Download as pdf or txt
Download as pdf or txt
You are on page 1of 13

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/323153278

Wuchereria bancrofti - Filariose linfática.

Chapter · May 2016

CITATIONS READS

6 7,379

2 authors, including:

Gilberto Fontes
Federal University of São João del-Rei
93 PUBLICATIONS   732 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Estudo das Filarioses Humanas na Amazonia Brasileira View project

Chamada INCT - MCTI/CNPq/CAPES/FAPs nº 16/2015 - Instituto Nacional de Epidemiologia da Amazônia Ocidental INCT-EpiAmO. View project

All content following this page was uploaded by Gilberto Fontes on 12 January 2020.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Wuchereria bancrofti
35
– Filariose linfática
Gilberto Fontes
Eliana Maria Mauricio da Rocha

Introdução da presença de bons hospedeiros invertebrados (artrópodes)


e semelhanças com as regiões de origem.
Dentre os helmintos Nematoda, a ordem Spirurida A Dirofilaria immitis (Leidy, 1856) é uma filária cujos
apresenta grande número de espécies de filarídeos que para- hospedeiros naturais são cães, lobos, raposas e felídeos,
sitam mamíferos (inclusive seres humanos), aves, anfíbios
mas em alguns países inclusive no Brasil, já foram assina-
e répteis, com algumas características comuns: são todos
lados casos humanos (hospedeiros acidentais nos quais as
vermes finos e delicados cujas fêmeas produzem embriões
larvas não se desenvolvem até vermes adultos, mas podem
ou microfilárias, sendo encontrados nos vasos linfáticos,
originar nódulos pulmonares).
sanguíneos, tecido subcutâneo, cavidade peritoneal ou
mesentério, e necessitam de um hospedeiro invertebrado. As espécies Brugia malayi, B. timori, Mansonella pers-
Mais de uma centena de espécies de filarídeos são capazes tans, Loa loa, Dracunculus medinensis não são encontradas
de infectar vertebrados e, das várias famílias da ordem no Brasil e M. streptocerca já foi detectada parasitando
Spirurida, duas têm interesse médico: Onchocercidae e animais em nosso país.
Dracunculidae. A Tabela 35.1 mostra as espécies de filarí- Neste capítulo e no próximo serão apresentadas essas
deos que podem parasitar o ser humano. espécies de filarídeos que parasitam seres humanos.
Dessas dez espécies que parasitam humanos, três são
encontradas no Brasil: Wuchereria bancrofti (Cobbold, Wuchereria bancrofti – Filariose
1877), Onchocerca volvulus (Leuckart, 1893) e Mansonella
ozzardi (Manson, 1897). Apenas a M. ozzardi é autóctone
Linfática
das Américas. A W. bancrofti é originária da Ásia e a A filariose linfática humana é considerada pela Or­­
O. vol­­vulus da África e suspeita-se que chegaram às Amé­­ ganização Mundial de Saúde uma enfermidade negligen-
ricas durante o tráfico de escravos e se adaptaram em vista ciada, causada por helmintos das espécies Wuchereria

Tabela 35.1
Filarídeos Encontrados Parasitando Seres Humanos

Famílias Subfamílias Gêneros Espécies

W. bancrofti
Wuchereria
B. malayi
Brugia
B. timori

Onchocercidae Onchocercinae O. volvulus


Fêmeas 2 a 4 vezes maiores que os machos e Onchocerca M. ozzardi
apresentando vulva Mansonella M. perstans
M. streptocerca

Dirofilaria D. immitis
Dirofilarinae
Loa L. loa

Dracunculidae
Dracunculinae Dracunculus D. medinensis
Fêmeas sem vulva e muito maiores que os machos

Capítulo 35 347
bancrofti, Brugia malayi e B. timori. É endêmica em várias
regiões com clima tropical ou subtropical, atingindo 73
países da Ásia, da África e das Américas, particularmente
em áreas de muita pobreza, sendo sério problema de saúde
pública na Índia, na Indonésia e partes leste, central e oeste
da África. É estimada em 1,4 bilhão de pessoas a população
que vive em áreas de risco de contrair a infecção e em 120
milhões o número de parasitados no mundo. Destes, apro-
ximadamente 112 milhões são portadores de W. bancrofti e
oito milhões são portadores de B. malayi ou B. timori (mino-
ria). A filariose linfática no continente americano e na África
é causada exclusivamente pela W. bancrofti, sendo também
denominada Bancroftose, e por causa de uma de suas mani-
festações na fase crônica é conhecida também como elefan-
tíase. A W. bancrofti infecta exclusivamente seres humanos,
que são as fontes da infecção para os mosquitos vetores, daí
a filariose linfática ser considerada uma antroponose.

Morfologia Figura 35.1. Microfilárias encontradas em humanos: (A) Wu­­


As formas evolutivas que parasitam os hospedeiros chereria bancrofti, completa, mostrando a bainha de reves-
humanos são os vermes adultos e os embriões denominados timento (encontrada no sangue); (B) detalhe da cauda da
microfilárias. O estágio larvário se desenvolve no mosquito microfilária de W. bancrofti mostrando núcleos irregulares,
não atingindo a extremidade, e com bainha; (C) Mansonella
vetor.
ozzardi, núcleos regularmente dispostos, não atingindo a
extremidade caudal, que é fina (encontrada no sangue); (D)
Onchocerca volvulus, núcleos irregulares, não atingindo a
●● Verme Adulto Macho extremidade caudal, que é dobrada em gancho (encontrada em
Corpo delgado e branco-leitoso. Mede de 3,5 cm a 4 retalho cutâneo - Capítulo 36: Diagnóstico de Oncocercose).
cm de comprimento e 0,1 mm de diâmetro. Extremidade
anterior afilada e posterior enrolada ventralmente.
Wuchereria bancrofti
●● Verme Adulto Fêmea
Corpo delgado e branco-leitoso. Mede de 7 a 10 cm de
comprimento e 0,3 mm de diâmetro. Possui órgãos genitais Loa loa
duplos, com exceção da vagina, que é única e se exterioriza
em uma vulva localizada próximo à extremidade anterior.
Brugia
malayi
●● Microfilária
Esta forma também pode ser chamada de embrião. A
fêmea grávida faz a postura de microfilárias, que possuem Dipetalonema
uma membrana de revestimento delicada e que funciona perstans
como uma “bainha flexível”. A microfilária mede de 250
µm a 300 µm de comprimento e se movimenta ativamente Mansonella
ozzardi
na corrente sanguínea do hospedeiro. A bainha cuticular lisa
é apoiada sobre numerosas células subcuticulares (que irão
formar a hipoderme e a musculatura do helminto adulto) Onchocerca
e células somáticas (que irão formar o tubo digestivo e os volvulus
órgãos). A observação da bainha de revestimento é impor-
Dipetalonema
tante, pois alguns filarídeos encontrados no sangue não pos- streptocerca
suem tal estrutura, sendo este um dos critérios morfológicos
para o diagnóstico diferencial (Figuras 35.1 e 35.2).

