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TCC - Jesus e As Mulheres - 04-05-23
TCC - Jesus e As Mulheres - 04-05-23
JESUS E AS MULHERES:
uma análise do modelo narrativo de Lucas para a pastoral de Francisco
Belo Horizonte
2023
João Batista Afonso
JESUS E AS MULHERES:
uma análise do modelo narrativo de Lucas para a pastoral de Francisco
Belo Horizonte
2023
João Batista Afonso
JESUS E AS MULHERES:
uma análise do modelo narrativo de Lucas para a pastoral de Francisco
__________________________________________________
Prof. Dr. Pe. Junior Vasconcelos do Amaral - PUC Minas (Orientador)
__________________________________________________
Prof. Dr....................... - PUC Minas (Banca Examinadora)
Palavras-chave:
ABSTRACT
Throughout human history, women have conquered their important space in various
sectors of society. Within the evolution of the church, it was no different, where it
increasingly claimed its essential participation in the dissemination of the Father’s word.
Referring to Luke's narrative model and Francisco's pastoral, an analysis of Lk 2, 22-39 was
carried out with the inclusion of the prophetess Anna in the presentation of the Child Jesus in
the temple. Evolving within the historicity of female participation in the construction of the
church, the presence of women in meeting and following Jesus was verified, giving the name
to this research, Jesus and women. The essential participation of women in the evangelization
of the word in the society under construction throughout its chronological rise was
punctuated. As written by the Roman pontiff in women according to Pope Francis (2019):
“women are witnesses of the beauty of the world”. The recorded testimonies show how the
progress of the church inserted these women into the journey and also bring reflections on
what must be done to continue the path of this indispensable participation of women in the
proclamation of God's love.
Keywords:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo destacar as mulheres como modelo narrativo para o
evangelista Lucas e para a pastoral de Francisco, visto que, para o romano pontífice, as
mulheres são testemunhas da beleza do mundo.
Na primeira seção será apresentada a profetisa Ana na perícope da Apresentação de
Jesus no templo (Lc 2, 36-38), sendo Lucas o único evangelista a fazê-lo, destacando a
detalhada descrição da profetisa Ana com gestos de olhar e aproximar. Lucas valoriza o
conteúdo teológico do testemunho de Simeão ligando-o ao testemunho de Ana. O valor de um
acentua o do outro.
Na segunda seção, serão apresentadas algumas mulheres – umas terão seus nomes
relatados, outras receberão o título de mulher –, com fontes extraídas do Evangelho lucano e
de outros evangelistas. O destaque é dado à companhia feminina de Jesus, quando mulheres
exercem diaconia, de modo a servir e dar testemunho do evangelho para quem for encontrado
pelo caminho.
Outras mulheres serão apresentadas no encontro com Jesus; por Ele são curadas de
enfermidades e isso proporciona uma mudança na vida delas.
Na terceira seção, será focalizado o valor da mulher nas pastorais, o olhar do Papa
Francisco que, desde o início de seu pontificado, tem-se voltado para o papel das mulheres na
Igreja e na sociedade. Nossa reflexão será feita a partir do evangelho, encaminhando-se para
nossa experiência pastoral. Do ponto de vista teológico, ressalta-se que as mulheres são
portadoras de harmonia na Igreja e também no mundo.
Para o registro da vivência pastoral, serão colhidos depoimentos de mulheres que
exercem pastorais como ministras das exéquias, da Palavra, extraordinária da comunhão;
como missionária leiga e missionária consagrada no trabalho da evangelização, reafirmando a
importância de seus exemplos para a transmissão da fé, dos gestos de cuidado e ternura que
ajudam a crescer e geram esperança para um mundo melhor, mais humano, mais fraterno.
1 A PROFETISA ANA E SUA HISTORICIDADE
Havia também uma profetisa, chamada Ana, de idade muito avançada, filha de
Fanuel, da tribo de Aser. Após a virgindade, vivera sete anos com o marido, ficou
viúva e chegou aos oitenta e quatro anos. Não deixava o templo, servindo a Deus dia
e noite com jejuns e orações. Como chegasse nessa mesma hora, agradecia a Deus e
falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. (Lc 2, 36-38).
Como Simeão, Ana viveu à espera pelo cumprimento de uma promessa do Senhor, a
consolação de Israel, compartilhando sua experiência com aqueles que esperavam a libertação
de Jerusalém. Alguns textos proféticos nas escrituras nos remetem à renovação da aliança
entre o Senhor e Israel, onde selaria com seu povo uma aliança eterna: “para ilustrar essa
aliança, os profetas utilizaram diferentes imagens simbólicas, entre elas o celebrado entre
esposo e esposa” (ULLOA, 2012, p. 208).
Na perícope, Lucas ilustra que Ana fora casada por sete anos depois de sua virgindade,
ficando viúva por um prolongado tempo, o que nos convida a refletir o estado de Ana
(virgem, casada e viúva). Seria a personificação de Jerusalém, metáfora de todo o Israel.
Lucas vai construindo o perfil dessa figura um tanto quanto misteriosa. Giannarelli (apud
ULLOA, 2012, p. 200) destaca que a ação desempenhada por Ana no conjunto da perícope é
seu testemunho, o qual, apesar de não ser explícito, se encontra em perfeita continuidade com
o testemunho de Simeão, com a adoração dos anjos e a contemplação dos pastores.
Para Bovon, citado por Ulloa (2012, p. 201), Lucas decepciona seus leitores quando não
diz nada sobre o conteúdo das orações e das palavras de Ana. Contudo, Ulloa atribui ao
episódio final da profetisa a função de coro final, pois o peso teológico repousa no encontro
de Simeão com o pequeno messias.
