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Organizado por Pietro Costa e Danilo Zolo Coma colaboragao de Emilio Santoro ARLO ALBERTO DAS POLI Prefacio @ edigao brasileira, por Danilo Zolo Prefacio a edicao italiana, por Pietro Costa e Danilo Zolo Agradecimentos atih if INTRODUGOES + Teoria e critica do Estado de Direito, por Danilo Zolo.... O Estado de Direito: uma intro hist6rica, por Pietro Costa ... oferves esther ee gee 23 AEXPERIENCIA EUROPEIA E NORTE-AMERICANA Rule of law e “liberdade dos ingleses”. A interpreta- ao de Albert Venn Dicey, por Emilio Santoro e Soberania popular, governo da lei e governo dos jui- zes nos Estados Unidos da América, por Brunella Ca- salini. Estado de Direito e direitos subjetivos na historia cor titucional alema, por Gustavo Gozzi. de droit e soberania nacional na Frang 1. O retorno do Estado de Direito Nos tiltimos decénios do século XX, encerrado o longo paréntese do pés-guerra, o “Estado de Direito” afirmou-se como uma das formulas mais felizes da filosofia politica e da filoso- fia juridica ocidentais'. O léxico tedrico dessas disciplinas regis- tra, na realidade, ao lado da expressdo européia-continental "Estado de Direito” (Rechtsstaat, Etat de droit, Stato di diritto, Estado de derecho), a expressao rule of law, tipica da cultura an- glo-sax6nica, mas, afinal, universalmente difundida. Embora no continente europeu tenha prevalecido um uso promiscuo: das duas express6es ~ “Estado de Direito”, rule of law —, nao é pacifica a sua coincidéncia conceitual. A propria divergéncia: terminoldgica e a bem conhecida dificuldade de tradu¢ao’ con- * Agradego particularmente a Luigi Ferrajoli a contribuicdo critica gene- rosamente oferecida para a producao deste ensaio. 7 1. Para confirmar a grande utilizacao desta nogao, também para além_ um ambito estritamente cientifico, a Carta dos Direitos Fundamentais da Uni Européia, aprovada em Nice, em dezembro de 2000, faz referéncia, ni ‘i se juridicas nitidamente di orige tura liberal alema da segunda metade d _ XIX e, em seguida, difundiu-se no continente, influen em particular o direito publico da Italia unitdria e da Terceira Republica francesa. A segunda ostenta profundissimas raizes na histéria politico-constitucional da Gra-Bretanha, desde a conquista normanda até a Era Moderna, e imprimiu uma mar- ca indelével nas estruturas constitucionais dos Estados Unidos: da América e de muitos paises que sofreram a influéncia das instituicdes britanicas. A equiparagao conceitual entre “Estado de Direito” e rule of law - trata-se de um ponto de vista tedrico que sera reco- mendado neste ensaio — exigird, portanto, uma acurada argu- mentacdo, tanto no plano histérico como no conceitual. De qualquer modo, pode-se observar que 0 atual retorno do Esta- do de Direito corresponde a circunstancias politicas e a orien- tag6es culturais que parecem justificar uma abordagem teérica que unifique, no interior da categoria geral de “Estado de Di- reito” - ou de rule of law -, a nocao continental e a anglo-sax6- nica. Apés o eclipse do “socialismo real” e a crise dos institu- tos representativos, a nogdo de Estado de Direito retorna ao Ocidente em estreita ligacao com a doutrina dos direitos sub- jetivos (ou Pies ). Basta lembrar autores como Roni ‘orkin, Ralf Dahrendorf, Jiirgen Habermas, Rechtsstaat com a férmula (igualmente discutivel) de State-under-law; of. N. MacCormick, Constitutionalism and Democracy, em R. Bellamy (organizado por), Theories and Concepts of Politics, Manchester University Press, Manches- ter-New York, 1993, pp. 125, 128-30; N. MacCormick, Der Rechtsstaat und die “rule of law’, “Juristenzeitung”, 39 (1984), pp. 56-70. Cf. M. Barberis, Presenta- zione em A. V. Dicey, Diritto e opinione pubblica nell‘Inghilterra dell Ottocento, Mulino, Bologna, 1997, p. XV. Como é sabido, Max Weber i tivel) formula de Herrschaft des Gesetzes (“dominio da lei”) para rule of la passo que Neil MacCormick traduz Rechtsstaat com a formula (ig cut de State-under-law; cf. N. MacCormick, Constitutionali R. Bellamy (organizado por), Theories and Conce ir 'y Press, -New York, 0s “direitos do homem’”, aqueles direitos tie de constituigdes nacionais e de convengées it cic definiu no decorrer dos séculos XIX e XX, em particular o ito a vida e a seguranga pessoal, a liberdade, 4 propriedade privada, 4 autonomia de negociacao, aos direitos politicos. Nesse contexto, que Bobbio chamou de “A Era dos Direi- tos”, posicionar-se a favor do Estado de Direito — ou, indife- do rule of law — significa qu tituigdes: oliticas e os aparelhos juridicos tenham rigorosamente por finalidade-a farontia doz direitos Sabjeuvos COMtTa 36 recor- Tentes interpectagues Tormvalistas do bstado de Direito, pode- se