●● Larvas Figura 35.2. Diferenciação das microfilárias de diferentes


espécies, com base nas extremidades anteriores (direita) e pos-
São encontradas no inseto vetor. A larva de primeiro teriores (esquerda). Notar a distribuição dos núcleos e a pre-
estádio (L1) mede em torno de 300 µm de comprimento sença ou a ausência de bainha de revestimento. (Original de
e é originária da transformação da microfilária. Essa larva Markell EK, Voge M. Medical Parasitology, 5a ed. WB Saunders
se diferencia em larva de segundo estádio (L2), duas a três Company, 1981).

348 Capítulo 35
média, 8 a 10 anos. As regiões do corpo humano que nor-
malmente abrigam as formas adultas são: pélvica (atingindo
pernas e escroto), braços e mamas (mais raramente). São
frequentemente localizados nos vasos linfáticos do cordão
espermático. As microfilárias eliminadas pelas fêmeas saem
dos ductos linfáticos e ganham a circulação sanguínea do
hospedeiro.

●● Periodicidade
Uma característica deste parasito, verificada na maioria
das regiões onde é encontrado, é a periodicidade noturna
de suas microfilárias no sangue periférico do hospedeiro
humano: durante o dia, essas formas se localizam nos capi-
Figura 35.3. Larva infectante de Wuchereria bancrofti saindo lares profundos, principalmente nos pulmões e, durante a
da probóscida de Culex quinquefasciatus (original dos Profs. noite, aparecem no sangue periférico, com pico da micro-
Gilberto Fontes e Eliana M. Mauricio da Rocha).
filaremia em torno da meia-noite, decrescendo novamente
até o final da madrugada (Figura 35.4). A partir do final da
vezes maior, e sofre nova muda originando a larva infec- madrugada as microfilárias, são encontradas em número
tante (L3), que tem entre 1,5 mm e 2 mm de comprimento muito pequeno ou não são detectadas durante o dia no
(Figura 35.3). sangue periférico.
Essa variação na concentração das microfilárias sanguí-
neas ao longo de 24 horas obedece a distribuição normal
Biologia (curva de Gauss) e independe do gênero ou da carga para-
sitária do hospedeiro. Os mecanismos e estímulos responsá-
●● Hábitat veis por essa periodicidade não são claros, embora existam
Vermes adultos machos e fêmeas permanecem juntos investigações que procuram relacionar a periodicidade
nos vasos e gânglios linfáticos humanos, vivendo, em noturna com fatores físicos e químicos alterados durante

100

80

60
Porcentagem

40

20

0
8 12 15 18 20 23 1 6 8

Horários de coleta de sangue

% Pacientes positivos

% Microfilaremia média

Figura 35.4. Periodicidade de microfilárias de Wuchereria bancrofti: porcentagem de microfilaremia média e porcentagem de
3
exames positivos com base na contagem de microfilárias em amostras de 60 mm de sangue periférico, colhidas em diferentes
horários de 49 parasitados de Maceió-Alagoas (Profs. Eliana M. Mauricio da Rocha e Gilberto Fontes.)

