
amanhecer. Quero seu cheiro no meu travesseiro, suas pernas enroladas nas
minhas, sua risada ecoando pela minha casa. Quero ler meus livros em voz
alta para ela enquanto Julia descansa no meu peito.
Mas também quero dar a ela o melhor sexo da sua vida, para que ela
esqueça de tudo que pode ter acontecido antes que eu entrasse em sua vida.
Sou um romântico incurável, sim, e meu pacote completo inclui sexo em
todas as suas formas.
Agora, deitado nessa cama de hotel com Julia aconchegada contra
meu peito, sinto um desejo absurdo de proteger essa mulher, de lhe dar o
mundo em uma bandeja de prata, de preferência cheia dos sanduiches de
mortadela que ela tanto ama. Aperto o abraço e ela ronrona em seu sono
tranquilo, como se soubesse que nunca mais vou deixar que nada de ruim
aconteça a ela.
Com cuidado, deposito um beijo em seus cabelos e me ajeito na
cama e tento conciliar o sono. Mas meu pau está duro devido à proximidade
do corpo de Julia e percebo que, daqui para frente, minhas noites de sono
podem não ser tão tranquilas assim.
Resignado, fecho os olhos e relaxo a mente, deixando que o sono
chegue de forma lenta e suave, pedindo para que meus sonhos sejam
recheados de Julia, mesmo que isso signifique nunca mais me livrar dessa
ereção.
Devo ter apagado feito um fósforo usado ontem à noite. Minhas
costas doem, pois meu corpo estranhou o colchão macio, um problema que
tenho desde a adolescência. Se o colchão não for daqueles ortopédicos, mais
duro que uma pedra, eu acordo moída de dor.
E falando em “duro como uma pedra”, sinto uma pressão na parte de
trás da minha coxa e quando tento me mexer, Vinicius aperta o abraço que
manteve firme na minha cintura a noite toda.
— Onde a senhora pensa que vai?
— Na verdade, na verdade mesmo — exagero — eu só queria ir ali,
fazer um xixi, escovar os dentes.... Sabe como é, né?
— Sei sim. — Ele encosta no nariz no meu pescoço e me puxa contra
o corpo, me impedindo de sair da cama. — Mas não quero te soltar ainda.
— Mas... — Eu me remexo irrequieta. — A gente pode deixar o
abraço para daqui a pouco? É que estou muito, muito, mas muito apertada
mesmo.
Vinicius me solta e aproveita para colocar suas mãos em minha
bunda, me empurrando para fora da cama. Saio saltitando em direção ao
banheiro, buscando aquele santuário de paz infinita onde vou poder fazer o
maior xixi do universo inteiro. Mal fecho a porta, ouço ele ligando a
televisão e relaxo o corpo. Tudo bem que ele já me viu pelada, já lambeu os
dedos cheios do meu gosto, já me comeu enlouquecidamente… Mas daí a
deixar ele ouvir todos os barulhos horrorosos que eu faço na intimidade do
banheiro, não rola. Respiro fundo e chamo.
— Vinicius, dá pra você aumentar a TV?
— Quer ouvir aí de dentro? — Eu sei que ele está sorrindo pelo tom
de sua voz. — Ou é para abafar os ruídos naturais que todo ser humano faz
quando está relaxado no banheiro?
— Você não pode simplesmente fazer o que eu tô pedindo? — peço
me contorcendo de vontade de fazer todos os barulhos possíveis e
impossíveis. — Custa?
— Não custa. Mas gostaria de deixar claro que, tudo que você faz aí,
eu também faço. E quando chegar a minha hora não vou nem lembrar de
pedir pra aumentar a TV.
Ele se cala e o som aumenta consideravelmente, me deixando à
vontade para resolver tudo que preciso sozinha e em paz. O chuveiro
maravilhoso me chama e eu não penso nem uma vez, dirá duas. Trato de me
enfiar embaixo d´água e tomar um banho daqueles de estrela de cinema e
quando saio enrolada na toalha macia Vinicius me lança um olhar
entristecido.
— O que foi? — Quero saber, já com o coração na boca.
— Você estava tão deliciosamente linda usando a minha camiseta —
ele senta na cama e fica me olhando —, que apesar de saber que não está
usando nada sob essa toalha, preferia que você estivesse enfiada nela.
Acho fofo ele confessar que me ver usando uma de suas camisas de
super-herói causa mais impacto do que essa sedutora toalha branca. Dou a
ele meu melhor e mais honesto sorriso, e ele vem caminhando na minha
direção, até parar na minha frente sem me tocar.
— Agora quem vai se livrar dos resquícios da noite de ontem sou eu.
— Vinicius se inclina, roça os lábios levemente nos meus e afirma. — E
pode apostar que vou fazer muito mais barulho do que os que ouvi você
fazer.
— Vinicius! — Bato no peito dele, indignada e morrendo de
vergonha.
— Dona Julia, somos eu e você. Entre nós não há espaço para ter
vergonha.
Fico parada no meio do quarto, observando aquele homem lindo se
afastando de mim enquanto luto para encontrar alguma frase engraçadinha
que me tire desse estado romântico de torpor.
Falho miseravelmente.
Enquanto ele está no banheiro, pego a tal camiseta e vou até a porta
de comunicação entre nossos quartos, abrindo-a com cuidado. Eu sei que
Marcelinho não está mais do outro lado, mas ainda não me sinto superfeliz
em voltar lá.
Acontece que minhas coisas estão naquele quarto e eu quero muito
enfiar essa camiseta com cheiro de Vinicius entre minhas coisas, e usá-la
todas as noites para dormir depois que voltarmos para o Rio e essa aventura
acabar. Porque eu sei que vai acabar, é felicidade demais e eu sempre
acreditei que esse tipo de coisa não pode durar para sempre. Aliás, não pode
durar para além desse hotel, por mais que ele me diga o contrário. Com isso
em mente, entro no quarto e corro até minha mala, enfiando a peça de roupa
no meio das minhas coisas antes de voltar correndo para o quarto dele.
Chego no exato momento em que ele abre a porta do banheiro, o
cabelo molhado, água escorrendo pelo peito e um daqueles sorrisos que eu
aprendi a amar, nos lábios.
Epa, epa, epa, Julia!!! Amar? O que está acontecendo com você?
— O que houve? — Observo os músculos do braço dele enquanto
Vinicius esfrega a toalha nos cabelos e lentamente vou descendo os olhos
pelo seu corpo delicioso. — Que cara é essa?
Ok, vamos raciocinar. Se ele está esfregando a toalha nos cabelos
isso quer dizer que está completamente nú e...
— Julia? — Ouço a sua voz, mas não consigo desviar o olhar do pau
dele. Engulo em seco e, sem nenhuma condição emocional de abrir a boca,
sinto um calor tomando conta de mim. —  Meu Deus, mulher, você não
existe.
Ele está rindo, achando minha cara embasbacada tremendamente
divertida, e logo começo a rir também enquanto ele cobre a distância entre
nós e me pega nos braços, tomando meus lábios nos seus com uma paixão
revigorante. Deixo a toalha cair, minha pele pegando fogo e desejando, mais
que tudo, o toque desse homem.
Sinto as suas mãos subindo pelas minhas costas, os dedos se
enrolando em meus cabelos, e fico na ponta dos pés, passando os braços pelo
seu pescoço, me entregando mais e mais ao prazer que Vinicius pode me dar.
De repente, ele se afasta de mim e me segura pelos pulsos. Seus
olhos presos nos meus fazem promessas silenciosas que eu aceito como
verdadeiras.
— Julia — sua voz está cheia de desejo, e eu sinto meus joelhos
amolecerem —, preciso te comer agora. Foder você a manhã inteira, fazer
você gozar nos meus dedos, na minha boca e no meu pau. Ouvir você gemer
e gritar o meu nome. Você está pronta para isso?
Ah, puta que o pariu, né! Como eu vou conseguir lidar com um
homem desses na minha vida?
Eu queria ter respondido à pergunta dele, juro por Deus que queria
muito. Mas Vinicius não me deu tempo, tomando minha boca na sua com
uma selvageria que me deixou angustiadamente dolorida. O gosto da sua
língua na minha, suas mãos me apertando e os sons da sua respiração pesada
me deixam tão cheia de tesão que sinto minha boceta doer, na antecipação
do que está por vir.
Não resisto nem por um segundo, e passo os braços por seu pescoço
ficando na ponta dos pés, esfregando meu corpo no dele, sentindo sua ereção
pressionada contra mim. Sem uma palavra, ele me pega no colo e, quando
dou por mim já estou deitada na cama, as mãos dele segurando meus pulsos
enquanto me encara com aqueles olhos intensos.
— Diga que me quer, Julia.
— Você sabe que eu te quero — falo baixinho, como se esse devesse
ser o segredo mais bem guardado do universo.
— Quero ouvir você dizendo. — Ele se aproxima de mim, seus
lábios perigosamente perto do meu mamilo e repete. — Quero ouvir da sua
boca o quanto você me quer.
Me encho de coragem e, quando estou prestes a confessar a extensão
do meu desejo, ele me surpreende abocanhando meu mamilo, mordendo,
sugando e lambendo enquanto mantem minhas mãos firmemente presas
sobre minha cabeça.
— Fala, Julia. — Ele afasta a boca do meu seio, levantando o rosto
para mim. — Fala que você quer ser minha.
— Nunca quis tanto um homem como te quero, Vinicius. — As
palavras jorram de mim, impensadas e com vontade própria. — Agora, pelo
amor de Deus, continue o que estava fazendo.
Minhas palavras parecem incendiar Vinicius, que toma meu mamilo
novamente entre os lábios. Mas, dessa vez, ele solta minhas mãos e, antes
que eu possa me mexer, sinto seu dedo me penetrando enquanto ele prende o
bico do meu seio com os dentes. Instintivamente, mexo o quadril, rebolando
em sua mão, e isso me garante um presente: Vinicius desliza mais um dedo
para dentro de mim e, largando meu seio, olha diretamente em meus olhos.
— Você é deliciosamente molhada, Julia. Faminta, sexy e quente. —
Por trás de uma nuvem de desejo vejo aquele deus grego passando a língua
pelos lábios deliciosos enquanto fala de uma forma totalmente inadequada
sobre mim. — Tenho vontade de enfiar mais um dedo só para ouvir você
gemer bem alto e rebolar para mim.
— Enfia. — Apoio o peso do corpo nos cotovelos e, com os olhos
presos aos dele, desafio: — Eu duvido.
Sem me dar chance de desistir, ele desliza mais um dedo, girando-os
dentro de mim e arrancando um gemido dolorosamente delicioso dos meus
lábios. Inclino a cabeça para trás, minha mente nublada de tesão, e rebolo
para ele, nos dedos dele, sem pensar em mais nada.
— Que visão, Julia. — A voz dele está muito mais rouca e eu abro as
pernas para que ele possa me admirar ainda mais, entregue à luxúria que ele
me proporciona. — Não consigo parar de te olhar.
Eu não quero que ele pare de me olhar, mas, ao mesmo tempo, quero
mais de Vinicius em mim e para mim. Remexo-me na cama e alcanço seu
pescoço, puxando-o para perto de mim, e mergulho minha boca na dele. Ele
me toma como se eu sempre houvesse lhe pertencido e nossos corpos se
encaixam perfeitamente, mesmo com a mão dele perdida entre minhas
pernas. A dança das nossas línguas consegue me deixar ainda mais alucinada
e, quando ele tira os dedos de dentro de mim, resmungo em protesto.
— Volta — peço entre gemidos —, continue a me tocar.
Ele me solta e caio na cama, lânguida e quente. De joelhos à minha
frente, Vinicius lambe seus dedos lentamente sem tirar os olhos de mim e,
antes que eu possa reagir, coloca as mãos nos meus joelhos e mergulha em
direção à minha boceta que pulsa e lateja antes mesmo de sentir o toque de
seus lábios.
Se eu achei que o toque dos dedos dele era delicioso, a forma como
ele começou a me foder com a boca é indescritível.
Vinicius passa a língua pelos meus grandes lábios, mordendo-os de
leve enquanto suas mãos apertam minha bunda com força, não permitindo
que eu me mexa. Lentamente, esfrega o queixo pela parte interna da minha
coxa, beija minha virilha e, antes de continuar, me olha profundamente e
declara:
— Você é minha, Julia. Só minha.
Antes que eu sequer pensasse em responder, ele abocanha meu
clitóris, lambendo e sugando, mordendo e beijando e eu perco a noção do
tempo. Na verdade, eu deixo de pensar em qualquer coisa que não seja
aquele homem me dando o melhor sexo oral da minha vida.
Instintivamente, levo meus dedos até os seus cabelos e, segurando
firme, pressiono sua cabeça contra meu corpo, exigindo sem palavras que ele
me chupe ainda mais, e com mais vontade.
E é exatamente isso que ele faz, arrancando do meu corpo o melhor
orgasmo da história da minha vida. Com a boca cheia do meu sabor, ele sobe
beijando minha barriga, até chegar bem perto do meu rosto, como se
estivesse esperando pela minha permissão para me beijar. Deixo seu nome
escapar dos meus lábios em forma de suspiro, convidando.
— Vinicius...
Ele me abraça, apertando meu corpo contra seu peito e toma meus
lábios nos seus, que transbordam com o meu gosto, e eu preciso confessar
que adoro isso demais. Adoro tanto, que passo as pernas pela cintura dele,
me mexendo suavemente até sentir a cabeça do seu pau roçando na minha
boceta.
— Preservativo. — Ele sorri para mim e aponta com o queixo a
mesinha de cabeceira, onde uma caixa de camisinhas está estrategicamente
posicionada. Estico o braço e entrego um pacote a ele que, com muita
rapidez, tira da embalagem e veste a proteção.
Ele esfrega o pau em mim mais uma vez e geme contra meus lábios,
se ajeitando contra o meu corpo, encontrando o caminho para dentro de
mim.
Nos movemos em uma lentidão calculada, acertando o ritmo
enquanto nos beijamos sofregamente. Ele desliza as mãos pelo meu corpo,
tomando cada pedaço da minha pele para si, e eu não resisto mais. Não
quero resistir.
Quero acreditar que sou dele, e que ele é meu. E que nada mais
importa além dessa sintonia silenciosa que se estabeleceu entre nós. Sem
aviso, ele para de me beijar, olha nos meus olhos e sinto que algo está
diferente, só não sei dizer o que é.
Sem uma palavra, ele continua me fodendo com carinho, os olhos
presos nos meus, um sorriso começando a se formar em seus lábios. Eu
sorrio de volta, e rebolo para ele, junto com ele. Perco a noção do tempo,
presa nesse delicioso movimento dos nossos corpos suados, até que ele
enterra a cabeça na curva do meu pescoço e acelera o movimento dos
quadris, sussurrando em meu ouvido.
— Não aguento mais, preciso gozar em você.
Com essas palavras, ele explode, me levando junto para um lugar
onde eu nunca havia sonhado estar.
Se fui feliz antes de Vinicius entrar na minha vida, honestamente não
me lembro.
É muito fácil relaxar dentro do abraço de Vinicius. Seu cheiro é
deliciosamente pecaminoso e me faz querer começar tudo novamente. Sim,
eu estou falando de sexo, obviamente. Mal terminamos e eu já quero sentir
sua boca na minha, seus dedos me apertando e explorando. Na verdade, se
dependesse de mim, não teríamos parado nem para respirar, quem dirá ficar
de conchinha.
Que é exatamente o que está acontecendo nesse momento, quando
ele me puxa contra seu peito, seus braços apertando minha cintura e sua
respiração quente em meu ouvido.
Veja bem, não estou dizendo que não gosto de estar de conchinha
com esse pedaço de mau caminho. Nem que o pau dele, duro e se esfregando
na minha bunda, está me incomodando. Nada disso.
Mas eu queria estar dando novamente para ele. Sacudindo o
coqueiro, fazendo canguru perneta, bagunçando a peruca, descabelando o
palhaço ou outra das noventa e quatro maneiras de falar “fazendo sexo” que
eu um dia encontrei na internet. Fato é que ainda não estou satisfeita e quero
mais dele, principalmente por ter essa certeza palpitante dentro do meu peito
de que, assim que voltarmos para o Rio, esse interlúdio vai acabar.
— Julia, pare de se mexer — ele sussurra enquanto se aconchega um
pouco mais na curva do meu pescoço. — E pare de pensar tão alto. Curta o
momento, seja um pouco mais leve.
“Ah, Senhor Poderoso Chefão, mais leve? Me diga como serei mais
leve agora que sei tudo que você tem para me oferecer e que não poderei ter
novamente?”
Claro que não digo isso, na verdade, não digo nada. Apenas suspiro
conformada e fecho os olhos, me esforçando para aproveitar ao máximo essa
sensação de casal feliz que insiste em querer, de mansinho, tomar conta de
mim.
Afinal de contas, não foi com isso que eu sonhei durante os últimos
anos? Um relacionamento bacana, com um cara gostoso e carinhoso que me
desse o melhor sexo de todos os tempos nas paradas de sucesso? Então
porque lutar contra isso agora que finalmente tenho o que sempre quis?
“Porque é areia demais para o nosso caminhão, Julia.”
Sacudo a cabeça, afastando a voz do meu cérebro que insiste em
trazer a luz da razão aos meus momentos de tesão, e deixo que Vinicius me
abrace apertado, tirando meu fôlego por tantos motivos diferentes.

Eu sei que Julia está inquieta, com algo atormentando sua mente
hiperativa, e não há nada que eu possa fazer para acalmá-la. Nada que eu já
não tenha feito.
Enquanto puxo seu corpo contra o meu, luto contra a vontade de
fazer amor com ela de novo. Eu sei que é exatamente isso que ela quer,
transar até cansar, pois tem certeza de que eu não vou continuar interessado
nela depois que voltarmos para o Rio.
Julia não poderia estar mais enganada. E, depois dessa noite, achei
que ela não teria mais dúvidas sobre a minha intenção sincera e honesta de
sair de mãos dadas com ela, tomar sorvete na praia, passear no shopping e
todas as outras coisas que um casal de namorados faz.
Mas sei que palavras não vão convencer essa mulher, não depois de
tudo que ela passou com aquele filho da puta do Jorge Marcelo. O que ela
precisa é de atitude, e é exatamente isso que vou lhe oferecer.
Sinto seu corpo relaxando dentro do meu abraço e beijo o topo da sua
cabeça com muito carinho. Meu pau está tão duro que chega a doer, mas não
vou deixar que, mais uma vez, ele dite o ritmo de um relacionamento.
Principalmente um relacionamento com uma mulher como Julia, que tem
tudo para virar meu mundo de cabeça para baixo e me fazer implorar por
mais.
Ela se mexe novamente e seu estômago ronca, fazendo-me dar uma
risada.
— Tá certo, Julia, já entendi. Você quer comer, certo?
— Bem, para ser sincera — ela se vira de frente para mim, suas
pernas enroscadas nas minhas e me dá um daqueles sorrisos que eu adoro —,
eu poderia passar o resto do dia a pão e água desde que....
— Shh — coloco o dedo sobre seus lábios —, não precisamos ter
pressa, Julia. Eu sei que você ainda não acredita em mim, mas vou fazer
você mudar de ideia.
Roço meus lábios nos dela e sinto meu pau latejar. Puta que o pariu,
essa mulher ainda vai acabar com a minha saúde.
— Vamos descer pra comer. — Minha voz sai muito mais decidida
do que realmente me sinto e solto Julia, saindo da cama rapidamente antes
que mude de ideia. — E depois vamos dar uma volta na praia, e almoçar
com os empresários.
Vejo Julia encolher os ombros e sei o que vai falar antes mesmo que
as palavras saiam de sua boca.
— Vamos ter que enfrentar a ira do Marcelinho. — Seus olhos se
enchem de lágrimas.
— Deixe aquele canalha comigo. Vou ligar para o Teixeira enquanto
você se arruma.
— Você não acha que ele já ligou para o tio e fez a sua caveira? —
Sinto a mesma preocupação que ela, mas não posso deixá-la sentir minha
insegurança.
— O Teixeira é um profissional, Julia. — Dou um grande sorriso
para ela e arremato. — E eu também. Tudo vai dar certo.
Meu sorriso desaparece assim que viro as costas para ela. As coisas
podem não ser tão fáceis como quero fazer Julia acreditar.
Em questão de minutos Vinicius está pronto, com o cabelo penteado,
barba feita, extremamente cheiroso e gostoso dentro da calça jeans, tendo
apenas o peito musculoso à mostra. Eu? Bem, eu continuo deitada na cama,
como se não tivesse nada de mais importante a fazer do que admirar esse
homem maravilhoso.
 
— Seja honesta. — Ele arqueia a sobrancelha e aponta um dedo
inquisidor para mim. — Você roubou a minha camiseta?
 
Levo a mão ao peito, na melhor encenação de mulher ferida e
indignada e, obviamente, minto na cara dura.
 
— Que calúnia! Não tenho culpa se você é um bagunceiro capaz de
perder as coisas em um simples quarto de hotel.
 
Me levanto da cama, consciente da minha nudez e do efeito que
provoco nele, e me aproximo do seu corpo, deslizando as mãos por seu peito
e arrancando um gemido rouco dos seus lábios.
 
— Sua ladrazinha — ele murmura mantendo os olhos fechados. —
Eu vou acabar descobrindo que destino você deu à minha camiseta favorita.
 
— “Minha” camiseta, você quer dizer. — Fico na ponta dos pés e
mordisco o lóbulo da sua orelha enquanto ele desliza as mãos pelas minhas
costas até chegar à minha bunda. — Se você não soube cuidar dela, agora ela
é minha.
 
Dou um beijo estalado em seu ouvido, e Vinicius pula para trás, meio
assustado e meio rindo.
 
— Você é louca! — Sua risada é contagiante e começo a rir junto
com ele. — Anda logo, Julia. Troca de roupa para descermos juntos para o
café da manhã.
 
— Tá bem, tá bem. — Saio resmungando em direção ao banheiro do
meu quarto — Uma vez mandão, sempre mandão.
 
Trato de me apressar e, prendendo o cabelo em um coque, tomo um
banho rápido, sem me render aos encantos da ducha pela qual já me encontro
apaixonada. Assim que saio do banheiro, ouço Vinicius cantarolando e, meu
Deus, como ele é terrivelmente desafinado! Mas, levando em conta todo o
resto do pacote, acho que posso conviver com esse pequeno detalhe.
 
Sem pensar muito, visto a calça jeans e me enfio em uma camiseta
rosa, sem estampas, soltando o cabelo para em seguida penteá-lo com os
dedos. Dou uma olhada no espelho enquanto calço as sandálias e a mulher
que sorri para mim está radiante, plenamente consciente do efeito devastador
que Vinicius tem sobre ela. Sobre mim, sobre nós. Espera aí, me dá um
desconto porque estou meio confusa. Mas acho que deu para entender.
 
— Oh, Julia! — ele chama impaciente — A gente só vai ter meia
hora de café da manhã, pode se apressar?
 
— Posso sim, senhor! — Enfio a cara para dentro do quarto dele e
percebo que Vinicius desistiu de procurar a camiseta que eu roubei, optando
por uma preta com um jacaré na altura do peito.
 
— Finalmente! — Ele estende a mão e eu aceito a oferta,
entrelaçando meus dedos nos dele. — Vamos descer e enfrentar o mundo,
Dona Julia. Vamos juntos e sabe por quê?
 
— Por quê? — Deixo meus olhos mergulharem nos dele mais uma
vez, e acho que jamais vou me cansar dessa sensação de calor que ele me
causa.
 
— Porque, desde ontem, somos eu e você contra o mundo.
 
Epa! Como assim? O que esse cara quer dizer com isso?
 
Mas antes que eu possa fazer qualquer pergunta, ele me puxa para fora
da segurança do quarto, nos jogando no mundo real enquanto bate a porta
atrás de nós. Caminhamos em silêncio até o elevador e, segundos antes da
porta se abrir, eu abro a boca sem pensar.
 
De novo, não é mesmo?
 
— Olha... se você quiser soltar minha mão e fazer de conta que não
aconteceu nada, tudo bem. Eu...
 
— Cala a boca, Julia. — Sinto ele segurar minha mão com mais
firmeza. — Ou vou ser obrigado e beijar você.
 
— Até que não seria má ideia — resmungo baixinho, mas ele ouve e
cumpre a promessa.
 
Me perco em seus braços, derretendo com o toque macio dos seus
lábios e, quando estou prestes a me esfregar toda nele, a porta do elevador se
abre e somos saudados com uma salva de palmas.  Três dos empresários
estão lá dentro e, no fundo, Marcelinho com o braço em volta dos ombros de
uma loira estonteante.
 
— Olha só os pombinhos! — Gomes dá uma série de tapinhas
amistosos no ombro de Vinicius assim que entramos no elevador. — Por
quanto tempo vocês achavam que iam conseguir esconder esse namorico,
hein?
 
— Não tem nada para esconder. — A voz de Vinícius sai rasgando, e
ele desliza o braço pela minha cintura e completa. — Julia é uma mulher
para mostrar para o mundo e é exatamente isso que pretendo fazer.
 
Sinto o olhar de Marcelinho cravado em minhas costas e, quando
acho que não pode acontecer nada que vá piorar o clima dentro desse espaço
minúsculo que chamam de elevador, Vinicius olha por cima do ombro e
pergunta.
 
— O que houve com o seu olho, Jorge Marcelo? Se meteu em
alguma briga? — Ele dá um dos seus sorrisos charmosos e provoca: —
Quem ficou pior, você ou o outro cara?
 
— Ele brigou no estacionamento. — Quem responde é a mulher, um
sorriso gélido nos lábios. — Com o manobrista que amassou o meu carro.
Mas, a situação já foi resolvida, não é, amor?
 
Marcelinho concorda, acenando suavemente com a cabeça antes de
responder.
 
— Sim, já concordaram em demitir o infeliz. — Ele dá um sorriso
forçado. — Sabe, Vinicius, a gente precisa escolher nossas brigas com
cuidado para não sair perdendo. Entende o que eu digo?
 
— Sinceramente? — Sinto a mão de Vinicius apertando minha
cintura, como se quisesse me transmitir mais segurança do que ele mesmo
sentia. — Não faço a menor ideia.
 
O silêncio toma conta do elevador até chegarmos ao térreo, quando
todos se despedem e apenas nós dois vamos para o restaurante. Meu coração
bate descompassado e culpado, pois sei que a chance de Marcelinho
prejudicar Vinicius é enorme. Como se estivesse lendo a minha mente, ele
sorri suavemente para mim e me empurra em direção a uma das mesas
vazias.
 
— Tudo vai dar certo, Julia. Eu prometo. Agora vamos comer, saco
vazio não para em pé.
 
Aperto meus lábios com força, angustiada e sentindo uma leve
vontade de abrir o berreiro, chorar de ódio por tudo que aconteceu ontem, e
tendo o coração abarrotado de uma culpa que eu sei que não devo sentir.
Respiro fundo e decido me entregar às delícias do buffet, aproveitando tudo
desse fim de semana antes que seja tarde demais.
— Estou simplesmente abarrotada de comida. Não tem espaço para
mais nem um pãozinho — declaro enquanto passo a mão languidamente
sobre a barriga. Comi de tudo um pouco do que estava no buffet e, preciso
admitir, foi comida pra cacete. — Não sei se aguento sequer pensar em me
mexer, quem dirá caminhar na praia.
 
Vinicius sorri em silêncio, e sua mente parece estar em algum outro
lugar. Sou capaz de apostar que ele não ouviu uma palavra sequer do que eu
disse, então me inclino em sua direção e cutuco seu braço com a ponta da
unha.
 
— Mas se você quiser muito, eu arrasto meu belo traseiro pela areia
com você. — Ele parece sair do torpor e me dá um enorme sorriso. — Aí,
sim, o chefe que eu conheço e amo.
 
Antes que eu consiga me conter, essa palavrinha perigosa, de apenas três
letras, escapa dos meus lábios e eu sinto meu corpo enrijecer. Posso jurar
que estou suando debaixo das unhas de tanto nervoso, mas, se ele ouviu, se
fez de desentendido.
 
— Então, vamos. — Observo ele se levantar rapidamente e me estender
a mão. — Estou com muita vontade de sentar na areia e fazer de conta que
não tenho nenhum problema na vida, e que tudo que preciso está ao alcance
da minha mão.
 
Com essas palavras, ele aperta minha mão na sua e eu deixo que ele
me abrace, entregando-me, sem reservas, à sensação de ser importante na
vida de alguém. Na vida de Vinicius.
 
— Vamos sim, mas eu preciso dar um pulo lá em cima e pegar meu
celular. — Ele faz uma cara engraçada, como se o que eu havia dito não
fizesse o menor sentido, então tento me explicar. Ênfase no “tento”.
 
— É que eu preciso falar com a Lorena, ver se ela... — procuro
arrumar uma desculpa, uma ideia mirabolante, algum motivo plausível para
eu ter que ligar para minha amiga durante essa viagem — alimentou meu
gato.
 
— Gato? — Ele cruza os braços e dá uma risada, provando que falhei
na minha tentativa de enrolá-lo com minha suave mentirinha. — Que gato,
Julia? Estive no seu apartamento e não vi nenhum gato. Aliás, não vi nada
que denunciasse a presença de um animal de estimação.
 
— Ele... — Bufo com raiva da minha idiotice e entrego os pontos. —
Eu poderia, sim, ter um gato. Ele poderia estar escondido embaixo da minha
cama quando você chegou. O bichano poderia ser tímido e não ter dado as
caras. Mas, como você insiste em saber tudo que eu vou fazer, informo que
vou ligar para a Lorena e dizer que você é uma máquina de sexo e que eu só
penso em dar pra você, todos os minutos do dia, parando apenas para chupar
seu pau maravilhoso. Satisfeito?
 
Sinto meu rosto pegar fogo, mas mantenho os olhos fixos nos dele,
plena.
 
— Nem um pouco satisfeito. — Vinicius deixa escapar por entre os
dentes. — Mas não pense que é pelo fato de você querer contar tudo para sua
amiguinha, e sim porque agora quem não vai parar de pensar em tudo isso
que você falou, sou eu. E isso vai transformar nosso passeio na praia em algo
extremamente doloroso, ou muito interessante.
 
Ele me pega pelos ombros e me vira na direção dos elevadores,
dando uma leve palmada na minha bunda.
 
— Vai logo — incentiva, falando baixinho ao meu ouvido: — Conta
tudo pra ela, em detalhes. Assim, quando você voltar para mim, estará
excitada e bem molhada, do jeito que eu gosto.
 
Dou uma risada meio nervosa, mas me apresso em direção ao elevador,
que está com a porta se fechando.
 
— Segura a porta! — grito desesperada pensando no tempo que vou
perder esperando por outro elevador.
 
A porta permanece aberta e, assim que coloco os pés para dentro, dou de
cara com a esposa do Marcelinho, mantendo o botão pressionado com a
ponta da bela unha de porcelana, esmaltada com aquela cor nude que só
gente rica consegue manter intacta.
 
— Ah — digo sem graça. — Bom dia.
 
— Bom dia. Julia — ela sorri de uma forma muito estranha e
confirma —, não é mesmo? Eu sou a esposa do Jorge Marcelo, Carina.
 
Fico esperando que ela me estenda a mão, mas a loira simplesmente
solta o botão do elevador e se recosta na parede, os braços cruzados
suavemente sobre o peito, me analisando friamente, o que me deixa
incomodada.
 
— Prazer em conhecê-la — respondo com um imenso sorriso, mais
falso do que nota de três reais. — Está aproveitando a estadia?
 
— Sim, tem sido bastante proveitosa. — Ela me olha da cabeça aos
pés e completa: — Confesso que imaginava você totalmente diferente, Julia.
Mais baixa, com cabelos curtinhos, estilo mignon. Algo que tirasse o Jorge
Marcelo da zona de conforto. Mas, chego aqui e dou de cara com você, uma
versão mais despojada de mim, e tenho que admitir que estou surpresa.
 
Meu coração começa a bater descompassadamente e me pego
pensando que essa mulher, elegante e calculista, pode me matar dentro do
elevador sem sequer descer do salto. Mas, antes que eu possa abrir a boca e
cuspir algumas palavras sem sentido, Carina continua.
 
— Espero que tenha aproveitado bastante o seu tempo com ele, assim
como está aproveitando com aquele belo exemplar masculino que você
chama de chefe. As boas coisas da vida não duram para sempre, você sabe,
certo?
 
O elevador chega até o andar dela e Carina vira as costas para mim,
dizendo enigmaticamente.
 
— Depois não vá dizer que não te avisei.
 
E me deixa para trás, sem conseguir entender o real significado dessa
conversa enquanto o elevador segue subindo em direção ao meu andar.
 

 
— Tô te falando, Lorena. — Suspiro apertando o celular contra o
ouvido.  — O Marcelinho é sobrinho do Teixeira. Não tenho por que mentir
para você.
 
— Ah, pra puta que o pariu, né, amiga? — Não consigo segurar a
risada, Lorena tem esse efeito em mim. Tudo pode estar uma merda, mas
quando ela desanda a falar e a xingar, parece que as coisas vão se ajeitar. —
Eu sempre te disse que esse cara era um merda e que você tinha que cair
fora do caminho dele. Te dizia isso mesmo sem nunca ter colocado os olhos
nele. Onde já se viu? Um cara que diz não ter rede social! Só podia estar
escondendo algo.
 
— Ah, falou a senhorita “não tenho redes sociais” — rebato ainda
gargalhando. — Isso quer dizer que você está escondendo algo?
 
— Mas é óbvio! — ela confessa sem nenhuma culpa. — Estou
escondendo toda uma vida íntima e pessoal que não interessa a
absolutamente ninguém. Onde já se viu!
 
Sei que a indignação de Lorena é falsa, pois ela não dá a mínima para
o que os outros pensam. Na verdade, minha amiga é muito reservada sobre
sua vida pessoal e raramente fala da família, com quem vive às turras. Nunca
fui até o apartamento dela, nem mesmo para deixá-la após uma noite regada
a cerveja. Tenho mil teorias sobre a vida pessoal de Lorena, mas eu gosto
tanto dela que resolvi não me importar com isso, afirmando intimamente
que, quando ela sentir vontade, vai me contar tudo.
 
Eu, por outro lado, não sou baú para guardar segredos e conto tudo a
ela, em detalhes e sem nenhuma vergonha. Motivo pelo qual estamos agora
debatendo meu encontro com a esposa do Marcelinho no elevador.
 
— Julia — o tom suave de Lorena me tira do devaneio —, você sabe
que não pode se culpar, certo? Pode parecer clichê, mas você não sabia que
esse cretino era casado.
 
— Eu sei, Lorena, mas mesmo assim me dá um friozinho no
estômago sabe? Que além dele, o pai e o meu porteiro também sabiam que
eu estava sendo enganada. Eu já te falei que eu moro no prédio do pai dele,
né?
 
— Falou sim. E eu deveria... — Ela faz uma pausa e bruscamente
muda de assunto. — Só pare de se culpar, Julia. E me conta o que tá rolando
aí com o chefe grosseirão. Já deu pra ele ou ficou embevecida com o babaca
do Marcelinho.
 
Eu consigo ouvir Lorena digitando furiosamente do outro lado da
linha e, incomodada, pergunto:
 
— Mas você vai prestar atenção ou vai continuar nesses aplicativos
de encontros que você tanto ama?
 
— Não fode, Julia. Tô mandando um e-mail pro meu velho. — Eu rio
baixinho do jeito que ela usa para se referir ao pai. — Preciso que ele me
ajude a resolver uma parada séria. Aliás, se não fosse sério eu jamais
pediria nada a ele.
 
— Sei, sei. — Faço uma voz grossa e repito o discurso que Lorena
dizia ser padrão do seu pai. — Uma garota tão bonita e talentosa que se
contenta em trabalhar em um escritório qualquer. Que desgosto, Lorena, que
desgosto.
 
— Exatamente assim. — O barulho das teclas cessa e ela pergunta.
— Já deu pro Vinicius ou ainda tá regulando essa mixaria?
 
— Ah, amiga... — Fecho os olhos e suspiro com força. — Dei e dei
muito. E se tudo continuar correndo bem, vou dar ainda mais.
 
Explodimos em gargalhadas e conto tudo para ela, inclusive o fato de
Vinicius ter pedido para eu namorar com ele e toda a história sobre sexo
anal.
 
— Você tá brincando comigo, Julia! — Lorena explode em uma
gargalhada. — O Senhor Bronquinha é um homem romântico e de
princípios? Ou isso tudo é papo pra boi dormir e ele está te enrolando?
 
— Não quero saber, Lorena! — Sento-me na cama e calço minhas
sandálias. — E não vou continuar falando sobre isso agora. Vou é correr pra
praia e me divertir enquanto eu posso. Sabe-se lá o que aquela infeliz quis
dizer com a frase enigmática do elevador.
 
— Verdade.  Bem, eu vou aproveitar e sair para encontrar meu
velho. Resolver esse problema inesperado.
 
— Ih, deu ruim aí na sua família?
 
— Quando não dá amiga? Esse povo só faz merda e eu vivo para
limpar as cagadas deles. Um dia vou te contar tudo. Agora deixa eu ir e vai
aproveitar esse sapo que parece ter virado príncipe encantado.
 
— Tá bem, Senhorita Mistério. Nos vemos na segunda.
 
— Não tenha dúvida disso, Julia. Ei — ela me chama com a voz
séria —, você sabe que é minha melhor amiga, não sabe?
 
— Sou?
 
— Deixa de graça. É sim, e sou capaz de matar uma pessoa para te
ajudar. — Ela riu e completou: — E se eu for presa, lembre-se de levar
chocolates para mim. Beijo.             
 
Lorena desligou o telefone, me deixando com uma sensação estranha
dentro do peito. O que essa doida estava tramando?
 
Desligo o telefone um tanto encucada com Lorena e seus segredos,
mas, como não posso fazer nada nesse exato momento, decido viver a minha
vida. Largo o celular na cama e olho pela janela, admirando o mundo lá fora.
O sol já está alto no céu e não vai ser nada fácil caminhar na praia usando
jeans e camiseta, então opto por trocar por um vestido leve, de alças largas e
saia ampla.
 
Dou uma conferida no espelho e, satisfeita com o que vejo, saio
correndo em direção ao elevador, batendo a porta do quarto atrás de mim.
Dessa vez, nenhuma surpresa desagradável me aguarda e chego sã e salva
até Vinicius que está sentado confortavelmente lendo uma revista.
 
— Demorei! Foi mal! — Inclino-me em sua direção e beijo seu nariz.
 
— Ei — ele me segura, seus olhos perdidos dentro do decote do meu
vestido —, não se afaste tão rápido. Quero dar uma olhada aí dentro.
 
Vinicius me puxa para o seu colo e sinto seu pau pressionado contra
minha bunda. Eu ainda vou morrer por causa desse homem, te juro.
 
— Agora você não pode mesmo se mexer, Julia, ou vou dar um
espetáculo levantando com o pau duro.
 
— Mas, se eu não levantar, esse negócio aí — aponto com o queixo em
direção à sua virilha — nunca vai amolecer.
 
— Tá certa. — Ele me solta e eu logo me arrependo. — Vai, senta
aqui do lado e vamos falar sobre coisas desagradáveis...
 
— Ah, sim, isso é fácil. — Escorrego para o lado e dou um sorriso
amarelo para ele. — A esposa do Marcelinho pegou o elevador comigo.
Super constrangedor.
 
— Pronto! Conseguiu, Dona Julia. — Ele fecha os olhos e larga a
revista na mesinha. — Meu tesão acabou de sumir.
 
— Bem, pelo menos você não pode dizer que eu não sou eficiente!
— Dou uma risada irônica e ele me devolve um olhar bastante irritado, que
me deixa com vontade de montar no colo dele novamente e só sair quando
aquela ruga entre seus olhos tiver desaparecido.
 
— Tudo bem, tudo bem. — Ele olha ao redor, procurando algo ou
alguém e logo desmancha a cara amarrada, olhando-me com um sorriso
convidativo. — Vamos logo dar essa volta na praia? A reunião ficou
agendada para durante o almoço, e já pedi para montarem um buffet em uma
das salas de reunião.
 
— Mas, por que a pressa? — Fico incomodada pois quanto mais rápido
tudo for resolvido, mais rápido voltamos ao Rio e eu não sei muito bem o
que vai acontecer com esse romancezinho uma vez que pisarmos na Cidade
Maravilhosa.
 
— Porque eu preciso de definição, Julia. Tudo na minha vida sempre
foi assim pois eu não sei trabalhar com suposições. Não posso passar mais
um dia inteiro supondo que o Marcelinho vai sabotar todo o nosso trabalho,
ou mesmo que você vá pular fora disso tudo que está acontecendo entre nós.
— Ele me olha e dá de ombros, entregando os pontos sem nenhuma
vergonha ou reserva. — Eu estou realmente apaixonado por você, muito
mais do que jamais fui por qualquer mulher. Tão apaixonado que chego a
não me importar se vou ter que juntar minhas coisas assim que voltarmos
para o Rio e procurar um novo emprego. Simples assim.
 
Opa, opa, opa, produção!  Em que momento isso tudo aconteceu? Eu
ainda tenho, dentro do meu cérebro, todas as ocasiões em que Vinicius me
destratou, foi grosseiro e todo o resto. Então, me explique, porque raios sinto
meus joelhos amolecerem quando ele me olha com esses olhos azuis cheios
de sentimentos?  Não sabe, né?  Pois nem eu!
 
— Não me olhe assim, não estou louco. — Ele continua antes que eu
tenha a chance de falar alguma coisa: — Pode parecer que estou apressando
as coisas, e talvez esteja mesmo, mas eu sou assim. Eu já tinha um tesão
imenso em você desde aquela vez que te vi no elevador. Mas, depois de
conviver com você e perceber como você é espontânea e até um tanto louca,
me peguei sonhando em voltar para casa todos os dias e te encontrar me
esperando. E sim, eu sei que fui um babaca, um grosseirão… Mas espero
que você me dê uma chance de me explicar e provar que sou muito melhor
do que isso.
 
Seus lábios se curvam em um sorriso diferente de todos que eu já vi
durante nosso tempo juntos. É quase como se ele fosse um adolescente
tímido, sorrindo para a mulher da sua vida. Nesse caso, essa mulher sou eu,
muito prazer, Julia Saldanha, a sortuda do ano.
 
— Por que você não me conta agora? — Ele nega com a cabeça. —
Será que você tem algum segredo obscuro que acha ser capaz de me afastar
de você? Porque, assim, eu também estou gostando muito de passar esse
tempo com você, conhecendo o Vinicius que ninguém no escritório sabe que
existe.
 
— Agora não, Julia. — Ele se levanta e pega minha mão, puxando
meu corpo em sua direção. Sinto seu perfume me rodear e respiro fundo,
fechando os olhos enquanto ele me abraça. — Não quero encher nosso dia
de histórias tristes e mal-acabadas. Tudo isso pode esperar enquanto
aproveitamos nosso passeio na praia.
 
O tom dele é decidido e eu me calo. Sim, também me assusto com essa
atitude inesperadamente adulta da minha parte, mas me calo de verdade.
Parece que as palavras passam a ser desnecessárias no momento em que ele
envolve minha mão na sua e saímos caminhando em direção ao mar azul de
Angra dos Reis. 
 
Em questão de minutos, deixamos o hotel e o seu burburinho para
trás, poucas pessoas estão espalhadas pela areia, sentadas confortavelmente
em cadeiras reclináveis tendo drinks coloridos nas mesas ao seu lado. Vejo
um par de cadeiras vazias e faço menção de puxar Vinicius até elas, mas ele
me ignora, e continuamos andando em silêncio, deixando as pessoas para
trás até que ficamos apenas nós dois e o barulho das ondas, transformando
aquela faixa de areia em nossa praia particular.
 
— Só mais uns minutos, tudo bem? — Ele me puxa para junto do seu
corpo, passando o braço pela minha cintura e eu sinto mais uma parte de
mim derreter.
 
— Tá. — É tudo que consigo dizer. Meus olhos se perdem na beleza
daquele lugar, meus ouvidos recheados com os sons do mar e meu coração
batendo descompassado no peito.
 
Antes que vocês achem que eu sou louca ou simplesmente uma mulher
carente, preciso contar que todos os homens que tive na minha vida foram
embustes, culminando com o crápula do Marcelinho. Mesmo que tudo isso
que estou vivendo com Vinicius nesse fim de semana acabe se provando
mais uma mentira, isso é o mais próximo do conto de fadas moderno que eu
já estive.
 
Nunca viajei com um namorado, nunca fui apresentada à família ou
mesmo a amigos que realmente importassem. Eu era aquela do barzinho, do
motel, do “sem compromisso”. Lorena diz que é porque eu tenho uma pose
de descolada demais, tentando fazer de conta que não me importo com essas
coisas de romance. Ela tem razão, pois sempre achei que, quanto menos
demonstrasse que queria muito namorar, mais fácil seria o cara se apaixonar
por mim.
 
Nunca deu certo. E, mesmo agora depois dessa declaração súbita de
Vinicius, ainda acho que não vai dar certo. Por isso estou disposta a
aproveitar todos os minutos, sendo fácil ou qualquer outro nome que a
sociedade use para rotular mulheres que só querem ser felizes.
 
Estou perdida nesses pensamentos e mal percebo que chegamos a
uma parte da praia onde a areia começa a se misturar com uma grama baixa
e muito bem cuidada. Meu olhar é atraído para uma pequena construção que
me lembra os antigos coretos das praças de cidades pequenas, mas assim que
chegamos mais perto, percebo que é uma grande cama, com um dossel
imenso e cortinas transparentes que fingem cobri-lo. De um lado da cama,
uma mesa de madeira rústica apoia um grande recipiente cheio de bebidas e,
do outro lado, em uma mesa idêntica, uma travessa cheia de frutas.
 
— Bem-vinda, Dona Julia. — Ele estica o braço, mostrando aquele
pedaço de paraíso com um certo orgulho. — Bem-vinda ao nosso jardim
secreto.
 
Olha só, meu povo, quase enfartei, viu?
 
Pensa comigo: um homem lindo, uma praia deserta, uma cama
enorme, bebida e comida e ninguém por perto para atrapalhar nossa vida.
Morri e tô no paraíso... Só falta mesmo meu pãozinho com mortadela, mas
isso posso deixar pra comer quando voltar pra casa, não é mesmo?
 
— Você ficou muda. — A voz dele me tira do transe. — Ou detestou
tudo que montei, ou está tão encantada que é capaz de dizer que também está
apaixonada por mim.
 
— Calma aí, moço. — Respiro fundo e, soltando sua mão, corro em
direção à cama e me jogo nela. — Vamos parar com essa coisa de paixão pra
lá e pra cá, e aproveitar tudo isso que temos ao nosso dispor.
 
Chamo-o com os dedos e ele caminha na minha direção. Se algum
dia um homem antes dele me deixou molhada só de andar até a cama onde
estou deitada, francamente não me lembro. Para mim, essa é a primeira vez,
assim como várias coisas que tenho experimentado e sentido quando estou
com ele. Uma sucessão de “primeiras vezes” que eu gostaria que não
terminasse nunca.
 
Apoio os calcanhares na beirada do colchão, as pernas abertas dando
espaço para que ele se encaixe no meu corpo. Vinicius desliza as mãos pelas
minhas coxas, levantando o meu vestido até seus dedos encontrarem minha
calcinha.
 
— Aí está ela — ele tem um sorriso travesso no rosto enquanto puxa a
pequena peça de renda para baixo —, estou tentando adivinhar a cor dela
desde que você saiu do elevador.
 
— Amarela. — A palavra escorrega dos meus lábios no momento em
que ele consegue tirar a calcinha do meu corpo, fechando-a dentro da sua
mão e levando-a até o rosto. Vejo Vinicius mergulhar o nariz na renda
amarela e sinto um calor imenso entre minhas coxas, que logo se espalha
pelo meu corpo quando ele enfia a calcinha no bolso da bermuda.
 
— Minha. — Eu confirmo com a cabeça, mas ele ri. — Não, sua doida,
essa calcinha vai ser minha.
 
Ele se inclina e, posicionado entre minhas pernas, toma minha boca
na sua, em um daqueles beijos molhados e demorados. Meu corpo reage ao
toque dele e, instintivamente, coloco minhas mãos em seu pescoço,
segurando-o com firmeza e puxando nossos corpos em direção aos lençóis
extremamente macios daquela cama extravagante. Ele, assim como eu, não
oferece resistência e me dedico a sugar seu lábio inferior, mordiscando-o e
puxando-o, enquanto ele se livra da calça e da cueca, levantando ainda mais
o meu vestido para que nossos corpos possam se encontrar livres de
obstáculos.
 
— Vinicius — a voz de Fernanda Montenegro surge em um canto
obscuro e nublado do meu cérebro —, e se alguém nos ver?
 
— Ninguém vai vir até aqui, Julia. Paguei um bom dinheiro por esse
pedaço de paraíso e pelo segurança que está na orla. — Sinto sua língua
tocando a curva do meu pescoço, e um suspiro escapa dos meus lábios
entreabertos. — Somos só eu e você, e todos os nossos desejos e vontades.
 
— Perfeito. — Empurro-o para longe e, ficando de joelhos, me livro do
vestido, jogando-o aos pés da cama.
 
Meus cabelos descem soltos pelas costas e algumas mechas tentam,
sem sucesso, cobrir o bico do meu seio. Vinicius tira a camisa e seus olhos
estão fixos no meu rosto, fazendo com que eu morda o canto da boca em
antecipação ao que está por vir. Em silêncio ele estica a mão e, suavemente
afasta o cabelo do meu mamilo, deixando que seus dedos brinquem com a
minha pele sensível.
 
— Você é linda — ele fala, um ar sério e pensativo em seu rosto. —
Linda demais para meu próprio bem, Julia.  Acho que vou ter muito trabalho
mantendo você ocupada e pensando somente em mim.
 
Sinto seus dedos se fecharem suavemente no bico do meu seio, e um
arrepio percorre meu corpo. Lembram do que falei sobre primeiras vezes?
Essa é uma das coisas que ele está me ensinando, o poder sexual de ter seu
mamilo preso entre um indicador e um polegar extremamente hábeis. Não
existe dor, existe um tesão insuportável quando ele aperta um pouco os
dedos sem tirar os olhos dos meus, me observando arfar e arquejar o corpo.
 
— Acho que você está indo pelo caminho certo. — Com muito esforço
consigo dizer algo que faça sentido, antes de me deixar levar pelas emoções
e sensações.
 
E são muitas, pois ele me beija novamente e, enquanto segue
acariciando meu seio desse jeito totalmente novo para mim, desce a mão
pelas minhas costas, chegando até a base da minha coluna e me puxando de
encontro ao seu corpo.
 
Sinto seu pau, alerta e totalmente pronto para o combate, roçando em
mim e sei que naquele instante tudo que quero é sentir ele em mim, me
fazendo sua em todos os sentidos. Não quero esperar, não quero gentilezas
ou promessas. Quero o real, o momento, e isso significa Vinicius. Me jogo
na cama e ele me acompanha, sua boca rapidamente tomando o lugar dos
dedos, e ele chupa meu mamilo com força, com vontade e me deixa com
muito tesão.   Deixo meus dedos se enfiarem em seu cabelo macio e, quando
o puxo na direção a minha boca, ele não resiste. A verdade é que ele perdeu
a vontade de ter controle sobre seu corpo no momento em que minha língua
avançou contra sua boca, tomando-o como ele já havia feito comigo outras
vezes.
 
Envolvo sua cintura com as minhas pernas mas ele se afasta por um
breve momento, pegando o preservativo no bolso da calça e vestindo-o
rapidamente para logo voltar para mim. Subo as mãos por seu peito, minhas
unhas arranhando-o de leve e ele reage instintivamente, se posicionando,
pronto para me penetrar. Sei que estou entregue a ele, que quando me olha
ele vê uma devassa, safada e sem pudores, e nada nunca fez tanto sentido
para mim. Passo a língua pelos lábios, um convite para que ele entre, e assim
ele faz, deslizando lentamente seu pau para dentro de mim. 
 
Não existe mais nada ao meu redor. Nem mar, nem pássaros ou sequer o
receio de alguém nos ver. Só existe Vinicius e o movimento ritmado dos seus
quadris contra os meus, seus dedos enfiados nos meus cabelos, a respiração
contra a curva do meu pescoço e a quantidade absurda de pornografia que
ele sussurra ao meu ouvido.
 
Rebolo junto com ele, e a sensação é indescritível.  Se eu acreditasse em
destino, almas gêmeas e toda essa coisa, diria que ele havia sido feito para
mim e que, agora que nos encontramos, tudo estava perfeito.  Mas, ao invés
disso, fecho os olhos e me concentro nas coisas diabólicas que ele está
fazendo com o meu corpo, sua língua de volta ao meu mamilo e a mão
apertando minha bunda.
 
Quando ele escorrega o dedo em direção ao meu “lugar nunca antes
explorado”, me preparo para reclamar, porém ele é mais rápido e em uma
junção de movimentos que eu jamais serei capaz de explicar, me faz gozar
em alto e bom som, deixando meu corpo mole e satisfeito “fazer casa em
seus braços”, igual àquela canção do Legião Urbana.
 
Sem sair de dentro de mim, ele rola nossos corpos na cama, me
colocando por cima dele, e acaricia meus cabelos em silêncio. Sinto que
ainda está duro e longe de terminar o que começamos, e com isso desço a
boca até o seu mamilo, beijando-o e lambendo-o.
 
— Puta que o pariu, Julia. — Ele suspira. — Não faz assim que eu
não aguento.
 
— Você não gosta? — pergunto com a boca grudada em seu corpo.
 
— Eu adoro.
 
Seus dedos seguem brincando com meus cabelos e eu continuo a
acariciar seu peito, mexendo suavemente meus quadris e sentindo o pulsar
de Vinicius dentro de mim. Apoio as mãos nele e me ergo, ficando montada,
as pernas apoiadas nas laterais do seu corpo, e sigo com o movimento dos
quadris, cavalgando Vinicius enquanto brinco com seu mamilo da mesma
forma que ele brincou com o meu.
 
Não existe a necessidade de palavras, e ele segura minha cintura com
as mãos, deixando que eu dite o ritmo da trepada. E assim eu faço, rápido e
forte, lento e suave, movimentos que me deixam no comando e cheia de
prazer. Não sei quanto tempo passarmos nessa dança até que ele se senta na
cama, mantendo meu corpo preso em seus braços e acelera os movimentos
enquanto morde meu lábio com desejo para, em seguida, me dar um beijo
desesperado.
 
Vinicius goza enquanto eu sugo sua língua naquela cama perdida no
meio de uma praia de Angra dos Reis, e nada na minha vida foi tão excitante
quanto isso.
 
Quando afirmei a Julia que preciso de definição, não estava
mentindo. Desde que Penélope me mostrou como o amor pode ser uma
merda, eu tratei de criar algumas regras e, definir relacionamentos — sejam
eles comerciais ou emocionais — é uma delas. A mais importante de todas,
para ser exato. Tenho outras regrinhas, mas não vêm ao caso no momento.
 