afirmar, alids, que os seus institutos sao hoje explicitamente pensados por tedricos europeu-continentais e anglo-saxGes a luz de uma filosofia politica “individualista”; uma filosofia que nao sé abandonou definitivamente o organicismo social, 0 uti- litarismo coletivista e o estatismo, mas que subordina a dimen- sao publica e o interesse geral ao primado absoluto dos valo- Tes e das expectativas individuais’. E a realizagao desses valores ee 3. Ver: R. Dworkin, Taking Rights Seriously, Duckworth, London, 1977, trad. it. parcial, il Mulino, Bologna, 1982 trad. bras. Levando os direitos a sério, Sao Paulo, Martins Fontes, 2002]; R. Dworkin, Law's Empire, Harvard Univer- sity Press, Cambridge (Mass.), 1986, trad. it. il Saggiatore, Milano, 1989 [trad. bras. O império do direito, Sao Paulo, Martins Fontes, 1999]; R. Dahrendorf, Quadrare il cerchio, Laterza, Roma-Bari, 1995; J. Habermas, Faktizitat und Gel- tung, Beitrage zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, Suhrkamp Verlag, Frankfurt a.M., 1992, trad. it. Guerini e Associati, Milano, 1996; N. Bobbio, Leta dei dirith, Einaudi, Torino, 1990; L. Fertajoli, Diritto ¢ ra- gione, Teoria del garantismo penale, Laterza, Roma-Bari, 1989; L. Ferrajoli, Diritti fondamentali, “Teoria politica” (1998), 2, pp. 3-33. A propésito das teses defen didas por Ferrajoli neste ultimo ensaio pode-se ver D. Zolo, Liberta, propricta ed eguaglianza nella teoria dei “diritti fondamentali”, “Teoria politica”, 15 (1999), 1, agora em L. Ferrajoli, Diritti fondamentali, Laterza, Roma-Bati, 2001. Ver, além disso, a contribuigao de Luigi Ferrajoli ao presente volume. ae 4. Ver N. Bobbio, L’etit dei diritti, cit. ___ 5. Entre os defensores da concepgao formalista do rule we Rule of Lavo and its Virtue, “The Law Quarterly Review” The Rule of Law, em J. Raz, The i ido Sides mos, diferenciaram as duas tradicdes, ou ignorar a dos percursos politico-constitucionais que se propagou n terior de cada uma delas. 2. Uma interpretag4o construtiva Olema tedrico “Estado de Direito” (rule of law) ja faz par- te, como uma f6rmula prestigiosa, da linguagem politica e cul- tural do Ocidente. A publicistica politica, em particular, faz des- ta formula um uso crescente e tende a apresenté-la como uma caracteristica institucional que contribui para desenhar a pro- pria imagem da civilizagao ocidental em contraposigao a ou- tras civilizagGes, em particular aquela islamica e aquela sino- confuciana. Entretanto, os perfis conceituais do Estado de Di- reito permanecem particularmente incertos e controversos”. E opiniao difusa que a literatura especializada tem se empenha- do, até o momento, de modo escasso, em uma determinagao analitica que possa caracterizar o Estado de Direito sob o per- fil institucional e normativo, distinguindo-o de nogées conti- guas com as quais, muitas vezes, é confundido ou deliberada- concepgdes formalistas e concepgdes antiformalistas (ou éticas) do Estado de Direito cf. P. P. Craig, Formal and Substantive Conceptions of the Rule of Lave, “Diritto pubblico”, 1 (1995), 1, pp. 35-54. Ver também: L. L. Fuller, The Mora- lity of Law, Yale University Press, New Haven, 1969, trad. it. Giuffre, Milano, 1986; D. Lyons, Ethies and the Rule of Law, Cambridge University Press, Cam- bridge, 1984; J. Waldron, The Rule of Law, em J. Waldron, The Law, Routledge, London-New York, 1990; 1. Shapiro (org.), The Rule of Law, New York Unive sity Press, New York, 1994. 6. Cf, neste sentido, J. N. Shklar, Political Theory and the . C. Hutchinson, P. Monaham (organizado por), The Carswell, Toronto-Calgary-Vancouver, 19 4 5 id L ~ observam, na maioria das vezes, um rigoroso tema, ao passo que 0s textos anglo-saxOnicos ref clusivamente ao fato constitucional inglés e 4 nogao e de rule of law, com uma ritual homenagem a obra de A Venn Dicey’. » Perpetua-se assim uma longa tradigao, se é verdade que Carl Schmitt, no inicio dos anos 1930, ja afirmava que 0 termo “Estado de Direito” “pode significar coisas tao diversas como 0 termo ‘direito’ e também coisas tao diversas como sao as nu- merosas modalidades organizativas implicitas no termo ‘Es- tado’”. E acrescentava sarcasticamente que era compreensivel 0 fato de “que propagandistas e advogados de todo género se apropriassem a seu bel-prazer do termo para difamar os pré- prios adversarios como inimigos do Estado de Direito”*. Tam- bém na Italia, vinte anos depois, autores como Fernando Gar- zoni continuavam a lamentar a incerteza conceitual e a ambi- gitidade da nogao de “Estado de Direito”’. E nao por acaso foi levantada a hipstese segundo a qual a fortuna secular desse eo conceito de “direito “natural”, 4 sua propria ductilidade e funcionalidadetdeolégi- Een pt et is 7. Cf. N. Bobbio, N. Matteucci, G. Pasquino (organizado por), Dizionario di politica, Utet, Torino, 1983, no qual nao figura o lema “Estado de Direito” Para a Gri-Bretanha, ver, dentre muitos autores: R. Scruton, A Dictionary of Political Thought, Pan Books, London, 1982; D. Miller (organizado por), The Blackwell Encyclopedia of Political Thought, Basi! Blackwell, Oxford, 1987, No que concerne a literatura alema: ver, por exemplo, M. Stolleis, Rechtsstaat, em A. Erler, E. Kaufmann, Handwerterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte, Erich Schmidt, Berlin, 1990. 