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Liberalismo. Entre civilizagao e barbarie Domenico Losurdo Reimpressao Nova ortografia $30 Paulo 2015 Copyright © desta edigdo Editora ¢ Livraria Anita Ltda., 2006 Copyright © Domenico Losurdo Edigio Geral: José Carlos Ruy Oreanizagio: Joo Quartim de Moraes, José Carlos Ruy ¢ Augusto César Buonicore Tradugio: Bernardo Joffily. Egle Bartoli e Soraya Barbosa da Silva Revisio: Caia Fittipaldi Revisio da reimpressio: Maria Lucilia Ruy Projeto Grafico: Ivan Silva Capa: Ivan Silva Foto de Capa: EFEI Atef Safadi/Parceiro Agencia O Globo. (CIP-BRASIL CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Ru Ls9L, Losurdo Domenico, 1941- Liberalismo. Ente civilizagio ¢ barbie / Domenico Losurdo, organizadores. Joo ‘Quartim de Moraes, José Carlos Ruy, Augusto César Buonicore,tradupio, Bernardo Joffly, Soraya Barbosa da Silva. Sdo Paulo: Anita Garibaldi, 2006 160p. ISBN 978-85-7277.069-9 |. Liberalismo. 2 Estado, 5. Racism. 4. Socialismo. I. Moraes, Jodo Quartim de. I. Ruy, José Carlos. Il, Buonicore, Augusto César. IV Titulo 06-3449, (CDD 320.101 DU 321.01 016177 19.09.06 2009.06 Hoa Gartala, Editora e livraria Ltda. Rua dos Franceses, 4 - CEP 01329-010 - So, Paulo, SP Fone: (11) 3289-1331 ‘wwwanitaganibaldi com br anita@anitagaribaldi.com br Sumério Prefacio. I Civilizagao, barbarie e historia mundial: relendo Lénin II Estado nacional e valores universais. Aventuras do universalismo na era contemporanea.... I Marx, a tradigao liberal € a construcao historica do conceito universal de homem.. IV Ideia de época histérica em Marx e analise do nosso tempo 111 V Guerra preventiva, americanismo e antiamericanismo. 131 do povo. Uma ideia canbestra e um tanto cinica: primeiro, porque supe uma inferioridade do povo ante a elite “educada’, ja que supe gue as camadas da base da sociedade nSo partilham dos mesmos vores da elite; e s6 essas elites teriam o mesmo papel “civilizato- to que o das elites europeias se atribuem para legitimar o dominio score powos no europeus. E ¢ ideia cinica. Depois, porque, sendo governante, esta elite brasileira é a responsével direta pelo descala- bro do sistema publico de educac3o no pais, perpetuando, assim, a situagdo de caréncia educacional que ela identifica nos de baixo. Joo Quartim de Moraes, flésofo, professor da Unicamp José Carlos Ruy, jomalista e editor. Civilizagao, barbarie e historia mundial: relendo Lénin* « Atualidade e inatualidade de Lenin # Democracia e imperialismo + Capitalismo, colonialismo # exportacéo da cvlizacdo «© Duas leturas contrepostas de Manx Lénin e Bemstein + Critica do eurocentrismo e ruptura da visSo uniinear 2 historia 1» Dialética objetia e esterestipos nacionais Lénin € Schumpeter «© Esteredtipos nacionais e interpretacdo em termos raostas «© Racismo, contrarracismo, universalismo Choque de civilizacdes? 10 Atualidade e inatualidade de Lénin Vamos passar os olhos pelo que acontece no Oriente Médio, con- fiando-nos para esta busca 4 imprensa mais autorizada, sobretudo nor- te-americana: no Iraque devastado pelas sangdes ainda mais do que pela guerra, “criancas jazem nos hospitais em camas sujas, gemendo as suas dores enquanto morrem de diarreia ou pneumonia” Segundo 6s “niimeros arrepiantes” fornecidos por Catherine Bertini, diretora executiva do Programa Alimentar das Nages Unidas (PAM), “no Ira- que do longo bloqueio, a desnutrigio atinge 23% da populagao. A taxa de mortalidade infantil neste periodo duplicou: agora ronda os 70 por mil”; ja esta em causa a “sobrevivéncia de mais de um milho de pessoas entre velhos, mulheres ¢ criancas”. “Sdo tremendos os sofri- ‘mentos" impostos pelo bloqueio, mas “as atribulacdes do povo iraquia- no no conseguem captar a compaixao internacional” E menos que nunca a da imprensa norte-americana que troa: “Se as NacSes Unidas do quiserem impor uma zona proibida aos tanques (iraquianos), 2 América devera impé-la unilateralmente’. ‘Agora a brutalidade ja se pode revelar a luz do dia, sem vir velada pelos discursos da ONU: as resolugdes deste organismo brandidas como arma por ocasiao da “Tempestade do Deserto’, agora sio aber- tamente proclamadas como irrelevantes. A administragio dos EUA é chamada a “tornar explicita a politica até agora conduzida de modo encoberto. Nenhum momento de alivio enquanto Saddam nio for embora (...). Nao importa o que Saddam esteja disposto a fazer: enquanto ele governar, os Estados Unidos imporio o seu veto a toda tentativa de atenuar as sangée Um povo inteiro é, assim, mantido como refém, mas que impor- ta? Ele jé fora posto de sobreaviso por Bush, que a seu tempo tinha enviado “uma mensagem inequivoca a Bagda: desembaracem-se de Saddam, ou entio esquegam-se de que tém petréleo”. Por convicsio AIIM ¥ Bolen nd esten kag Ses "Sova Poe Intrmatonl Mera Tribune 26 2 "ZACCARIA.G Um mitonenpecelo La fame da embargo spaventa anche (Oru ta Stampa, 13 de cuts I8eAnib¥ Dead End foriagin Sanction Bate Intemational eral Tibune 19.2 outubro de 199% “yRauTHaMMER ch Cieton Should Do More Tn ust Stand fem Intrmabonal Herald Tune 121 de outubro ge 1996 u seme os raquanos recusam-se a desafiar oatual regime n vn ca possibilidade de novos bombardeamentos ‘um modo ou de outro, tém de estar 5 vezes, a nica conversio possivel & no oup to, nunca se esqueya ordenados por Washington. ara morrer: amen 5. Em conclusio, o lider democritico do império aannsmyno resersase o dieito de vida ou de morte sobre os stiditos dle uma provincia teimosa. Nao é possivel proceder de outro modo, porque aqui estio em jogo vitais “interesses nacionais dos EUA’ ®; romito mas vitais agora que o regime fantoche de Riad se sente fameacado por uma corrente € por uma oposisao politica cada vez ‘mais capilarmente difundida Um regresso do Iraque 20 mercado petrolifero mundial reduzi- ria a quota detida pela Aribia Saudita, fazendo descer a pique as suas receitas: dai resultaria uma conspicua diminuiéo das expor- tagdes norte-americanas (depois de ter contribuido com 55 bilhdes de délares para 0 “esforgo da guerra do Golfo", a monarquia saudita reserva quase um tergo das despesas piblicas para a “defesa’, ou seja, para a compra de armas a Washington ’; dai derivaria sobre- tudo um ulterior alastrar do descontentamento popular no pais do Oriente Médio. E por isso que “a Arabia Saudita um regresso prematuro do petréleo iraquiano ao mercado mundial surge como ‘uma ameaca nio s6 is suas finangas mas até & sua propria seguranca nacional” *. E assim pode-se muito bem condenar 0 povo iraquiano a inani- ‘io, se for esse o prego a pagar para manter em Riad uma despotica “monarquia corrupta’ e culpada de “astronémicos esbanjamentos", mas que tem no entanto 0 mérito de barrar 0 caminho “a homens hostis ao Ocidente"*. Outros observadores pdem em evidéncia, fazendo referéncia a anilises e opinides que circulam tanto nos EUA como no mundo "SPR Wha ee Satin ses netomat rad Tan STGNSUST IS Rosen cso: marmot he 2 oon 18 CUNSLER Cbrngeo west Sas Ons appease Rg ec as er ‘uenatteradWrbune 2950 Sense se tag eR "Coody TR ov Revenue 30 Milan ge Dapp Betaren Bate ies Intmaona Nard 12 OE Ree tere Ften te renpame mea a ap 29 trabe, que a aposta em jogo na guerra do Golfo © do perustente bloqueio é ainda mais elevada “No plano sericla, © lrque pom nese wee ume experi so se poe deacarse Coma pontine vate pr Estados Unidos, dado que o league come » mun prado mca to ems sit 101 coodicioeameston bo lity do wg wemericane, Fos a uma das raes da deste macia do pla, comme open mae te-amencanos recomhecem. Escreve James Radgrwy, orleruncdho-se + aprcultur e 20 poder do iraque ‘Do pont de vata dos Eads Unidos, » destrsigéo do ambiente ¢ da agrculturs ne league, om curto praza, devera aber mercados sn prada spoatenrstares americanos. O que, por consequéncia, deweria procuanr uma crs cente dependénca poktca em relario sox Estado Unidas (_) came jd aconteceu na Enidpia ¢ no Egito’ (_) Um po de anilase que demonstra amplamente que os expecialisas das Navies Undas ou melhor das Estados Unidos, no foram 20 edificio do Manners da Agscultura iraquiano procure wrinio ov outa cous, a come ‘outros objetivos que diam respeito sobrenado & proce apa (L) Portanto, uma série de elementos que tém contribuide ampla- mente pana crar 0 tipo de imagem que os arabes tém do Irae {A pesada destruigio por abea dos norte-americancs ¢ akon =x de se entender exclusivamente como aparthead tecnolopcs, o por coutras palavras, como uma tentativa de impedir aos arabes 0 aces + ‘uma tecologisavancada autinoma.