Capítulo 35 349
o sono. O pico da microfilaremia periférica coincide, na Manifestações Clínicas
maioria das regiões endêmicas, com o horário preferencial
de hematofagismo do principal inseto transmissor, o Culex Considera-se um largo espectro de manifestações clíni-
quinquefasciatus (Say, 1823). cas na filariose linfática, desde o indivíduo microfilarêmico
sem sintomas aparentes até o desenvolvimento de formas
No Pacífico Sul e sudeste da Ásia, onde o principal
irreversíveis como a elefantíase. As manifestações clínicas
transmissor é um mosquito que exerce a hematofagia
podem ser devidas aos vermes adultos no sistema linfático
durante o dia (Aedes polynesiensis Marks, 1951), as micro-
ou à resposta imune do hospedeiro contra as microfilárias e
filárias podem ser detectadas no sangue periférico humano
antígenos do parasito. Os pacientes assintomáticos ou com
a qualquer hora, com maior concentração no final da tarde
manifestações discretas podem apresentar alta microfilare-
(em torno das 16 horas), sendo consideradas aperiódicas
mia, e os pacientes com elefantíase ou outras manifestações
ou subperiódicas diurna (também existe a forma periódica
crônicas não apresentam microfilaremia periférica ou esta
noturna nestas regiões). Apesar dessa coincidência (horário
é bastante reduzida.
da hematofagia do vetor e maior microfilaremia periférica),
nenhuma das diversas hipóteses levantadas conseguiu O período de incubação, que vai desde a penetração da
explicar essa periodicidade, a não ser a necessidade bio- larva infectante até o aparecimento dos primeiros sintomas
lógica do encontro da microfilária com o mosquito vetor. da doença no hospedeiro, é longo e pode durar de meses a
alguns anos.
Ciclo Biológico As principais formas clínicas da filariose linfática são:
doença subclínica ou assintomática, formas agudas, formas
É do tipo heteroxênico. A fêmea do Culex quinque- crônicas e eosinofilia pulmonar tropical (EPT). Indivíduos
fasciatus, ao sugar o sangue de pessoas parasitadas, ingere assintomáticos são aqueles com microfilárias no sangue e
microfilárias que, no estômago do mosquito, após poucas sem sintomatologia aparente. Com o uso da linfocintigrafia
horas, perdem a bainha, atravessam a parede do estômago e ultrassonografia, verifica-se que estes assintomáticos, na
do inseto, caem na cavidade geral, alojam-se nos mús- realidade, podem apresentar doença subclínica com danos
culos torácicos e transformam-se em uma larva (larva nos vasos linfáticos (dilatação e proliferação do endotélio,
salsichoide) denominada L1 ou larva de primeiro estádio. sem reação inflamatória) ou no sistema renal (hematúria
Seis a 10 dias após o repasto infectante ocorre a primeira microscópica), merecendo atenção médica precoce.
muda originando a L2 ou larva de segundo estádio. Esta
As manifestações agudas são: linfangite (inflamação
cresce muito e, 10-15 dias depois, sofre a segunda muda
dos linfáticos) retrógrada localizada principalmente nos
transformando-se em larva infectante (L3) ou larva de ter-
membros e linfadenite (inflamação dos gânglios linfáticos),
ceiro estádio, medindo aproximadamente 1,5 mm a 2 mm,
associadas a febre e mal-estar, funiculite e orquiepididimite.
que migra pelo inseto até alcançar a probóscida (aparelho
As linfangites agudas têm curta duração e evoluem no sen-
picador), concentrando-se no lábio do mosquito. O ciclo no
tido centrífugo, ou seja, da raiz do membro para a extremi-
hospedeiro invertebrado é de 15 a 20 dias em temperatura
dade (linfangite retrógrada), ao contrário das linfangites de
de 20-25oC, mas, em temperaturas mais elevadas, pode
etiologia bacteriana, que evoluem das extremidades (porta
ocorrer em menor período. Quando o inseto vetor faz novo
de entrada) para os membros. As linfadenites aparecem
repasto sanguíneo, as larvas L3 escapam do lábio, penetram
principalmente nas regiões inguinal, axilar e epitrocleana.
pela solução de continuidade da pele do hospedeiro (não são
inoculadas pelos mosquitos) e migram para os vasos linfáti- As manifestações crônicas são caracterizadas por lin-
cos. Meses depois as larvas amadurecem e se transformam fedema (edema linfático), hidrocele, quilúria (urina com
em vermes adultos com sexos distintos. As fêmeas grávidas aspecto leitoso ou urina quilosa) e elefantíase, e iniciam-se,
após fecundadas produzem microfilárias que migram para o em geral, alguns anos após o início dos ataques agudos em
sangue do hospedeiro vertebrado (Figura 35.5). O período moradores de áreas endêmicas. A hidrocele (Figura 35.6D)
pré-patente, que vai desde a infecção humana (penetração é a mais comum destas manifestações crônicas e frequen-
de larva infectante) até o encontro de microfilárias no san- temente se desenvolve na ausência de reações inflamatórias
gue do hospedeiro, é longo e varia em torno de 7 a 9 meses. prévias. Pacientes com hidrocele podem apresentar micro-
filárias no sangue periférico e também no fluido obtido do
saco escrotal. A hidrocele pode progredir para elefantíase
Transmissão da região escrotal. No caso de linfedema ou hidrocele, se o
Unicamente pela picada do inseto vetor infectado diagnóstico for precoce, o tratamento com dietilcarbama-
(fê­­mea de C. quinquefasciatus nas Américas) e deposi- zina pode provocar a regressão parcial ou total da sinto-
ção das larvas infectantes na pele lesada do hospedeiro. matologia. A elefantíase geralmente acomete os membros
Aparentemente, o estímulo que provoca a saída das larvas inferiores e a região escrotal. Em geral, a sequência dos
da probóscida do mosquito é o calor emanado do corpo eventos nos casos de elefantíase é: linfangite, linfadenite,
humano. A pele, estando úmida (suor e alta umidade do ar), linfangiectasia (dilatação e hipertrofia dos vasos linfáticos),
permite a progressão e penetração das larvas. Como a vida linforragia (extravasamento de linfa), linfedema, esclerose
média de um mosquito do gênero Culex é de pouco mais de da derme, hipertrofia da epiderme e aumento do volume do
1 mês e o ciclo biológico do parasito no inseto (de microfi- órgão (principalmente pernas, escroto ou mamas). Infecções
lária ingerida até larva L3) ocorre entre 15 e 20 dias, é curto externas bacterianas ou fúngicas secundárias agravam
o período de tempo no qual o vetor é capaz de transmitir o o quadro de elefantíase. A gravidade das manifestações
parasito ao ser humano. aumenta com a idade e lesões crônicas como elefantíase

350 Capítulo 35
Ciclo da Wuchereria bancrofti

O mosquito ingere Os vermes adultos fêmeas


microfilárias quando se produzem microfilárias que
1 alimenta de sangue de atinge o sangue
uma pessoa infectada 4

As larvas L3 migram para os vasos


linfáticos e linfonodos, onde crescem
e atingem maturidade sexual
L1

As microfilárias se
desenvolvem até o
L2
estágio de larvas O mosquito deposita larvas
infectantes (L3) infectantes (L3) no momento
no mosquito do repasto sanguíneo
2 L3 3

Figura 35.5. Ciclo biológico da Wuchereria bancrofti. (1) Microfilária sem bainha no intestino médio do mosquito (após inges-
tão); (2) estágio de larvas, com diferentes estádios: larvas de primeiro estádio (L1 ou salsichoide), segundo (L2) e terceiro (L3 ou
infectante) estádios em desenvolvimento no inseto vetor; (3) larva infectante saindo da probóscida do inseto vetor; (4) microfilária
com bainha no sangue do indivíduo infectado.