8. CE C. Schmitt, Legalitdt und Legitimitat, Dunker und Humblot, Leip- zig-Miinchen, 1932, trad. it, . Schmitt, Le categorie del politico, il Mulino, Bologna, 1972, p. 223; acerca da critica de Schmitt ao Estado de Direito, veja- se C. Galli, Genealogia della politica. Carl Schmitt e la crist del pensiero ‘modero, il Mulino, Bologna, 1996, pp. 513-36: P. tadinanza in Europa, vol. 4, Leta dei totalitarismi ¢ della d Roma-Bani, 2001, pp. 328-36. see, 95 para seus préprios modelos poli “Estado de Direito”". Obviamente seria ipo, Considerando o elevado numero de determi- nag6es juridicas e institucionais que foram atribuidas — e po- dem ser atribuidas ~ ao Estado de Direito, acabaria propondo tout court o arquivamento do conceito e da sua relativa ex- pressao”. Mas ¢ claro que, utilizando critérios andlogos, todo © aparato conceitual da reflexdo teérico-politica e tedrico-juri- dica — sendo até mesmo das ciéncias sociais no seu conjunto — poderia ser eliminado da comunicacao cientifica, porque seria considerado impreciso, inverificdvel, contaminado por juizos de valor. , 77 Tomando-se como ponto de partida pressupostos episte- _ pragmatismo, aquilo qué a0 € a univocida ica x fa naubealideds Wacol das proposicbes tebricas antes, i | asua clareza e utilidade comunicativa no interior de campos | enunciativ atureza convencional, orientados para acom- preenisao ea soliigao de problemas’. Se se acolhe uma Kepis) al 10. Cf. A. Baratta, Stato di diritto, em A. Negri (organizado por), Scienze politiche, Enciclopedia Feltrinelli Fisher, Feltrinelli, Milano, 1970, 11. Ver S. Panunzio, Lo Stato di diritto, Il solco, Citta di Castello, 1922; O. Koellreutter, Grundriss der allgemeinen Staatslehre, Mohr, Tibingen, 1933; H. Lange, Vom Geseizesstaat zum Rechtsstaat, Mohr, Tubingen, 1933. _ 12. P. Kunig apresentou efetivamente esta Proposta, como lembra P. P. Portinaro na sua contribuigao ao presente volume, em Das Rechtsstaatsprinzip, Mohr Siebeck, Tibingen, 1986; para uma andlise minuciosa da polissemia te6rica da nogéo de Rechisstaat, ver K. Sobota, Das Prinzip Rechtsstaat. Verfias- ssungs- und Seeeeiicte Aspekte, Mohr Siebeck, Tibingen, 1997; Margiotta, Quale Stato di diritto?, “Teoria politica”, 17 (2001), : politica”, 17 (2001), 2, pp. 14 uma critica do mito neopositivista sobre a precisao. geral, para uma abordagem e cat “pés-empirista”, pode-se ver D. Zolo, , 1989. plicativas pesquisa e aceitacao dos interlocutores com argumentos persui pode ser feito e, segundo a opiniao de quem escreve, deve a da ser feito no que diz respeito ao Estado de Direito. Se é assim, uma coerente interpretagao tedrica do Estado a fagao_historica ¢ filolégica dos fatos particula- res e da sua relativa li tativa de identificar ESTERS de valoe, se madaldedes noemattal am ituctonat: Toximam as diversas experiéncias que se referram — 0u foram referidas ~ 4 nogao de Estado dé Direito. i ‘etacao desse tipo é por sua natureza, % ca” Jou seja, seleti nstrutiva, e isto implica inev mente uma.ampla margem de discricionariedade por parte do intérprete: ele estar livre para decidir pelo menos quais expe- Tiéncias hist6ricas abarcar no interior da sua “coerente” inter- pretacao geral. No nosso caso, por exemplo, tratar-se-4 de dar relevancia, mais do que aos desdobramentos da “historia in- 3 4terna” tipicamente glema da nogdo de “Estado de Direito” : (Rech histéria extern. Ea sua “historia exter- na’ ACONTECH ‘0 Tedrico que comega com 0 processo de formagao do Estado moderno europeu e que pode ser re- construida apenas fazendo referéncia, em termos implicitos, mas discriminantes, a tradigao do liberalismo classico, de Loc- __ ke a Montesquieu, a Kant, a Beccaria, a Humboldt, a Cons- tant. Trata-se de um acontecimento que inclui, em um nico e grandioso cenério histérico-politico, as guerras civis inglesas do século XVIL, a revolta das colénias americanas contra a me- tr6pole, o constitucionalismo revolucionario na Franga, 0 pro- ___cesso de formacao do Reich alemdo, as. instituiges da Tercei- \ Republica francesa. Uma opcdo interpretativa desse tipo dard, ao contra Pouco espago ao pensamento tradicionalista alemao da ito". E