£ por este moto que © eae ‘se tomnou 0 simbolo das capacidades arabes Como observa Halim Brakat, ‘a logica hegemOnica americana destruiu 0 lraque para que ‘este recue para uma posigio de subdesenvolramento™ Nao ¢ por acaso que tenha sido atingido um pais que se pode ou podia-se gabar de ter a taxa de analfabetismo de longe mais baixa do mundo arabe, e pode ou podia dispor de pesquisa cientifica au ténoma, financiada em mais de 90% pelo Estado ("nos outros paises irabes,€ financiada por instituiges estrangeiras, todas norte-amen- canas")!, E assim nao se trata apenas de se livrar por todes os meios de um homem politico importuno (embora concreta ¢ macigamente apoiado nos tempos da guerra iraquiana contra o Iri): consolidar © controle pelos EUA numa zona estratégica e economicamente deci- siva é essencial, sim, mas trata-se também de decapitar de uma vez por todas, no plano econdmico, tecnoligico e da investigacio centi- SCH BENANTAR A Gharbi FOvest meat eotia oncate Limes = 5.2984 22628 13 do Kuwait, havia dado sinais Sea, um pais que, bem antes da invasio ds ao Oxidente € intolenivel desejo de autonoania em relagdo norte-amencana, de xado em relagdo a0 Inwp (Ou entio, voltemos nossa atengio para outro pais do Média. Os jonais informam, de maneira bastante insuficiente € com excasso releva, que um deputado trabalhista inglés propde-se a Pro- jetar na Cimara dos Comuns o filme do realizador norte-americano Allan Francovich que “elogia a Labia de Kadhafi ¢ acusa a Sina pelo atentado de 1988 que custou a vida de 270 pessoas”. E no entanto as sangies continuam a atingir de modo implacavel um pais ¢ uma populace inocentes, mas apesar de tudo banidos pela chamada “co- mmunidade internacional”. Por outro Lado, ji ha uns anos autorizada- mente s¢ esclareceu que os “ebjetivas pobitices dos Estados Unidos” nada tém “a ver com o massacre de Lockerbie", mas tem em vista em primeiro hugar “controlar a produce do nade do Oriente Medio". [As grandes poténcias capitalistas,¢ sobretado o anjo exterminador de Washington, decidem de modo soberano ¢ sem apelo quem & terrorista. Hoje é a ver da Libia, amanhi poderi ser a da Siria. Seja como for, como revela a revista oficial do US Army War College, os Estados Unidas ja se preparam para a “segunda guerra do Golfo’, desta vez, presumivelmente, contra 0 [ri!*. Mas precisamente enquanto fatos macroscépicos confirmam a validade da anilise leninista do imperialisma, este sistema de rela- Ses internacionais celebra es seus maiores triunfas mesmo no plano ieolégico, rodeado como esti por uma aura que consagra © Seu Ca- titer benéfico para o presente, © passado ¢ 0 futura “Finalmente 0 colonialismo estd de volts. J era hora!”, anunciou triunfalmente, hi algum tempo, o The Naw York Tames, dando a palavra ao historiador Paul Johnson. E Popper: “Libertarmos estes Estados (as ex-colnias) depress demais e de maneira demasiado simplista’ é como «deixar jum orfanato entregue a ele mesmo”. Retoma-se assim um tema clis- sico da tradigio colonial: tal como nos tempos de Kipling, os povos do Terceiro Mundo continuam a ser considerados meio criangas € Onente aw tac i easel La Maple 13 oe oven Se 1986 Soe ten pogenne nes nor Ua Samp 2 oa ge 19921 Rando 0 eb Ser es cas sae tear wm ge Camere deta Sra 14 te cece meio diabos; ¢, na medida em que se revelam rebeldes ¢ diabos, é justo que sejam severamente punsdos pelos que séo os tnicos real- mente capazes de entendimento e vontade, pelos adultos utulares do Patria potestas, os paises ¢ as clames dirigentes do cirvilizado mundo capitalista. E esta 4 opinido expressa sinds nos nomen dias, em letras redondas ¢ com linguagem retumbente, pelo tetérico da sociedade aberta profeta do “racionalismo critico” que, no entanto, conside- 12 supérfluo interrogar-se quanto is razies de por que a renovada solicitude das grandes poténcias pelas criancas dos “orfanstos” se concentra nas regides mais ricas de petroleo ¢ estrategicamente de- cisivas. Ao reivindicar novas guerras do Golfo ¢ sovas expediciies Punitivas contra os bérbaros estranhos @ communidade do “mundo Caelen pares Por Issa tse oe > Vejoae em especial BOBBIO.N Start Ml Uberaie e Socata “La leer de vere” supienens Unltn 31 gerne ae 1991.9 2627 — ad 7 ——E7_ Em John Stuart Mill podemos ler que: “0 despot & uma forma legima de govern quand se ida com nbame desde que o fim seja © seu progresso € 08 meios seam jus lafcados pela sua teal consecucio. A iberdade, com principio, nto { aplicdvel em nenfuma stuagdo que anteceda @ momento em que ‘os homens se tenham tornado capazes de melhorar através da live tliscussdo entre iguas. Até entio, nlo haverd nada para eles, salvo ¢ tbedigncia absoluta a’um Akbar ou a um Carlos Magno se tiverem sorte de encontri-os" Esta declaragio € tanto mais significativa pelo fato de ressaltar numa obra tematicamente dedicada a celebragio das liberdades (On Liberty). Mas é claro: para o liberal inglés, a liberdade “s6 € va- lida para seres humanos na plenitude das suas faculdades’, ¢ ndo certamente para uma “raga” que possa ou deva ser considerada “na menoridade”’, e que as vezes mal esta acima das espécies animais superiores**. E de novo a democracia € a liberdade so definidas in- dependentemente da sorte dos excluidos;e & com perfeita boa cons- ciéncia que Tocqueville e Mill podem entregar-se & celebragao lirica ‘a0 mesmo tempo da Guerra do Opio e do Ocidente como campeio da liberdade”. Em relacdo a este mundo, Lénin representa uma ruptura nao s6 no plano politico, mas também epistemologico: a democracia ndo pode ser definida independentemente dos excluidos; “o despotismo” exer- ido sobre "barbaros’, obrigados a “obediéncia absoluta” propria dos cescravos e as infamias da expansio e do dominio colonial, langa uma luz inquietante sobre os Estados libersis,e no s6 no que respeita & sua politica internacional. Esta no é um elemento estranho da estrutura politico-social interna. £ elucidativo o exemplo dos Estados Unidos; aqui, é no préprio territério nacional que residem as racas “na meno- ridade’, de cuja condigo porém nao se pode prescindir nem sequer ‘quando se trata de analisar paises como a Inglaterra ou a Franca ou a Itilia. Na tradicao liberal a teorizaco ou celebracio da liberdade avan- aa par e passo com 2 enunciagao de cléusulas de exclusio, pelo que a liberdade em altima anilise acaba por se configurar como privilégio. ‘SMILL 5 On ibery (1858) taducio co tain, Sgao sla ibe I Soppatore Milano, 1981.p 33 WL Gondor on Representative Corre 21) ACTON H 8 ed) Dian Lary iepresetae ovement Der Le 2 197 18 "Ct L03LROO.D Manteltblance rca dt Mavecema Ct c5p 1.6 Critico implactvel desta logica ¢ 0 revohscionario russe, que su- blinha @ incompatibilidade entre a democtacis ¢ © imperialisme: Este ltimo representa a completa nezasso da democracia 20 nivel das relagées internacionais: as ‘chamnadas naghes covilicadas da Exsro- pa” opnmem “as nagdes menos civilizadas ¢ mans deseyonas de demo- cracia da Asia™, que desconhecem o direy sdf government, negando na pritice esses principios que, to enta do se cansam de apregoar como seu titulo de gloria e de lez dade imperial. Neste quadro, tem-se de colocar 1 dentincts a procede Lénin, da veia racista mais ou menos explicita que stravesa em profundidade a historia do colonialismo e do impen assentam na exploracio e “submissio de centenas de miles de tra- balhadores na Asia, nas coldnias em geral ¢ nas pequenos paises” por obra de “poucas nagées eleitas” *; os dirigentes da burguesia liberal tentaram de todas as maneiras obstar “a emancipac3o econ. portanto também politica dos peles vermelhas € negras"; por outro lado, os imigrantes provenicntes de “paises mais atrasados” so mas de discriminacio salarial nos postos de trabalho dos paises capi- talistas®. Esta carga racista explode com especial clareza e virlés por ocasiao de guerras conduzidas contra povos que, do ponto de