Professional Documents
Culture Documents
Cap 1. Corusse
Cap 1. Corusse
INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2021
22
1
ANATOMOFISIOLOGIA E
ACÚSTICA DA VOZ CANTADA
acústica envolvidas. Ressalte-se que o conhecimento dessas áreas não implica na necessidade
do emprego da linguagem científica nas aulas de canto, tampouco que se faça escolhas didáticas
voltadas para a exposição desses conteúdos ou para a adoção de um ou outro modelo de ensino.
Eles são uma base teórica que auxilia o profissional no entendimento dos processos de produção
e manipulação da voz cantada, favorecendo que haja uma maior clareza na escuta dos ajustes e
na proposta de estratégias e exercícios voltados para o estabelecimento das sonoridades
pretendidas (MILLER, R., 2017a).
Um ponto limitante é que, especificamente no Brasil, parte significativa da
literatura ainda não se encontra traduzida para o português. Isso dificulta o acesso de muitos
estudiosos, cantores e professores de canto aos conhecimentos, discussões e pesquisas recentes
relacionadas com os temas de suas atuações profissionais. Ainda assim, não deixa de ser
animador ver a crescente produção acadêmica, especialmente aquela realizada por pedagogos
vocais.
Nesse sentido, visto que a presente pesquisa realiza uma investigação junto de
diferentes professores e instituições, faz-se necessário apresentar as referências e termos pelos
quais serão compreendidos e nomeados os diferentes fenômenos da produção vocal e que
possibilitarão operacionalizar as variadas terminologias e procedimentos de cada docente em
uma linguagem comum. Desse modo, este capítulo busca apresentar os conceitos gerais a
respeito da fisiologia e acústica da voz cantada, bem como exemplificá-los nas vozes de
intérpretes da música popular brasileira. Não se pretende aqui realizar uma discussão
aprofundada sobre cada um dos temas, mas sim desenvolver uma exposição sintética e ordenada
dos teores e demarcar os conceitos e referenciais teóricos com os quais serão realizadas as
posteriores análises deste estudo.
Na década de 1960, Gunnar Fant propôs a teoria acústica da produção da fala. Esse
importante trabalho foi baseado na teoria fonte-filtro e sustentava o entendimento de que a
produção da fala é efeito da ação de filtragem de um trato vocal sobre uma fonte sonora. Essa
contribuição permitiu desenvolver inúmeros estudos, os quais observavam cada nível da
produção vocal em sua individualidade e partindo de uma perspectiva linear. Johan Sundberg,
por sua vez, foi o responsável por trazer esses princípios para a voz cantada.
24
No decorrer dos anos, muitos foram os estudos relacionados com à voz. Embora
ainda haja muito a ser explorado e em muitos assuntos ainda não se encontre consenso entre os
pesquisadores, alguns passos importantes têm sido dados. O cientista alemão Ingo Titze, por
exemplo, propôs uma nova interpretação para as relações fonte-filtro, aprofundando a
perspectiva anterior com uma visão não-linear. Segundo o autor (2008), é possível observar a
influência mútua dos níveis da produção vocal uns sobre os outros.
Trabalhos como os de Doscher (1994), Donald Miller (2008) e Bozeman (2014)
focaram sobre aspectos da ressonância e apontaram para confirmações dos pressupostos
levantados por Titze. O que se destacou nessas obras, é que a partir de diferentes sintonias
estabelecidas entre harmônicos e formantes são gerados impactos tanto sobre o nível laríngeo,
quanto supralaríngeo.
Sundberg (2015, p. 25) aponta que a compreensão do processo de produção da voz
perpassa o entendimento das estruturas e do funcionamento do sistema fonador. Esse sistema é
composto por três partes: o pulmão e os músculos respiratórios; a laringe; e os articuladores e
as cavidades do trato vocal.
No sistema respiratório estão envolvidos o pulmão e os músculos que influem sobre
a configuração do volume da caixa torácica durante os processos de inspiração e expiração: os
músculos intercostais, o diafragma e os músculos abdominais. Sobre as pregas vocais atuam,
de modo direto, os músculos intrínsecos da laringe e, indiretamente, os músculos extrínsecos.