evitard dar relevancia A (embara nciz na qual o Estado de Direito se afirmou na América setentrio- nal no contexto nao apenas da bem conhecida revolta contra a metrépole colonial, mas também do genocidio dos nativos americanos; a nocao de “Estado de Direito” conviveu longa- “mente com a escravidao dos negros africanos e, depois, com a discriminacao racial”. Além disso, esta op¢ao interpretativa ‘devera ignorar também as teses dos tedricos nazistas que, di- ferentemente de Carl Schmitt e, as vezes, em polémica com ele, nao rejeitaram o modelo de Estado de Direito, mas procu- raram tornd-lo compativel com a experiéncia de um Estado totalitdrio, que eles apresentavam como nationaler Rechtsstaat: era um Estado de Direito, argumentavam, enquanto “Estado legal” (Gesetzesstaat), que fazia uso da “lei” como instrumento normativo “geral e abstrato” e garantia a independéncia poli- tica do poder judicidrio™. Esta interpretacdo deixara de lado, enfim, doutrinas e experiéncias constitucionais que se referi- ram ao Estado de Direito, sem oferecer contribuicdes particu- larmente originais do ponto de vista teérico; é 0 caso, por exemplo, da obra de Vittorio Emanuele Orlando que, no con- texto monarquico-parlamentar da Italia giolittiana, referiu-se ao modelo estatalista do Rechtsstaat™. | | 16. Sobre estes autores ¢ em geral sobre o paradigma “estatalista” tipico da juspublicistica alema da primeira metade do século XIX, ef. P. Costa, Civi- tas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. 3, La civilta liberale, Laterza, Roma- Bari, 2001, pp. 137-93. 17. Mario Dogliani sublinha esse aspecto, normalmente descurado, em Introduzione al diritto costituzionale, il Mulino, Bologna, 1994, pp. 191-3. Sobre © tema, ver, no presente volume, o ensaio de Bartolomé Clavero. 18. Sobre o tema, ver: E.-W. Béckenforde (organizado por), Staatsrecht. it h, Miiller, Heidelberg, 1985, i 19. Ver V. E. Orlando, Diritto pubblico generale. Scritti vari __ sistema (1881-1940), Giuffré, Milano, 1940. Para Orlando, o ‘que “impde a si mesmo o freio de normas x p quee as quatro experiéncias podem ser IERIE Teeurnpostés Gm um eelo gent Devers Geen sim, Possivebatribeitma consistente identidade tedrica a nogao Taridi : cionais — ¢ atribuida a tarefa de “garantir viduais, refreando a natural ten lencia do poder politico a ex- Pandir-see a operar de maneira arbitraria. pa 3.1. O Rechtsstaat Como se sabe, a expressao “Estado de Direito” staat) foi utilizada pela primeita vez po 4 anos éculo XIX, no tratado Die Polizeiwissenschaft nach 4 \ den Grundsditzen des Rechisstaates. Nessa obra, a liberdade do a | __ sujeito jd é concebida como um 1 objetivo central Ga acao ésta- tal". Mas o Rechisstaat se afirma, na realidade, na Alemanha, eS no decorrer da Testauragao sucessiva as revoltas de 1848. E as- ‘¥ | sume a forma de um Di 10, de uma jogica”, cerimonia fed Es tado legal” Na Ale 0 Rechtsstaat nao teria “ direito fo Estado” (Staaisrecht), caracterizado por um concei to de lei puramente técnico-formal (a generalidade e a abstra- ao das norma das normas). Desvinculado de Ee atria valo. res éticas. fa contetidos politicos, e nao-submetido aco 6 jurisdicionais de constituctormatidade, esse di 2S revelado patadexalmente-arbitrario: sic vold, sic jubeo. Mas é o Str Carl Schunitt-ceitee-severtssimo do Rechtsstaat, que re- conhece que os procedimentos legislativos, com o seu compli- cado mecanismo de vinculos e contrapesos, ofereciam significa- tivas garantias de moderaco e de protegao dos dire Vos, contra ©: ssiveis abusos da lei”. A protegao di d tial” — politico e aa ~ do Estado de Direito alemao”. 3.2. O rule of law “O vento e a chuva podem entrar na cabana do pobre, o tei nao. Todo cidadao inglés, ndo importa se funciondrio pu- blico ou nobre, esté submetido, de igual modo, a lei e aos jui- zes ordindrios”*. Assim escrevia, em 1867, William Edward 26. Cf. C. Schmitt, Legalitat und Legitimitat, trad. it. cit., pp. 223-33. 27. Neste sentido, cf. P. Costa, Civitas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. 3, La civilti liberale, op. cit., pp. 192-3; ver também E. Forsthoff, R i pence: Beck, Miinchen, 1976; trad. it. Stato di diritto in trasfi dade juridica dos sujeitos, independentemente da clas ‘¢-dascondigies econbmicas. Apesar dz profunda desigualda de social — percebida como totalmente ébvia —, os cidadéos sao submetidos sem excegao as regras gerais da ordinary law, em particular no que se refere as sangGes penais e 4 integrida- de patrimonial. E essas regras sao aplicadas nao por jurisdi- Ges especiais, como foram na histéria inglesa o Privy Council ea Star Chamber — e como sao para Dicey, também, as Cortes de Justica administrativas operantes na Franga® -, mas por Cor- tes ordinarias. A igualdade juridica dos sujeitos se-opée, por- tanto, nao a atribuicao de privilégios pess: is também ao exercicio arbitrdrio ou excessivamente discrici 29. Cl. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution 11885], Macmillan, London, 1982, pp. CXXXVII-CXXXVIIL Dicey sintetiza o rule of law nos seguintes termos: “In Engiand no man can be made to suffer Punishment or to pay damages for any conduct not definitely forbidden by the law; every man’s legal rights or liabilities are almost invariably determined by the ordinary Courts of the realm, and each man’s individual rights are far less the result of our constitution than the basis on which our constitution is founded” (ibid., p. LV), Sobre a excepcional fortuna da obra de Dicey, que atingiu 8 edigSes no prazo de 30 anos, sendo considerada pela doutrina e pela Junsprudéncia um classico do dircito constitucional inglés, ver E, Santoro, Com- ton Lan ¢ Costituzione nell Inghilterra moderna, Giappichelli, Torino, 1999, pp. 5- 15, Sobre 0 pensamento de Dicey, ver R. A. Cosgrove, The Rule of Law: Albert Venn Dicey, Victorian Jurist, Macmillan, London, 1980; T. Ford, Albert Venn Dicey, Barry Rose, Chicester, 1985; D. Sugarman, The Legal Boundaries of Liberty: Dicey. Liberalism and Legal Science, “Modern Law Review”, 46 (1983). 30. CF. A. V. Dicey, Introduction to the Study wins, conforme a célebre mula le outro, a tradigao do common Taw, ad- mi Por juizes ordindrios. A primeira é uma fonte juri- dica formal; a segunda é uma fonte juridica “efetiva”. As Cor- tes ordinarias ndo tém nenhuma atribuigao para controlar os atos do Parlamento e nao podem, certamente, arvorar-se em “defensoras da Constituigéo”. Elas sao, obviamente, obriga- das & aplicagao rigotosa da lei e, todavia, o so em um sentido muito complexo por estarem igualmente vinculadas ao respei- to dos “antecedentes”, ou seja, da prdpria, auténoma tradicao jurisprudencial. Além disso, os common lawyers tem nas pro- prias maos o instrumento da interpretacao da lei que — eles es- to perfeitamente cientes disto — pode tornar muito flexivel a telagao entre ditado legislativo e sentengas. A esse respeito es- creve, por exemplo, Dicey: © Parlamento é © supremo legislador, mas, a partir do momento em que o Parlamento exprimiu a sua vontade legis- . lativa, esta vontade esta sujeita a interpretagao dos juizes ordi- narios, € 0s juizes [...] sdo influenciados, seja pelas préprias opiniGes enquanto magistrados, seja pelo espirito geral do com- mon law.” { . Asoberania da lei, quer emane diretamente de um ato do _ Parlaiento Geatate Tay, quer surja-da-mediagao jurispruden- | ci COI ion law, , po , concebida rCi- | da essencialmertte em rel a5 prerrogativas discricionais do tivo ni ‘quadro institucional que foi signi- ente “rei i juizes”. Se es A.V, Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Co ” s proprios atos 0 e de 1816, fo- ram precedidos por um longo trabalho jurisprudencial que o Parlamento, em substancia, ratificou®. Além disso, as decis6es judiciais desempenharam a fungao de protegao dos direitos de liberty and property contra o possivel arbitrio nao apenas da burocracia administrativa (subordinada 4 Coroa), mas tam- bém do Parlamento. Jé Edward Coke — basta lembrar o famo- so Bonhams Case — tinha afirmado que os juizes ordindrios te- riam considerado nulo e, portanto, desaplicado qualquer ato do Parlamento que tivessem julgado “against common right and reason’. E, dois séculos mais tarde, Dicey repete que uma das fungées que, de fato, eram desempenhadas pelas common law courts era a de fazer valer, se necessario também em rela- ¢a0 ao Parlamento, a supremacy of ordinary law enquanto regra geral da Constituigao*. Os juizes de common law, profissional- mente empenhados no respeito “antecedentes”, ou seja, de uma série Se de procedimentos para a ee ee a 32. Ct. A. V. Dicey, Introduction to the Study of the Law of the Constitution, cit, pp. 117, 130 ss. 33. Cf. C.K. Allen, Law in the Making, Clarendon Press, Oxford, 1964, Pp. 456-7. Sobre Coke e a sua concepgio do common law ver J. Beauté, Un grand Juriste anglais: Sir Edward Coke 1552-1634. Ses idées politiques et constitutionnels, Peer etitnires de France, Paris, 1975, pp. 72-6; P. Costa, Civitas, Si Gittadinanza in Europa, vol. 1, Dalla civilta comunale al Settecento, _ Roma-Bari, 1999, pp. 188.57, by 34.Ch A.V, aplicagao de multas excessivas ou de penas inusitadas, even- tualmente introduzidas pelo Parlamento contra o principio de certeza ¢ irretroatividade da lei penal. —-- Em geral, a originali do regime constitucional de rule i of inn, come.havia sublinhado William Blackstone, reside no fato de que, na Inglaterra, o carater difuso e diferenciado