Observa-se, portanto, que não registrar sequer uma palavra de Ana significa que seu
anúncio profético está implícito na descrição de sua vida, enquadrando-se no tipo profético de
figura com o sinal ou testemunho. O anúncio profético é comunicado por meio de sinais,
alegorias, parábolas, símbolos, nomes ou pela vida do profeta. Ana se enquadra neste último,
sua vida como testemunho.
Israel, deixando sua virgindade, se casa com o Senhor. Mas, devido à sua infidelidade,
rompe a aliança, sendo submetida ao estado de viuvez, como se seu marido estivesse morto
reproduzindo, então, a experiência paradigmática de Jerusalém em Ana, um povo que vivia a
esperança (Is 54, 4-5); (Is 62, 4-5); corresponde também à expectativa dela. Lucas irá utilizar
dois numerais: sete anos de matrimônio; oitenta e quatro de viuvez.
Nas escrituras, o número sete e seus múltiplos possuem valores simbólicos, aparece
centenas de vezes; no Novo Testamento, no Apocalipse, significa perfeição, plenitude e
totalidade, e nos evangelhos, perdoar sete vezes sete (17, 4; Mt 18, 215); saem sete demônios
de Madalena (8,2); os sete irmãos que um depois do outro se casam com a mesma mulher
para cumprir a lei do levirato (Mt 22, 23); Jesus envia setenta e dois discípulos (10, 1ss). Em
síntese, estudos mostram a utilização do número sete, no sentido de um período de tempo
completo. Quanto aos oitenta e quatro anos de vida de Ana, o texto lucano não define esta
questão.
Ao ser apresentada, Ana é colocada em paralelo com Judite da tribo de Simeão, esposa de
Manassés, também de idade avançada, casada uma só vez, permanecendo viúva por um
prolongado tempo (Jt 16, 21-23); nos escritos lucanos, Ana rende graças e louva
personificando Israel-Jerusalém.
Os jejuns e orações nos remetem a Daniel que, ao ler as profecias de Jeremias (Dn 9, 2-3),
fará jejuns e orações para se dirigir ao Senhor. Daniel e Ana se enquadram dentro da
expectativa da intervenção divina, os jejuns e orações em sinal de penitência, enquanto se
espera o cumprimento de Deus da sua promessa em favor de seu povo.
Lucas nos relata que Ana não se afastava do templo, servindo com jejuns e orações. Nas
escrituras, o não se afastar nos remete à lembrança de que Deus não se afastava de seu povo,
guiando-os dia e noite (Ex 13, 21-22). Josué também não se afastava do santuário (Ex 33,11),
servindo ao Senhor com fidelidade.
As convocações para o culto (serviço) fiel e a permanência no templo são qualificados em
Ana pelas orações e jejuns em sua perseverança na espera fiel de que Deus cumpra a
promessa do resgate de Jerusalém. Lucas usa o verbo servir onze vezes (3 vezes em Lc e oito
vezes em At), com conotação de adorar, prestar culto a Deus.
Foi servindo dia e noite no templo que Ana viu o rosto do Cordeiro, presenciando sua
apresentação no templo. Acompanhou Simeão, que tomou o Menino em seus braços, falando
dele a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém (Lc 2, 38).
Ana é apresentada com muita discrição, mas é interessante analisar suas ações descritas
por Lucas, permitindo-nos, por meio de três verbos, a proposta inclusiva para as práticas e
costumes hebraicos: aproximar, exaltar e falar.
Aproximar, o verbo grego que traduz raízes hebraicas, e pode em vários contextos ser
empregado tendo como sinônimos: alcançar, estar junto a, estar presente. Aproximação seria o
termo mais comum em uma ação cultual diante do Senhor. Como descreve Lucas, Ana se
aproxima da criança que está nos braços de Simeão: “como chegasse nessa mesma hora” (Lc
2, 38), estar diante de uma pessoa de posição mais elevada, diante do resgatador-salvador
realizando uma adoração púbica.
Exaltar o Senhor por feitos grandiosos junto ao povo de Israel, como libertação e
restauração relacionados a Jerusalém e seu santuário, render graças a Deus naquele momento
é apresentado por Lucas como um motivo único, a presença do Messias do Senhor no templo.
Falar a todos que aguardavam com expectativa o resgate de Jerusalém; ao povo de Israel
que se reuniu como um só homem para reconstruir o altar do Senhor. Ao final dos trabalhos,
sacerdotes e levitas convocavam a todos para louvar e dar graças, aproximando-se do Senhor,
pois sua misericórdia dura para sempre. Choravam, gritavam de júbilo e alegria. Essa foi a
ação de Ana, apresentada em seu encontro com o Messias prometido. O serviço de diaconia
inaugura-se com a sogra de Pedro que, após a cura, se pôs a servi-los (Mc 1, 31).
Ulloa (2012, p. 208-209) fala sobre o estado de viuvez. Estudando o contexto da palavra
viuvez, traça um paralelo apresentado por Lucas; prolongado tempo em que ficou viúva,
portanto, sem ser casada, personificado com Jerusalém (metáfora de todo Israel), que deixa
sua virgindade e se casa com o Senhor; porém, devido à sua infidelidade, a aliança se rompeu,
submetendo-se a um estado de viuvez. Jerusalém e sua experiência paradigmática sendo
reproduzida na vida de Ana: “A consequência da infidelidade à aliança torna o povo de
Jerusalém como uma mulher viúva e solitária.” (ULLOA, 2012, p. 208-209).
Observa-se que, segundo o Deutero e o Trito-Isaías, o estado de viuvez de Jerusalém não é
perpétuo, a esperança anunciada a Jerusalém, que em meio a sua viuvez esperou o seu Go’el
(Is 54, 4-5; Is 62 4-5), corresponderia também à expectativa de Ana, que sendo introduzida
nessa perícope, vem com o objetivo de unificar os reinos do norte e do sul, após a separação
de ambos. Sendo Aser uma das dez tribos do norte, afastando-se das leis do Senhor,
rompendo-se a aliança e mergulhada em idolatrias, unindo-se a outros povos; e ela era de
origem dessa tribo.