O fato de estar apaixonado por essa mulher que me deixa maluco, em
todos os sentidos, e disposto a passar muito tempo da minha vida com ela,
não me ajuda nem um pouco, mas não quero ser surpreendido novamente e
foi por isso que não contei toda minha história com a Pê para Julia ainda.
Não quero que ela saiba o quão idiota e cego eu fui. Você pode achar que é
imaturidade da minha parte, mas eu não estou nem ligando.
 
Agora, deitado na cama com ela enrolada no meu corpo e som das
ondas batendo insistentemente dentro da minha cabeça me pego pensando
nas idas e vindas da minha vida, e em como eu consegui ser cego e estúpido,
deixando que Penélope me enganasse placidamente. A cabeça de Julia está
pesando no meu peito e isso me faz ter certeza de que ela adormeceu. Isso e
um barulho insistente de motorzinho que ela faz quando dorme. Você vai me
achar muito estranho se eu contar que acho um pouco sexy saber que ela
ronca? Calma, vou explicar.
 
Penélope era perfeita. Não roncava, não tinha dor de barriga, não se
coçava. Era como uma perfeita boneca Barbie saída dos meus sonhos, uma
modelo, magra e loira, que havia nascido para realizar todos os meus desejos
juvenis. 
 
Ah, dá um tempo e para de me julgar!
 
Eu era um jovem, apaixonado, que nunca tinha convivido com
nenhuma outra mulher além da minha mãe e da minha irmã. Aliás, foi por
causa de Vitoria e seus hábitos extremamente nojentos — como palitar os
dentes, cutucar o nariz e insistir em campeonato de peido — que fiquei
encantado com a perfeição de Penélope. Minha irmã sabia exatamente o que
fazer para me tirar do sério, logo nada mais confortável para mim do que
partir na direção oposta.
 
E Penélope se encaixou direitinho em todos os padrões pré-
concebidos que eu havia formado em minha mente para a mulher perfeita.
Durante um ano inteiro ela esteve sempre no alto de um pedestal, e eu a
adorava e comprava presentes caros e ainda pagava algumas de suas contas
com o dinheiro que fazia dando aulas particulares.
 
Ou seja, eu fui um bosta. Mas quem aí nunca foi?
 
Quando Bernardo entrou no meu quarto e fechou a porta atrás de si
sem dar um pio, eu sabia que tinha dado merda. Só não contava que tinha
sido eu a me foder. Meu amigo estava sem jeito e só depois de muito enrolar
começou a desfiar o rosário de lamentações. Sobre como ele se sentia mal
em ter que me contar a verdade. Sobre o fato de ele mesmo ter sido alvo
daquela com a qual eu já sonhava em casar. Minha cabeça doeu tanto que
quando ele finalmente abriu o bico e me disse que além de ter saído com os
outros caras, Penélope havia dado em cima dele descaradamente, eu ainda
levei alguns minutos para entender.
 
Para piorar a situação, ele começou a chorar de nervoso, porque a Pê
tirou a roupa na frente dele e se esfregou nele fazendo com que ele saísse
correndo do quarto. Hoje em dia a gente faz piada sobre isso, mas na hora,
cara, eu quase morri.
 
Se ao menos isso fosse tudo...
 
A parte mais desgraçada de tudo foi que ela havia me contado uma
história triste, daquelas de partir coração de gelo. Envolvia a avó dela que
estava doente e uma imensa lista de exames e remédios que a velhinha tinha
que tomar. Ela era minha namorada e nada mais justo do que eu a ajudar,
certo?
 
E com isso ela levou toda a grana que meus pais tinham colocado na
minha caderneta de poupança e ainda me convenceu a fazer um empréstimo
estudantil, o qual paguei por longos cinco anos depois dela ter ido embora. 
Com um professor da faculdade.
 
Sem contar que eu e os outros caras viramos motivo de chacota no
campus da Universidade, o que não tornou minha vida muito fácil.
 
Todo esse caso com a Penélope me fez desconfiar de todas as
mulheres que se aproximavam de mim, principalmente depois que comecei a
galgar os degraus do sucesso e construí um pequeno patrimônio, capaz de
me dar segurança para o resto da vida.
 
O que me leva à minha segunda afirmação. Também falava a verdade
quando disse que não me importava se tivesse que procurar outro emprego.
Mas ela tem que estar comigo, pois depois que me perdi no meio das suas
coxas está bem difícil imaginar uma vida sem Julia.
 
Dinheiro guardado eu tenho, e capacidade de trabalhar também.
Além do mais, o rebelde que existe em mim sempre quis ter seu próprio
negócio, coisa que faz Bernardo puxar vômito todas as vezes em que toco no
assunto. Meu amigo gosta de tudo muito certo e regrado e só de pensar em
não ter um salário fixo no fim do mês, ele corre o risco ter um enfarto. De
verdade.
 
Estou perdido nessas lembranças, minha mente tentando planejar a
melhor forma de contar um pouquinho do meu passado vexaminoso a Julia,
quando sinto seus lábios beijarem meu queixo.
 
— Ei, gatão. — Dou uma risada pois há muitos anos ninguém me
chama de gatão. — Acho que dormi.
 
— Eu tenho certeza. — Beijo sua testa e com um sorriso diabólico
completo. — Pelo barulho que estava fazendo, achei que estava em processo
de transformação zumbi.
 
— Meu Deus! — Observo seus seios balançarem suavemente
enquanto ela se senta na cama. — Mas é muito nerd, Jesus. Não sei se vou
aguentar.
 
Ela me olha por cima do ombro, um sorriso lindo iluminando seu
rosto e os cabelos caindo soltos pelas costas como uma cascata. Me pego
pensando em poemas românticos e logo percebo que jamais deixei de ser
aquele mesmo idiota sensível que se apaixonou por uma espertalhona. Estico
a mão e pego uma mecha dos seus cabelos entre meus dedos enquanto
declaro.
 
— Cuidado, Dona Julia. Esse nerd ainda pode te surpreender. —
Puxo-a pela cintura e mordo seu ombro. — Novamente. Já fui grosso,
tarado, indecente e agora, romântico. Quem sabe o que mais te aguarda?
 
Ela sai da cama gargalhando e enfia o vestido pela cabeça enquanto
responde.
 
— Acho que nunca vou me cansar das suas surpresas, Vinicius.
 
Acabamos de nos vestir em silêncio e, segurando a mão dela
firmemente na minha, seguimos rumo à reunião que pode acabar com a
minha carreira. E, por mais incrível que pareça, não estou com tanto medo
quanto achei que estaria. Efeito Julia, talvez, mas quem se importa?
 
 

Se eu pudesse fazer um pedido ao Universo, com certeza seria por mais dias
como esse. 
 
Enquanto caminhamos de volta ao hotel, deixando nosso pedaço de paraíso
para trás, Vinicius mantém minha mão presa na sua e o calor que seu corpo emana
faz com que eu me sinta viva. Claro que ainda tenho muitas dúvidas sobre o futuro
desse relacionamento inconsequente, mas decido colocá-las de lado e viver todos os
momentos da forma mais leve possível.
 
Fazemos todo o percurso em silêncio, como se as palavras pudessem quebrar
a sintonia que se estabeleceu tão rapidamente entre nós. Me pego pensando em
como as pessoas levantam muralhas e vestem armaduras para se proteger das outras,
que seguem ferindo sentimentos e magoando corações em sua incansável busca por
estabilidade emocional. Meu pensamento voa tão alto que, quando percebo, já
estamos em frente ao hotel e Vinicius abre a porta da recepção para me deixar
entrar, colocando sua mão em minhas costas e me empurrando para dentro.
 
Não quero mesmo entrar. Quero ficar do lado de fora, naquele canto de praia
com a cama dos meus sonhos e esse homem maravilhoso, mas não ofereço
resistência. Sei que temos negócios a serem resolvidos e a sombra da ameaça de
Marcelinho pesa sobre nossas cabeças.
 
— Banho rápido e descer para comer? — ele pergunta com um sorriso.
 
— Banho bem rápido mesmo — concordo me sentindo aliviada por ele não
ter mudado o jeito de falar comigo. — Eu no meu quarto e você no seu. Sem
gracinhas.
 
Vinicius levanta as duas mãos em sinal de rendição e entramos no elevador.
Aproveito para abraçá-lo e sussurrar contra seu peito.
 
— Vai dar tudo certo, você vai ver.
 
— Vai sim, Dona Julia. — Ele beija o topo da minha cabeça e completa: —
Não tem como dar errado.
 
Assim que passamos pela porta do quarto, deixo meus olhos vaguearem mais
uma vez por toda a bagunça que ele fez. Parece que estamos no meio de um tsunami
com roupas espalhadas por todos os cantos enquanto o notebook, livros e muitas
folhas de relatório parecem prestes a cair da mesa no canto do quarto. Sacudo a
cabeça, rindo por dentro e vou para o meu quarto, enquanto ele toma o rumo do
chuveiro, deixando a porta de comunicação aberta.
 
Meu banho é rápido e em menos de vinte minutos estou sentada na beira da
cama, penteando os cabelos e já enfiada no vestido verde que deu origem a toda essa
loucura na qual me encontro. Largo a escova na cama e fecho os olhos, pedindo
mais uma vez que tudo dê certo e que a empresa do Marcelinho não abandone o
projeto. Claro que, se ele conseguir isso, o Gomes vai fazer uma oferta e na teoria
tudo vai se acertar. Mas não passa mesmo de teoria porque o presidente da empresa
frisou em vários comunicados a importância de conseguir o apoio do Teixeira nessa
empreitada. Ou seja, era ele ou a incerteza do futuro profissional de Vinicius. E tudo
isso por causa do Marcelinho e seus atos inconsequentes.
 
— Posso ouvir sua cabeça funcionando daqui, Julia. — Vinicius repete a frase
de antes, e que ele parece gostar tanto. — Pare com isso, mulher! Está tudo bem,
nada que possa acontecer vai ser ruim para mim.
 
— Tá bem — respondo sem me mexer. — Vou acreditar em você. Mas se
você perder seu emprego não venha me pedir para fazer faxina lá em casa.
 
E lá vou eu, abrindo minha boca cheia de graça. Vinicius entra no meu
quarto ajeitando a gravata e com uma expressão intrigada no rosto.
 
— Quer dizer que me imaginar fazendo faxina na sua casa te dá tesão?
 
— Meu querido — dou um suspiro e me levanto para ajudá-lo com a gravata
como se fossemos um velho casal apaixonado —, só de imaginar minha casa limpa,
louça lavada e você me esperando pronto para o abate, já fico com os joelhos moles.
 
Ele me puxa pela cintura e sinto uma certa coisa dura contra meu corpo. Mas
será o Benedito que esse homem não conhece limites?
 
— Mas já? — Olho para baixo com uma cara de espanto, real e oficial. —
Como você consegue?
 
— Eu não tenho nenhum controle sobre meu pau quando você está por perto.
Ainda não entendeu isso, Julia? — Vinicius deposita um beijo suave nos meus
lábios e me solta. — Mas vai entender. Tenho certeza que vai.
 
Ele dá uma última conferida no espelho do meu banheiro e parece satisfeito
com o que vê, assim como eu. Sem dar mais nenhuma palavra, ele abre a porta do
meu quarto e espera que eu passe, dando um tapa rápido na minha bunda e me
arrancando uma gargalhada nervosa.  Repetimos o silêncio da caminhada anterior e,
quando chegamos ao hall do hotel uma cena nos faz parar repentinamente.
 
Na frente do balcão da recepção estão Marcelinho e sua esposa, com uma
mala de rodinhas ao seu lado. Meu coração dispara diante da possibilidade de ele ir
embora sem ao menos assistir nossa apresentação e olho nervosa para Vinicius que
apenas sacode a cabeça para que eu caminhe em direção às salas de reunião. Pelo
canto do olho, vejo quando Carina balança veementemente a cabeça em negativa
enquanto o marido coloca as mãos em seus ombros, como se a estivesse consolando.
Aquilo tudo me deixa muito confusa e me perguntando que diabos está acontecendo
ali. Se ela o havia confrontado sobre nosso passado, ou se sabe a verdade sobre seus
machucados. Dentro de mim, algo se quebra quando eu percebo que ela é
exatamente como eu havia sido, uma mulher linda e inteligente enganada pelo
homem que amava. Isso me dói muito, entender que existem tantas de nós por aí,
escondidas sobre um manto de dignidade e nossa pose de princesa.
 
— Pare de se preocupar com eles, Julia. — A voz de Vinicius me traz de
volta à realidade. — Foque na apresentação e em esbanjar esse charme que você
tem. Vamos conseguir um contrato!
 
Não consigo encontrar as palavras certas, então sigo muda ao lado dele até a
sala onde um grande buffet está montado. Estou muito preocupada com o futuro de
Vinicius, mas na hora que meu estômago “sente o cheiro” de toda aquela comida ele
ruge como um leão e, instintivamente, coloco as mãos sobre a barriga.
 
— Mas, Dona Julia — Vinicius me olha intrigado —, não foi a senhora que
disse estar de barriga cheia logo após o café da manhã?
 
— Ei — aponto o dedo em riste na cara dele —, do mesmo jeito que você
não controla o seu amiguinho quando está perto de mim eu não controlo meu
amiguinho quando estou perto de comida.
 
— Touché! — ele revida divertido. — Aconselho que se sirva logo e forre o
estômago enquanto eu vou colocando ordem nesse galinheiro aqui.
 
Não preciso que ele fale duas vezes e traço uma reta até a mesa onde consigo
encher meus olhos com uma visão paradisíaca. Ao invés da comida chique que eu
esperava encontrar estão pratos recheados de mini sanduiches e travessas cheias de
salgadinhos. No canto esquerdo, um enorme pudim de leite condensado parece
sussurrar meu nome luxuriosamente. Levanto os olhos e dou de cara com Vinicius
me encarando e dividimos um sorriso de cumplicidade quando confirmo que ele
escolheu esse cardápio pensando em mim. Se eu já não estivesse completamente de
quatro por ele, esse seria o momento da minha queda. Um homem que entende meu
estômago é um homem para a vida toda.
 
— Olá, Julia. — A voz de Gomes interrompe meu devaneio onde eu e
Vinicius estamos nus na cama, enchendo a barriga de pãozinho com mortadela. —
Que surpresa esse cardápio festivo!  Foi obra sua?
 
— Não, Sr. Gomes — ofereço a ele meu melhor sorriso profissional —, Vinicius
que fez a encomenda. Acho que ele queria dar um tom descontraído a essa
apresentação. O senhor sabe, tem uma certa tensão no ar.
 
— Tem sim. Inclusive — ele passa os olhos pelo salão à procura de alguém
—, não estou vendo o Jorge Marcelo por aí. Vamos ter que esperar o bonitão dar as
caras por muito tempo?
 
Como se estivesse esperando a deixa para fazer sua entrada teatral, a porta se
abre e todos viram para olhar Marcelinho e seu olho roxo entrarem na sala. Mas
para a nossa surpresa somos agraciados com a visão glamourosa de Carina, que
entra calmamente, e sozinha.
 
— Boa tarde, cavalheiros. — E olhando diretamente para mim, alfineta —
Julinha. Podemos começar a apresentação na hora que vocês quiserem.
 
— Ah, como assim? — Vinicius passa a mão pelos cabelos sem entender o
que está acontecendo. — Onde está o seu marido? Precisamos dele para dar início
aos trabalhos.
 
— Meu marido foi embora. — O sorriso de Carina é frio, impessoal, e tenho
certeza de que ela sente uma espécie de prazer mórbido ao me olhar e dar a cartada
final. — A partir de agora, quem representa a Teixeira e Filhos sou eu. Na verdade,
o Teixeira é meu tio e me garantiu o poder de decisão nessa negociação. Por favor,
vamos nos adiantar pois não quero mais tomar o tempo dos senhores. E nem da
Julinha, não é mesmo?
 
Puta merda, hein, Universo? Não podia mesmo dar uma colher de chá pra
mim pelo menos uma vez?
 
 

Sinto um calafrio percorrer todo o meu corpo e não consigo decidir se é


melhor lidar com aquela beldade de sorriso glacial ou com o calhorda do
Marcelinho. Pensar nele me dá um nojo profundo, mas ela... Ah, dela eu sinto é
medo. Afinal, estou diante da mulher cuja cabeça eu ajudei — mesmo que sem
saber — a encher de chifres, e ela tem todo o direito de estar com muita raiva de
mim.
Pelo canto do olho consigo perceber um certo desconforto tomando conta de
Vinicius enquanto ele puxa a cadeira para que ela se sente com toda a calma.
Respiro fundo e me acomodo de frente para Carina, abrindo meu notebook para
começar a apresentação. Eu não deveria estar nervosa, pois conheço esse projeto de
cabo a rabo, de trás para frente e de dentro para fora. Foram meses de dedicação
trabalhando ao lado de Vinicius, aturando suas grosserias e todo seu mau humor,
algo constante naquela época. Torço os lábios pensando em como isso me parece
irreal e inconcebível agora que ele resolveu mostrar seu outro “eu” para mim, mas
sei que tudo que passamos não foi uma farsa total e que ele tem uma fera
aprisionada dentro de si, ansiosa por voltar à tona e transformar a vida de alguém
em um inferno. Só espero que não seja, novamente, a minha.
— Podemos começar? — Minha pergunta é direcionada a Carina e ela acena
com a cabeça, concordando. — Bem, ontem apresentamos uma parte da proposta,
que deixou todos bastante animados.
— E como deixou. — Gomes dá uma gargalhada reclinando-se na cadeira.
— Agora eu quero saber o quanto isso vai me custar, para que eu possa chutar a
bunda do Teixeira para fora da competição. Você não é páreo para mim, mocinha.
Carina arqueia a sobrancelha e lança um olhar mais frio que as neves do
Himalaia na direção de Gomes, que não dá a mínima importância a ela. Já eu, sinto
meu estômago se contrair pois, apesar de estar sonhando em ver nosso projeto na
empresa dela, temo ter que trabalhar com Carina diariamente.
— O senhor não me conhece, logo peço a gentileza de se dirigir a mim pelo
meu nome e não como “mocinha”. Não somos amigos ou familiares.
Um silêncio constrangedor tomou conta da sala por alguns segundos, logo
sendo cortado pela voz grave de Vinicius.
— Vamos ao que interessa. Julia, pode começar.
As luzes se apagam e projeto a apresentação na tela que está pendurada na
parede. Durante os próximos quarenta e cinco minutos me esqueço completamente
de que minha carreira está nas mãos de Carina. Assim que termino minha parte, as
luzes se acendem e Vinicius explica.
— O projeto foi todo desenhado de forma coesa e participativa. Visamos o
bem-estar da população e também abrir espaço para que o patrocinador possa
divulgar sua marca de forma abrangente.
— E vocês fizeram tudo isso pensando na nossa empresa, correto? — Carina
olhou de mim para Vinicius com uma expressão séria. — Estou impressionada, pois
o projeto se encaixa perfeitamente em tudo que procurávamos.
Meu coração quase para de bater quando ela fala essas palavras e, enquanto
Gomes começa a discutir valores de investimentos e entra em uma disputa com
Carina para ver quem pode mais, sinto a mão de Vinicius segurando meu cotovelo e
me puxando para o canto da sala.
— Estou um pouco confuso — ele sussurra entredentes. — Posso jurar que
Marcelinho se apresentou como o sobrinho do Teixeira, e agora essa mulher se
intitula a responsável legal pela Teixeira e Filhos?
— Não sei de nada, Vinicius. Estou completamente perdida no meio dessa
confusão e, sendo bem sincera, não me importa quem é o sobrinho do Teixeira. Só
me importa fecharmos essa negociação e voltarmos para casa com o contrato
assinado. Preciso tirar esse peso das minhas costas.
— Eu sei — ele afirma enquanto se afasta, seu olhar caindo na mesa onde
Carina agora sacode a cabeça com um sorriso sarcástico nos lábios. — Acho que
deu certo, Julia. Essa mulher está se divertindo enquanto o Gomes esperneia.
E é verdade. Enquanto o homem fala furiosamente, gesticulando e
praticamente babando, Carina sorri e observa, como um predador aguardando o
momento certo para dar o golpe. E esse momento não demora.
— Você não é páreo para mim, Gomes. — Ela pega uma caneta dourada e
escreve algo em um pedaço de papel, entregando a ele. — Acha que pode cobrir
essa oferta?
Gomes olha para o papel, olhos arregalados e rosto vermelho, à beira de um
ataque de nervos enquanto Carina acena para Vinicius e informa.
— Eu gostei da sua proposta, mas tenho algumas exigências. — Sinto meu
coração se apertar, já me imaginando na rua da amargura sem emprego e sem
carreira. — Vou esperar os nossos concorrentes se retirarem para que possamos
discutir os detalhes em particular.
— Escute bem, mocinha. — Gomes estica a mão para ela que aceita o
cumprimento. — Você me surpreendeu. Transmita minhas felicitações ao seu tio, ele
escolheu muito bem o seu braço direito.
— Foi um prazer negociar com o senhor. — O sorriso dela parece diferente,
grande e divertido, como se tudo não tivesse passado de uma enorme brincadeira de
criança na sua rotina diária.
Aperto algumas mãos e vejo Vinicius distribuindo alguns abraços. Em
questão de minutos somos apenas nós três na sala e eu não sei o que esperar, até que
Carina me surpreende.
— Julia, me desculpe. — Eita, como assim? Penso assustada. — Eu sei que
o clima ficou um tanto pesado, mas não havia tempo para explicar a situação, e
preciso dizer que você me surpreendeu em vários aspectos.
Quero falar? Claro! Quero falar coisas inteligentes e destemidas? Ah, como
quero. Mas não encontro a voz e isso faz com que Carina continue, dessa vez
olhando diretamente para Vinicius.
— Quando vi o estrago na cara do Jorge Marcelo ontem, tive certeza de que
estava do lado errado dessa briga. — Carina corre os dedos pelos cabelos e suspira.
— Vocês não devem estar entendendo nada, então vou abrir logo o jogo. Eu já sabia
que meu marido não valia nada e que tinha um caso com você, Julia. Assim como
também sabia que você ignorava o fato de que ele era casado.  Na verdade, para
uma mulher tão esperta você foi estupidamente burra no que diz respeito ao Jorge
Marcelo. Mas, ele é um canalha charmoso e parece que as mulheres gostam disso.
Carina sorriu de uma forma triste, incluindo-se no próprio discurso.
— Eu não estou entendendo. — Consigo balbuciar e parecer ainda mais
idiota. — O que está acontecendo?
Olho para Vinicius que não esboça nenhuma reação, permanecendo
impassível enquanto aguarda que Carina termine sua história.
— É bem simples, na verdade. Minha prima já havia me avisado que o meu
marido não prestava, que tinha uma amante e que se passava de bom moço para nós
duas. Ela ainda me disse que ele contava com a conivência do pai para se passar por
solteiro e enrolar essa mulher, que estava apaixonada por ele. Mas minha prima
jurou para mim que você, Julia, era uma mulher decente e honesta, que sequer
desconfiava que estava sendo usada e que, por mais que ela avisasse que o cara não
prestava, você não acreditava.
— Mas, como sua prima sabia disso tudo? — Vinicius quer saber, já
incomodado com a situação.
— Porque a minha prima também vive uma mentira. Ela é a melhor amiga
da Julia, trabalham lado a lado todos os dias. — Carina deu um sorriso triste e
completou: — A Lorena é minha prima, o que faz dela a herdeira do Teixeira.
Sinto como se um golpe de martelo tivesse atingido minha cabeça. Era só o
que me faltava, mais uma pessoa na qual eu confiava guardando segredos de mim.
Como se o fato de ser rica e influente pudesse mudar o jeito como me sinto sobre
Lorena e seu comportamento maravilhosamente bizarro. Sinto-me profundamente
ofendida com o fato de ela não ter confiado em mim, mas, ainda assim, consigo
entender seus motivos. Foram tantas as brigas pelo telefone que escutei, tantas
lágrimas que enxuguei enquanto ela se lamentava sobre o pai não aceitá-la e a mãe
não ter forças para defendê-la. Nunca imaginei que tinha grana envolvida nisso, na
verdade, isso sequer passou pela minha mente, mas isso não diminuía o impacto de
saber que ela poderia ter me aberto os olhos com a verdade e optou por não fazer.
— Julia — a voz de Vinicius me traz de volta à realidade —, consigo ouvir
sua cabeça funcionando daqui.
Mais uma vez, ele repete a frase que usou no quarto, e eu deixo escapar um
barulho engraçado pelo nariz.
— Desculpe. Desculpe. Desculpe — repito sem parar e nem ele nem Carina
conseguem saber por que estou pedindo desculpas. — Carina, me desculpe, eu
realmente não sabia, eu...
— Tudo bem. — Ela sacode a mão cheia de anéis como se tudo que
passamos não fosse nada. — Mas eu tenho uma pergunta para você, Vinicius.  O
que meu marido fez que justifique você ter deixado seu rosto daquela maneira?
— Ele ia me estuprar — respondi sem pensar. — Eu estava esperando
Vinicius com a porta do quarto aberta e Jorge Marcelo entrou e me encurralou. Se
Vinicius não tivesse chegado a tempo...
O sorriso de Carina dá lugar a uma expressão de horror ao ouvir que o
homem com quem se casou foi capaz de tal ato de violência contra uma mulher. Ela
leva a mão até a boca, sufocando um gemido, e seus olhos refletem sentimentos de
empatia e compreensão.
— Mas cheguei. — Vinicius responde buscando minha mão e envolvendo-a
na sua. — E se ele quiser prestar queixa contra mim, estou preparado.
— Ele não vai fazer nada disso — Carina afirmou. — Nada que envolva
justiça, publicidade negativa ou algo do gênero. Temos um acordo pré-nupcial bem
estruturado pois além de trabalhar com o meu tio, meu pai me deixou outra empresa
e eu sempre fui muito cautelosa com a nossa reputação e nosso dinheiro. Quero ter
filhos. E quero que eles tenham orgulho da nossa herança.
Vinicius me puxa para perto e eu me deixo abraçar. Sinto nele o mesmo
alívio que o meu, mas isso dura pouco pois Carina continua.
— Mas, não se iludam. Não é um impedimento legal que vai deter Jorge
Marcelo. Ele vai perseguir vocês de todas as formas, e nem mesmo o meu divórcio
respaldado pelo acordo pré-nupcial vai conseguir manter vocês a salvo dele.  Aquele
homem é ardiloso e vai te perseguir, Julia. — Olhando para Vinicius ela avisa. —
Quanto a você, se tiver algum segredo, prepare-se, pois ele vai descobrir.  Não
pensem que ele vai atrás de vocês porque ama a Julia, ou porque me amava e está
devastado com o fim do casamento. Ele não ama ninguém.
Carina pendura a bolsa no ombro e conclui.
— Ele vai caçar vocês por despeito e por vingança, algo muito mais perigoso
do que dor de amor. Desejo sorte a ambos.
Ela vira as costas e começa a caminhar em direção à saída, mas para quando
eu pergunto.
— No elevador, você me disse que tudo que é bom acaba. Achei que estava
se referindo a mim, minha carreira, minha vida. — Abraço Vinicius com força,
rezando para que ele entenda que está incluído nessas coisas. — Mas não era disso
que estava falando, certo?
— Não. — Ela me olha por cima do ombro. — Eu me referia ao meu
casamento e às ilusões que eu mesma criei. Ao conto de fadas lindo que deu lugar às
mentiras e às farsas. A todas as traições que eu escolhi ignorar. Mas, pensando pelo
lado positivo, que bom que acabou. Boa viagem de volta ao Rio, nos vemos semana
que vem para dar início ao projeto.
Carina sai caminhando elegantemente, deixando para trás revelações com as
quais ainda tenho que lidar, mas também a certeza de que tanto Vinicius como eu
ainda temos nossos empregos.
— Está mais calma? — Ele segura meu queixo e me faz olhar nos seus
olhos. — Talvez com um pouquinho de raiva por Lorena ter escondido a verdade de
você?
— Talvez. — Dou uma risada. — Mas ela salvou nossa pele, Vinicius. Não
posso ficar com raiva por muito tempo.
— Não mesmo, Dona Julia. Na verdade, você precisa agradecer sua amiga e
entender seus motivos. — Arregalo os olhos, surpresa com suas palavras. — Ah,
para com isso. Como se eu fosse um ogro que não soubesse o valor de uma amizade
sincera.
— Ah, chefe. — Deposito um beijo em seu queixo e o abraço novamente. —
Você é uma caixinha de surpresas. Sinto que ainda tenho muito para descobrir sobre
você.
Ah, se eu soubesse que essa era a mais absoluta verdade.
 

Depois que Carina nos deixa sozinhos para lidar com a bomba que
havia jogado no nosso colo, as horas voam. Corro para arrumar minhas
coisas enquanto Vinicius simplesmente senta-se na cama e fica passando as
páginas do seu livro. Acho muito legal da parte dele fugir para Hogwarts
enquanto eu sofro para fechar a mala. É sempre assim, todas as vezes em que
viajo as coisas parecem estufar, e eu nunca consigo enfiar tudo de volta
dentro da bolsa, mala, caminhão ou onde quer que seja.
 
— Você não vai arrumar suas coisas? — pergunto incomodada com a
calma desse homem.
 
— Daqui a pouco. Está muito divertido observar sua luta com a mala
indomável. — Ele ri e não consigo me manter séria. Dou uma risada boboca,
de menina apaixonada e vou correndo em sua direção, enchendo sua boca de
beijos até que ficamos sem ar e ele me adverte. — Até porque se eu for até lá
para te ajudar, posso encontrar uma das minhas camisas escondida no meio
das suas coisas e você vai ficar envergonhada.
 
Enquanto ele gargalha diante da minha cara de surpresa, trato de
correr de volta para o meu quarto e, apertando tudo com o joelho, fecho o
zíper da mala, triunfante.
 
— Não tem nada aqui que te pertença. — Olho para ele por cima do
ombro com uma cara bem brava. — É tudo meu.
 
— É sim, Julia — ele concorda, largando o livro na cama e cruzando
os braços atrás da cabeça. —Tudo seu. E isso engloba muito mais do que
uma camiseta velha.
 
Engulo em seco, sentindo meus joelhos tremerem quando ele se
levanta e, rapidamente cobre o espaço que nos separa. Vinicius me envolve
em seus braços e me suspende do chão como se eu não pesasse mais do que
uma criança de dez anos. Ele mergulha o rosto na curva do meu pescoço
enquanto murmura:
 
— Eu não sabia que me sentiria tão bem ao seu lado, sua tonta. Você
precisa acreditar em mim, não vou te magoar, não sou um idiota como você
acha. Eu prometo, Julia, vou te surpreender.
 
— Não vou mais resistir — sussurro contra seus lábios. — Juro
solenemente não fazer nada de bom.
 
Ele sorri quando cito Harry Potter e concorda comigo, seus olhos
brilhando divertidos.
 
— Acho bom. Prefiro quando você não se comporta.
 
Ele me coloca no chão e, beijando minha testa, volta para o seu
quarto. Fico olhando enquanto ele junta todas suas roupas em um bolo e
enfia na mala, sem nenhuma cerimônia. Faz a mesma coisa com os itens que
estão no banheiro e na mesinha de cabeceira e, enfiando o notebook na
pasta, anuncia orgulhosamente:
 
— Estou pronto. E não gastei nem 5 minutos.
 
Estende a mão para mim e, assim, dessa forma simples e espartana,
partimos rumo à nossa vida no Rio de Janeiro.
 

— Você sabia que faz um barulhinho adorável quando dorme? — A


voz de Vinicius me tira do melhor cochilo de todos os tempos e antes que eu
tenha chance de responder com ironia ele completa: — Ah, sim, esse
barulhinho também é conhecido como ronco.
 
— Pensei que você tivesse jurado não ser um idiota. — Levanto as
mãos com as palmas para cima e dramaticamente peço. — Universo, custava
ter mandado um cara menos inconveniente?
 
Vinicius dá de ombros e, fingindo estar ofendido, entra na
brincadeira.
 
— Você pode descer do carro a qualquer momento e pedir uma
carona na estrada. — Olho para ele levando a mão ao peito e dando um
suspiro. — Mas vai ter que usar a plaquinha da vergonha.
 
— Como assim? — Já estou rindo, antecipando a piada.
 
— Iguais aquelas que colocam nos memes dos cachorros na internet.
Vou escrever assim: Ronquei durante duas horas enquanto meu namorado
dirigia.
 
— Namorado? — Epa, epa, epa. Meu coração dá uma acelerada e
sinto minhas bochechas queimando.
 
— Sim, senhora, Dona Julia. — Ele bate com os dedos no volante
enquanto vai listando. — Namorado, chefe, amante, o melhor cara do
Universo, aquele que adora o barulho engraçado que você faz quando está
dormindo. Como chama mesmo?
 
Não estou acreditando que ele vai falar que eu ronco! Mas ele fala.
 
— Ronco, é assim que a gente chama esse barulho. — Vinicius dá
uma risada abafada e avisa. — Não adianta me olhar com essa cara de quem
vai roer a corda. Você aceitou ser minha namorada.
 
— Sim, eu aceitei — confesso, sorrindo satisfeita por ter, finalmente,
sido esperta o suficiente para não deixar uma oportunidade de ser feliz
escapar. — Só estava testando você.
 
— Não sou desses caras que precisa ser testado. — Ele mantinha os
olhos no trânsito e sua voz era muito séria. — Eu já fui traído, Julia,
desmoralizado entre meus amigos e isso me fez repensar toda a ideia de
namorar, ter compromissos e todo o resto. Mas aí, me aparece você, naquele
seu vestido branco.
 
— Ah, de novo essa história? Que tal a gente nunca mais falar desse
vestido branco que hoje em dia mora no fundo do meu armário? Vamos
voltar a falar dessa sua decepção amorosa. — Sim, meu povo, um dos meus
defeitos é ser insistente. Segue a procissão.
 
— Espera. — Ele levanta o dedo como se tivesse lhe ocorrido uma
ideia brilhante e sinto meu estômago se embrulhar. Não pode ser boa coisa.
— Vamos fazer um trato. Eu te conto mais sobre como fui um trouxa se você
usar esse vestido branco para mim essa noite. Feito?
 
— Feito! — Dou um gritinho de excitação em finalmente saber um
pouco mais sobre Vinicius. — Não, espera.... Hoje à noite?
 
Insistente e impulsiva. Mas isso vocês já sabem né?
 
Vinicius dá sua risada rouca e coloca a mão no meu joelho, acariciando-o
suavemente.
 
— Hoje à noite sim. Você acha mesmo que eu vou deixar você
dormir sozinha no seu apartamento depois de tudo que passamos com o
Sonselinho? Acha que vou correr o risco de colocar você em perigo?
 
— Sonselinho? — Tenho um acesso de riso e as lágrimas rolam pelas
minhas bochechas, deixando-me incapaz de falar.
 
— Gostou? — Ele está orgulhoso do apelido, como se fosse uma
criança travessa, e meu coração se enche de uma ternura que eu nunca senti.
— Acabei de inventar.
 
— Adorei, Vinicius. Simplesmente perfeito. — Faço um carinho nos
cabelos dele, que deita a cabeça na minha mão enquanto dirige pelas ruas do
meu bairro, atipicamente tranquilas em um domingo à noite.
 
— Julia, tem algum estacionamento perto da sua casa, ou tem perigo
largar meu carro na rua mesmo?
 
— Nada disso. Não vai largar na rua, nada! — Estalo os lábios e
pego meu celular no console. — Vou mandar uma mensagem pro Epa
avisando que vamos usar a vaga de visitas. Além do mais, ainda tem aqueles
cem reais que você deu pro Bill, ou seja, estamos no lucro.
 
— Epa. — Vinicius sacode a cabeça. — O pai do Sonselinho. O
canalha mor, que sabia de tudo. Acho que vou gostar de conhecer esse
senhor.
 
— Não vai conhecer senhor nenhum. — Sacudo a cabeça nervosa. —
Nada disso, não mesmo! Eu preciso continuar morando no meu singelo
apartamento, Vinicius. Não venha arrumar confusão para o meu lado. Vou
tomar minhas providências.
 
— Que seriam? — Ele quer saber, já tamborilando novamente os
dedos no volante.
 
— Vou trocar a fechadura e colocar uma trava de segurança, tá bom
pra você?
 
— Vai colocar meu nome como contato de emergência no seu celular
e me dar uma cópia das chaves — ele exige, sem sequer olhar para mim.
 
— Tá bem. — Eu sei que ele está certo, que Marcelinho pode
aparecer a qualquer momento e que, mesmo com essas medidas, nada
impede que ele me aborde na rua ou no elevador. — Vou fazer isso.
 
— Você sabe que não é o suficiente, certo? Que ainda assim ele pode
tentar te machucar? — Concordo em silêncio. — E se ele tocar em você,
Julia, eu juro que mato esse desgraçado.
 
Nada no mundo me deixa tão amedrontada e tão confiante ao mesmo
tempo como essa declaração de Vinicius. Em toda minha vida, minhas
experiências amorosas foram desgastantes e insatisfatórias, portanto, ter esse
homem disposto a me proteger, cuidar de mim e me fazer rir até chorar,
mexe demais com meu coração. Só que dessa vez eu não quero fugir, quero
apenas me entregar a ele, sem reservas.
 
— Eu sei. — Minha voz sai trêmula e coloco a mão na coxa dele. —
Mas não vamos precisar chegar a esse ponto. Ele pode tentar me atingir de
outras formas, porém duvido que tente me tocar novamente.
 
— Espero que sim, Julia. Mas não vou correr riscos desnecessários.
— Vinicius sobe com as rodas na calçada em frente ao meu prédio e,
virando-se na minha direção, segura meu queixo com firmeza. — Por
enquanto aceito essas medidas que você propôs, mas não estou satisfeito e
vou pensar em alternativas.
 
— Tá certo. — Faço um biquinho e ele me beija com um estalo. — Vou
abrir o portão para você entrar.
 
— Mal posso esperar. — Ele dá um sorriso safado. — Entrar é tudo
que eu quero.
 
De fofo a safado em questão de segundos. Finalmente encontrei o
cara certo para mim.
 
 
Assim que entramos na garagem, Bill mete a cara para fora da casa
onde mora. Prédio antigo é assim, o porteiro mora no mesmo lugar que
trabalha, facilitando o costume secular de fofocar sobre a vida alheia.
 
Enquanto Vinicius pega nossas coisas na mala do carro, me apresso
em chamar o elevador, rezando para que ele chegue antes de Bill poder se
meter em roupas decentes e vir falar conosco. Mas parece que o povo lá de
cima não anda muito a fim de me ajudar, então na hora que escuto o alarme
do carro de Vinicius soar, meu porteiro me cumprimenta.
 
— Boa noite, Dona Julia, usando a vaga de visitantes, hein? Avisou o
Seu Epaminondas? Sabe como ele é...
 
— Sei muitíssimo bem como o Epa é, Bill. Inclusive, agora sei mais
do que vocês imaginam e posso te garantir que a partir de hoje você não
ganha mais um centavo meu além do que sou obrigada a pagar no boleto do
condomínio. E — sacudo o dedo em riste na cara assustada do homem —
não se atreva a tocar na minha casa pedindo cafezinho, pão com manteiga ou
qualquer outra coisa. Estou muito decepcionada com você.
 
— Mas o que foi que eu fiz, Dona Julia? — Vejo o homem encolher
os ombros e passar a mão pelos cabelos. — Logo eu que sempre ajudo a
senhora com as compras e com os problemas lá no seu apartamento.
 
— O que você fez? — A voz poderosa de Vinicius faz com que o
porteiro se encolha um pouco mais, e eu estufo o peito mostrando uma
coragem que há muito tempo não sinto. — Ponha a mão na consciência, Bill.
Se é que você sabe o que é isso, não é mesmo? Vai querer me convencer que
não sabia que esconder informações importantes da Dona Julia sobre o
Marcelinho do 301 era uma coisa muito errada?
 
— Ah, doutor... — Bill começa a se defender, dando dois passos para
trás e sorrindo sem graça. — O Seu Epaminondas me disse que era pra eu
ficar com o bico fechado e não estragar o namoro do filho dele. Eu tenho que
pagar as minhas contas, né? Preciso desse emprego.
 
Vinicius aperta a boca com tanta força que seus lábios parecem uma fina
linha, recheada de tensão e raiva. Abro a boca para falar, mas sinto sua mão
se fechando no meu cotovelo com força e decido ficar calada.
 
— Tranquilo, meu chapa. — É tudo que Vinicius diz enquanto me
empurra para dentro do elevador. — Mas saiba uma coisa, se eu souber que
você deixou esse mau-caráter chegar perto da porta do apartamento da Julia,
eu mesmo vou me assegurar que você não tenha como pagar os seus boletos,
me entendeu?
 
— Mas, doutor, eu não tenho como impedir o homem de ir até a casa
da Dona Julia. — Olho por cima do ombro e vejo um Bill suado e de olhos
arregalados tentando argumentar com Vinicius que, por sua vez, parece estar
ainda mais alto e mais gostoso com seu corpo irradiando raiva.
 
— Isso não é problema meu. Dá seu jeito. — O tom informal em seu
discurso me prova que eu ainda tenho muito para descobrir sobre ele, e
preciso confessar que meu cérebro, que andava adormecido, se contrai
formando rapidamente teorias e possibilidades.
 
Vinicius me empurra para dentro do elevador e assim que a porta se
fecha ele solta um suspiro irritado que me faz dar uma risada espontânea.
 
— Não sei do que você está rindo, Julia. — Aperto o botão do meu
andar e dou um beijo em seu ombro, por cima da camisa. — Você acha
engraçado esse camarada ainda tentar se defender? Estou sentindo uma raiva
fenomenal só de imaginar o tanto de sacanagem que ele e o tal do Epa
devem ter falado pelas suas costas e, por mim, tirava você desse prédio hoje
mesmo.
 
— Ah, e ia me levar pra onde? Por acaso você é um CEO poderoso e
milionário daqueles filmes que todas as mulheres amam e escondeu isso de
mim durante todo esse tempo?
 
Faço a minha melhor cara de inocente e consigo arrancar um sorriso
dos deliciosos lábios de Vinicius, que se inclina na minha direção e me
envolve em seus braços. Meu corpo reage instantaneamente ao seu toque, os
joelhos se dobram e envolvo seu pescoço com meus braços, oferecendo
descaradamente os lábios para um beijo que não vem. Ao invés disso me
vejo mergulhada nos seus olhos azuis que me encaram seriamente.
 
— Não, Julia, eu não sou um CEO milionário que vai te enfiar em
um vestido de seda vermelha e voar com você de helicóptero pelos céus do
Rio de Janeiro. Tampouco tenho uma cobertura com piscina e governanta.
— Ele toca meus lábios com os dedos e afirma: — Mas posso levar você
para o meu apartamento de dois quartos no Leblon, e salvar você de ter que
dormir de olhos abertos com medo do Sonselinho aparecer.
 
Fico sem ar diante da oferta de Vinicius e sinto meus olhos se
encherem de lágrimas de gratidão. Posso contar nos dedos as vezes em que
alguém se dispôs a cuidar de mim dessa forma, mas antes que eu possa
formular uma resposta as portas do elevador se abrem e Vinicius me solta,
dando espaço para que a Dona Alberta entre. Dou uma conferida no relógio
e de cara sei que ela está indo assistir TV com Dona Palmira no andar acima
do meu, uma coisa rotineira na vida das duas aposentadas.
 
— Boa noite, Juju. — A coroa é sempre muito carinhosa comigo e
me dá um beijo estalado na bochecha. — Passou o fim de semana fora com o
namorado?
 
Dona Alberta mede Vinicius, seus olhos astutos, escondidos atrás dos
óculos, percorrem ele de alto a baixo e ela acena a cabeça com um sorriso de
aprovação para logo em seguida completar.
 
— E que homão, hein, Juju? — Ela estica o braço e, do alto do seu
1,55 de altura, consegue dar três tapinhas carinhosos no peito de Vinicius. —
Trate bem a minha menina, viu, rapaz? Ela vale ouro!
 
Estou constrangida? Até o último fio de cabelo, mas Vinicius parece
estar super à vontade quando se abaixa e beija a senhora com carinho,
afirmando.
 
— Vale mesmo! E pode deixar que eu vou cuidar dela muito bem!
 
O elevador apita novamente e dou graças a Deus quando vejo que
chegamos ao meu andar. Sem a menor cerimônia, empurro Vinicius para
fora enquanto me despeço de Dona Alberta.
 
— Se cuida, Dona Alberta! Essa semana vou passar na sua casa para
tomar um chá, viu?
 
A porta se fecha antes que ela possa me responder e, enquanto eu
luto com as chaves, Vinicius encosta a boca no meu ouvido e sussurra:
 
— Eu sou um “homão”, Julinha. Deixe-me cuidar de você como
prometi àquela doce senhora.
 
Finalmente acerto a chave na fechadura e destranco a porta, jogando
minha bolsa no chão da sala sem o menor cuidado. Minha mão busca a dele
e puxo-o para dentro da minha casa colando minha boca na sua, minha
língua procurando a dele enquanto minhas mãos se enterram em seus
cabelos. A resposta de Vinicius é imediata e ele fecha a porta com um chute
enquanto afunda dos dedos na minha cintura, mordendo meu lábio e me
pressionando contra seu corpo.
 
Minha mente fica nublada, pois são muitos os sentimentos e desejos que
tomam conta de mim nesse momento e tudo que consigo fazer é gemer
baixinho quando ele passa a língua pelo meu pescoço, chegando até a minha
orelha para finalmente mordiscá-la. Sinto meus mamilos enrijecerem-se e
minhas coxas pegam fogo fazendo com que um calor irracional tome conta
do meu corpo. Quero arrancar a roupa e me entregar a esse homem que
parece disposto a mudar minha maneira de encarar a vida enquanto me leva
deliciosamente à loucura.
 
Estou pronta para puxar o vestido pela cabeça quando ele se afasta de
mim, encostando a testa na minha, as mãos pousadas em meus ombros e a
ereção pressionando minha barriga.
 
— Não tente me manipular com seus beijos, Julia. Apenas me
responda honestamente. Na hora em que você perceber que não está mais
segura aqui, vai deixar suas barreiras de lado e aceitar se mudar para o meu
apartamento. — Ele faz uma pausa e acrescenta em um tom mais suave. —
Não estou pedindo para você se casar comigo ou assumir um relacionamento
daqueles que eu sei que você ainda não está pronta. Estou apenas querendo
te manter segura.
 
Ele desliza a mão pelo meu pescoço e eu deixo minha cabeça
repousar na palma da sua mão. Meus olhos encontram os dele e minha voz
sai baixa e rouca.
 
— Sim, Vinicius. — Sou presenteada com um sorriso enorme, como
se ele tivesse dez anos e eu tivesse acabado de lhe dar um vídeo game novo
em folha. — Vou deixar você cuidar de mim.
 
— Então, não vamos mais perder tempo.
 
Com essas palavras, ele toma meus lábios nos seus e, para mim, nada
mais importa.
 
Pode parecer extremamente piegas para você, mas a verdade é que
estou apaixonado pela Julia. Esqueça tudo que já te contei sobre Penélope e
sobre como ela virou meu mundo de pernas para o ar. Julia virou do avesso
e, pela primeira vez em muito tempo, eu consigo me imaginar acreditando na
possibilidade de ter um relacionamento bacana, estável e promissor.
 
Eu avisei que ia parecer piegas, a culpa é sua se não acreditou.
 
Julia é divertida, louca e não tem filtro. Fala tudo que passa em sua
mente de uma forma natural e desenvolta que eu nunca vi em nenhuma das
mulheres com as quais andei saindo nos últimos tempos. Tudo bem que as
minhas escolhas não foram as mais acertadas, mas era com elas que eu
conseguia lidar. Além disso tudo que eu já falei, tem o sexo. Puta que o
pariu, sexo com a Julia! Eu devia ter imaginado que seria enlouquecedor no
momento em que eu a vi naquele vestido branco.
 
Tudo bem, confesso, eu já tinha uma forte desconfiança, mas quis
pagar para ver. E pagaria de novo e de novo, sem pensar duas vezes.
 
Minha mente está trabalhando em modo acelerado desde que saímos de
Angra dos Reis, tentando achar uma forma de falar para ela que eu gostaria
que ela fosse passar uns dias no meu apartamento para que o crápula do
Jorge Marcelo não conseguisse sequer chegar perto dela. Eu sei que ele vai
tentar, Julia também sabe, mas acho que ela não vai querer sair da sua casa e
da sua rotina por pura teimosia. Por isso, quando aquela coroa entra no
elevador e fala que eu tenho que cuidar da Julia, não deixo a oportunidade
passar e agora estou aqui, dentro da casa dela enchendo-a de beijos enquanto
minhas mãos lutam para tirá-la de dentro do vestido. 
 
Julia, nua e aceitando que eu cuide dela, é tudo em que consigo pensar
no momento. 
 
Deslizo minha mão até sua cintura e puxo seu corpo macio contra o
meu, seu perfume adocicado tomando conta do meu mundo enquanto seus
lábios cobrem cada centímetro de pele do meu pescoço. Parece uma carícia
ingênua, mas me deixa de pau duro instantaneamente. Ela arranca minha
camiseta e deixa seus dedos passearem pelo meu peito, olhando para meus
braços enquanto fala baixinho, quase como se fosse uma conversa interna
com ela mesma.
 
— Ainda me pergunto como você não tem nenhuma tatuagem...
 
— Tenho medo de agulhas — admito em voz alta, pela primeira vez
na vida. — Não consigo me imaginar sentado em uma cadeira por horas
enquanto alguém perfura minha pele e me faz engolir gritos de dor.
 
— Seu fracote. — Ela sorri, implicante, e me beija com vontade, sua
língua macia se enrolando na minha, o corpo quente contra o meu. — Acho
lindo você não ser todo marcado, te faz ainda mais diferente do que eu
imaginava.
 
Sinto meu pau latejando de tesão e nada mais parece importar. Só eu
e ela nesse apartamento pequeno e, com isso na cabeça, seguro Julia pela
bunda e levanto-a do chão. Suas pernas envolvem minha cintura e o calor do
seu corpo me deixa alucinado, fazendo com que eu ande apressadamente em
direção à sala e caia sentado no sofá com ela enroscada em mim. Parecemos
dois adolescentes em uma sessão de sarros e amassos no sofá da casa dos
pais, até que ela desce a mão em direção ao zíper do meu jeans e, com um
sorriso deliciosamente safado, pergunta.
 
— Que tal sair para brincar, chefe?
 
Brincar? Ela só pode estar me testando, essa mulher diabólica. Eu
quero tudo com ela: trepar, transar, namorar, trepar de novo, comer em
restaurantes chiques e em lanchonetes que sirvam pão com mortadela. Quero
acordar de novo com ela colada no meu corpo, mas brincar? Definitivamente
não quero brincar com ela.
 
— Não, Dona Julia. — Minha voz está tão rouca que eu mesmo não
a reconheço. — Quero trepar com você, aqui nesse sofá e depois na sua
cama. Isso está bom para você?
 
— Está mais do que bom. — Ela se inclina para trás com uma risada
e completa. — Está perfeito.
 
E é assim que eu me apaixono novamente por ela, com a sensação de
que isso ainda vai acontecer muitas vezes na minha vida.
 
Estou muito fodido, e estou adorando.
 
 

Nunca pensei que esse pequeno sofá roxo fosse tão versátil no que se diz
respeito a sexo.
 
Assim que consigo tirar o pau de Vinicius de dentro da calça, me encaixo
nele e o sinto deslizar completamente para dentro de mim. Estou molhada,
latejando e o toque da pele dele contra a minha me faz ver estrelas.
 
Lentamente, mexo meu corpo no mesmo ritmo de Vinicius enquanto
minhas mãos se apoiam em seus ombros. Ele abre a boca para falar alguma
coisa, mas eu não quero ouvir nada nesse momento, então mergulho em seus
lábios, minha língua enroscando na dele, meus dentes mordendo seu lábio
macio.
 
Ele geme contra a minha boca e me puxa pela cintura, entrando um
pouco mais em mim. Nossos corpos se chocam, protegidos pela camada de
roupa que esquecemos de tirar e eu sinto um tesão adolescente tomar conta
do meu corpo. Sem aviso, ele me afasta e se levanta do sofá, puxando-me
pela mão. Preparo-me para ter Vinicius para mim na minha cama, mas ele
me surpreende quando me joga contra o braço do sofá, a bunda empinada em
sua direção.
 
— Maravilhosa — ele sussurra enquanto acaricia a curva da minha
bunda, deslizando suavemente pela minha pele quente. — Cada pedacinho
de você é uma surpresa deliciosa, Julia.
 
Sinto sua língua passeando em mim, primeiro na base da minha
coluna para logo em seguida traçar um caminho pecaminoso até meu
cuzinho e, nesse momento, vou à loucura. Pela sua habilidade em usar a
língua, Vinicius não estava brincando quando disse que adorava sexo anal.
Sinto ele me chupando, lambendo e penetrando, fazendo com que eu me
incline para frente garantindo a ele livre acesso ao meu prazer.
 
E que prazer, minha gente! Que prazer.
 
Quero me livrar do vestido que, a essa altura, não passa de um
amontoado de pano preso na minha cintura, mas ele não deixa que eu me
mexa e me surpreende ao sussurrar no meu ouvido.
 
— Vou enfiar meu dedo no seu cuzinho delicioso, Julia, e preciso que
você relaxe para mim.
 
Não consigo formular uma frase coerente pois meu cérebro não passa
de uma massa gelatinosa, então sacudo a cabeça enquanto mordo o lábio
inferior. Ele mantém a boca junto à minha orelha, sussurrando obscenidades
e seu dedo vai me abrindo suavemente e com maestria. Vinicius morde o
lóbulo da minha orelha enquanto massageia meu cuzinho com delicadeza, o
dedo entrando e saindo, me enlouquecendo aos poucos.
 
Nunca fui atraída pelo canto da sereia de que sexo anal pode ser bom.
Talvez tenha sido culpa dos caras com quem namorei, só sei que agora,
enquanto me desmancho no dedo de Vinicius, me vejo desejando que ele me
mostre tudo que sabe a esse respeito, e quando ele tira o dedo, deixando-me
vazia, eu reclamo baixinho.
 
— Por que você parou?
 
— Porque eu te quero demais, mas não a ponto de desvirginar seu
cuzinho no braço do sofá. — Ele mergulha a mão na mochila para logo em
seguida enfiar algo no bolso e, sorrindo, pergunta. — Seu quarto é a porta da
esquerda?
 
— Da direita.
 
— Vem comigo. — Vinicius me pega pelas mãos e anda de costas em
direção ao meu quarto, sem tirar os olhos de mim e eu me esqueço do
vestido enrolado, do cabelo despenteado e de todo o resto. Só consigo pensar
em tudo que ele faz com o meu corpo e em como meu coração corre perigo.
 
— Não pense, Julia. — Ele sorri ao sentar na minha pequena cama
de casal. — Apenas sinta.
 
Balanço a cabeça concordando e solto a sua mão para me livrar do
vestido enquanto ele arranca o resto da roupa. Vinicius parece estar
superconfortável no meu quarto, rodeado de toda a minha bagunça. Ele não
está mais sorrindo quando pega minha mão e me puxa em sua direção.
Caímos no colchão nos beijando, a ereção dele firme contra meu corpo,
meus cabelos nos envolvendo como uma cortina selvagem.
 