O trato vocal, por fim, é constituído pelo espaço desde as pregas vocais até os lábios, quando
são produzidos sons orais, ou até as narinas, quando são produzidos sons nasais, sendo
conformado a partir da disposição dos articuladores.
1
Nome dado à abertura superior da laringe.
27
Sundberg (2015) aponta que as pregas vocais são constituídas por músculos
revestidos por mucosa. Elas possuem a forma de dobras ou pregas e chegam ao comprimento
de até 20mm em um homem adulto, sendo menor em mulheres e crianças.
29
Duas porções podem ser observadas nas pregas vocais. A porção fonatória,
referente à parte membranosa, compreende desde a comissura anterior até o ápice do processo
vocal. A porção respiratória, referente à parte cartilagínea, por sua vez, compreende desde o
processo vocal à parede posterior da glote. A proporção glótica de tais porções apresenta
diferenças entre homens e mulheres, influindo sobre os padrões de coaptação glótica.
Um último aspecto a ser levado em conta em relação às pregas vocais é o ciclo
glótico. Ele é formado por quatro etapas, relacionadas com o movimento das pregas vocais
30
durante a produção vocal: fase de fechamento, fase fechada, fase de abertura e fase aberta,
conforme figura 6.
As fases do ciclo glótico não possuem durações iguais. A respeito disso, as
pesquisas, dependendo do referencial adotado, apontam o conceito do quociente de fechamento
ou de abertura. Eles se relacionam com a observação da duração de uma das fases, aberta ou
fechada, em relação à totalidade do ciclo.
Como resultado, há variação nas qualidades vocais resultantes a partir de diferentes
disposições do ciclo. Fonações com um menor quociente de fechamento oferecem menor
resistência à passagem do ar e, por consequência, um maior fluxo do que aquelas nas quais há
maior tempo na fase fechada.
A duração do ciclo está relacionada com a frequência produzida. Desse modo, na
produção de uma nota Lá 440Hz, há 440 ciclos/segundo ocorrendo. Observe-se que o
estabelecimento de uma frequência definida somente é possível quando há periodicidade na
vibração das pregas vocais.
2
O termo negativo é empregado em relação a uma pressão interna dos pulmões menor do que a da atmosfera.
32
Nesse sentido, Hixon, Weismer e Jeannette (2020, p. 16) apontam que haveria uma
diferença da ação entre as porções interóssea e intercondral dos intercostais internos. Enquanto
os primeiros atuariam puxando as costelas para baixo e para dentro, agindo sobre a expiração,
os segundos promoveriam uma ação de elevação, atuando na inspiração.
Os músculos esternocleidomastóideos e escalenos localizam-se na região do
pescoço e se relacionam com a inspiração. Sua contração promove o aumento da caixa torácica
através da elevação das primeiras costelas. Malde, Allen e Zeller (2013, p. 71) apontam que
esse movimento não seria desejável em vista da possível criação de tensão sobre o pescoço dos
cantores.
Malde, Allen e Zeller (2013, p. 77), apontam que os músculos abdominais atuam
de modo passivo na inspiração, permitindo-se serem alongados em vista da ação do diafragma
e dos músculos que elevam as costelas. Os autores ainda destacam que a extensão da liberdade
dada por eles determinaria a excursão do diafragma e costelas. Já na expiração ativa, eles atuam
contribuindo com o aumento da pressão sobre os pulmões.
Segundo Sundberg (2015, p. 54), os diferentes grupos musculares podem ou não
ser ativados durante o processo de respiração. Desse modo, podem ser estabelecidas variadas
manobras respiratórias para atingir as demandas propostas no canto ou fala.
Comumente, essas manobras respiratórias são categorizadas de acordo com a região
de expansão da caixa torácica e abdômen e recebem, de acordo com cada autor ou pedagogo
vocal, diferentes nomes na literatura. Entre eles: respiração clavicular ou alta, respiração baixa
ou inferior, respiração abdominal, respiração costodiafragmático-abdominal, entre outros.