(Figura 35.6) podem tornar-se irreversíveis, provocando tada do organismo. A disfunção linfática pode provocar o
incapacidade e expondo seus portadores ao preconceito extravasamento de líquido com acúmulo de fluido, entre o
social. Alguns pacientes também podem apresentar com- testículo e a membrana que o envolve, denominada túnica
prometimento renal com quilúria. A eosinofilia pulmonar vaginal, causando a hidrocele quando o líquido é amarelo
tropical (EPT) é uma síndrome decorrente da hiper-resposta claro, e quilocele quando tem aspecto leitoso pela presença
imunológica do paciente a antígenos filariais, caracterizada de quilomícrons. Alguns pacientes também podem apre-
por sintomas de asma brônquica, como tosse e falta de ar, sentar comprometimento renal com derramamento de linfa
sendo manifestação relativamente rara. no trato urinário que induz a quilúria. Outra complicação
é o linfedema, que ocorre pelo extravasamento da linfa
de vasos linfáticos que drenam a pele. A recorrência de
Patogenia infecções bacterianas ou fúngicas secundárias na pele é um
A resposta imune do hospedeiro e a reação inflamatória importante fator que contribui para a cronificação do pro-
provocada pela presença do parasito aparentemente são fato- cesso, predispondo ao linfedema crônico que pode evoluir
res determinantes na patogenia da filariose linfática. Pouco para elefantíase em cerca de 10 a 15 anos.
se conhece sobre os fatores determinantes do curso natural A elefantíase geralmente acomete os membros inferio-
da infecção por W. bancrofti, mas sabe-se que a evolução da res e a região escrotal, e está associada a episódios infla-
doença é lenta e que os sinais, quando presentes, são decor- matórios recorrentes com hipertrofia do tecido conjuntivo
rentes principalmente da dilatação dos vasos linfáticos. e fibrose crônica do órgão atingido. A depender do gênero
A maior parte dos infectados apresenta doença sub- do infectado, a elefantíase compromete diferentes partes
clínica com danos nos vasos linfáticos (ectasia - dilatação do corpo. Nas mulheres, ocorre mais frequentemente nos
membros inferiores, provocando deformações em uma ou
e proliferação do endotélio), sem reação inflamatória, ou
ambas as pernas, raramente afetando as mamas e a região
dano no sistema renal (hematúria microscópica).
genital. Nos homens, pela localização preferencial dos
Alguns pacientes permanecem assintomáticos por anos, parasitos nos linfáticos que drenam a região genital, a
mesmo após a morte dos vermes adultos. Em outros, com hi­­drocele testicular é mais prevalente, e se tornando crô-
a morte dos parasitos, tem início a fase inflamatória do nica progride para elefantíase da região escrotal, podendo
processo. Como consequência há o desencadeamento de também acometer o pênis. Inicialmente, há hipertrofia
episódios de linfangite aguda e linfadenite, acompanhadas da derme, porém a epiderme é normal. Com a progressão
de sintomas como febre, dor de cabeça, mal-estar e dor da doença, há esclerose da derme e hipertrofia da epi-
local e vermelhidão na região atingida. derme, dando a aparência típica da elefantíase: aumento
Quando há ruptura dos vasos linfáticos dilatados, exagerado do volume do órgão com queratinização e
ocorre derramamento de linfa que se acumula na parte afe- rugosidade da pele.

Capítulo 35 351
Diagnóstico
●● Clínico
Como na filariose linfática os quadros variam de
ausência de manifestações no início da infecção, até o
aparecimento de alterações que podem ser comuns a outras
enfermidades, o diagnóstico clínico é particularmente
difícil e deve ser confirmado com recursos auxiliares que
complementem a suspeita clínica. A história clínica e epide-
miológica, além de exames laboratoriais e por imagem, são
recursos que auxiliam o diagnóstico diferencial.
Em áreas endêmicas, pacientes com história de febre
recorrente associada a adenolinfangite e posterior linfedema
pode ser indicativa de infecção filarial. Alteração pulmonar,
eosinofilia sanguínea e níveis elevados de IgE total no soro
levanta a suspeita de EPT. A elefantíase pode ter outras
causas que não a infecção pela W. bancrofti, como, por
exemplo, a hanseníase causada por Mycobacterium leprae,
a erisipela de repetição causada por Streptococcus pyogenes
(mais comum) ou Staphylococcus aureus e a cromoblas-
tomicose, uma micose subcutânea causada por fungos da
família Dermatiaceae. Má formação congênita dos vasos
linfáticos ou outras causas que perturbem o fluxo linfático,
inclusive choque mecânico (acidentes), podem gerar um
quadro de linfedema, que em estágios mais avançados
levam à elefantíase. Deve ficar claro que nem todo quadro
de elefantíase é de etiologia filarial.

●● Laboratorial
Pesquisa de Microfilárias (mf)
Figura 35.6. Wuchereria bancrofti provocando alterações crô-
nicas: (A) mulher apresentando elefantíase (edema linfático, A pesquisa de microfilárias no sangue periférico pode
fibrose e queratinização cutânea) das pernas e mamas; (B) ser feita por diferentes métodos parasitológicos. Entre os
homem apresentando elefantíase do escroto e edema linfático disponíveis, o mais utilizado é a gota espessa preparada
da perna esquerda. (Segundo Mackie T, Hunter G, Worth B); com 60 a 80 microlitros de sangue colhido por punção
(C) Elefantíase de pernas; (D) hidrocele com início de elefan- capilar digital, entre 22 h e 24 h devido à periodicidade
tíase de escroto. (Originais dos Profs. Eliana M. Mauricio da
noturna das microfilárias no sangue periférico dos hospe-
Rocha e Gilberto Fontes.)
deiros. Quatro a cinco gotas de sangue são colocadas dire-
tamente sobre uma lâmina de microscopia limpa e seca e
O linfoescroto é uma forma rara e ocorre quando os espalhadas de maneira homogênea formando um retângulo
vasos linfáticos superficiais da pele da bolsa escrotal se com bordas regulares (Figura 35.7A).
rompem, com exsudação de linfa, deixando a região genital Não se deve usar sangue com anticoagulante, pois esse
do paciente constantemente úmida. É um quadro que pro- interfere na aderência das microfilárias nas lâminas e no
voca grande desconforto e constrangimento, além de tornar processamento para a coloração elas podem se soltar. Dez
o ambiente propício a infecções bacterianas de repetição. a 12 horas após o preparo das lâminas com sangue faz-se a
A partir daí, pode haver progressão para um quadro de des-hemoglobinização (mergulhando a lâmina por 10 minu-
elefantíase escrotal. tos em cuba com água destilada), a fixação com metanol
Em pacientes com o quadro conhecido como eosino- (1 a 2 minutos), a coloração pelo Giemsa (Figura 35.7B)
filia pulmonar tropical (EPT) ocorre aumento de IgE total (Capítulo 55) e o exame ao microscópio para verificar a
e marcante elevação do número de células inflamatórias presença de microfilárias (Figura 35.8). A gota espessa de
em infiltrados pulmonares, principalmente hipereosinofilia sangue é utilizada em inquéritos epidemiológicos por ser
(podem-se encontrar até 60% de eosinófilos), com caracte- prática, rápida e econômica.
rísticas morfológicas de células ativadas. Histologicamente Sua principal limitação é a menor sensibilidade para a
há uma pronunciada infiltração pulmonar de histiócitos identificação de pacientes que apresentam baixa microfila-
nos espaços alveolares e interstícios, acompanhada de remia. A gota espessa é útil para o diagnóstico da infecção
broncopneumonia e abscessos eosinofílicos com microfi- em pacientes com mais de 10 microfilárias/mL de sangue.
lárias. Posteriormente, na fase crônica, há o aparecimento Para aumentar a sensibilidade desta técnica recomenda-se
de fibrose intersticial crônica nos pulmões, que altera a preparar mais de uma lâmina de um mesmo paciente, obe-
função do órgão. decendo ao horário noturno para a colheita de sangue para