— Você ainda quer? — ele murmura contra meus lábios. — Preciso
ouvir você me pedindo, Dona Julia.
 
— Quero. — Minha voz sai fraca e baixa, mas ele não se dá por
satisfeito.
 
— Quer o quê? — Ele sobe a mão pelo meu pescoço, seus dedos
segurando firmemente a raiz dos meus cabelos e me obrigando a olhar fundo
em seus olhos azuis.
 
— Quero que você me dê prazer. — Ele lambe meu queixo, mordisca
meu lábio e, com a mão livre, aperta suavemente o bico do meu seio,
fazendo-me completar. — Quero que você me mostre como gozar dando o
cuzinho.
 
Ele sorri para mim e isso derrete o que ainda restava das minhas
barreiras emocionais. Vinicius me coloca deitada de costas e tira um tubo de
lubrificante do bolso da calça que está largada no chão. Mas, para minha
surpresa, ele não abre o tubo, deixando-o do meu lado no colchão e, antes
que eu possa perguntar o que ele está pensando em fazer, ele separa as
minhas pernas e mergulha na minha boceta, lambendo e chupando,
mordiscando e acariciando, fazendo com que eu esqueça do mundo lá fora.
Enquanto sua língua explora minha boceta, seu dedo reencontra o caminho
do meu cuzinho, mas, no entanto, ele não me penetra e contenta-se em
acariciá-lo levemente. Eu poderia me preocupar, questionar ou tentar
entender, mas nesse momento a boca de Vinicius encontra aquele famoso
ponto onde tudo explode dentro de mim e eu acabo gritando seu nome
enquanto minhas coxas pressionam sua cabeça e minhas mãos se agarram ao
lençol.
 
Ele aproveita esse meu momento de insanidade temporária para
besuntar os dedos com o lubrificante e deslizar não um, mas dois dedos para
dentro do meu cuzinho e eu, ainda presa no êxtase do gozo, não ofereço
nenhuma resistência. Muito pelo contrário, abro os olhos ainda embaçados
de tesão e rebolo nos dedos dele, ávida e enlouquecidamente disposta a ter
tudo que ele pode me oferecer.
 
— Isso, Julia — ele me incentiva com um sorriso sacana. — Relaxa
e aproveita o tesão, rebola para mim e deixa que eu te prepare para a melhor
experiência da sua vida.
 
Ele poderia estar contando em chinês agora que eu concordaria com
tudo. O tesão toma conta do meu corpo e tudo que eu penso é que ter
Vinicius dentro de mim é maravilhoso e que não quero somente os dedos,
quero ele todo.
 
— Me come — eu peço, a urgência no meu tom de voz. — Quero
que você coma meu cu.
 
— Vou fazer, Julia. Vou fazer agora.
 
Ele tira os dedos e, enquanto busca algo no bolso da calça, eu me
ajeito, ficando de quatro para ele. Mas Vinicius me toca suavemente, me
fazendo deitar de costas novamente na cama e quando olho para ele com a
confusão estampada nos meus olhos, ele esclarece.
 
— É a sua primeira vez, não é? — Confirmo em silêncio, sacudindo
a cabeça e ele completa. — De frente, com calma e com você olhando nos
meus olhos. Quem dita o ritmo é você, você é quem manda aqui, entendeu?
 
Algo nessa frase me enche de poder, como se eu fosse mesmo a dona
da situação, senhora daquele homem e, enquanto me preparo para receber
Vinicius, ele abre um pacote de camisinhas.
 
 — Relaxa, Julia. Tudo tem sua hora, confie em mim. — Ele espalha
o lubrificante no pau e no dedo, levando-o até o meu cuzinho. — Vem, se
esfrega no meu dedo.
 
Ele não precisa repetir o pedido. Me aproximo mais de Vinicius, que
desliza seu dedo em mim e acaricia minha entrada, me preparando para o ato
sexual.
 
— Vou colocar meu pau na entrada do seu cuzinho, Julia, e vamos
nos mover juntos, no seu ritmo. — Ele se inclina e me beija demoradamente.
— Estou louco de tesão, quero muito estar dentro de você, mas não quero te
machucar, entendeu? Vamos com calma.
 
Calma. Vamos com calma, Julia.
 
Ele não para de repetir isso e eu tento me convencer de que vai ser
fácil ir com calma, que vai doer e que eu vou pedir para parar. Acontece que,
na hora em que ele se encaixa em mim, uma onda de prazer percorre meu
corpo e eu me pego desejando não ser uma “virgenzinha anal”, como ele
mesmo disse. Queria ter a mesma experiência das atrizes pornô e poder
receber Vinicius inteiro, de uma só vez, socando e me dando prazer.
 
Obviamente, não é o que acontece, mas a tal dor que eu esperava em
nada se compara com o prazer que sinto quando ele desliza um pouco mais
para dentro. Suas mãos estão apoiadas nos meus joelhos e eu empurro meu
corpo um pouco mais em sua direção.
 
— Ah, porra, Julia. — Ele joga a cabeça para trás, os olhos fechados
como se buscasse um pouco mais de autocontrole. — Você é deliciosamente
apertada e quente, como eu queria estar sentindo você toda no meu pau.
 
Empurro mais um pouco, e o incômodo aumenta, mas Vinicius me
surpreende ao começar a me masturbar, seus dedos hábeis tocando cada
pedacinho da minha pele sensível e rosada. Esse é o estimulo que eu preciso,
e me movimento mais uma vez em sua direção, com a certeza de que
consigo engolir todo o seu pau com o meu cuzinho.
 
— Caralho, mulher. Você vai me matar. — Ele retira os dedos da
minha boceta e os leva aos lábios, repetindo a cena do nosso encontro no
provador. — Eu vou me mexer, ok? Devagar, para não te machucar, e
preciso que você me diga se está tudo bem.
 
Vinicius dá início ao melhor vai-e-vem da história da minha vida
sexual. Com o polegar, ele acaricia meus grandes lábios, inchados de tesão,
enquanto seu pau entra e sai do meu cuzinho espalhando ondas de choques
elétricos pelo meu corpo. Eu tento me mexer com mais velocidade, mas ele
apoia a mão na minha barriga, me fazendo parar. Seus olhos estão escuros de
prazer e eu entendo a mensagem. Calma, Julia, calma.
 
Vinicius volta a me masturbar e perco a noção do tempo. Não sei
quanto tempo ficamos nessa dança sensual, mas quando menos espero, ele
solta um urro e goza com os olhos fechados e seus dedos ainda me dando
prazer. Sua respiração está fora de ritmo e ele sai de mim, deixando seu
corpo cair sobre o meu enquanto sua língua busca meu mamilo e o lambe
com carinho.
 
— Queria ter demorado mais, Julia. — Sua voz sai em um sussurro.
— Mas não consegui, me desculpa.
 
Desculpa? É sério isso, chefe?  O cara me mostrou que dá pra ter
prazer com sexo anal, que eu posso ser amada e idolatrada, me chupou e me
masturbou até que eu visse estrelas, e está pedindo desculpas? Tem alguma
coisa errada aí, Universo...
 
— Desculpas pelo que, exatamente? — pergunto enquanto acaricio
seus cabelos.
 
— Por não ter esperado você gozar primeiro.
 
— Ei, calma aí. — Dou uma risada. — Minha primeira vez dando o
cuzinho e você já queria que eu gozasse?
 
— Quero que goze todas as vezes, Julia. — Ele abocanha meu seio,
beija e lambe, morde e puxa, me fazendo sentir um formigamento delicioso
entre as pernas. — Todas as vezes comigo.
 
Ele rola na cama e acomoda a cabeça no travesseiro, puxando-me
para seu colo. Minha cabeça repousa no peito de Vinicius enquanto seus
dedos se enrolam em meus cabelos em uma caricia lenta e deliciosamente
torturante. Deixo minhas mãos tocarem seu peito suavemente, fazendo
pequenos círculos em volta do seu mamilo com as pontas das minhas unhas
e levanto os olhos para observar sua reação. Ele está sorrindo, os olhos
fechados deixam seu semblante leve e relaxado e me estico em sua direção,
beijando-o suavemente.
 
— Uhum — ele murmura e me puxa para si, seu braço envolvendo
minha cintura, suas coxas se acomodando entre as minhas. — Eu sei que
você já está pronta para começar tudo de novo, sua selvagem.
 
— Ei, não é nada disso que você está pensando — defendo-me
rapidamente, para logo dar uma risada. É quase isso mesmo. Claro que estou
pronta para mais uma rodada de sexo com esse homem maravilhoso, mas
confesso que tenho outra coisa preocupando minha mente no momento.
 
— Não? — Ele afasta o rosto e deixa o olhar passear por mim. — Me
conte então o que está se passando em sua cabecinha maravilhosamente
engenhosa.
 
Relutante, me afasto de Vinicius e sento no meio da cama, com as
pernas cruzadas sob meu corpo. Meu cabelo desce pelo meu ombro
esquerdo, escondendo o bico do meu seio e isso faz com que ele estique o
braço para afastar as mechas castanhas. Vinicius parece ter uma estranha
fixação pelos meus cabelos, e isso me deixa com o coração quentinho.
 
— Pare com isso. — Dou um tapa na sua mão e faço a minha melhor
cara de brava. — Estou mesmo pensando em uma coisa séria e complicada.
Amanhã vamos voltar ao trabalho e sei que você vai se comportar daquela
maneira horrorosa com todos, berrando e sendo desagradável. Não me
admiraria se fizesse o mesmo comigo, mas preciso saber exatamente como
vamos lidar com essa situação, seu Duas Caras.
 
— Ah, Julia, Eu não sou duas caras. Já te expliquei o que acontece.
Não posso ser molenga e agradável e, por mais que eu queira, vocês não
permitem. Não é fácil ser o gerente daquele departamento e você sabe disso.
Além da Lorena, que é uma rebelde que adora me infernizar sem nenhum
motivo aparente, vamos pegar o exemplo do Jonatas.
 
— O que tem o Jonatas?
 
— O que tem? Ah, pelo amor de Deus, Julia, vamos mesmo ter essa
conversa agora? — Vinicius cruza os braços por baixo da cabeça e continua:
— Eu preciso pedir pelo menos três vezes a mesma coisa para ele. E explicar
nos mínimos detalhes, e ainda assim, apesar de ele me entregar o serviço
perfeitamente aceitável, sempre entrega em cima da hora. Se tiver que fazer
algum ajuste, não dá tempo.
 
— Mas nunca precisou ajustar nada, certo?
 
— Não, mas... — Ele coça a cabeça intrigado. — Isso não vem ao
caso.
 
— Vem sim, senhor. Tanto ele como a Lorena têm todo o serviço pronto
dias antes do prazo. Só fazem isso para te perturbar. Eles, aliás, nós, somos
extremamente competentes, afinal trabalhamos com a Rainha do Gelo
lembra?
 
— Mas porque agem dessa forma comigo?
 
— Ação e reação. Quando você chegou, achamos que seria um
alívio, que o clima iria ficar mais leve, mas foi tudo uma mentirinha, né?
Depois que você conseguiu o cargo, virou um tirano. — Dou de ombros e
me acomodo novamente em seus braços. — — Eu não me importo mais,
agora que sei da sua história e dos seus motivos pessoais. Mas alguma coisa
precisa mudar, não precisa? Ou você vai aceitar que isso aqui é só sexo e que
na empresa seguimos caminhos diferentes?
 
Meu coração dói só de pensar nessa possibilidade, mas preciso saber
o que pensar e como agir.
 
— Nunca vai ser só sexo, porra. — Ele perde a paciência, ficando
irritado com o rumo da conversa. — Eu já te falei isso. Já tive esse tal de “só
sexo” por muitos anos e adorei. Mas não é isso que quero com você, e pensei
que já tinha entendido. Eu gosto de você, de estar com você e tenho toda a
intenção de deixar o mundo inteiro saber disso.
 
— Mas como vai ser no escritório? — Sou igual a um cachorro
faminto, nunca largo o osso, mas isso não é nenhuma novidade.
 
— Como você quer que seja? Uma declaração formal no RH e no
departamento? — Ele arqueia a sobrancelha, um tom irônico em sua voz.
 
— Não seja babaca. — Sacudo o dedo na sua cara e ele dá uma
gargalhada, pegando meu dedo e levando-o até os lábios somente para beijá-
lo.
 
— Não resisti. Acho que podemos seguir normalmente, tenho certeza
de que Lorena vai dar um jeito de contar para todo mundo. Principalmente
porque ela já sabe, né?
 
— Ah, sim... vai mesmo. Se tem uma coisa que ela vai fazer é dar um
jeito de espalhar a novidade e fazer da nossa vida um circo. Pode contar com
a Lorena para isso!
 
Ele dá de ombros, como se isso não tivesse importância.
 
— Não posso prometer mudar da noite para o dia, Julia.
Principalmente porque isso significaria ignorar as recomendações do
Bernardes. Ele foi muito direto comigo quando disse que não queria
amizades e molezinhas no departamento. Por isso eu fui até meu limite.
 
— Será que isso não era por causa da Lorena e do Teixeira? — Uma
ideia começa a se formar na minha mente, a de que o Dr. Bernardes queria
proteger a filha do Teixeira enquanto ela trabalhasse na empresa.
 
— Pode ser — ele concorda coçando o queixo. — Mas até que eu
descubra, as coisas não podem mudar muito drasticamente, entende.
 
— Sim. Entendo. Mas, e amanhã? Como fazemos? Cada um vai para
o trabalho do jeito de sempre?
 
— Não. — Ele me puxa para dentro do seu abraço e beija minha
testa com carinho. — Vamos sair daqui juntos e chegar juntos. Deixe que o
povo fale, que suas línguas queimem. Não se importe com isso.
 
— Perfeito. Tem um povo que merece mesmo queimar as línguas.
 
Vinicius dá uma grande gargalhada e me beija apaixonadamente. Bem,
pelo menos eu estou sentindo paixão nesse beijo. Espero não estar enganada.
 
Novamente.
 
 

 
— Ah, mas que inferno! — Lorena bate no meu braço com violência.
— Para de me enrolar com essas histórias para boi dormir.
 
Dou uma gargalhada estrondosa ao ouvir a expressão antiquada que
minha amiga adora usar. Tenho mesmo muita coisa para contar, pois é óbvio
que eu e Vinicius chegamos juntos. Como também é óbvio que as duas
recepcionistas do prédio me olharam de uma forma estranha — o que pode
ter sido, claramente, um delírio meu — e agora Lorena quer saber de tudo.
 
Mas acontece que eu não quero contar tudo. Tem algumas coisas que
quero guardar para mim. Como o pão com mortadela que encontrei em cima
da mesa da cozinha de manhã. E as vinte e quatro latas de coca zero na
minha geladeira. Não consegui acreditar em como o Universo foi tão bacana
comigo e me mandou um cara que finalmente entende o que são prioridades
na vida.
 
Fato é que acordamos, comemos e viemos trabalhar como um velho
casal e nada na minha vida jamais fez tanto sentido quanto isso. Pegamos
engarrafamentos, nos beijamos no trânsito, discutimos as reuniões do fim de
semana e evitamos falar de Marcelinho. Agora minha amiga quer todos os
detalhes, mas eu fujo pois, por um tempo, gostaria de guardar Vinicius
apenas para mim. Vocês entendem, não é mesmo?
 
Dentro do meu cérebro, Fernanda Montenegro e seu colar de pérolas
sacodem a cabeça afirmativamente, como se estivessem me parabenizando
pela decisão sensata de, finalmente, ficar com o bico fechado.
 
— Aham, conto sim. Mas primeiro temos que conversar seriamente
sobre você, o Dr. Teixeira e sua família. Que aliás, é tudo a mesma coisa, né,
Lorena?
 
Ela dá de ombros como se isso não importasse, mas quando passa a
mão pelos cabelos ruivos deixando as tatuagens do braço esquerdo à mostra,
e estala o elástico ao prendê-los em um rabo de cavalo, sei que está
incomodada.
 
— Não tem o que conversar, eu sou filha do velho e ponto.
 
Lorena me dá um sorriso torto e seus olhos verdes brilham travessos
daquele jeito moleque que ela tem. Todos os rapazes do nosso andar babam
por ela, que simplesmente ignora os olhares e as gracinhas, a não ser quando
se digna a dar uma resposta malcriada, levantando o dedo do meio para
quem quiser ver. Todos acreditam que ela não passa de uma rebelde, mas eu
sei que existem muitas camadas escondendo quem ela é de verdade.
Algumas eu já perfurei, mas nunca cheguei a conhecê-la na totalidade.
 
— Mas por que você nunca me contou? — Jogo um clip na cara dela
que desvia, sorrindo. — E por que você trabalha aqui e não com seu pai?
 
— Não dá certo entre a gente, Juju. — Ela torce os lábios e sacode os
ombros mais uma vez. — Muita briga, muita pressão... Coisas que vão além
do trabalho e afetam minha vida pessoal.
 
— Mas ele sabe que você trabalha aqui? — Cachorro que não larga o
osso, lembra? Eu mesma, Julia Saldanha, muito prazer!
 
— Sim. Infelizmente foi ele quem me arrumou esse contato. Passei
na seleção por mérito e porque sou muito foda, mas o contato com o
Bernardes, foi meu velho que fez. —. Ela faz uma pausa e levanta da
cadeira, olhando por cima da baia conferindo se alguém nos escuta antes de
continuar: — Até porque, o Dr. Bernardes é meu padrinho.
 
— Ah, você só pode estar de sacanagem com a minha cara! — Bato
com as duas mãos no tampo da mesa e Lorena dá uma risadinha cínica
enquanto joga as mãos para o alto em rendição. — Agora as coisas fazem
todo sentindo.
 
— O quê? — Ela arqueia a sobrancelha, curiosa, enquanto aguarda
que eu conte tudo.
 
Coisa que eu faço prontamente. Tirando meus momentos deliciosos
com Vinicius, que pretendo guardar a sete chaves por um tempo, não sou
baú para guardar segredos, e isso todo mundo sabe.
 
— O Bernardes avisou ao Vinicius que não era para ele ficar de
coleguismo no departamento. Ele estava querendo dizer que era para não se
meter com você — aponto um dedo indignado para ela —, mas não quis ser
direto, não é?
 
— Pode ser... Não sei ao certo. Desde que vim para cá parei de
participar das reuniões de família e tenho evitado meu padrinho. Achei
melhor.
 
Antes que eu pudesse dar prosseguimento ao interrogatório, somos
surpreendidas por uma voz macia vinda do corredor.
 
— Oi, tudo bem?
 
Lorena arregala os olhos e começa a brincar com o rabo de cavalo,
coisa que me deixa bem intrigada e me faz virar rapidamente na cadeira.
Parado no corredor ostentando um sorriso adorável está um homem alto, os
cabelos loiro-escuros e com os olhos castanhos mais brilhantes que eu já vi
na vida. Se eu não estivesse apaixonadíssima pelo meu chefe, com certeza
estaria babando agora. Mas não é o caso e, de posse de todas as minhas
faculdades mentais, respondo educadamente:
 
— Tudo ótimo! Posso ajudar?
 
— Ah, sim. — Ele sorri e Lorena chuta minha cadeira com força,
fazendo-me quicar no assento e lançar um olhar zangado para ela por cima
do ombro enquanto o homem pergunta. — O Vinicius está na sala dele?
 
— E a gente tem cara de secretária, por acaso? — É a resposta mal-
humorada de Lorena, que lhe garante mais um olhar atravessado da minha
parte e um sorriso ainda maior do homem.
 
— Calma, amiga, segura essa língua aí. — Viro-me para ele com um
daqueles sorrisos profissionais que estou tão acostumada a usar. — Eu não
sei te informar, mas posso dar uma ligada para ele. Qual seu nome?
 
Ele parece não estar me ouvindo direito, pois não consegue tirar os
olhos de Lorena, que por sua vez já virou de costas para ele, deixando-o com
a visão da ponta de uma flor de lótus que ela tem tatuada no meio das costas,
e que o decote da camiseta não cobre.
 
— Opa, obrigada. — Ele parece voltar à Terra, e eu acho a situação
extremamente inusitada. — Sou o Bernardo. Pode dizer que vou esperar ele
aqui perto do elevador?
 
— Digo sim. — Tiro o telefone do gancho e ofereço um sorriso mais
amigável. — E desculpe, a minha amiga está um pouco estressada.
 
— Percebi. — Ele sorri. — Uma mulher tão bonita não devia ficar
tão zangada.
 
— Ah, era só o que me faltava. — Lorena bufa entredentes e,
bloqueando a tela do notebook, levanta-se passando por Bernardo a caminho
do banheiro.
 
Ele dá uma risada espontânea, seus olhos ainda presos nas tatuagens
que cobrem os braços de Lorena e, quando estica a mão para me
cumprimentar, o brilho de uma grossa aliança quase me deixa cega. Claro
que era casado. Casado e sem vergonha na cara.
 
Perco toda a vontade de ser gentil com Bernardo e, assim que
Vinicius atende, eu aviso.
 
— O Bernardo está aqui e vai esperar você perto do elevador. —
Tampo o bocal do telefone com a mão e sinalizo com a cabeça para que o
sem vergonha vá andando, o que ele faz prontamente com um enorme
sorriso. Tiro a mão do bocal e completo. — Sem vergonha esse seu amigo,
hein? Com uma aliança daquelas no dedo e cantando a Lorena. Me deu nojo.
 
— O quê? — Vinicius parece espantado. — O Bernardo cantando
alguém? Impossível, Dona Julia. Está para nascer um homem mais fiel e
mais devotado à esposa como ele é com a Cintia.
 
— Enfim... — Deixo um suspiro escapar por entre os dentes. Claro
que ele vai defender o amigo. — Ele já está no elevador. Bom almoço para
vocês, te vejo na saída?
 
— Com certeza, Julia. — Falar ao telefone com meu chefe agora tem
todo um prazer escondido. Sua voz rouca sussurrando ao meu ouvido me
deixa de joelhos moles e... Ah, você sabe. — Sair daqui com você hoje à
noite é a única certeza que eu tenho. O resto todo, vou levando.
 
— Vai, sim, seu tarado.
 
Desligamos em meio a risadas e quando levanto os olhos, dou de
cara com Lorena, os cabelos soltos e um batom vermelho recém aplicado em
seus lábios cheios. Ela olha à sua volta e finalmente pergunta:
 
— Ele já foi?
 
— Já sim. — Travo meu notebook e pego a bolsa no armário,
passando o braço pelo dela. — Ele ter ido embora foi a melhor coisa que
aconteceu no seu dia, ou você não viu a aliança tamanho GG que ele tinha
no dedo?
 
— Ah, claro. — Ela se liberta do meu braço e caminha até seu
armário, pegando a carteira e deslizando no bolso de trás da calça jeans. —
Para eu me interessar por ele, o cara tinha que ter algum defeito.
 
— Estranho esse seu jeito de demonstrar interesse, Lorena. — Pego o
braço dela novamente e sigo arrastando-a até os elevadores do outro lado do
andar, evitando que encontrássemos com aqueles dois pedaços de tentação.
— Muito estranho mesmo. Vamos conversar sobre isso.
 
— Porra nenhuma, Juju. — Lorena sacode os cabelos e sorri para
mim, parecendo completamente esquecida do efeito que Bernardo causou
nela. — Vamos é sentar naquele restaurante que tem rodízio de comida
japonesa e mexicana e comer até estourar.
 
— Desafio aceito.
 
Entramos no elevador lotado e deixamos o resto da nossa conversa
para depois. Ainda estou bastante magoada com ela pelo fato de ter omitido
informações sobre o Marcelinho, mas não sou uma pessoa de guardar
mágoas, principalmente no que diz respeito a boas amizades.
 
O que importa é que tudo está bem entre nós, e sempre estará.
 
Assim que desligo o telefone, enfio a carteira e o celular no bolso da
calça e saio apressado em direção ao elevador. A informação que Julia me
passou sobre Bernardo estar dando em cima de Lorena é, de longe, a coisa
mais absurda que eu já ouvi na vida.
 
Desde que ele se mudou para a casa da Cintia e ambos começaram a
usar alianças, ele nunca mais olhou para outra mulher. Por isso, muito me
espanta a informação de que ele possa ter falado alguma gracinha para a
amiga da Julia. Esse não é um comportamento que condiz com a
personalidade do meu amigo, porém, por outro lado, não existe motivo para
que Julia invente algo desse tipo.
 
Assim que chego no hall dos elevadores vejo Julia e Lorena andando na
direção contrária a que Bernardo está e, quando olho para ele, constato que
talvez Julia possa estar com razão. Meu amigo está parado no meio do
corredor com as mãos mergulhadas nos bolsos da sua impecável calça social
e tem um sorriso abobalhado estampado no rosto enquanto admira as duas
mulheres se afastando.
 
Perceberam? Ele tem um sorriso abobalhado, muito parecido com
aqueles que eu dou quando sei que Julia não está olhando. Mas tem algo
nesse sorriso do Bernardo que me deixa com uma pulga atrás da orelha,
quase como se ele tivesse tomado alguma decisão e o sorriso estivesse ali
justamente para confirmar isso. Assim que me nota chegando, ele tenta
disfarçar e abre os braços me envolvendo em um dos seus abraços
carinhosos que costumam me deixar envergonhado.
 
— Fala, cara! Como foi a viagem? — Dou dois tapinhas nas costas
dele e me afasto rindo, como sempre, enquanto ele emenda. — Ah, sei, nada
de abraços.
 
Bernardo dá uma risada, mas seus olhos estão fixos em um ponto acima
dos meus ombros, e tenho certeza de que ele dá uma última olhada em
Lorena. Muito estranho isso.
 
— Foi tudo — faço uma pausa e, enquanto aperto o botão do
elevador concluo — confuso, inusitado, inesperado e talvez até assustador.
 
— Caramba — Bernardo não fala palavrão, obra e graça da educação
rígida que Dona Adelaide deu ao filho único, mais uma coisa que nos
diferencia —, tudo isso em apenas dois dias? Mas o que pode ter
acontecido?
 
— Bom, para começo de conversa, estou apaixonado. — Meu amigo
arqueia as sobrancelhas, intrigado. — Estou namorando e quero que ela se
mude para minha casa o mais rápido possível.
 
As portas do elevador se abrem e somos engolidos por um grupo de
funcionários que sai conversando e nos cumprimentando, dando a Bernardo
um pouco mais de tempo para assimilar essas informações.
 
— Certo — ele diz calmamente enquanto massageia a testa. — Tudo um
pouco rápido demais para o cara que não se envolve com ninguém há anos. 
 
Bernardo faz uma pausa, prolongada e dramática, como sempre, e
declara:
 
— Posso conviver de novo com isso, com esse Vini apaixonado, desde
que essa nova mulher em sua vida não seja uma aproveitadora igual à última
que ferrou com você.
 
Ele fala “ferrou”, mas eu sei que pensa em “fodeu” mesmo, pois foi
exatamente o que a Penélope fez.
 
— Não tem nada a ver com a Penélope, Bê. Eu juro. — Apresso-me
em acalmá-lo antes que ele tenha um derrame. Tudo com ele é assim, ânsias
de vomito e ameaças de derrames. Dramático é pouco para descrever meu
amigo. — Já te falei que eu não vejo a Penélope há anos.
 
— Sim, desde que ela sumiu.
 
Concordo em silêncio e desvio o olhar, pois não posso olhar para ele
sem que Bernardo consiga ver no fundo da minha alma. Sigo em silêncio e,
assim que as portas do elevador se abrem no térreo, ele segura meu braço,
impedindo-me de sair.
 
— Quem é ela, Vini?
 
Ali está ele, o Bernardo protetor, o amigo que não quer que eu me
machuque de novo, que sabe tudo que eu passei e que conhece exatamente
quem eu sou e como sou capaz de me jogar de cabeça em uma paixão. E,
dessa vez, eu não posso mentir para ele pois estou realmente enroscado
emocionalmente.
 
— É a Julia, aquela que falou com você lá em cima.
 
Ele aperta os lábios e sacode a cabeça em uma aprovação silenciosa,
soltando meu braço. Saímos do elevador e, quando chegamos à recepção, ele
pergunta.
 
— E você me chamou para almoçar hoje pois estava doido para me
contar as fofocas da sua viagem e as horas de sexo alucinante que teve
enquanto eu vivo minha vida pacatamente sem grandes alterações de rotina?
 
Dou uma grande gargalhada chamando a atenção de um grupinho de
mulheres que estão paradas na escada. Vejo uma delas me comer com os
olhos enquanto as outras olham para Bernardo como se ele fosse o mais
delicioso prato do cardápio de um restaurante caro. Em outras épocas eu
teria sorrido, acenado e cutucado Bernardo, mas isso foi antes de Julia.
 
— Nada disso. Na verdade, preciso de um favor. Preciso que você aceite
a transferência de uma funcionária minha para o seu setor.
 
— Quem?  — ele pergunta apenas por educação, pois não conhece
ninguém do meu departamento. Bernardo é o gerente de TI, e só tira a cara
dos computadores quando eu vou até o segundo andar para perturbar sua
rotina ou quando saímos para almoçar, como é o caso hoje.
 
Continuo descendo as escadas com ele ao meu lado e, na hora que
abro a boca para contar sobre o real motivo desse almoço, percebo que fodi
com a vida do meu amigo.
 
— A ruiva que senta ao lado da Julia. — Meu amigo trava nos
calcanhares no meio da calçada e eu completo: — O nome dela é Lorena e
ela é filha do Teixeira. Como vamos trabalhar com a empresa dele, ela não
pode ficar no departamento…
 
— Tudo bem! —  ele me interrompe rápido demais e agora tenho a
plena certeza de que Julia está coberta de razão. Meu amigo está mesmo
interessado em Lorena. — Para quando essa transferência?
 
— Calma aí, Bê. — Seguro sua camisa e o puxo para dentro do
shopping, encostando-nos no balcão da cafeteria que tem logo na entrada. —
Não vai argumentar que não tem vaga, que seu orçamento não cobre mais
um funcionário, que não sabe nada sobre ela e se ela é capaz de trabalhar
com seus projetos enfadonhos? O que está acontecendo?
 
Ele me dá um sorriso maroto, aquele mesmo que estava estampado
no seu rosto quando observava Lorena se afastar e declara:
 
—  Cara, pode parecer loucura, canalhice e até mesmo imprudência. E
tenho certeza de que minha mãe me daria uma surra pelo que vou te falar
agora. —  Bernardo passa a mão pelos cabelos e confessa: — Acho que
estou fodidamente apaixonado por aquela mulher. 
 
Meu queixo cai e sinto como se tivesse tomado um puta soco no
estômago. Parado à minha frente está o meu melhor amigo, aquele que tem o
casamento perfeito, que me mostrou que dá para ser feliz nessa vida, e ele
está confessando estar apaixonado por uma mulher que não é sua esposa.
 
Antes que meu mundo desabe, ele coloca a mão no meu ombro e
pede.
 
— Não me julgue ou ache que estou sendo precipitado. Temos muito
que conversar, mas pode confirmar a transferência da ruiva para o meu
departamento. Eu assumo o budget e todo o resto junto ao RH. — Bernardo
solta um suspiro resignado e afirma: — Juro solenemente não fazer nada de
bom.
 
Ah, caralho! Agora ele cita Harry Potter só para tirar um sarro com a
minha cara e eu sinto uma raiva estranha me dominar. Como Bernardo se
atreve a desmanchar a imagem de homem perfeito que eu admirava tanto?
Agora vou me espelhar em quem, caralho?
 
— Já não acho que isso seja uma boa ideia, Bernardo. Não quero que
Cintia me acuse de tentar destruir a sua santidade.
 
— Deixe de ser ridículo, Vini. Eu não sou santo e Cintia muito
menos. Já te falei que temos muita coisa para conversar e que aceito essa
transferência. Ou prefere mandar a moça trabalhar em algum outro setor
onde não vai ter suas qualidades reconhecidas?
 
— Qualidades reconhecidas? Que porra é essa, Bernardo! Quem é
você e o que fez com o meu amigo?
 
Bernardo dá uma gargalhada e eu já sei que estou derrotado e que no
final do dia ele estará dando entrada na papelada da transferência de Lorena.
Ele é assim, muito calmo, cavalheiro e pacato, mas quando toma uma
decisão é impossível convencê-lo do contrário. E, pelo visto, ele já se
decidiu por Lorena. Os olhos dele brilham de uma forma que eu não vejo há
anos. Pensando bem, nunca vi esse cara inquieto assim com Cintia, entre
eles tudo sempre foi uma coisa tranquila e serena.
 
— Só te peço que não pense mal de mim, Vini. Sou o mesmo cara
legal e tranquilo de sempre. Não posso te dar maiores detalhes do que está
acontecendo pois não é algo que diz respeito apenas a mim. Prometo não
tocar na amiga da sua namorada, mas preciso que ela esteja por perto. Não
sei porque, mas sei que é dela que eu preciso. Eu te ajudo e você me ajuda,
fechado?
 
Ele estende a mão para mim e eu aceito sem pensar duas vezes. Uma
promessa de Bernardo Campista vale mais do que um milhão de reais e eu
preciso dar a ele o benefício da dúvida. Ainda com a mão dele presa na
minha, pergunto:
 
— Quando vai me contar o que está acontecendo?
 
— Em breve.
 
Apertamos as mãos, como homens de negócios que somos, e
seguimos para o restaurante. Difícil vai ser contar essa novidade para Julia
sem ela ficar puta da vida comigo.
 
Lá se foi meu sexo quente dessa noite.
 
 
Duas semanas depois
 

Após o sucesso da nossa negociação em Angra, me vejo rodeada de


papéis e contratos vindos do escritório da Teixeira e Filhos e confesso que
me dá um certo embrulho no estômago de ansiedade. Ao meu lado, Lorena
digita furiosamente um e-mail para todos os participantes do processo,
formalizando quem foi o empreiteiro escolhido. Mesmo sem ter dito uma
palavra sobre o assunto, sei que ela está orgulhosa em saber que o pai será o
responsável por trazer esse projeto à vida. Preciso confessar que eu também
estou orgulhosa e até um pouco apreensiva.
 
Minha mente hiperativa não para de criar situações onde vejo
Marcelinho entrando na sala de reuniões, dizendo que era tudo uma farsa e
que o responsável pela empresa é ele e não Carina.
 
— Vai atender esse telefone, ou está esperando que seu chefe se
materialize na sua frente? — A voz irritada de Lorena me tira do devaneio e
estico a mão para o telefone, não sem antes revidar.
 
— Não vejo necessidade dessa grosseria.
 
— Porque não é você que está digitando linhas e linhas de um texto
chato e sem sentido quando poderia dizer apenas: Perdeu, otário.
 
Dou uma risadinha abafada, com o telefone encostado no rosto e
ouço a voz de Vinicius cheia de curiosidade.
 
— Estão falando das minhas qualidades na cama?
 
— Vai sonhando — sussurro, virando de costas para Lorena. — Mas
você pode me mostrar elas de novo hoje à noite.
 
Escuto Lorena bufar e mudo de assunto.
 
— Em que posso ajudar, Vinicius?
 
— Uhm — ele debocha —, estamos formais? Tudo bem, entendi.
Preciso que você e Lorena venham até aqui, temos que discutir algumas
coisas?
 
— Nós duas? — Arqueio a sobrancelha e me viro na cadeira, dando
um chute no calcanhar da minha amiga que me olha por cima do ombro com
a cara fechada. — Você quer eu e Lorena aí, tipo, agora?
 
— Não, Julia. — Lá está ela, a velha ponta de irritação na voz dele.
— Pode ser quando o homem colocar o pé na Lua. Ah, espera, já colocou.
Venham logo.
 
Desligo o telefone com um sorriso nos lábios e, com as tais caraminholas
na cabeça, me viro para Lorena, que já está de pé e pronta para me seguir.
 
— Ei, calma ai! Por que você está com tanta pressa?
 
Muito estranho essa menina querendo falar com Vinicius. Estou
sentindo um cheiro de conspiração no ar.
 
— Nada não. — Ela dá de ombros, a cara ainda fechada, fazendo
com que eu me pergunte como alguém tão jovem pode ser tão emburrada. —
Vamos logo acabar com isso porque eu tenho muito trabalho para fazer.
 
E sai andando na minha frente. Na minha frente, senhoras e senhores,
pronta para encarar o chefe como se ele fosse um gatinho ao invés do leão
raivoso de sempre. Apresso-me em bloquear a tela do notebook e, em alguns
passos, estou ao seu lado.
 
— Lorena, o que você está escondendo?
 
— Nada, Juju, nadinha mesmo. — Ela não me olha nos olhos, mas
antes que eu possa segurá-la e repetir a pergunta, viramos no corredor e
damos de cara com Vinicius nos esperando com a porta aberta.
 
— Vocês poderiam ser mais lentas?
 
Ah, mas agora ele já está abusando! Tudo bem que não pode mudar
da água para o vinho, mas essa ironia dele vai custar caro. Porém, para
minha surpresa, Lorena parece não se importar.
 
— Foi mal, Vinicius.
 
Ela vai entrando e se senta em uma das cadeiras enquanto eu olho para
ele cheia de interrogações nos olhos. Vinicius me pega pelo braço e me puxa
para dentro da sala, sua mão deslizando rapidamente até minha bunda, me
dando um tapinha silencioso.
 
— Senta logo, Dona Julia, que a gente não tem o dia todo.
 
— Ah, vocês podem parar com essa encenação. — Lorena fala sem
olhar para trás enquanto prende os cabelos ruivos em um coque e mete a
caneta para segurá-los. — Eu já sei que andaram se pegando nessa viagem e
que já rolou de um dormir na casa do outro. Não vejo motivo para esse
teatrinho.
 
— Mas é grossa mesmo. — Me jogo na cadeira e bato levemente no
joelho dela. — Ainda bem que sua colega de trabalho é um doce e te atura
com muito amor no coração. Não esqueça de agradecer ao seu chefe por ter
colocado você ao meu lado.
 
— Bom — Vinicius interrompe minha declaração sentando-se a
nossa frente —, é exatamente sobre isso que preciso falar com vocês.
Lorena, preciso transferir você para outro departamento por conflito de
interesses.
 
Sinto o ar me faltar, o chão sumir dos meus pés e o mundo rodopiar
com esse jeito direto de Vinicius em dar a notícia. Tudo bem, estou
exagerando um pouco, mas realmente fico muito surpresa com isso.
 
— Como assim, Vinicius? — A pergunta sai da minha boca antes
que eu possa tentar formular algo mais inteligente. E não paro por aí, vocês
sabem como sou. — Que porra é essa de trocar a Lorena de departamento.
 
— Vou ignorar o palavrão, Julia. — Ele olha de mim para Lorena e
continua: — Não dá para você ficar aqui, Lorena. Vamos trabalhar junto à
empresa do seu pai e isso gera conflito de interesses, logo vou ter que te
transferir e, depois de uma conversa que tive com o Bernardo, ele...
 
— Eu aceito — Lorena interrompe Vinicius e eu dou um pulo na
cadeira.
 
— Como assim, Lorena? — Meu Deus, o que aconteceu com o meu
vocabulário? Estou ficando repetitiva.
 
— O meu pai já havia me falado isso hoje de manhã, Juju. — Ela me
olha de lado, como se estivesse com medo da minha reação. E tinha que ter
medo mesmo, porque eu quero estrangular essa menina.
 
— E você não me falou nada? Mais uma vez? — Minha voz sai
esganiçada e ela se encolhe na cadeira, em uma atitude bem diferente da que
estou habituada. — Que porra é essa, Lorena?
 
— Por isso, Juju. Por que eu sabia que você ia ficar com raiva e ia tentar
me convencer que a gente ia dar um jeito. E eu sabia que não tinha saída,
não tinha como dar um jeito. — Lorena sorri para mim e lá está ela, minha
amiga, aquela que intercedeu por mim e por Vinicius quando eu precisei.
Meu coração se aperta quando lembro do jeito que Bernardo olhou para ela e
como ela ficou interessada no cafajeste. — Eu só vou mudar de andar,
vamos continuar nos vendo todos os dias.
 
— E o Bernardo é um cara legal, Julia. — Vinicius vem ao seu
socorro. — Vai cuidar da Lorena e ainda tem espaço para ela crescer no
departamento dele.
 
— Mas era só o que me faltava, Vinicius!
 
Fico de pé e coloco o dedo na cara dele, parecendo a mamãe galinha
defendendo seus pintinhos. Trágico se não fosse cômico.
 
— Eu vi muito bem o jeito que ele olhou para a Lorena! Ela é uma
menina. — Faço uma pausa e olho com carinho para ela, que nunca me
pareceu tão jovem quanto agora, e enfatizo: — Uma menina. E ele, um cara
casado, com uma aliança larga no dedo, olhou para ela como se ela fosse um
pedaço de carne.
 
— Chega, Julia! — Ele me segura pelos ombros e me sacode. — Que
merda está acontecendo? A Lorena não é uma jovem indefesa e eu já te disse
que meu amigo é um cara decente e ajuizado, totalmente diferente de mim.
Pare com esse dramalhão, pois não temos outra saída. É a transferência ou o
desligamento de Lorena.
 
— Juju, olha pra mim. — Lorena toca no meu ombro e eu viro meus
olhos cheios de lágrimas para ela. — Eu sei o que você está pensando. Sei
que lembrou do Marcelinho e da calhordice que ele fez com você.
 
Vinicius me solta e passa as mãos pelos cabelos, finalmente entendendo
o motivo do meu comportamento descontrolado. Eu simplesmente concordo
com a cabeça, incapaz de encontrar palavras.
 
— O Bernardo não é o Marcelinho, Juju — Lorena fala com uma
seriedade na voz que eu não reconheço.
 
— Você não conhece ele — balbucio, enxugando as lágrimas que a
lembrança humilhante do meu relacionamento com Marcelinho me traz. —
Como você pode saber?
 
— Porque o Vinicius é amigo dele e, pelo que eu sei — ela olha
diretamente para ele e depois volta a olhar para mim —, nosso chefe é um
cara legal, disfarçado de ogro. Ele não iria transferir sua melhor amiga para
trabalhar com um cara do naipe do Marcelinho.
 
— Nunca.
 
A voz de Vinicius enche o ambiente e ele me oferece a mão. Sem
hesitar deixo que ele me puxe contra o peito enquanto sussurra.
 
— Desculpe, Julia, desculpe. Nem por um momento eu achei que
você ia comparar o Bê com o Sonselinho.
 
Ele beija meus cabelos e Lorena chega perto de nós, tocando meu
ombro.
 
— Eu sou mais jovem que você, e ninguém duvida disso. — Dou
uma risada que é uma mistura de choro e gargalhada irônica e ela continua.
— Mas eu sei me cuidar, te juro.
 
Balanço a cabeça afirmativamente, incapaz de encontrar a minha
voz, e Vinicius dá a reunião por encerrada.
 
— Então, estamos acertados. Lorena, pode dar uma corrida lá no
Recursos Humanos e assinar a papelada. Preciso que você fique com a gente
pelo resto da semana para passar sua rotina para o funcionário que vem
ocupar a sua vaga. Depois disso, você pode ir para o Bernardo.
 
Os olhos de Lorena brilham com essa última frase, mas ela não diz nada.
Nem eu. Não quero sequer cogitar a hipótese de ela estar realmente
interessada em um cara que pode quebrar o coração dela em mil pedaços.
 
— Tudo bem. — Ela sorri para mim, acena para Vinicius e
praticamente voa em direção à porta, se despedindo. — Vejo você mais
tarde, Juju.
 
Assim que a porta se fecha, deixando apenas eu e meu chefe na sala,
Vinicius se afasta de mim, suas mãos firmes em meus ombros e seus olhos
azuis vasculhando os meus em busca de respostas.
 
—  Você acredita em mim, Julia? Acredita quando eu digo que
Bernardo não vai encostar na Lorena?
 
— Não tenho outra opção, Vinicius. — Minha voz sai cansada, pois é
assim que me sinto, como se tivesse corrido uma maratona. — Não que eu
tenha que acreditar em você, mas porque eu quero acreditar que jamais
mentiria para mim.
 
— Perfeito. — Ele alisa meus cabelos e beija minha boca
suavemente. — Vamos sair às seis, então? Me encontra no elevador que vou
te levar pra conhecer meu apartamento.
 
— Tudo bem. — Pronto, basta ele acenar com um convite desses
para que eu fique com o coração alvoroçado. — Não se atrase, não gosto de
esperar.
 
— Nunca mais você vai ter que esperar nada, Julia.    — Ele sorri
daquele jeito safado e cínico que eu adoro e completa. — Eu vou te dar o
mundo.
 
Sacudo a cabeça e saio da sala rebolando do jeito que ele gosta.
Afinal, se posso confiar em Vinicius, também posso dar o meu mundo a ele.
 
 

 
Volto para a minha mesa a passos lentos pois não sei exatamente o que dizer a
Lorena. Temos uma diferença de idade de dez anos, mas, até hoje, eu não havia
sentido isso pulsando tão forte na minha cabeça. Acho que o jeito com que Bernardo
olhou para ela acendeu uma luz vermelha em mim, que passou a piscar
alucinadamente junto a um alarme ensurdecedor quando notei que ela devolveu o
olhar na mesma intensidade. Nesses dois anos em que ela trabalhou comigo, nunca
vi Lorena olhando mais do que uma vez para homem nenhum.
 
Não me levem a mal, ela é linda e super sexy com aquela cabeleira ruiva e
seus olhos verdes e sei que pelo menos metade do departamento baba nas tatuagens
que ela ostenta pelo corpo. Minha amiga recebe atenção de homens e mulheres, e
nunca deu chance para ninguém. Talvez por isso, ver aquele brilho em seus olhos
tenha me deixado preocupada. E se esse tal Bernardo não fosse o bom camarada que
Vinicius tanto fala?
 
— Você vai ficar aí parada me olhando, ou vai falar logo o que está na sua
cabeça?
 
Quando percebo já estou parada ao lado de Lorena, que me olha com a
cabeça inclinada para o lado e os braços cruzados sobre o peito, em uma de suas
poses clássicas quando quer intimidar alguém. Só que isso não cola comigo, sei que
não passa de autodefesa.
 
— Queria te falar um milhão de coisas mas sei que é perda de tempo. — Dou de
ombros e bato levemente em sua bochecha fazendo com que a cara mal-humorada
de Lorena se desfaça em um sorriso. — Só vou te pedir para ter cuidado, tá bem?
 
— Cruzes, Juju! Parece que o Vinicius me mandou para a cova dos leões! Para
com isso.
 
— Não sei o que deu em mim — murmuro enquanto me jogo na minha cadeira e
destravo o computador. — Mas tem coisas na sua vida que você nunca me contou e
eu tenho a sensação de que você é minha amiga, mas nunca deixou que eu realmente
retribuísse essa gentileza.
 
Ela me olha em silêncio e eu continuo:
 
— E tá tudo bem, Lorena. — Ofereço um dos mais sinceros sorrisos a ela
que permanece séria. — Sei que você mantém sua vida trancada dentro de um cofre
junto com todos os segredos de família e que gosta da sua privacidade. Só preciso
que você entenda que, não importa o que possa ter acontecido ou venha a acontecer,
eu sou sua amiga. Pode me ligar de madrugada, no fim de semana ou mesmo no
meio de uma catástrofe mundial que eu vou correr para o seu lado e segurar sua mão
quando você precisar.
 
— Se — ela me corrige, sua voz dura e seca —, se eu precisar.
 
— Não importa — afirmo enquanto analiso seu rosto impassível. —
Quando, se... Estou aqui e sempre estarei.
 
— Doida. — É tudo que ela me responde, dando a conversa por encerrada ao
virar as costas e voltar ao trabalho.
 
Fico parada mais uns segundos olhando para as costas de Lorena, mas os
papéis na minha mesa me lembram que tenho muito trabalho pela frente e decido
trabalhar para não ficar pensando em teorias que podem me enlouquecer.
 
O resto da tarde voa e, só quando Lorena chuta de leve a minha cadeira,
percebo que já são quase seis da tarde. Tiro os fones de ouvido, passo a mão pelos
cabelos e espreguiço o corpo enquanto pergunto.
 
— Já vai?
 
— Vou sim. — Ela para ao meu lado e vejo que prendeu os cabelos em um
rabo de cavalo e que seus lábios tem um leve tom rosado. Lorena está usando o
casaco preto que comprei para ela, cobrindo as tatuagens do braço esquerdo. — Vou
jantar na casa dos meus pais hoje então tenho que correr para não pegar muito
trânsito.
 
— Ah, sim. Não sei onde eles moram — levanto as mãos em um sinal de
resignação —, mas sei que essa hora, no Rio de Janeiro, nada anda.
 
— Eles moram na Lagoa. — É tudo que Lorena me diz. — Daqui até lá não
demora muito, mas é melhor não arriscar.
 
Ela dá a conversa por encerrada colocando a bolsa no ombro, sai em direção
ao elevador e, antes que eu tenha chance de dizer mais alguma coisa, meu telefone
toca, mostrando o nome de Vinicius.
 
— Oi. — Minha voz sai suave, parecendo um ronronar de gato. Merda.
 
— Oi, você — ele responde dando uma entonação sensual à voz. — Está
pronta?
 
— Estou sim. — Olho ao meu redor, os documentos espalhados, o notebook
ainda ligado e afirmo: — Te encontro no elevador.
 
Desligo antes de ouvir a resposta de Vinicius e, juntando toda a documentação
em uma enorme pilha, coloco tudo no armário sobre a minha cabeça. Fecho o
notebook sem me preocupar em desligá-lo e o coloco sobre a pilha de papel
enquanto checo a trava de segurança firmemente presa à mesa. 
 
A empresa tem uma política chamada “Mesa Limpa” e, por isso, somente
nossos objetos pessoais podem ficar à vista, evitando assim os problemas com
documentos perdidos ou informações vazadas. Dou uma última conferida para que
nada, além dos meus post-its coloridos e minhas canetas, fique sobre a mesa e
rapidamente passo a chave no armário, colocando a bolsa no ombro. Consigo chegar
ao elevador antes de Vinicius, que parou no corredor para falar alguma coisa com o
Jonatas, e quando ele chega sorrindo para mim, confiro as horas no celular e aviso.
 
— Atrasos não são tolerados, chefe. Vamos ter que conversar sobre esse seu
comportamento rebelde essa noite.
 
Vinicius me empurra para dentro do elevador e sussurra ao meu ouvido:
 
— Conversar é a última coisa que vamos fazer.
 
Ai, ai, ai, meu coração....
 

 
— Satisfeita?
 
Inclino a cabeça para o lado, os olhos fechados enquanto acaricio minha
barriga. Na mesa à minha frente, o cardápio que eu mais amo: pão francês,
mortadela defumada e Coca-Cola zero. Satisfeita nem começa a definir o que estou
sentindo. Abro os olhos e vejo Vinicius sorrindo para mim do mesmo jeito que ele
faz todas as manhãs desde que começamos esse relacionamento. Tenho que
confessar que depois de uma semana inteira ao lado dele, me aperta o peito só de
pensar em ter que voltar ao meu apartamento.
 
Depois da notícia sobre a transferência de Lorena, fomos pegar minhas
roupas e algumas outras coisas que uma mulher precisa para sobreviver na casa do
namorado e, desde então, tenho passado as noites na cama de Vinicius. Quase uma
semana recheada de momentos deliciosos como esse.
 
O apartamento em que ele mora no Leblon é amplo e muito arejado, apesar de
estar em um prédio antigo. Vinicius me contou que comprou o imóvel em um leilão
e mandou reformar para que ficasse do jeito que ele sempre sonhou. Como seus pais
moram em outro estado e ele havia gastado todas suas economias no projeto de
reforma, Vinicius teve que ficar dormindo no apartamento durante a obra. Tudo isso
aconteceu na mesma época em que ele assumiu nosso departamento e agora fazia
muito mais sentido o seu mal humor, as roupas amassadas e a falta de paciência.
Não estou dizendo que isso é desculpa, estou apenas colocando mais algumas peças
do quebra-cabeças em ordem.
 
A sala do apartamento é dividida em duas partes, uma com o enorme sofá
preto de costas para a janela e a outra com a mesa de jantar oval e as suas quatro
cadeiras, bem de frente para a vista da praia, que desponta no canto esquerdo da
janela. Não sei de onde ele tirou tanto bom gosto, mas sei que estou apaixonada pelo
piso de mármore e pela decoração clara.
 
— Supersatisfeita. — Consigo dizer em um fôlego só. — E não apenas com
o café da manhã.
 
Levanto-me e caminho em sua direção, posicionando-me entre suas pernas
enquanto me inclino para beijar seus lábios.
 
— Uhm, gostinho de mortadela. — Ele ri enquanto me puxa para o seu colo
onde, depois desses dias de calmaria, me acomodo sem resistência. — Já me
perdoou por ter transferido sua amiga?
 
— Não é questão de perdoar ou não. Você sabe disso — argumento enquanto
acaricio seus cabelos, plenamente consciente da ereção que já começou a se formar
entre suas pernas. — Eu sei que o Bernardo é seu amigo e que você confia
cegamente nele, mas algo dentro de mim diz que tem alguma coisa errada. Sei lá,
intuição, talvez.
 
— Tudo bem, vou acreditar nessa sua tal de intuição e vou chamar o Bê para
conversar. — Ele enlaça minha cintura e me beija profundamente por alguns
segundos, afastando-se em seguida. — Agora você precisa se levantar do meu colo,
Dona Julia, pois eu não vou conseguir me afastar de você. Hoje é sexta feira e não
podemos chegar atrasados de novo.
 
Dou uma gargalhada espontânea ao me lembrar de que, todos os dias dessa
semana, chegamos juntos e atrasados ao escritório devido ao sexo matinal mais
maravilhoso da minha vida. Mas hoje Vinicius tem uma reunião com os diretores e
o presidente da empresa e não podemos correr riscos de pegar mais um
“engarrafamento”. Já estamos dando muita sorte para o azar.
 
— Tudo bem, tudo bem, chefinho. — Apoio as mãos em seu peito enquanto
beijo seu queixo e me levanto. — Vou só escovar os dentes e podemos sair.
 
Saio do seu colo e escuto-o suspirar. Viro-me em sua direção e ele está com
as mãos cruzadas atrás da cabeça olhando-me com intensidade, como se estivesse
pensando em mil coisas ao mesmo tempo.
 
— O que foi? — Minha curiosidade quer saber o que está deixando Vinicius
com essa cara de quem sonha acordado.
 
— Nunca imaginei que poderia ser assim tão simples viver com alguém —
ele confessa sorrindo. — Depois da Penélope eu nunca mais consegui me ver
dividindo minha rotina, minha vida e minha cama com uma mulher. E aí, veio
você...
 
— É, vim mesmo. — Sacudo o dedo no ar na tentativa de quebrar esse clima
gostoso que me deixa de pernas bambas e com vontade de pular nos braços dele. —
E acho bom não aparecer nenhuma engraçadinha nova na sua vida para tentar tirar
isso de mim. Nem nova e muito menos velha.
 
Ele sacode a cabeça como se a simples ideia de que a mulher que o sacaneou
no passado pudesse voltar, o deixasse enojado e afirmou.
 
— Não existe essa chance, Julia. Penélope é um fantasma do passado, nunca
mais tive contato com ela e nunca mais terei.
 