Em relação à produção vocal, Sundberg (2015, p. 49) aponta que, em princípio, o
que o sistema fonador requer do sistema respiratório é que lhe seja fornecida uma pressão aérea
positiva para iniciar a fonação. Isso leva a uma compreensão de que a musculatura do aparelho
respiratório não atuaria sobre as pregas vocais. Entretanto, um ponto importante a ser levado
em conta é que também a resistência oferecida pelas pregas vocais à passagem de ar, chamada
resistência glótica influi sobre a pressão subglótica por meio de uma maior ou menor
impedância.
Desse modo, como aponta Sundberg (2015, p. 63), três conceitos se fazem
relevantes: resistência glótica, pressão subglótica e fluxo. A resistência glótica está relacionada
com as forças de adução na laringe com as quais se oferece uma maior oposição à passagem do
ar. A pressão subglótica é resultante do volume pulmonar, da velocidade do fluxo de ar e da
resistência glótica. O fluxo, por último, diz respeito ao ar que atravessa a glote.
34
3
[...] support is related to both respiratory and phonatory factors. Unlike in speech, subglottal pressure needs to be
constantly changed in singing as it needs to be adjusted, taking not only loudness but also pitch into account, as
mentioned. If the singer fails to produce the target pressure for a tone, unintended changes of phonation and hence
voice quality are likely to happen. It seems possible that support is associated with how successful the singer is
producing the correct subglottal pressure for the tone produced. (SUNDBERG, 2019, p. 121)
35
4
The effect of a change in one joint can have consequences anywhere along the kinetic chain. These changes can
manifest in gait, joint load, neural function, endurance, strength, balance, muscle coordination, respiratory
function, and ultimately the voice. LUMINI-OLIVEIRA; MENESES, 2017, p. 1)
36
Uma vez que o corpo é uma estrutura segmentada mantida em pé por ossos
articulados, músculos esqueléticos e ligamentos, qualquer força perturbadora
(isto é, gravidade ou encurtamento muscular) que faça com que um segmento
mude de posição resultará em outros segmentos se movendo fora do
alinhamento para compensar.
1.5 FONAÇÃO
som, chamado som da fonte glótica. Esse primeiro som não corresponde à totalidade da voz e,
segundo Behlau e Madazio (2015, p. 3), soa semelhante ao ruído de um barbeador elétrico.
A figura 8 apresenta resumidamente alguns aspectos da produção da voz cantada
relacionados com o nível da fonação. Eles partem dos apontamentos de Sundberg (2020), com
o acréscimo dos registros vocais. Como já foi observado anteriormente, alguns tópicos são
integrados com elementos da respiração.
Faz-se importante ressaltar que no som da fonte glótica já estão presentes todos os
harmônicos, pois é apenas nesse nível da produção vocal que eles são produzidos. No trato
vocal eles serão amplificados a partir da configuração estabelecida pelos articuladores. Todo
som emitido, com exceção daqueles sintetizados em computadores, é composto não só de uma
frequência, mas de várias, as quais compõem uma onda complexa.
A frequência mais grave produzida é chamada de frequência fundamental (F ) ou
primeiro harmônico (H1). As demais frequências produzidas são chamadas de parciais. Quando
são múltiplas da F , elas recebem o nome de harmônicos (H2, H3, H4...). Bozeman (2014, p.
3) aponta que o número e a amplitude dos harmônicos audíveis são determinados por quatro
fatores: modo de fonação, registro laríngeo, intensidade e frequência fundamental.
38
Como foi exposto nos tópicos anteriores, dois dos músculos intrínsecos da laringe
possuem uma atuação mais expressiva no controle da frequência de fonação. O primeiro deles
é o par de músculos tireoaritenoideos (TA). Eles compõem o próprio corpo da prega vocal e
sua ação promove o encurtamento (frequências mais graves) e o aumento da adução e da fase
fechada do ciclo glótico. O par de músculos cricotireoideos (CT), por sua vez, atua no
estiramento das pregas vocais (frequências mais agudas).