352 Capítulo 35
evitar resultados falso-negativos (observar na Figura 35.4 gue, na proporção de 1:10 com formol a 2%, submeter à
que, em sangue colhido às 15 horas, 71% dos exames são centrifugação e desprezar o sobrenadante. As microfilárias
falso-negativos). estarão no sedimento, que será analisado em microscópio,
Também se utilizam técnicas de concentração de após preparo de gotas espessas com o material, fixação
microfilárias, como a filtração de sangue em membrana com metanol e coloração com Giemsa. Esta metodologia
de policarbonato com 3 ou 5 micrometros de porosidade. tem menor sensibilidade que a filtração em membrana de
Apesar de pouco utilizada na rotina, é uma alternativa para policarbonato, pois as microfilárias ficam misturadas a um
o diagnóstico de indivíduos com baixa microfilaremia. É sedimento viscoso que dificulta a análise.
uma metodologia bastante sensível e normalmente utilizada Microfilárias podem estar ausentes no sangue, mas
para os diagnósticos de casos individuais ou controle pós- presentes na urina (quilúria e hematúria) ou líquidos da
tratamento, permitindo o exame de amostras de até 10 mL hidrocele. Nestes casos, o material obtido deve ser anali-
de sangue, observando o horário noturno para a colheita. sado usando técnicas de concentração.
Outra técnica de concentração, alternativa na falta de
membrana de policarbonato, é o método de Knott, que Pesquisa de Antígenos Solúveis
consiste na diluição de 1 mL ou um volume maior de san-
Os testes sorológicos para pesquisa de anticorpos não
são utilizados para o diagnóstico da filariose linfática, pela
sua baixa especificidade e possibilidade de ocorrência
de reações cruzadas com antígenos de outros helmintos,
comuns em áreas endêmicas da parasitose. Outra limitação
da pesquisa de anticorpos é a dificuldade em se distinguir
indivíduos parasitados daqueles já curados, ou daqueles não
infectados, mas constantemente expostos a antígenos do
parasito na área endêmica. Devido a sua baixa sensibilidade
e especificidade, a detecção de anticorpos não é utilizada,
sendo substituída pela pesquisa de antígenos solúveis de
W. bancrofti.
A pesquisa de antígenos solúveis é feita pelo ensaio
imunoenzimático (ELISA) com soro (resultado semiquan-
titativo), ou por imunocromatografia rápida em cartão
(ICT) com resultado qualitativo (positivo/negativo) usando
sangue total ou soro do paciente. Ambas as técnicas já
foram padronizadas e estão disponíveis comercialmente.
Uma vantagem da detecção de antígenos é que, como
seus níveis permanecem constantes na circulação inde-
pendente do horário, o sangue para o diagnóstico pode ser
Figura 35.7. Gota espessa de sangue: (A) preparada e seca
(antes de des-hemoglobinizar. (B) corada com Giemsa após
colhido durante o dia. Além disso, um teste positivo indica
des-hemoglobinização e fixação com metanol, pronta para infecção ativa, pois são revelados antígenos de vermes
exame ao microscópio de luz. (Original Profa. Eliana M. Mau­­ adultos mesmo na ausência de microfilárias (indivíduos
ricio da Rocha.) amicrofilarêmicos).

Figura 35.8. (A) Microfilária de Wuchereria bancrofti em gota espessa de sangue, mostrando sua bainha característica (aumento
de 10×40). (Foto gentilmente cedida por Saunders Co., A manual of Tropical Medicine.) (B) Microfilária de W. bancrofti em gota
espessa de sangue, mostrando sua bainha característica (aumento de 10×100). (Original dos Profs. Gilberto Fontes e Eliana M.
Mauricio da Rocha.)

Capítulo 35 353
Exames complementares como a linfocintigrafia, ape-
sar de não permitir o diagnóstico etiológico da infecção
filarial, possibilita uma avaliação da circulação linfática
revelando alterações anatômicas e funcionais dos vasos
capazes de modificar a dinâmica do fluxo linfático, prin-
cipalmente em pacientes com linfedema. É recomendada
para a análise de vasos linfáticos dos membros do paciente.
A radiologia é um recurso para evidenciar lesões pul-
monares e que pode auxiliar no diagnóstico da eosinofilia
pulmonar tropical (EPT) na infecção filarial.