Meu coração se aperta no peito com essa frase, mas, da mesma forma que eu
senti algo estranho em Bernardo no início da semana, sinto agora em Vinicius, e
insisto.
 
— Não tem nada que você queira me contar sobre essa tal Penélope do seu
passado? Algo que ainda não tenha me contado?
 
— Você já sabe tudo sobre esse assunto.
 
— Vinicius, acredite em uma coisa, nunca sabemos tudo sobre nenhum
assunto.
 
Caminho devagar em direção ao banheiro onde acabo de me arrumar e
quando saio ele já está pronto, sentado no sofá, digitando furiosamente no celular.
 
— Vamos?
 
— Sim — ele responde sem me olhar. — Deixa eu terminar de mandar uma
mensagem para o Bernardo. Você sabe que hoje é o primeiro dia da Lorena no
departamento dele, né? Aliás, hoje ela vai deixar as coisas dela lá e finalizar
algumas coisas com o Jonatas para não deixar nada descoberto nesse projeto da
Teixeira e Filhos.
 
Vinicius levanta os olhos para mim e completa:
 
— Por isso também não queria me atrasar, Julia. Para que você pudesse estar
com ela enquanto Lorena arruma suas coisas. Achei que você gostaria de passar um
tempo extra ao lado da sua amiga.
 
— Obrigada, Vinicius. — Meus olhos ficam úmidos, mas eu não derramo
uma lágrima sequer. Estou tentando me convencer de que não há motivos para isso.
— Significa muito mesmo.
 
Ele se levanta e guarda o celular no bolso da calça oferecendo a mão para
mim que deixo meus dedos se entrelaçarem nos dele em um encaixe perfeito. Vamos
em silêncio até a garagem e, assim que entramos no carro, ele liga o rádio nas
notícias locais. Nossa viagem é rápida e sem trânsito e falamos amenidades sobre o
projeto e como o trabalho com a empreiteira está fluindo tranquilamente. Assim que
chegamos, ele para na frente do prédio e destrava as portas, dando-me um beijo
rápido.
 
— Vai indo na frente que vou estacionar o carro e acertar a mensalidade do
estacionamento. Te vejo lá em cima.
 
— Perfeito.
 
Ainda fico parada na calçada uns segundos, observando o movimento na
Praia de Botafogo até que finalmente resolvo entrar. Procuro meu crachá na bolsa e
quando não o encontro vou até o balcão para solicitar um provisório. Enquanto a
recepcionista preenche os dados, minha atenção é desviada para uma criança que
corre de um lado para o outro em frente ao hall dos elevadores. Seus cabelos pretos
estão precisando urgentemente de um corte e me pego procurando sua mãe com os
olhos.
 
— Quem é esse menino? — pergunto à recepcionista. — E onde está a mãe
dele?
 
— A mãe dele sou eu. — Uma loira deslumbrante responde antes que a
recepcionista tenha chance e eu sinto novamente aquele aperto no peito quando seus
frios olhos azuis me encaram. — Algum problema com o meu filho?
 
— Sim, eu tenho um problema. Ele não pode ficar solto por aí, correndo
como um endemoniado perto dos elevadores. Vai acabar se machucando e você vai
nos arrumar um problema.
 
Ela dá uma gargalhada, seus cabelos lisos e brilhantes sacudindo com o
movimento da cabeça.
 
— Querida, problema é o meu nome do meio. Isso não me assusta. — E,
fixando seus olhos em mim, completa: — E nem você me assusta.
 
A mulher vira as costas para mim e chama o filho:
 
— Vem aqui, garoto, antes que eu esquente a sua bunda.
 
O menino vem correndo na direção da mãe, ele deve ter uns cinco anos e
tem os olhos azuis iguais aos dela, brilhantes e desafiadores. Ele olha para mim e
pergunta;
 
— Você é a secretária do meu pai?
 
— Fica quieto, Douglas. — A loira bate no balcão com suas longas unhas
cor-de-rosa, chamando a atenção da recepcionista que acabou de me entregar meu
provisório. — Vai demorar muito, meu bem?
 
— Ah, sim — a menina responde com um ar de quem não aguenta mais
ouvir a voz da mulher, coisa que eu entendo completamente.  — Dona Julia, a
senhora sabe do Doutor Vinicius?
 
E aí está o motivo da minha dor no coração. Os olhos azuis do menino, a
mulher de cabelos loiros e atitude pedante. Tudo sinaliza para uma situação que eu
me recuso a querer aceitar.
 
— Ele está estacionando e já vai entrar, por quê?
 
— Eu estou esperando ele há mais de meia hora. — Quem me responde é a
loira. — Me disseram que o horário é das 8h às 17h e o Vini sempre foi pontual.
 
— Você recebeu a informação errada, senhora. — Minha voz rasga a
garganta e eu tenho que controlar minha vontade irracional de apertar o pescoço da
mulher. — Estamos dentro do horário, porém não lembro de ter visto nenhuma
reunião pessoal do Vinicius na agenda de hoje.
 
— Ah, então meu filho acertou e você é mesmo a secretária dele? — ela
pergunta em um falso tom de doçura enquanto passa a mão nos cabelos do menino,
que não para de me olhar com aqueles olhos tão familiares.
 
— Não sou, mas tenho acesso à agenda. Em que posso ajudar.
 
— Você? — Ela dá mais uma risada. — Em nada, querida, meu assunto é
com o Vini.
 
— Juju? — Ah, era só o que me faltava, Lorena chegar justo na hora que eu
preparava uma resposta malcriada para essa cria de Belzebu. Ela olha para mim,
para a loira e para a criança. — Tudo bem aqui?
 
— Tudo ótimo, Lorena. — Eu aponto para a mulher e continuo. — Essa
senhora está esperando o Vinicius, mas eu não lembro de ter nada na agenda dele,
você lembra?
 
— Nadinha. — Ela tira os fones de ouvido e o som altíssimo de rock passa a
ser nossa trilha sonora. Lorena não se intimida com o olhar gelado da loira e analisa
cada pedacinho dela até que seus olhos param no menino e ela murmura: — Não
pode ser.
 
Ela olha para mim e, antes que possamos falar alguma coisa, avisto Vinicius
e Bernardo entrando no prédio rindo de alguma piada que só eles entendem.
Vinicius olha para mim e seu sorriso aumenta, mas ao perceber que não estou
sozinha uma expressão confusa aparece em seu rosto, ao mesmo tempo em que
Bernardo o segura pelo cotovelo e exclama.
 
— Penélope! Mas que diabos você está fazendo aqui?
 
A loira vira o corpo na direção dos dois e, mesmo sem ver, tenho a certeza
de que está sorrindo quando fala as palavras que acabam com minha ilusão de
felicidade.
 
— Vim trazer seu filho para te conhecer — ela faz uma pausa dramática e
olha para mim por sobre o ombro antes de completar —, Vinicius.
 
Obrigada, Universo, por me mostrar o que eu poderia ter e depois tirar de
mim. Muito obrigada mesmo.
 
Entrego a chave do carro ao manobrista e, quando me inclino para pegar
minha carteira no porta-luvas, algo chama minha atenção. Estico o braço e
recupero o crachá de Julia que está no vão entre os bancos. Provavelmente
caiu de sua bolsa quando ela se inclinou para me beijar, e agora ela deve
estar presa na recepção aguardando a boa vontade da funcionária em lhe
providenciar um crachá provisório. Deslizo-o para dentro do bolso da minha
camisa e saio do carro, avistando Bernardo na calçada no momento em que
saio do estacionamento.
 
Ele me dá um daqueles sorrisos idiotas que são sua marca registrada e
acena para mim. Posso ver duas jovens olhando para ele completamente
hipnotizadas por seus cabelos loiros e pela cicatriz que ele tem na testa.
Sempre achei injusto eu ser o cara que é fá de Harry Potter e ele, que nunca
chegou perto dos livros, ter uma cicatriz na testa, mas a vida me compensou
de outras maneiras. Chego perto do meu amigo e nos cumprimentamos com
um rápido abraço enquanto ele fala apressado.
 
— Lorena vai mesmo hoje, não é? — Arqueio a sobrancelha intrigado,
todas aquelas coisas que Julia me disse ainda estão martelando em minha
cabeça.
 
— Vai sim. Aliás, vamos voltar àquele assunto onde Julia continua
insistindo que tem algo de errado com essa transferência. Eu já te falei como
ela é. — Dou um sorriso que é um misto de resignação com puro orgulho. —
Quando cisma com alguma coisa não larga o osso. Você jura por nossa
amizade que não tem nenhum interesse sexual em Lorena? Nem preciso te
lembrar que você é um cara casado e tem toda aquela merda que aconteceu
com a Julia e…
 
— Para, Vini. — Bernardo me segura pelo braço e ficamos parados no
meio do calçadão, um olhando para o outro enquanto ele confessa. — Não
posso mentir para você. Todas as vezes que penso naquela mulher, meu
sangue parece correr mais acelerado em certas partes do corpo. Sim, eu sou
casado e respeito demais a Cintia, mas existem coisas na vida que não
podemos explicar e oportunidades que não devemos perder.
 
Bernardo passa a mão pelos cabelos e levanta os olhos para o céu como
se tivesse pedindo ajuda divina, mas isso não me comove. Estou mais do que
acostumado com os dramas desse camarada e, ao longo dos anos, me tornei
totalmente imune a esse tipo de chantagem emocional. 
 
— Não sei o que está acontecendo comigo, Vini. Mas te prometo que
não vou me aproveitar da Lorena. Só quero ter a chance de estar perto dela,
conhecer mais um pouco sobre essa mulher e entender o meu fascínio por
todas aquelas tatuagens que ela tem.
 
— Não sei, Bê — insisto enquanto voltamos a caminhar em direção
ao escritório. — Você tem que me prometer que não vai fazer nada que
venha a estragar meu relacionamento com a Julia. Se você me foder eu juro
por Deus que raspo essa sua cabeça, arranho seu carro e faço da sua vida um
inferno.
 
Bernardo dá uma risada e abre a porta para que eu entre enquanto
comenta.
 
— Essa Julia mexe mesmo com você, hein!
 
Meus olhos localizam Julia parada no balcão ao lado de Lorena e, no
momento em que levanto a mão para mostrar que seu crachá está comigo,
noto uma terceira mulher com elas.
 
Seus cabelos loiros são estranhamente familiares e quando ela solta uma
gargalhada, meu coração se aperta dentro do peito, me deixando com a
sensação de estar se partindo em um milhão de pedaços. Meu sorriso morre
nos lábios e eu não consigo encontrar minha voz. Na verdade, meu cérebro
está meio gelatinoso e eu sinto como se houvesse perdido a capacidade de
formar frases. Habilidade essa, que Bernardo parece não ter perdido.
 
— Penélope! Mas que diabos você está fazendo aqui?
 
“É impressão minha ou a voz dele saiu meio esganiçada?” Penso
enquanto tento afrouxar uma gravata imaginaria que aperta meu pescoço, me
deixando sufocado.
 
A loira vira o corpo na nossa direção e sorri diabolicamente quando
fala as palavras que tiram o chão de baixo dos meus pés.
 
— Vim trazer seu filho para te conhecer — ela faz uma pausa
dramática e olha para Julia por sobre o ombro antes de completar, —
Vinicius.
 
Isso tem que ser um pesadelo, não existe nenhuma outra explicação.
Como também não existe nenhuma explicação plausível para eu estar parado
no lugar sem me mexer, como se Penélope fosse a Medusa e tivesse me
transformado em uma estátua de sal.
 
Mas não é um pesadelo e eu continuo parado, chumbado ao chão
enquanto Bernardo corre até Penélope e, sem demora, a arrasta em direção
aos elevadores. Meus olhos buscam Julia, que está apoiada no balcão, com
uma das mãos cobrindo a boca enquanto Lorena sussurra alguma coisa em
seu ouvido.
 
Começo a caminhar em sua direção pois é obvio que tudo isso é um
mal-entendido, não existe possibilidade de Penélope ter tido um filho meu.
Nesse momento sinto um puxão nas minhas calças e olho para baixo. Um
moleque com os cabelos escuros compridos demais e olhos muito azuis está
me encarando. Ele tem a boca aberta em espanto e pisca diversas vezes antes
de perguntar:
 
— Você que é meu pai?
 
Puta que pariu. Puta que pariu. Puta que pariu.
 
Me abaixo para olhar o moleque mais de perto e não posso negar, ele se
parece demais comigo. Mas ainda assim, nada disso faz sentido, não tem
como pois já fazem mais de cinco anos que eu não tenho o desprazer de
colocar os olhos nessa mulher.
 
De repente a minha ficha cai. Cinco anos, meu Deus.
 
— Garoto — seguro o queixo dele que me olha muito sério —,
quantos anos você tem?
 
— Vou fazer isso… — Ele levanta a mãozinha com os cincos dedos
bem abertos, esfregando na minha cara o pior deslize da minha vida. —
Moço, você é meu pai?
 
— Boa pergunta, garoto. Boa pergunta.
 
Ainda abaixado, levanto a cabeça para ver como estão as coisas com
Julia, mas, para meu desespero, ela desapareceu. Parada à minha frente está
Lorena, com uma cara muito decepcionada e logo adiante Bernardo e
Penélope. Os três parecem estar me esperando e eu faço a única coisa
aceitável no momento.
 
— O que você acha de vir comigo e a gente tentar descobrir o que
sua mãe veio fazer aqui? — O menino sacode a cabeça concordando comigo
e quanto eu me levanto ele estica os braços para mim. Não penso duas vezes
e pego a minha miniatura no colo, caminhando em direção à conversa que
pode mudar minha vida.
 
 
Aqui estou eu, de volta ao banheiro das secretárias, sonhos
espatifados pelo chão e buscando conforto na mulher que me olha,
devastada, do outro lado do espelho. Não era para ser assim, sabe? Eu não
deveria ter me envolvido com ele, acreditado em suas palavras e, muito
menos, me apaixonado.
 
"Mas você já estava apaixonada, Julia. E ele também."
 
Ah, cérebro, engole esse seu colar de pérolas e sua voz calma e
tranquila de quem já viu de tudo nessa vida. Você não está me ajudando em
nada, aliás, não me ajudou desde que Vinicius entrou naquele provador
comigo e virou meu mundo do avesso.
 
Apoio as costas no mármore frio da parede e, lentamente, vou
deslizando até me sentar no chão. Sinto um bolo se formando em minha
garganta e uma dor lancinante na cabeça sinaliza que eu não estou bem.
Puxo os joelhos contra o peito e apoio a cabeça neles, tentando me lembrar
de algum mantra que possa me trazer tranquilidade. Ah, me lembrei.
 
Puta que pariu mentiroso filho de uma puta.
 
Puta que pariu mentiroso filho de uma puta.
 
Puta que pariu mentiroso filho de uma puta.
 
Mas falar essas palavras não me acalma, acabam provocando o efeito
oposto. São como um balde de água fria que me acorda para o fato de que eu
realmente tenho o dedo podre para escolher homens. Primeiro, um mentiroso
charmoso, galante que era casado e me enganava. Agora, um mentiroso sexy
e sedutor que me jurou não ter mais nenhum segredo sobre seu
relacionamento com a ex e que agora me aparece com um filho. Mas o pior
disso tudo é o fato de ele ter afirmado na minha cara que não tinha contato
com aquela mulher desde a faculdade e agora eu descobrir que há apenas uns
anos ele andou comendo na mão dela.
 
"Não foi bem na mão que ele comeu, não é, Júlia?"
 
Antes que eu consiga me revoltar com a sabedoria ímpar do meu
cérebro, uma suave batida na porta me traz a realidade.
 
— Juju? — Lorena chama baixinho. — Não adianta se fazer de
morta porque eu sei que você está aí. Dona Odete já te entregou. Anda logo
e abre essa porta porque eu quero falar com você.
 
Levanto a cabeça e bato com ela repetidamente na parede enquanto
Lorena continua insistindo do lado de fora.
 
— Eu não vou sair daqui, ouviu? E tem mais, se você não abrir a
porta em dois minutos vou descer e dizer para o Bernardo que quero dar para
ele. — Paro de bater a cabeça na parede e escuto com mais atenção. — E
depois vou deixar todo mundo na empresa saber que sou amante dele e
que…
 
— Chega. — Abro a porta apenas o suficiente para que ela entre. —
Já basta uma mulher infeliz e traída nessa história. A última coisa que eu
quero é que você faça mesmo uma coisa dessas e vire assunto de fofoqueiros
pelos corredores.
 
— Mas você é mesmo tonta. — Minha amiga sorri e faz um carinho
no meu rosto, fazendo com que as lágrimas finalmente comecem a rolar por
minhas bochechas. — Eu jamais me envolveria com um cara casado, ainda
mais amigo desse idiota do seu namorado.
 
— Ele não é mais meu namorado — murmuro contrariada enquanto
luto contra as lágrimas que agora caem livremente. — Ele mentiu para mim.
 
— Ah, Juju, pelo amor de Deus. — Lorena pega um bolo de papel
toalha e me entrega com um suspiro de impaciência. — Todo mundo mente
nessa vida, todos temos segredos. Muitas vezes as pessoas se enganam e
cometem erros. Não estou defendendo o Vinicius, mas, pela cara dele, isso
afetou tanto a ele quanto a você.
 
Não respondo nada pois, simplesmente, não tenho o que dizer nesse
momento, tamanha a vontade que sinto em concordar com Lorena. Quero
sair correndo, entrar na sala dele e socar aquela mulher até ela perder aqueles
dentes perfeitamente alinhados, mas me contento em secar as lágrimas e
engolir o choro enquanto Lorena me olha em silêncio. Faço sinal para que
ela se afaste e me levanto ficando de frente para a mulher no espelho.
Gostaria que ela pegasse na minha mão e me desse um sorriso sereno
afirmando que tudo vai dar certo, mas ela tem os mesmos olhos vermelhos
que eu e os cabelos desgrenhados que a deixam com uma aparência frágil.
 
— Você não é assim — sussurro para o espelho.
 
— Não mesmo. — Lorena fala por cima do meu ombro, oferecendo
um batom vermelho e uma escova de cabelos que acabou de tirar de sua
mochila. — Está na hora de sair daqui e enfrentar aquela mulher horrorosa.
 
— Ela é tudo, menos horrorosa. — Meu lábio inferior treme um
pouco quando confirmo a beleza da minha rival.
 
— Bem — Lorena dá de ombros largando os objetos na pia —, para
mim ela é horrorosa e veio atrás do Vinicius por algum motivo muito errado.
Se arrume logo, Julia, pois ela já está na sala dele com aquele menino fofo. E
você está atrasada.
 
Lorena sai do banheiro deixando-me sozinha com meu reflexo, a
mente fervilhado, cheia de caraminholas teimosas. Se ele mentiu sobre
Penélope, o que mais pode estar me escondendo? O que mais ele inventou
para me levar para sua cama? Será que as últimas semanas não passaram de
uma brincadeira para ele?
 
"Chega. Pare com essa palhaçada!" Meu cérebro diz com uma voz
muito firme e eu me vejo compelida a obedecer, silenciando o burburinho
dentro da minha cabeça e penteando os cabelos com cuidado até que eles
fiquem lustrosos. Passo uma suave camada do batom vermelho nos lábios e,
respirando fundo, saio do banheiro, disposta a colocar os “pingos nos is”
dessa história toda.
 
Quando chego em frente à sala de Vinicius, setenta por cento da
minha coragem já se perdeu pelo caminho e, com o que me resta, coloco a
mão na maçaneta e a giro decidida. Porém, para minha surpresa, apesar de
escutar as vozes lá dentro em uma discussão acalorada, a porta não abre.
 
Sabe aquele restinho de coragem? Acaba nesse instante e viro as
costas caminhando a passos rápidos para a salinha de café, onde encontro
Lorena sentada ao lado de Bernardo conversando baixinho, como se
estivessem tramando a derrubada de um rei.
 
— O que está acontecendo aqui? — pergunto enquanto coloco a
máquina para funcionar e o cheiro de café invade o ambiente.
 
— Estamos falando de você e do Vinicius — Lorena diz sem rodeios.
 
— Na verdade, ainda estamos tentando entender o que aconteceu
hoje de manhã. — Bernardo está sério e me olha como se eu pudesse lhe dar
essa resposta.
 
— O que aconteceu? — Tiro o café da máquina e enquanto pingo o
adoçante olho na direção deles. — Muito simples, seu amigo é um babaca
mentiroso, que disse não estar me escondendo nada e afirmou nunca mais ter
encontrado com a ex-namorada que destruiu a vida dele. A única coisa que
eu pedi a ele foi que não me escondesse nada e ele sabia que eu não ia
conseguir encarar mais mentiras depois de tudo que passei.
 
— Juju, você não pode beber isso. — Lorena aponta para o café e
percebo que mantive o adoçante pingando o tempo todo, transformando
minha bebida em algo intragável.
 
— Vini não é um babaca — Bernardo diz simplesmente.
 
— Ah, isso ele é sim. — Lorena dá um tapa na mesa assustando
Bernardo e me fazendo sorrir a contragosto. — Já era um babaca quando era
apenas o chefe grosseirão, agora foi promovido a namorado mentiroso. Quer
mais babaca do que isso?
 
— Mentiras, então, aumentam nossa pontuação na sua tabela de
babaquices? — Ele olha para ela com um misto de curiosidade e
arrependimento no olhar e eu sinto de novo aquele incômodo na boca do
estômago. — Todo mundo mente, Lorena.
 
— Concordo e falei isso agora mesmo para a Juju. Mas existem
vários tipos de mentiras, e Vinicius mentiu sem necessidade, elevando a
babaquice dele a enésima potência.
 
— E agora ele está trancado na sala com ela. — Os dois olham para
mim e dou de ombros. — Ele nunca tranca a porta, mas fez isso hoje. Ou
seja, não quer mesmo que eu saiba o que está acontecendo.
 
Um silêncio constrangedor toma conta do ambiente, cada um de nós
imerso em seus próprios pensamentos e teorias até que Bernardo se levanta e
declara.
 
— Pois eu vou lá agora e ele vai ter que abrir a droga da porta. Essa
palhaçada precisa acabar.
 
— Que bonitinho. — Lorena olha para ele com uma cara meio
abobada e constata. — Você não fala palavrão.
 
— Não falo mesmo. Acho indelicado com as pessoas que convivem
comigo. — Ele dá de ombros e, sorrindo, completa. — Que tal você ir
arrumar suas coisas com a ajuda da Julia e, quando eu sair da sala do Vini,
descemos juntos para que você conheça seu novo local de trabalho?
 
— Feito. — Lorena estende a mão e Bernardo segura seus dedos com
muito cuidado, como se ela fosse uma delicada bonequinha de porcelana,
capaz de se quebrar a qualquer instante. Ou como se fosse um sonho, do qual
ele não quer acordar, e isso me deixa nervosa de novo.
 
— Vamos logo, minha gente, porque esse "teretete" aí de vocês
também não está me cheirando nada bem e eu não aguento mais homens
babacas e mulheres com corações partidos.
 
Sou solenemente ignorada pelos dois, assim como ando sendo
ignorada pelo Universo. Eles se despedem e Bernardo faz um carinho no
meu ombro antes de sair em direção à sala de Vinicius.
 
— Ele parece ser um cara legal. — Deixo escapar, um tanto
admirada com essa constatação. — Mas não podemos esquecer da aliança
em seu dedo.
 
— Impossível esquecer, Juju. — Lorena faz uma careta e passa o
braço pelo meu enquanto me arrasta para a mesa. — Mesmo que eu queira
ignorar esse fato, conto com você para me lembrar dele diariamente.
 
Concordo com a cabeça e, assim que chego à minha mesa, sento na
cadeira e acompanho silenciosamente todos os movimentos da minha amiga
enquanto ela empacota dois anos de trabalho em apenas duas pequenas
caixas de papelão, ficando pronta para me abandonar em menos de trinta
minutos.
 
— Pronto. — Ela sorri satisfeita. — Agora só precisamos aguardar o
retorno do Bernardo.
 
— Sim — olho para o final do corredor que permanece vazio —, é só
isso mesmo que podemos fazer.
 
Assim que chegamos na porta da minha sala, empurro Penélope para
dentro com toda a raiva que está latejando em mim, trancando a porta atrás
de nós. A última coisa que quero no mundo é ficar a sós com ela, mas
preciso esclarecer essa confusão antes que Julia apareça. Douglas corre em
direção à minha cadeira giratória e começa a rodar nela, fazendo um barulho
com a boca que imita um carro de corrida. Impossível não sentir o coração
bater mais forte enquanto olho para aquele moleque que parece tanto
comigo.
 
— Ei, garoto — chamo com um sorriso enquanto seguro a cadeira e
olho diretamente em seus olhos.
 
— Meu nome é Douglas — ele fala baixinho.
 
— Tá certo, vamos tentar de novo. — Coloco as minhas mãos em seus
ombros pequenos e sou tomado por uma sensação muito estranha de
familiaridade. — Ei, Douglas, quer ver uns vídeos no computador?
 
— Ele é uma criança — Penélope retruca já acomodada em uma das
cadeiras da minha mesa de reunião, como se estivesse em sua própria casa
—, cuidado com o que vai mostrar pra ele.
 
Entrego o fone de ouvido ao moleque e, sem olhar para ela, respondo
entredentes.
 
— Posso ser idiota no que diz respeito a várias coisas, mas sei lidar
muito bem com crianças.
 
— Ah, andou espalhando mais filhos por aí? — Mesmo sem olhar para
Penélope, tenho certeza de que seus lábios volumosos estão esticados em um
daqueles sorrisos preguiçosamente sexies que ela sabe dar.
 
— Vitoria teve três filhos. — É só o que digo enquanto ajeito os
fones em Douglas e coloco um desenho colorido e barulhento para passar.
 
— Produtiva, sua irmãzinha, seus pais devem estar orgulhosos dela.
 
Aumento ao máximo o volume do vídeo e, quando o moleque dá
uma gargalhada, eu falo em um tom muito mais alto do que deveria.
 
— Que porra é essa, Penélope?
 
— Não fale assim do seu filho! — Ela aponta displicentemente para o
menino, que já nem se lembra que estamos ali e eu tenho que controlar meus
impulsos homicidas. Quero apertar o pescoço dessa mulher até que ela não
consiga mais abrir essa boca venenosa e hábil na arte de enganar, mas não
posso fazer isso, não com uma mulher.
 
Ainda controlando a vontade latente de sacudir Penélope, me
aproximo dela e, quando me inclino em sua direção, o familiar perfume de
baunilha com morangos me envolve, trazendo algumas lembranças que
precisam ficar no passado. Respiro fundo e repito bem devagar.
 
— Que. Porra. É. Essa. Penélope?
 
Ela sorri para mim e, mais uma vez, apesar de saber que não deveria, me
perdoo por ter me deixado enganar por ela.
 
Penélope continua linda com seus cabelos dourados e seu ar
angelical. Não há nada nela que denuncie seu poder de destruição em massa,
muito pelo contrário, ela tem aquela postura delicada e inocente que faz com
que todos os homens queiram protegê-la das maldades do mundo, quando na
verdade ela é uma dessas maldades. Uma criatura tóxica, que destrói as
pessoas que têm a infelicidade de cruzar o seu caminho.
 
— Cansei de ser mãe solteira, e quero você de volta na minha vida.
Simples assim. — Ela dá de ombros como se tivesse acabado de me dizer
que o dia está nublado e preciso sair de casa levando um guarda-chuva.
 
Simples assim, ela diz. Era só o que me faltava!
 
Penélope cruza suas longas pernas e me lança um daqueles olhares
cândidos que costumavam a me fazer derreter na juventude. Meu corpo
treme, e não sei exatamente o motivo, só posso afirmar que não é amor,
paixão ou algum outro sentimento bom. Ao fundo, o moleque dá uma
gargalhada gostosa e, quando olho para ele e dou de cara com aquele par de
olhos azuis, tão característicos da minha família, meu coração se aperta
novamente.
 
Corro os dedos pelos cabelos na tentativa de arrumar meus
pensamentos, mas um sentimento de derrota começa a tentar se apossar de
mim.
 
— Aposto que você está se perguntando como isso aconteceu. — Ela
aponta para Douglas, o sorriso ainda estampado no rosto bonito. Ela não
mudou nada, continua dona de uma beleza estonteante digna de uma atriz de
cinema. — Se esqueceu mesmo, Vini?
 
— Não seja ridícula! — Me arrependo do grito no momento em que
ele sai da minha garganta, mas o moleque nem percebeu, tamanha barulheira
que o vídeo faz nos fones de ouvido. Seguro Penélope pelos ombros e digo,
entredentes. — É óbvio que eu me lembro, sua víbora.
 
Como se esquecer fosse uma opção. E acredite, tudo que eu mais quero
na vida é esquecer aquela noite em que reencontrei Penélope em uma boate
de São Paulo há cinco anos. Foram meses difíceis que passei alocado em um
cliente externo que só me deu dor de cabeça. Meses que passei sem voltar
para casa, sem ver minha família e Bernardo, o que para mim foi um
sacrifício pois não sou de fazer amigos facilmente devido a esse meu gênio e
ao cargo de chefia que ocupava. Quando eu digo que não é fácil ser chefe, as
pessoas riem de mim, mas só entende quem já passou muito tempo sem
saber se um convite para almoço era sincero ou se você estava sendo usado
para subir um degrau na empresa com uma falsa promessa de amizade.
 
Fiquei isolado do mundo vivendo do hotel para o trabalho e de volta
ao hotel onde passava horas assistindo TV. Ou saía sozinho a noite, para
beber e encontrar alguma companhia agradável que me oferecesse algumas
horas de prazer. Foi em uma dessas noites que tudo deu errado na minha
vida e me trouxe a essa revelação de hoje.
 
Confesso que não estava nada sóbrio quando a vi e só conseguia pensar
em como a loira deslumbrante se mexia de forma tão sensual que fazia meu
pau latejar. Ela dançava sem parar, rebolando e sacudindo os cabelos como
se me convidasse a dançar com ela.
 
Eu sabia que era improvável, mas quando ela se virou, tudo que eu vi
foi o rosto da primeira mulher que eu amei, a mesma que arrancou meu
coração do peito com uma colher enferrujada, causando uma dor imensa.
Ainda assim, quando ela sorriu para mim e me chamou com os dedos eu,
preso na deliciosa nevoa da embriaguez, aceitei o convite.
 
Eu falei que não estava nada sóbrio, mas preciso confessar, é mentira.
 
Eu estava bêbado para caralho naquela noite e quando ela passou
os braços pelo meu pescoço, senti o perfume de Penélope e me deixei
sonhar, acreditando que quando eu acordasse iria dar risada ao ver que a
mulher não era nada parecida com a minha ex. Deixei o ritmo da música me
levar enquanto dançava grudado em seu corpo escultural e nem me lembro
como fomos embora daquele lugar.
 
Quando eu acordei, a boca amarga da ressaca, ela estava sentada no
sofá do meu quarto, usando apenas minha velha camiseta do Capitão
América.
 
“Bom dia, raio de sol.”
 
O sorriso de Penélope era tão grande e brilhante que me senti
ofuscado e levantei a mão para os olhos antes de murmurar.
 
“Não pode ser. Estou sonhando.”
 
Ela deu uma risada cristalina, aquela mesma que eu sempre amei
ouvir, mas que passou a me dar calafrios, e confessou:
 
“Você não parava de repetir essas palavras durante a noite, Vini.
Enquanto você fazia amor comigo, sussurrava isso sem parar no meu
ouvido.”
 
“Amor?” — a palavra saiu como um cuspe da minha boca enquanto
eu olhava incrédulo para ela que se espreguiçava como uma gata.
 
“Amor, sim. Transamos, fodemos, fizemos amor. Como nos velhos
tempos.” — Ela jogou a cabeça para trás e suspirou de forma teatral. — “E
foi fantástico, exatamente como nos velhos tempos onde eu era tudo que
você queria.”
 
Essa frase acendeu uma luz na minha cabeça e fez com que me
levantasse da cama em um pulo, procurando as camisinhas usadas pelo
quarto. A busca foi em vão, não encontrei nada.
 
“Diga que você usa pílula! “
 
Apesar do tom de exigência em minha voz, eu estava me sentindo
apavorado como há anos não sentia.
 
“Só se preocupa com isso?” — Ela fez um biquinho e cruzou os
braços, olhando diretamente para mim, sem responder.
 
“Diga!” — Sacudi-a com força e ela riu. — “Não posso ter um filho
com uma mulher como você.  “
 
“Relaxa, Vini! Não quero filhos, nem seus e nem de ninguém”. —
Ela se desvencilhou de mim, o sorriso grudado nos lábios e concluiu: —
“Mas foi muito divertido ver que você continua o mesmo pato de sempre,
apaixonado pela mulher que te passou a perna.”
 
Penélope tirou a camiseta e a entregou para mim, deixando os lindos
seios livres com seus mamilos duros e rosados apontando na minha direção.
Joguei a camiseta de volta para ela, declarando, cheio de um misto de raiva
e mágoa.
 
“Pode ficar com essa merda. Você já a infectou com sua essência.”
 
“Nossa, preciso confessar que senti falta desse seu vocabulário.”
 
Fui pego de surpresa quando ela se inclinou e me beijou, sua língua
invadindo minha boca para logo em seguida morder meus lábios. Senti meu
pau reagir e sei que ela também notou. Meio que era impossível de disfarçar
com o tamanho dele.
 
“Pode esbravejar à vontade, raio de sol. Mas, no fundo, você ainda
me quer.”
 
E aquela foi a última vez em que coloquei os olhos, e outra coisa, em
Penélope. Até hoje de manhã quando ela apareceu para desgraçar o meu dia.
 
— Você me disse que estava tomando anticoncepcional. — É tudo
que consigo dizer, o que não me deixa com uma sensação de estar sendo
muito eloquente.
 
— Ah, eu estava. — Ela dá de ombros mais uma vez, e isso começa a
me dar nos nervos. — Mas você sabe como é... essas coisinhas acontecem.
 
Como se tudo estivesse sincronizado, o moleque começa a dar risada
e ela coloca a mão em cima da minha, sussurrando suavemente:
 
— Não é lindo, o nosso filho?
 
— Cala a boca, Penélope! Preciso pensar.
 
— Ah, sim. — Ela abre a bolsa e retira um cartão que estende para
mim. — Meu advogado disse que você precisa entrar em contato com ele
para fazer o teste de DNA.
 
Fico de boca aberta, espantado com a organização dessa mulher, mas
na verdade não deveria me surpreender. Ela já havia se mostrado capaz de
grandes golpes no passado, por que mudaria agora?
 
Enquanto fico parado igual a um idiota no meio da sala, ela se
levanta e rebola suavemente até onde Douglas está. Sem nenhum carinho,
arranca o fone dos ouvidos do menino e o arrasta sob protestos até a porta,
não sem antes dizer.
 
— Vamos, filho. Dá tchau para o papai.
 
Papai.
 
Puta que pariu. Estou muito fodido.
 
 
Pensei que ia ter tempo de respirar e organizar meus pensamentos, traçar
uma estratégia de guerra a fim de resolver meus problemas. Mas a vida
parece ter outros planos para mim.
 
— A cascavel já foi embora? — Levanto os olhos e, parado na porta está
Bernardo, com um semblante sério, me olhando como se eu fosse o vilão da
história.
 
— Já sim. — Recosto-me na cadeira e cruzo os braços por trás da
cabeça. — Como estão as coisas aí do lado de fora?
 
— Ah, tudo ótimo — ele responde com um ar de inocência. — A bolsa
de valores se mantém estável, o dólar não aumentou e não tivemos nenhum
surto de doenças infectocontagiosas.
 
— Deixa de ser babaca, Bernardo. — Estou cansado, preocupado e meu
amigo ainda tem a capacidade de fazer gracinhas com a situação na qual me
encontro. — Quero saber da Julia.
 
— Então talvez devesse ser mais direto, Vini. — Ele entra na sala,
fechando a porta atrás de si e senta-se na cadeira à minha frente. — Em
todas as situações.
 
— O que você quer que eu diga, Bê? Que lamento muito e estou
arrependido? — Dou de ombros e declaro. — Eu sinto muito e estou
arrependido, apesar de não saber porque vocês estão me culpando, já que eu
não sabia de nada.
 
— Ah, mas sabia, não é? — Ele sorri para mim e tenho vontade de dar
um murro bem no meio do seu nariz pela capacidade inegável que ele tem de
me irritar. — Sabia que tinha caído na lábia da Penélope há alguns anos e
nunca me contou isso. Sabia disso quando Julia te perguntou se você teve
contato com sua ex depois de tudo que ela te fez e você disse que não. Você
sabia de muitas coisas e não contou nada para ninguém.
 
Fico em silêncio, incapaz de encontrar forças ou palavras para me
defender, e Bernardo continua me acusando.
 
— Mas não, o intocável Vinicius Barroso jamais abriria seu coração para
ninguém. Ele nunca contaria que, em um momento de fraqueza, aceitou
umas migalhas da única pessoa que não merece sequer um segundo olhar
dele. Ao invés disso, engoliu a história e se deixou ser pego com as calças na
mão. Literalmente, né?
 
— Chega, Bernardo! Eu não vejo motivo para sair contando tudo da
minha vida para você ou para a Julia. Algumas coisas prefiro deixar
enterradas no passado e isso é um direito meu. — Dou um soco na mesa com
tanta violência que minha mão começa a latejar. — Você, de todas as
pessoas, não pode me acusar de não me abrir quando o assunto é mulher. Eu
sei que tem algo acontecendo com seu casamento. Esse seu súbito interesse
pela Lorena…
 
— Cala a boca, Vinicius! — Vejo meu amigo se levantar e avançar em
minha direção com o dedo apontado na minha cara. — Não estamos
discutindo eu, Lorena ou meu casamento. Estamos falando de como você
está a um passo de ferrar a sua vida por um caso de uma noite com aquela
sem-vergonha.
 
— Como eu fodi a minha vida por causa daquela vagabunda, seria uma
frase melhor. — Sinto-me derrotado e relaxo na cadeira. Meu amigo se
encosta na mesa, mais calmo e coloca a mão no meu ombro.
 
— Eu não posso negar que sua frase tem mais efeito, mas você sabe que
eu não gosto desse tipo de vocabulário.
 
— Sim, e hoje eu gostaria muito de ser como você, sabe? Calmo,
centrado e sem essa capacidade de fazer merda que eu tenho dentro de mim.
 
— Nem tudo na minha vida é perfeito, Vini. Pode acreditar. — Ele passa
a mão pelos cabelos e avisa. — Mas você precisa sair daqui agora e ir
conversar com a Julia. Ela está mais magoada pelo fato de você não ter
falado sobre esse encontro casual, que acabou gerando esse menino, do que
sobre o menino em si.
 
— Eu sei, Bernardo, acredite. Depois de tudo que a Julia passou, sei
como minha situação não parece nada promissora aos olhos dela. Vou agora
mesmo.
 
Basta que as palavras saiam da minha boca para que o telefone da minha
mesa comece a tocar. Nos dias de hoje, onde todas as comunicações são
feitas através de mensagens de texto, um telefone tocando nunca é um bom
sinal.
 
— Alô. — Escuto uma tosse do outro lado da linha e já sei exatamente
quem está falando.
 
— Oi, Vinicius, boa tarde. — Dona Odete, a secretária da Presidência
com sua eterna irritação na garganta nunca me traz um convite para um
cafezinho, sempre problemas e aborrecimentos. — O Doutor Bernardes está
precisando que você suba agora mesmo para tratar de um assunto importante
antes da reunião dessa tarde.
 
Dou uma conferida no meu relógio e vejo que ainda falta muito para a
hora do almoço, o que me dá tempo de sobra para resolver os assuntos com o
Bernardes e ainda pegar Julia saindo para almoçar.
 
— Tudo bem, Dona Odete. Já estou subindo.
 
Desligo o telefone e, olhando para Bernardo, peço.
 
— Você precisa falar para a Julia que eu sei que estou errado. Mas que
não posso ir falar com ela agora. Você sabe como o Bernardes odeia atrasos.
 
— Sei, sim. — Ele sorri. — Acho que é mal de nome.
 
Ele sempre faz essa piada sem graça sobre Bernardo e Bernardes e eu
sempre dou risada. Mas hoje não consigo, apenas concordo em silêncio
enquanto me apresso em ir até a presidência.
 
Ainda no elevador, tiro o telefone do bolso e mando uma mensagem de
texto para Julia pedindo para que me espere para o almoço pois preciso
conversar com ela.
 
Vejo a mensagem ser entregue e recebo a notificação que ela leu, mas
assim que entro na sala da presidência Dona Odete sorri para mim e sinaliza
para que eu deixe o celular em cima da mesa dela. É um hábito do velho
Bernardes, sem distrações durante as reuniões e eu não posso fazer nada a
não ser obedecer. Afinal, são apenas alguns minutos, no máximo uma hora.
 
Ninguém nunca morreu por ficar uma hora sem celular, certo?
 
Assim que entro na sala de reuniões vejo que estou muito mais enrascado
do que imaginava. Além do Doutor Bernardes, três dos diretores da empresa
estão sentados ao redor da mesa, perdidos em um mar de papéis. No canto da
sala, sobre um aparador, vários sanduíches e bebidas confirmavam minha
suspeita: não sairíamos dali antes do almoço. Muito pelo contrário, o almoço
seria ali mesmo.
 
— Vinicius! —  Doutor Bernardes me saúda com alegria. — Que
maravilha te ver, meu rapaz. Estou muito satisfeito com sua atuação no caso
dos empreiteiros.
 
Ele se vira na direção dos outros homens e, com um grande sorriso,
declara.
 
— Esse jovem conseguiu abocanhar a Teixeira e Filhos para um dos
nossos projetos em um contrato milionário que, além de tudo, abrange a área
de projetos sociais da empresa.
 
Todos me cumprimentam e encontro um lugar para sentar, minha cabeça
pensando em conseguir uma desculpa para sair da sala e recuperar meu
celular. Eu até poderia pedir isso diretamente ao Bernardes, mas depois de
ser tão parabenizado não quero correr o risco de aborrecê-lo com um assunto
que, para ele, não é negociável. Todos sabem dessa regra de ouro: Não usar
celulares nas reuniões da Presidência.
 
Logo fico sabendo do motivo da reunião e quando dou por mim já estou
oferecendo parecer técnico nos relatórios e discutindo soluções enquanto
enfio alguns sanduiches goela abaixo. As horas voam e confesso que chego a
me esquecer de Julia, Penélope e Douglas.
 
Até que uma suave batida na porta anuncia a entrada de Dona Odete.
 
— Doutor Bernardes, estou de saída.
 
Como assim de saída, porra?  Levanto a manga da camisa e meu relógio
marca cinco e meia da tarde.
 
— Puta merda — falo baixinho.
 
— O que disse? — Bernardes olha para mim.
 
— É, eu xinguei em voz alta. — Olho para Dona Odete e dou um sorriso
sem graça. — Desculpe-me.
 
— Deve ter algo com o fato do seu telefone ter vibrado o dia inteiro em
cima da minha mesa. — Ela sorri e confessa: — Precisei desligá-lo, rapaz.
 
— Aconteceu alguma coisa, Vinicius? — O homem mais velho coloca a
mão no meu obro. — Posso ajudar?
 
— Preciso usar o celular — admito em voz alta. — É realmente muito
urgente e eu não pediria se não fosse. 
 
Vejo Bernardes dar um suspiro e sacudir a cabeça em silêncio. Fico
pensando que ao mesmo tempo em que entendo seus motivos, também o
considero austero demais.
 
— Tudo bem, você pode ir — ele declara enquanto fecha uma das pastas
de papel que estava à sua frente. — Acho que não precisamos mais da sua
ajuda por aqui hoje.
 
— Muito obrigado. — Eu sei que ele está muito contrariado, mas não
vou perder essa oportunidade. — Estou à disposição no celular o resto da
noite, o senhor sabe, não é?
 
— Sim, eu sei. — Ele levanta os olhos escuros para mim e dá um tapa de
luva de pelica na minha cara. — Eu odeio essa coisa de celular, mas você
também sabe, não é mesmo, rapaz?
 
Sorrio em silêncio e, sem perder tempo, saio apressado parando apenas
para resgatar meu celular da mesa de Dona Odete. Paro na frente dos
elevadores e ligo o aparelho, ansioso para que as mensagens comecem a
chegar, o que não demora muito.
 
Corro a tela até encontrar o nome de Julia e vejo apenas uma mensagem
com uma carinha revirando os olhos, enviada há duas horas. Digito o nome
de Bernardo e, ao contrário da minha namorada, encontro vinte mensagens
dele cheias de ironias e até uma foto dele, Lorena e Julia em um bar. Logo
abaixo a mensagem final.
 
“Estamos no Bar do Digão. Vem logo, antes que a Julia desista de você.”
 
Dou um meio sorriso e sacudo a cabeça satisfeito com essa informação.
Se ela ainda não desistiu de mim, tudo pode se resolver.
 
Depois de passar na minha sala para pegar meu notebook, estou pronto
para ir ao encontro de Julia. Não é nada fácil arrumar uma vaga para
estacionar perto do Bar do Digão, que está sempre lotado com o pessoal do
bairro, e ferve pós-horário de trabalho, mas parece que estou com sorte e
consigo estacionar com uma certa rapidez. Logo na varanda um grupo canta
animado junto com um barbudo que toca violão no palco improvisado e, lá
no fundo do bar, encostada no balcão está Julia.
 
Ela está de costas para mim e seus cabelos estão soltos, descendo de
forma selvagem pelas costas. Vejo Lorena e Bernardo gargalhando de algo
que ela fala e meu coração se alivia. Estava com medo de que fosse
encontrá-la aborrecida ou até mesmo chorosa, mas ela me surpreende mais
uma vez. Julia gesticula e se movimenta, como se estivesse contando alguma
piada e, com isso, está fazendo os amigos rirem.
 
Vou abrindo caminho entre grupos de amigos que se amontoam em volta
das mesas, casais flertando, amigos brindando o fim de mais uma semana de
trabalho e, quando chego perto dela, ouço sua voz enrolada.
 
— Eu posso pagar a conta de todo mundo com o meu cartão de crédito.
— Ela sacode os braços, apontando para a testa. — Esse cartãozinho gold
aqui!
 
Dou a volta e, ficando de frente para ela, caio na risada. Grudado na testa
de Julia está o cartão dourado do plano de saúde, que ela ostenta como se
fosse um cartão de crédito sem limites e, nesse momento, percebo que ela
está mais embriagada do que qualquer um no bar.
 
— Viniciussss — ela diz esticando o S, naquele linguajar sexy que só os
bêbados têm, enquanto se joga nos meus braços. — Mas você demorou,
hein? 
 
— Demorei, Dona Julia. — Enterro o nariz em seus cabelos e inalo seu
perfume enquanto aperto seu corpo contra o meu. — Demorei tempo
demais. Você me perdoa?
 
Sinto Julia se aconchegar no meu abraço, seu corpo macio e quente
moldando-se ao meu como se fossemos um só.
 
— Perdoar? — ela murmura. — Perdoar você. Perdoar.
 
Julia se afasta apenas o suficiente para que eu veja seus olhos brilhantes
e o biquinho sexy que ela faz enquanto repete a palavra “perdoar” sem parar.
 
— Ei, Juju. — Ouço Lorena chamar atrás de mim. Já havia me esquecido
totalmente da presença dela e de Bernardo, até que ela fala: — Esse seu
cartão não serve para pagar a conta. Na verdade, mal serve para fazer exame
de sangue. Deixa que eu pago tudo e a gente acerta depois.
 
E virando-se para mim ela avisa, baixinho.
 
— Quem vai pagar a conta é você, seu idiota. Como teve a capacidade de
deixar a Julia esperando esse tempo todo, pode passar seu cartão e acertar
tudo.
 
— Pago todas as contas que forem necessárias — declaro enquanto puxo
a carteira do bolso da calça, tiro o cartão e o coloco em cima do balcão. —
Obrigada, Lorena, por ter ficado com a Julia até eu chegar.
 
— E eu, não ganho um obrigado?
 
Dou um soco leve no peito de Bernardo, que se encolhe fingindo sentir a
maior dor do mundo. Julia dá uma gargalhada estrondosa, balançando dentro
do meu abraço.
 
— Você é muito engraçado, Bernardo. — Seu olhar se abranda e ela
comenta: — Lorena tá muito encrencada indo trabalhar com você.
 
Ficamos todos em silêncio diante dessa declaração de Julia e percebo
quando meu amigo deixa os olhos se fixarem na ruiva ao seu lado. Lorena
parece muito incomodada e, pulando do banco, dá um beijo em Julia e se
despede.
 
— Você já está nos braços do seu príncipe desencantado, Juju. Vou para
casa.
 
— Eu te levo.
 
A voz de Bernardo sai apressada e um pouco esganiçada, fazendo com
que mais uma vez eu concorde com as declarações de Julia sobre as
intenções do meu amigo.
 
— Nem pensar, chefe. — É a resposta rápida e cortante da jovem. —
Não misturo prazer com negócios, ainda mais quando o prazer vem de um
homem casado. Boa noite a todos.
 
Ela vira as costas e deixa meu amigo com um ar abobado, admirando sua
saída teatral. O silêncio é cortado por Julia que canta bem alto enquanto
esfrega o corpo no meu.
 
“Delícia, delícia
 
Assim você me mata
 
Ai, se eu te pego
 
Ai, ai, se eu te pego”
 
Extremamente sem graça, Bernardo sinaliza para que o garçom feche a
nossa conta, e eu sussurro no ouvido de Julia:
 
— E se eu te pegar?
 
— Eu disse que te perdoei? — Ela cruza os braços, tentando parecer
brava, mas parece apenas uma mulher adorável. — Não disse, não senhor!
Como você já quer me pegar?
 
— A senha. — Bernardo enfia a máquina do cartão na minha cara e
descola o cartão do plano de saúde da testa de Julia que ri fazendo uma
careta para ele.
 
Digito a senha, guardo meu cartão e, mantendo Julia presa contra mim,
agradeço a Bernardo.
 
— Não sei o que vocês conversaram, mas obrigada. Ela parece ter me
perdoado.
 
— Sei. — Ele aperta os lábios e sacode a cabeça em um julgamento
silencioso. — Não aposte todas as suas fichas nisso, Julia está bem
embriagada.
 
— Estou bêbada! — Ela levanta os braços e sorri para Bernardo. — Mas
você é educado demais para falar isso né, Bê?
 
Damos risada com o jeito que ela chama Bernardo pelo apelido e ela
arremata com chave de ouro.
 
— Você é educado e adorável. E eu acho que Lorena vai passar uma
certa dificuldade tentando resistir aos seus encantos.
 
Bernardo chega perto de nós e deposita um beijo na cabeça de Julia,
prometendo.
 
— Vou cuidar bem da sua amiga, eu prometo. Não vou me aproveitar
dela.
 
Julia aconchega a cabeça no meu peito e, olhando para ele, murmura:
 
— Não sei porque, mas acredito em você. — Levanta os olhos para mim
e pede. — Me leva para casa? Porque ainda preciso que você me prove que
posso acreditar em você. Quero muito, Vinicius. Quero demais.
 
— Também quero, Dona Julia. Mais do que qualquer coisa nessa vida.
 
Essas foram as últimas palavras que trocamos, pois assim que entramos
no carro, ela adormeceu no banco do carona, sua mão em minha coxa me
deixando com a certeza de que eu nunca me senti tão completo na breve
trajetória da minha vida.

 
 

Não sei ao certo o que me acordou. Se foi o cheiro convidativo do café, o


som da voz de Vinicius cantarolando daquele modo desafinado que aprendi a
amar, ou a vontade imensa de fazer xixi. Porém, aposto todo meu dinheiro
na última opção.
 
Faço um esforço imenso para sair da cama. Minha cabeça parece ter o
dobro do tamanho e lateja como seu eu tivesse batido com ela contra a
parede por horas seguidas, o que espero que não seja verdade. Uso toda
minha concentração para não tropeçar em meus pés enquanto me arrasto até
o banheiro da suíte em busca do lugar sagrado para meu xixi matinal.
 
Levanto a barra da camisola, abaixo a calcinha e me sento no vaso,
inclinando a cabeça para trás esperando o alívio imediato.
 
Espera! Como assim calcinha e camisola? E porque estou escutando
Vinicius cantando dentro do meu apartamento?
 
Abro os olhos para a realidade de um ambiente espaçoso onde as paredes
são cobertas por azulejos brancos. A minha direita, uma pia de mármore
preta e um enorme espelho, que não lembram em nada o meu minúsculo
banheiro. Como estou acordada, não é um sonho e, obviamente, não estou
em casa. O que, vamos confessar, não é uma das revelações do século.
Desde que comecei a namorar com o Vinicius raramente passo as noites em
casa, preferindo rolar entre seus lençóis e desfrutar da praticidade de chegar
ao trabalho em menos de meia hora. Sem contar o sexo maravilhoso que
fazemos todos os dias de manhã.
 
Ah, o sexo. Delicioso, quente e de arrepiar todos os pelos do meu corpo,
como se fosse...
 
“Está louca, Julia?”
 
Tudo indica que o cérebro já acordou pronto para me bater e teremos
uma longa discussão pela frente. Decido ignorar a pergunta e, arrancando a
camisola e a calcinha, entro no box para tomar uma ducha. O chuveiro do
apartamento não deixa nada a dever ao do hotel de Angra e me permito
passar longos minutos debaixo dele enquanto minha cabeça vaga pelos
acontecimentos do dia anterior.
 
Namorado lindo? Confirmado.
 
Ex pistoleira de volta ao circuito? Confirmado.
 
Filho inesperado? Confirmado.
 
Namorada — euzinha — perdendo o controle emocional?
Superconfirmado.
 
Amigos inteligentes e cheios de bons argumentos tentando salvar meu
relacionamento? Confirmadíssimos.
 
Encho a mão com o shampoo que Vinicius comprou especialmente para
mim e, enquanto ensaboo os cabelos, começo a colocar os pensamentos em
ordem.
 
Claro que eu não esperava ter que enfrentar a ex-namorada de Vinicius
nunca na vida, principalmente pelo fato do meu querido chefe e namorado
ter afirmado que não tinha tido nenhum contato com ela depois que eles
terminaram.  O que me matou não foi nem o fato de Penélope ter aparecido
em uma nuvem de perfume adocicado trazendo a tiracolo uma criança que é
a cópia de Vinicius.
 
O que acabou comigo foi ele ter mentido para mim. Ou omitido a
informação, tanto faz como você queira chamar essa merda que ele fez.
 
Ontem ele me deixou esperando por horas e, quando não apareceu e nem
deu sinal de vida, aceitei ir para o Bar do Digão com Lorena e Bernardo. Já
havíamos empacotado todas as coisas dela e levado para seu novo local de
trabalho. Apesar de estar com a cabeça cheia de teorias, não me passou
despercebido o fato de Bernardo ter colocado minha amiga em uma mesa
bem na direção de sua sala, para que ele pudesse observá-la o tempo todo,
mas eu estava tão azeda que achei melhor ficar calada.
 
Antes que eu tivesse a chance de me despedir e fazer uma saída
silenciosa, Bernardo segurou o meu braço e disse que precisávamos
comemorar. Fiquei muito puta, né? Comemorar o quê?  A queda da minha
torre de ilusões ou o fato de eu ter me mantido firme na decisão de não puxar
os cabelos de Penélope até ela gritar como uma criança?
 