5
Seguindo os intervalos da série harmônica (1, 8, 5, 8, 3, 5, 7, 8....), se a frequência fundamental produzida por
um cantor, por exemplo, é de 100Hz, os harmônicos seriam produzidos na seguinte ordem: H1: 100Hz, H2: 200
Hz, H3: 300 Hz, H4: 500Hz, H5: 600Hz, e assim por diante. Considerando as notas, se a frequência fundamental
for, por exemplo um Dó3, os harmônicos seguintes seriam: H1: Dó3, H2: Dó4, H3: Sol4, H4: Dó5, H5: Mi5, H6:
Sol5, H7: Sib5, H8: Dó6 e assim por diante.
39
Baken (2017, p. 125) aponta que na ação predominante do TA há uma maior tensão
no corpo da prega vocal e uma maior liberdade de movimento na mucosa. Já quando há maior
ação do CT, ocorre o oposto, de modo que a mucosa se estica e se tensiona enquanto o músculo
que compõe o corpo das pregas vocais fica mais relaxado. A menor/maior rigidez da mucosa
contribui com o estabelecimento de ciclos maiores/menores e uma F mais grave/aguda. Assim,
temos disposto o primeiro aspecto apresentado na figura 8, o controle de frequência.
O segundo aspecto diz respeito ao controle de intensidade. Herbst et al. (2014)
salientam que a variação da intensidade é controlada por dois mecanismos: um corresponde ao
nível laríngeo, por meio da adução das pregas vocais e a resistência glótica, e o outro ao nível
respiratório, através da variação da pressão pulmonar. Em síntese, como afirma Sundberg
(2015, p. 71), a intensidade é determinada a partir da pressão subglótica, sendo que uma maior
dinâmica implica em uma maior pressão.
Os ajustes da musculatura laríngea geram diferentes tipos e qualidades de fonação.
Sundberg (1994, 2015) destaca que por meio da interação entre pressão subglótica e força de
adução são produzidos os denominados modos de fonação, que constituem o terceiro aspecto a
ser observado sobre o nível da fonte.
Sundberg (2015, p. 115) apresenta a seguinte classificação: fonação tensa, neutra,
fluida, soprosa e sussurrada. Da fonação sussurrada à tensa há progressivamente uma maior
pressão subglótica e uma maior força de adução das pregas vocais. Também a duração das fases
fechadas e abertas se relacionam com os modos de fonação.
Uma ressalva importante é que, segundo o autor (2015, p. 118), há uma infinidade
- (sussurrado,
soproso, fluido, neutro, tenso), portanto, embora facilite a compreensão e estudo do
comportamento vocal no nível glótico, não deve ser vista de modo estanque.
A fonação sussurrada é caracterizada pela ausência de fechamento glótico. Nela, o
ar passa livremente pelas pregas vocais. Ainda assim, é possível distinguir o texto que está
sendo pronunciado por conta da disposição do trato vocal.
Na fonação soprosa há contato entre as pregas vocais, mas ele não é completo.
Segundo Herbst et al. (2014, p. 391), nesse modo de fonação há uma fenda que alcança a porção
membranosa das pregas vocais, o que promove a sonoridade de uma voz aerada. Os autores
também destacam que por conta desta característica, o fluxo transglótico nunca chegaria a ser
zerado. Além disso, Bozeman (2014, p. 5) ressalta que nela a F apresenta-se de moderada a
forte, mas os harmônicos são mais fracos. Do ponto de vista muscular, Herbst, Schutte e Svec
(2011, 2259-60) indicam que nessa fonação haveria pouca adução cartilaginosa e medialização
40
115). No entanto seu consumo de ar é bem menor do que em uma fonação fluida, a qual se faz
mais eficiente pelo aspecto de que há a produção de níveis sonoros mais altos com menor
pressão subglótica e força de adução.
Segundo Sundberg (2015, p. 114), quanto mais tensa for a fonação, com
consequente predominância da fase fechada, menor será a energia acústica na F e maior em
seus parciais agudos. Também haverá progressivamente uma tendência ao fechamento glótico,
nas porções membranosa e cartilagínea, como pode ser visto na figura 10.