wis- ta das poténcias coloniais e imperiais, ‘no merecem sequer 0 nome de povos (porventura serio povos 0s asisticos ¢ os africanos autodetermun Fiz aqui referéncia a analise do imperialismo. Mas ¢ toda a obra de Lénin que se pode interpretar nesta base de leitura. O partido re- volucionério caracteriza-se pela “dentincia politica da sutocracia sob todos os seus aspectos”, e desta politica - 0 revolucionirio russo nao se cansa de sublinhé-lo ~ faz parte a opressio das minorias ns- cionais (e em particular dos judeus), bem como um expansionismo imperialista que visa a submeter cada vez mais novos povos a0 juzo grande-russo e autocratico. O partido revolucionario tem de saber promover uma investigacio e uma agitac3o “sobre a politica intema opel p 405 (17 (1) Jone ce 1918) Upere et vee LENA VL Limperiaisme, tp 652453 2: (EMI V 1 a guerra ela otuone (1917; pubic pets pom vero 1 NOLHAW pal? SUENINV Che far? (3902) _ Oper scete ot externa do nosso governo, sobre a evolusio econdmica da Rissa fda Europa’, tem de aproveitar todas as ocasides “para explicar a todos a importincia histérica mundial da Juta emancipadora do pro- letariado”®. E desta luta de emancipagio também ¢ parte constituti- vae essencial a emancipagio dos escravos das coldnias da burguesia liberal discriminados como os birbaros, para fora da civilizagao, e assim destinados a sofrerem a opressio dos super-homens brancos @ ocidentais. Neste sentido, 0 revolucionério “tribuno popular’ vem contraporse ao “secretirio de uma trade-union™ que muitas vezes ~ observa o ensaio sobre o Imperialismo citando Engels - se comporta como 2 ponta de lanca de uma classe dominante e expoente acritico de “uma nagio que explora o mundo todo». A critica que Que fazer? dirige a Bernstein é de reformismo, sim, mas também ¢ sobretudo de subalternidade a uma burguesia empenhada num programa de expansio e opressio coloniais,e portanto de exclusio da democracia para a maior parte da humanidade. Capitalismo, colonialismo e exportasio da civilizagéo © grande revolucionario russo leva radicalmente a sério a tese cara a Marx e a Engels, de que um povo que oprime outro no pode ser livre’. Num certo sentido, ainda a leva mais a sério que fs autores que 2 formularam em primeiro lugar, mas nao a fizeram vilida ou plenamente vilida nem para os povos europeus “privados de historia” ou j arrastados pelo desenvolvimento histérico mun- dial”, nem para os povos coloniais. Quando Marx define os EUA como o “pais da emancipacio politica realizada’, ou entio como “0 exemplo mais perfeito de Estado moderno”, que assegura o domi- rio da burguesia sem excluir a pris nenhuma classe social do gozo dos direitos politicos™, é claro que procede a esta definicao sem ter Lar corns "WAL © ENGELS F Opa completa Tone Waa 1S ENCES tt Gi ela MAF & ed) Le reese bert Prt em conta a escravidao dos negros ou a sorte dos indios, no pare- ce dar-se conta do fato de a discriminacdo censitéria passar nesse pais através da discriminagdo racial. Neste sentido, Marx pouco se distingue de Tocqueville. E ¢ nos ambientes liberais do sew tempo que também faz pensar 0 alto reconhecimento do Manifesto do Far tido Comunista pela burguesia da metropole capitalista que “arrasta todas as nagdes, mesmo as mais birbaras, para a civilizagso™ © que, por meio das suas conquistas coloniais, cumpre a tarefa ~ aliés a *missio" (mission) - de criar 0 mercado mundial® E além de missio fala-se de “destino”: “A India nio podia fugir ao destino (fate) de ser conquistada™'; e, por outro lado, “a humanidade pode cumprir 0 seu destino (destiny) sem uma profunda revolucio nas relagtes sociais da Asia?", Ea Inglaterra conquistadora que leva a efeito na India “a mass grandiosa e, para dizer a verdade, a tinica revolugdo social que a Asia jamais conheceu® Os artigos acabados de citar sio publicados num jornal norte-a- mericano, num pais onde, naquela altura, jd se vai alastrando o tema do manifest destiny, ou seja, da missio providencial que leva os E' em 1845, a arrebatar enormes territérios a0 México € que poste- riormente os impele a pér sob controle ¢ a civilizar todo o conti- nente. Aos acontecimentos em causa faz referéncia em termos liri- cos Engels, que celebra o fato de que gracas também 4 “valentia dos voluntirios americanos”, “a espléndida California foi arrebatada aos indolentes mexicanos, que nao sabiam 0 que fazer delay; aproveitan- do as novas gigantescas conquistas, “os enérgicos Yankees’ dio novo impulso a produgio e a circulacio da riqueza, a0 “comércio mundial” ¢ a difusio da “civilizaio” (Zivlisation). papel dos EUA desempe- nhado no continente americano, Engels parece pretender atribui-lo 4 Alemanha na Europa central, enquanto o lugar do México parece ser ocupado pelas “nagdezinhas” (Nationchen!) eslavas “que nunca t- veram historia” que sé podem alcangar a “civilizagio" gracas a um “jugo estrangeiro™®. TEMARX K & ENGELS F Das Manifest er tommunstchen Part (2545) MEW ci > 466 ‘© MARX K The Future Rast of trgsh Rule india 25-56-1855) MASH S ENGELS F Cenamengabe (apart de agora WECA) Eerim ro pci vot 12 p 248 MARX The Future Result of Be Rte iia tp 248 “NARA K The ature Result of Wich Rein nia (25 96-1853) MECA vat (22 9.272.273 ENGELS F Der demobratsche Paslawismas 1529) MEW vei Vip 273-275 metropole capitalista e A visio que emerge aqui da relagio entre a periferia ou seja, entre a Europa eas col6nias, nio é muito diferente dda que € propria da tradigo liberal. A“missio” € atnibuida nao a um, tanico pais, como nas versoes mais chauvinistas da ideologia em ques- tuo, mas d burguesia capitalista no seu conjunto. A expansio colonial, no entanto, é considerada como um momento essencial do processo de unificagao do género humano, da produgio do mercado mundial da historia universal, sendo que esta dltima “no existiu sempre: a historia como historia universal é um resultado™, £ possivel tal- vex surpreender diferengas entre Marx e Engels. Este ultimo faz-se eco dos tons maniqueistas da cultura e da publicidade liberal do seu tempo quando celebra a exportacio da civilizacao enquanto tal por obra dos paises mais avangados; 0 Manifesto do Partido Comunista em contrapartida precisa que aquela imposta pelo “Ocidente” a0 "Orien- te" nao é a “civilizagio” enquanto tal, mas sim “a dita civilizagio", isto 6 as relagdes “burguesas® Engels omite de modo bastante expedito as objesdes de cariter moral ou juridico a guerra desencadeada pelos EUA contra © México, que sem divida & de agressio, mas que, no entanto, representa um “fato historico universal” de enorme e positiva envergadura: quanto a Europa central, apesar dos métodos usados, um herdi da exportagio da civilizago & Carlos Magno” também, como vimos, jd apontado como modelo por Mill. Marx, pelo contririo, parece assumir um comportamento mais perplexo e sofrido. Sublinha com forca os terriveis custos humanos {que implica a “revolucio social” promovida pelo expansionismo das grandes poténcias, Mesmo querendo limitar-se a penetragao econé- mica, “os efeitos destrutivos da indiistria inglesa, vistos em relacdo & India, um pais do tamanho de toda a Europa, s40 bem palpiveis, tremendos™’; na China “a populagdo em massa cai a pique no pau- perismo". £ preciso considerar também a brutalidade politica e mi- litar da conquista ¢ da dominacio colonial:"a tortura forma uma ins- tituicio orginica da politica financeira do governo” inglés na India; 0 estupro, o massacre a ferro e fogo de criancas, 0 incéndio das aldeias, AIK < Grande er poteachan Gehonomie Os tevin 1953 9 30 ‘wasn & Gewct Bes Manin der hremonatnchen Parte op “INC # De samatiatachaPonlantaman e272 07 “MAAS Theatre Ralf Beak Rae dt 22 22 “PARKA ENCES F Remnant 9880) MEM wel 9 222 >. - so entio entretenimentos gratuites’ dos “oficiais © funcionarios in- sleses” que se arrogam e exercem sem moderasso “poderes ilimita- dos de vida e de morte®. Marx contrapée-se aqui claramente a fi- losofia burguesa da historia propensa a calar a carga de negatividade e de sofrimentos propria da modernidade ¢ a celebrar a ascensio da burguesia na Europa e no mundo como a marcha triunfal do pro- gresso. Em contrapartida, é a um atraso medonho que parece assistir a Asia: “as desventuras infligidas