“A vida. As novas oportunidades.” Foi tudo que ele me disse. E quando
percebi, Lorena já estava me empurrando para dentro do táxi enquanto
Bernardo dava o endereço ao motorista e, em poucos minutos, estávamos
sentados no balcão do bar, ouvindo música ao vivo enquanto falávamos
sobre a vida.
 
A princípio, não falei muito. Me contentei em tomar umas doses de
tequila e umas cervejas geladas enquanto Lorena e Bernardo conversavam
como se fossem velhos amigos. Eu senti o cheiro de romance no ar e, por
mais que me preocupasse com ela, não estava mais tão a fim de me meter na
vida deles.
 
Em algum momento a bebida fez o efeito que eu esperava e me senti
mais leve e mais irônica. Foi quando comecei a fazer piadas com a situação
na qual me encontrava. E vocês sabem que eu sou bem engraçada quando
quero.
 
Dizer que eu me lembro o que disse é uma mentira deslavada. Mas seja
lá o que foi, meu peito ficou leve, meus amigos riram e, de repente, me vi
envolta pelos braços de Vinicius, sua boca colada na minha orelha pedindo
perdão.
 
Perdão.  
 
Seis letrinhas que tem um peso enorme. Uma coisa fácil de pedir e
complicada de oferecer.
 
Trato de terminar meu banho e, enquanto enrolo os cabelos na toalha, me
olho no espelho e percebo que a mulher que me admira parece mais calma e
conformada. Na realidade ela e eu já somos a mesma pessoa novamente e
decido que está na hora de conversar com Vinicius sobre toda essa situação.
 
Abro a porta do banheiro liberando toda a fumaça do meu banho quente
e, assim que coloco o pé para fora, meu corpo vai de encontro ao dele, que
me segura com força, deslizando a mão pelas minhas costas nuas.
 
Nuas?
 
Puta que pariu, a toalha está enrolada nos meus cabelos e eu estou
pelada.
 
— Bom dia, Júlia.
 
— Bom dia, Vinicius. — E notando a ereção dentro do seu short,
completo fazendo graça. — E bom dia para o seu amigo aí embaixo também.
 
Ele sorri para mim e passa o dedo pelos meus lábios, seus olhos presos
nos meus, fazendo que meus joelhos se desmanchem como gelatina. Fico na
ponta dos pés e beijo seus lábios sem pressa, deixando que ele me aperte
contra seu peito.
 
É como se o mundo lá fora não existisse mais e, com isso, nada de
Penélope e todos os problemas que vêm atrelados a ela. Nesse momento
somos só eu e ele e nada pode separar nossas vidas. Nada.
 
— Quero matar aquela mulher — sussurro contra seus lábios, fazendo
com que ele dê um suspiro. — Mas daí me lembro que vocês têm um filho
juntos e que não posso deixar o garoto órfão.
 
— Também não tenho sentimentos bons em relação a ela, Julia. — Ele se
afasta e segura meu queixo. — Você precisa acreditar em mim quando te
digo isso. Não quero ter a Penélope de volta, rondando minha vida.
 
— Acredito. — Me assusto assim que as palavras saem da minha boca,
mas tenho essa certeza dentro de mim. — Acredito que você não sinta nada
em relação a ela, mas ainda preciso saber como essa criança entrou na
história.
 
— Bem, você sabe, quando um homem e uma mulher fazem sexo existe
a chance de gerarem uma criança.
 
— Ah, cala a boca, Vinicius. — Empurro ele com força e me afasto,
caminhando em direção à cama. Sinto seus olhos grudados em mim, meu
corpo nu e molhado atraindo toda a atenção dele. — Não é momento para
gracinhas sobre “como se faz um bebê”. Já treinei muito essa modalidade.
 
— Não precisa ser grosseira, Julia. — A voz dele sai magoada quando
menciono meu passado sexual. Ah, se ele soubesse que comparados a ele,
todos foram apenas garotos inexperientes e desajeitados. Mas não sou eu
quem vai contar isso a Vinicius. Pelo menos não por hoje.
 
— E você não tem motivos para fazer gracinhas, Vinicius. Já que
estamos aqui, vamos conversar como dois adultos. — Olho por cima do
ombro e, com uma expressão confusa, quero saber. — Aliás, como cheguei
até aqui?
 
— Você não se lembra de nada? — Nego com a cabeça, torcendo os
lábios em uma careta. — Nem de tentar pagar a conta do bar com o cartão
do plano de saúde?
 
Dou uma gargalhada imaginando a cena patética. Eu, tresloucada na
tequila, querendo pagar a conta com o cartão que mal me dá direito a usar a
enfermaria do hospital particular.
 
— Meu Deus, estava muito bêbada.
 
— Sim — ele concorda suavemente sem uma sombra sequer de
julgamento em sua expressão —, mas eu cuidei de você. Trouxe você para
casa, te dei banho, troquei sua roupa e coloquei você para dormir. Antes de
desmaiar nos meus braços, você disse que me amava e que eu era o homem
da sua vida.
 
— Menos, Vinicius
 
— Verdade. — Ele bateu com a mão na testa. — Eu deveria ter gravado.
 
— Sim, deveria — concordo enquanto procuro um vestido no armário.
— Na verdade, você deveria muitas coisas.
 
— Me desculpe, Julia. Não sei porque não falei nada sobre ter
encontrado com Penélope quando você me perguntou.
 
— Foi mais do que encontrar, né? — Não consigo controlar o tom
irônico em minha voz. — Foi encontrar, beijar, transar e fazer um filho. Mas
sabe o que me deixa muito mais preocupada?
 
— O quê? — Vinicius parece genuinamente arrasado e eu quase tenho
pena dele. Quase.
 
— Me preocupa o fato de essa criatura ter esperado todos esses anos para
dar as caras aqui e te dar essa notícia. Por tudo que eu sei sobre ela, não acho
que tenha sido algo impensado. — Sacudo a camisola febrilmente enquanto
discurso sobre minhas preocupações.
 
— Pode colocar uma roupa? — Inclino a cabeça com um sorriso ao
ouvir o pedido de Vinicius. — A não ser que você queira deixar essa
conversa para depois, você precisa se cobrir. Não consigo pensar em nada
com seus peitos apontando pra mim.
 
Dou um sorriso satisfeito e enfio a camisola preta pela cabeça. Hoje é
sábado e eu não tenho nenhuma intenção de colocar qualquer outra roupa.
Quero ficar em casa e torturar meu namorado até ele entender como tudo
isso está muito errado e suspeito. 
 
Tiro a toalha da cabeça deixando os cabelos caírem emaranhados pelas
costas e, quando passo por Vinicius a caminho do banheiro, ele dá um tapa
na minha bunda, fazendo com que eu pare e aponte do dedo para ele.
 
— Desculpe. — Ele dá de ombros fazendo cara de inocente. — Não
consegui resistir.
 
— Mantenha as mãos longe de mim! Não te perdoei ainda.
 
Volto para o banheiro e começo a pentear os cabelos enquanto ele para
na porta e me olha pelo espelho com um daqueles seus sorrisos tristes que
me amolecem o coração. Sedutor desgraçado, esse homem!
 
— Já me perdoou sim, Dona Julia. — Ele entra no banheiro e, de
repente, aquele cômodo tão espaçoso fica pequeno demais.
 
Vinicius coloca o peito nas minhas costas e estica o braço até onde estão
nossas escovas de dentes, retirando a minha e colocando o creme dental nela.
Ele beija o meu ombro e sai, me deixando com um sorriso idiota nos lábios. 
Trato de desembaraçar os cabelos e escovar os dentes e, quando estou
pronta, sigo até a sala.
 
Encontro-o sentado no sofá, agarrado com o seu livro do Harry Potter e a
mesa está posta para o café. 
 
Vocês entenderam? Captaram a realidade da minha situação?
 
Ele não só cuidou de mim como fez o café, comprou pão fresco e todo o
resto. Ele escondeu coisas de mim, tem um filho com outra mulher e ainda
assim me encanta a cada dia que passa. Vocês vão me odiar pelo que vou
falar agora, mas dane-se preciso confessar.
 
“Eu amo esse homem.”
 
— Julia, vamos comer?
 
— Vamos! Claro que vamos! — Caminho até onde ele está e me sento
no seu colo. — Mas antes eu tenho que te dizer uma coisa.
 
— O quê? — Ele junta as sobrancelhas e estreita os olhos. — Vai dizer
que me perdoou?
 
— Vou dizer que você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida e
que mulher nenhuma vai tirar você de mim. — Ele sorri e eu beijo seu
queixo. —Mas também preciso dizer que para um cara tão inteligente você
foi extremamente burro.
 
Vinicius me empurra para o sofá e se levanta me oferecendo a mão, que
eu seguro entre as minhas como uma promessa de paz. Assim que nos
sentamos para comer, ele enche minha xícara de café e começa a me contar
os detalhes do seu o encontro com Penélope e eu não consigo acreditar em
como ele conseguiu ser tão estupidamente manipulável por ela. Ou melhor,
consigo, e isso me deixa com um aperto no peito e a sensação de que talvez
ele ainda tenha sentimentos por ela.
 
Não estou falando apenas de sentimentos românticos, daquele amor de
juventude que deixou meu homem atordoado e sem chão. Mas de algum tipo
de culpa ou remorso, por ter se deixado envolver por ela mais uma vez.
Quem sabe a atração entre eles seja uma força poderosa demais que venha a
me causar problemas no futuro, ou talvez eu esteja redondamente enganada e
minha cabeça esteja apenas criando mais teias de ilusões, tentando minar
minha autoconfiança.
 
— Bem, não tem para onde correr — declaro com o coração apertadinho.
— Você precisa fazer o exame de DNA para confirmar a paternidade. Se
bem que o moleque é tua cara, né?
 
— Eu sei, vou fazer isso o mais rápido possível — ele concorda comigo.
— Se esse menino for meu filho, vou dar todo o apoio, acompanhar a
criação e tudo mais. Porém não quero ter nenhum contato com a mãe dele
além do necessário. Não quero que ela chegue perto de nós e tente destruir
isso que estamos construindo.
 
— Nem eu, Vinicius. Mas sabemos que isso vai ser bastante improvável,
certo? Considerando suas atitudes, ela já deixou bem claro que não veio só
pela grana, ela veio por você.
 
— Penélope não tem motivos para isso. — Ele está contrariado e
zangado, mas ambos sabemos que estou falando a verdade. — Eu já fui bem
claro sobre meu posicionamento em relação a ela. Ela não pode estar
pensando em reatar qualquer coisa que tivemos.
 
— Isso, meu amor, nós só vamos descobrir com o tempo.
 
 

Depois do café da manhã, me acomodo no sofá enquanto Vinicius liga


para o advogando contando toda a história triste de sua vida, a mesma que
acabou trazendo de brinde um lindo garotinho de cinco anos de idade que
pode, ou não, ser seu filho. 
 
Enquanto os dois falam do passado, pois o tal advogado, doutor Bianchi
conhece Vinicius desde que ambos eram crianças, envio uma mensagem
para Lorena, mas minha amiga não me responde. Queria muito que ela me
contasse como andam as coisas na casa dela e também preciso saber se ela
está firme na decisão de não se envolver com Bernardo.
 
Confesso que depois de passar algumas horas na companhia dele ontem,
passei a considerá-lo um perigo à sociedade. Bernardo é aquele tipo de cara
educado e gentil, que faz os comentários certos na hora exata, e tenho
certeza absoluta que vi vários coraçõezinhos saindo dos olhos de Lorena
quando ela achava que eu não estava olhando.
 
Porém nada disso apaga o fato de que ele é casado, tornando-se,
portanto, inadequado para relacionamentos.
 
Tá, você pensa, mas o que você tem a ver com isso, Julia?
 
Simples, eu respondo: sou daquelas que não quer ver as amigas
enrascadas em relacionamentos fadados ao fracasso. Exatamente como foi o
meu com Marcelinho. Aquele mesmo que eu falhei em evitar.
 
— Se você pensar um pouquinho mais alto, posso participar da
conversa.
 
A voz de Vinicius me traz de volta à realidade e viro a cabeça na sua
direção. De onde estou, o corpo largado e as pernas esticadas no braço do
sofá, mostro a língua para ele, fazendo com que ele sorria para mim antes de
me dar as novidades.
 
— O Bianchi mandou eu avisar a Penélope que o exame de DNA deve
ser feito essa semana. Já me passou uma lista de laboratórios e disse que
basta eu escolher um e mandar ela encontrar a gente lá. — Ele estica o braço
e me entrega o celular.
 
Rolo a tela do aparelho passando os olhos pela conversa entre Vinicius e
o tal Bianchi, que termina com as indicações dos locais para realizar o
exame.
 
— Não adianta pensar muito. — Devolvo o celular a ele e encolho os
ombros. — Escolhe um e vai. Simples assim. Quanto mais rápido você
conseguir resolver essa situação, melhor para todo mundo.
 
— Você está certa — ele concorda apertando os lábios e balançando a
cabeça.
 
— Eu sempre estou certa, chefe.
 
— Nem sempre. Por exemplo, você está longe de mim há mais de uma
hora, sentada sozinha nesse sofá. Acha mesmo que isso está certo?
 
Ele me dá um sorriso sexy e eu sequer penso duas vezes. Me levanto do
sofá e, muito ligeira, me acomodo em seu colo passando os braços pelo seu
pescoço.
 
— Dona Julia — ele sussurra com os lábios contra o meu ouvido
enquanto sua mão acaricia minha coxa —, você está sem calcinha?
 
— Estou sim. — Suspiro fechando os olhos e entreabrindo as pernas. —
O que você vai fazer em relação a isso?
 
— Observe.
 
Vinicius rola nossos corpos, colocando-me de costas no sofá e se
acomoda entre minhas pernas. Não preciso nem de um segundo para sentir
sua ereção contra meu corpo, o pau quase rasgando o tecido do short, e meu
corpo reage como se tivesse vida própria. Sinto meus mamilos endurecendo
e um calor toma conta de mim, fazendo com que eu passe as minhas pernas
por sua cintura.
 
Ele se afasta um pouco, apenas o suficiente para deslizar um dedo para
dentro de mim e acariciar minha boceta, que já está molhada e pronta para
ele.
 
— Sempre me esperando. — Ele sorri para mim, que apenas concordo
com um movimento silencioso de cabeça. — Assim como eu sempre estou
pronto para você, Julia.
 
Vinicius começa a mexer seus dedos do jeito que só ele sabe fazer,
arrancando suspiros e gemidos de mim. Cravo as unhas em suas costas
trazendo-o para perto e tomo seus lábios nos meus, nossas línguas se
misturando. 
 
É muito fácil me perder em Vinicius. Seu toque quente na minha pele
macia me tira do ar e, quando estou beijando-o, é como se o mundo fosse
acabar e eu não tivesse conseguido desfrutar da companhia dele por tempo
suficiente. Eu tenho uma fome insaciável por esse homem e, quando ele me
pega no colo e se levanta do sofá, aperto as pernas em volta do seu corpo,
sem parar de beijá-lo.
 
— Calma, Julia. — Ele ri para mim, nunca de mim. E eu amo isso. — Se
você não largar a minha boca eu não vou conseguir fazer com que a gente
chegue inteiro no quarto.
 
— Não quero ir para o quarto. Não preciso do quarto, preciso de você —
confesso e, sem nenhuma vergonha, enfatizo: — Aqui e agora.
 
Ele fecha os olhos e me aperta em seus braços exalando um som que me
lembra um rosnado e fazendo com que eu me esfregue contra seu corpo.
Sem dizer uma palavra, Vinicius empurra tudo que está em cima da mesa
para o lado e me acomoda na beirada, posicionando-se entre minhas pernas e
mergulhando os dedos em meus cabelos. Seu toque não é gentil, e sinto uma
urgência nele que quase se compara a minha.
 
— Como vai ser? — ele pergunta, sua voz em um tom que me lembra
muito o chefe mal humorado que conheço tão bem. — Rápido e forte?
 
— Forte. — Mordo seu ombro em resposta. — Sem sombra de dúvidas.
 
Ele afunda os dedos na minha cintura e, com a outra mão, se livra do
short, deixando seu pau à mostra e me dando água na boca.
 
— Quero te chupar — digo enquanto começo a descer da mesa.
 
Mas ele me segura com força, colocando-me de volta onde eu estava.
Seus olhos tem um brilho duro e, quando ele fala, meu corpo se arrepia.
 
— Você não quer nada, Dona Julia. Quem quer sou eu. — Ele segura
meus cabelos e os enrola na mão, puxando minha cabeça para trás,
deixando-me exposta e oferecida. E eu adoro. — Quero deslizar meu pau
para dentro de você, com força e sem pena. Quero ser bruto e fazer você
gritar meu nome, me implorando para parar. Quero sentir você gozando e me
deixando ainda mais excitado. E quando você pedir para que eu pare...
 
— Não vou pedir. — Minha voz sai entrecortada, mas ainda assim me
sinto corajosa, desafiando-o.
 
— Ah, vai sim. — Ele dá uma risada baixa e segura o bico do meu seio
entre os dedos apertando-o com firmeza e me fazendo estremecer. — Vai
pedir e eu não vou parar.
 
— Não para, Vinicius.
 
Nossa conversa acaba aí, pois ele logo encontra o caminho para dentro
do meu corpo e eu o recebo com tesão, minha boceta molhada e quente se
moldando ao pau duro e grosso. Vinicius dita um ritmo frenético à nossa
trepada, sugando meus mamilos e apertando minha bunda. Eu gozo no
momento em que ele mete até o fundo e beija minha boca, chupando minha
língua.
 
Gozo novamente quando ele me vira de costas, inclinando-me sobre a
mesa e penetra meu cu com o dedo enquanto desliza o pau na minha boceta. 
 
A verdade é que eu não sei quantas vezes eu gozei, até que ele me
acompanha, abraçando meu corpo e sussurrando obscenidades na minha
orelha. Escorregamos para o chão, e ele me aconchega em seus braços,
beijando meus cabelos enquanto eu enlaço seu corpo com minhas pernas.
 
— Esquecemos a camisinha — ele fala baixinho. — Não sei se tenho
preparo emocional para outro filho.
 
— Não se preocupe com isso.
 
— Não estou muito preocupado. — Ele beija minha cabeça e eu me
encolho no seu abraço. — Você toma pílula?
 
— Desde os dezesseis anos. — Antes que ele faça alguma piada,
emendo: — Minha mãe era paranoica com a possibilidade de suas filhas
engravidarem na adolescência, por isso eu e minhas irmãs começamos a
tomar pílula antes mesmo de pensar em namorar.
 
Sinto o coração de Vinicius batendo forte em seu peito e o som me
aquece a alma.
 
— Se eu te mostrar meus exames e provar que estou limpo, podemos
abolir a camisinha?
 
— Não vai pedir os meus?
 
— Eu sei que você vai me oferecer a mesma cortesia.
 
— E vou mesmo. — Levanto a cabeça e olho para ele e seus imensos
olhos azuis. — Vou sim.
 
— Trato feito, então. — Ele cospe na mão e me oferece para um aperto.
 
— Você tá louco que vou apertar essa mão cuspida! — Torço o nariz e
tento me afastar.
 
— Mas, mulher, você fez coisa muito pior. — Ele ri da minha cara de
nojo.
 
Seguro o rosto dele entre as minhas mãos e beijo seus lindos lábios antes
de declarar
 
— Fiz e faço outra vez.
 
— Isso é uma oferta?
 
E, em questão de segundos, começamos tudo de novo.
 
 

Passamos o fim de semana inteiro elaborando nosso plano de guerra.


Não existe outra maneira de definir o momento em que eu e Vinicius nos
encontramos, é guerra contra Penélope sim, e das boas.
 
Claro que entre uma ideia e outra, rola um chamego que nos leva ao sexo
alucinante que sempre me deixa com um sorriso idiota no rosto. Aliás,
minhas bochechas estão doendo de tanto que ando sorrindo. Haja fôlego para
aguentar esse homem e toda a disposição para o sexo que ele tem.
 
Se eu disser para você que já batizamos todos os cômodos da casa,
transando feito loucos, você acreditaria? Pois pode acreditar, transamos por
todo o apartamento de Vinicius e, ao que tudo indica, ele está bastante
disposto a repetir as rodadas.
 
Ah, e eu? Gente, quem sou eu para negar esse pequeno desejo a ele?
 
Mas, infelizmente, nem só de sexo vive um casal, e essa situação com
Penélope também nos ocupou bastante. Vinicius entrou em contato com ela,
informando a data e o local onde o exame será feito, e a víbora exigiu que
ele fosse buscá-los no hotel onde ela e Douglas estavam. Claro que ele não
cedeu, não é?
 
Agora estamos sentados lado a lado no trânsito da cidade, depois de sair
do laboratório, sinto sua mão quente em meu joelho e lhe ofereço um
sorriso.
 
— Fica tranquilo. Tudo vai correr bem, estamos juntos nessa.
 
— Eu sei, Julia. — Espero para ver o sorriso dele, mas nada feito. —
Mas ainda acho que teremos alguma surpresa desagradável no decorrer desse
processo. Eu conheço bem as táticas daquela mulher e ela não vai se
contentar com pouco.
 
— Claro que não. Ela quer o pacote completo que, nesse caso, significa
você.
 
Deixo um suspiro escapar dos meus lábios e olho para fora da janela.
Estamos parados na avenida principal e a orla da cidade é a paisagem do
momento. Apesar de ser um dia de semana, a praia está cheia e fico
observando o vai e vem incessante de pessoas pela areia, desejando ser uma
delas, me preparando para deitar preguiçosamente sobre uma canga florida
estendida em cima da areia quente.
 
Mas ao invés disso estou presa nessa rede de intrigas que a ex do meu
namorado trouxe para nossos dias ensolarados. Bandida!
 
— Ela não vai conseguir, Julia.
 
Vinicius aperta meu joelho e me viro em sua direção. O trânsito infernal
permanece parado e aproveito para acariciar seu rosto bonito, demorando-me
em seus lábios carnudos que me dão tanto prazer.
 
— Penélope não vai conseguir nada de mim além do que a lei exige,
entendeu? — Meus lábios se estendem em um amplo sorriso e ele sorri de
volta, ambos esquecidos do mundo lá fora. — Estamos nessa juntos, Dona
Julia. Desde que coloquei os olhos em você eu sabia que seria assim e não
vai ser um fantasma do meu passado que vai destruir tudo isso.
 
— Acredito em você, Vinicius. Só tenho medo da quantidade de pedras
que essa pilantra vai jogar no nosso caminho. E, também, duvido muito da
minha capacidade de não pegar essas pedras e jogar no meio da cara dela.
 
Ele dá uma gargalhada e beija minha boca antes de declarar.
 
— Essa é a mulher que eu conheço. — E, sem tirar os olhos dos meus,
apesar de o trânsito já ter andado e estarmos sobre uma chuva de buzinas,
completa: — E amo. Demais.
 
Ele me ama?
 
Ele me ama.
 
Ah, meu Deus, não é que ele também me ama? Agora mesmo que eu
encho essa biscate de tapas se ela ousar tentar roubar esse homem de mim.
 

— O que você está fazendo aqui? — Lorena pergunta sem tirar os olhos
da tela do computador e se virar na minha direção. — Não dava mesmo para
esperar chegar a hora do almoço para poder matar as saudades?
 
Ignoro a malcriação dela e me abaixo, abraçando minha amiga com
força.
 
— Ele disse que me ama e eu tinha que vir te contar.
 
— Ah, grande coisa — Ela se solta do meu abraço e me dá um sorriso
enviesado. — Ele só está dizendo o que eu estou careca de saber: que você
tem ele comendo na palma da sua mão.
 
Faço uma cara de indignação e cubro a boca com a mão, fingindo estar
chocada.
 
— Isso é um absurdo!
 
— Até parece, Juju! — Ela dá uma gargalhada e percebo os rapazes do
andar se virarem para admirá-la. Lorena, porém, não dá atenção a nenhum
deles, totalmente compenetrada em nossa conversa. — Vocês parecem ter
sido feitos um para o outro, coisa que ao mesmo tempo que embrulha meu
estômago me faz pensar se um dia vou querer algo assim.
 
— Espero que sim.
 
A voz de Bernardo interrompe nossa conversa. Ele chegou tão de
mansinho que nem Lorena nem eu demos conta da sua presença. Tenho que
admitir que ele está muito charmoso, seu cabelo loiro escuro penteado com
cuidado deixando-o com aquele aspecto de bom moço que parece estar
quebrando as resistências de Lorena. Sem contar que ele usa uma camisa
social rosa, com as mangas dobradas na altura dos cotovelos, deixando-o
com um ar irresistível.
 
— Espera que sim o quê?
 
Lorena se agita na cadeira, passando as mãos pelos cabelos ruivos mais
vezes do que o necessário enquanto puxa a blusa para cobrir uma barriga
inexistente. Bernardo sorri para ela, ignorando sua pergunta, e se vira em
minha direção.
 
— Meu amigo realmente soube escolher dessa vez. Basta olhar para
vocês dois juntos para saber que nenhuma artimanha de Penélope será capaz
de separá-los. E vocês podem contar comigo, vou ajudar em tudo assim que
voltar de viagem.
 
— Viagem? — Lorena quase grita e eu, por incrível que pareça, começo
a achar tudo muito divertido. Finalmente um homem que tira minha amiga
do sério, mesmo que ele não esteja disponível.  — Eu acabei de chegar e
você vai viajar?
 
— Fica tranquila, Red. É rápido, vou a Florianópolis resolver uns
problemas pessoais, mas não demoro. — Ele sorri para Lorena, alheio à
minha presença e eu sinto um arrepio estranho na base da minha coluna. —
Eu volto para você.
 
— Red? — pergunto na tentativa de quebrar aquele perigoso clima de
sedução.
 
— É, Julia. — Ela sacode a cabeça irritada com a minha intromissão. —
Red, ruiva, essas porras. Que saco.
 
— Bem, já vou andando. Vou tomar um café com Vinicius. — Bernardo
tamborila os dedos no tampo da mesa de Lorena e se despede. — A gente se
vê depois.
 
Ele vira as costas, as mãos nos bolsos da calça e sai caminhando
lentamente. Observo minha amiga inclinar a cabeça e acompanhar Bernardo
até ele sumir de vista.
 
— E você falando que Vinicius come na minha mão...
 
— Ah, cala a boca, Juju! Não quero falar disso. — Ela bufa e se levanta.
— Acho um absurdo ele viajar e me deixar aqui nesse covil, sem saber
direito o que eu vim fazer aqui. Você sabe como eu detesto ficar segurando
queixo no trabalho.
 
— Claro, claro. — Dou uma risada, atraindo novos olhares. — Esse é o
único motivo.
 
— Vou te contar, você é uma mala, viu? — Ela se rende gargalhando
comigo. — Mas eu sou como o Vinicius. Eu te amo e também como na tua
mão.  Agora vamos lá tomar um café?
 
— Ih, olha só, você vai atrás do Bernardo para ver se ele está mesmo
com o Vinicius?
 
— Idiota! — Ela dá um tapa no meu ombro e me encolho fingindo dor.
— Vamos no boteco ali da esquina que a gente foge dos dois e ainda olha o
mar.
 
— Perfeito. Vamos porque tenho muitas coisas para contar e perguntar.
 
Ela passa o braço pelos meus ombros e, em silêncio, partimos rumo à
comida. Quer amizade melhor do que essa?

O dia de trabalho hoje foi um dos mais tranquilos da minha vida. Depois
que me despedi de Lorena e voltei para o meu departamento, fiquei
envolvida no projeto da Teixeira e Filhos, ajudando Jonatas a entender o
funcionamento de tudo.
 
Ele é um cara bem agradável, jovem e divertido e, me arrisco a dizer,
tem um certo charme. Usa os cabelos ruivos sempre presos em um rabo de
cavalo e os olhos verdes brilham por trás dos grossos óculos de grau. Nunca
perguntei sua idade, mas acho que tem seus vinte e quatro anos, e quando ele
estava sentado ao lado de Lorena durante o treinamento, me peguei
pensando que eles eram muito parecidos, com seus cabelos flamejantes,
olhos claros e pele branca. 
 
Quando perguntei sobre isso, deram risada na minha cara e Lorena ainda
disse que nem todos os ruivos do mundo eram parentes. Mas, quem pode me
culpar de desconfiar de parentescos depois de tudo que aconteceu.
 
— O que você acha do Jonatas?
 
Vinicius levantou a cabeça e me encarou. Estamos em casa, ele sentado
no sofá e eu com os pés em seu colo. Finalmente ele largou o livro do Harry
Potter e passou para algum outro de fantasia sobre dragões e maldições. Se
isso não é ser fofo, preciso atualizar minhas definições de fofura.
 
— Por quê?
 
— Ah, mas vai entrar nessa de me responder uma pergunta com outra?
— Vejo ele arquear a sobrancelha e eu desisto. — Por nada, chefe. Ele
parece ser bastante competente, mas ainda não sei se vai conseguir lidar com
a pressão que a Carina coloca nesse projeto.
 
— Consegue, sim. — Ele sorri para mim, fechando o livro e largando em
cima do sofá. — Ele trabalha para mim há mais de um ano e ainda não teve
um surto psicótico. Vai tirar a Carina de letra.
 
— Tirar de letra. — Dou um suspiro e estico o braço pegando o controle
remoto que está em cima da mesa. — Quero ver é a gente tirar tudo isso de
letra.
 
— Já fizemos o que dava pra fazer, Julia. Agora temos que esperar duas
semanas para pegarmos o resultado do exame de DNA.
 
— Vai passar rápido, você vai ver. — Sorrio para ele aparentando uma
calma que não me representa. — Ou passa rápido ou eu mato aquela mulher.
 
— Até que não é uma má ideia. — Ele apoia o queixo nas mãos,
pensativo e pergunta: — Você tem diploma universitário, não tem? Então
tem direito a prisão especial. Nunca transei com uma fora da lei.
 
— Ridículo — respondo incapaz de esconder a gargalhada. — Não vou
matar ela, mas vou rezar todas as noites para ela desaparecer da nossa vida.
Para termos paz.
 
— Julia, eu disse que vai dar tudo certo, agora, paz eu nunca prometi. —
Ele suspira resignado, passando os dedos pelos cabelos. — Eu conheço essa
mulher e ela vai fazer de tudo para nos infernizar. Temos que nos manter
unidos.
 
Estico a mão e seguro seus dedos nos meus, meu coração apertado ao
perceber que ele não tem certeza de que eu estarei sempre a seu lado. 
Escorrego pelo sofá, até ficar grudada nele e declaro.
 
— Eu não vou a lugar nenhum. Eu te amo.
 
— Até que enfim, mulher diabólica! — Ele segura meu queixo entre
os dedos e beija meus lábios suavemente. — Até que enfim.
 
É isso, níveis de fofura devidamente atualizados. Duvido essa tal de 
Penélope acabar com nosso amor.
 
— Isso é o que você chama de almoço?
 
Estou sentado em frente a Bernardo e seu prato de salada. Na verdade,
parece que ele entrou na onda vegana, vegetariana ou sei lá como se chama
esse monte de mato e folhas que estão em seu prato.
 
— Você ainda está esperando trazerem o bife? — insisto, mas ele nega
com a cabeça, enchendo o garfo e mastigando tudo como se fosse um manjar
dos deuses. — Que merda está acontecendo com você, Bernardo?
 
— Você sabia que a Lorena não come carne?
 
Estou sem palavras. Juro por Deus. Não consigo acreditar que meu
amigo, o maior carnívoro da história do mundo moderno, parou de comer
carne porque está encantado por uma mulher. Uma mulher que mentiu para
ele, pois ontem mesmo Julia e Lorena foram comer a tal costela defumada
mais famosa da cidade. Se isso não é comer carne, não sei o que pode ser.
 
— Sabia. — Decido entrar na brincadeira. — Nem carne, nem peixe e
nem frango. Se não me engano, Julia comentou algo sobre ela ter decidido
parar de comer queijo e ovo também.
 
Meu amigo trava por alguns segundos, o garfo pairando no ar antes de
chegar até a boca e os olhos arregalados. Eu não consigo resistir e dou uma
gargalhada.
 
— Cara, como você é otário. — Levanto a mão e sinalizo para o garçom
e começa a andar em nossa direção. — Lorena está implicando com você
que caiu como um pato.
 
Pego o cardápio que o homem me entrega e peço dois filés malpassados
acompanhados de farofa e batatas fritas. Bernardo entrega seu prato de mato
para o garçom e suspira:
 
— Só eu sei o que aquela ruiva anda fazendo com a minha cabeça. Só eu
e mais ninguém.
 
— Você tem algo para me contar? — Inclino as costas na cadeira,
cruzando os braços sobre o peito enquanto peço a Deus que eu não esteja
errado ao defender a reputação do meu amigo para Julia.
 
— Até tenho — ele confessa —, mas ainda não posso contar. Estou indo
amanhã para Florianópolis e, se tudo correr como espero, na volta te falo.
 
— Você vai para a casa dos pais da Cintia? — Estou cada vez mais
curioso pois a esposa do meu amigo não gosta muito de visitar os pais. —
Aconteceu algo com o Doutor Wagner?
 
O pai de Cintia tinha uma condição coronária delicada e, às vezes, dava
uns sustos na sua única filha, fazendo com que Bernardo corresse ao socorro
dos sogros.
 
— Ainda não. Mas nunca se sabe, não é mesmo?
 
— Você anda muito cheio de babaquices, Bernardo. — Minha paciência
acaba e eu declaro. — Acho bom você não me foder com essa história de
Cintia e Lorena. Se a Julia souber que você anda todo apaixonado, vai
encher meus ouvidos e com toda a razão. Coloquei minha mão no fogo por
você.
 
— Não estou fazendo nada de errado. — O garçom retorna e coloca o
prato na nossa frente, fazendo com que Bernardo abra um sorriso amoroso
para o filé. — Mas preciso confessar que tenho me sentido compelido a
seguir seu exemplo e tomar Lorena para mim.
 
— “Tomar Lorena para mim” — repito sem acreditar nas palavras dele.
— Que porra é essa? Um filme daqueles onde o homem tem direitos sobre as
mulheres e saem arrastando-as por aí? Tá louco, Bê?
 
— Completa e irreversivelmente. — Ele corta a carne e, antes de enfiar o
pedaço na boca, arremata. — Nada e nem ninguém vai me afastar da Lorena.
 
— Era só que me faltava. — Por um momento me sinto sem apetite, mas
logo essa sensação passa. — Acho bom você resolver logo essas merdas,
porque eu não dou conta de tudo ao mesmo tempo. Penélope, o moleque,
você, Lorena. Tá complicado.
 
— Pode ficar tranquilo, Vini. — Ele sorri para mim com aquele jeito de
bom moço e, por algum motivo inexplicável, não consigo me tranquilizar. —
Vou fazer tudo do jeito certo, prometo.
 
— Sei. — Começo a cortar a carne e mudo de assunto. — Estou ansioso
pelo resultado do exame de DNA.
 
— Ainda está no prazo. Não adianta ficar nervoso.
 
— Mas você é tão prático que chega a me irritar. Claro que estou
nervoso, e sabe por quê?
 
— Não, mas tenho a certeza de que vai me contar
 
— Porque até agora não tive notícias de Penélope, e isso não está me
cheirando bem.
 
— Ah, aí sim tenho que te dar razão. Ela deve estar tramando alguma
coisa, pronta pra estragar tua vida perfeita. Porque é assim que você está se
sentindo com a Julia, né? Em um mundo perfeito.
 
— Tô mesmo, e daí?
 
— Não precisa ser grosso. Eu sou uma das poucas pessoas, tirando seus
pais e talvez sua irmã, que sabem o quanto você sonhou com isso. Então
guarda a fúria para os outros.
 
— Foi mal.
 
— Foi péssimo.
 
Damos risadas e, por alguns momentos, me esqueço de Penélope e todo
nosso drama. Bernardo me conta algumas coisas sobre a viagem, sem se
aprofundar muito e terminamos nossa refeição em paz. Depois de um café
no quiosque do shopping, caminhamos sem pressa de volta ao escritório
quando ele me surpreende.
 
— A Julia não vai abandonar o barco, Vini. Você precisa parar de pensar
dessa forma.
 
— Mas eu não disse nada.
 
— Nem precisa. Eu sei que todo seu nervosismo não é só pelo fato de a
Penélope ter aparecido trazendo teu filho a tiracolo. Tem a ver com o fato de
que agora você tem que lidar com o seu passado e que a Julia vai ter que
participar disso. Da sua vida com Douglas, porque vai ser assim. Eu sei que
você vai querer ser presente para esse garoto.
 
— Ainda não parei para pensar nisso.
 
— Pode mentir para você o quanto quiser, mas para mim, não. — Ele
estica o braço e eu olho para onde ele aponta. — E nem para ela.
 
Julia vem caminhando distraída pela calçada. O telefone grudado na
orelha e um sorriso enorme nos lábios. Ela está maravilhosa, os cabelos
castanhos soltos e o corpo generoso escondido por calças sociais e uma blusa
estampada. Assim que me avista, acena para mim, e meu coração acelera um
pouco, bombeando sangue para onde não deve.
 
— Vou deixar os pombinhos namorarem, ainda tenho que passar
algumas ordens para o gerente que vai ficar no meu lugar enquanto eu
estiver fora.
 
— Espera, como assim no seu lugar?
 
— Vou ficar fora a semana inteira, não te falei?
 
— Porra, Bernardo! Logo agora que estou me fodendo de ansiedade por
causa do caralho do exame você decide tirar férias com sua esposa.
 
— Você vai ter que aprender a segurar a língua, Vinicius. — Ele ignora
meu desabafo, me dá dois tapinhas nas costas e completa: — Agora você
tem um filho que vai se espelhar em você. Não inventa ideia de criar um
moleque desbocado ou vai se ver com a minha mãe.
 
Bernardo acena para Julia e entra no prédio, deixando-me parado na
calçada, perdido no vai e vem dos quadris da minha namorada. Observo-a
desligando o celular e jogando-o dentro da bolsa enquanto apressa o passo,
em uma corridinha engraçada, até se jogar nos meus braços, sorrindo.
 
— Não achei que ia te ver antes do fim do expediente.
 
— Nem eu, mas a reunião com a Diretoria foi cancelada e saí para
almoçar com Bernardo. — Acaricio seu rosto e coloco uma mecha do seu
cabelo macio e cheiroso para trás da orelha. — Você sabia que a Lorena está
sacaneando o Bernardo? Disse para ele que parou de comer carne e o
paspalho acreditou. Hoje ele ia comer só mato.
 
— Salada — ela conserta, passando o braço pela minha cintura enquanto
caminhamos para dentro do prédio. — Mato é deselegante. E, não, eu não
estou por dentro dos joguinhos doentes que a Lorena anda fazendo com o
seu amigo, mas desconfio que esses dois vão nos dar um certo trabalho.
 
— E falando em trabalho — aponto a recepção com o queixo —, olhe só
quem está ali nos esperando.
 
Encostada no balcão, elegante e debochada, está Penélope. Os cabelos
presos em um coque, na tentativa de aparentar ser uma mulher séria, mas,
pelo jeito que esbravejava com a recepcionista, ela não conseguiria
convencer nem o próprio Papa.
 
— E lá vamos nós. — Julia manteve seu braço firme envolta do meu
corpo e eu relaxei instantaneamente, deixando minha mão pousada em seu
ombro.
 
Estamos a poucos passos de Penélope quando ela gira nos calcanhares,
ficando de frente para nós.
 
— Até que enfim, Vinicius! — Ela coloca as mãos na cintura, ignorando
deliberadamente a presença de Julia ao meu lado. — Estou te esperando há
tanto tempo que devo ter envelhecido.
 
— Ah, disso não tenho dúvidas — Julia comenta sorrindo cinicamente
—, seu rosto está mesmo um pouco enrugado. Talvez se você sorrisse um
pouco mais...
 
— Me poupe das suas observações, garota. Meu assunto é com ele, não
com você.
 
Sinto os dedos de Julia apertando minha cintura mas fico calado, quero
saber até onde isso vai.
 
— Então deixe que eu te corrija: seu assunto é com a gente. Eu e Ele.
Nós dois, juntinhos. — Ela estala os lábios e, para surpresa de Penélope,
empurra seu ombro com os dedos. — Entendeu?
 
— Não encoste em mim ou eu...
 
— Você o quê? — Julia me solta e dá um passo na direção de Penélope.
As duas têm a mesma altura e estão se encarando duramente.
 
Eu sei que não deveria ficar excitado com essa cena, mas estou. E muito.
Me julguem.
 
— Você. O. Quê? — Julia repete pausadamente e em um tom mais duro
e alto, fazendo com que várias pessoas se virem para olhar o que está
acontecendo.
 
— Não vou perder meu tempo com você, garota. — Penélope enfia a
mão na bolsa e retira um envelope lá de dentro, esticando-o para que eu
pegue. — Isso é para você. Meu advogado vai entrar em contato.
 
Penélope se vira para sair, não sem antes esbarrar seu ombro no de Julia
que sussurra entredentes:
 
— Vadia maldita.
 
Mas já não estou prestando mais atenção à cena das duas, totalmente
absorto pelo papel que ela me entregou.
 
— O que foi, Vinicius, está com cara de quem viu um fantasma.
 
— Meu apartamento. — Consigo falar. — Ela está pedindo para se
mudar para lá com o garoto pois não tem condição de continuar pagando o
hotel onde está hospedada.
 
Levanto os olhos a tempo de ver Penélope me olhando por cima do
ombro com um olhar de quem sabe que abalou meu mundo. Mesmo sabendo
que ela não tem direito nenhum em querer se mudar para a minha casa,
agora tenho um dilema moral para resolver: aonde abrigar meu filho?
 
Bem feito, Vinicius. Quem mandou não guardar o pau dentro das calças?
 
 

Tudo bem que se fosse comigo eu também iria ficar assustada. Mas
Vinicius pareceu não conseguir mais raciocinar enquanto olhava para o papel
que tinha nas mãos.
 
— Ei, o que é isso. —  Passo a mão pelos cabelos dele. — Não pode ser
tão ruim assim, pague um hotel mais barato para ela.
 
— Ela tem uma ordem do juiz, para morar comigo. Na verdade, ela quer
que eu conviva com o Douglas, e um juiz aceitou isso. Tenho apenas dez
dias para acertar tudo.
 
— Um juiz? — Arranco o papel das mãos dele e leio o nome do tal juiz,
um camarada dono de uma fama não muito agradável. — Mas isso não é
possível, só pode ser uma armação dela. Alguém está ajudando essa mulher,
todo mundo sabe que esse cara aqui não é nada idôneo em suas decisões.
 
Seguro a mão de Vinicius e o arrasto em direção aos elevadores,
enquanto ele murmura:
 
— Ela quer destruir minha vida...
 
— Quer sim — afirmo sem piedade —, mas a gente não vai deixar isso
acontecer. Vamos chegar a um consenso e ter alguma ideia fabulosa.
 
— Sei. — Ele suspira e me abraça, sem se importar com os vários pares
de olhos que nos observam no momento. — Se a gente correr, dá pra
encontrar o Bernardo e, quem sabe chamamos a Lorena.
 
— Como assim? — Estou confusa. Ou será que ele já entrou em
parafuso e está maluco, em negação ou algo do gênero? — O que esses dois
tem a ver com essa história?
 
— Quanto mais gente pensando, melhor — ele afirma com um sorriso e
já parece um pouco mais confiante. — Você está certa, não podemos deixar
que Penélope ganhe essa guerra.
 
Vinicius sobe a mão até a base do meu pescoço e me puxa para um beijo
demorado e apaixonado, fazendo com que eu decida lutar ao seu lado até o
final.
 
***
 
— É óbvio que isso é armação dessa víbora, Juju!
 
Lorena dá um tapa na mesa, o rosto pegando fogo de raiva. Assim que
chegamos ao departamento, Vinicius ligou para Bernardo pedindo que ele e
minha amiga subissem o mais rápido possível. Enquanto a jovem
esbravejava e jurava Penélope de morte, Bernardo deu dois tapinhas
carinhosos em sua mão e puxou o papel, demorando-se na leitura.
 
Estou sentada sobre a mesa de Vinicius, enquanto ele digita furiosamente
um e-mail para seu advogado, pedindo instruções. De repente, um sorriso
ilumina o rosto de Bernardo.
 
— Julia, você está usando o seu apartamento?
 
— O quê? — Inclino a cabeça, sem entender muito bem o motivo da
pergunta. — Como assim, usando? Minhas coisas estão todas lá, mas eu
tenho ficado a maior parte do tempo no apartamento do Vinicius.
 
— Sim, sim, eu sei disso. — O sorriso de Bernardo se alarga e ele
arremata. — Então, você não se importaria de outra pessoa usar seu
apartamento por um tempo?
 
— Bem, ainda tenho minhas coisas lá, mas acho que tudo bem. É alguém
conhecido? Não estou entendendo o que isso tem a ver com... — A ficha
caiu, muito bem, cérebro! — Ah, que maravilha!
 
Começo a rir e ele me acompanha, enquanto Lorena e Vinicius trocam
olhares espantados e Bernardo explica.
 
— Como o juiz declarou que Douglas tem que conviver com você — ele
aponta para o amigo —, vamos colocar a Penélope no apartamento da Julia e
o menino passa a morar com vocês dois no seu apartamento. Acho que a
Julia não vai se importar, certo?
 
Ele olha para mim e concordo com a cabeça, pois é verdade. Não vou me
importar de ter aquele menino morando com a gente e de dar a chance de
Vinicius conhecer seu filho enquanto Penélope luta para se adaptar à vida
simples no meu singelo apartamento.
 
— Gente, como não pensamos nisso antes? — Olho para Vinicius que
me presenteia com um sorriso genuinamente aliviado. — Acho que, no final
das contas, vamos acabar nos divertindo com toda essa situação.
 
— Sim, pode ser. — Ele olha para Bernardo e confirma. — Ótima ideia,
meu amigo, perfeita mesmo. Mas vou esperar o Bianchi me ligar para
confirmar que podemos fazer isso sem deixar nenhuma brecha. Você sabe
muito bem do que a Penélope é capaz e eu ainda acho que ela tem alguma
carta na manga.
 
— Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. — Lorena rebate, ainda com
os olhos pegando fogo de raiva. — Assim que vi aquela mulher pela
primeira vez, tive a certeza de que ela não valia nada. Vocês sabem, com o
histórico familiar que eu tenho, fica fácil pra mim identificar esse tipo de
pessoa.
 
Vejo minha amiga dar de ombros e não sei se ela está falando apenas de
Marcelinho ou se ela tem alguma outra história para contar. Meu coração se
aperta um pouco e decido que, assim que isso passar, vou me sentar com ela
para conversar.
 
— Bom… — Bernardo se levanta e, olhando ao redor, avisa: — Como já
resolvemos essa situação delicada, preciso voltar às minhas obrigações antes
da viagem.
 
— Então é verdade essa coisa de viagem? — Vejo minha amiga levantar
seus olhos verdes para ele e, mais uma vez percebo um fogo em seu olhar,
mas diferente do que ela mostrou antes.
 
— Sim. — Ele coloca a mão no ombro dela e observo Lorena relaxando
o corpo. — Mas não demoro, prometo.
 
— Que palhaçada é essa, vocês dois?
 
Sou uma mãe ursa pronta para defender meu filhote de um ataque de
leopardos, ou, quem sabe, aquela mãe galinha que coloca os pintinhos
embaixo da asa. Podem decidir em qual desses tipos eu me encaixo.
 
— Palhaçada nenhuma — minha amiga responde sem me olhar. — Eu
não me sinto segura ainda para trabalhar sem supervisão.
 
— Ah, mas faça-me o favor, Lorena! Você pensa que está enganando a
quem? — Bufo, desço da mesa e deposito um leve beijo nos lábios de
Vinicius, que sorri de forma divertida. — Eu vou embora, sabe? Vocês que
lidem com seus problemas porque eu já tenho uma cobra para matar e
mostrar o pau. 
 
Todos começam a rir e eu saio sem olhar para trás, certa de que terei que
lidar com essa história de amor entre os dois irresponsáveis assim que
conseguir resolver minha vida com Vinicius.
 
Alô, Universo, não dava para você mandar um problema por vez?
 
— Você acha que a gente deveria trepar em todos os cômodos do
apartamento e deixar um milhão de preservativos espalhados para que ela
recolha?
 
Estou fechando a última caixa de mudança da minha namorada. Julia vai
morar comigo definitivamente e, no que depender de mim, para sempre. A
sugestão dela me deixa animado e sinto meu pau pulsar dentro da calça jeans
depois de uma semana inteira de descanso. Foram tantas coisas a serem
resolvidas nas inúmeras reuniões com os advogados que eu nem tive tempo
de pensar em sexo.
 
Tá, mentira. Pensei sim, mas meu corpo estava tão cansado que quando
eu finalmente caía na cama ao lado de Julia, estava roncando feito um porco
em questão de minutos. Veja bem, ela diz que ronco feito um porco, eu
discordo totalmente. Mas, agora que ela sugeriu, o Senhor Pau acordou e
está me cutucando de maneira insistente. Largo a fita adesiva no chão e
engatinho até onde ela está sentada, rasgando papeis e enfiando-os em sacos
pretos que serão jogados no lixo.
 
— Você está falando sério? — Beijo seu ombro e ela sorri para mim
daquela maneira sedutora que me deixa louco. — Podemos começar agora?
 
— Acho que já perdemos tempo demais — ela declara enquanto empurra
os papeis para longe e me puxa para um beijo longo e apaixonado.
 
Afasto os joelhos dela com as mãos em encontro o meu lugar no mundo:
entre as pernas macias e quentes de Julia. Meu pau parece ter dobrado de
tamanho e, se ele pudesse, juro que teria encontrado o caminho para fora do
jeans por conta própria. Ela entrelaça as pernas na minha cintura e se esfrega
contra minha ereção, inclinando a cabeça para trás, com os olhos fechados e
a boca entreaberta. Deito por cima dela e acaricio seus lábios com meu
polegar, esfregando-o contra sua pele macia para logo sentir a ponta da
língua rosada dela brincando com meu dedo. Deslizo o dedo para dentro de
sua boca e Julia abre os olhos e começa a sugá-lo lentamente, como se ele
fosse um delicioso picolé. Fecho os olhos e sinto meu pau latejando
enquanto ela chupa meu dedo sem parar. Vocês não imaginam o tesão que é
saber que ela gosta do sabor da minha pele e mal posso esperar para sentir
sua boca quente em torno do meu pau.
 
Como se tivesse lido meus pensamentos, Julia desce as mãos pelo meu
peito até encontrar o botão do jeans e abre minha calça, enfiando os dedos
pela cueca até prender a cabeça do meu pau em suas mãos macias. Um
gemido escapa dos meus lábios e eu tiro o dedo da sua boca, tomando-a na
minha, procurando sua língua enquanto ela me masturba com força.
 
De repente não sinto mais sua mão em mim e vejo que ela está retirando
um preservativo de dentro da minha carteira. Em que momento essa mulher
conseguiu pegar a minha carteira no bolso da calça?  Ela me deixa tão
alucinado que não consigo prestar atenção em mais nada, somente em Julia.
Me livro do jeans e da cueca e sinalizo para que ela apenas afaste a calcinha.
Não é amor o que vamos fazer, é sexo, urgente e faminto.
 
Ela apenas sorri, abre as pernas e afasta a calcinha vermelha para o lado
presenteando-me com a visão deliciosa da sua boceta lisinha e rosada. Eu
estou de joelhos, literalmente, e seguro seus tornozelos apertando-os com
força enquanto declaro.
 
— Você me deixa louco, Dona Julia. Tenho vontade de fazer mil coisas
inapropriadas com você.
 
O sorriso dela é sexy e seus olhos estão embaçados de tesão. Julia desliza
a mão até a renda da calcinha e começa a se tocar suavemente, passando a
língua pelos lábios e me fazendo perder o controle.
 
— Então, faça, chefe. — A danada desliza o dedo para dentro da boceta
e inclina a cabeça para trás, se oferecendo para mim. Esse é um convite que
eu jamais irei recusar.
 
Quero muito fodê-la até que todos nesse prédio escutem seus gritos, mas
antes de qualquer coisa, preciso sentir seu gosto. Mergulho o rosto entre suas
pernas e beijo sua mão, afanando-a do lugar que é meu por direito. Mordo a
carne macia, beijos os lábios molhados e enfio a língua na bocetinha de
Julia, chupando e mordiscando até encontrar seu clitóris. Não sei quanto
tempo passei entre suas coxas, me deliciando com seus gemidos e gritinhos,
mas quando senti os dedos de Julia em meus cabelos, puxando meu rosto
contra sua boceta, intensifiquei meus movimentos até que ela gozou na
minha língua.
 
E puta que o pariu, que tesão essa mulher me faz sentir.
 
Sem demora, me posiciono sobre seu corpo, beijando-a enquanto suas
mãos colocam meu pau na entrada da sua bocetinha molhada, fazendo-o
deslizar com facilidade. Ela me aperta com os joelhos e eu começo a fodê-la
com força, coisa que descobri que Julia gosta, e muito.
 
O sexo é rápido e faminto, basicamente uma trepada das boas e, quando
ela crava os dentes em meu ombro, sinto o gozo tomando conta de mim e
chamo seu nome entredentes, caindo em seus braços.
 
Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ela me cutuca e
sussurra:
 
— Tira esse preservativo e deixa em cima da pia da cozinha. — Eu
levanto a cabeça e ela tem uma expressão perversa e divertida nos olhos
quando completa.  — Ainda bem que ainda não trocamos nossos exames e
estamos usando camisinha, pois tive uma ideia maravilhosa. E trate de se
recuperar logo pois ainda temos que transar na sala e no banheiro. Vamos
encher esse apartamento de sexo para essa sua ex-namorada não ter um
segundo de paz.
 
Por Deus, eu amo mesmo essa mulher.
 

Acabamos de colocar a última caixa com a minha modesta mudança no


porta-malas do carro de Vinicius. Tudo bem, “mudança” é uma palavra
ousada demais, já que todos os móveis ficaram para trás e eu não trouxe nem
a televisão que ainda estou pagando.
 
Se por um lado me dói saber que a cretina da Penélope vai usar todas as
minhas coisas, por outro estou nadando em uma banheira de felicidade só de
imaginar a megera presa nesse cubículo modesto da Zona Norte do Rio de
Janeiro. Ponto para mim que, além de ganhar um namorado maravilhoso,
ainda me mudei para o apartamento dele no Leblon.
 
“Não se esqueça do filhote do capiroto.” Meu cérebro avisa, sempre
racional. Como se eu pudesse esquecer, não é mesmo?
 
Quando Vinicius pegou o resultado do exame de DNA comprovando que
ele era pai de Douglas, não demorou a se reunir com ela e os advogados para
a negociação e as coisas ficaram feias. Eu consegui ouvir os gritos de
Penélope mesmo com a porta da sala dele fechada. Ela não aceitava o fato de
um juiz ter permitido que seu filho, o amor de sua vida — usando as
palavras dela — fosse viver com o pai e ela tivesse que morar em outro
lugar. Foram horas de discussão acalorada onde eu e Lorena nos revezamos
para ouvir tudo que era falado lá dentro.
 