Ao olhar para o Menino nos braços de Simeão, Ana o identifica. Lucas recorre ao
evangelista Marcos que, em várias passagens, descreve o verbo Eiden, ver em um sentido
mais profundo, identificar como ter empatia. “E passando, viu Simão.” (Mc 1 16). Jesus, ao
olhar para alguém, o identifica. Aqui há o paralelismo com Ana, que O identifica, por isso
louva e dá graças a Deus: “falava do Menino a todos os que esperavam a libertação de
Jerusalém” (Lc 2, 38).
O evangelista Marcos apresenta-nos Jesus, após ser batizado por João Batista, dirigindo-se
para a Galileia. Por que a Galileia? Geografia? Teologia? Kaper-Naun, que significa casa do
consolador; aqui percebe-se uma crítica, pois ali residem os pobres, marginalizados,
perseguidos pelas autoridades da época: fariseus escribas, mestres da lei etc. Distantes de
Jerusalém, reino do norte, para anunciar que o Reino de Deus está entre eles, portanto, devem
converter-se e crer no evangelho. Jesus vai aos pobres, os vê e os identifica. Lucas antecede o
gesto de Jesus, quando insere Ana, que chega naquele momento e o identifica.
Jerusalém, reino do sul, o templo está geograficamente em território das tribos de Judá,
Benjamin ou Levi, agora unificado por Lucas com a inclusão de uma mulher com título de
profetisa conferido por ele, oriunda da tribo de Aser, reino do norte, Galileia, lugar dos pobres
marginalizados.
Como modelo narrativo, Lucas traz a presença de mulheres com atuações marcantes e
dando sentido ao papel desempenhado por elas. Veremos ainda, dentro da perícope na
apresentação do Menino Jesus no templo, em sua descrição, que Ana antecipa o trabalho de
evangelização, falando do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém (Lc 2,
38). Seu gesto de aproximar antecipa a cena construída no sentido de milagre – “Dynameis”,
quando Jesus, alguns anos depois, aproxima-se da sogra de Pedro e a levanta, pegando-a pela
mão, inaugurando o projeto da ressurreição. Simeão levanta o Menino, ergue-o nos braços e
bendiz a Deus: “Agora, soberano Senhor, podes despedir em paz o seu servo, segundo a tua
palavra, porque os meus olhos viram tua salvação, que preparaste em face de todos os povos,
luz para iluminar as nações e glória de teu povo, Israel.” (Lc 2, 29-32).
Ana chega, se aproxima, viu e ouviu, levando a todos os que chegavam o fato
presenciado. Antecipa as mulheres narradas por Lucas, que vão ao túmulo de Jesus e o
encontram vazio (Lc 24, 1-8), quando naquele momento ouve de Simeão que se dirige,
profetizando, a Maria (Lc ,34-35), presenciado por ela o plano salvífico de Deus.
Com jejuns e orações, não se afastando do templo, apresenta o Senhor, o conhece em
Jerusalém. De fato, Jesus inicia seu ministério na Galileia, onde ensina com autoridade, não
como os outros em Jerusalém, lugar dos poderosos, nobres e funcionários públicos.
Em Cafarnaum, nas sinagogas, fará curas com poder autorizado, como filho de Deus,
afirmando: “foi para isso que eu saí (saiu do pai) para anunciar, ensinando e expulsando
demônios” (Mc 1, 38).
A sinagoga é lugar de oração pública para o povo Judeu, e as mulheres ficavam em um
lugar reservado para elas, não diferente no templo de Jerusalém. Em sua descrição, Ana
antecipa toda essa missão de Jesus como nos relata o evangelista Lucas.
Ainda é possível fazer uma conexão entre Galileia – reino do norte –, a profetisa Ana – da
tribo de Aser –, Jerusalém – reino do sul – e a parábola do bom samaritano: (Lc 10, 30-36),
pois quando agimos com misericórdia, estamos diante de Deus. Fica explícita a intenção do
evangelista na junção dos filhos de Israel com a inclusão da profetisa Ana no templo de
Jerusalém.
Em outra passagem do evangelho, novamente a presença de Ana, que viu o Menino
naquele momento, quando Jesus voltando-se para os discípulos disse: “felizes os olhos que
viram o que vós vedes” (Lc 10, 23).
A ação da apresentação é pública, assim como Lucas (4, 21) inicia os relatos do ministério
público de Jesus com uma declaração sobre o cumprimento das escrituras. “Hoje, na vossa
presença, se cumpriram as escrituras.” (ULLOA, 2012, p. 222).
Na Carta aos Efésios, Paulo transmite com muita clareza o plano salvífico de Deus, sendo
muito atual nos dias de hoje, se dirigindo aos irmãos:
Vós estais mortos por causa de vossas faltas e pecados, nos quais vivíeis outrora,
quando seguíeis os céus deste mundo, o príncipe que reina entre o céu e a terra, o
espírito que age agora entre os rebeldes. Nós éramos deste número todos nós.
Outrora nos abandonávamos às paixões da carne; satisfazíamos os seus desejos,
seguíamos os seus caprichos e éramos por natureza como os demais, filhos da ira.
Mas Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou,
quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo
e nos fez sentar nos céus em virtude de nossa união com Jesus Cristo. Assim, pela
bondade, que nos demonstrou em Jesus Cristo, Deus quis mostrar, através dos
séculos futuros, a incomparável riqueza de sua graça, que sois salvos, mediante a fé.
E isso não vem de vós; é dom de Deus! Não vem das obras, para que ninguém se
orgulhe. Pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras
boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos. (Ef 2, 1-10).