a0 Industéo pela Gri-Bretanha sio de um género essencialmente diferente, ¢ mil vezes mais concentra- do, do que tudo 0 que o pais teve de sofrer em épocas anteriores’. Se nio 0 genocidio, a conquista europeia parece implicar pelo menos o etnocidio: A Inglaterra (...) derrubou todos os pilares da sociedade indiana sem que, por agora, surja nenhum sintoma de regeneracio. Esta perda do seu mundo antigo, nio compensada pela conquista de um mundo novo, confere um género particular de melancolia is misérias presentes dos hindus; e separa o Indust3o governado pelos ingleses de todas as suas tradigées milenares, do conjunto da sua his- toria passada®. O balango histérico da modernidade ¢ do triunfo do capitalis- mo e do Ocidente em Marx é bem mais dramitico que na tradic30 liberal: “O capital nasce escorrendo sangue ¢ lama, por todos os po- ros, da cabeca aos pés”, e esta mixérdia de sangue e lama revela-se com particular e repugnante evidéncia nas colénias. Entre os “idilicos processos" que “caracterizam a “acumulasio originiria” e “a aurora da era da producio capitalista” insere-se a transformacio da Africa numa “reserva de caca para os mercadores ilegais de peles-negras” — observa O Capital com transparente alusio a trigica sorte também dos peles-vermelhas, ou seja, da “aniquilacio, escravizasio e enter- ramento dos indigenas nas minas™', Bem diferente & 0 quadro que Tocqueville fornece da conquista da América, com particular refe- réncia ao Norte: “Embora o vasto pais fosse habitado por numerosas tibos de indige- nas, pode-se afirmar com razio que ao momento da descoberta no © MARX Tha indian Revel (16.09-1857) AVNER (Kart Maron Coonan an Macensation Doubleday New Yo 1068 p 212-218 MARK The Beh Renin p69 MABK Da Kapltat HEM ot Rl 9788 € 779 et 4 srasenso um deserta Os indios acupavam- no mas nfo possuiam, ‘ato que s6 com a agricultura 0 homem se apropria do sola, ¢ os primeios habitantes da América do Norte viviam dos produtos da reer On cus implacives preconcets, a8 suas pixies indomive ‘os seus vicios ¢ talver mais ainda as suas selvagens virtudes expu- niham-nos a uma inevitivel destruigio. A ruina desta populagio: pmegens no dia crm que 08 europeus aportaram As suas costs €, prosseguindo depois cada vez mais, hoje est quase concluida~ Consumou-se ou estd consumando-se um genocidio, mas seja como for insere-se num designio divino, no que cerca de um decénio mais tarde seri denominado 0 manifest destiny de que sio investidos 0s colonizadores brancos: Parece que a Providéncia, pondo estas gentes no meio das rique- 22s do Novo Mundo, lhes tem dado apenas um breve usufruto; num certo sentido, eles estavam Li s6 “A espera’. Aquelas costas tio ade- quadas ao comércio ¢ a industria, aqueles rios tao profundos, aquele inesgotavel vale do Mississipi, aquele continente inteiro, surgiam en- to como 0 bergo vazio de uma grande nagio *. Tio desfigurante 6 o desenvolvimento da filosofia burguesa da historia que ela nao 56 suprime o genocidio, mas até consegue des- crever a infame Guerra do Opio em termos de cruzada pela causa da liberdade e da civilizagio. Se John Stuart Mill defende e celebra essa guerra em nome da “liberdade (...) do comprador” ainda antes que “do produtor ou do vendedor’s, Tocqueville entrega-se aos tons liricos: “Portanto, eis finalmente 2 mobilidade da Europa a bragos com a imobilidade chinesa! £ um grande acontecimento, sobretudo se pen- sarmos que este no ¢ senio a continuagio, a ultima etapa de um rol de acontecimentos da mesma natureza que vio impelindo gra dualmente a raca europeia para fora dos seus confins ¢ submetendo ‘sucessivamente a0 seu império ou 4 sua influéncia todas as outras ‘racas (...j; € @ sujeigdo das quatro partes do mundo por obra da {uinta Convém por isso nio sermos demasiado maledicentes em relagio a0 nosso século € a nds préprios; os homens sio pequenos, mas os acontecimentos so grandes” “. ‘TOCQUEVLE A Ge Dea damocrai en mdrgue trio tala ct. p42 SI Onarga acne (Cartas W heme 217 Se 1800 TOCGIEVILE A Onvees ima tan 2 ia Completes. MAYER, P (org) Caimard, La. Para Marx, em contrapartida, nko 56 sho altissirnos os custos hu manos da expansio colonial como também lancam huz sobre 4 ver dadeira natureza da metropole capitalista que dela ¢ protagonssta: “A pookands hipocr,» intrinnnce bare do conn So berger, tio 4 noms frente sem we amen Gr dan andes mrtg ‘nde tomam formas rapetave, ramon ov oon pars coma nde anda nuee™. Nas colinias, a violéncia da dominaco manifesta-se sem media- gies nem fingimento, “Os pores modemes nko soubera fuser extrac wae daar 2 exravaturs no sew proprio pais © impthla sem mincars 20 move mundo". Neste ponto, a propria delimitacio dos campos da civilizaco € barbirie torna-se problemitica. A Guerra do Opto que vimos susci- tar a aprovacio ou 0 entusiasmo lirico de Mill e Tocqueville torna-se objeto de uma anilise bem diferente em Marx, que ironiza sobre esta presumida “guerra civilizadora’, no decorrer da qual se assiste a uma inversio dos papéis descritos pela cultura ¢ publicidade bur guesa ocidental: na China, enquanto “o semibirbaro fazia honra 20s principios da lei moral, o civilizado opunba-the o principio do Eu”, ou seja, da liberdade de comércio tio eloquentemente defendida pelo filésofo inglés. ‘Sim, 0 emergir da histéria universal pressupée o emergir do mer- cado mundial, mas 0 processo de construgio deste ultimo nso é de modo nenhum a marcha triunfal descrita ¢ celebrada pelos teéricos liberais: foram as coldnias que criaram 0 comércio mundial” (que ¢ “a condigio da grande indiistria"), mas “foi a escravatura que confe- riu as colénias o seu valor”. E todavia, apesar de toda a “amargura” que possamos sentir” pelo ruir de uma civilizagio como a indiana, 0 expansionismo colonial acha uma sua justificasio: A humanidade pode cumprir o seu destino sem uma profunda revolucio nas relages sociais da Asia? Se a resposta for negativa, seja SS MAPKK The Futare Result of rsh Rein ina. tp 252 “= MARK K Miste dela pilosopbie 7) vases soma MEW wok Np 222 MAX K Another Ctsation Wor 10-10-1859 The Oph Trae 20-09 1858 SOMERS 5 nt) at Marton Cooriaisn and Moderator ct. Sele 378 MARI K lsde de a ptsephle 8 22.c30 stems Ce.» 152 3B =. qual foro crime perpetrado pela Inglatera, ela foi, a0 provocar uma volucdo destas o instrumento inconsciente da historia™ Neste sentido, Marx nao consegue realmente superar a filosofia da historia propria da burguesia liberal, embora o progresso e a exporta- ‘30 da civilizagio tio caros a esta classe social revelem agora um rosto bastante mais problematico, e muitas vezes decididamente horrivel: “Quando uma grande revolucio social tiver se apoderado das con- aguistas da época burguest ~ 0 mercado mundial e a forgas produ tivas modernas ~ e as tiver submetido a0 controle comum dos pov ‘ais cvlizados 6 exo 0 progreso humano cesark de se parecer com aquele horrivel idolo pagio, que s6 queria beber 0 néctar nas cavei- ras dos asassinados ®. Por mais altos e barbaros que sejam os custos infligidos as popu- lacdes locais pela expansio da Inglaterra, esta, no entanto, representa objetivamente a causa do progresso e da revolucio. E, portanto, a bur- guesia capitalista desempenha em nivel mundial uma dupla fungao revolucioniria: uma direta, que consiste na exportagio de relacdes sociais capitalistas tanto nos campos situados na metrépole como nas colénias; a outra indireta, por assim dizer via negationis, na medida em. que produz os seus coveiros. Ou seja, estamos na presenca de uma lasse social duplamente revolucioniria no sentido em que, por um lado, ela é protagonista de uma revolucio vinda do alto e, por outro, acaba por trazer a luz do dia os protagonistas de uma revolugdo an- ticapitalista vinda de baixo que se vira contra a propria burguesia. Nas colénias, porém, a revolucdo parecera desenvolver-se, sobretudo, a partir do alto e de fora. E certo que em referéncia a0 futuro da India se formulam duas hipéteses diferentes: “os indianos nio irio colher os frutos dos elementos de uma sociedade nova semeados no meio deles pela burguesia briténica, enquanto na propria Inglaterra as classes dominantes nao forem abatidas pelo proletariado industrial ‘ou enquanto os proprios