dos poderes nao se deve a atos de comando do Estado ou da “von- | | I | | _tade geral” de uma assembléia constituinte, expressao “con- | ate jista” da soberania popular. E nao depende nem sequer | | 1 de uma Constitiiigao-escrita, tigida e normativamente hierar- indo a tendéncia que se afirmou nos Estados Uni- a lora também no continente Na Inglaterra, o Parlamento pode modificat’a Cons- i ee eee ree ucionalieeae dos atos legislati- | Yos. A esifutura constitucional inglesa depende de uma secu- rt Tat Hadigdo civil que tem raizes em conflitos politics, atos | normativos, n« consuetudinarias, costumes, praticas € pre- ces so esta oe ge mals sos, antecedem de séculos ao nascimeri TO e da propria filosofia liberal™. Trata-se de-unta tradicao nor- See paste Tmo worl ie retende até mesmo ancorar-se em uma milenar, Gimemorvel ancient Cone aie _ _ cendentes ou do valor universal dos seus conteudos, mas da / Sua propria antiqiity, de todo mundana. Ela depende da sua peculianssima quareiade de aw of tie ond, respeitada e trans- mitida de geragéo em geracao e fruto de histéricas batalhas. Escreve Dicey no ensaio sobre Law and Public Opinion in England: 35. Ver, H. Bracton, De legibus et consuctudinibus Angliae, organizado por T. Twiss, Hein, Buffalo (N.Y.), 1990. og 36. Sobre o mito da “Constituigéo antiga” como fundament O nile of law nao é, sendo muito indiretamente, um ria juridica do Estado, uma sua “juridicizagao” ou “ nalizagao”. Esse se distancia nitidamente do “Estado legisl: vo” alemao (e, em geral, continental), no qual os juizes sao fun- ciondrios publicos que aplicam a lei do Estado e os proprios di- reitos individuais sio “postos” pelo Parlamento™. Sob esse perfil, o rule of law, como escreveu Dicey, 6 a distinctive charac- teristic of the English constitution”. 3.3, O rule of law na versao norte-americana Dicey considerava a estrutura constitucional dos Estados Unidos um tipico exemplo de rule of law pelo simples fato de 0s seus pais fundadores terem se inspirado diretamente nas tradig6es inglesas. Também de matriz inglesa era, sem dtivida, a atribuigio 20 poder judiciario,e nao apenas ‘arlamento, da tarefa de proteger os direitos individuais contra os possiveis ies Law e Costituzione nell'Inghilterra moderna, cit., pp. 45-56, 109-46; e ver o clas- sico J. G. A. Pocs The Ancient Constitution and the Feudal Law, Cambridge ‘ambridge, 1987 37. Cf. A. V. Dicey, Lectures on the Relation between Law and Public Opinion in England during the Nineteenth Century, Macmillan, London, 1914, trad. it. il Mulino, Bologna, 1997, p. 134. Posigées andlogas tinham sido defendidas, como € notério, por Edmund Burke, nas suas Reflections on the Revolution in J France, em E. Burke, Works, vol. II, George Bell and Sons, London, 1790, trad. it. em E. Burke, Scritti politici, Utet, Torino, 1963, pp. 191-2. 38. Segundo MacCormick, as “liberdades dos ingleses” so a rights (ndo constitutionally derivative rights, @ la Bentham, nem ces 2 la Locke); Cf. N. MacCormick, Constitutionalism an aCa freitos foi introduzida pelas primeiras dez en das constitucionais somente no final de 1791 e em um elenco nao-taxativo. Na evolucao institucional posterior as declaragdes de in- dependéncia e a aprovacao da Constituigao, a linha modera- da e liberal do federalismo no de Alexander Ham nm prevaleceu sobre a filosofia democratica jomas Jefferson e de Thom ne, e, muito mais proxima das doutrinas francesas da soberat | popular e do primado do poder constituinte, E emergiram, em uma concepcao de algum modo fundam iN Tiberdade eda propriedade, motivagoes di i a ideologia inglesa de do file of law e que t necido estranhas ao Ositivismo do Rechtsstaat germani- cot Nos principios fuidamentais do texto constitucional pa- Teceu cristalizar-se, em chave jusnaturalista, a propria idéia de soberania. E a soberania da Constituigao foi posta em di- Sep cece ante epeaths do Pane c i an rada muito mais perigosa_para a5 Tiberdades mi tais e para 0 direito de ropriedade do lo qué 0 pr ider administrativo*. ‘ional esadustaenoasngaeell bem eae uma precisa inclinagdo para solugGes inspiradas no liberalis- It 1 {I asin f d nente sensivel ao tema | | Gettepresentatividade demonstica & os ny itual | dos interesses sociais. Ao contrario, foi muiEO sénsivel ao “tema, que estaria HOTentrodotiberalismo aristocratico de Ale- } “db Tocquamlterdy recessidade de prev prevenir, em termos for- j \ mais, a aca re resentada pel [aS fivaorias_parlamentares hostis as liberdades indivi © remédio cogitado, além deunrtentenctat ennjecimento da Constituicao escrita, foi 0 40. Cf.-B. Leoni, Freedom and the Law, trad. it. cit., p. 71. 