Trazendo a apresentação do Menino Jesus no templo, os evangelistas nos sinópticos
querem registrar, em Jerusalém, no templo erguido por Salomão da linhagem de Davi, no
chão de Israel e local escolhido pelo senhor Deus, a presença da família que veio de Nazaré
cumprir o preceito de trazer o filho primogênito, para não deixar dúvidas e provar que ele veio
do meio do povo que fora escolhido. Com o evangelista Lucas não é diferente, ele ainda ousa
incluir a presença feminina da profetisa Ana em um momento importante, solene, para se
cumprir o preceito, valorizando a figura da mulher, dando-lhe voz em uma pequena perícope
que se tornou grandiosa para a humanidade, tornando-se universal.
Partindo de uma mulher, com seus louvores e gestos, o messianismo de Jesus, em que o
reino prometido é anunciado, caminhando entre nós, convida à ação: “crer, nos alcançou pela
fé”, como nos ensina o Catecismo da Igreja (26); “fé é a resposta do homem ao Deus que se
revela”. Hoje em um mundo cercado de tecnologia, meios de comunicação múltiplos,
podemos olhar para trás e observar como os gestos dessa inclusão são grandiosos no mundo
atual com a grande participação das mulheres no contexto religioso, social, econômico e
político.
A marcante apresentação levou à frente o plano salvífico de Deus, que culminou na cruz,
nos libertando da escravidão do pecado, morrendo por amor a nós e ressuscitando pela força
do espírito que procede do Pai, em sua glorificação, e é aguardado por nós para a segunda e
definitiva volta, resgatando pra junto do Pai os que permaneceram firmes na fé. O pequenino
Menino, apresentado, ao se tornar homem adulto nos faz uma pergunta instigante: “mas o
filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,8).
Para aqueles que menosprezam o anúncio partindo da boca de uma mulher poder-se-ia
fazer essa pergunta, e mostrar-lhes que aos olhos de Deus somos todos iguais; não por acaso,
a presença feminina que não a mãe, para um anúncio, uma apresentação da divindade
encarnada no ventre de Maria que habitou entre nós.
Com a visão de valorizar a figura feminina, o evangelista, olhado com desconfiança por
muitos, abre caminhos e portas para ressignificar a importância da mulher e sua grande e
preciosa contribuição para a humanidade, que vai além da maternidade e perpetuação da
espécie. É o que veremos na próxima seção.
No livro Jesus e as mulheres, Gange (2007) conclama a termos um olhar mais difuso em
relação às mulheres, pois muitas vezes tentam impedi-las, por serem do sexo feminino, seja na
Igreja ou em qualquer lugar, porque o próprio Messias não o fez: basta ler os textos sagrados.
“Maria quis partilhar o que tinha: amor imortal, conhecimento profundo de Jesus, ela esteve
tão próxima dele, não quer nos deixar órfãos apesar da morte, nos aproxima dele sem fazer
exclusão, para uma liberdade progressiva e total da igualdade, de paz e amor”. (GANGE,
2007, p. 185).
Este capítulo foi iniciado com a perícope e, neste momento, será retratada a Festa das
Luzes. Essa festa teve sua origem no Oriente e era celebrada no dia 15 de fevereiro, quarenta
dias após o nascimento de Jesus, dia 06 de janeiro.
No século VI, a festa se estendeu ao Ocidente e passou a ser celebrada no dia 2 de
fevereiro, quarenta dias após o Natal, celebrado no dia 25 de dezembro.
Inicialmente, em Roma, a apresentação foi unida a uma festa de caráter mais penitencial.
No século X, na Gália, essa festa foi organizada com uma solene bênção das velas e
procissão, que ficou conhecida popularmente como a candelária. A apresentação do Senhor
encerra as celebrações natalinas e, com a oferta da virgem mãe, se dá a profecia de Simeão.
(Lc 2, 33-35). Abre-se o caminho para a Páscoa (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O
CULTO DIVINO, p. 547).
O profeta Malaquias nos diz em sua profecia: “Assim diz o Senhor: eis que envio meu
anjo e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu templo o dominador, que
temais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos;
e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele
aparecer? (Ml 3, 1-2).
É Maria quem apresenta a luz que é Jesus ao mundo; a luz revela o que está oculto no
coração do homem e suas ações, sejam elas boas ou más.
Ana pôs-se a louvar a Deus e a falar do Menino a todos os que esperavam a chegada dessa
luz. É necessário, portanto, permitir que essa luz ilumine nosso coração e, assim, clarear-se-ão
as boas ações e corrigirão as maldades existentes. Logo, ao final de nossa jornada aqui na
Terra, seja Jesus causa de reerguimento para nós em nossa morada definitiva junto a Deus Pai.
No desenvolvimento desta pesquisa, são traçados elos entre mulheres como modelo
narrativo. Ana, que recebe do evangelista Lucas o título de profetisa, recebe a missão de
anunciar a presença do Senhor, com o seu serviço junto ao templo (Lc 2, 36-38).
A sogra de Pedro (seu nome não é mencionado), após ser curada da febre, inicia a
diaconia, servindo a Jesus e a todos que estavam com ele (Lc 4, 38-39).
A mulher hemorroíssa, sendo curada de uma hemorragia, fluxo de sangue recorrente há
doze anos, dá testemunho de sua enfermidade em voz alta, em público, curando-se por Jesus,
que estava a caminho da casa de Jairo para curar a filha daquele homem, chefe da sinagoga. O
nome da menina também não é mencionado, traçando um elo com a mulher hemorroíssa,
deixando, portanto, em evidência aquele que as une, Jesus, o filho de Deus. (Lc 3, 43-48).