No final, Penélope abriu a porta e deu de cara comigo, que lhe ofereci
meu melhor sorriso. Ela me olhou de alto a baixo e murmurou algumas
palavras que eu não entendi enquanto saiu batendo os pés.
 
Ponto para Vinicius, que graças à influência do seu advogado, conseguiu
dar a volta na megera.
 
Agora, enquanto olho para as caixas contendo meus pertences, sinto um
misto de excitação e apreensão. Como vai ser dividir minha casa com
Vinicius e seu filho, sendo que nenhum de nós realmente se conhece de
verdade?
 
— Em que você está pensando?
 
Levanto os olhos e ele está me encarando com uma expressão séria no
rosto lindo. Dou um sorriso daqueles que levantam apenas um dos lados da
boca e passo a mão por seus cabelos, tentando encontrar as palavras certas.
Mas ele não me dá tempo.
 
— Está pensando em desistir? Tá achando que é demais ficar comigo e
com o moleque tão cedo? Se for isso...
 
— Ah, cala essa boca. — Puxo meu namorado para um beijo longo,
tratando de tirar essas dúvidas de nossas cabeças. O beijo está tão gostoso
que eu só percebo que Bill chegou porque ele dá uma tossida nada discreta.
 
— Oh, Dona Julia, essa indecência aí na porta. A senhora sabe que seu
Epaminondas não gosta disso.
 
— Bill. — Suspiro enquanto me jogo para trás contando com o suporte
dos braços de Vinicius. — Quero que o Epa se foda. Ele e o traste do filho
dele, tá certo? Se bobear, você também.
 
— Nossa, Dona Julia! — Ele sacode a cabeça em reprovação. — Quanta
grosseria.
 
— Não enche meu saco, Bill. — Vinicius faz menção de dizer alguma
coisa, mas eu coloco os dedos sobre seus lábios, pois essa briga é minha. —
Pode voltar lá pra dentro e ir lamber o saco do Epa, seu fofoqueiro. Eu estou
dando o fora daqui e, de presente, vou te deixar uma pessoa muito mais legal
e agradável do que eu.
 
— Ué — ele coça a cabeça, intrigado com a novidade —, a senhora tá de
mudança?
 
— Já fui, meu filho. — Sacudo a mão para ele e entro no carro, sendo
seguida por Vinicius, que sorri divertido. — Boa sorte com a nova moradora.
 
Deixo um suspiro escapar dos meus lábios, aliviada em deixar essa parte
da minha vida para trás quando Bill bate no vidro.
 
— A senhora não tá sublocando esse apartamento, né? Isso é contra a lei.
 
— Me esquece, Bill! Tudo dentro da lei.
 
Vinicius dá a partida e só então me viro em sua direção com os olhos
arregalados e cheios de pânico.
 
— Dentro da lei, né? Não estamos fazendo essa coisa toda do jeito
errado, né?
 
Ele dá uma gargalhada e aperta meu joelho daquele jeito que só Vinicius
sabe fazer.
 
— Tudo dentro da lei, Dona Julia. Não sou idiota a ponto de deixar que
essa mulher tire vantagem de mim. — Ele dá de ombros, rendido. — Não
dessa vez.
 
— Ainda bem. — Respiro aliviada e me recosto no banco. — Por um
momento me imaginei tendo que lidar com essa infeliz batendo na porta da
nossa casa.
 
— Nossa casa, hein. — Ele mantém os olhos fixos no trânsito e um
sorriso na boca. — Gostei do som dessa frase.
 
— Eu também, seu idiota.
 
Ele me olha com carinho e eu sinto meu corpo derreter. Quero passar o
resto da vida com esse homem, trepando com ele, namorando com ele,
casando com ele.
 
CASANDO COM ELE? COMO ASSIM, JULIA!!!???!!!
 
— Só preciso que você me tire uma dúvida, Julia. — Opa, agora voz
dele está séria. Será que falei em voz alta que quero casar com ele? — Você
não deixou aquelas camisinhas espalhadas pela casa, certo? Era apenas uma
brincadeira, não é?
 
— Claro que deixei. — Suspiro aliviada. Se todos os meus problemas
fossem esses.  — Mas passei uma água nelas antes, só para o caso dessa sua
ex tentar engravidar de você de novo.
 
Ficamos em silêncio por alguns segundos até que explodimos em uma
gargalhada conjunta. De Penélope, podemos esperar tudo.
 
 

Arrumar minhas coisas na casa de Vinicius foi moleza e em menos de


uma hora eu já estou acomodada. O problema agora é arrumar o outro
quarto, que vinha sendo utilizado como escritório, para que Douglas tenha
um lugar para ficar em segurança. 
 
Como temos zero experiência com crianças, apelei para a Lorena pois sei
que sua família tem mais crianças do que um parque de diversões em dia de
sol e agora estou preparando um café bem gostoso e quentinho enquanto
espero minha amiga chegar.
 
Minha amiga tem dois irmãos, meia dúzia de primos e, no total, umas
dez crianças que vivem ao seu redor. De todos os segredos que ela guardou
de mim durante o tempo que trabalhamos lado a lado, esse amontoado de
crianças não foi um deles. Como ela sabe que eu amo doces e salgadinhos,
sempre me trazia um pote recheado de gulodices diretamente das festinhas
de fim de semana.
 
Mal acabo de colocar a mesa, meu celular toca e o nome de Vinicius
aparece na tela. Ele havia descido para esperar Lorena e aposto que não está
dando conta de tudo que ela disse que ia trazer. Deslizo a tela e brinco.
 
— Quantas caixas de brinquedo ela trouxe? Meia dúzia?
 
— Se fosse só isso, não teríamos nenhum problema. Lorena veio com a
picape do pai, trouxe uma cama infantil, vídeo game, uma mesinha que diz
que o moleque vai gostar de usar para brincar e — ele faz uma pausa
enquanto conta baixinho — sete caixas de brinquedo. Sete, Julia.
 
— Essa é a Lorena. Aliás estou ouvindo a voz dela tagarelando aí no
fundo, o que está acontecendo?
 
— Ela está dando ordens ao meu porteiro, coitado. O homem está
hipnotizado pela energia dessa garota. — Vinicius abaixa o tom de voz e
passa a sussurrar: — O que me leva a um outro problema, temos que
conversar sobre ela e Bernardo, antes que você me mate.
 
— Ah, Vinicius, não vou te matar — afirmo enquanto coloco o pão e os
frios na mesa. — Já entendi que esses dois estão se enrolando por vontade
própria e que isso foge à nossa alçada. Pode relaxar.
 
— Ainda bem. — Ele solta um suspiro aliviado. — Mas mesmo assim
acho que temos que conversar.
 
— Tudo bem — concordo e me sento à mesa, enchendo minha xicara
com um café fresquinho. — Não demorem, tá? A comida está na mesa.
 
— Você está na mesa? — O tom dele é sacana e divertido e dou uma
gargalhada.
 
— Nos seus sonhos, rapaz.
 
— Sim. Mas nos meus sonhos você não está apenas na mesa. Você está
em todos os lugares, Julia.
 
Meu coração dá uma acelerada e me despeço dele sabendo que em
poucos minutos estaremos totalmente envolvidos com as arrumações para
poder receber Douglas. Ao invés de sentir um leve desespero, me pego
animada com a ideia de conviver com um mini Vinicius diariamente.
 
Estou presa em um delírio onde eu, Vinicius e Douglas brincamos de
videogame quando escuto a voz dele e de Lorena, seguido pelo barulho da
porta batendo.
 
— Juju — minha amiga me dá um sorriso e um abraço enquanto declara
—, existem chances de que eu comece a gostar do seu namorado.
 
— Ah, sei. Chances — digo enquanto puxo-a para um abraço demorado,
daqueles que ela não gosta muito. — Ele já conquistou o seu coração quando
resolveu assumir essa criança em tempo integral.
 
— Ei, eu estou na sala junto com vocês, ok? — Vinicius parece estar
incomodado e tenta disfarçar fazendo piada. — Não estou fazendo nada
demais, o moleque precisa ficar com alguém que seja legal e responsável.
 
— Por isso ele está vindo morar aqui — digo com um enorme sorriso. —
Para poder conviver comigo, a superlegal e responsável.
 
Lorena se solta do meu abraço, sacodindo-se como se fosse um gato
molhado e se joga na cadeira, pegando a minha xícara de café.
 
— Eu acho que o tiro daquela pilantra saiu pela culatra. Enquanto ela
achava que vocês iam se descabelar e deixar que o menino abalasse o
relacionamento para que ela atacasse o Vinicius, isso tudo só serviu para
deixar vocês ainda mais unidos — ela faz uma pausa e torce os lábios em
sinal de desgosto — e mais fofos.
 
Vinicius me puxa para junto do seu corpo e beija minha testa com
carinho. Tudo foi acontecendo tão rápido e sem planejamento e ainda assim
estamos aqui, em paz e com a consciência limpa e calma.
 
— Lorena, muito obrigada.
 
— Por quê? — Ela levanta os olhos verdes para Vinicius e arqueia a
sobrancelha.
 
— Por ser uma funcionária rebelde e competente. Por ser desbocada e ter
me dado um banho de café que me levou até a mesma loja que Julia estava.
— Trocamos um olhar de cumplicidade que faz com que Lorena puxe
vômito de forma teatral. — Por estar disposta a me ajudar mesmo que eu
tenha sido um cara bastante insuportável no último ano.
 
— Tá — ela diz simplesmente e volta sua atenção para o pão francês em
cima da mesa. — Mas esse pão é sem glúten?
 
— Ah, Lorena, faça-me o favor — eu recrimino. — Fazer essa palhaçada
com o Bernardo, tudo bem, agora comigo não vai colar que eu te conheço
muito bem. Come logo esse pão!
 
— Ele é fofo. — Ela dá de ombros e sorri maliciosamente. — E
totalmente influenciável, o que me faz gostar ainda mais dele.
 
Troco um olhar rápido com Vinicius, mas antes que possamos falar algo,
ela aponta a faca suja de manteiga na direção de nós dois e pergunta.
 
—  Ele é feliz no casamento?
 
— Até onde sei, é sim — Vinicius responde com cautela. — Por quê?
Ele te fez alguma proposta?
 
— Nenhuma. O que eu até achei meio estranho. Não que eu fosse
aceitar, Julia, pode desmanchar essa cara feia. — Ela sorri de uma forma
diferente, quase meiga e confessa. — Só estranhei, sabe? Estou muito
acostumada a propostas indecentes e homens que não valem nada. Mas o
Bernardo parece diferente e isso vem me incomodando.
 
— Incomodando, ou te deixando ainda mais interessada?
 
A pergunta escapa dos meus lábios antes que eu consiga me segurar. O
que é, gente? Vocês ainda não se acostumaram comigo?
 
— Não vou responder — Lorena declara enfiando o pão na boca e dando
o assunto como encerrado.
 
— Tudo bem, Lorena. — Vinicius me surpreende ao aceitar o silêncio da
minha amiga e sentar-se ao lado dela com naturalidade. — Acho mesmo que
temos que falar de outras coisas enquanto comemos, pois o Bernardo me dá
um pouco de indigestão com aquele jeito certinho dele, como se fosse um
robô.
 
— Eu acho fofo. — Ela dá de ombros mais uma vez e se serve de outra
xícara de café. — Mas não adianta jogar a isca porque eu não vou cair na tua
lábia, chefe.
 
Vinicius dá um sorrisinho e sinaliza para que eu me sente, o que faço
sem pensar duas vezes, já que estou morta de fome. Nossa conversa gira em
torno de coisas amenas e evitamos falar de Bernardo ou do escritório até que
Lorena pergunta.
 
— Quando vocês vão levar a cobra pro apartamento da Juju e resgatar o
moleque?
 
— Amanhã de manhã. Já acertei de trabalhar de casa nos próximos dias
para ficar com o Douglas. — Ele faz uma pausa e com um tom solene
completa: — Com o meu filho.
 
Sinto meu coração apertar dentro do peito pois, por mais que eu esteja
disposta a fazer parte dessa nova etapa na vida do meu namorado, encarar
um filho a essa altura do campeonato não estava em meus planos. Como se
estivesse lendo meus pensamentos, ele estica o braço e pega minha mão.
 
— Tem certeza de que está tudo bem?
 
Eu dou o meu melhor sorriso, cheio de amor e confiança pois isso é
exatamente o que ele merece e nada menos do que isso.
 
— Se eu tenho certeza de que quero assumir meu namorado Kinder Ovo
e sua surpresinha? — Ele confirma com a cabeça e eu beijo seus dedos. —
Sim, tenho certeza.
 
O clima de tensão parece diminuir e terminamos nosso lanche em
silêncio, preparando o espírito para as mudanças que estavam chegando
como um trem desgovernado.
— Que a Julia não tem experiência com crianças eu tô careca de saber,
mas e você?
 
Dou uma última martelada no prego que vai segurar uma das
prateleiras que estamos colocando no quarto de Douglas e olho para Lorena
por cima do ombro. Ela está sentada no chão, rodeada por brinquedos e
parece muito à vontade dessa forma. Vê-la desse jeito me faz imaginar como
seriam os filhos dela com o Bernardo, mas logo afasto isso da minha mente,
ciente de que não é algo que eu deva estar pensando, levando em
consideração o fato de meu amigo ser casado com outra mulher.
— Tenho três sobrinhos. Mas minha irmã é casada com um camarada
muito inteligente e requisitado dentro da sua profissão, e se mudaram para
uma cidade no Nordeste. Meus pais não aguentaram a saudade e foram atrás
deles. — Ofereço a ela o meu melhor sorriso e completo: — Fiquei sem
família e sem crianças ao meu redor, satisfeita?
— Entendi, você está aqui sozinho e fazendo de conta que se importa
com isso   — Lorena levanta o canto da boca em um arremedo de sorriso e
completa —, quando na verdade não sente tanta falta assim da sua família e
acha que está vivendo na mais completa e perfeita paz. Tudo bem, eu te
entendo.
Ela resumiu bem a minha situação. Claro que de início fiquei
incomodado com o fato de meus pais não terem pensando duas vezes antes
de vender a casa e ir atrás de Vitoria, mas depois que tudo acalmou, não ter a
interferência deles no meu dia a dia, foi um alívio.
Minha mãe e a Dona Adelaide nunca se deram bem e a minha
amizade com Bernardo sempre havia sido motivo de discussões. Foram anos
de chantagens emocionais sobre como meu amigo era criado na barra da saia
da mamãe e que ele era molenga demais, influenciável demais e que isso
poderia prejudicar meus estudos e minha reputação. Minha mãe falava tanto
sobre isso que havia conseguido contaminar meu pai, que passou a evitar
Bernardo. 
Foram anos difíceis, mas nunca deixei isso me abalar e tampouco
influenciar minha amizade com ele, principalmente por saber que ele não
tinha nada de molenga e nem influenciável, era apenas um cara pacato e
muito bem-educado, que acabou se tornando meu melhor amigo para o resto
da vida.
— Vinicius... — Lorena usa um tom de voz mais baixo do que o
normal, fazendo com que meu sentido aranha desperte. — Tudo bem se eu te
fizer algumas perguntas sobre o Bernardo? Você não vai nem me julgar e
nem contar para Julia.
Respiro fundo e cruzo os braços sobre o peito enquanto faço uma
careta antes de responder. Eita situação complicada essa.
— Olha, julgar não vou. Agora essa parte aí da Julia... Se ela
desconfiar de algo e me perguntar. — Jogo as mãos para o alto, totalmente
rendido. — Não vai ter jeito não. Ela é o demônio.
— Eu sei. — A ruiva ri e passa os dedos pelos cabelos, tentando
arrumar os fios rebeldes atrás das orelhas cheias de furos. — Na verdade são
coisas bobas, sabe? Tipo... Ele é casado há muito tempo? Por que não tem
filhos? Ele gosta de crianças? A mulher dele é legal e trata ele bem?  Ele é
feliz?
Ela me faz uma enxurrada de perguntas que me deixam realmente
incomodado, mas não consigo ficar calado. Os olhos da jovem brilham e,
pela primeira vez, parece que ela não tem nenhuma barreira entre nós e
arrisco dizer que está abrindo seu coração e seus medos. Sento no chão à sua
frente, pego um dinossauro de plástico e começo a brincar com ele.
— Ele conheceu a Cintia na faculdade e tem uma certa diferença de
idade entre eles, mas como o Be sempre foi muito maduro, ela acabou se
encantando por ele. Na verdade, eles se encantaram mutuamente. O namoro
foi rápido e ele logo estava morando com ela. Agora, se você quer saber se
tem paixão e fogo na vida sexual deles, isso eu não posso te dizer. Ambos
são contidos. Mas posso afirmar que eles têm um relacionamento sólido,
respeitoso e companheiro. Ele ama crianças e, sinceramente, não sei o
motivo de, depois de todos esses anos, ainda não terem filhos. Agora, feliz...
não posso bater o martelo e te dar certeza. A única pessoa que pode te
responder essa pergunta é ele.
— Entendo. — Ela desvia os olhos e, por alguns segundos, acredito
ter visto algumas lágrimas ali. Mas, quando me olha novamente, nem um
traço de tristeza, apenas o brilho irônico de sempre. — Obrigada.
— De nada. Ele é um cara legal, mas eu acho que não está cem por
cento disponível, Lorena. — Levanto-me com alguns brinquedos na mão e
começo a arrumar as prateleiras. — Cuidado, pois se você se machucar, Julia
me mata.
— O que vocês estão fazendo? Falando mal de mim.
Falando no diabo.... Ela enfia a cabeça para dentro do quarto com um
sorriso travesso nos lábios e eu me pego sorrindo de volta para ela, preso no
seu encanto. Já perdi a conta de quantas vezes eu disse isso, mas estou
mesmo fodido. E apaixonado.
— Jamais. — Lorena dá um sorriso para a amiga. — Estamos
falando sobre como vai ser diferente a dinâmica de vocês dois aqui nesse
ninho de amor quando o moleque chegar, não é, Vinicius?
Ela guarda o resto dos brinquedos no armário e se levanta dando um
beijo rápido em Julia enquanto se despede e sai apressada em direção à
porta, depois de ter jogado essa bomba no meu colo.
Confesso que eu não ainda tinha parado para pensar em como seria
minha vida sexual com a chegada do meu filho, mas agora fiquei
ponderando. Olho para Julia, toda gostosa naquele jeans apertado e começo
a me questionar se, na verdade, esse não havia sido o objetivo de Penélope
desde o início: colocar o moleque aqui para atrapalhar meu namoro.
Julia está me olhando com um ar intrigado e divertido. Largo o
último dinossauro em cima da cama e caminho até ela, segurando seu queixo
e beijando seus lábios com carinho. Ela passa os braços pelo meu pescoço e
encosta a testa na minha, deixando um suspiro suave escapar por seus lábios.
— Você sabe que a partir do momento em que Douglas vier morar
aqui nossas noites de sexo selvagem acabaram, né?
Jogo a pergunta no ar e fecho os olhos, com medo de que algo entre
nós mude e que esse sonho que estou vivendo ao lado da mulher mais
intrigante que eu já conheci, acabe. Ela sorri suavemente e responde
baixinho.
— Então faremos sexo mudo. Sexo suave. Sexo familiar. Só não
vamos parar de fazer sexo. Nunca mais na vida.
Puta que pariu! Ganhei na loteria!
Melhor colocar uma aliança no dedo dessa mulher antes que ela
mude de ideia.

Os móveis do escritório foram acomodados em um canto da sala e, ao


que tudo indica, estamos prontos para a chegada de Douglas. Dentro de
mim, os sentimentos estão em um tipo de batalha silenciosa pois, ao mesmo
tempo em que sinto uma alegria imensa em saber que o filho de Vinicius vai
ter a oportunidade de conhecer um cara maravilhoso, também temo pelas
consequências que essa convivência pode causar.    E, acreditem, sei que
podem ser devastadoras.
 
Eu não tenho muita pratica em ser “família”, sabe? Mesmo com as
minhas irmãs em casa, o convívio nunca foi legal e eu confesso que estou
ansiosa para ver se dessa vez vai ser diferente. Meus pais me criaram de uma
forma meio displicente, meio largada, como se achassem que o básico era o
suficiente para que a gente crescesse e não reclamasse da vida. Não estou
dizendo que eram pessoas ruins, mas não foram amorosos e atenciosos o
suficiente. A única coisa que se preocupavam era com o fato de uma de nós
engravidar e trazer mais uma boca para dentro de casa. Por isso eu tratei
logo de arrumar um emprego e, assim que deu, saí de casa para viver a
minha vida em paz.
 
Já os pais de Vinicius parecem que devotaram a vida a amar e mimar a
irmã mais nova dele e, por mais que ele tente desconversar, sei que isso
incomoda bastante o meu namorado. Fico pensando se vamos ser melhores
ou piores do que nossos pais, ou será que acabaremos apenas como meras
cópias pálidas?
 
— Você está pronta?
 
Sinto a mão dele sobre meu ombro e me viro em sua direção. Vinicius
está estonteante, em uma calca jeans surrada e a camisa polo azul da cor dos
seus olhos. Seu rosto está bem barbeado e os olhos azuis brilham de uma
forma diferente hoje, me deixando com vontade de me aconchegar nos seus
braços e ser feliz ali, quentinha e segura, para sempre. Ao invés disso,
confesso.
 
— Acho que nunca vou estar pronta de verdade, então vamos logo com
isso.
 
Passo o braço pela cintura dele e saímos do apartamento em um silêncio
confortável que só é quebrado quando entramos no elevador,
 
— Ela vai ficar muito irada quando entrar no seu microapartamento. —
Ele ri e me dá um beijo. — Será que você consegue tirar uma foto da cara da
Penélope quando eu contar que ela vai morar no subúrbio? O Bernardo ia
adorar ver isso.
 
— Prefiro não arriscar. — Balanço a cabeça em negativa. — Não que eu
tenha medo dela, mas para não dar um show na frente do molequinho fofo.
 
— Molequinho fofo, é?
 
Vinicius me dá um sorriso muito lindo e meu coração se aquece. Ele
ainda não percebeu, mas a chegada desse filho surpresa já começou a mudar
sua vida.
 
— Sim, ele parece muito fofo e vou me esforçar para nos darmos bem.
 
— Você sabe que isso pode ser difícil, ele pode ser igual a mãe e nos
causar problemas. — Vejo ele sacudir a cabeça repetidas vezes, como se para
afugentar maus pensamentos. — Não sei, Julia, acho melhor não criarmos
expectativas.
 
— Como diz a Lorena, melhor criar unicórnios do que expectativas. Mas
eu não consigo viver assim, então já tenho um saquinho cheio delas. 
 
Ele aperta minha mão e somos novamente envolvidos pelo silêncio, que
nos acompanha pela curta viagem até o bairro vizinho, onde Penélope e
Douglas estão hospedados. Assim que Vinicius encosta o carro no recuo do
hotel consigo ver Penélope discutindo com alguém na recepção enquanto
Douglas sai do seu lado e vem correndo pela porta automática em direção ao
nosso carro.
 
Saio do carro e me ajoelho na calçada, pronta para receber o menino nos
meus braços, mas ele para um pouco antes e fica me olhando muito sério até
que começa a rir e aponta para a minha camiseta.
 
— Pikachu!
 
Ele grita e agita as mãos no ar enquanto começa a pular com alegria.
Olho para minha camiseta e dou uma gargalhada. Tinha me esquecido
completamente que estava com o Pikachu sorridente estampado no peito da
minha camiseta branca, mas parece que acertei na escolha.
 
— Você gosta dele, tia?
 
— Ele é fofo — confesso passando as mãos no desenho. — Igual a você.
 
— Eu sou o Pikachu!!! — Ele ri de novo e se joga nos meus braços.
 
Ele se joga nos meus braços, vocês entenderam? Como posso resistir?
Não posso e nem quero, por isso abraço o menino dando um beijo no topo da
sua cabeça. Porém, antes que eu possa aproveitar esse momento de ternura,
Penélope aparece e arranca Douglas de dentro do meu abraço.
 
— Que palhaçada é essa, posso saber? — Ela está com a boca retorcida
em uma careta de nojo. — Quem você pensa que é para sair abraçando o
meu filho?
 
— Ela gosta do Pikachu, mãe. — Douglas olha para a mãe com um
sorriso que logo desaparece quando ela não sorri de volta.
 
— Pouco me importa se ela gosta desse rato amarelo. — Ela se vira na
direção de Vinicius e, ainda segurando o menino pela mão, o enfrenta com
um beicinho sexy. — A minha conta no hotel não foi paga, Vinicius. O que
está acontecendo? Está negando ajuda à mãe do seu único filho?
 
Vinicius rola os olhos, mostrando-se cansado de todo o drama que ainda
está por vir e, sem dizer uma palavra, traça uma reta até o interior do hotel.
Já sabíamos que a conta do hotel teria que ser acertada por ele, pois a
pilantra está falida, mas para que isso acontecesse tínhamos que, primeiro,
chegar ao hotel, certo? Mas a madame não pode perder a chance de um
espetáculo.
 
Cruzo os braços e lanço a Penélope meu melhor olhar de desgosto,
pronta para uma conversa desagradável.
 
— Você acha mesmo que ele vai continuar com você agora que eu
voltei? Ele sempre foi apaixonado por mim e agora eu tenho esse trunfo
aqui. — Ela dá dois tapinhas nada carinhosos na cabeça do filho que se
encolhe assustado. — Não vai ter espaço para você na vida dele, sua
coisinha. Ele pode ter optado por me colocar em outro lugar agora, mas não
vai resistir muito tempo e, em breve, você vai perder seu namoradinho para
mim.
 
— Isso é o que nós vamos ver, Pê. — Uso o apelido intencionalmente e
ela dá uma gargalhada de bruxa. — Pois eu aposto que saio dessa com
Vinicius e seu filho, ambos apaixonados por mim, enquanto você vai ter que
se contentar em morar em um lugar qualquer do subúrbio da cidade.
 
— Até parece que ele vai fazer uma coisa dessas. — Ela olha para
Vinicius que vem caminhando calmamente em nossa direção com uma
expressão muito séria no rosto. —  Ele acabou de pagar a minha conta, com
todas as garrafas de champanhe que consumi.
 
— Que merda é essa, Penélope? — Vinicius entrega um papel a ela e,
virando-se na direção do filho, avisa: — Você não repita essa palavra,
rapazinho.
 
— Qual palavra? — Meu Deus, como ele é fofo com esses olhos azuis e
as covinhas nas bochechas. Eu quero morder essa miniatura de Vinicius.
 
— Essa que eu disse e que é feia. — Ele se ajoelha e coloca as mãos nos
ombros do filho e meu coração se derrete. — Você sabe qual é, não me
enrole.
 
— Tá. Não falo. — Douglas dá um sorriso e olha para mim antes de
perguntar: — Mas eu posso ficar com a Tia Pikachu?
 
Tia Pikachu, gente! Eu sou a tia Pikachu e estou me sentido uma
superheroína, sabe? Estico a mão para ele que se solta de Penélope e abraça
minhas pernas enquanto ela rebate.
 
— Isso o quê? Os champanhes? Eu estava triste e sozinha e por isso me
permiti esse luxo. — Ela joga os cabelos loiros para trás e argumenta: —
Não vai me negar esse prazer, não é mesmo?
 
— De jeito nenhum. Mas vou anexar essa despesa no processo de guarda
definitiva — ele sorri e completa —, obrigada por facilitar meu trabalho.
 
— Você não seria capaz! — A voz dela sai do timbre e eu dou uma
risada abafada que faz com que ela me lance um olhar assassino. —
Vinicius! Isso é golpe baixo.
 
— Ah, sim, com toda certeza esse é um assunto que você domina muito
bem. — Ele pega minha mão e sai puxando a mim e Douglas, enquanto
Penélope fica parada na calçada, aos berros e sem se mexer.
 
— Minhas malas! Você não vai pegar as minhas malas?
— Vinicius... — sussurro para que Douglas não ouça. — Pega as
malas dela e do menino pra gente se livrar logo disso.
Ele joga a cabeça para trás e solta o ar de forma teatral.
— Eu vou. Mas só porque você está me pedindo. — Olha para
Douglas e fala baixinho: — Eu amo a Tia Pikachu e vou beijar ela agora.
— Pikachu! — o menino comemora jogando os braços para o ar e
Vinicius encosta os lábios nos meus com suavidade. Sinto os olhos de
Penélope cravados em nós dois, mas não permito que isso me incomode.
Nos afastamos e ele caminha até ela para avisar:
— Vou pegar as suas malas porque a Julia me pediu, acho bom que
fique claro para você. — Ela sacode a cabeça suavemente e um sorriso
debochado está estampado em seus lábios. — Pode ir para o carro, não quero
perder um minuto além do necessário com você.
— Você quem manda, chefe.
Penélope responde e me olha de esguelha, mas não tenho tempo para
ela pois Douglas começou a tagarelar sem parar e me puxar pela mão em
direção ao carro. Vejo Vinicius correr para dentro do hotel e, logo em
seguida, voltar com uma mochila nos ombros e puxando duas malas. 
Com tudo acomodado no carro, inclusive a víbora, partimos em
direção ao subúrbio, e eu mal posso esperar para ver a cara dela quando
chegarmos ao seu novo lar.
— Você só pode estar brincando!
 
Escuto Julia tentar abafar uma risada e isso me faz ter vontade de
gargalhar. Penélope está parada do lado de fora do carro, elegante em seu
vestido preto e seus saltos altos e totalmente deslocada. É sábado e a feira
livre acontece a todo o vapor na rua do prédio onde Julia morou um dia.
Douglas está agarrado na mão da minha namorada como se houvesse
esquecido que um dia teve mãe e que essa está agora com os olhos
arregalados diante do horror da sua nova realidade.
 
Veja bem, o prédio de Julia até que é simpático e bem arrumado, mas não
se encaixa nos padrões chiques dos sonhos de Penélope. Eu sei que ela
tramou tudo isso para tentar se enfiar na minha casa e me seduzir como da
última vez. Mas comigo isso não vai mais colar, ainda mais agora que Tia
Pikachu brinca alegremente com o meu filho, dando à minha vida um
colorido novo e especial.
 
— Vinicius! — O grito de Penélope me tira do devaneio onde eu, Julia e
Douglas nos mudamos para uma casa com piscina e jardim na Zona Oeste
do Rio de Janeiro. — Eu estou falando com você!
 
— Falando não, você está berrando sem nenhuma necessidade —
respondo enquanto arrasto a mala dela para a portaria. — Você disse que
precisava de um lugar para morar e eu arrumei esse lugar para você. Um
apartamento confortável que acabou de ser desocupado.
 
— Acabou de ser desocupado? Como assim?
 
— Eu acabei de me mudar. — A voz de Julia tem um tom debochado,
igual ao que ela usava comigo no escritório e confesso que me deu um certo
tesão. — Mudei tem alguns dias para a casa do Vinicius. Conveniente, não é
mesmo?
 
— Ah, mas era só o que me faltava, eu ter que morar no mesmo
apartamento que essazinha aí morou. — Ela joga os cabelos para trás e tenta
tirar a mala da minha mão, mas me desvio de seu toque e sigo caminhando
para dentro do prédio. — Eu não vou morar aqui!
 
— Não adianta espernear, Penélope. É aqui ou na rua, você escolhe. —
Vejo Bill nos observando da sua cadeira e sinalizo para que ele chegue mais
perto enquanto sussurro para ela: — Se você acreditava que tinha algum
poder sobre mim pelo simples fato de ter gerado um filho meu, está
redondamente enganada. O menino vem comigo e eu vou lutar pela guarda
dele, enquanto você... Bem, faça o que quiser e fique longe de mim.
 
— Oi, Dona Julia. — Bill fala mansinho e dou um olhar fulminante para
ele. — Oi, doutor, tudo bem? Quem é essa moça?
 
— Essa moça vai morar no apartamento que era da Dona Julia e que está
com três meses de aluguel pagos adiantados. — Mantenho os olhos fixos no
porteiro e aviso. — É para você ficar longe dela, entendeu, Bill? Ela é capaz
de te convencer a arrancar seus olhos e comê-los como sobremesa.
 
— Cruz credor, doutor! — Ele faz o sinal da cruz e Julia dá uma
gargalhada completando.
 
— É verdade, Bill. Não pense que ela é boazinha como eu. Fique longe
dela.
 
— Eu ia me oferecer pra ajudar a moça com as malas, mas, depois dessa,
tô saindo. Bom dia pra vocês.
 
Ele vira as costas e sai apressado em direção à garagem. Abro a porta do
elevador e entramos todos, ficando em um silêncio pesado até chegarmos ao
andar do apartamento.
 
— Vou ficar aqui segurando a porta. — Julia avisa quando tento pegar
sua mão. — Pode ir, Vinicius.
 
— Tudo bem. Vem comigo, garotão, assim você se despede da sua mãe.
 
Douglas agarra a perna de Julia, sacode a cabeça em negativa e diz
simplesmente.
 
— Tchau, mãe.
 
— Que isso, moleque? Eu mereço mais do que isso, larga essa aí e vem
me dar um beijo e um abraço.
 
O menino olha para Julia que, do alto da sua sabedoria infantil, sacode a
perna para que ele se solte. Douglas ri para ela, corre até a mãe e se deixa
abraçar e beijar.
 
— Lembre-se do que mamãe te falou, tá?
 
— Tá bem — ele responde contrariado e se solta das mãos da mãe
correndo de volta para Julia. Impressionante como meu filho é muito mais
esperto do que eu jamais fui.
 
— Vamos logo, Penélope, para que eu coloque sua mala na cozinha.
Estou com pressa.
 
— Não vai entrar? — Ela pisca sedutoramente, como se ainda tivesse
algum poder sobre mim.
 
— Nem se eu estivesse morto.
 
Giro a chave na fechadura e escancaro a porta, empurrando a mala para
dentro e dando espaço para que ela passe. Penélope se esfrega em mim e
sinto uma onda de nojo subir pelo meu corpo, mas antes que eu possa reagir
ela cobre a boca com uma das mãos e aponta para a pia da cozinha com a
outra.
 
— Que porra é essa, Vinicius?
 
Sigo seu dedo e, em cima da pia, enfileiradas, estão várias camisinhas
usadas, que formam a frase OI PÊ! 
 
Ouço as risadas de Julia no final do corredor e começo a rir em seguida,
incapaz de acreditar na total falta de maturidade da minha namorada, ao
mesmo tempo que me orgulho imensamente da sua incansável criatividade.
 
— Pare de rir e me explique isso!
 
— Não tenho nada a ver com isso, Penélope, mas acho que Julia pode te
explicar melhor um dia desses. — Engasgo com a risada e me despeço. —
Agora tenho que ir e, se eu fosse você, aproveitava o fim de semana para
descansar, pois em breve você vai precisar de um emprego. O dinheiro que
depositei na sua conta não vai durar para sempre.
 
Bato a porta e saio correndo ao som dos berros dela. Quando entro no
elevador, Julia está vermelha de tanto rir.
 
— Você é inacreditável — digo beijando seus lábios.
 
— Ela mereceu. — Julia sorri para mim por alguns segundos e, logo em
seguida, pergunta: — Douglas, que tal a gente tomar um sorvete antes de ir
conhecer sua casa nova?
 
Vejo os olhos do meu filho brilharem e, por alguns instantes, não sei se é
por causa do sorvete ou por essa mulher incrível vestindo a camiseta do
Pikachu. Na verdade, o motivo não importa, desde que estejamos felizes e
em paz.
 
— Sorvete de chocolate? — Julia concorda com um movimento de
cabeça. — Mamãe não deixa eu comer.
 
— Agora quem manda aqui sou eu. — Ela bate no peito e declara: — Tia
Juju Pikachu.
 
Douglas dá uma risada e estica os braços para mim que não resisto e
pego o moleque no colo, passando o outro braço pela cintura de Julia. Ela
deita a cabeça no meu ombro e Douglas faz um carinho em seus cabelos.
Ficamos em silêncio e, por alguns segundos, é como se Penélope nunca
houvesse existido e nós três formássemos a família perfeita.
 
Mas eu sabia que essa calmaria ia acabar e que, em breve,
enfrentaríamos uma tempestade sem fim.

Douglas não sabe tomar sorvete e isso é um fato incontestável. O menino


está imundo, tem sorvete espalhado pelo queixo e está com a camiseta toda
babada, mas ainda assim parece adorável, igualzinho ao pai. Depois que
saímos do meu antigo apartamento, fomos direto para casa, largamos o carro
na garagem e Vinicius nos trouxe até a praia para tomar sorvete.
 
Estamos sentados no banco de madeira em frente à sorveteria e,
enquanto tomo meu sorvete com toda a calma do mundo, Douglas conta para
Vinicius como ele sente saudade dos colegas da escola, de onde foi
arrancado sem aviso, pela mãe.
 
— O Dudu e o Alessandro são meus melhores amigos e agora eu não
posso mais falar com eles porque a gente tá bem longe. — O menino levanta
os grandes olhos azuis para o pai e completa: — Não é justo.
 
— Não mesmo, moleque. — Douglas dá um sorriso para o pai e parece
que já se acostumou a ser chamado assim. — Mas você logo vai fazer novos
amigos na escola. Isso é, assim que a gente arrumar uma escola para você
não é, Julia?
 
Vinicius me dá um daqueles olhares intensos, recheados de dúvidas e
questionamentos e eu reviro os olhos de forma teatral antes de responder.
 
— Adulto é um bicho chato mesmo. A gente tomando um sorvete
gostosinho e seu pai já querendo falar de estudar. — Dou mais uma
colherada no sorvete e prometo. — Tudo bem, eu prometo que vou arrumar
uma escola bem legal e divertida pra gente, Douglas.
 
— Pra gente? — Os olhos dele brilham e Vinicius enterra a cabeça nas
mãos em um desespero fingido que me faz rir. — Você vai estudar comigo?
 
— Sabe, eu até que gostaria disso. Brincar com você o dia todo, usar
lápis de cor, tirar uma soneca depois do almoço. — Dou um suspiro e fecho
os olhos, como se estivesse sonhando. — Mas lembrei que não posso! Vou
ter que procurar uma escola só pra você mesmo, Douglas, por mais que eu
queira ficar brincando com você, já prometi pro seu pai que vou continuar
trabalhando com ele.
 
— Você é louca.
 
Vinicius estica a mão para mim e beija meus dedos com suavidade
enquanto Douglas acha graça de nós dois.
 
— Tia Pikachu, você tem cara de feliz e o meu pai também. Eu posso ter
cara de feliz também?
 
Pronto, lá vem esse garoto quebrar meu coração de novo. Como assim
perguntar se pode ter cara de feliz? Qual criança não tem esse direito? Antes
que eu possa responder, Vinicius pega o filho no colo e o abraça bem
apertado enquanto promete.
 
— Você vai ser muito feliz, meu filho. Te prometo isso. — Ele levanta os
olhos para mim e reafirma. — Nos três vamos ser muito felizes.
 
Chego mais perto e passo meu braço em torno deles, deixando que meu
coração se inunde de amor. Não penso mais em coisas negativas, não duvido
da possibilidade de ter encontrado a felicidade ao lado de Vinicius e, agora,
Douglas. Na verdade, tudo isso parece um sonho, exceto pela sombra de
Penélope, que paira sobre nós como uma ameaça fantasma.
 
Ficamos parados por vários minutos, presos nos braços uns dos outros
até que Douglas fala bem baixinho.
 
— Preciso fazer xixi — faz uma pausa e completa testando a palavra —,
pai.
 
— Vamos resolver isso, filho.
 
Vinicius beija meus lábios e, com um enorme sorriso estampado no
rosto, corre com Douglas em direção à sorveteria. Enquanto eu fico parada
observando os dois novos homens da minha vida, minha mente segue
planejando um futuro perfeito e colorido. Estou perdida nesses pensamentos
quando sou surpreendida por um comentário sarcástico.
 
— Nunca imaginei você como mãe de família, Juju. Na verdade, em
todas as minhas fantasias você era sempre a devassa, a tarada, a submissa.
 
Um arrepio de pavor percorre meu corpo e me viro em direção à voz
suave e perigosa de Marcelinho. Ele está parado atrás de mim, seus cabelos
loiros cuidadosamente penteados, vestindo uma camisa polo preta e uma
calça jeans. Olho ao redor, mas nem sinal de Vinicius ou mesmo de Carina, a
esposa do canalha. Somos apenas nós dois e mais uma multidão de
desconhecidos que lota o calçadão onde fica a sorveteria.  Ele estica a mão
na minha direção, como se quisesse tocar em meus cabelos e eu dou um
passo para trás. Tento encontrar minha voz, mas falho e ele levanta o canto
da boca em um arremedo de sorriso.
 
— Está com medo de mim? Ótimo, deve mesmo ter medo. Você e seu
namorado não apenas acabaram com o meu casamento, como foram também
os responsáveis por eu ter perdido minha vaga na empresa da família da
Carina. — Ele cruza os braços sobre o peito e sacode a cabeça em negativa.
— Precisava mesmo ter feito aquele escândalo todo? Não poderia
simplesmente ter me deixado aproveitar suas curvas mais uma vez? 
 
Fico em silêncio, meu cérebro meio derretido e incapaz de juntar letras e
palavras para formar uma frase sequer. Marcelinho parece se divertir com a
minha reação. Ou com a total falta dela.
 
— Claro que não. — Ele mesmo responde sua pergunta levantando
as mãos para o céu. — Tinha que se fazer de coitada e incitar o namorado a
me agredir de uma forma brutal, quase me deformando. Eu sou bonito
demais para ter o rosto deformado, Juju. E perigoso demais para ser acuado
em um canto.  Dê minhas lembranças ao Vinicius.  A gente vai se esbarrar
por aí, eu te prometo isso.
 
Meu corpo todo treme e eu preciso me sentar. Marcelinho vira as costas e
caminha sem pressa para longe de mim, as mãos nos bolsos, retribuindo os
olhares femininos que recebe. Sinto uma vontade imensa de chorar, como se
estivesse revivendo toda a cena pavorosa daquele quarto de hotel e, quando
sinto um leve toque em meu ombro, finalmente encontro minha voz e dou
um grito.
 
— Que houve, Julia? — Basta ouvir a voz de Vinicius para que eu
comece a chorar, assustando não apenas ele como Douglas e atraindo alguns
olhares espantados das pessoas ao nosso redor. — Pelo amor de Deus,
mulher, fale comigo.
 
— Marcelinho. — É a única palavra que escapa dos meus lábios, mas ela
é suficiente e faz com que meu namorado me puxe de encontro ao seu peito,
enquanto olha para todos os lados procurando pelo outro homem.
 
— Tia, não chora. — Douglas abraça minha perna e eu dou um soluço
alto, fazendo com que ele me aperte. — Não chora, não chora. A gente vai
ser feliz.
 
— Vamos. — Vinicius pega o filho no colo e me puxa pela mão. —
Vamos para casa agora. Quando chegarmos lá, você vai me contar
exatamente o que aconteceu, mas agora preciso fazer você se sentir segura.
 
— Você está comigo. — Limpo as lágrimas com as mãos. — Estou
segura.
 
Vinicius olha ao redor mais uma vez, mas Marcelinho parece ter
desaparecido no ar deixando apenas aquela ameaça velada ecoando em meus
ouvidos.

— Sim, tudo bem, já entendi.


 
Da cozinha escuto a voz de Lorena ao telefone e sei que ela está falando
com a prima. Depois que chegamos em casa, Julia ligou para ela contando o
que aconteceu e Lorena veio correndo. Agora as duas estão no sofá e minha
namorada repousa a cabeça no ombro da amiga, que fala com Carina ao
telefone.
 
Pelo que entendi, depois daquela confusão toda em Angra, Carina meteu
um merecido pé na bunda do marido e com isso ele perdeu todas as regalias
que desfrutava. Ao que tudo indica, a loira não sabe por onde ele anda e nem
quer saber. Diferente de mim, que vou rodar o céu e o inferno atrás desse
desgraçado.
 
— É isso, meu povo. — Lorena suspira de forma dramática. — Carina
não sabe por onde anda o traste, mas avisou que ele estava muito puto com a
situação. Então ficou bem claro para mim que ele vai querer estragar a vida
de vocês a todo o custo. Abre o olho Julia, porque ele vem atrás de você com
força.
 
— Eu sei. — Ela está mais calma. Aliás, finge estar, pois sei que não tem
como ficar tranquila com esse marginal por perto. — Mas tudo vai dar certo,
não vai?
 
Ela levanta os olhos para mim e sinto meu coração derreter. Puta que
pariu, né, ela só pode ter me enfeitiçado, pois em tão pouco tempo essa
mulher já significa tanto pra mim.
 
— Vai sim, Julia. Tudo já deu certo.
 
— Vou olhar o Douglas. — Ela se levanta e sorri. — Ele demorou pra
dormir, mas quando foi, juro que roncou igual ao pai.
 
— Eu não ronco — me defendo —, você que tem superaudição.
 
Ela sai rebolando e eu a acompanho com o olhar, até que Lorena declara.
 
— Alguma coisa ruim vai acontecer. Tenho certeza.
 
— Que foi, virou bruxa agora? — Cruzo os braços e lanço um olhar
aborrecido em sua direção.
 
— Não, seu tonto. É a ordem natural da vida. Quando tudo vai muito
bem, algo acontece, como um trem descarrilhado.
 
— Não acredito nisso.
 
— Pois deveria. É a mais absoluta verdade. — Ela dá de ombros e, de
forma enigmática, complementa: — Acredite em mim, se tem alguém que
sabe como essas coisas funcionam, essa pessoa sou eu.
 
Coloco os pratos na mesa e Lorena abre o saco de pão francês que trouxe
da padaria junto com a mortadela e a Coca-Cola que Julia ama, e ficamos em
silêncio por alguns segundos.
 
— Ele não vai machucar ela. Não vou permitir — murmuro sem levantar
os olhos para ela, pois não quero que veja o medo estampado no meu rosto.
 
— Cuidado para que ele não machuque vocês dois e não estou falando
fisicamente.
 
— Eu sei.
 
O clima fica pesado e meu peito aperta. Não consigo imaginar o que
Marcelinho pode fazer para nos prejudicar agora que ele não tem mais
nenhuma autoridade na empresa. Mesmo assim, minha mente começa a
procurar brechas na minha história de vida, mentiras que eu possa ter
contado, mulheres com as quais eu possa ter me envolvido, alguma coisa que
possa ser usada contra mim no que diz respeito a Julia.
 
Mas não consigo achar nada. A minha única parte podre já foi revelada.
Penélope apareceu e trouxe meu filho a tiracolo e ainda assim Julia ficou
comigo e conquistou o menino. Nada pode nos separar, nem nos atingir.
Nada.
 
— Eu sei no que você está pensando — Lorena cochicha ao ver Julia
voltando para a sala — E te garanto que está errado. Ele vai encontrar um
jeito de estragar tudo.
 
No meu íntimo, eu sei que ela está certa.
 
Depois de termos lanchado e Julia estar mais calma, Lorena vai embora
com a promessa de manter-nos informados sobre qualquer notícia a respeito
de Marcelinho. Vejo as duas amigas se abraçando com carinho e aproveito
para mandar uma mensagem para Bernardo, que a essa altura já está na casa
dos pais da esposa.
 
Enquanto Julia coloca a louça na pia, dou mais uma olhada no meu filho
que dorme a sono solto com a boca entreaberta e a mãozinha descansando
sobre a testa. É como olhar para uma miniatura de mim mesmo, e isso me
faz sorrir em silêncio. Com suavidade, encosto a porta e me dirijo para o
meu quarto, onde Julia me espera deitada sob as cobertas.
 
— Está com frio? — Minha pergunta é honesta, pois está um calor
terrível lá fora.
 
— Desde que ele falou ao meu ouvido, tudo que sinto é frio.
 
Ouvir Julia sussurrando as palavras me causa um aperto enorme no peito,
e eu não gosto disso. Não suporto vê-la fragilizada, acuada por causa de um
homem que não vale absolutamente nada.
 
— Vem aqui — chamo com carinho. — Deita no meu colo, deixa eu te
abraçar e esse frio logo vai embora. Mas não fica se esfregando em mim,
mulher. Que hoje só vou te abraçar.
 
— Sei. — Ela sorri com suavidade. — Você e suas promessas.
 
Dou uma risada e beijo a sua testa enquanto ela se encaixa perfeitamente
no meu abraço. Fecho os olhos e sinto seu perfume inebriante, uma mistura
de baunilha e frutas cítricas que me deixa com vontade de mergulhar o nariz
em seu pescoço e ficar ali, imerso em seu cheiro a noite inteira.
 
— Dona Rosa vem amanhã conhecer a gente e o Douglas.
 
— Quem? — Beijo a ponta do seu nariz, sem ter ideia de quem é essa tal
Rosa.
 
— A senhora que Lorena indicou, Vinicius. Para cuidar do Douglas
enquanto estivermos no escritório.
 
— Ah, sei.
 
— Por mais flexibilidade que você tenha, uma hora ou outra vamos estar
fora de casa e ele não pode ficar sozinho. A escolinha ainda não respondeu
sobre a vaga, apesar de toda a influência da família da Lorena.
 
— Tudo bem. — Beijo seus lábios com carinho, já sentindo que talvez
não seja capaz de cumprir a tal promessa de apenas abraçá-la por essa noite.
— Vamos conhecer essa Rosa e ver se ela pode tomar conta do nosso
moleque.
 
— Gosto disso. — Ela enrosca a perna nas minhas sorrindo, finalmente.
— Nosso moleque.
 
— Isso, Dona Julia. Nossa vida, nossa casa e nosso moleque, e eu não
tenho palavras suficientes para descrever o furacão de emoções que foram as
últimas semanas. Mas quero agradecer a você por estar ao meu lado.
 
— Sempre — ela sussurra contra meus lábios, o corpo colado ao meu,
deixando-me com muito tesão. — Sempre ao seu lado, ou embaixo de você,
ou sentada em você.
 
Acaricio suas coxas enquanto deixo que ela brinque com meus lábios e
minha língua. Não quero mais nada na vida a não ser Julia, seu corpo, seu
cheiro e até mesmo suas piadinhas infames. Sem ela, as coisas parecem não
fazer mais sentido e, antes que minha mente comece a viajar pelo passado na
fraca tentativa de me fazer lembrar o quanto sofri da última vez em que me
apaixonei, ela sussurra no meu ouvido:
 
— Você precisa entender uma coisa, Vinicius Barros. Eu te amo.
 
Ela toma a minha boca com paixão e eu não tenho chance de pensar em
mais nada que não seja o beijo dessa mulher e suas pernas enroscadas nas
minhas. Coloco as mãos na sua bunda e rolo na cama, deixando-a sentada
sobre mim. Seus cabelos formam uma cortina sedosa à nossa volta e ela se
ajeita sobre meu pau, se esfregando e me deixando louco. Mergulho os
dedos em seus cabelos, puxando-a mais para perto e prendo seu lábio entre
os meus enquanto ela desce a mão até a virilha, afastando a calcinha para o
lado em um convite para o tal sexo “familiar” que havia mencionado mais
cedo.
 
Deixo que ela liberte meu pau do short do pijama e, ao mesmo tempo em
que ela se encaixa nele, pronta para cavalgar, eu enfio a mão sob sua
camisola preta até alcançar seu seio e prendo o mamilo rosado entre os meus
dedos, sem desviar o olhar do seu rosto. Julia sorri para mim e desce
lentamente o corpo, acomodando meu pau dentro da sua boceta molhada que
sempre me recebe tão bem. Sento na cama e, soltando seu seio, passo os
braços pelo corpo dela, que aperta as pernas na minha cintura, cravando as
unhas nas minhas costas. Nos mexemos em um ritmo frenético e silencioso,
meu rosto enterrado na curva do seu pescoço, seu cheiro me enlouquecendo
até que ela contrai o corpo, apertando meu pau dentro da sua boceta, me
fazendo gozar de uma forma alucinante.
 
— Puta merda — sussurro contra a pele quente da mulher que eu amo
—, você é perfeita.
 
Ela rebola suavemente, extraindo gemidos de mim que não tenho mais
força para me mexer. Caímos na cama e ela se acomoda mais uma vez no
meu peito fazendo com que eu me sinta o cara mais sortudo do mundo. Julia
levanta os olhos para mim, que seguro seu queixo e beijo seus lábios por
incontáveis minutos.
 
Nesse interlúdio de calma e paixão, adormecemos, esquecidos de todos
os problemas que nos aguardam do lado de fora da nossa casa.
 
 

O cheiro de café fresco, seguido pelo som de risadas, é o que me acorda


nessa preguiçosa manhã de domingo. Dou um bocejo gigantesco e me
levanto da cama seguindo para a cozinha sem me preocupar em escovar os
dentes. Só consigo pensar em ter nas mãos uma xícara de café escaldante e
descobrir quem está divertindo tanto Vinicius e Douglas na cozinha.
 
Quando chego na sala, me arrependo prontamente de não ter ao menos
jogado uma água no rosto pois, sentada em uma das cadeiras da mesa de
jantar está uma senhorinha muito sorridente, de olhos acinzentados, cabelos
brancos e bochechas vermelhas e, caso eu ainda fosse uma inocente menina,
teria jurado que ela era parente do Papai Noel.
 
— Julia! — Vinicius me chama enquanto tento me cobrir, puxando a
camisola preta para baixo. — Dona Rosa chegou e trouxe pão pra gente
tomar café. Não sei você, mas eu já estou encantado por ela.
 
— Que isso, meu filho. — A coroa dá um tapinha amistoso na mão de
Vinicius e vejo meu namorado se derreter todo. — A gente tem que se
esforçar pra agradar, não é?
 
— Mas gente! — exclamo tentando fazer piada. — Vocês poderiam ao
menos ter me avisado para que eu não aparecesse só de camisola na sala,
fazendo esse papelão. O que Dona Rosa vai pensar de mim? Capaz de não
querer nem ficar com o emprego.
 
— Que isso, menina! — A senhora se levanta, caminhando em direção à
cozinha enquanto fala. — Corra no seu quarto e se arrume enquanto eu
coloco um café para você e começamos tudo do zero.
 
Ah, agora entendo porque Vinicius está com essa cara de abobado: Dona
Rosa não existe ou é mesmo da família Noel e veio como um presente.
Porque só assim para ignorar minha camisolinha preta no melhor estilo
“sexy sem ser vulgar” e ainda querer colocar um café para mim. Como não
sou tonta nem nada, me apresso em seguir o conselho da coroa e, quando
retorno à sala, já usando um confortável vestido de algodão e com o rosto
lavado, vejo Douglas sentado no colo de Dona Rosa enquanto fala.
 
— E foi assim que eu conheci o Papai e a Tia Pikachu, e estamos todos
com caras felizes.
 
— Não tenho dúvidas, meu rapazinho, e fico muito satisfeita em saber
dessa felicidade toda. — Ela olha para mim e seus olhos possuem um ar de
sabedoria tão intenso, que sinto uma vontade imensa de me sentar aos seus
pés e pedir conselhos. Talvez seja a ausência de uma forte presença materna
na minha vida ou, quem sabe, essa confusão toda que anda acontecendo
esteja me afetando mais do que eu acreditava.
 
Dona Rosa pisca na minha direção e, colocando Douglas no chão,
comenta.
 