indianos nao forem suficientemente fortes para sacudirem de cima o jugo da dominacio colonial inglesa"*'. Mas Marx claramente atribui maior crédito a primeira hipotese e nao pa- rece tomar em séria consideracio a hipétese de uma revoluio na- = MA Th eh alain nao 9 273 Wats © The Rare est of brah bei ind 9 258 26 © wash Ti faare Rena of Brith Bae nina 9753 ional e anticolonial. Quando explode a revolts dos Spats na lack, denuncia de fato a hipocrisia da indugnacio obcial que se lamenta 208 quatro ventos pela crueldade dos ineurretos sem dizer ama palsera sobre a dos conquistadores © dominadores, mas quanto a0 resto pa- rece assimilar a revolta aos movimentos wendeance”* com a carga de fanatismo feroz que eles tradicionalmente implacars Hi um elemento de novidade que parece intervir na anilise da situac3o chinesa. Também neste caso, por um lado, existe 1 demons tracio dos elevadissimos custos humanos ¢ sociaie da expansiio colo nial e, por outro, o reconhecimento aos canhies ingleses € europes do mérito de terem rompido “o barbaro isolamento hermético do mundo civilizado”, esse isolamento que “era premises necemiria da conservasio da velha China™, “berso milenar da arquirreagio ¢ do arquiconservadorisrno™. Contudo, a crise devastante provocads no “império mais antigo e sélido do mundo” pela penetras0 colonial parece dever desembocar “numa subversio social cujor resultados terio, porém, para a civilizacio, uma importincia imensa"™. De- sencadeada a partir da Inglaterra, a “revolusio chines reagira com 0 tempo sobre a propria Inglaterra e, através dessa, sobre o continents europeu™; neste caso, as poténcias europeias “estariam prontas” 2 apoiar a “vacilante dinastia Manchu Se na India, ndo se confirmando a hipétese bastante remota ¢ im- provavel de uma revolucio nacional, a ‘revolucio social” provocada pela penetragao e pelo dominio inglés ¢ a extensdo no seu interior de relagdes politicas e sociais mais avancadas, na China parece perflar- -se uma ‘subversdo social” na vaga de uma luta contra 0 pauperismo de massa e a crise econdmica ¢ social que constituem o resultado do expansionismo colonial europeu. No primeiro caso, trata-se de uma revolugdo imposta do alto e de fora e, no segundo, de uma revolucio que, embors vinda de baixo, acaba depois por se chocar nio s6 com a classe dominante interna, Vendeia. ego ral muito aasada tua no crl wines heme 38 Seen Sak se # Revotcio Francesa de 1789, constune-se wm mormerss conveneenaconare tae Pr Date RABE BENGE Fewer 180) MEW va MARR K Revolution in China andin Europe ct. 149 Fide p ASE =~ iro im- mas também com a europeia da qual partiu porém 6 prim pulo para a mudanga.E, todavia, a revolucio chiness vinda de baixo eomada em consideracio principalmente na medida em que ela pe em marcha a revolucio inglesa ¢ europeia que s6 pode assumir tim cariter socialista, e & a esta que se dirige em primeiro lugar a atengio de Marx. £ de uma perspectiva analoga que ele observa a Irlanda, um territério economicamente subdesenvolvido, uma cold- nia, onde “a questio agraria é até agora a forma exclusiva da questéo social” e onde a “revolugio agriria", entrelagando-se estreitamente com a “questo nacional” e com a “luta nacional irlandesa’, pode abater o dominio da “aristocracia fundisria inglesa’, criando assim as condigdes para a emancipagio da propria classe operaria inglesa*. Contudo, no caso da China ¢ das coldnias extraeuropeias, nio parece que na anilise de Marx alguma vez intervenha realmente a categoria de “questio” e “luta” nacional. £ Lénin que, como veremos, procede universalizagao desta categoria, Duas leituras contrapostas de Manx: Lénin e Bernstein Mas, entretanto, deve-se notar que em direco absolutamente con- traposta a do revolucionario russo se move Bernstein, que dedica um capitulo central do texto que di inicio & polémica sobre o “revisionis- mo" precisamente a questi colonial, criticando 0 “apriorismo polit- co” de que dariam prova, também a este propésito, a socialdemocracia ‘ou 0s seus ambientes mais radicais A pretexto da ocupacao da baia de Kiautschou pela Alemanha de Guilherme II, Bernstein declara: “legitimo o que assumiu a politica imperial alema, o assegurar em casos deste género 0 direito de codecisio (juntamente € em concor- réncia com as grandes poténcasrivais, sobre o destino da China), € exorbitando das tarefas da socaldemacracia a oposigio de principio as medidas que dai derivarem (..). Quando depois alguns jorais chegaram s0 ponto de afrmar que © partido tem de condenar no plano des principios¢ incondicionalmente a squsigio da baia - en- {io ndo posso de modo nenhum estar de acordo”®. Podem ou devem-se “condenar ¢ combater certos métodos de submissio dos povos selvagens", mas opor-se a expansio colonial Carta 5. Meyer «A Vogt 09-54-1870 MEW wot mem p 7-005) “HENSTEN P De Yoreuseenrg des Socata und de hgsben Gt Sataldemok rae (1899) 0a ‘ute Kanon Seca ¢seciidemesrania atts Bot eh p ise 319 significa opor-se a modernidade: “Se, antes do tempo, os socialistas Propusessem ajudar os selvagens ¢ os birbaros na sua huta contra a premente civilizaco capitalists, isso seria um refluxo 20 romantis- mo”®, E uma acusagio que surge repetidamente. O anticolonialis- mo ¢ expresso em dltima anilise de uma Kulturkritik conservadors € reaciondria: “Seria um romantismo absurdo conceder a0 mundo incivilizado 0 direito de barrar 0 caminho 20 comércio do mundo civilizado””', A este propésito Bernstein herda o pior da tradicio liberal. Se Mill, como sabemos, celebra a Guerra do Opio em nome da liberdade de comércio, 0 dirigente socialdemocrata alemso, vem se deixar impressionar por este precedente, proclama que “cabe as ivilizagdes superiores o dircito de levarem as inferiores a realizar estruturas capazes de dar seguranga as atividades comerciais” Mas nio se trata apenas de abrir caminho a0 comércio interna- ional e a exportacio dos paises mais industrializados:"A civilizag0 superior tem sempre, em rela¢io as inferiores, o maior direito pelo seu lado, e em certos casos até 0 direito historico, ou melhor, 0 de- ver de submeté-las”, Podern muito bem tornar-se “interessantes” 208 olhos dos “etndlogos” os “representantes de civilizagdes inferiores ou primitivas", mas é inelutivel, todavia, “no plano historico mundial, que eles cedam perante os representantes das civilizagSes superio- res’. A submissio dos povos coloniais nao pode ser obstada nem por considerages sentimentais (nao é licito sacrificar “o futuro da hu- manidade a0 seu passado”) nem juridicas: os representantes de racas fortes, ou seja, da civilizacao superior nao podem tornar-se “escravos de uma legalidade formal’. E 0s massacres e 0 genocidio que tantas vezes tém marcado a histéria do colonialismo? Bernstein limita-se a afirmar que “nio € absolutamente necessirio que a submissio de ‘uma civilizacio a outra seja acompanhada pela eliminagio das racas € nacionalidades menos desenvolvidas: estas, dentro dos limites das suas capacidades de desenvolvimento, apesar de tudo, podem mui- to bem existir””. £ precisamente o dirigente socialdemocrata que *ERNSTEN€ Die devsche Sanaldemokrate und de trischen Wren (1896-1897) wacko mana "MONTELEONE & Tore wl 4 Kautsty Lenin {ston Paoen soma 7G Se " BEANSTENE Det Sonam und tie KavonlMage (1900) waaocao aara MONTELEONE R eeele “dag timbered haus tei 9 " BEENSTEN,E Der Secatomus und die Koloniatage (19001 traduqHo Maan MONTELEONE. 