Por fim, a companhia feminina de Jesus: Maria, chamada Madalena; a mulher de Cuza, o
procurador de Herodes; Susana e várias outras mulheres que o serviam com seus bens. (Lc 8,
2-3).
Para a atualidade, Dorothy Stang, que deu sua vida em nome da fé em nossa floresta
Amazônica. Por fim, relatos de mulheres para a pastoral de Francisco.
2 JESUS E AS MULHERES
Conforme frisado na seção anterior, foi apresentada a figura feminina com um olhar mais
difuso, baseado em textos sagrados e outras obras que traçam a figura da mulher e sua
importância para o anúncio do evangelho. Nesse contexto, serão focalizadas a mulher
hemorroíssa e outras mulheres em torno de Jesus.
Em relação à mulher hemorroíssa, o gesto de se aproximar de Jesus e o fluxo de sangue
que a afligia. A ciência nos apresenta o sangue com uma característica própria e exclusiva,
que é o seu cheiro inconfundível. A sua cor vermelha é atribuída aos elementos que o
compõem. Para o povo hebreu, seu significado encontra-se no livro do Êxodo, em que ele é o
sinal de vida, ao ser utilizado nos marcos das portas, sangue este de cordeiros sacrificados.
Tomarão do seu sangue e pô-lo-ão sobre os dois marcos e a travessa da porta, nas
casas em que comerem. 12 – E naquela noite eu passarei pela terra do Egito e ferirei
todos os primogênitos, desde os homens até os animais; e eu, Iahwaeh, farei justiça
sobre todos os deuses do Egito. 13 – O sangue, porém, será para nós um sinal nas
casas em que estiverdes; quando eu vir o sangue, passarei adiante e não haverá entre
vós o flagelo destruidor quando eu ferir a terra do Egito. (Ex. 12, 7; 12;13).
Portanto, o sangue como um sinal para a vida e para a morte; sacrifício do cordeiro,
quando os hebreus comerão a carne assada no fogo, com pães ázimos e ervas amargas. Um
memorial a ser celebrado como uma festa para Iahweh, um decreto perpétuo para o povo de
Israel. Libertação e vida para os israelitas, morte aos primogênitos do Egito, desde os homens
até os animais. O sacrifício de Jesus, seu sangue na cruz, em expiação dos nossos pecados.
Sinal de morte e vida, sangue que toca o chão e nos batiza. “Eu vim para fazer a tua vontade”,
disse Jesus. Com isso, suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo. É graças a
essa vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma
vez por todas (Hb 10, 9-10).
Aproximar quer dizer ir na mesma direção, a favor. Jesus quis se colocar no lugar de cada
um, como manso cordeiro, levado ao matadouro sem dizer uma palavra, oferecendo sua vida
para tirar o pecado do mundo. O pecado nos leva a errar a direção. Em sua encarnação, Deus
se aproximou de nós.
Nesse contexto de causa e consequência, encontra-se a mulher hemorroíssa. A doença é
consequência do pecado que nos leva a errar a direção. Portanto, ela padecia com este mal que
lhe atormentava há mais de uma década. Assim, o evangelista Lucas nos apresenta esta
passagem.
Ao voltar, Jesus foi acolhido pela multidão, pois todos o esperavam. Chegou então
um homem chamado Jairo, chefe da sinagoga. Caindo aos pés de Jesus, rogava-lhe
que entrasse em sua casa, pois sua filha única, de mais ou menos doze anos, estava à
morte. Enquanto ele se encaminhava para lá, as multidões se aglomeravam a ponto
de sufocá-lo. Certa mulher, porém, que sofria de fluxo de sangue, fazia doze anos, e
que ninguém pudera curar, aproximou-se por detrás e tocou a extremidade de sua
veste; no mesmo instante, o fluxo de sangue parou. E Jesus perguntou – Quem me
tocou? – Como todos negaram, Pedro disse – Mestre, a multidão te comprime e te
esmaga. – Jesus insistiu – Alguém me tocou. Eu senti que uma força saía de mim. A
mulher, vendo que não podia se ocultar, veio tremendo, caiu-lhe aos pés e declarou
diante de todos a razão que o tocara e como instantaneamente ficara curada. Ele
disse – Minha filha, tua fé te salvou. Vá em paz. (Lc 8, 40-48).
Temos, aqui, uma inserção literária, um “sanduíche narrativo”. O pedido do Pai, Jairo, que
suplica a Jesus que vá até sua casa onde sua filha está morrendo. No caminho, é interpelado
pela mulher hemorroíssa, que fica curada; prosseguindo, ele chega à casa de Jairo,
devolvendo a vida a sua filha. Jesus está sempre a caminho, entra e sai das sinagogas, das
casas, das cidades; aos seus discípulos ordena que façam o mesmo.
Observa-se que apenas a personagem masculina possui nome, Jairo, no restante do
contexto seguem a filha, a mulher, o sofrimento feminino; mulheres em segundo plano.
Um paralelismo em relação ao tempo, doze anos. Ao apresentar a filha de Jairo com doze
anos, início da puberdade, menarca, primeiro ciclo menstrual, a presença do sangue que
anuncia o marco para a geração de uma nova vida. A mulher apresentada com um fluxo de
sangue há doze anos, e que passara por vários médicos sem encontrar cura. Antes daquele
toque na orla do manto, uma mulher fadada a ficar à margem, isolada, impura, prisioneira de
sua enfermidade, trazendo a culpa e consequências do pecado, como era visto à época. A
beleza da perícope, desse encontro, está na fé e esperança em aguardar a hora de aquele
Menino apresentado no templo se tornar adulto para iniciar sua missão messiânica, que se
revelou na cruz. “Vai minha filha, a tua fé te salvou.”
Na passagem do templo, a criança é identificada por Ana; no encontro com a hemorroíssa,
ao se aproximar de Jesus, atônita, trêmula, Ele a identifica, curando-a.