— Agora, que tal você ir lá para o seu quarto arrumar as coisas que quer
me mostrar enquanto eu converso com esses dois aqui. — Olha para
Vinicius e depois para mim e dá um sorriso para nós dois. — Vamos ver se
eles vão me aceitar na sua família feliz.
 
Douglas dá um beijo na velhota e sai correndo, fazendo barulho de motor
de carro e a senhora serve uma xicara de café e me entrega, junto com um
questionamento.
 
— O que está realmente acontecendo aqui e como posso ajudar vocês?
 
Sinto uma onda de alívio percorrer meu corpo e, antes que consiga me
controlar, estou abrindo meu coração para ela. Falo de como foi trabalhar
com Vinicius, de como ele me tratava e da reviravolta que nossa vida deu
durante aquela viagem a Angra. Omito os detalhes sexuais, por motivos
óbvios, mas pelo olhar que ela me lança, entendo que Dona Rosa é capaz de
deduzir muitas coisas por conta própria e, quando conto sobre Marcelinho e
Penélope, ela toma minha mão na dela e me conforta.
 
— O mundo é muito cruel com as pessoas de bom coração, Julia.
Sempre disse isso a Lorena e só eu sei como ela sofreu por ser assim,
bondosa como você.
 
— A senhora cuidou da Lorena quando ela era pequena? — Vinicius
finalmente entra na conversa, depois de ter me deixado praticamente
monopolizar a nossa nova aliada. — Porque essa versão bondosa que a
senhora está mencionando fica bem escondida ultimamente.
 
— Cada um tem seus monstros, menino. Deixe minha Lorena em paz.
 
Ela dá o assunto por encerrado e nos conta que trabalhou muitos anos na
família Teixeira até se aposentar e, hoje, vive uma vida confortável. Veio
conversar conosco por causa de um pedido especial de Lorena, a quem ela
parece dedicar um amor todo especial, e completa:
 
— Diante de todos os fatos que vocês me apresentaram, aceito o
emprego. Posso vir de segunda a sexta, chego alguns minutos antes de vocês
irem para o trabalho e aguardo um dos dois chegar em casa antes de ir
embora. Meus filhos estão criados e — ela aponta a janela da sala com um
grande sorriso — não vai ser nenhuma tortura para mim desfrutar dessa
vista.
 
Vinicius concorda com um movimento de cabeça e acrescenta:
 
— A senhora só precisa cuidar de Douglas. Eu tenho uma diarista que
cuida da limpeza e de todo o resto, vou entrar em contato com ela para pedir
que venha três vezes na semana, assim não precisa se preocupar com esses
detalhes. E, Dona Rosa, estamos esperando a resposta da escola para que
Douglas retome os estudos. Quando isso acontecer, podemos rever os
horários.
 
Tomo o resto do meu café enquanto os dois acertam os detalhes,
pensando em como as coisas estão se adaptando de forma rápida e
vertiginosa. Douglas chama Dona Rosa, que se levanta da mesa, caminhando
até o quarto do menino, e Vinicius me chama de volta à Terra.
 
— Tudo bem? Gostou dela?
 
— Simplesmente amei, mas não esperava nada diferente de alguém
recomendado pela Lorena.  Acho que ela vai nos ajudar muito,
principalmente a manter Penélope e Marcelinho longe de Douglas.
 
— Assim espero. — Ele dá um suspiro e corre os dedos pelos cabelos.
— Não gosto nem de pensar na ideia desse canalha tentar fazer alguma coisa
com o meu filho.
 
— Nem eu, mas não podemos descartar nada.
 
Ficamos em silêncio, ouvindo as risadas de Douglas que tagarela de
forma incansável com a futura babá e tenho a certeza de que, em algum
lugar no Universo, alguém muito bacana está olhando por nós.

 
O domingo passa de forma muito agradável. Logo depois de nos
despedirmos de Dona Rosa, meu celular apita com uma mensagem muito
enigmática de Bernardo, que diz estar tudo correndo dentro do planejado e
que ele voltaria em dez dias para me pôr a par de tudo.
 
Fico com uma pulga enorme atrás da orelha e quando respondo
insistindo que ele me conte alguma coisa pois nunca houve segredos entre
nós, ele diz que eu tenho que esperar dez dias e que isso não é nada
comparado aos anos que ele teve que esperar para saber que eu havia
transado de novo com a Penélope.
 
Acho o argumento válido e não insisto mais. Em vez disso, aproveito o
domingo em família, comendo bife com batata frita, bolo de chocolate,
pipoca e assistindo vários desenhos na TV. Quando meu filho finalmente
desmaia de cansaço no sofá, pego-o no colo e levo o moleque para a cama,
me sentindo um cara extremamente sortudo e feliz.
 
Julia se aconchega em meus braços e, por incrível que pareça, não
transamos, ficamos apenas conversando até que ela começa a falar várias
coisas sem sentido na tentativa de manter a conversa mesmo já batendo a
cabeça de sono.
 
Os dias passam voando e, entre nossa rotina matinal e a chegada de Dona
Rosa, tudo dá certo e, quando menos esperamos, estamos a caminho do
escritório. O trânsito nessa manhã de sol no Rio de Janeiro é pesado, parece
que muita gente está indo à praia ao invés de trabalhar e, quando vou
comentar isso, Julia se adianta.
 
— Uma das coisas que eu mais gosto sobre morar em uma cidade onde
os outros passam as férias é esse eterno ar descontraído. Sempre tem uma
multidão de pessoas se divertindo enquanto outras vão trabalhar. Gosto
demais disso tudo.
 
— Também gosto, mas confesso que sinto uma certa inveja. Gostaria de
estar indo à praia também, tomando uma gelada e aproveitando o sol como
um velho lagarto.
 
— Consigo imaginar você aproveitando o sol de várias maneiras, mas
nunca como um velho lagarto. — Ela me oferece um lindo e charmoso
sorriso e ficamos em silêncio o restante do trajeto. Assim que chegamos ao
escritório o ritmo frenético nos sufoca e não vejo Julia até que finalmente
chega a hora de voltar para casa.
 
Nos encontramos em frente aos elevadores, rodeados por uma multidão
de funcionários comemorando mais um fim de expediente. Nosso romance
ainda não caiu na boca do povo, então me reservo o direito de observá-la de
longe, interagindo com os colegas, e tenho que admitir que ela ilumina o
ambiente.  Julia fala alguma coisa engraçada e todos riem quando ela manda
os amigos entrarem no elevador, ficando para trás.
 
— Enfim sós. — Ela sorri para mim e me entrega a pasta pesada com o
notebook. — Mal vejo a hora de entrar nesse elevador com você e apalpar
sua bunda.
 
— Que isso, Dona Julia! — Aperto o botão várias vezes seguidas,
simulando urgência, e ela dá uma franca gargalhada.
 
— Dona Rosa me mandou algumas fotos no celular, parece que ela e
Douglas passaram o dia em paz e harmonia. — Levanto as sobrancelhas ao
ver meu filho entretido com um enorme quebra-cabeça. — Além disso, ela
fez comida pra gente, estrogonofe de mignon com arroz fresquinho e batata
palha. Podemos ficar com ela para sempre?
 
— Podemos sim, meu amor. — De forma discreta, coloco uma mecha
dos seus cabelos para trás da orelha. — Podemos tudo nessa vida.
 
Entramos no elevador e, assim que as portas se fecham, Julia agarra
minha bunda como havia prometido, algo que me deixa extremamente
excitado. Ah, as coisas que ela consegue fazer comigo!

A vida poderia ser sempre assim.


 
Uma pessoa legal para cuidar da gente, comida quentinha no fogão. Um
homem delicioso, charmoso e carinhoso, e um menino levado e brincalhão,
alegrando meus dias. Se a vida pode ser melhor do que isso, nem preciso
saber.
 
Dona Rosa se despede de nós no momento em que saio do banho
enrolada no roupão. Ela avisa que passou o relatório do dia para Vinicius, dá
um beijo em Douglas e vai embora apressada, deixando para trás um
perfume gostoso de lavanda. 
 
Douglas e Vinicius estão entretidos em uma conversa “de meninos”,
como o moleque confessou e eu vou até a cozinha para xeretar as panelas. O
aroma da comida faz meu estômago roncar e me apresso em esquentar o
jantar e colocar a mesa, mandando Vinicius tomar logo o banho. Enquanto
jantamos, conto a ele que a escola pode nos receber na quinta feira e que
Douglas deve ir conosco, para uma entrevista com a diretora.
 
— Entrevista? — Vinicius pergunta entre uma garfada e outra. — Mas
ele é uma criança, que raios querem perguntar a ele? Qual seu desenho
favorito?
 
— Pikachu! — eu e ele gritamos ao mesmo tempo fazendo Vinicius
quase engasgar com a comida.
 
— Sei bem disso. Tudo bem, vamos nessa tal escola poderosa que quer
entrevistar meu filho. Vamos usar uma roupa bem bonita e encantar as
mulheres com nossos olhos azuis, certo, moleque?
 
— Certo. — Ele pisca repetidas vezes e eu acho engraçado o fato de ele
ter parado de reclamar quando a gente o chama de moleque. — Oh, pai, mas
se eu for pra escola a Tia Rosa não vem mais?
 
— Claro que vem. — Apresso-me em responder. — Tia Rosa agora é
nossa! Tá tudo dominado!
 
— Tá dominado! — Ele levanta os bracinhos e dá um grito de alegria
para logo depois declarar. — Amo vocês.
 
Pronto, meus olhos se enchem de lágrimas e vejo quando Vinicius,
visivelmente emocionado, se levanta e pega o filho no colo.
 
— Eu também te amo, filho. E amo a Tia Pikachu também.
 
Douglas passa os bracinhos pelo pescoço do pai e me junto a eles, em
um terno abraço de família, daqueles que eu sempre quis e nunca tive. 
 
— Amo vocês, meus meninos. Ninguém nunca vai ser tão importante na
minha vida quanto vocês. — Beijo os dois e reafirmo. — Nunca.
 
Passada a comoção, chega a hora de colocar Douglas para dormir e,
como ele não reclama de nada, a tarefa é muito fácil, portanto, eu me
voluntario para que Vinicius possa ir se deitar. Assim que coloco o menino
na cama ele me olha com os imensos olhos azuis e dispara:
 
— Ninguém vai ser mais importante pra você do que eu e o papai? Mas e
se você tiver um bebê? A gente vai deixar de ser importante?
 
— Que isso, menino! — Coloco a mão na barriga assustada. — Não me
venha com ideias que eu não tô pronta para ser mãe de mais ninguém. Já
tenho que tomar conta de você e do seu pai, imagina um bebê e um monte de
fralda, xixi e cocô? Não posso, não.
 
— Você falou xixi e cocô. — Ele dá uma daquelas risadinhas infantis
que os adultos tanto amam e eu o acompanho com gosto. — Xixi e cocô.
Xixi e cocô.
 
— Para de repetir isso, menino! — Beijo a sua testa e confesso: — Se
um dia eu tiver um bebê, você e seu pai terão que concordar com isso e esse
bebê terá que ser importante para todos nós, tudo bem assim?
 
— Tudo bem. Até que ia ser legal ter uma irmãzinha.
 
Dou mais um beijo na testa dele e quando saio do quarto encontro
Vinicius de braços cruzados, me olhando muito sério.
 
— Xixi e cocô, Julia? Sinceramente.
 
— Ah, me deixa!
 
Ele dá uma risada e me pega no colo, caminhando apressado em direção
ao nosso quarto. Se toda aquela conversa sobre ter uma irmãzinha o afetou,
ele não demonstra e, de repente, meu cérebro se manifesta novamente com a
poderosa voz da Fernanda Montenegro enchendo minha cabeça.
 
“Ponto para ele, Juju. Aproveite esse homem todos os dias da sua vida,
você merece.”
 
Olha que eu mereço mesmo!
 
 

Chega o dia de levar Douglas até a nova escola e descubro que estou tão
nervosa como se fosse eu a pessoa a ser entrevistada e estivesse disputando
uma vaga de emprego na Google. Sinceramente, não sei o que se passa na
cabeça dessas pessoas que decidem entrevistar uma criança, que tipo de
coisa vão perguntar? Se come chocolate ou se gosta de brincar ou prefere ver
televisão? Quando paro para pensar, acho que isso parece mais com um teste
para Jogos Vorazes do que com uma conversa amigável para ver se o menino
é qualificado para correr feito um louco pelos corredores desse colégio
chique da Zona Sul da cidade.
 
Assim que acordei, estava tão estressada com a probabilidade de falar
alguma coisa que pudesse acabar com as chances do garoto, que pedi a
Vinicius que não me levasse junto com eles. O homem ficou tão bravo que
me deixou ainda mais nervosa com seu discurso inflamado sobre como
“agora somos uma família e famílias passam por tudo juntos” que, juro por
Deus, senti meus pés suando e inchando. Obviamente, tudo coisa da minha
cabeça e quando falei isso para ele, Vinicius deu muita risada e me empurrou
para dentro do quarto para que eu trocasse de roupa.
 
Agora estamos sentados na praça de alimentação do shopping e Douglas
não para de sorrir para o enorme milk-shake de chocolate que está à sua
frente. No final das contas, ele encantou a todos com seus belos olhos e seu
jeito dócil quando prometeu que iria ser o menino mais comportado do
mundo. Quando a diretora sisuda deu um sorriso enorme para ele percebi
que vou ter muito trabalho com esse menino quando ele chegar à
adolescência.
 
Nesse momento meu cérebro dá sinal de vida e berra sem necessidade:
“Pera aí, Julia! Que história é essa de já estar sonhando em ficar casada com
Vinicius por tempo suficiente até que Douglas esteja praticamente adulto?”
 
Casada! Não para...
 
— Falando sozinha de novo?
 
Vinicius está me olhando com um sorriso muito sexy e eu me apresso em
explicar:
 
— Você sabe que eu falo sozinha quando estou nervosa e ainda não me
recuperei de toda aquela cena de cinema da escola. Se fosse eu, e não
Douglas a ser entrevistado, com toda certeza não teria sido aceita.
 
— Seria sim, Julia. — Ele pega minha mão sobre a mesa e faz um
carinho gostoso nos meus dedos, e meu corpo reage na mesma hora. — Você
tem um jeito especial de tratar as pessoas e conquista todos ao seu redor.
Mas como parece que não consegue enxergar isso da mesma forma como eu
enxergo, então vai ter que aceitar quando eu digo que é muito fácil se
apaixonar por você.
 
— Ah, Vinicius — suspiro enquanto rolo os olhos de forma teatral —,
você é um brutamontes com um coração molenga e eu confesso estar bem
apaixonada por você.
 
Ele se inclina na minha direção mas, antes que seus lábios toquem os
meus, Douglas interrompe nosso momento romântico.
 
— Vocês vão se beijar na frente de todo mundo?
 
Ele está com o rosto todo sujo de milk-shake e não parece muito
satisfeito. Vinicius solta minha mão, pega um guardanapo e, enquanto limpa
o rosto do filho pergunta, como quem não quer nada.
 
— Isso incomoda você? — Douglas não responde e ele continua:  —
Você sabe que quando as pessoas se gostam elas se beijam e se abraçam em
público e está tudo bem em ser assim, não sabe?
 
— Não sei de nada disso, não. — Ele dá de ombros. — Mamãe nunca
beijou o meu outro pai na minha frente, era sempre escondido.
 
— Outro pai? — Vinicius me olha disfarçadamente e diz: — Não sabia
que você tinha um outro pai além de mim. Ele te ama tanto quando eu já
amo?
 
— Acho que não, sabe? Ele mandou a gente embora depois que brigou
muito com a mamãe. Daí a gente saiu correndo e agora estamos aqui. Você
não vai brigar com ela e mandar a gente embora também, vai?
 
— Nunca mandarei você embora, filho.
 
Fico em silêncio observando meu namorado que acabou de descobrir
mais uma parte da história por trás do aparecimento de Penélope e me
pergunto o que tem de podre aí que ainda não sabemos. Vinicius pega
Douglas pela mão e oferece a outra a mim e, juntos, vamos caminhando em
direção ao estacionamento.
 
De alguma forma, sabemos que não é o momento para falar nada.
 
 
Como hoje é o meu dia de ficar trabalhando de casa, Vinicius nos deixa
em frente ao prédio e segue para o trabalho. Dona Rosa já está com a mesa
do almoço arrumada e o aroma gostoso da comida enche o ar fazendo meu
estomago roncar. Enquanto almoçamos, conto tudo a ela, nos mínimos
detalhes e damos algumas gargalhadas quando menciono meu nervosismo
sentada no escritório da diretora da nova escola do Douglas.
 
Enquanto Dona Rosa retira os pratos da mesa, aproveito para levar o
menino para escovar os dentes e tirar uma soneca, coisa que ele faz sem
reclamar, esfregando os olhos sonolentos. Dou um beijo nele e me dirijo
para o escritório que montamos em casa, encontrando uma posição
confortável para poder trabalhar o resto da tarde.
 
Estou muito bem acomodada, deitada no chão com os pés apoiados na
almofada do sofá, relendo um relatório chatérrimo pela terceira vez quando
escuto o interfone tocar e logo em seguida vejo Dona Rosa colocando a cara
na porta.
 
— Minha querida, tem uma moça lá na recepção insistindo em subir para
ver o Douglas. Segundo o porteiro, ela é muito grosseira e diz ser a mãe do
menino.
 
— Ah, era só o que me faltava. — Largo os documentos no chão e me
levanto com o coração acelerado de indignação. — Não estou acreditando
que essa mulher teve a ousadia de vir aqui sem sequer avisar antes. É o
cumulo da falta de educação. Quem ela pensa que é.
 
— O porteiro disse que ela está bastante nervosa. Você prefere que eu
diga que vocês não podem atender?
 
— Imagina, Dona Rosa. — Dou um sorriso tranquilizador para a coroa
mas, por dentro, estou fervilhando de raiva. — Pode mandar a infeliz subir.
 
Ouço Dona Rosa dando as instruções ao porteiro e mando uma
mensagem de texto para Vinicius, respirando fundo enquanto preparo meu
espírito para enfrentar Penélope. Esqueço por completo que estou de shorts,
camiseta e descalça, até que ela entra na sala.
 
Apesar do calor que faz lá fora, ela usa uma camisa de manga comprida
de seda creme e uma calca preta impecável. A mulher é tão elegante que, ao
vê-la equilibrada nos saltos altíssimos, percebo que ela não tem um fio de
cabelo fora do lugar.
 
Eu?
 
Gente, sou eu, né?  Estou com um rabo de cavalo e de shorts em casa. Na
minha casa.
 
Na minha casa onde moro com o meu namorado e o filho dele. Deu pra
entender ou tenho que desenhar?
 
Faço de conta que a elegância dela não me incomoda e, cruzando os
braços sobre o peito, pergunto de forma desafiadora.
 
— O que você veio fazer aqui? Se veio ver o Douglas, saiba que ele está
dormindo e eu não tenho nenhuma intenção de interromper seu sono.
 
— Ele está bem?
 
É tudo que ela diz e eu percebo um ligeiro tremor em sua voz. Paro para
analisar Penélope com um cuidado maior e, de cara, posso dizer que tem
algo de estranho na sua postura. Quando ela leva a mão até os cabelos, suas
unhas antes tão longas e esmaltadas com capricho estão agora roídas e ela
não para de morder a bochecha por dentro da boca.
 
— Sim, para sua informação Douglas está superbem, feliz e com saúde.
— Arqueio a sobrancelha, dou dois passos em sua direção e pergunto. —
Você veio até aqui apenas para saber se o menino está bem? Podia ter
telefonado, Penélope.
 
Ela não me responde, mas aperta a bolsa de grife contra o corpo e
caminha nervosa até a janela, olhando para fora como se procurasse algo ou
alguém na orla da praia.
 
— Ei, você não me parece nada bem. — Chego perto dela, toco em seu
ombro, e ela se encolhe instintivamente. — Calma, garota, senta aqui no sofá
que vou trazer alguma coisa para você beber.
 
A loira se senta mecanicamente, mas não relaxa, mantendo a bolsa presa
junto ao corpo. Dona Rosa aparece, como que por mágica, trazendo uma
jarra de suco de laranja e eu entrego um copo a Penélope, que aceita sem dar
uma palavra.
 
— Vai me contar o que está acontecendo, ou vai apenas ficar sentada no
meu sofá bebendo suco fresquinho?
 
— Eu só queria saber se estava tudo bem com ele.
 
A voz da megera sai em um sussurro e isso me incomoda demais. Uma
coisa é entrar no campo de batalha para enfrentar um inimigo poderoso,
outra é ter uma pessoa trêmula e amedrontada na sua frente, sem oferecer
resistência.  E é exatamente assim que eu enxergo Penélope nesse momento.
Ainda assim, não vou dar moleza para ela.
 
— Não me venha com esse papo de mãe preocupada. — Dou um tapinha
no joelho dela que, mais uma vez, se encolhe, e insisto: — O que você está
escondendo de mim nessa linda tarde de verão?
 
Penélope faz um movimento brusco com os braços e eu consigo
vislumbrar marcas roxas em seu pulso.
 
— O que é isso, garota? — Tento puxar seu braço para poder olhar de
perto, mas ela resiste. — O que diabos aconteceu para você estar assim
assustada e, ainda por cima, machucada? Foi assaltada ou algo assim?
 
— Isso não é da sua conta, Julia!
 
E, pronto! Madame parece estar plenamente recuperada, pois coloca o
copo em cima da mesa e se levanta do sofá cheia de pose. Qualquer que
tenha sido o momento de fraqueza, Penélope havia superado.
 
— Eu só passei aqui para saber se meu filho está bem, uma vez que não
tenho notícias dele há quase uma semana. — Ela dá uma risada seca. —
Aposto que você e o Vinny estão fazendo de tudo para que Douglas esqueça
que tem uma mãe e, não se engane, biscatinha, a mãe dele sou eu e não
você. Você nunca vai ser a mãe dele, entendeu?
 
Sem me dar tempo de responder, ela marcha em direção à porta, mas,
antes de sair, ainda tem a ousadia de avisar.
 
— Vocês pensam que ganharam essa guerra e que estão livres. Fique
sabendo que não poderiam estar mais enganados.
 
Vejo a loura sair batendo a porta atrás de si e tiro meu celular do bolso
para conferir não uma, mas dezoito mensagens de Vinicius, sendo que na
última ele avisa que se eu não responder ele vai largar tudo e voltar para
casa. Como um de nós dois precisa trabalhar de verdade para sustentar a
casa, resolvo ligar para ele, que atende no primeiro toque.
 
— Quer me enlouquecer, Julia? Penélope está fazendo o que aí?
 
— Calma, chefe. Ela já foi. — Me recosto no sofá, apoio o calcanhar na
mesa de centro e confesso. — Essa visita da megera foi muito estranha, viu?
 
Conto, em detalhes, meu bate-papo com Penélope e finalizo com o cereja
do bolo.
 
— Eu acho que ela está sendo vítima de abuso, Vinicius.
 
— Faça-me o favor, Julia. —  A voz dele me soa desanimada. — Não
consigo acreditar que ela é capaz de enganar até mesmo você. Claro que não
está sofrendo abuso, isso tudo aí faz parte de mais uma das atuações insanas
dessa manipuladora. É exatamente isso que ela faz, chega como quem não
quer nada e, quando você percebe, já mexeu com a sua cabeça.
 
— Você pode estar certo, mas...
 
— Não me venha com “mas”, Julia — ele me interrompe com
veemência. — Eu não vou deixar que ela enrole você do mesmo jeito que
me enrolou. Não vou cair mais uma vez na teia de mentiras da Penélope.
 
— Vinícius, eu acho que você precisa conversar com ela.
 
— Não vou porra nenhuma, Julia — ele berra do outro lado da linha e
logo se arrepende.  — Desculpe, não tem a ver com você, e sim com o fato
de que essa mulher voltou do nada para desestabilizar a minha vida. Não vou
permitir isso.
 
— Tudo bem. — Dou de ombros apesar de saber que ele não pode me
ver e completo com a minha melhor voz de gata mansa. — Quando você
chegar em casa a gente conversa, mas você sabe o que é melhor para sua
vida.
 
— Sei mesmo — ele concorda. — E não vou dar espaço para essa cobra
se criar.

Não sei quando eu me tornei um fantoche nas mãos das mulheres.


Primeiro, Penélope me depenou na juventude e, agora, Julia consegue me
convencer a fazer tudo que ela quer sem nenhum esforço. Eu não queria
estar aqui, parado na frente do prédio onde minha ex-namorada mora, mas
minha mulher — porque é exatamente assim que eu enxergo Julia — me
manipulou muito facilmente.
 
Estou incomodado em me ver nessa situação, mas mesmo assim,
aproveito a ausência do Bill e passo pela portaria sem precisar avisar que
estou subindo. Pego o elevador em direção ao apartamento de Penélope e
peço a Deus para que Julia esteja errada e eu não me veja na necessidade de
bancar o herói e ajudar a outra mulher.
 
Toco a campainha insistentemente e ouço sua voz reclamado enquanto se
aproxima da porta.
 
— Não sei para que tanta pressa, Bill, já estou chegando.
 
Achando que sou o porteiro, ela abre a porta e, ao me ver, tenta se cobrir,
mas a camiseta deixa seus braços à mostra e eu consigo ver as marcas roxas
em sua pele. Era como se alguém a tivesse pego com força e apertado até ter
certeza de que a estava machucando.  
 
— Que porra é essa?  — pergunto apontando para ela. Mesmo sem nutrir
nenhum sentimento de carinho por Penélope, sinto uma onda de raiva tomar
conta de mim. Minha mãe me criou para ser um cara que jamais machucaria
uma mulher e, sempre que vejo esse tipo de violência, minha vontade é
arrancar o pescoço do homem que se aproveitou da vítima.
 
— Nada que seja da sua conta! — Ela estica o braço e pega um daqueles
pedaços de tecido que as mulheres adoram usar para se enrolar, cobrindo os
braços e protegendo-se do meu olhar.
 
— Nada? — grito sem perceber. — Você está toda roxa, com cara de
assustada. Nunca te vi assim, Penélope.
 
— É, nunca me viu assim mesmo — ela confirma sem coragem de me
olhar na cara. — E nem eu.  Mas eu não posso falar nada sobre o assunto,
Vinny, por favor vá embora.
 
— Você está louca? — Mil situações começam a se formar na minha
mente e nenhuma delas é agradável — Você aparece lá em casa sem avisar,
exigindo ver o Douglas só para saber se ele está bem e agora eu vejo você
nesse estado lastimável e você não quer me falar o que está acontecendo.
Acha mesmo que vai se livrar de mim assim, tão facilmente?
 
— Vinny, nunca pensei que ia te dizer isso, mas, escute o meu
conselho e vá para casa que é o melhor que você pode fazer.
 
Ela empurra a porta, mas eu sou mais rápido e enfio o pé entre a porta e
o batente, mantendo-a aberta.
 
— Não vou embora, porra nenhuma. Eu não deveria me importar
com você, mas Julia me obrigou a vir até aqui e eu não saio sem uma
explicação.
 
— Julia fez isso? — Ela corre os dedos pelos cabelos e indaga: — E
onde ela está agora?
 
— Lá embaixo, no carro com Douglas, pois não quis que eu viesse
dirigindo sozinho. Mal me deixou chegar em casa…
 
— Os dois estão sozinhos no carro? — Ela se agita, parecendo se
apavorar. — Não, não, não! Precisamos descer agora, ele pode chegar a
qualquer momento.
 
— Ele quem, Penélope?
 
Mas ela já saiu correndo pelas escadas sem esperar por mim.
 

— Tá, não sei mais o que cantar para te distrair. Vamos sair daqui e
caminhar até a padaria ali da esquina e beber um suco.
 
Estamos esperando Vinicius no carro há apenas dez minutos, mas não
consigo me conter. Alguma coisa parece estar me incomodando, podem
chamar de sexto sentido ou sentido aranha, só sei que preciso sair desse
carro.
 
— Suco?  — Douglas inclina a cabeça e me olha confuso. — Mas você
não gosta de suco, só de Coca-Cola.
 
— Oh, menino que acha que sabe tudo! — Desmancho o cabelo dele
com os dedos e abro a porta para sairmos. —  Vamos logo que eu tô com
sede.
 
Saímos do carro e, enquanto estou procurando a carteira na bolsa, ele
puxa minha saia e aponta para seu tênis que está desamarrado. Me abaixo e
começo a contar uma piada para ele enquanto refaço o laço, até que ele fala
com uma voz estranha.
 
— Tio, o que você tá fazendo aqui?
 
“Tio, mas que tio é esse, meu Deus?”
 
Contrariada com a chegada de alguém que possa querer bater papo,
levanto os olhos e me deparo com o meu pior pesadelo. Marcelinho está
parado ao nosso lado, passando a mão pelos cabelos de Douglas.
 
— Vim visitar sua mãe, mas parece que ela já tem companhia, então vou
levar vocês dois para dar uma volta. O que acha, Julinha?
 
Antes que eu possa responder, sinto o toque frio do metal contra a minha
cintura e sei que não tenho como sair dessa enrascada sozinha.
 
 

Parado nas sombras, observo Julia dentro do carro tagarelando sem parar
com aquela criança. Algo nessa cena me deixa muito irritado e sinto uma
coisa estranha ao vê-la cuidando do moleque com tanto carinho quando, na
minha mente, eu só consigo lembrar dos nossos momentos de tesão entre os
lençóis.
 
Nunca parei para imaginar essa mulher como nada além de um
brinquedinho, uma tola que era capaz de fazer qualquer coisa para me
agradar.  Julia sempre esteve disponível para mim, de todas as formas que eu
quisesse e quando eu quisesse, fazendo disso uma das coisas que eu mais
adorava nela. Além do fato de ela sequer desconfiar que eu era casado e do
fato de que aquele nosso rolo jamais passaria daquilo. Quando ela começou
a ficar melosa demais, insinuando que queria passar mais tempo comigo em
outros lugares que não fosse a cama, tratei de tomar um chá de sumiço, sem
dar maiores explicações.
 
Claro que contei com a ajuda do meu pai para me acobertar durante os
meses em que me relacionei com ela. Como minha mãe nos abandonou
quando eu ainda era muito novo, fui criado tendo como base apenas as
opiniões do meu pai, e foi com ele que aprendi que meus desejos vêm em
primeiro lugar e que mulher nenhuma merecia meu amor incondicional ou
minha fidelidade. Por anos pratiquei essa regra ao pé da letra, inclusive com
a minha esposa Carina, que parecia nem se importar tanto com as minhas
escapadas que, com o passar do tempo, tornaram-se cada vez mais
frequentes.
 
Carina é uma dessas mulheres extremamente práticas que coloca as
obrigações sempre como prioridade, sem tempo para sentimentalismos ou
fantasias. Nosso casamento nunca foi um mar de rosas e toda a empolgação
do namoro realmente não passou disso: empolgação. Pense em uma mulher
fria, distante e calculista: é a minha esposa. O sexo entre nós se resumia a
um papai e mamãe muito tradicionalista e com a mesma frequência que o
Sol aparecia em uma das cidades do Alasca: três meses. Como uma mulher
pode se dar ao luxo de regular sexo ao marido e ainda assim esperar que ele
não saia em busca de uma safada gostosa para trepar?
 
Foi em uma das visitas ao meu pai que conheci a Julia e seu corpo
deslumbrante. Soube que ela carente no momento em que me ofereci para
ajudá-la e ela levantou aqueles olhos brilhantes para mim, como se fosse
uma cadelinha que tivesse encontrado um novo dono. Tivemos nosso
primeiro encontro em um barzinho escondido do subúrbio e depois, com a
desculpa dos horários malucos que ela tinha no trabalho, foi muito fácil
mantê-la dentro de casa. Eu comia a Julia de três a quatro vezes na semana, a
fodia tanto que não sei como ela conseguia andar no dia seguinte. Só de
pensar no barulho que meu pau fazia deslizando pela boceta sempre
encharcada daquela mulher, fico enlouquecido de tesão. Mas, tudo que é
bom dura pouco e, como a carência dela parecia aumentar, tive que pular
fora.
 
Claro que eu jamais imaginaria encontrá-la novamente em uma reunião
de negócios na paradisíaca Angra dos Reis. Poderia ter me comportado e
contado alguma história triste na tentativa de envolver e enganar Julia mais
uma vez, trazendo-a de forma dócil até minha cama, acontece que já não
tenho mais paciência para esse tipo de jogos. Queria me aproveitar de todas
as suas qualidades e devorar cada pedaço daquele corpo delicioso mais uma
vez, mas, para minha surpresa, a vadiazinha me rejeitou. Assim que aquele
tal Vinicius apareceu em cena entendi que ela já havia me substituído e que
para conseguir algo dela, teria que ser à força.
 
Vamos combinar que um pouquinho de força e brutalidade no sexo não
fazem mal a ninguém? Julia sempre gostou do meu vigor e nunca reclamou,
bastou se envolver com outro cara para vir com essa história de que eu tentei
estuprá-la. Ela não tem ideia do que suas falsas acusações fizeram comigo.
Perdi a esposa, a posição executiva na empresa e agora tenho que morar de
favor em um dos apartamentos do meu pai enquanto passo por esse divórcio
vexaminoso. Bom, pelo menos essa mudança de ares me levou a conhecer
Penélope.
 
Levo a mão até o meu nariz que ainda incomoda bastante depois de ter
sido quebrado pelo brutamontes, e sinto uma onda de raiva me consumir
enquanto me preparo para o golpe final. Ou eles achavam mesmo que eu ia
deixar passar em branco.
 
Vi o momento exato em que Vinicius entrou no prédio e, sabendo da sua
história com Penélope, tenho certeza que ele não vai demorar muito. Isso faz
com que eu me apresse em dar andamento à minha vingança.  
 
Penélope foi um grande golpe de sorte do destino. Sozinha e carente, ela
achou que eu era mais um dos idiotas que ela estava acostumada a enrolar
quando me viu naquele bar de subúrbio, o mesmo que eu havia levado Julia
em nosso primeiro encontro. Porém, mal sabia ela que o acaso tinha feito
dela minha arma perfeita. A loira havia acabado de chegar ao Rio e me
confessou entre drinks, que tinha certeza de que iria conseguir o ex de volta
por causa do filho, mas acabou tendo a surpresa de descobrir que o camarada
estava de namorada nova e totalmente apaixonado. Quando eu descobri que
ela estava falando de Vinicius e Julia, não deixei de pensar em como esse
mundo é um cu de tão pequeno, e agradeci minha sorte. Foi muito fácil
manipular a loira para que ela me trouxesse informações sobre o casal, até
que, um dia, ela se rebelou e eu tive que apelar para a força.
 
Eu não era assim, violento, mas no decorrer do meu relacionamento com
Carina, sofrendo as constantes humilhações verbais que sempre terminavam
com a velha história de eu ser um cafajeste que se casou por dinheiro,
desenvolvi um certo gosto pela agressividade. Todas as vagabundas que
acabavam na minha cama eram tratadas como tais, tapa na cara, puxão de
cabelo e palavras de baixo calão. Eu sinto um prazer intenso em bater na
cara delas e se a mulher for loira então, sento a mão com vontade. Julia fugiu
à regra pois eu não queria me arriscar a ter a polícia aparecendo no prédio
onde meu pai mora, portanto nada de tapas ou socos, apenas sexo violento
para satisfazer minhas frustrações.
 
O plano que elaborei é muito simples: sequestrar Julia e esse moleque e
exigir um resgate, uma quantia que Vinicius seja capaz de conseguir em
pouco tempo. Tudo estava muito bem organizado até que, ontem, a idiota da
Penélope teve uma crise de consciência e ameaçou me entregar a polícia. Eu
poderia ter desistido de tudo, mas não quero passar o resto da minha vida
morando nesse bairro que aprendi a detestar, então resolvi as coisas com a
loira do modo mais eficaz possível, mostrando a ela do que eu sou capaz e,
enquanto ela sentia minha mão queimando sua carne, avisei que se ela
abrisse o bico nunca mais veria o filho.
 
Acreditei ter conseguido assustá-la e agora me deparo com o carro de
Vinicius parado na rua, com Julia e Douglas conversando alegremente lá
dentro.  A maldita deve ter dado com a língua nos dentes e eu não tenho
outra opção a não ser agir agora.
 
Olho ao meu redor e vejo um pedaço de cano no chão, perfeito para fazer
o papel de arma de fogo e, no momento em que Julia sai do carro, caminho
rapidamente ao seu encontro. O moleque me vê primeiro e arregala aqueles
imensos olhos azuis.
 
— Tio, o que você tá fazendo aqui?
 
Acho engraçado o medo na voz do menino. Parece ser muito mais
esperto que a mãe, pois não demorou a entender que eu sou perigoso. Ponto
para ele.  Julia levanta os olhos e quase cai no chão quando me vê, me
deixando com um gosto de vitória na ponta da língua enquanto estico a mão
para tocar os cabelos do moleque sem nenhum carinho.
 
— Vim visitar sua mãe, mas parece que ela já tem companhia, então vou
levar vocês dois para dar uma volta. O que acha, Julinha?
 
Ela se levanta e, antes que consiga me dar uma das suas respostas
engraçadinhas, pressiono a ponta do cano contra sua cintura e, pela forma
como ela me encara, sei que Julia acredita que estou armado de verdade.
Como é fácil enganar essa mulher!
 

Se eu disser para você que sei o que é ter uma vida difícil, estarei
mentindo. A grande verdade é que tudo sempre veio de forma muito fácil
para mim, desde a beleza até a minha inteligência, usada sempre para coisas
que não eram lícitas. Na juventude, apliquei muitos golpes e nunca perdi
uma noite de sono me remoendo com remorsos. Nada do que fiz me
assombrava, nem mesmo o fato de ter raspado todas as economias de
Vinicius me fez ter vontade de me redimir. Partia de um golpe para o outro,
sempre aproveitando ao máximo tudo que o dinheiro dos outros tinha para
me oferecer.
 
Mas a vida desregrada que eu adorava levar, recheada de festas e
compras, cobrou o seu preço antes do que eu esperava e, quando chegou o
momento de aumentar o nível das minhas vítimas, fiz as malas e fui para
onde os ricos estão, São Paulo. De início segui a mesma receita, aplicando os
velhos golpes que sempre tinham como alvo os homens carentes e com baixa
autoestima. Tudo ia conforme o planejado, até que encontrei Enrico e, pela
primeira vez em toda a minha vida, me apaixonei perdidamente.
 
Preciso que você entenda que não caí de amores apenas por ele, mas
também pelo condomínio de alto nível onde ele morava, pela lancha que
levava até quatorze passageiros em festas regadas ao mais caro champanhe e
pela casa na Riviera, os carros de luxo e toda a badalação. Tudo isso fez com
que eu me encantasse, mas me apaixonei de verdade por ele.
 
Acontece que Enrico tinha um grande sonho, ele queria ser pai, algo que
não despertava meu interesse. Mas, aos quarenta anos, esse homem de físico
maravilhoso, com seus cabelos pretos e enormes olhos azuis não queria
perder tempo e, apesar de se confessar apaixonado por mim, não hesitou em
afirmar que, sem um filho, nosso relacionamento estava fadado ao fracasso.
Não teve jeito de escapar e, então, comecei a tentar engravidar, de forma
feroz, sendo mensalmente desiludida pela chegada da minha menstruação.
 
A tão sonhada gravidez não acontecia, e Enrico começava a perder
interesse em manter nosso relacionamento. Pedi a ele que fizesse os exames
e me ofereci para fazer também, para que descobríssemos se havia algo
errado que atrapalhasse a concepção, mas ele foi irredutível e afirmou que
ele não tinha nenhum problema, que só poderia ser um defeito meu. Fiquei
desesperada, até que o destino foi muito bacana comigo e me colocou em
uma boate, em uma despedida de solteira de uma das minhas amigas, no
mesmo dia em que Vinicius estava se embebedando. Quando o vi sentado no
canto, a ideia se formou na minha cabeça e parti para o ataque.
 
Ambos eram altos, cabelos pretos e olhos azuis e, naquele momento,
decidi que se Enrico não me dava um filho, Vinicius me daria. Foi muito
fácil me aproveitar dele na boate enquanto dançava de forma sedutora e
sussurrava obscenidades em seu ouvido. Ele repetia que era um sonho, que
não podia ser verdade e me olhava como se eu fosse uma joia preciosa. Eu
estava decidida, firme no propósito de transar com ele o máximo de vezes
possível até que, finalmente, engravidasse.
 
Seduzir e levar Vinicius para a cama foi extremamente fácil e, apesar de
bêbado, ele não negou fogo. Uma coisa eu preciso dizer sobre Vinny, se tem
um homem cujo pau não conhece derrota, esse homem é ele e, naquela noite,
ele me comeu com ânsia, desejo e talvez um pouco de raiva, mas eu
mereci.   Acordei satisfeita, acreditando no meu poder sobre ele, mas para a
minha decepção, não tinha mais nenhum controle sobre Vinicius e, depois de
me dizer tudo que queria, me mandou embora, acabando de forma cruel com
meus planos de ter um bebê lindo com olhos azuis que garantisse minha vida
ao lado de Enrico.
 
Cheguei em casa frustrada, com uma imensa vontade de chorar. Não
apenas iria perder o homem que eu amava, como também a boa vida a qual
eu já estava acostumada. Quando Enrico chegou da empresa, me encontrou
sentada no sofá com os cabelos em um coque frouxo e o rosto sem nenhuma
maquiagem, pois não conseguia parar de chorar, eu era o perfeito retrato da
tristeza. Ele sentou-se ao meu lado e disse que tinha pensado muito, que não
se importava mais com o filho, que não tinha pressa e que a gente tinha que
fazer as coisas de acordo com o que Deus tinha planejado. O homem me
colocou em seu colo, beijou meus cabelos e me consolou com palavras
carinhosas. Eu, que nunca havia sentido remorsos na vida, me vi com o
coração em frangalhos, arrependida de ter dormido com Vinicius e traído o
homem a quem eu amava.  Quando eu achei que não poderia piorar, Enrico
enfiou a mão no bolso e tirou uma folha de papel dobrada, que estendeu em
minha direção. Sequei meus olhos e abri o papel sendo surpreendida com
uma reserva de passagens aéreas e hotel para quinze dias na Grécia.
 
Bom, para resumir, transamos muito nesses quinzes dias e voltei para o
Brasil grávida de Douglas. O mundo não poderia ser mais perfeito do que
isso, certo?
 
E tudo teria continuado perfeito, se eu não tivesse voltado a me
comportar como sempre fiz: de forma leviana. Eu tinha tudo na vida,
dinheiro, família e amor, mas o sexo com Enrico já não me agrava mais e
com isso passei a ter minhas aventuras. Quem poderia me culpar de buscar
prazer em outros braços?  Eu era muito discreta e mantinha minha rotina em
casa perfeitamente inalterada, mas Enrico era um cara muito desconfiado e
colocou um detetive para me seguir. Quando ele comprovou as minhas
traições com uma pilha de fotografias e relatórios, exigiu um exame de DNA
contestando a paternidade de Douglas. Tive vontade de rir na cara de Enrico,
poie estava claro que o menino era filho dele, eram copias idênticas, sem
tirar nem pôr. Com isso em mente e com o coração leve, fomos fazer o
exame.
 
E foi aí que entrou o plot twist, a reviravolta do Universo.
 
Quem diria que uma trepada com Vinicius teria me engravidado quando
mais de seiscentas com o meu Enrico não surtiram efeito?
 
Tudo isso passa pela minha cabeça enquanto corro escada a baixo com
Vinicius em meu encalço. Não acredito que, por causa das minhas loucuras,
coloquei a segurança Douglas em risco. Podem não acreditar, mas eu amo
aquele menino mais do que a minha própria vida e se eu soubesse que o
imbecil do Jorge Marcelo iria usar meu filho para arrancar dinheiro do
Vinicius, jamais teria me envolvido com ele, jamais teria deixado que ele
levasse a mim e Douglas para tomar um sorvete e ganhasse a confiança do
menino. Mas acho que a carência falou mais alto e, sem perceber, acabei
caindo na conversa mole daquele cafajeste que se mostrou violento e
vingativo.
 
Passo pela portaria como uma flecha e, quando chego à calçada não vejo
Douglas dentro de nenhum carro. Corro os dedos pelos cabelos enquanto
olho em volta como uma desvairada em busca do meu filho.
 
— Penélope. — Vinicius me alcança e segura em meu cotovelo. O toque
dele, tão familiar, me deixa com vontade de chorar. — O que está
acontecendo?
 
— Eu fiz uma merda muito grande — confesso com um certo complexo
de culpa.
 
Dou um suspiro profundo e, tendo Vinicius parado à minha frente com
cara de poucos amigos, me preparo para começar a contar tudo que
aconteceu.

 
A gente não pode relaxar que o mundo vem, dá uma volta, uma rasteira e
tudo muda de forma abrupta. à minha frente, uma Penélope desgrenhada e
fragilizada desfia um rosário de lamentações sobre os últimos anos de sua
vida e, se eu ainda fosse aquele idiota da faculdade, teria colocado meus
braços ao redor dela e oferecido meu carinho. Mas dessa vez nada do que ela
possa falar vai amenizar a raiva que estou sentindo ao saber que, por causa
dela, meu filho pode estar correndo risco de vida. Meu filho e Julia estão à
mercê daquele traste que não se conformou em ser desmascarado e perder a
boa vida que levava ao lado da esposa.
 
Como eu poderia imaginar que Carina colocaria o marido para fora e ele
iria se alojar no mesmo bairro onde coloquei Penélope para morar? Parece
aquelas coisas de comédia romântica — no caso, das trevas, né? Enquanto
ela tagarela sem parar, sinto a dor de cabeça começar a aparecer e levanto a
mão sinalizando que ela cale a boca.
 
— Chega! Não quero saber — interrompo seu monólogo e olho ao redor
tentando encontrar qualquer vestígio de Julia. — Pare de falar e me ajude a
encontrá-los!
 
Sem perder nem mais um segundo, dou as costas a ela e saio correndo
em direção à lanchonete da esquina quando escuto os gritos de Julia.
 
— Me solta agora. Larga o menino e me solta, seu louco.
 
Viro a esquina e vejo Marcelinho arrastando minha namorada pelo braço
enquanto meu filho chora copiosamente. As pessoas olham para aquela cena
e não mexem um músculo, ignorando a violência que está sendo cometida
contra Julia e Douglas como se aquilo fosse completamente normal. Sinto o
sangue esquentar e nem sequer paro para pensar, apenas corro em direção a
eles e me jogo sobre o canalha. 
 
Pego todos de surpresa e ele solta Julia, que cai no chão puxando
Douglas para seus braços enquanto eu sigo meus instintos e soco a cara de
Marcelinho com tanta raiva que ele nem tem a chance de se defender. Estou
com o braço pronto para o segundo soco quando Julia grita.
 
— Alguém precisa chamar a polícia! Ele está armado!
 
Nesse momento, as pessoas que apenas observavam a nossa cena de
cinema, se agitam e começar a correr para todos os lados e Marcelinho leva
a mão às costas, em um movimento que insinua estar pronto para sacar a
arma.  Não sei o que acontece comigo, mas não me afasto. Minha vida passa
como um flash na minha mente, penso em todas as coisas que aconteceram,
tudo que precisei passar para chegar até esse momento e entender a
importância de ser amado, de amar. De ser pai e precisar proteger quem eu
amo.
 
Agarro a gola da camisa dele e, entredentes, aviso.
 
— Arrebento sua cabeça no asfalto antes de você conseguir puxar essa
arma, seu bunda mole.
 
Ele sorri para mim e eu sinto uma raiva ainda maior tomar conta do meu
corpo.
 
— Vá em frente, valentão. Seu filho vai adorar ver você matando um
homem com as próprias mãos.
 
A menção de Douglas e o som da sirene da polícia faz com que eu
recupere um pouco o juízo e solte Marcelinho, afastando-me dele, que se
arrasta até um poste e se encosta, limpando o sangue que escorre do nariz. O
mesmo que eu esmurrei até quebrar há bem pouco tempo.
 
Passo a mão pelos cabelos e olho ao redor até encontrar Julia e Douglas
abraçados e Penélope falando com os policias enquanto dois homens tomam
conta de Marcelinho para que ele não escape. Levanto-me apressado e vou
até Julia, tomando minha namorada e meu filho nos braços e cobrindo-os de
beijos.
 
— Nunca vi uma viatura chegar tão rápido por causa de uma briga —
confesso com um meio sorriso.
 
— O quartel fica na rua de baixo, bobo. — Julia tenta sorrir, mas seu
corpo todo treme. — E o dono da lanchonete tem um ótimo relacionamento
com eles, nunca nos faltou apoio aqui na rua.
 
Um dos policias vem até nós, pergunta o que aconteceu e, enquanto Julia
está descrevendo tudo com uma impressionante quantidade de detalhes, vejo
que Penélope se aproxima de Marcelinho, que está dando sua versão do
ocorrido a outro policial e declara:
 
— Eu quero prestar queixa contra esse homem. Por violência contra
mulheres. — Diante dos olhos de todos, ela tira a camisa ficando apenas de
sutiã deixando à mostra as marcas arroxeadas em seus braços, tórax e
pescoço.
 
O policial olha para ela e sacode a cabeça mandando algemar
Marcelinho que esbraveja sua inocência.
 
— Vai provar isso na Delegacia, malandrão. Até que você consiga
convencer alguém de que é inocente, fica com a boca fechada.
 
Ele arrasta Marcelinho e algo cai no chão, produzindo um som metálico
que assusta a todos.
 
— Eu avisei que ele estava armado! — Julia berra no meu ouvido, quase
me deixando surdo.
 
Penélope se abaixa e, quando levanta, tem em suas mãos um pedaço de
cano. Ela dá uma gargalhada e sacode o cano na cara de Marcelinho.
 
— Você não passa de um covarde, Jorge Marcelo! Ameaçar mulheres e
crianças é a única coisa que você sabe fazer. Você vai pagar por isso!
 
O policial empurra Marcelinho até a viatura e ela segue atrás, falando
incansavelmente enquanto sacode o cano como se fosse uma espada. Estou
apreciando o espetáculo quando o policial que está ao meu lado pergunta:
 
— E vocês, vão prestar queixa também?
 
— O senhor tem alguma dúvida disso? — Julia responde, altiva e
completamente recuperada. — Vamos fazer tudo que estiver ao nosso
alcance para que aquele homem seja responsabilizado por suas ações.
 
O policial concorda com um movimento de cabeça e diz que nos aguarda
na delegacia. Julia me dá um sorriso e se abaixa para olhar meu filho nos
olhos.
 
— Você ainda quer aquele suco, moleque?
 
— Não sou moleque. — Ele passa a mão no rosto para afastar as
lágrimas. — Quero o suco e um pastel.
 
— Ah, esse sim é o meu garoto.
 
Sem esforço, ela pega meu filho no colo e ele passa os bracinhos pelo
pescoço dessa mulher fantástica pela qual sou perdidamente apaixonado. O
som da sirene da polícia vai se distanciando e eu percebo que, considerando
o fato de Marcelinho ter sido preso, dificilmente teremos um dia melhor do
que o de hoje.

 
 

— Ainda não consigo acreditar que perdi toda essa ação.


 
Lorena está sentada à minha frente, os cotovelos apoiados nos joelhos e os olhos
arregalados. Minha amiga ainda apresenta uma certa dificuldade em crer que Jorge
Marcelo acabou sendo indiciado e preso por violência contra a mulher. Penélope
abriu o bico na delegacia sobre os maus tratos que ele havia infligido a ela e, como
eu já estava ali contando com a presença de Vinicius me apoiando, martelei o prego
no caixão dele, acusando-o de tentativa de estupro.
 
Saímos da delegacia e deixamos o traste para trás, sendo fichado e tentando,
desesperadamente, convencer o pai a ir pagar sua fiança.
 
— Lamento muito que Carina não tenha ido até a delegacia para engrossar o
coro. — Lorena torce a boca e completa: — Mas sabemos que ela não seria de
muita ajuda, já que Marcelinho nunca foi idiota ao ponto de levantar um dedo contra
ela.
 
— Claro que não, Lorena! Ela era a galinha dos ovos de ouro dele. — Dou de
ombros e lembro: — Ele não iria machucá-la fisicamente, mas veja bem o estrago
emocional que causou na Carina. Quando nos falamos ao telefone, ela disse que não
acredita ser capaz de se apaixonar novamente depois de todas as traições que sofreu.
Ao que parece, eu não fui a única trouxa.
 
— Para com isso, Julia! Não tem motivos pra se autodepreciar. — Ela rola os
olhos para dentro, faz uma careta e eu dou uma gargalhada. — Cada um sabe a dor e
a delícia de ser o que é.
 
— Uhm, isso tá me cheirando a Bernardo.
 
— Sim. Cheirando não. Fedendo, na verdade. — Ela enrola os cabelos
vermelhos em um coque e inclina a cabeça para trás. Estamos sentadas no sofá da
sala e Douglas brinca no tapete, empurrando um carrinho colorido e fazendo
barulhos com a boca enquanto Dona Rosa prepara um lanche para sua querida
menina, Lorena.
 
— O que houve? Conta pra mim o que está tirando o teu sossego.
 
— Ele não voltou ainda — minha amiga resmunga entredentes. — Ontem eu
recebi uma ligação do RH avisando que Bernardo precisou estender as férias por
motivos pessoais e ele não se dignou nem ao menos a me mandar uma mensagem de
texto.
 
— Bernardo ainda não voltou? — repito suas palavras e estranho o fato de
Vinicius não ter me falado nada, pois sei que ele andou trocando mensagens com o
amigo. — Olha, tudo bem que você esteja chateada com o silêncio dele, mas vamos
ser francas, o homem não deve nada a você.
 
— Eu tô cansada de saber isso, Julia. Se era pra ouvir você ressaltar o óbvio,
melhor eu nem ter vindo falar com você.
 
— Ei, calma aí, garota. — Pego a mão dela na minha e lhe ofereço um sorriso
sincero. — Sei que isso está te incomodando, então vou tentar descobrir o que
houve, certo?
 
— Ah, pra mim tanto faz. Acabei de perder o interesse nesse cara.
 
— Mentirosa. — Aperto seus dedos de leve e ela se solta rapidamente, como se
meu toque a incomodasse.
 
— Julia, presta atenção no que eu vou te falar.
 
Por alguns momentos ela fixa seu olhar em mim e parece muito mais velha do
que eu, como se a vida tivesse lhe dado muita paulada na cabeça. Mas isso passa e
Lorena declara:
 
— Não vou negar que tenho uma paixonite aguda pelo Bernardo. Mas não aceito
sequer pensar em me envolver com um homem casado. Isso foge das minhas regras,
foge de tudo que um dia sonhei para mim. Se ele foi para o Sul do país resolver
alguma coisa, sabe-se lá o que, e não voltou ainda e nem se deu ao trabalho de me
mandar uma mensagem sequer, isso significa que ele não é o cara certo para mim.
 
— Não se precipite, Lorena. — Ela faz uma cara de espanto, mas, antes que
consiga falar, eu a interrompo: — Eu sei que fui a primeira a dar meu voto contra
esse “sei-la-o-que” entre vocês, mas algo me diz que ele pode estar tentando
resolver a vida dele, encontrar uma saída, um meio. Não sei.
 