8. Yorke ‘sl imperatismo de KashysLenin ck > 78-20 — apes teorizar sobre uma superior legalidade substancial a partir da filosofa da histéria colonialista e da ideia de missio imperial e civilizadora das grandes poténcias - vai depois exprimir todo 0 seu horror perante a falta de respeito pelas regras do jogo e a violéncia da Revolugio de Outubro. Esta explode dentro da vaga da luta contra a guerra imperialista (que se desenvolveu a partir da concorréncia e das asperas contra- diges entre as grandes poténcias “civilizadoras”) e da dentincia do papel desempenhado neste ambito pela autocracia czarista que se distingue por uma impiedosa politica de opressio nacional até mes- mo no interior do Império. Juntamente com a missio civilizadora do Ocidente no seu conjunto, Bemstein também legitima a atribuida a Rassia: “Quanto aos Estados Unidos, desempenham na América 0 mesmo papel de poténcia tuteladora e dominante que desempenha a Rassia na Asia™. O dirigente socialdemocrata alemio parece ir até 0 limiar do so- Gial-darwinismo: “Todas as racas fortes, todos os sistemas econémicos sélidos, tem a tendéncia para se alargarem e expandirem com a sua Givilizag3o. Este impulso expansionista tem sido em todos os tempos ‘© mais poderoso fator de progresso™®. “Ragas fortes” aqui é sinénimo de racas civilizadas, enquanto na vertente oposta vemos opor-se uma indtil e retrégrada resisténcia por parte dos povos nio civilizados, ¢ até — note-se bem —“incapazes de se civilizarem”: dado que “se insurgem contra a civilizasio", tém de ser combatidos também pelo movimento operirio™. E, contudo, na sua celebrago da expansao colonial, Bernstein considera que pode reivindicar Marc: “S6 se pode reconhecer um direito condicionado dos selvagens sobre os territérios por cles ocupados. A civilizacdo superior tem aqui, em dltima anilise, tam- bém um direito superior. Nao é a conquista, mas o cultivo do solo que cria o titulo juridico histérico a sua utilizagao”. Para confirmar esta tese € citado 0 excerto de O Capital em que se afirma que com 0 advento de uma formacio social superior se tornara obsoleta a apropriacio individual do “planeta”: nem um individuo, nem uma nagio, nem © conjunto da sociedade de uma determinada ¢poca poderio gabar-se de um direito absoluto sobre a terra; os seus “usa- frutuirios tém o dever, como boni patres jamlias, de transmiti-la me- Ihorada as geragies seguintes””. Bernstein parte desta afirmagio nio para contestar 0 rendimento fundiirio ou a especulacio imo- bilidria na Alemanha, mas para reivindicar 0 direito dos proprie- tirios alemies de meterem as unhas também na terra dos powos incivilizados, ou das racas débeis. Fazendo referéncia a propriedade ‘comum do planeta para justificar 0 expansionismo imperialista da Alemanha, 0 expoente socialdemocrata julga colocar-se no terreno do“marxismo”, mas na realidade nio se da conta de que a recupera um argumento clissico da ideologia colonial hi muito tempo em- penhada em afirmar que “a terra pertence ao género humano para sua subsisténcia” e que, portanto, “os povos da Europa, amontoados num territério demasiado reduzido", tém 0 direito de ocupar 0 solo que os “selvagens” nio sabem devidamente fazer fratificar™. £ a partir deste pressuposto que os idedlogos do imperialismo pro- clamam depois 0 direito de todos os povos, ¢ sobretudo dos povos jovens e vigorosos, a conquistar 0 “espaco vital” necessirio para sua existéncia e para o seu desenvolvimento. A incongruéncia da referéncia a Marx por Bernstein ja € posta em evidéncia por Kautsky que, porém, se revela bem farto de in- dulgéncia em relagio a0 colonialismo (‘A luta dos selvagens contra a civilizag3o nao é a nossa luta’) ¢ cauteloso ou vacilante em relacso a Bernstein”. Este iiltimo esta muito longe de se encontrar isolado nos am- bientes da Segunda Internacional. Até na Itilia, onde, porém, mais vigorosa se revela a resisténcia a euforia colonialista ¢ chauvinista, vemos Turati a condenar a aventura na Libia, mas no o colonialismo enquanto tal:"Poderemos ser suficientemente marxistas (..) para re- conhecer na conquista das coldnias uma odiosa mas fatal necessi- O71 RERSTEN EO ds Sociatsmes en de hulgaben Ger Senademotrase oS. Nalara ct. p 218 Cr Mae K bay Kapaa cep Te (75) VATTEL ee dot es gens ou principes de a at naturel (75S) Lvs cap $209 oe ‘SCOTT } rom rg) Retgaa The Caras! weeratora Lam Wasngon 1926 wo 195) (79) feferco por B Morauteone rum txts Ge coments ra araaog Dore pec Raut, La ‘questonecaloniate Fecrnell Muara 1977 9 88 31 dade do desenvolvimento do capitalismo; desenvolvimento que é pressuposto do advento do socialismo”®. E Labriola também parece reivindicar Marx; a prop. briola, Benedetto Croce refere, comprazido e admirado, esta anedo- tu "como educarieis moralmente um papua?”, perguntou um de nés, alunos (...)."Provisoriamente fé-lo-ia escravo, e esta seria a pedagogia coportuna, e depois veriamos se também em relacdo a0s seus netos € bisnetos”'. Podemos agora compreender como foi radical a virada operada por Lénin: “Primeiro, a questo nacional costumava reduzir-se a um grupo res- tnito de problemas, que na sua maior parte diziam respeito as ‘na- ‘s6es civilizadas’. Irlandeses, hiingaros, polacos, finlandeses, sérvios € algumas outras nacionalidades da Europa: era este 0 grupo de povos, privados da igualdade de direitos, por cuja sorte se interessavam os herds da I Internacional. Dezenas e centenas de miles de ho- mens pertencentes aos povos da Asia e da Africa, que sofriam o jugo nacional nas suas formas mais brutais e mais ferozes, no costuma- vam ser tomados em considerago. Ninguém se decidia a por no mesmo plano brancos negras, ‘civilizados’ ¢ ‘ndo civilizados’ (...). © leninismo desmascarou esta disparidade escandalosa; abateu a buarreira que separavabrancose negro, curopeus sticos, scravos do imperialismo ‘civilizados' ¢ ‘nio civilizados’, ligando deste modo ‘© problema nacional ao problema das colénias” Quem se exprime nestes termos é Stilin que, sem davida, ndo conseguit enfrentar na pritica a questio nacional aqui ilustrada com tanta eloguéncia , Resta o fato da grande carga emancipadora ¢ universalista desenvolvida pela ligao de Lénin, O texto de Sté- lin acima citado é de 1924: uns anos antes, no decorrer da guerra mundial, os paises da Entente nao hesitam em usar as populagoes coloniais como carne para canhao. De maneira nenhuma grato, as- sim se exprime em 1922 0 fildsofo liberal Benedetto Croce: “Viu-se a Franga solicitar fremente a ajuda de todos, festejar selvagens bar- sso wo Congreso de Madera. 17 Ge crs de 1911 TURATL F Secialame e Hlrmame nella vo cgp ota Cai Sere poles 2478-1932 Fearne! Maan 1979 p bah * HOCE 8 Ler ean 6 Kexcha Crveates cere sre W198 Lees Bat 1924.2 ed ‘= STALN J Ping del Lenina (926) _ Quest et leita. ado talara. Eon Tania Nora 180 p 39.00 Sire otra Sine grtoracond en OSNAOO D aot 32 Retin rca ge veer com Ve ene ce WOOO baros, senegaleses ¢ gurkas indianos que pisavarn 2 sua doce terra” ®. Ainda neste periodo de tempo, nos EUA comeca a grassar 0 nati- vismo que poe debaixo de mira os judeus, 0s orientais € sobretudo 08 negros; estes dltimos comegam a deixar de softer passivamente, € entio passam a ser acusados de bolchevismo. A sua resposta € simples e clara: “Se combater pelos seus direitos significa ser bol- chevique, entio somos bolcheviques no hé outro remédso senso aceité-lo”“, Lénin e a Revolugio de Outubro abriram um capitulo novo da histéria, pondo em crise ou contestando radicalmente 0 que mais tarde Togliatti denunciara como a “barbara discriminagio entre as criaturas humanas” propria da “doutrina liberal” ® e festa propria também por Bernstein. Critica do eurocentrismo e ruptura da visdo unilinear da hist6ria Nao se pode compreender nada de Lénin sendo a partir da cri- tica a que ele submete a filosofia burguesa da histéria, 0 mito do manifest destiny, ern cuja base 0 Ocidente e as racas superiores se sen- tem investidos da sagrada missio de conquistar e “civilizar” o mun- do inteiro, sem se preocuparem com os terriveis custos humanos ¢ sociais que tudo isso implica. A ruptura com este mito ¢ também a ruptura com 0 “revisionismo" de Bernstein, que se limita a exprimir brandas reservas sobre os métodos aplicados pelas grandes poténcias no decorrer da sua benéfica e imparavel expansio colonial. Trata-se, porém, de métodos reveladores, e 0 revolucionario russo descreve- -o sem as reticéncias ¢ as indulgéncias do socialdemocrata alemio: “Nao hi limite para as violéncias nem para o saque a que se chama sistema inglés de governo da India”. E, contudo, nio é isto o essen- ial. Esses métodos no sio uma coisa exterior a0 regime politico dos paises que 0s aplicam, ndo sio uma coisa substancialmente irre- levante em relagio a definigio da natureza concreta daquele regime politico. Ou seja, nio se trata tanto de lamentar 0 recurso de paises ‘CROCE, 8 Framment dt eticn (1922) __ Eoca petica (2990) ane. Sar ‘conta ps ‘FAD 1» From Slavery to Freedom. AMistor of Megre