Atendendo ao apelo de Jairo, Jesus se põe a caminho, e sua missão nesse momento é
devolver a vida às duas mulheres. Quanto à menina de doze anos, lhe será devolvido o sopro
de vida:
Ao chegar à casa, não deixou que entrassem consigo senão Pedro, João e Tiago,
assim como o pai e a mãe da menina. Todos choravam e batiam no peito por causa
dela. Ele disse – Não choreis! Ela não morreu; ela dorme. E caçoavam dele, pois
sabiam que ela estava morta! Ele, porém, tomando-lhe a mão, chamou-a dizendo –
criança, levanta-te! Thalita Kum! O espírito dela voltou e, no mesmo instante, ela
ficou de pé. E ele mandou que lhe dessem de comer. Seus pais ficaram espantados.
Ele, porém, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que acontecera. (Lc 8, 51-56).
Aí está o segredo messiânico; por que então Jesus pedia segredo? E quanto mais ele
pedia, mais ainda seus feitos eram divulgados em uma espécie de propaganda dele. Porém, o
objetivo do segredo messiânico era, como a conta-gotas, que o reino anunciado fosse sendo
compreendido, assimilado, para uma preparação de sua revelação na cruz.
O evangelista Marcos (15, 39) relata: “O centurião que se achava bem defronte dele,
vendo que havia expirado desse modo, disse: verdadeiramente este homem era filho de
Deus!” E Lucas (23, 49): “Todos os amigos, bem como as mulheres que o haviam
acompanhado desde a Galileia, permaneciam à distância, observando essas coisas”.
Com esses relatos, fica claramente revelado o segredo messiânico de um Deus
misericordioso, que se rebaixou, veio até nós, se encarnou, se humanizou mantendo sua
divindade, nos libertando da escravidão do pecado, realizando a nova e eterna aliança de uma
vez por todas na cruz; e, ressuscitado, nos prometeu preparar um lugar na casa do Pai. Quando
voltar pela segunda vez, levará consigo aqueles que acreditaram, dando uma resposta ao
projeto salvífico de Deus. Onde ele estiver, estejamos juntos com ele também. Disse Jesus:
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai a não ser por mim.” (Jo 14,6).
No encontro com a filha de Jairo, Jesus realiza um Thaumatá, espécie de milagre que
acontece imediatamente; portanto, Jesus foi um Thaumaturgo.
Antes do encontro na casa de Jairo, ele é tocado por aquela mulher hemorroíssa, é ela
quem se aproxima dele; apesar de ter consigo o sopro da vida, está morta moralmente, julgada
e condenada como pecadora, pois carrega há doze anos um fluxo sanguíneo que a deixava
permanentemente impura. Ficara à margem, em seu sofrimento. Além da alma doente, sofrera
fisicamente com tratamentos que a empobreceram com os custos ao longo dos anos. O lado
positivo de todo esse drama é que, ao ficar curada, teve a oportunidade de renascer e mudar de
vida. O sangue, que para ela fora sinal de culpa, morte moral, traz agora sinal de vida, como
os portais das casas do povo hebreu a caminho da liberdade e da terra prometida, como sinal
da primeira aliança de Deus com os homens. A páscoa, a passagem desse povo que caminha
na obediência; “vem e segue-me”, e que muitas vezes se desviou, fora resgatado pelo amor
agápico, misericordioso e purificador.
Ao tocar a orla do manto, a mulher fez a experiência da passagem da escravidão para a
liberdade, da morte para a vida. Ao olhar para Jesus, mesmo que atônita e trêmula, assumiu a
decisão tomada, ainda que jogada aos pés dele em uma prostração que indica arrependimento
pelos pecados cometidos, declara diante de todos o mal que a atormenta, tornando público o
seu fardo, seu suplício, a cruz que carregara durante aqueles anos.
Ao olhar para ela, Jesus teve compaixão, “raamim” “idios”, o que significa que a
identificou; levanta-te, “egueri”, ela estava curada do mal físico que a aprisionava, da morte
moral tendo a oportunidade de pôr em prática os ensinamentos por ele proferidos.
No templo, Ana O identifica. No caminho, essa mulher que não é anônima para Jesus
é identificada, e estava livre do fluxo de sangue, um milagre “katarizei”, ou seja, purificada.
A profetisa Ana identificou o Menino no templo, dando glórias a Deus. Falava a todos sobre
ele; a mulher hemorroíssa, identificada por Jesus, foi instrumento para a glorificação de Deus
nas obras realizadas pelo filho.
Ao lado de Jesus, perto dele, sempre havia mulheres, seguiram o caminho, desde a
Galileia, o que podemos observar nos sinópticos, em sua pregação itinerante, elas não
falharam com Ele, desde o início até o último dia ao pé da cruz.
São mencionadas como servidoras, a priori; nos escritos as coisas são bem claras, Jesus
cercou-se de discípulos homens, os doze que Ele escolheu, de origem modesta. Quanto às
mulheres, os evangelhos do Novo Testamento as apresentam como aquelas que serviam, “as
servas”. Tradicionalmente, a maneira de ver as coisas, repartição dos papéis, segundo o sexo
nas culturas patriarcais. Porém, evoluímos.
Tiago de Voragine (apud GANGE, 2007, p. 20), arcebispo de Gênova e autor dominicano
do século XIII, assim a situa:
Maria, cognominada Madalena, do castelo de Magdalon, nasceu de pais muito
ilustres, pois descendia da estirpe real. Seu pai se chamava Siro e sua mãe Eucária.
Maria possuía em comum com Lázaro, seu irmão, e Marta, sua irmã, o castelo de
Magdalon, situado a duas milhas de Genesaré, Betânia, que está próxima de
Jerusalém e uma grande parte de Jerusalém.