41. Tanto Georg Jellinek como Ernst Troeltsch sublinharam a ori Shae americana (ct. G. oa Democrazia e diritti, quer possivel conexao entre 0 reconheci ‘a5 reivindicagdes normativas emergentes do conflito: Iitico e motivadas em nome d. nia popular®. J se, de fato, que 6 profissionalismo e 0 tecnicismo dos j estivessem em condicoes de garantir, melhor do que © Parlamento, uma correta interpretagao do ditado constitucio- nal e, | portanto, uma tutela imparcial. iti = tosindividuais™. —Frata-sede solucées institucionais que, mesmo no inte- rior do paradigma do rule of law, distanciam a experiéncia ame- ricana daquela inglesa. Na Inglaterra, nem as Cortes ordinarias de common law, nem os organismos judicidrios de nivel supe~ 43. Sobre o tema, além do ensaio de Brunella Casalini neste volume, ver J. Ely, Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review, Harvard University Press, Cambridge (Mass ), 1980; J. Agresto, The Supreme Court and Constitutional Democracy, Cornell University Press, Ithaca, 1984; P. Kahn, The Reign of Law. Marbury v. Madison and the Construction of America, Yale University Press, New Haven, 1997; E. Lambert, Le gouvernement des juges et la lutte contre la 1é= sgislation sociale aux Etats-Unis, Giard & Cie, Patis, 1921, trad. it. Giuffre, Mi no, 1996. De forma mais geral, ver B. Ackerman, We The People, Foundations, Harvard University Press, Cambridge (Mass.), 1991; C. R. Sunstein, The Par- tial Constitution, Harvard University Press, Cambridge (Mass), 1993; J. Wal- dron, A Right-Based Critique of Constitutional Rights, “Oxford Journal of Legal Studies”, 13 (1993), 1; S. M. Griffin, American Constitutionalism, Princeton Uni- versity Press, Princeton, 1996, Para uma critica do moralismo constituciona- listico estadunidense do ponto de vista da andlise econémica do direito, cf © classico R. A. Posner, Economic Analysis of Law, Little, Brown & Co., Boston 1992. 44. CEM. V. Tushnet, Red, White and Blue. A Critical Analysis of Consti- tutional Law, Harvard University Press Cambridge (Mass), 1988; R. M. ; Law in Modern Society, The Free Press, New York, 1976; A. Carino, Ro Unger e i Critical Legal Studies”: scetticisma e diritto, em G, Zanetti ( por), Filosofi del diritto contemporanei, Cortina, Milano, 1999, pp. 1 Postmodern Legal Movements, New York University Press, itil Mulino, Bologna, 2001, pp.177-211. - o jurisprudencial, engenhocas errinittredas pela alta burocracia judicidria. E tam! continente europeu, no decorrer e para além do século XI cartas constitucionais permaneceriam flexiveis e a disp do poder legislativo. 3.4. L’Etat de droit j, Na Franga, uma explicita teoria do Estado de Direito (Etat Q a0) de droit) 6 elaborada com particular atraso. A sua formulagao ¢ | /— atribuida a Raimond Carré de Malberg, que atua nos primei- ros decénios do século XX, no contexto da Terceira Reptbli- ca. Diferentemente de Dicey, que tinha concebido a idéia do rule of law com total independéncia em relagéo 4 nogao de Rechtsstaat, Carré de Malberg sofre a influéncia da experiéncia alemd e em parte também da estadunidense. Pode-se dizer que, se Dicey tinha reconstruido a tradigéo constitucional inglesa reivindicando sua autonomia e exceléncia, Carré de Malberg parece empenhado em reconhecer a superioridade da doutri- na alema e da estadunidense em relagdo ao direito publico 45, Sobre o tema, ver P. P. Craig, Public Law and Democracy in the United Kingdom and the United States, Clarendon Press Oxford, 1990; A. L. Goodhart. The Rule of Lave and Absolute Sovereignty, “ University of Pennsylvania Law Re- view”, 106 (1958) 7, pp. 950-5. 46. Ver R. Carré de Malberg, Contribution a la théorie général de lEtat, vol. 2, Sirey, Paris, 1920-1922. Sobre a nogao de “Estado de Direito” em Carré de Rater ver P. Costa, Civitas. Storia della cittadinanza in Europa, vol. 4, Leta dei totalitarismi e della democrazia, cit., pp. 106-15. De forma mais geral, sobre a licistica francesa pode-se ver M.-J. Redor, De ‘Etat légal a 'Etat de juspubl esc cr de oct epic ree 1879-15 peecee ores Le covert tt ra oem 5 (I cias histricas de “Estado de Direito”, Carré de poe o seu modelo de Etat de droit como alternativo a do constitucionalismo francés, submetendo a critica severa proprias instituigdes da Terceira Republica. $ A tutela dos direitos subjetivos em relagao aos is: ce es eer come pare cs as ee ee (6 Estado de Direito que, para esse fim, “autolimita” o seu poder scien) sibmciendo0 20 ea ge- fais, validas erga omnes. Mas a garantia dos direitos exige, segun- do 6 juizo de Carré de Malberg, um profundo repensamento da tradi¢ao constitucional francesa, que inclua um exame criti- co do proprio acontecimento revoluciondrio. As instituigdes publicas francesas, ele afirma, sao dominadas pela onipotén- cia do Parlamento, que parece ter herdado do