Americans (947 1980 2" © TOCLIAT.P'ineema dere (1954) Boer tev sor Bare democraticos a métodos antidemocriticos, mas sim de ver em que medida estes ultimos tornam problematica a definig’o daqueles pai- ses como “democraticos”. Mas com as coisas neste pé, também se revela problematica a dicotomia civiliza¢ao/barbirie: “Os politicos mais liberais ¢ radicais da livre Gri-Bretanha (...), quando se tornam governadores da India, transformam-se em verdadeiros Gengis Khan” *. Lénin entio pode ironizar, ja no titulo de um artigo, sobre a tradicional contraposigio entre “civilizados europeus” e “birbaros asidticos” ”. J4 nao ha lugar para a celebrac3o da expansio colonial enquanto exportacao de rela- Ges sociais e politicas mais avancadas, enquanto revolucio, mesmo sendo conduzida por cima e de fora. £ certo que o“capitalismo mun- dial” comega a desempenhar uma fungio objetivamente progressiva, mas s6 no sentido em que provoca o despertar de “centenas de mi- Ihdes de homens, humilhados e embrutecidos por uma estagnagio medieval’, os quais, porém, despertando “para nova vida e para a luta pelos direitos elementares do homem e pela democracia’, acabam por entrar em choque com as grandes poténcias coloniais, precisa- mente do Ocidente *. A hipétese a que aludira Marx (a revolugo chinesa” em luta com a “vacilante dinastia Manchu” e com “as po- téncias europeias” que a apoiam) parece ter-se tornado a regra. Eis entio que os papéis se invertem, como esclarece um artigo posterior, “A Europa atrasada e a Asia avancada”. A contraposicao destas palavras parece um paradoxo. Quem nao sabe que a Europa é avangada, e a Asia atrasada? No entanto, as pa- lavras que formam o titulo deste artigo encerram em si uma amarga verdade (..). Na Asia desenvolve-se, estende-se e reforca-se por toda parte um poderoso movimento democritico. (...) Centenas de mi- Ihdes de homens despertam para a luta, para a luz, para a liberdade (..). E'a Europa “avancada"? Esta saqueia a China e na China ajuda 0s inimigos da democracia, os inimigos da liberdade! E se esta iltima viesse a estorvar 0s planos de saque colonial ou neocolonial da burguesia europeia? crt mrepe «barber aati (913) Ope ot. vl Ah p retin fea iv) oo cx we np ee 0 Charge areata asa amauta 95)) psse kwh tk p 8102 ‘Oh, entéo a Europa “avancada” lancaré altos gritos imwocando , um pais derrotado) vindos da Holanda: “Aqui termina 0 mundo ci- vilizado” "". ‘Mesmo para o que se relaciona a guerra na Asia, convém prestar mais atengao is paginas menos conhecidas da histéria, ou seja, sobre 0s processos de desqualificac3o racista do inimigo que intervém na- queles mesmos paises de consolidada tradi¢ao liberal. Extremamen- te significativa é a ideologia dos soldados americanos que lutavam contra 0 Japao, assim colhida de um relato americano: “para 99%", as “motivacdes mais fortes sio (a) 0 nacionalismo (...); (b) © pre- conceito racial: desprezam os japoneses, como desprezam os negros, embora em menor escala”. Os japoneses vém normalmente defini- dos “como ‘chacais’ ou ‘homens macacos’ ou ‘subumanos’, termos empregados pelos alemies nos confrontos com os russos, 0s polacos ‘outros eslavos” . A ideologia dos soldados americanos que lutam no Extremo Oriente é carregada de motivos esparsos da tradicio colonial, semelhante a ideologia dos soldados alemies que lutam na Europa oriental. Por tras da relativa imunidade da Unido Soviética a tais processos de desqualificacao racista ha, além obviamente das liges de concre- tude histérica ¢ social de Marx, também as de Lénin, o qual, insis- tindo exatamente sobre as caracteristicas objetivas do imperialismo, evita as explicagées da guerra que a atribuem exclusivamente a um imaginario povo alemao, massiva e coerentemente militarista e guer- reiro a0 largo de toda a sua historia O Tratado de Versailles, cujo art. 231 sanciona a culpa exclusiva, da Alemanha, parece vingativo e feroz aos olhos de Lénin ~ ain- da mais do que 0 de Brest-Litovski - , é a expressio da rapacida- de imperialista que as poténcias vitoriosas tentam apresentar como constituindo trago inseparavel da esséncia dos alemaes ou melhor, dos hunos. Em se tratando da Segunda Guerra Mundial, ja alguns ‘meses depois da Batalha de Stalingrado, a URSS apoia a formacio de ‘uma Liga de Oficiais Alemaes (antifascistas) e do Comité Nacional Alemanha Livre. Apesar das perdas ¢ dos sofrimentos indescritiveis Provocados por esta agressio da Alemanha nazista, e embora essa * BSCAOE STERN Ginter & AMBROSE € reduction ct. p17 “FUSE. Werine(19891Tacuch tara Tempo @ gutta Mondaden, Mista 1991. 17-1700 agressio paresa colocar-se numa linha de contimundade que re=onta 20s cavaleiros teuténicos, cuja insparagso Mem Kampf © explcta- mente reivindica, apesar de tudo isso, Stélin no parece mnchnado 4 desqualificaséo racista em bloco de todos os alemies Em agosto de 1942, ele declara: Seria ridicule nascar» quarts hii com © poms seme ou com 0 Estado alemia As experiences de tess demometace (gor os Hitlers io e vim, mas que © powe seman Emad amin contmaam. A forg do Extrcizo Vermetbe ride ox que cle maze € nio pode mutrr nenhum édio racial contra out poms fem mesmo contra © pove slema” = Stilin € assim pouco propenso a embasar toda a historia da Ale- manha no Terceiro Reick; ¢ depois, a0 langar um apaixonado apclo & unidade nacional na “Guerra Patriética” contra os imvasores nazistas denuncia Hitler como um continuador, em virios aspectos exen- ais, do czarismo derrotado pela Revoluc3o Russa: "Na sun exéncia © regime de Hitler ¢ uma cop daqueie seme reacionaio que exstis aa Risa sob o cearama f sotns gat hiterisas stropelam on direitos don operrion on Smo dex s- telectuais € os direitos do povo, assim come © repmne Caarsta oF atropelava; ¢ ordenam pogems medievass contra os padeus como © regime czarista os ordensva. © partido hithera ¢ wm parse dos ‘inimigos das liberdades democratcas, partsdo da reacéo medieval ¢ dos pogroms mais tenebrosos” Nio se trata de uma anotagio isolada. Repetidamente. os nazis slo rotulados de “herdis dos pogoms", que em vio tentam camuflar ou embelezar sua “reacionaria natureza pogromista” ">. Por outro lado, ja nos anos anteriores 8 eclosio da Segunda Guerra Mundial. antes do seu misterioso assassinato, Kirov denuncia “o fascismo alemio, com a sua ideologia dos pogroms, 0 seu antissemitismo € a sua visio de racas superiores e inferiores", como herdeiro dos Cem Negros russos', Se 0s dirigentes sovieticos se preocupam em distinguir en- thea “clague hitlriana" eo povo alemio, Franklin Delano Roosevelt exprime-se desta maneira: Termes de ser dures com a Alemanha ¢ entendo 0 povo alemio, ¢ pio sd 0s nazis Temas de castrar 0 povo alemio ou trati-lo de modo Gque jd ndo poss mesmo continuar a reproduzir gente que qucira comportar-s como no passado ‘A ideia da “castragio" exprime com clareza 0 completo processo de desqualificaio racista do inimigo. Compreende-se a indignada reagio de Benedetto Croce que, ao insistir na “natureza histérica” do ‘mal” constituido pelo regime e pela ideologia hitlerianos, subli- nha que as invocadas “esterilizagées” imitam na realidade o “exem- plo dado pelos proprios nazis” "*. Com efeito, nos anos do Terceiro Reich, a “solucdo final” & antecedida por recorrentes programas ou sugestes de “esterilizagio em massa dos judeus” '?". Contudo, de- ve-se ter presente que ji no decorrer do primeiro conflito mundial, um pio e escutado pastor americano invoca a esteriliza¢io forgada dos alemies '. Mais de 25 anos depois, é precisamente Franklin Delano Roosevelt que, revelando seducio por esta ideia, a ser reali- zada em prejuizo tanto dos alemaes como dos japoneses, cultiva por um instante, em relagdo aos inimigos asidticos, uma ideia ainda mais extraordinaria, a do “cruzamento forgado com os habitantes do Mar do Sul, de modo a erradicar a barbarie dos japoneses” ™, A desqualificagio racista do inimigo abre caminho a formas de violéncia que atacam todo um povo e que assim vio em diego 20 genocidio. Em abril de 1941, Churchill declara: “Hi menos de 70 milhdes de hunos malvados. Alguns (some) so para tratar, outros TUCKER FC Stain a Power. The Revoltion from Above. 