Depois da morte dos pais, Maria ficou com Magdalon, daí ser chamada de Madalena.
Lázaro ficou com a parte de Jerusalém, e Marta com Betânia.
Nesse cenário, Maria aparece como uma rica herdeira, entrega-se aos prazeres e costumes
muito livres, até seu encontro com Jesus. Uma mulher que se converteu, que descobriu a
alegria de compartilhar o evangelho, mudou de vida diante da personalidade de Jesus. Lucas
nomeia essas mulheres, entre elas Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios;
ela ajudava com seus bens, sem dúvida era também instruída e colocava à disposição dinheiro
para hospedagens. Uma dessas estadias, relata Lucas, se situa em Betânia, onde Maria senta-
se aos pés do Senhor para ouvi-lo. Ela está sempre priorizando escutá-lo, mais preocupada
com as coisas espirituais do que com as tarefas materiais, reservadas tradicionalmente às
mulheres. Sua irmã Marta dirige-se a Jesus e diz: “Senhor, não te importas que minha irmã
me tenha deixado sozinha a fazer todo o serviço? Dize-lhe, pois, que me ajude.” Jesus, porém,
defende Maria, responde a Marta: “Marta, Marta, tu te inquietas, e te agitas com muitas
coisas. Uma só é necessária. Foi Maria quem escolheu a melhor parte, ela não lhe será tirada.”
A atitude de Jesus é de dar apoio incondicional a Maria, bem mais interessada ao
diálogo, menos atraída pelas tarefas materiais, não que elas sejam menos importantes, mas vai
um recado: tudo em seu tempo, quando podemos observar e executar prioridades. Uma
comunhão de ideias entre Jesus e Maria, a via do conhecimento sendo escolhida, deixando o
lado material em segundo plano. Por um lado, o feminino demonizado no Antigo Testamento.
Sendo colocada diante de Jesus, aparece como aquela que ele compreende e defende
declarando que ela “escolheu a melhor parte”.
A atitude de Jesus diante das mulheres não reflete em nada a misoginia dos redatores do
Antigo Testamento, retomada pela hierarquia da Igreja. No século III, para manter o caráter
divino de Jesus, isentá-lo da mancha que representava seu nascimento do corpo de uma
mulher, a Igreja desenvolveu a imagem do filho gerado no seio do Pai eterno. No século V,
uma vez imposta a divindade de Jesus, a Igreja se pergunta, no mesmo estado de espírito,
como Jesus, sendo Deus, podia ter se sujeitado a uma segunda geração no seio de uma
mulher. Jesus, ao que parece, não estava preocupado e não partilhava o horror feminino e do
que lhe estava ligado tradicionalmente: a maternidade, os filhos, tarefas do cotidiano, nem
mesmo a sexualidade feminina, imposta pela lei judaica (GANGE, 2007, p. 23).
Jesus se opõe à lógica de demonização da sexualidade feminina; quem pode se fazer juiz
do outro? Quem nunca cometeu atos repreensíveis? No Antigo Testamento, a lei condena a
mulher adúltera a ser apedrejada. Porém, a poligamia é tolerada para os homens, até bem
vista; Salomão tinha seiscentas esposas de estirpe principesca e trezentas concubinas.
Atraídas pelos ensinamentos de Jesus, numerosas mulheres o seguiam, como relatam os
evangelhos; esse fato excepcional é visto como revolucionário, insólito, tanto para os
romanos, como para os judeus patriarcais. Um fato excepcional para o mundo palestino.
Lucas relata a estadia de Jesus na propriedade de Betânia, Marta em um serviço
complicado para organizar a refeição, uma vez que se pode imaginar o grande número de
pessoas que o seguiam, além dos doze. Sua intenção é nos mostrar o quanto os afazeres
podem nos afastar da presença de Deus, que vem a cada um de nós, que muitas vezes estamos
ocupados com o cotidiano e não percebemos sua presença; somos engolidos pelo tempo que
se agiganta e nos consome, reduzindo-nos ao vazio, à ausência de Deus.
Maria nos alerta com sua atenção à palavra de Deus que entra nos nossos ouvidos e se
encaminha para nosso coração, para atitudes e gestos concretos ao anunciarmos a palavra de
seu Reino, com esperança e fé.
Aqui foram apresentadas mulheres que se aproximaram de Jesus, o identificaram, foram
identificadas por Ele, que o tocaram, foram amparadas por Ele, o seguiram e foram enviadas
para dar testemunho e professar a fé em um Deus que está entre nós.
A seguir, destacamos uma mulher que tocou o coração de Deus, deixando sua terra,
atendendo ao chamado missionário na alegria do anúncio do evangelho.
Dorothy Stang, nascida nos Estados Unidos, em Dayton, estado de Ohio, em 1951,
ingressou na congregação das irmãs de nossa Senhora de Namur, iniciando sua missão no
Brasil em 1966, naturalizando-se brasileira em Coroatá, Maranhão, partindo em seguida para
a Amazônia (DOMEZI, 2019).
Na sagrada escritura, no livro de Gênesis, Deus plantou um jardim em Éden, o homem
que chamou de Adão e sua companheira, a mulher Eva, mãe de todos os viventes. A mulher
Dorothy entrou no jardim da Amazônia, com toda a sua diversidade, cores e cheia de vida,
mas foi ao encontro dos ribeirinhos e índios, e identificou-os, assim como o mestre Jesus.
Essa missionária, ao tocá-los, tocou no coração de Deus. Assim como João Batista, que clama
no deserto, ela fez sua voz ecoar por entre as matas da Amazônia, denunciando os desmandos,
as injustiças, a ganância dos grileiros, na Galileia brasileira.