Diagnóstico da Infecção no Vetor


Figura 35.9. Imunocromatografia rápida em cartão (ICT card O diagnóstico da infecção dos insetos vetores é uma
test BINAX®). (A) Teste positivo (duas bandas definidas: teste ferramenta complementar importante em áreas onde pro-
e controle). (B) Teste negativo (uma banda definida: controle). gramas de eliminação da bancroftose estão sendo imple-
(Original dos Profs. Gilberto Fontes e Eliana M. Mauricio da mentados, pois permite, juntamente com a determinação
Rocha.) das taxas de prevalência da infecção humana, monitorar a
eficácia das estratégias de controle adotadas.
A pesquisa de larvas de W. bancrofti no vetor pode
A técnica de ELISA foi desenvolvida a partir da pro­­­ ser feita pelo método tradicional de dissecção individual
dução de um anticorpo monoclonal anti-Onchocerca dos insetos e pela identificação microscópica do parasito.
gibsoni, filarídeo de bovinos, denominado Og4C3, que se Esta técnica permite a identificação específica das larvas
mostrou específico para a captura de antígeno solúvel de encontradas, assim como a determinação e a quantificação
W. bancrofti no soro humano. Este teste não apresenta boa de cada um dos diferentes estádios larvários. A partir destes
sensibilidade para indivíduos com baixa microfilaremia ou dados é possível calcular o índice de infecção (porcentagem
amicrofilarêmicos (70 a 75%), mas apresenta alta especifi- de mosquitos infectados por qualquer estádio larvário) e de
cidade (98 a 100%). infectividade (porcentagem de mosquitos albergando larvas
Já a técnica de imunocromatografia, realizada em um infectantes – L3). No entanto, a dissecção é um método
cartão (Figura 35.9), utiliza o anticorpo monoclonal AD12, laborioso, e por vezes é difícil a distinção morfológica das
que reconhece antígenos de vermes adultos de W. bancrofti. larvas encontradas em áreas onde outras espécies de fila-
O exame é simples e pode ser feito tanto na clínica quanto rídeos, inclusive de animais, são prevalentes. A dissecção
no campo. O teste por imunocromatografia é especialmente pode ser substituída pela técnica de PCR, sensível a ponto
rápido, tem alta especificidade (98,6% a 100%), sendo sua de detectar DNA proveniente de uma única larva de W.
maior desvantagem o custo elevado. bancrofti em amostras de mosquitos. Tem-se a possibili-
dade do exame de lotes (pools) de mosquitos, em vez do
processamento individual, o que diminui o custo do exame.
Pesquisa de DNA do Parasito Assim, pode-se processar um número razoável de exempla-
A reação em cadeia da polimerase (PCR) é bastante res em um curto espaço de tempo.
sensível para amplificar sequências específicas do DNA da
W. bancrofti em diversos líquidos biológicos como sangue,
urina e até saliva de pacientes. É capaz de amplificar DNA
Epidemiologia
em amostras coletadas no período diurno, e diagnosticar A filariose linfática é, após a malária, a parasitose
especificamente infecções pela W. bancrofti em áreas onde transmitida por vetores mais importante no mundo, devido
coexistem outros filarídeos. A PCR também é utilizada em à incapacidade física e perdas econômicas que ocasiona.
estudos epidemiológicos para o diagnóstico da infecção nos A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de
mosquitos vetores. 112 milhões de pessoas estão infectadas pela W. bancrofti
em 73 países das regiões tropicais e subtropicais, sendo as
Pesquisa de Vermes Adultos principais áreas endêmicas localizadas na Ásia, n a África
e nas ilhas a oeste do Pacífico. As mais altas taxas de pre-
A ultrassonografia pode ser usada para detectar a pre­­ valência de infecção estão no sul e no sudeste asiático onde
sença e localizar vermes adultos vivos, principalmente nos são encontrados 65% dos casos e, somente na Índia vivem
vasos linfáticos escrotais de pacientes microfilarêmicos 45% dos parasitados. A OMS estima que a perda econômica
assintomáticos. É uma técnica não invasiva, útil para de­­ relacionada com a filariose linfática apenas na Índia é em
tectar infecção antes do aparecimento de manifestações torno de 1 bilhão de dólares/ano. Na África, onde se con-
clínicas e para verificar a eficácia da terapêutica pelo acom- centram 30% dos infectados distribuídos em 39 países, a
panhamento da perda de motilidade dos vermes. enfermidade se distribui pela região subsaariana até Angola e
Em pacientes com linfadenopatia, a biópsia pode Moçambique, além da costa de Madagascar. Nessas regiões,
detectar vermes adultos, mas esse procedimento raramente além do C. quinquefasciatus, várias espécies de Anopheles,
é utilizado como diagnóstico. especialmente do complexo gambiae, podem ser vetores.

354 Capítulo 35
Nas Américas, os focos com transmissão ativa estão no da Saúde. Em 1997, com a criação do “Plano Nacional para
Haiti, República Dominicana, Guiana e Brasil. No Haiti, a Eliminação da Filariose Linfática” foi desencadeado um
filariose linfática é encontrada em todo o país enquanto no amplo programa visando a eliminação dos focos ativos e
resto das Américas a distribuição da infecção é nitidamente reavaliação de antigas áreas endêmicas.
urbana e focal. Considera-se a transmissão interrompida Belém (PA), na região Norte, e Maceió (AL), na região
na Costa Rica, no Suriname e emTrinidad-Tobago, áreas Nordeste, cidades até recentemente consideradas como
endêmicas em passado recente. focos ativos no Brasil, estão há alguns anos apresentando
No Brasil, inquérito nacional realizado na década de consistentemente índices negativos de infecção humana
1950 permitiu a constatação da transmissão autóctone da e vetorial, e alcançaram recentemente a interrupção da
filariose linfática em 11 cidades: Manaus (AM) e Belém transmissão da parasitose, constatada a partir de análises
(PA) na região Norte; São Luís (MA), Recife (PE), Maceió criteriosas estabelecidas pela OMS. Antigos focos como
(AL), Salvador e Castro Alves (BA) na região Nordeste, Salvador (BA) e Castro Alves (BA) e Florianópolis, São
Florianópolis, São José da Ponta Grossa e Barra de Laguna José da Ponta Grossa e Barra de Laguna (SC) também mos-
(SC) e Porto Alegre (RS) na região Sul. Ações de controle traram a interrupção da transmissão. Isso mostra a eficácia
foram conduzidas pela Campanha Nacional contra a fila- das medidas de controle adotadas nessas cidades.
riose, nas décadas de 1950 e 1960, baseadas no tratamento Atualmente no Brasil, a filariose linfática está em vias
dos parasitados e no controle de vetores e, como resultado, de eliminação inclusive nas quatro cidades da região metro-
ocorreu a extinção de quase todos os focos. politana de Recife no litoral Nordestino (Recife, Olinda,
Na década de 1990 os focos ativos no Brasil concen- Jaboatão dos Guararapes e Paulista), até recentemente
travam-se oficialmente em Belém (PA), Recife e algumas consideradas como as últimas endêmicas para esta parasi-
cidades da sua região metropolitana (PE). Em Maceió (AL) tose no país (Figura 35.10). Nestas últimas localidades há
foi demonstrado também na década de 1990, que existia alguns anos, os índices de microfilarêmicos atingiam até
transmissão ativa, ao contrário do que supunha o Ministério 15% em algumas comunidades com baixo nível socioeco-

Amapá
Roraima
Macapá

São Luiz
Belém
Manaus
Amazonas Pará Maranhão
Ceará
Rio G. Norte
Paraíba
Piauí Recife, Olinda,
Acre Pernambuco Jaboatáo e Paulista
Alagoas
Rondônia Maceió
SE
Goiás Bahia
Mato Grosso
Salvador
Castro Alves
Brasília
DF

Minas Gerais
Mato Grosso ES
Focos extintos de W. bancrofti do Sul
São Paulo
Focos de W. bancrofti em vias de eliminação RJ
Focos de Onchocerca volvulus Paraná
Localidades positivas para M. ozzardi
S. Catarina Florianópolis
P. Grossa
Rio Grande Barra da Laguna
do Sul
Porto Alegre

Figura 35.10. Mapa da distribuição geográfica atualizada das filarioses humanas no Brasil (2015).