928-1941 Norton New or-London £999, 258 SL ECO) Omer mses vacuo ara ct p23 das spunea Carmania con (Eorope 3943) ‘Seren « escom pit {3945-19671 se Bepoes taped 1995 fret Vat ea Ee Nocona p 159-258 5 The Areitct of Ganacie (1991) Tsucho mason homme’ H borscate dels TS ANOS Ameria Nast A emocrtc Olmert Mens Pek ryan 1990.9 10-11 © ras» Armed rca The Sepang ef te Calé Wor 1505-1500 [soe Serpe. London 2968p 10-1330) Dcarso 68 17 6 art Ge 1941 CHURCH W Oe Complete Specches ti Coetsea Nowe. New tone Landon 1974p 6584 Panes sees chon eersde NOTE € Oe ecoptiache Bgerreg 1917-1945 Ratcnatsstatoes one boucnee ‘un ner, Forahat a M Bern 1987 p05. Qua portn vecut urdenccronene coer Pur te Andee. como se se vate Ge toon of euro Do conesa side menses ne ses Sve pet nim cesbene meni que o estas angio-tndetenoe a rouan come eT (others) séo para matar: entre estes dltimos, muitos estéo ja empe- nhados em oprimir austriacos, tchecos, polacos, franceses € as nu- merosas outras antigas racas que eles agora tiranizam e ssqueiam™™. Nio parecem ser muitos 0s birbaros alemies susceptivess de serem tratados e cooptados para 0 mundo civilizada Talvez néo deme de ter relagdo com esta visdo a decisio do govern ¢ do Estado-Maior britinico de proceder a bombardeamentos aéreos que provocassem © maior nimero possivel de vitimas entre a populagso civil alemi, com a destruicZo sistemitica em primeiro lugar dos bairros popu- lares (onde € mais elevada a densidade populacional); Churchill um dos protagonistas da aprovacio desse plano, sem se demar in- timidar pela lembranca de que no fim da Primeira Guerra Mundial se tinha batido para que fossem processados como criminosos de guerra os pilotos alemies, protagonistas de bombardeamentos sem duvida muito mais brandos™. Se Franklin Delano Roosevelt declara em Yalta que se sente “mais sedento de sangue do que nunca em relacio aos alemies” ™, o seu f- Iho Elliott pronuncia-se pelo bombardeamento do Japio “até termos destruido metade da populagio civil”™. Trata-se de sentimentos sugestdes largamente difundidos: a crer numa sondagem de novern- bro de 1944, 13% dos americanos sio propensos 30 aniquilamento de toda a populasio japonesa; por outro lado, interrogados sobre o que se deveria fazer com o pais asiitico entio ja destruido e pros- trado, um grupo de oficiais treinados para serem membros do futuro governo militar responde “Deixar morrer de inani¢3o os bastardos amarelos” "5. E neste contexto que provavelmente se deve colocar SCL VEALEF 1 Advance to Barbarian. Te ot Tcl arta (948, Newer Sea Ook senate for eons Rev 1979 > TT BIG © Te Seman of Des See) cus tatara Apacatme #Grsch | Bonbarcarers ei rem 1908 Monaioor DI 2 © SOAMED AP Charen pevatr tre ntarvention und Konterewoation in risen Sarpertieg November 118Murs 1900 suseee Toren 197A 8 SIE BACQUE | Omer Lames tacugdo ealara ct. p27 ‘EF THOMAS Armd ren 02-585 Mas avanga Paul” MON. eescee a Wr Maroc Com ‘ssion que eige > entermin Gos sponeses ha tanaace” De esa jt airs de Peet MBO ‘plane eaborags pein gener George © Marval pve “eaques scencurcs perena=s Om ‘fen de lange fogs bs efvuuras oe maceva ee Cro das Cases Sovurmens pow Come femsto stahad on apeos ao ererminsGa aga japonesa” provements ot Tes ma ‘dos aa admmsvacSo" os EUA so nes mas compreersves Deiat Gr gu. Gr a € 32 bute o cana # senda e representa como uma paca rac At a mas race OTS Smercona enoennrse em Gesumanaw’ © namega pears cone = Cope dt me Sangunares sore tos ta Ct RARWOCD,R Ames td lapanese Rewsted By Por of The Pacts War Inuernaional Mera Tribune 1° eaposo de 1995 "Cr FRIEDMAN Gm LEESON The Coming War with Japan Sc arn Pres, New York {994.93 a7 Co 48 istro do Tesouro dos EUA) que propse o do aparelho industrial da Alemanha © a lizacao”. Se a URSS vé nesse plano a pos- silidade de anexar uma massa considerivel de maquinaria alema fer compensao das perdas e dos desmantelamentos sofridos no Ulecorrer da guerra) ¢ a Inglaterra nele v8 a ambicionada ocasiao para \anren de uma vez para sempre do mercado mundial um perigo- aoeal no faltam expoentes da administragao americana que tém vecientemente em mira o manter a populacio da Alemanha num ‘subsisténcia”, de modo a fazer “sofrer os alemaes por seus pecados” importhes a tortura que eles infligiram a ou- tros”!®, Mais uma vez, todo um povo é tomado em bloco € consi- derado coletivamente culpado e pecaminoso com uma total omissi0 das impiedosas perseguigdes a que 0 Terceiro Reich tinha submetido o plano Morgenthau (min radical desmantelamento sua consequente “pastoral simples “nivel de (08 seus opositores internos. Seja qual for 0 juizo politico e moral que se faga de Stalin, restao {ato de ele, tendo presente a ligao leninista, insistir em que a génese ¢ as modalidades da guerra “nio se podem explicar por meio das caracteristicas pessoais dos japoneses e dos alemaes” "”, Quando, por alturas do fim do conflito, o escritor Ehrenburg, deixando escapar a mio, afirma que os alemies sio “todos uma quadrilha", logo inter- vvém duramente 0 Pravda a condenar estes esteredtipos ¢ a recordar a declaragao ja referida do lider soviético em agosto de 1942", Este comportamento pode muito bem ter correspondido a cilculos di- plométicos ¢ exigéncias propagandisticas, sem por isso deixar de ser emblemitico Contudo, em confirmacio da tese que avancei aqui, se pode adu- Zit a observagao de um historiador bem longe de ser suspeito de in- dulgéncia em relacdo 4 Revolucao de Outubro e ao pais dela nascido. Segundo Ernst Nolte, ¢ licito considerar um mérito do comunismo soviético o fato de, no decorrer da guerra, s6 por breve tempo ter assumnido a representacao hoje chamada “racista” ~ os eslavos contra % Quen acta polemcaneree bo cet "2 ds aera wrercara Simson ct SIMSON H LB BUNDY, ouige On dct vance nasce sod Wat Don Bohs aoe mtn ats cae bck he ee 197 S759 a ae ececaoer gran Meee eer SEIS Sai Ate hepa 65) i tata Stn Un tea plica ‘ere Mara ss Stora sean Mondor Wane 1979 os slemies ~ pars, pelo contririo, retornar bem depress 4 represen taco de que havia, no povo alemio, nacionsl-socialsstas ou fascistas antifascistas, no nacional-socialistas ¢ antinacsonal-sociaksatas. O s- jeito de que se tratava er2 constituide pelo nactonal-socialiamo on talvez pelo capital monopolista que estava por tris debe Esta ¢ acimna de tudo uma representasio historica, enquanto 3 oeste, curios © p2- radoxalmente, se manifesto uma expéxse de copia da representario cara 20 nacional-socialismo, segundo a qual os suextos so as ‘Assim procedia também a literatura de guerra dos aliadc nio a Hitler, de Lutero a Hitler etc Naturalmente, a brutalidade da Segunda Guerra dos 10 Sov feréncia ‘Anos faz-se sentir plenamente na conduts da Us de Lénin-e, ainda mais, na de Stalin. Este tltumo, na cont de Teera de 1943, propde num brinde o fuzilamento sumario de cinquenta mil oficiais alemaes de modo 2 liquidar de uma vez para sempre o poderio militar da odiada Alemanha. [sto suscits indignacao de Churchill. £ certo que 0 tinhamos visto formula, dois anos antes, um programa bem mais “radical”; € igualmente certo que, ainda antes da derrota do Terceiro Reick, o estadista inglés se move ja com os olhos postos na Guerra Fria ¢, portan- to, a partir do calculo de “enfraquecer a Alemanha (55) quanto bastasse para fazer dela um util satélite contra 2 Russia”. (Por outro lado, ainda em 1937, embora no ambito de um comporta- mento hesitante e contraditério, Churchill falara de Hitler como de um “campeio (...) indomavel” da luta contra 0 bolchevismo "41_ Resta o fato de caber a0 conservador primeiro-ministro bri- tinico 0 mérito de se ter solitariamente oposto a uma proposta ou a uma sugestio em gritante contradisio com todas as nor- mas de dircito internacional, como a que emergit: em Teers. Em relagio a Stalin, afinal, nio levantam objegdes nem Roosevelt, nem muito menos o seu filho Elliott, que alias aumenta a dose com um brinde a morte de “ndo s6 cinquenta mil... mas tambem de mais centenas de milhares de nazis", acrescentando depois: “tenho a certeza de que o exército dos Estados Unidos estari GE SCHMIDT MB STEN, D tm Gesprach mit Ems Nolte Junge Foes Pom SS BACQUE 1 Other Loses tasugas ara ot > 20 SAARSUTT F) Theron Curtain => 5 49

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