absolutismo monarquico a titularidade monopolista da soberania estatal, e esse monopélio representa 0 maior perigo para as liberdades dos franceses*. Na Franga, 0 vetor mais dinamico da teoria revoluciond- tia tinha sido a doutrina da soberania popular (ou nacional). Essa doutrina atribuia ao Parlamento um primado absoluto em telagdo aos outros poderes do Estado, uma vez que o Parla- mento era 0 Unico 6rgao que podia ostentar uma investidura popular direta. E a “lei” tinha sido concebida, 4 la Rousseau, como expressao da vontade geral da nacao a cujas prescrigées © Poder Executivo devia ater-se rigorosamente. Quanto ao Poder Judiciario, tanto nas declaragdes dos direitos como nos textos constitucionais da Franga revolucionaria, tinha sido ob- jeto de prescrigdes exclusivamente negativas: os juizes viam se intrometer no exercicio do poder legislativo e no antigo regime, faz i ucional francés alguma coisa de profundamente ‘sa, tanto em relacdo 4 Gra-Bretanha como em relagao aos I tados Unidos. 5 ‘Além disso, a idéia rousseauniana da imprescritibilidade e inalienabilidade da soberania popular tinha inspirado um autor de grande prestigio como Emmanuel-Joseph Sieyes a fazer uma célebre distingdo entre pouvoir constituant e pou- voirs constitués”. O poder constituinte, entendido como o gran- de legislador coletivo que define os valores, elabora os princi- pios e poe as regras que fundam a comunidade politica, € um poder pré-juridico que nao se esgota no ato originario que da vida ao Estado e aos seus “poderes constituidos”. Diferente- mente destes ultimos, que sao poderes limitados, o poder constituinte é um poder dotado de uma energia ilimitada e inexaurivel, subtraido aos proprios vinculos normativos pos- tos pelo texto constitucional. O artigo 28 da Declaragaéo dos Direitos de 1793, por exemplo, estabelecia, nos termos mais explicitos, que o povo tem sempre o direito de rever, reformar e mudar a propria Constituigéo e que nenhuma geragao tem o dever de sujeitar-se as leis prescritas pelas geragdes pre- cedentes. Do voluntarismo normativo dessa doutrina radical-de- mocrata originavam-se duas conseqiiéncias de grande rele- vancia: em primeiro lugar, o Parlamento tendia, simultanea- mente, a revestir as fungdes do poder constituinte e do poder Constituido, atribuindo-se, portanto, prerrogativas soberanas. E reivindicava, em particular, um poder permanente de revi- $40 constitucional e de uma revisdo sem limites, equivalente 48. Ck onto Ill do capitulo 5, titulo 3, da Co Ct. P. P. Portinaro, Il grande legislatore e il custode | ky, P. P. Portinaro, J. ganizado por Torino, 19 a plenitude do poder constituinte®. Em segundo lugar, tinha i aquele do controle judicidrio de constitucionalidade da dindria. Carré de Malberg op6 energicamente a essa tradi- gdo “jacobina”, em nome de uma concepcao do Estado de (ONO qual tod deres, inclusive o legislati ) direito. Nesse quadro, o Parlamento nao € sendo um dos poderes coristituidos — nao €, de modo We ain poder corti —e as suas fungdes devem ser submetidas a limites € controles, exatamente como acontece conto -poder-administrativo. Submeter os atos da adminis- tr rincipio de legalidade é muito importante, mas nao é suficiente para garantir uma tutela plena dos direitos indi- viduais: o Etat Iégal nao 6, ainda, propriamente, um Etat de droit. Um auténtico Estado de Direito deve fornecer aos cida- daos os instrumentos legais para se oporem também a von- tade do legislador, no caso em que os seus atos violem os di- reitos fundamentais dos primeiros”. E isso requer, se nao pro- priamente o instituto, em vigor nos Estados Unidos, da judi- cial review of legislation - Carré de Malberg teme que isso nao. possa ser proposto na Franga -, certamente uma nitida dis- tingdo entre a Carta constitucional e a lei ordindria: uma distin- ao que “supra-ordene” normativamente a primeira a segun- da e imponha ao Parlamento o respeito pelos limites juridi- cos postos pela Constituigéo, renunciando a qualquer pre- tensdo constituinte™. titwzionale, em G. Zagrebelsky, P. P. Portinaro, J. Luther (organizado por), Il fu- ‘turo della costituzione, cit., pp. 253-89; E.-W. Bickenforde, Il potere costituente del popolo, Un concetto limite del diritto costituzionale, ibid., pp. 231-52. 51. Cf. R. Carré de Malberg, Contribution a la théorie général de Etat, cit., vol. 1, pp. 488-92. 3 52. Sobre a relagao entre instituigdes norte-americanas e tradicao titucional francesa, cf. R. Carré de Malberg, Le Loi, expression de la le, Librairie du Recueil Sirey, Paris, 1931, pp. 104-10; sobre a esctita ¢ o poder constituinte, cf. R. Carré de théorie général de V'Etat, cit. vol. U. pp. 493-500.

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