6
De acordo com Titze (2006), esses exercícios promovem uma pressão retroflexa que ajuda a regular o movimento
da onda mucosa, gerando um menor esforço na produção vocal e uma maior interação fonte filtro. São classificados
como ETVSO: sons vibrantes, fricativas sonoras, sons nasais, exercícios com tubos e canudos e mesmo as vogais
fechadas [i] e [u].
41
Fonte: adaptado de Herbst et al. (2014, p. 396). Observe-se fonação soprosa na qual a fenda glótica avança
até a porção membranosa das pregas vocais. Na fonação fluida a porção membranosa está toda aduzida,
havendo fenda apenas na porção cartilagínea. Na fonação neutra as pregas vocais estão completamente
aduzidas. Na fonação tensa, por fim, há maior compressão na adução, inclusive podendo ser observada a
adução das pregas vestibulares e a posteriorização da epiglote.
A importância do registro está, entre outras coisas, associada ao enfoque dado sobre
esse aspecto nas diferentes abordagens da pedagogia vocal e na própria classificação vocal dos
cantores, na qual as transições ou quebras entre registros constituem um dos parâmetros para a
aferição de uma voz.
Por conta de sua produção no nível da fonte glótica, os registros associam-se com
a musculatura laríngea. Segundo Sundberg, (2015, p. 90), a concomitância ou alternância de
predominância da atuação dos músculos TA e CT na emissão das diferentes frequências da
extensão vocal constituem um fator importante na interpretação desse fenômeno. Herbst et al.
(2014, p. 391) destacam que ao feixe interno do TA caberia uma ação significativa na definição
de um ou outro registro.
Um dos elementos recorrentes no ensino da técnica vocal consiste na conquista da
habilidade de transitar por toda a extensão vocal, consequentemente pelos registros, de forma
homogênea. Nesse sentido, quando não há um relaxamento progressivo do TA conforme se dá
o alongamento das pregas vocais através da ação do CT, ocorre o que se denomina como quebra,
ou seja, uma alternância abrupta de predominância muscular. Com o avanço dos estudos sobre
a teoria não-linear, como aponta Titze (2008), tem se entendido que também o filtro influi sobre
a disposição dos registros vocais.
7
HOLLIEN, H. On vocal registers. Journal of phonetics, 1974.
43
Uma importante pesquisa acerca dos registros foi desenvolvida por Roubeau,
Henrich e Castellengo (2009). Os autores realizaram um estudo através de eletroglotografia
(EGG) e espectrografia, com sujeitos cantores e não-cantores, homens e mulheres. Os
participantes realizavam variadas vocalizações em notas sustentadas e glissando. No caso dos
cantores treinados, era solicitada a indicação de qual registro acreditavam estar produzindo.
Como resultado, observou-se que havia apenas quatro mecanismos no decorrer de
toda a extensão vocal. Eles eram indicados por um salto abruto na F do espectrograma e uma
redução na amplitude do eletroglotograma quando havia a transição de mecanismos
ascendentemente, conforme disposto na figura 11. Assim, foram categorizados e nomeados M0,
M1, M2 e M3.
Fonte: Roubeau, Henrich e Castellengo (2009, p. 426 e p. 429). Na figura superior é possível
observar o salto abruto de frequência na passagem entre os quatro mecanismos. Na figura
inferior, é possível observar uma vocalização em glissando que desce de M3-M2-M1 e depois
sobe M1-M2-M3. Ao centro dela são verificados os saltos de frequência e abaixo o aumento do
sinal do EGG quando descendente e sua diminuição quando descendente.
44
especialmente na negociação de transições para registros mais leves. (MILLER, D., 2008, p.41).
Serão abordadas informações sobre o tema no tópico da ressonância.
Fonte: próprio autor, elaborado com base em Roubeau, Henrich e Castellengo (2009).