Capítulo 35 355
nômico. No entanto, devido a esforços feitos nessa última em 6 meses ou anualmente a toda a população. Em áreas
década nestas áreas, baseado principalmente na busca ativa de baixa endemicidade, a busca ativa de parasitados e o
e no tratamento seletivo dos parasitados ou no tratamento tratamento seletivo é o mais indicado. Uma alternativa
em massa da população, a prevalência de microfilarêmicos para o controle da filariose linfática em áreas de alta trans-
caiu significativamente. A perspectiva é que o Brasil aten- missibilidade, apesar de muito pouco utilizado, é o uso de
derá a proposta da OPAS/OMS de eliminação global dessa dietilcarbamazina associada ao sal de cozinha, para uso
parasitose até o ano de 2020. diário no tempero dos alimentos. O uso desta associação em
Em geral a frequência de parasitados é significativa- comunidades endêmicas na Guiana, e em países da Ásia e
mente maior em jovens do gênero masculino, sendo o pico da África levou a uma redução na microfilaremia, sem que
de microfilarêmicos na faixa dos 18 aos 25 anos. a população apresentasse reações adversas aparentes. Mas
A detecção de crianças parasitadas é um forte indício essa metodologia deve ser mais bem avaliada e padronizada.
de transmissão ativa em uma área e a ocorrência de morbi- O controle do inseto é difícil, mas a associação de
dade filarial em adultos acima de 30 anos pode estar rela- métodos de eliminação de criadouros e o combate às larvas
cionada com a transmissão em períodos anteriores. e aos insetos adultos podem contribuir para a interrupção
Nas diferentes áreas endêmicas, a grande maioria dos da transmissão da filariose linfática.
parasitados não tem sintomatologia aparente, porém estas Obras de saneamento ambiental são fundamentais, mas
funcionam como fonte de infecção (microfilarêmicos assin- também há necessidade de colaboração da população, pois
tomáticos) e, do ponto de vista epidemiológico, necessitam apesar de os insetos possuírem um raio de voo superior a 2
de atenção para evitar a dispersão da parasitose. quilômetros, a maioria dos criadouros é de águas poluídas
Os principais fatores que interferem na epidemiologia peridomiciliares.
da W. bancrofti são: Contra insetos adultos e larvas podem-se usar inseti-
●● presença do mosquito doméstico Culex quinquefas- cidas e larvicidas químicos, como organofosforados, car-
ciatus, conhecido como pernilongo, muriçoca ou bamatos e piretroides. No entanto, o controle químico vem
carapanã: somente as fêmeas são hematófagas obri- sendo abandonado, não só pelo alto custo operacional em
gatórias (no Brasil foi mostrado que o Aedes aegypti razão da necessidade de aplicações frequentes, mas também
não é transmissor da W. bancrofti); pela possibilidade de indução de resistência e dos efeitos
prejudiciais ao meio ambiente e ao ser humano. Uma alter-
●● o ser humano como única fonte de infecção (ausência
nativa são os métodos biológicos como, por exemplo, as
de animais reservatórios);
bactérias entomopatogênicas (Bacillus sphaericus ou B.
●● temperatura ambiente elevada (25oC a 30oC); thuringiensis). Essas bactérias, depois de ingeridas pelas
●● umidade relativa do ar alta (80 a 90% é importante larvas, liberam uma toxina que afeta o tubo digestivo das
para o desenvolvimento das larvas nos mosquitos e mesmas, causando infecção generalizada e morte. Outra
penetração das mesmas na pele lesada do hospedeiro vantagem é que são seletivas, atuando apenas contra larvas
humano); de Culex e Anopheles. Para proteção individual, devem-se
●● pluviosidade mínima de 1.300 mm3 por ano; usar repelentes, dormir sob mosquiteiros ou telar as janelas
●● altitude baixa (quase sempre no nível do mar); e portas das residências. Em algumas regiões, utilizam-se
mosquiteiros impregnados com inseticida para aumentar a
●● tempo de residência na área endêmica (> 10 anos proteção. No Capítulo 43 (Culicidae) são dados maiores
como fator de risco); detalhes sobre o transmissor e no Capítulo 53 sobre o
●● taxa de infectividade dos mosquitos vetores. controle. A aplicação de camadas de pérolas de poliesti-
reno (bolinhas de isopor) em pequenos criadouros muito
Como a transmissão da filariose linfática depende de poluídos e sem drenagem (fossas) é útil para o controle,
vários fatores, a infecção é pouco esperada em pessoas asfixiando as formas imaturas dos mosquitos (larvas) e
em trânsito ou residentes por pequenos períodos em áreas dificultando a oviposição dos alados.
endêmicas, mas por outro lado, a reinfecção pode ocorrer.
A educação em saúde e o saneamento ambiental cons-
tituem elementos importantes e permanentes para a redução
Profilaxia e Controle de criadouros e do número de mosquitos, como também
Não existe um medicamento profilático para quem se redução de várias parasitoses nas áreas urbanas. Drenagem
encontra em áreas endêmicas, mesmo que por pequeno de canais, recuperação de áreas degradadas, vedação de
período de tempo. Deve ser evitado o contato humano- fossas concorrem para diminuir os possíveis criadouros do
vetor. O controle baseia-se principalmente em três pontos mosquito vetor, reduzindo o risco de aquisição da doença.
básicos: tratamento de todas as pessoas parasitadas, com- O controle da morbidade visa melhorar a qualidade de
bate ao inseto vetor e melhoria sanitária. vida dos portadores de linfedema e de formas crônicas da
A primeira medida consegue-se com a ação do medica- bancroftose, minimizando o sofrimento e a incapacidade
mento dietilcarbamazina ou da associação deste com a iver- produzida pela doença.
mectina. Em algumas áreas endêmicas, nas quais a filariose É expectativa da OMS, a eliminação da filariose linfá-
persiste como um problema de saúde pública, o tratamento tica como problema de saúde pública no mundo até o ano
em massa conseguiu reduzir sensivelmente essa parasitose, de 2020, com base em Programas regionais e multisseto-
com a administração de uma dose do medicamento de 6 riais que vêm sendo desenvolvidos nos países endêmicos.