— Nem eu e, pelo visto, não vamos saber.
 
Ela dá o assunto por encerrado e voltamos a falar sobre Marcelinho, Penélope e
toda a história louca que envolveu todos nós em uma teia de segredos e traições.
Nem vejo a hora passar, até que Vinicius aparece na porta da sala, de banho tomado
e usando uma bermuda larga e uma camiseta do Harry Potter. Ele está com os
cabelos molhados e me oferece um dos seus sorrisos deliciosos, fazendo com que eu
derreta por completo e deixe de prestar atenção em Lorena.
 
— Ah, entendi por que parece que estou falando com o vento. — Ela olha por
cima do ombro e sorri para ele. — Chegou o dono do coração da Juju. Tudo bem,
Vinicius?
 
— Oi Lorena, que bom que você veio ver a sua amiga. Tivemos alguns
momentos de tensão, mas agora estamos bem. — Ele olha para o filho e avisa: —
Pode ir largando esses brinquedos aí, moleque. Tem lanche na mesa.
 
— Vrummmmm. — Douglas levanta do chão e abre os braços como se fosse um
avião e corre até o pai que o pega no colo. — Adoro lanche da Dona Rosa.
 
— Quem não adora? — É a resposta do meu namorado que sai caminhando em
direção à cozinha e nos deixa a sós novamente.
 
— Você tirou a sorte grande, amiga — Lorena fala muito séria. — Acho bom
vocês não estragarem esse relacionamento e tratarem de arrumar um irmão para o
Douglas.
 
— Tá louca, Lorena? — Minha resposta é automática, mas por dentro meu útero
dá uma cambalhota de felicidade só de imaginar um bebê de Vinicius. — Nem
sabemos o que vai acontecer.
 
— Acredite em mim, Julia. Às vezes, não saber é a melhor escolha. — A voz
dela fica séria de novo e Lorena me dá um conselho precioso: — Quando a gente
faz muitos planos e idealiza as situações sonhando com o mundo perfeito, acaba
dando com a cara em uma parede de chapisco e se machucando profundamente.
Acredite nas minhas palavras e aproveite esse momento que vocês estão vivendo.
Deixe tudo para trás, Marcelinho, Penélope e até mesmo essa mágoa que eu sei que
você guarda dentro do peito em relação aos seus pais. Celebre cada momento com
esse homem e o moleque que veio a tiracolo. Algo me diz que eles vieram para sua
vida para te fazer feliz.
 
Foi um discurso e tanto, e nunca vi Lorena falar tão sério assim.  Puxo minha
amiga para um abraço e sussurro:
 
— Vou seguir seus conselhos, sim. E vou descobrir o que está acontecendo com
o Bernardo, ok?
 
— Ok. — Ela não resiste e eu a aperto ainda mais dentro do meu abraço,
sabendo que esse é um daqueles momentos raros onde Lorena baixa a guarda.
 
— Meninas. A mesa está posta, venham comer.
 
A voz suave de Dona Rosa nos tira desse momento de cumplicidade e eu ajudo
Lorena a se recompor antes de corrermos para a cozinha para nos deliciarmos com
os quitutes maravilhosos que estão à mesa e aproveitar cada segundo da companhia
daquelas pessoas que são capazes de transformar nossos dias em um mar de rosas.

 
Deslizo o telefone para dentro do bolso da bermuda e trato de desfazer a cara de
preocupação antes de entrar na sala. Bernardo tem me enviado muitas mensagens
confusas e não estou entendendo o que está acontecendo na vida do meu amigo. Ele
viajou para a casa dos pais da esposa sem me contar o porquê e agora me avisou que
tem que estender a viagem por motivos importantes e que só pode falar por
mensagem.
 
Mas não dava para fazer uma ligação rápida e me dar mais alguns detalhes?
Antes que vocês achem que sou movido apenas pela curiosidade, deixe que eu me
defenda e explique que não estou apenas preocupado com ele, mas também com a
ruiva que está lá na sala e é a melhor amiga da minha namorada. Vejo as duas
conversando em voz baixa e meu estômago dá uma revirada só de pensar que
Bernardo pode estar se metendo em uma roubada e que isso possa prejudicar meu
relacionamento com Julia.
 
Tento não pensar nisso e pego Douglas no colo para que, juntos, possamos
comer uma grande fatia do bolo da Dona Rosa antes que as meninas cheguem. Sou
guloso, mas quem pode me culpar?
 
— Tudo bem, meu filho? — A voz de Dona Rosa interrompe o curso dos
meus pensamentos e eu dou um sorriso para ela.
 
— Ainda não sei, mas estou trabalhando nisso.
 
— Mas o que pode estar te perturbando agora? Julia e Douglas estão a salvo,
aquele homem já foi preso e não pode mais chegar perto de vocês. — Olho para ela
espantado e ela dá uma risada. — Julia me contou que agora existe uma ordem de
restrição e que ele precisa obedecer.
 
— Julia fala muito. — É tudo que consigo dizer.
 
— Sim, mas acho que isso é uma das coisas que você ama naquela mocinha.
Enfim, o que pode estar te preocupando? Acha que a mãe do Douglas pode querer
brigar pela guarda do filho?
 
— Não, nada disso. — Sacudo a cabeça para afastar essa ideia louca. — Estou
preocupado com outras pessoas, Dona Rosa. Pode ficar tranquila.
 
Ela coloca a mão no meu ombro e enquanto enche minha xícara com café, meu
olhar volta para a sala e fico observando as duas mulheres se abraçarem. Se Dona
Rosa souber que estou preocupado com o fato do meu amigo partir o coração de
Lorena é capaz de eu perder também os serviços dela. Aí sim, Bernardo vai ver o
que é problema.
 
Julia chega perto de mim e roça seus lábios nos meus, e eu preciso controlar a
vontade de dar uma nota de cinquenta para cada pessoa na mesa e mandar ele irem
lanchar na padaria enquanto eu a arrasto para o quarto. Lorena dá uma risada torta e
sinto como se ela soubesse o que estou pensando, então trato de mudar de assunto.
 
— Como está a Carina? Superou o fato do seu marido ser um canalha?
 
— Ela está bem, dentro do possível. E o Jorge Marcelo é agora ex-marido da
minha prima. — Lorena passa manteiga no pão com tanta raiva que é como se
estivesse esfolando o pescoço de alguém.
 
— Melhor coisa que poderia ter acontecido na vida dela.
 
Olho para Julia que está fazendo um sanduíche para Douglas e, de repente, sei
que não dá mais para imaginar uma vida sem eles. Assim eu tomo a decisão mais
importante da minha vida, pedir essa mulher em casamento antes que ela descubra
que é capaz de encontrar um cara muito melhor do que eu para passar o resto dos
seus dias.
 
— Uma coisa me intriga, como Penélope foi desmascarada pelo marido? —
Olho para Lorena sem conseguir acompanhar o raciocínio dela, ainda preso na ideia
de que preciso comprar uma aliança o mais rápido possível.
 
— Ah, isso eu posso explicar. — Julia sorri contente. — O marido dela sempre
gostou de viajar e, assim que Douglas atingiu a idade que ele achava própria para
aventuras, Enrico providenciou exames de todos. Quando o resultado chegou, ela
teve que se explicar porque os tipos sanguíneos não eram compatíveis. E aqui
estamos nós!
 
— Tão esperta e deu uma mancada dessas. Às vezes, as pessoas se acham acima
da inteligência dos outros e acabam se descuidando. — Lorena olha com carinho
para Douglas. — Fico feliz que isso tenha acontecido e que vocês agora são uma
família.
 
Ela enfia o pedaço de pão na boca e começa a mastigar, o olhar perdido em
algum lugar até que seu telefone vibra. Rapidamente ela destrava a tela e sei que ela
tem esperança de ser Bernardo, mas quando seus olhos escurecem sei que não passa
disso: esperança. Meu amigo não vai procurá-la até ter resolvido o que quer que
esteja tentando resolver.
 
— Bem, tenho que ir, galera. — Ela se levanta e dá de ombros. — Meu velho
quer falar comigo e, para variar, não pode esperar. Aproveitem o fim de noite e nos
falamos amanhã.
 
Julia estende os braços para a amiga que lhe dá um beijo na testa e desfaz o
cabelo de Douglas. Dona Rosa prende Lorena nos braços e sussurra algumas coisas
em seu ouvido antes de acompanhá-la até a porta. Ficamos eu, Julia e Douglas, que
já está entretido com o carrinho que trouxe escondido para a mesa. Estico a mão em
direção a ela, que segura meus dedos com firmeza, e declaro.
 
— Eu te amo, Julia. Desde o primeiro momento em que te vi, você roubou meu
coração e virou meu mundo de cabeça para baixo. Quando eu imaginei que aquele
traste imundo poderia fazer alguma coisa contra você, fui tomado por um
sentimento de ódio tão intenso que me sinto incapaz de colocar em palavras. —
Vejo seus olhos se encherem de lágrimas e imploro: — Por favor, não chore ou vou
perder a linha de raciocínio e preciso te falar tudo que venho planejando.
 
Fecho os olhos por alguns instantes, respiro fundo e prossigo:
 
— Não quero passar mais nem um dia imaginando a vida sem você ao meu lado.
Quero ficar de pé, na frente de todos os nossos amigos, e ver você caminhando em
minha direção em um lindo vestido branco, afinal foi assim que tudo começou,
lembra? Você, eu e um vestido branco. — Ela ri e duas lágrimas escorrem pelo seu
rosto. — Quero me casar com você, quero ter filhos com você, quero fazer de você
a mulher mais feliz desse Universo inteiro. Você me aceita como seu marido?
 
— Aceita! — Douglas grita e arranca risos de Julia. — Tia Pikachu vai ser
minha mamãe Pikachu! Aceita! Aceita!
 
O moleque corre e abraça Julia, que ri e chora ao mesmo tempo enquanto beija
os cabelos dele sem largar a minha mão. Estou emocionado como nunca imaginei
ficar e, quando ela levanta os olhos para mim, sei que sempre serei o homem mais
feliz do mundo.
 
— Aceito. Aceito ser feliz ao seu lado, aceito usar um vestido branco na frente
de todos os nossos amigos sendo que só nós dois sabemos o real significado dele,
aceito ser sua família e prometo que deixarei você me fazer a mulher mais feliz de
todo o mundo.
 
Puxo ela para perto de mim e tomo sua boca com um beijo apaixonado,
enquanto Douglas sai correndo em direção à cozinha gritando.
 
— Dona Rosinha, eles vão casar! Eles vão casar.
 
Se isso não é um final feliz, não sei o que poderia ser.
 
 

Depois que Vinicius me pediu em casamento, os dias passaram voando e


eu perdi noção de tempo e espaço. Conciliar trabalho, criança, noivo e todas
as tarefas que envolvem a organização de um casamento não é para
amadores.
 
Preciso confessar que toda vez que eu começava a cogitar a ideia de ter
uma mesa cheia de aperitivos simples, ouvia o pigarro de Fernanda
Montenegro dentro da minha cabeça e me via obrigada a trocar a pastinha de
salaminho por alguma das frescuras que Lorena e Carina me sugeriam. Sim,
porque assim que soube que eu e Vinicius estávamos de casamento marcado,
Carina foi se aproximando de mim e, quando percebi, já estava gostando
bastante daquela loira nem tão gelada assim. Uma coisa que eu aprendi nessa
vida foi que todos nós podemos mudar de opinião a qualquer momento e
quantas vezes quisermos.
 
Essa é uma das belezas da vida, sermos livres para experimentar e,
durante o caminho nos arrepender ou não, seguindo em frente sem nos
culparmos demais por termos tentado encontrar a felicidade onde ela, de
fato, não estava.
 
Estou perdida nesses pensamentos profundos, viajando em tudo que vivi
até chegar a esse momento inesperado e me assusto quando Lorena sussurra
no meu ouvido:
 
— Você está simplesmente divina, Julia.
 
Levanto os olhos e me deparo com o meu reflexo no espelho enorme do
atelier de noivas caríssimo onde estamos experimentando vestidos. Ao meu
lado, Lorena parece estar envelopada em um vestido sem alças azul royal,
tão justo que não deixa nada a imaginar. Desde que Bernardo voltou de
viagem as coisas andam estranhas entre eles e tenho certeza de que ela está
usando esse vestido justamente para provocá-lo. E quem pode culpá-la, não
é mesmo?
 
Ela coloca as mãos nos meus ombros e me força a olhar cada detalhe
daquela Julia que eu estou tendo dificuldades em reconhecer. A imagem no
espelho sorri para mim, quase exultante de tanta felicidade, e tenho que
admitir que estou linda como uma princesa de contos de fadas.
 
A linha do decote desce suave, revelando apenas o necessário, enquanto
o corpete de cetim se molda ao meu corpo de uma forma sexy até a cintura,
para então se abrir em uma ampla e delicada saia. Com cuidado, Lorena
coloca a tiara sobre minha cabeça e ajeita o tecido diáfano do véu, deixando
escapar um suspiro de seus lábios.
 
Quando nossos olhares se encontram no espelho, minha amiga segura
minha mão e eu sei que não existe necessidade de palavras. Ela enxuga o
canto dos olhos com a ponta dos dedos para não borrar o delineado e sorri
para mim.
 
— Se Vinicius já não fosse apaixonado por você, ficaria de quatro no
momento em que você entrasse na igreja.
 
Dou uma risada e corro os dedos pelo corpete, me acostumando com o
fato de ser uma noiva e que, em breve, seria mãe de um lindo garotinho e
esposa de um dos caras mais safados e insaciáveis que eu já havia
conhecido. Ou você acha que eu me esqueci daquele nosso primeiro
encontro dentro do provador de uma loja?
 
— Sou uma mulher de muita sorte — falo mais para mim mesma do que
para ela, mas Lorena concorda silenciosamente e me ajuda a tirar o vestido,
entregando-o para a vendedora que nos observa parada no canto da sala.
 
Enquanto Lorena acerta os últimos detalhes do seu vestido de madrinha,
eu me visto e logo meu celular vibra com uma mensagem do meu pai
avisando que ele já havia encomendado o terno e que minha mãe e minhas
irmãs estavam na busca pelos vestidos. Fico feliz em saber que eles vão estar
ao meu lado, mas, ao mesmo tempo, percebo que nem mesmo a ausência da
minha família seria capaz de estragar o meu dia. Afinal, quando eles
estiveram realmente presentes na minha vida?
 
Ouço Lorena avisar que o vestido vai ser pago no cartão de crédito e me
viro para encará-la com um sorriso agradecido. Ela sacode a mão na minha
direção, com aquele seu jeito tão irritado e cheio de amor reiterando que ela
faz questão de me dar o vestido. Eu poderia ter dito que não era necessário,
que tinha dinheiro para um modelo mais simples, mas sabia que isso
magoaria demais a minha amiga pois, além de Dona Rosa e Carina, eu era a
única pessoa no mundo que ela considerava família de verdade.
 
— Vamos tomar um café lá em casa? — convido passando meu braço
pelo dela enquanto caminhamos em direção ao ponto de táxi.
 
— Não posso, Juju. Eu sei que o Bernardo vai ser o padrinho do Vinicius
e não quero correr o risco desnecessário de olhar para a cara dele fora do
escritório e ter que me esquivar da tal conversa que ele quer ter comigo.
 
— Mas já se passaram três meses. — Suspiro revirando os olhos. — Não
sei como você conseguiu evitar essa conversa até agora.
 
— Não consegui totalmente. Ele mandou e-mails, deixou recados e por
duas vezes estava sentado na minha cadeira me esperando. Mas o Jonatas
está sempre por perto e isso deixa o Bernardo intimidado.
 
— Intimidado com o Jonatas? Você está brincando, só pode!
 
— Nada disso. — Ela ri descontraída. — Ele fica realmente nervoso
sempre que vê a gente junto e eu confesso que estou achando isso bem
interessante. Inclusive, combinei de ir com ele para o seu casamento. Já
imaginou dois ruivos arrasando na pista de dança?
 
— Vai ser muito divertido e mal posso esperar para ver o que vai
acontecer.
 
Chegamos ao ponto de táxi e eu abraço Lorena com força.
 
— Muito obrigada, minha amiga. Se não fosse você ceder os jardins da
casa dos seus pais e me ajudar a organizar todo esse evento, meu casamento
seria apenas no civil e comeríamos sanduiche de mortadela com Coca-Cola e
cerveja no barzinho da esquina.
 
— E, se tivesse que ser assim, aproveitaríamos cara minuto e você ainda
seria uma das noivas mais lindas e mais felizes que eu já vi na vida. —
Lorena me dá um beijo rápido e se enfia no táxi, sem alongar nossa
despedida.
 
Assim que me acomodo no banco do meu táxi, pego o celular e mando
uma mensagem para Vinicius. Um coração pulsante e uma berinjela.  Tenho
certeza que ele vai entender o recado.

 
Uma berinjela.
 
Essa mulher realmente foi feita para mim. Dou uma gargalhada alta e
quase me engasgo com a mensagem da minha noiva. Dona Rosa saiu com
Douglas e eu cogito tirar uma selfie para mostrar a Julia o que é uma
berinjela de verdade, mas logo desisto. Melhor esperar ela chegar em casa e
mostrar ao vivo e a cores. Pulsante e cheio de tesão por ela.
 
Vou até a cozinha e encho um copo com água enquanto penso que nunca
tive tanto tesão por uma mulher quanto tenho por Julia. Mesmo com a
chegada de Douglas, nosso ritmo sexual não diminuiu e já perdi a conta de
quantas vezes tive que cobrir sua boca com a minha mão para que ela não
gritasse durante o gozo. Só de lembrar, meu pau lateja dentro da bermuda e
já planejo uma rapidinha assim que ela pisar no apartamento.
 
O interfone toca e, achado que é ela pedindo para que eu desça para
ajudá-la com algum pacote, atendo com um sorriso nos lábios. Mas a voz do
porteiro despedaça meus sonhos.
 
— Seu Vinicius, uma moça acabou de deixar uma carta aqui pro senhor e
saiu apressada. O senhor quer que eu leve aí em cima?
 
— Uma moça? Como ela era?
 
— Loira, bonita, mas bem mal-humorada.
 
“Penélope”. Meu coração dá uma acelerada e eu peço que ele venha me
trazer o envelope. Fico parado no corredor e praticamente arranco o pedaço
de papel das mãos do homem, correndo de volta para a segurança do meu
apartamento a fim de ler o que ela escreveu.
 
Minha boca está seca. A caligrafia dela não mudou com os anos,
elegante e bem desenhada, Penélope foi sucinta no recado.
 
“Querido Vini,
 
Foi muito bom rever você. Claro que eu gostaria que nosso encontro
tivesse sido em outras circunstancias mais agradáveis e, quem sabe, até
mesmo entre lençóis. Uma garota pode sonhar, não é?
 
Soube que o pai do Jorge Marcelo finalmente conseguiu levantar o
dinheiro que precisava e que ele vai ser solto sob fiança semana que vem.
Com essa novidade, decidi que não posso mais ficar no Rio de Janeiro. 
Sou esperta o suficiente para saber que a única maneira de manter ele
longe de mim seria me acorrentar a um policial ou, como Julia, ter um
homem ao meu lado para me proteger. Como nenhuma das duas opções é
válida para mim, e nesse país maravilhoso ninguém cumpre ordem de
restrição, estou de partida.
 
Na verdade, quando você terminar de ler essa carta já não vai mais me
encontrar em nenhum lugar dessa cidade. Parti para um lugar melhor,
mais civilizado onde, com toda certeza, encontrarei alguém para me dar a
boa vida com a qual estou acostumada.
 
O motivo dessa carta é simples: cuide de Douglas para mim. Você e sua
futura esposa se mostraram muito mais capazes de criar meu filho do que
eu jamais serei, então, deixo-o com vocês sabendo que tomei a melhor
decisão da minha vida. Não vou pedir para que vocês contem boas
histórias sobre mim, mas agradeceria se deixassem ele saber que, apesar
de eu ser quem sou, sempre o amei e sempre o amarei.
 
Muito obrigado por tudo, Vinni. Dê um beijo na Julia por mim.
 
Pê.”
 
Termino de ler essa carta e sinto como se um peso enorme tivesse sido
retirado dos meus ombros. Nas últimas semanas essa mulher tinha aparecido
quase todos os dias para visitar Douglas e eu comecei a temer que ela fosse
pedir a guarda dele de volta na justiça. Mas agora tudo fazia sentido, ela era
apenas uma mãe se despedindo do seu filho. E eu agora era um pai, livre
para amar meu filho sem aquela nuvem pesada sempre pairando sobre a
minha cabeça. 
 
Escuto o barulho de chaves e ouço a voz de Julia me chamando enquanto
entra em casa com um pacote nos braços. Apresso-me em livrá-la do peso,
entrego a carta a ela sem dar uma palavra e apenas observo sua expressão ao
perceber que Douglas agora é todo nosso. Ela sorri para mim e eu acredito
que nunca mais terei um dia de escuridão em minha vida.
 
— Somos uma família, Vinicius — ela sussurra me abraçando com
força. — Somos uma família com cara feliz.
 
Mergulho o rosto em seus cabelos e deixo a sensação de alívio se apossar
de mim, sem medo ou receio de acordar de algum sonho. Estamos juntos,
livres dos vilões da nossa história passada e prontos para começar a nossa
vida juntos.
 
— Eu te amo, Julia. Obrigada por estar sempre ao meu lado e nunca
duvidar de mim.
 
Tomo seus lábios nos meus e, aqui, na cozinha do meu apartamento, selo
nosso compromisso com a felicidade.
 
— Nervoso?
 
Bernardo está parado atrás de mim, as mãos dentro dos bolsos da calça e
um dos ombros apoiado contra o batente da porta. Meu amigo está muito
elegante e, apesar de claramente satisfeito em me ver feliz, sei que ele está
chateado.
 
— Muito nervoso — respondo com um sorriso atravessado enquanto
ajeito minha gravata. — Na verdade, acho que ansioso é a palavra certa.
 
— Não duvido disso. Se eu estivesse em seu lugar, me casando com a
mulher pela qual sou perdidamente apaixonado, também estaria me sentindo
desse jeito.
 
— Bernardo...
 
— Não vamos falar sobre isso hoje, Vinny. — Ele se aproxima, coloca o
braço sobre meus ombros me encarando no espelho e sorri para mim. — Eu
te juro que estou bem e vou conseguir acertar a minha vida, mas hoje o dia
pertence a você e a Julia. Vamos celebrar sua felicidade.
 
— Tá certo, meu amigo. Mas vou te dar um conselho — ele revira os
olhos e eu ignoro a malcriação —, não deixe o tempo passar. Resolva-se
logo com Lorena, ela merece saber a verdade.
 
— Sei. Você quer que eu conte logo tudo a ela para que você possa abrir
essa sua boca enorme e contar tudo para a Julia.
 
— Óbvio! Você sabe como ela odeia mentiras e Julia vem me
pressionando para saber o que aconteceu durante a sua viagem. Tem sido
muito complicado desviar do assunto sem ter que, necessariamente, mentir
para ela.
 
— Eu sei, Vinicius. — É tudo que ele diz e eu pego a caixa que contém
as alianças gravadas com o meu nome e o de Julia e entrego a ele. Bernardo
guarda a caixa no bolso e me dá um leve tapa na bunda.
 
— Vamos logo, está na hora de você garantir que aquela mulher nunca
vá te deixar.
 
O carro de aluguel já está à nossa espera na calçada do prédio e me
apresso em me acomodar no banco de trás ao lado do meu amigo. Fecho os
olhos por alguns instantes repassando os detalhes na minha mente. Meus
pais tinham chegado ao Rio semana passada e, de imediato, se apaixonaram
pelo neto, o que me permitiu deixar Douglas com os avós nos últimos dois
dias e dar uma folga para Dona Rosa. Minha irmã não pôde vir para o
casamento e eu estava tranquilo com isso, pois já sabia que ela não dava um
passo para longe do marido.
 
A família de Julia confirmou a presença no casamento depois que fomos
até a casa dos pais dela para conversar. Nunca imaginei ver a minha
namorada, sempre tão exuberante, travada em uma conversa fria com os
pais. Ela estava preparada para receber uma desculpa qualquer, mas eles a
surpreenderam e aceitaram o convite. Ela vai entrar de braços dados com o
pai e espero que tudo fique bem.
 
Abro os olhos e vejo meu amigo com o olhar perdido para fora do carro.
Sei que ele está pensando em Lorena e em tudo que aconteceu entre ele e
Cintia nos últimos anos. Se eu tivesse ouvido essa história da boca de
qualquer outra pessoa, eu não acreditaria, mas foi ele mesmo quem me
contou e me senti como se eu tivesse levado um soco no peito. Porém não
posso abrir a boca para falar dessa situação nem com Julia e nem com
ninguém porque ele me pediu segredo e não posso contar uma história que
não é minha. Bernardo é o meu maior amigo, meu único amigo, e não vou
trair sua confiança. Vou esperar e acreditar que ele vai conseguir encontrar a
melhor saída para tudo.
 
O carro para e me dou conta que estamos na porta da igreja. Abro a porta
e falo:
 
— Vamos nessa, Bê. Eu preciso me casar e estou com pressa.
 
Ele dá uma risada e me acompanha até onde minha mãe está parada. A
coroa está superelegante usando um vestido rosa escuro e sorri, orgulhosa de
mim. Passo o braço pelo dela que me dá um beijo no rosto e, sem dar nem
uma palavra, seguimos para dentro da pequena igreja que já está lotada.
Parentes, amigos e colegas de trabalho estão sentados nos bancos de madeira
conversando entre si e, quando me veem caminhando pelo tapete vermelho,
começam a assoviar. Vejo Jonatas sentado ao lado de Lorena que coloca as
mãos em volta da boca e grita:
 
— Acabaram-se os dias de solteirice, chefe!
 
Todo mundo bate palmas e eu dou uma risada sem graça enquanto sigo
calmamente em direção ao altar. Lorena se levanta e cochicha alguma coisa
no ouvido do rapaz que abafa uma risada enquanto a observa caminhar em
minha direção ocupando seu lugar de madrinha ao lado de Bernardo. Apesar
de ter ficado muito feliz em ser nossa madrinha, ela se recusou a entrar na
igreja de braços dados com meu amigo e eu não posso tirar sua razão. 
 
Minha mãe senta-se ao lado do meu pai e logo somos apenas eu, Dona
Rosa e o marido e os nossos dois amigos no altar, esperando por Julia.
Optamos por manter as coisas simples, com apenas dois casais de padrinhos,
até porque ninguém mais era tão importante para nós a ponto de ocupar essa
posição.
 
Bernardo se inclina na direção de Lorena que se afasta e lança um dos
seus olhares gelados, fazendo com que meu amigo encolha os ombros em
arrependimento. Parece que as coisas não serão tão fáceis como eu achava,
afinal.
 
Os minutos se arrastam e, enquanto espero que Julia chegue, controlo
meu nervosismo analisando as pessoas na igreja e, para minha surpresa, vejo
Carina sentada ao lado de Jonatas com um sorriso em seus lábios. Antes que
eu possa comentar alguma coisa, o padre praticamente se materializa na
minha frente e a marcha nupcial começa a tocar. Minhas mãos estão suando
e meu coração está acelerado, e nada havia me preparado para a visão de
Julia naquele vestido branco, deslizando pela nave da igreja como um anjo
imaculado tendo, à sua frente, Douglas vestido como uma miniatura de mim.
 
De alguma forma, eu paro de respirar, de me mover e só consigo pensar
em tirá-la de dentro daquele vestido mantendo-a apenas de corpete e saltos
altos, e dar a ela uma noite inteira de prazer e amor.
 
Amor.
 
Minha garganta se fecha e eu acho que vou chorar. Que merda está
acontecendo comigo? Será que estou tendo um ataque de pânico? Nesse
momento sinto a mão de Lorena tocando meu cotovelo e ela sussurra
baixinho:
 
— Lembre-se de respirar, chefe.
 
Puxo o ar com toda a força e retomo posse dos movimentos do meu
corpo, meus lábios se abrindo em um sorriso que não nega o tamanho da
minha felicidade quando o pai de Julia beija a filha e a entrega para mim. Ela
sorri, seus olhos presos nos meus, e tenho a mais absoluta certeza de que
seremos muito felizes. Faço um carinho em seu rosto e beijo seus dedos
enquanto o padre começa sua ladainha:
 
— Estamos aqui reunidos....
 

Estou tendo dificuldades em me concentrar no que o padre está falando


pois só consigo sorrir para Vinicius. Lindo, maravilhoso, deliciosamente
elegante, Vinicius, o cara que vai ser meu marido daqui a poucos minutos.
 
Ele aperta minhas mãos nas suas e retribui meu sorriso, fazendo com que
eu sinta todos os poros do meu corpo se arrepiarem. Se isso não é amor,
minha gente, não tenho ideia do que pode ser.
 
Lorena e Bernardo estão parados ao nosso lado e ela segura o meu
bouquet de rosas chá e lavanda com muito carinho e tem um sorriso triste
nos lábios. Eu sei que não deveria estar me preocupando com isso agora,
mas minha mente fervilha de ansiedade, querendo que ela e Bernardo
consertem o que quer que tenha dado errado entre eles. A voz grave do padre
interrompe o fluxo dos meus pensamentos, me fazendo prestar atenção à
cerimônia. Nossa cerimônia de casamento.
 
— Julia e Vinicius, vocês estão aqui de livre e espontânea vontade,
prontos para lutarem lado a lado contra as dificuldades da vida e viverem
felizes em todos os momentos que a vida a dois lhes permitir?
 
— Sim. — Ouço a voz rouca de Vinicius que não desgruda os olhos de
mim e concordo com um enorme sorriso.
 
— Definitivamente, sim.
 
— Perfeito! Vamos aos votos que vão sacramentar essa união.
 
E, na frente de todos os nossos convidados, juramos nos amar e respeitar
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza por
todos os nossos dias até que a morte nos separe. Bernardo passa a caixinha
com as nossas alianças para Douglas, que as entrega ao pai e meus olhos se
enchem de lágrimas quando ele desliza a joia em meu dedo esquerdo.
 
— Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
 
Meu marido segura meu queixo com delicadeza e promete em voz baixa.
 
— Vou beijá-la, Julia, todos os dias das nossas vidas.
 
Fecho os olhos e deixo que ele me abrace enquanto a igreja explode em
assovios e palmas e meu coração bate descompassado de felicidade em meu
peito.
 
Nos separamos e Lorena me devolve o bouquet enquanto Bernardo
abraça Vinicius de forma efusiva. Seguimos pela nave da igreja em direção
ao pequeno salão de festas onde serão servidos bolo e champanhe e
receberemos os cumprimentos dos convidados antes de, finalmente,
partirmos para o que interessa: o enfim, sós.
 
Perco a conta de quantos beijos e abraços eu recebo até que Carina para
na minha frente e me envolve em uma nuvem de perfume adocicado e
cachos dourados. Ela está linda em um vestido vermelho e sussurra ao meu
ouvido:
 
— Você merece ser muito feliz. Espero que um dia possamos ser amigas
de verdade e deixar tudo que passou para trás.
 
Carina não me dá tempo de responder e logo se afasta para abraçar
Vinicius me deixando um pouco atordoada com seu pedido. O tempo voa, eu
como umas três fatias de bolo e bebo muito champanhe e, quando finalmente
chega a hora de jogar o bouquet para as solteiras, me encho de coragem e
caminho diretamente até Lorena, empurrando minhas delicadas rosas chá
contra o peito dela enquanto declaro.
 
— Ele é seu. Não como uma premonição de que você vai casar e ser feliz
com o homem que ama, mas como um desejo de uma amiga que só quer ver
você sorrindo todos os dias.
 
Bernardo está parado no outro canto do salão, imóvel e sem desgrudar os
olhos de nós duas. Ele está sozinho e eu adoraria dar um murro na sua cara e
obrigá-lo a me contar o que diabos está acontecendo e por que a esposa dele
não o acompanhou. Mas me lembro da promessa que fiz a Vinicius, de não
me meter nesse assunto e, por enquanto, deixo essa ideia pra lá.
 
— Obrigada, Julia. — Minha amiga aconchega o bouquet contra o peito
me deixando muito assustada. Eu esperava que ela fosse espernear e
arremessar as rosas longe, mas a reação dela foi justamente contrária a tudo
que eu imaginei. — Por hoje eu vou acreditar que tudo pode se resolver. Só
por hoje.
 
Nos abraçamos, mas logo somos forçadas a nos despedir pois Vinicius
começa a gritar meu nome e sei que está na hora de partir. Lua de mel, não é
mesmo?
 
A gente poderia ter escolhido qualquer lugar do mundo para passar nossa
primeira semana de casados, mas vamos voltar ao lugar onde tudo começou.
Angra dos Reis, aí vamos nós.
 
— Está satisfeita?
Julia está com os olhos fechados e em seu rosto consigo ver uma
expressão de puro deleite.
— Sim! Você sabe mesmo como fazer uma mulher feliz.
Ela estica os braços em minha direção e pede:
— Mais, por favor! Só mais um bife e umas batatas fritas! Prometo
parar de comer antes que eu passe mal.
Dou uma risada enquanto trato de servir minha esposa linda e gulosa,
em todos os sentidos. Estamos de volta a Angra dos Reis, mas dessa vez
aluguei uma casa dentro de um dos condomínios mais elegantes da cidade, o
que nos permite uma intimidade maior e liberdade total para fazermos o que
quisermos. E é exatamente o que estamos fazendo nos últimos cinco dias.
A casa é praticamente incrustada na praia. Basta abrir a porta da
varanda e descer os degraus para pisarmos na areia quente e convidativa. 
Temos um ofurô grande o suficiente para acomodar nós dois e nossas
experiências sexuais, e a cama é tão confortável que estou pensando
seriamente em providenciar uma igual para nosso apartamento.
— Você só pensa nisso — ela diz enquanto mordisca uma batata. —
Não que eu esteja reclamando, mas ainda me impressiono com o fato de
você pensar em sexo tantas vezes por dia.
— Penso em sexo o tempo todo — admito sem a menor vergonha. —
Sexo com você.
Ela ri e revira os olhos, mas sei que Julia é igual a mim no quesito
sexo. Desde nosso primeiro contato, quando eu fui um babaca dentro
daquele provador. Desde então, tudo que tenho feito é para que ela me
perdoe pelo comportamento ridículo daqueles tempos. 
Julia é o meu grande amor e vou me assegurar que ela saiba disso
todos os dias da nossa vida.
— Bem Sr. Sexo Comigo — ela me cutuca com os dedos do pé e eu
os agarro fazendo com que ela dê uma sonora gargalhada —, depois que eu
digerir essa comida maravilhosa, podemos começar a pensar em
experimentar aquele enorme sofá que tem lá na varanda. O que você acha?
— Acho que você é um presente dos céus na minha vida, mulher. —
Inclino a cabeça e beijo suavemente seu tornozelo. Julia empurra minha
barriga com o outro pé e volta sua atenção para o prato de comida.
— Mas antes eu vou terminar esse filezinho... Uhm, se você já não
tivesse me conquistado com a quantidade de orgasmos que me deu até agora,
com toda certeza teria me ganhado pela barriga.
O peso do braço do meu marido em minha cintura é a primeira coisa
que identifico quando desperto. O quarto está escuro e, ainda de olhos
fechados, consigo ouvir o barulho que as ondas fazem lambendo a areia da
praia. Com cuidado, rolo o corpo na cama, ficando de frente para Vinicius
que sorri sem abrir os olhos.
— Está acordado há quanto tempo?
— Na verdade, ainda estou dormindo. — Ele aconchega o rosto na
curva do meu pescoço e beija minha pele com carinho. — Estou naquele
momento do sono em que vou permitir que você faça o que quiser comigo,
se é que você me entende.
Sua voz é maliciosa e seus lábios traçam um caminho de suaves
beijos até o lóbulo da minha orelha, fazendo com que eu suspire e enrosque
minha perna na sua cintura. O corpo de Vinicius reage de imediato e sinto
sua ereção começando a surgir, pulsando contra minha coxa.
— Mas já? — sussurro em tom inocente. — Ainda não fiz nada.
— Você não precisa fazer nada para me excitar, Julia. Basta existir,
sorrir pra mim ou, como acabou de fazer, tocar meu corpo. — Ele levanta a
cabeça, olha para mim e, mesmo no escuro, posso jurar que seus olhos
brilham maliciosamente. — Se um dia eu não reagir dessa forma a você,
pode mandar me enterrar, pois estarei morto.
— Espero que esse dia nunca chegue.
Com essa confissão, enfio os dedos nos cabelos do meu marido e
tomo seus lábios com uma fome que já se tornou familiar para mim. O toque
da língua dele, se enroscando na minha, faz com que eu suspire contra seus
lábios e não ofereça nenhuma resistência quando ele me puxa para cima do
seu corpo, ficando de costas no colchão comigo por cima dele. Apoio os
joelhos na cama e inicio um movimento lento e torturante onde o pau dele
apenas toca de leve minha pele.
Quando minhas unhas fazem pequenos círculos em seus mamilos,
Vinicius fecha os olhos e inclina a cabeça para trás apertando minha cintura
com força. Ele tenta me colocar na posição exata que permita a seu pau
deslizar para dentro de mim, mas eu não permito. Estou apreciando esse
momento, essa sensação de ter controle e poder sobre o homem que amo.
— Você ainda vai me matar. — A voz dele não passa de um sussurro,
rouco e profundo, que me enche ainda mais de tesão, fazendo com que eu
desça minha mão até a base do seu pau, acariciando-o e conduzindo-o sem
pressa até a entrada da minha boceta, que pulsa excitada, desejando ser
preenchida por ele.
Elevo meu corpo apenas o suficiente para que o encaixe aconteça e,
logo em seguida, deslizo para baixo, engolindo Vinicius, que crava os dedos
na minha pele. Sinto um calor intenso tomando conta do meu corpo, como se
eu estivesse prestes a entrar em combustão espontânea e uma parte ainda
lúcida do meu cérebro quer saber se será sempre assim. Mas eu não sou
razão, sou pura emoção e logo estamos nos mexendo no mesmo ritmo, as
mãos dele subindo pela minha barriga e encontrando meus seios, os dedos
acariciando meus mamilos totalmente intumescidos pelo tesão absurdo que
eu sinto por esse homem. Ele sobe uma das mãos pelo meu pescoço,
segurando a base da minha cabeça e vira nossos corpos, passando a ficar por
cima de mim, que envolvo sua cintura com as pernas.
Em nenhum momento ele para de me foder. Vinicius não sai de
dentro de mim e mantém seus olhos presos nos meus, aumentando o ritmo,
mordendo meus lábios, beijando meus seios até que eu sinto o orgasmo
chegando e me entrego por completo ao homem que jurou me fazer feliz por
toda a minha vida.
Corrigindo: me entrego mais uma vez. E mais uma, e outra. A
verdade é que me entregarei quantas vezes eu puder.

Acontece todas as vezes. Acho que vou fechar os olhos por alguns
segundos e o calor e a maciez do corpo dela junto ao meu me leva com
suavidade para o mundo dos sonhos. Geralmente acordo com o barulho do
chuveiro e vou me juntar a ela, o que sempre nos leva a mais uma rodada de
sexo.
Entretanto, hoje o que me acordou foi o espaço vazio ao meu lado no
colchão. Sento na cama assustado e chamo por ela.
— Julia! Julia! Onde você está?
— Aqui fora. — A voz dela é tranquila, quase sonhadora e meu
coração volta a bater no ritmo normal.
Preciso confessar que, às vezes, sonho que ela desistiu de mim e foi
embora. Fazer o que, se no fundo ainda sou um nerd inseguro?
Levanto da cama sem me dar ao trabalho de procurar o short do
pijama e caminho até a varanda.  Ela está enrolada no lençol, deitada no sofá
gigantesco observando o movimento das ondas na praia e estica a mão para
mim em um convite silencioso que eu aceito sem titubear. Deito ao seu lado
e ela vira de costas para mim, aconchegando-se contra o meu peito.
— O que você está fazendo aqui fora?
— Olhando o mar, agradecendo. — Ela suspira e completa: — Você
sabe, tudo isso que eu gosto de fazer quando estou feliz.
— Sei, sim — confesso beijando seus cabelos e apertando-a ainda
mais contra mim. — Eu também já agradeci, sabe?
— Foi mesmo? —  Ela deixa escapar uma risada baixa e sexy e meu
corpo imediatamente reage, mas Julia não comenta nada.
— Foi sim. Agradeci usando aquela oração meio doida que você está
ensinando ao Douglas, sabe? — Ela concorda com a cabeça e eu continuo.
— Nunca fui um cara ligado a esse tipo de coisa, mas quando ouvi vocês
falando sobre Deus, Universo e vibrações, resolvi tentar.
— E aí? — Ela se vira na minha direção e tem um sorriso lindo nos
lábios que eu logo vou beijar. — Como foi a sensação?
— Estranha. — Coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e
confesso: — Mas eu gostei. Até agora gostei de tudo que você trouxe de
novidade para a minha vida.
— Que bom. — Isso é tudo que ela diz antes de fechar os olhos e
encostar a cabeça no meu ombro enquanto sua mão acaricia meu peito.
Fecho os olhos e deixo a sensação dos dedos de Julia passeando pela minha
pele tomar conta de mim e, quando ela toma meu pau em suas mãos, um
gemido sofrido, cheio de tesão, escapa dos meus lábios. Preparo-me para
sentir seus dedos deslizando pela minha carne, me masturbando, mas, em
vez disso, ela mergulha o rosto na direção da minha virilha e passa a língua
com delicadeza pela cabeça dolorida do meu pau.
Luto contra a vontade de segurar a cabeça dela e foder sua boca com
força e sou recompensado com a sensação deliciosa de ter o pau engolido
totalmente por ela, que aproveita para deslizar a mão pela minha coxa até
segurar minhas bolas e começar uma massagem alucinante que me deixa
enlouquecido. Fecho os olhos e me entrego ao prazer de ser o brinquedo
dessa mulher maravilhosa e, quando acho que não poderia ficar melhor, ela
sobe em mim, colocando sua boceta cheirosa e molhada à disposição da
minha boca.
Alguma dúvida de que fomos feitos um para o outro? Porque eu não
tenho nenhuma e trato de segurar Julia pela cintura, mergulhando a língua na
sua maciez, me deleitando com seu sabor enquanto ela me chupa com
maestria até que o tesão é grande demais e eu perco noção do que estou
fazendo, explodindo em um gozo maravilhoso, enchendo a boca da minha
esposa. Ela começa a se mexer, mas consigo segurá-la pelos quadris e
sussurro:
— Agora é minha vez.
Trago a bunda de Julia para perto do meu rosto e passo a língua por
toda a extensão que vai da sua boceta molhada até seu cuzinho maravilhoso,
fazendo com que ela implore.
— Ai, amor, isso, você sabe do que eu gosto.
Ela gosta, mas eu adoro e nem preciso de incentivo para deslizar
minha língua no buraquinho apertado da minha esposa. Minha língua brinca
com cada pedacinho dela, que geme, rebola e se oferece enquanto eu chupo
sem parar nem para respirar, mantendo-a segura pelos quadris. Meu pau já
está duro novamente e quero me enfiar entre as carnes dela, mas não sem
antes tomar alguns cuidados. Como ela é adepta do anticoncepcional, não
fazemos uso de preservativos, mas eu não dispenso um bom lubrificante na
hora do sexo anal. Por isso, solto Julia e aviso.
— Fique parada, nessa posição. Volto antes que você consiga dizer
meu nome.
Corro no quarto e volto com o tubo de lubrificante na mão para
encontrar Julia parada do mesmo jeito que a deixei: a cabeça apoiada no
colchão e a bunda empinada na minha direção.
— Puta que pariu, mulher. Você me deixa louco.
Ela não fala nada, apenas rebola olhando para mim por cima do
ombro e eu me apresso em passar o lubrificante no seu cuzinho, no meu pau
e nos meus dedos, pois antes de meter nela, vou acariciar todas as suas
dobras com os meus dedos, fazendo com que ela encha essa praia deserta
com seus gritos e gemidos. Porque é assim que tem de ser: sexo, tesão e
prazer.
Cumplicidade.
Ela se derrete sob meus toques, rebolando, gemendo, jogando a
cabeça para trás até que eu não aguento mais e me posiciono, metendo bem
devagar enquanto seguro-a pela cintura. Ela me acomoda inteiro e juntos
começamos o nosso vai-e-vem gostoso, meus dedos tocam seu clitóris e ela
se solta, gritando meu nome em meio ao gozo.
Eu? Bem, eu não gozo dessa vez pois estou totalmente
comprometido com o prazer da minha mulher. Vai dizer que eu não sou um
homem para casar?
Sinto o corpo dela amolecer e a ajudo a deitar-se no colchão,
abraçando-a e beijando seus cabelos até que ela sussurra em meu ouvido:
— Eu te amo, Vinicius Barroso.
Beijo seus lábios e respondo, sem pestanejar:
— Eu te amo muito mais, Dona Julia Barroso.
Ela encontra uma posição confortável, puxa o lençol sobre nossos
corpos e assim adormecemos olhando para as estrelas e ao som do mar de
Angra dos Reis. Ela me domesticou e ainda me transformou em um
romântico incurável.
Como poderia não amar essa mulher?
CINCO ANOS DEPOIS
 

— Eu odeio você! — grito a plenos pulmões para quem quiser ouvir.


Todo meu corpo treme em um misto de raiva, impotência e contrações.
 
— Isso, Dona Julia — Vinicius me incentiva. — Pode me xingar, gritar e
ameaçar. Mas continue a fazer força.
 
— Onde eu estava com a cabeça, meu Deus!! Como eu deixei você e
esse seu pinto me engravidarem? — Outra contração toma conta do meu
corpo e eu urro de dor. — Parto normal! Como pude concordar com isso?
 
— Vamos, mãe, continue a empurrar — a médica pede com urgência. —
Só mais algumas vezes e logo você estará com sua menina nos braços.
 
— Ah, mas eu vou avisar a ela que tem que escolher cesariana! —
reclamo entredentes enquanto me concentro para dar mais um empurrão.
 
— Perfeito! Estou vendo a cabeça, empurra, mãe.
 
Aperto a mão de Vinicius e, com toda a força que ainda tenho, empurro
mais uma vez. Sinto um alívio, um vazio, um misto de sensações que não
consigo descrever e espero ansiosa pelo choro da minha filha. São alguns
segundos de tensão até que o silêncio é substituído pelo som sofrido da
minha bebê berrando de raiva por ter sido tirada do conforto do meu corpo.
Sinto as lágrimas descendo pelo meu rosto e ouço Vinicius suspirando,
apaixonado.
 
— Ela é linda, igualzinha a você. A coisinha mais perfeita que eu já vi na
minha vida.
 
Sufoco um soluço enquanto alguém coloca minha filha em meus braços.
Suas mãozinhas se mexem no ar e eu beijo sua testa. Em resposta, ela abre
os olhos, me encara e eu falo:
 
— Linda igual a mim e com seus diabólicos olhos azuis. Essa aqui vai
nos dar muitos problemas, estou pressentindo.
 
— Mal posso esperar, Dona Julia. — Ele beija minha cabeça e repete: —
Mal posso esperar.
 
Sinto-me muito cansada e quero fechar os olhos e dormir por algumas
semanas, mas tenho medo de que roubem minha filha. Quando a enfermeira
tenta tirá-la dos meus braços, eu a seguro com mais força e olho apavorado
para meu marido que me tranquiliza.
 
— Eu vou com elas, vou me certificar de que Ana Luiza esteja em
segurança para que você possa pegá-la novamente em breve. — Ele acaricia
meus cabelos e pergunta: — Tudo bem?
 
Não tenho tempo de responder. Tudo fica um pouco confuso e entro em
um estado de torpor que se estende por algumas horas. Quando finalmente
acordo, estou no quarto do hospital vestindo uma daquelas camisolas
horrorosas e Lorena está sentada na poltrona lendo um dos seus livros
policiais.
 
— O que será que uma jovem mãe precisa fazer para conseguir um copo
bem cheio de água gelada?
 
— Primeiro — minha amiga larga o livro e sorri para mim —, parar com
o drama. Segundo, pedir. O que você me pede chorando que eu não faço
sorrindo?
 
— Cretina!
 
Estico a mão para pegar o copo enquanto ela tagarela sobre a beleza de
Ana Luiza e sobre a alegria saltitante em que Douglas se encontra. Aos onze
anos, ele sonhava em ter uma irmã, mas eu quero só ver como vai ser
quando ele perceber que esse sonho realizado vai lhe garantir algumas boas
noites de pesadelos. Ou será que ele e o pai estão mesmo achando que eu
vou ser a única a cuidar de fraldas, mamadeiras e todas as outras coisas?
 
— Está me ouvindo?
 
— Não — confesso sem nenhuma vergonha. — Estou pensando nos
esquemas que vamos ter que montar para manter essa menina limpa,
alimentada, saudável e feliz. Sem mencionar o fato de que uma hora ela vai
ter meninos apaixonados pelos seus olhos azuis e eu não vou saber lidar com
as crises do Vinicius e do Douglas. Você sabe como eles são ciumentos.
 
— Mas meu Deus, a menina acabou de nascer e você já está pensando
nesse futuro tão distante?
 
— A vida passa em um piscar de olhos quando a gente tá feliz, minha
amiga. Você bem sabe.
 
Antes que ela possa me responder, a porta do quarto se abre e Douglas
entra esbaforido com um sorriso radiante no rosto.
 
— Eu sempre soube que seríamos uma grande família feliz, mãe.
 
Mãe.
 
Podem se passar mil anos, mas ouvir essas três letras saindo da boca
desse menino sempre me emocionam. Eu lembro o exato momento em que
eu deixei de ser a Tia Pikachu e me tornei a mãe dele. Foi em uma quarta-
feira cinzenta quando ele caiu durante uma aula de educação física e quebrou
o braço. Cheguei no colégio apressada e ele levantou os olhos para mim e
confessou: “eu só queria que você chegasse, mãe.”
 
Depois daquele dia, eu era oficialmente a mãe desse menino que agora
me olha como se eu tivesse lhe dado o melhor presente do mundo. Vinicius
está parado logo atrás dele e em seus braços está a nossa filha.
 
A enfermeira entra no quarto empurrando uma espécie de berço e me
avisa:
 
— Se essa menina tiver a mesma lábia desses dois aí, a senhora está
perdida. Nunca na minha carreira deixei um pai trazer o bebê pelos
corredores do hospital, mas esse seu marido e seu filho... — Ela sorri para
mim e completa: — Você é uma mulher de sorte.
 
Estendo os braços para meu marido e ele me entrega minha filha. Ana
Luiza está com os olhos bem abertos e posso jurar que ela sorri para mim,
me reconhecendo como a louca que gritava enquanto a trazia ao mundo.
 
— Ei, bebezinha, eu sou sua mãe e aqueles dois ali são nossos escravos.
— Vinicius dá uma gargalhada e Douglas o acompanha. — E, juntas, nós
vamos dominar o mundo e fazer com que eles nos tratem como se fôssemos
realeza, combinado?
 
Ela abre a boquinha e pisca para mim.
 
— Pronto — beijo seus dedos —, temos um trato.
 
Ao meu redor todos têm os olhos embaçados e eu confesso que nunca
me senti tão feliz em toda a minha vida.
 
FIM
 
Julia e Vinicius vão ficar para sempre na minha memória. Minha
primeira aventura: um romance hot cheio de reviravoltas que passou de 190
mil leituras no wattpad.    O caminho para que eles chegassem até aqui foi
longo e percorri-o sem pressa.   Amei o resultado!
 
Lorena e Bernardo vão ganhar um livro lindo para eles: Meu Chefe
Adorável e eu prometo que vai ser tão divertido quando o indecente
Vinicius.
 
Espero que tenham gostado e se divertido tanto quanto eu!
 
Vejo vocês em breve!
 

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Scarlett Salvage
 
Dedico esse livro a todos os leitores que abrem espaço em suas vidas e
passam os dias a lerem as minhas histórias e de outros autores.
 
Sem vocês, não haveria Scarlett ou nenhum outro escritor rondando
suas estantes e seus kindle, esperando para serem lidos.
Vocês nos motivam.
Meu mais sincero obrigado!
Pitangus Editorial – minha casa! Obrigada por me acolher e me
incentivar!
Cecilia Mondadori, Andrea Jocys, Cris Castro e Vanessa Pavan–
vocês sabem exatamente porque estão aqui!
Minha beta Kelzinha, que me ajudou com uns detalhes cruciais que
eu teria ignorado – pleníssima! – e que me incentivou durante toda a
jornada!
A todos os leitores do Wattpad que ajudaram Julia e Vinicius a serem
um sucesso!
Não posso deixar de lado minhas amigas escritoras, tão dedicadas e
talentosas, que me acompanharam no processo criativo dessa obra.
Aguentaram meus surtos e minhas loucuras. Vocês são demais!
Evellyn Miller, Tyanne Maia, Chris Prado, Vivian Lemos e Cindy Emy,
vocês moram o meu coração.
O CALOR DO SEU TOQUE

Susan não consegue resistir a Zack e a tudo que ele faz com seu
corpo.
Mas, resistir para que?
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isso se prova ter sido a pior melhor ideia de sua vida. Quando Zack lhe
entregou a chave da cobertura, Jake não esperava dar de cara com Anna.
Nua. Na banheira.
Nem tudo sai do jeito que eles planejaram. Mas quem disse que o
que haviam planejado era o melhor dos mundos?
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Destino Traicoeiro

Um amor do passado pode ter uma segunda chance?

Amanda gerenciava o seu negócio e levava uma vida pacata, até que,
certo dia, aceitou fazer um favor para seu amigo, Todd. O que ela não
esperava era que a vida lhe trouxesse de volta um fantasma do seu passado
e bagunçasse seu coração.
Agora ela precisa lidar com revelações inesperadas, um coração acelerado e
decisões que precisam ser tomadas. É a sua vida, sendo posta em jogo mais
uma vez.

Na juventude, Andrew se apaixonou por uma mulher maravilhosa.


Masela saiu da sua vida de forma intempestiva e desapareceu de sem deixar
rastros.

Às vezes, o destino faz tudo ruir a nossa volta para que novas
construções sejam edificadas. Será que o amor de Andrew e Amanda vai
suportar mais um teste?
 
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Perfeita Simetria
 

 
Quando Hugo e Raquel trocaram olhares dentro da academia, não
esperavam nada um do outro.

Mas, entre exercícios e piadinhas, surge uma química explosiva entre


eles. Uma atração irresistível que levará o casal a uma aventura
inesquecível.

Atenção - esse é um conto da Série Sensações que pode - e deve - ser


lido de forma independente.
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Scarlett Salvage é uma autora nacional de romances eróticos, que
provavelmente você já encontrou pelos corredores dos supermercados, ou
sentou-se ao seu lado no cinema e até mesmo sorriu para ela em uma das
esquinas da vida. Assim como seus personagens, Scarlet vive no imaginário
do leitor e saber mais sobre ela com certeza quebraria toda a magia. Seu
primeiro romance, publicado pelo Wattpad, já conquistou mais de 200 mil
leitores, e agora suas obras serão publicadas pela Pitangus Editorial.

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