Notas grafadas com base em C4 =dó central. Observação: os sujeitos participantes não
foram orientados a permanecer em um mesmo mecanismo. Deste modo, evidentemente
há a possibilidade de maior alcance, ascendente e descendentemente, em relação ao
disposto na figura, que serve apenas como uma exposição genérica da extensão dos
mecanismos.
8
O entendimento da voz mista geralmente perpassa a compreensão de que haveria um equilíbrio muscular ou
mescla dos padrões vibratórios das pregas vocais. A sobreposição indicada na pesquisa de Roubeau, Henrich e
Castellengo (2009) não se refere a essas concepções, mas sim para fato de que algumas notas podem ser produzidas
tanto na dinâmica muscular de um mecanismo, como na de outro. À região de notas nas quais isso é possível é
dado o nome de zona de sobreposição.
45
muito finas e esticadas, com uma pequena parte vibratória, sendo observado, inclusive, a
ausência de contato entre as pregas vocais.
M0 relaciona-se com a região mais grave da extensão vocal. Ao contrário dos
demais mecanismos, parece não haver zona de sobreposição, exceto em vozes masculinas muito
graves. A forma de um ciclo não necessariamente se reproduz no próximo. Pode haver ciclos
periódicos em frequência muito baixa, múltiplos (duplos ou triplos) ou aperiódicos, o que
implicaria na não percepção de uma frequência específica.
Um último ponto a levar em conta, conforme apontado por Sundberg (2015) é que
o declínio espectral também está associado aos aspectos de registração e tipo de fonação.
Padrões com menor intensidade ou em M2, por exemplo, tenderam a apresentar maiores valores
de declínio.
Alguns exemplos do emprego dos mecanismos laríngeos pelos cantores populares
podem ser observados a seguir: Elis Regina canta em M0 em inícios e finais de frases de
"Madalena", de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, como em /logo o sol se desespera/.
Cantores como Maria Bethânia e Francisco Alves tendem a ter um canto mais associado à M1.
47
1.6 RESSONÂNCIA
outros. Também a teoria desenvolvida por Lilli Lehmann ganhou projeção, criando termos
da cabeça para o qual o cantor deveria direcionar o ar. (LEHMANN, 1984, p.49)
Com o advento das pesquisas sobre a voz cantada, essas abordagens, do ponto de
vista fisiológico e acústico, foram refutadas. Igualmente refutou-se a noção da influência dos
seios paranasais e outras cavidades que não a oral e nasal sobre o processo de ressonância
(VENNARD, 1967).
É preciso ressaltar que as imagens e a propriocepção ocupam um lugar
importantíssimo na pedagogia vocal. Não há nenhum mal em sua utilização, mas é preciso
clareza na distinção entre seu uso como recurso didático e a interpretação do fenômeno físico-
acústico da ressonância.
Outro aspecto relevante a ser levado em conta é a teoria não-linear. Conforme
aponta Titze (2008), enquanto no modelo linear há um entendimento de independência de cada
um dos níveis da produção vocal (respiração, fonação, articulação), na teoria não-linear parte-
se do princípio de que há uma interdependência e influência entre eles. Desse modo, as
diferentes configurações do trato vocal, por exemplo, seriam capazes de promover, por meio da
impedância estabelecida, alterações no modo de vibração das pregas vocais.
Essa teoria, ainda segundo o autor, é base para a compreensão de alguns aspectos
do treinamento vocal. Os ETVSO, por exemplo, promovem o estabelecimento de um padrão de
fonação econômico e eficiente por conta da interação entre a pressão subglótica e a pressão
retroflexa gerada pela semioclusão no trato vocal (TITZE, 2006). Também algumas das
estratégias para se lidar com as passagens de registro se relacionam com manobras
articulatórias, as quais promovem uma estabilidade fonatória que permite evitar quebras ou
adiar a transição (TITZE, 2012).
A compreensão do processo de ressonância perpassa o entendimento do trato vocal
e sua influência sobre o som produzido no nível da fonte. Ele corresponde ao espaço das vias
aéreas superiores que tem como limite inferior as pregas vocais e como limite superior os lábios,
nos sons orais, e o nariz, nos sons nasais. Sua divisão se dá entre as cavidades nasal, oral e
faríngea.