356 Capítulo 35
Nas Américas, a natureza focal da infecção e o compro- O uso da DEC diminui significativamente os quadros
misso dos países endêmicos com os programas em desen- agudos e reduz o desenvolvimento de lesões linfáticas
volvimento sugerem que essa meta possa ser atingida até o (quando em fase inicial), mas pacientes com intensa
ano previsto de eliminação pela proposta global. hidrocele ou elefantíase não apresentam melhora após o
tratamento.
Têm-se tentado novos fármacos e esquemas terapêu-
Tratamento ticos alternativos para o tratamento da parasitose, princi-
●● Específico – Quimioterápico palmente pelo uso combinado de DEC com ivermectina
ou albendazol. A ivermectina, um fármaco semissintético
O tratamento da filariose linfática é indicado para de largo espectro, tem sido utilizado em diferentes regiões
todos os indivíduos com infecção ativa, independente de endêmicas para a filariose linfática. Esse medicamento é
apresentarem ou não manifestações clínicas relacionadas muito eficaz na redução da microfilaremia em dose única
com a presença do parasito. Visa prevenir a morbidade, de 200 µm/kg, mas não atua sobre os vermes adultos, não
corrigir as alterações provenientes do parasitismo (linfan- eliminando completamente a infecção. Observa-se que
gite, linfedema, hidrocele) e interromper a transmissão para meses após o tratamento com ivermectina, a microfilaremia
novos hospedeiros. reaparece em um grande número de pacientes.
Contra o parasito, o medicamento utilizado é o citrato Outro medicamento que tem sido estudado, o albenda-
de dietilcarbamazina (DEC). A dose usual recomendada pela zol, não tem efeito microfilaricida em curto prazo quando
OMS para tratamento individual é 6 mg/kg de peso corpo- administrado em dose única. Independente do efeito sobre
ral/dia, via oral, durante 12 dias. Esse tratamento poderá ser a W. bancrofti, o uso do albendazol associado à DEC é
repetido várias vezes, se necessário, até o desaparecimento recomendado pelo seu largo espectro anti-helmíntico, uma
da parasitemia. No tratamento em massa, realizado em áreas vez que pacientes com filariose linfática frequentemente
com elevada endemicidade, esse medicamento é usado em apresentam coinfecção com parasitos intestinais, presentes
dose única de 6 mg/kg de 6 em 6 meses ou anualmente. A nas áreas onde predominam baixo nível socioeconômico e
DEC é rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal, carência em saneamento. A OMS recomenda o tratamento
atingindo pico sérico 1 a 2 horas após a administração oral, do hospedeiro com duas drogas simultaneamente (DEC +
mas seu mecanismo de ação ainda é desconhecido. ivermectina ou albendazol).
Durante o tratamento, principalmente nos primeiros 3 Para o tratamento em massa, preconizado para áreas
dias, o paciente pode apresentar reações adversas devidas à com elevada endemicidade (> 10% de microfilaremia),
desintegração dos parasitos, como febre, cefaleia, dores no utiliza-se a DEC em dose única (6 mg/kg peso) de 6 em
corpo e nas articulações, mal-estar, hematúria transitória, e 6 meses ou anualmente a toda a população, sem se fazer
reações locais, como linfangite, funiculite, orquite. Todas previamente exames para indicação dos parasitados.
essas manifestações tendem a desaparecer espontanea-
mente, não sendo necessária a interrupção do tratamento. O
fármaco induz um rápido e marcante desaparecimento das ●● Inespecífico – Controle da Morbidade
microfilárias da circulação sanguínea, e o efeito é obser-
Para o tratamento do linfedema recomenda-se a hi­­
vado já nas primeiras horas após o início do tratamento.
giene local com uso de água, sabão e, quando necessário,
A DEC também possui considerável ação sobre os ver- administração de antimicrobianos e antifúngicos tópicos ou
mes adultos. Evidências diretas foram obtidas de pacientes antimicrobianos sistêmicos, para combater infecções secun-
que, após o tratamento, apresentavam reações nodulares dárias bacterianas e/ou fúngicas que agravam o quadro.
locais nos linfáticos, com processo granulomatoso, encon- A higiene do membro afetado, o uso de compressas frias,
tro de eosinófilos e fibrose progressiva em volta dos vermes fisioterapia ativa, drenagem postural e repouso, diminuem
adultos mortos. Evidência indireta da ação sobre o verme o edema linfático, mesmo aqueles avançados, reduzindo
adulto é o desaparecimento das microfilárias após o tra- as chances de evolução para elefantíase. Deve-se regular-
tamento. No entanto, às vezes, nem todos os vermes são mente exercitar o membro afetado pelo linfedema, para
mortos, mesmo depois de repetidos tratamentos. promover o fluxo da linfa, e melhorar o retorno linfático e
A DEC também é o medicamento de escolha para venoso. O uso de meias elásticas, por compressão externa,
os casos de eosinofilia pulmonar tropical (EPT), na qual auxilia na redução do edema. O tratamento de hidrocele e
acentuada melhora clínica ocorre poucos dias após o início quilocele deve ser feito cirurgicamente. Nos casos avan-
do tratamento e a função pulmonar retorna ao normal se çados de elefantíase de membros, escroto ou mama, a
os danos no órgão não foram extensos. No caso da EPT, o correção cirúrgica é indicada, mas o resultado normalmente
tratamento deve ser prolongado por até 30 dias. é insatisfatório.

Capítulo 35 357
View publication stats

You might also like