Sundberg (2015, p. 46) aponta que a conformação do trato vocal é estabelecida por
meio dos articuladores: lábios, mandíbula, língua, palato mole, faringe e laringe, conforme
figura 15.
49
perder energia ou não serem igualmente amplificados. Ao processo de reforço da amplitude das
frequências dá-se o nome de ressonância; e às frequências naturais de ressonância que ocorrem
no trato vocal dá-se o nome de formantes.
Segundo Sundberg (2015, p. 44), os formantes podem ser entendidos como picos
de energia acústica no espectro sonoro. As suas frequências dependem do comprimento e
formato do trato vocal. O comprimento é determinado pela distância entre a glote e a abertura
labial. O formato é definido pela variação de sua área transversal. O papel dos articuladores se
faz decisivo, conforme aponta Behrman (2017, p. 221), pelo fato de que é através deles que é
moldado o espaço do trato vocal nos dois parâmetros apresentados, definindo as posturas por
meio de graus selecionados de constrição em vários pontos de sua extensão.
Desse modo, os articuladores conformam o trato vocal que, por sua vez, molda o
som gerado no nível da fonte. Ou seja, uma vez que o trato vocal tem sua forma moldável, é
possível sintonizar as suas frequências de ressonância (BOZEMAN, 2014, p. 11). Por isso,
diferentes manobras articulatórias geram diferentes qualidades vocais ainda que sobre uma
mesma nota emitida. Em outras palavras, ressonância (plano acústico) e articulação (plano
fisiológico) não podem ser interpretadas independentes uma da outra. Observe-se que há
também o emprego do termo articulação para tratar do tipo de tratamento dado às frases
musicais, como legato ou staccato. Aqui, ele refere-se ao processo fisiológico da articulação
dos fonemas e pelo qual se manipula a ressonância.
De acordo com Camargo (2002, p. 18), os formantes correspondem a faixas de
frequência. É comum que a sua frequência seja determinada tendo como referência o centro do
pico. A figura 16 apresenta como eles costumam ser representados.
Frequência (Hz)
Fonte: adaptado de Hixon, Weismer e Hoit (2020, p. 306). Na figura estão dispostos
quatro formantes, dos quais apenas três estão indicados. Observe-se que alguns dos
formantes possuem um pico menos íngreme. Com isso, a chamada faixa de banda do
formante é maior, envolvendo mais frequências.
51
Fonte: adaptado de Sundberg (2017, p. 170). À esquerda, de baixo para cima, estão
representados: (1) o ciclo glótico, (2) os harmônicos produzidos no nível da fonte e seu
declínio espectral desconsiderando o filtro, (3) os formantes, definidos a partir da
configuração do trato vocal e (4) o som resultante final, no qual os harmônicos
próximos das frequências dos formantes são amplificados.
Como destaca Sundberg (2015, p. 43), há cinco formantes de maior interesse para
a produção da voz cantada. Eles são nomeados: F1 (primeiro formante), F2 (segundo formante),
F3 (terceiro formante) e assim por diante. Quanto maior o número, mais agudas são as
frequências com as quais se relaciona o formante.
52
Ainda segundo o autor (2015, p. 47), embora as frequências dos formantes sejam
estabelecidas a partir da disposição do trato vocal como um todo, o primeiro formante é
particularmente sensível à abertura da mandíbula, F2 à forma do corpo da língua e F3 ao espaço
entre a ponta da língua e os incisivos inferiores. F4 e F5 são mais determinados pelo
comprimento geral do trato vocal. Bozeman (2014, p. 13) afirma que F1 está relacionado com
a sensação de profundidade do timbre. F2, por sua vez, relaciona-se com uma maior definição
das vogais.
Uma forma didática de se pensar na frequência dos dois primeiros formantes é
através da observação do tamanho do espaço faríngeo e da cavidade oral. O primeiro influencia
mais a F1, enquanto o segundo a F2. Um aumento no espaço gera uma frequência mais grave
no formante e vice-versa. Observe-se que há limitações na aplicação desta estratégia, cabendo
seu uso apenas como um simplificador do pensamento sobre o tema.
A figura 18 apresenta de modo sintético as manobras articulatórias relacionadas
com a frequência dos formantes.
Fonte: elaborado pelo próprio autor com base em Sundberg (2015, p. 47),
Bozeman (2014, p. 11-12) e Donald Miller (2008, p. 31)
Conforme Sundberg (2015, p. 47), os dois primeiros formantes (F1 e F2) são os
mais proeminentes na determinação das vogais e, como mencionado, modificam-se
53
F1
F2
F3
F1
F2 F3
F1
F2
F3
Bozeman (2014, p. 20) salienta que nas situações em que há dois ou mais
harmônicos abaixo de F1, ou seja, ao cantar notas mais graves, há pouca necessidade da
realização de ajustes de sintonia. Já nas frequências mais aguda há um maior espaçamento dos
harmônicos, tendo menos deles dentro da faixa dos dois primeiros formantes. Isso irá requerer
uma maior atenção aos ajustes de sintonia.
A sintonia F1/H1, segundo Bozeman (2014, p. 24), é característica de uma
visto que nesse mecanismo há uma maior amplitude na F do que nos parciais (HERBST et al,
2014, p. 399). Seu emprego é bastante comum nas mulheres de vozes mais agudas no canto
lírico. Se um cantor quiser permanecer nesse ajuste, ele precisará, conforme canta notas mais
altas, elevar também a frequência de F1, o que mais recorrentemente ocorre através da abertura
da mandíbula.
A sintonia F1/H2, por sua vez, promove uma sonoridade de vogais mais abertas e
a sensação de maior potência. Segundo Bozeman (2014, p. 21), ela tenderá a levar a voz para
um padrão mais aduzido de fonação e para M1, no qual caracteristicamente há maior energia
nos parciais do que na F . Também a permanência nesse ajuste necessitará que, conforme se
cante notas mais agudas, haja uma agudização de F1, de modo a acompanhar H2, o que pode
ocorrer pela adoção de vogais abertas, pela constrição faríngea ou pela elevação da laringe.
Nas situações de passagem, Bozeman (2014) aponta que há várias possibilidades
de ajustes. A modificação para vogais mais fechadas irá gerar a sintonia F1/H1, favorecendo a
transição de mecanismo. A modificação para vogais mais abertas tende a promover a sintonia
F1/H2, que favorece a permanência em M1, mas com fonação mais pesada. Por fim, uma
terceira opção seria progressivamente modificar a vogal em vista do equilíbrio da fonação.
Nesse último caso, H2 cruza F1 e há também sintonias relacionadas com F2, podendo ser F2/H3
ou F2/H4.
Essa última opção parece estar associada a uma das possíveis interpretações da voz
mista. Nesse sentido, Titze (2018) afirma que ela poderia ser o resultado da interação fonte-
filtro. Mudanças de vogais ou uma coordenação refinada da dinâmica muscular laríngea
poderiam modificar a sonoridade produzida, como que encobrindo o canto em direção a um ou
outro mecanismo. Uma vez que há de se considerar o aspecto não-linear da produção vocal, é
possível haver percepções de troca de registro a partir das diferentes relações entre harmônicos
e formantes. Ainda assim, como discorre Herbst (2021), o assunto não possui apontamentos
definitivos.
57
9
As vozes masculinas que empregam o formante do cantor estão justamente na região de frequências coberta pela
orquestra. A manobra é usada para ganhar um reforço nos harmônicos agudos, que permite que suas vozes sejam
ouvidas. As mulheres, principalmente as de vozes agudas, por sua vez, já vocalizam em frequência mais altas, de
modo que a utilização dessa manobra tenderia a gerar um timbre muito estridente.
58
posicionamento laríngeo mais baixo. Isso, embora estabeleça certa distorção nas vogais, gera
uma maior sensação de estabilidade pela tessitura justamente pela constância da forma articular.
devem ser pensados de acordo com o objetivo a ser alcançado e com as possibilidades de cada