Junto aos trabalhadores rurais do Xingu, lembra Domezi (2019), Dorothy Stang fomentou
projetos de reflorestamento, apoiou projetos vivendo o evangelho de Jesus no Pará, ajudou na
fundação da Escola Brasil Grande em favor dos empobrecidos. Na Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), ajudou na comissão pastoral da terra. Assim como Jesus, em seu
segredo messiânico, foi executando sua missão para revelar-se na cruz; a irmã Dorothy foi
realizando o seu trabalho missionário, apesar de muitas ameaças de morte.
Uma mulher que teve compaixão, caminhou em direção à Jerusalém brasileira, amparando
e cuidando dos mais pobres, foi martirizada a mando de um fazendeiro, em 2005, aos setenta
e três anos de idade, com seis tiros, em uma estrada de difícil acesso. Ao ser interceptada pelo
seu algoz, que lhe perguntara se estava armada, ela lhe respondeu: “Tenho comigo a bíblia
sagrada. Eis a minha arma!” Lendo para ele as bem-aventuranças.
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil a incluiu em seu calendário de santos, como
mártir da caridade na Amazônia, celebrando sua memória na liturgia de todo dia doze de
fevereiro, data de seu martírio. Ainda nos dias atuais, presenciamos cenas de barbárie,
desumanas, na Amazônia, mas o grito dessa mulher que tocou o coração de Deus está
presente naqueles que lutam em defesa do jardim amazônico e de seus filhos.
O apóstolo Pedro, aquele a quem Jesus definiu como pedra, e sobre essa pedra edificaria
sua Igreja, portanto, seu primeiro líder, a referência na profissão de fé, não foi sábio o
suficiente para compreender, para aceitar o anúncio da ressurreição do senhor Jesus, trazido
por mulheres. Gange (2007, p. 55) cita uma fala atribuída a Pedro, no evangelho apócrifo de
Tomé 18-21 e 22, na qual Pedro questiona: ‘Será possível que o Mestre tenha conversado em
segredo com uma mulher – sem o nosso conhecimento – e não abertamente? Deveríamos
todos formar um círculo e escutar esta mulher [sobre segredos que nós ignoramos]?’
E Gange complementa com o que considera “[...] a pergunta central” de Pedro: ‘Ele a teria
escolhido de preferência a nós?’.
Ao contrário dessa opinião machista, o Papa Francisco nos apresenta as mulheres como
modelo narrativo para as pastorais, conforme será demonstrado na seção 3, a seguir.
3 FRANCISCO E AS MULHERES NAS PASTORAIS
Em seus escritos, Lucas inicia fazendo referência a duas mulheres: Isabel, mãe de João
Batista (Lc 1,5), e Maria, mãe do filho de Deus (Lc 1, 27).
O Papa Francisco, na solenidade da assunção da bem-aventurada Virgem Maria, na
praça de São Pedro, hora do Angelus em quinze de agosto de 2022, apresenta o diálogo entre
Maria e Isabel. Ele inicia citando a passagem do evangelho de Lucas (1, 42): “quando Maria
entra em casa e saúda Isabel, ela diz-lhe: bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto
do vosso ventre.” Essas palavras passaram a fazer parte da Ave Maria, lembrou-nos o santo
padre. Revive-se este encontro cada vez que essa oração é recitada; é realizada a saudação a
Maria, pois ela nos trouxe Jesus.
Somos convidados a refletir como se dá a resposta de Maria, com o canto Magnificat,
que nos leva à esperança. Maria nos leva além, contemplando a obra de Deus em toda a
história de seu povo, derrubando o trono dos poderosos e exultando os humildes. Ao dizer que
saciou de bens os famintos e exaltou os humildes, despediu de mãos vazias os ricos, nos leva
a refletir se a sua descrição é sobre um mundo que não existe. Os poderosos da época não
foram derrubados: Herodes permanece no trono, os pobres e os famintos continuam do
mesmo jeito, e os ricos continuam a prosperar.
Qual o sentido desse canto? Papa Francisco afirma que a Virgem Maria quer nos dizer
algo muito importante, pois foi por meio dela, uma mulher, que Deus inaugura a mudança
histórica. Maria, levada à glória do céu, lembra-nos ainda a parábola do homem rico, que
tinha à porta um mendigo, Lázaro. Sabe-se como acabou de mãos vazias; e é esta mudança
radical que Nossa Senhora anuncia: mudança de valores. Ela, com seu filho Jesus ainda no
ventre, antecipa o que será dito por Ele, quando mais à frente irá proclamar as bem-
aventuranças.
Assim como Lucas apresenta a profetisa Ana na apresentação do menino Jesus no
templo, o Papa Francisco apresenta Maria como a profetisa que anuncia de modo a não
prevalecer o poder, o sucesso e o dinheiro, mas sim o serviço; lembra-nos que reinar significa
amar, e que este é o caminho para o céu.
Por fim, Francisco nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e realizar a seguinte
pergunta: a inversão anunciada por Maria toca a minha, a sua vida? Acreditamos que a meta
de nossas vidas é o céu? Ou estou preocupado em viver bem aqui na terra com os bens
terrenos e materiais? Eu me vislumbro com as obras de Deus? Ou deixo o pessimismo me
abater?
O que Maria faz é cantar a esperança, e nela vemos a meta do caminho. Ela é a
primeira criatura que, com seu ser, de corpo e alma, chega ao céu. O céu é possível para nós,
não cedendo ao pecado, louvando a Deus com humildade, servindo ao próximo com
generosidade, também o alcançaremos. Se somos fracos, precisamos lembrar que Deus está
sempre por perto e nos toca com sua misericórdia, e que nossa mãe Maria nos toma pela mão.
O Papa Francisco nos traz a importância e o significado do casal com toda a história
de amor. Somos iguais perante Deus. Nem inferior, nem superior, cada um cumprindo o seu
papel. Ele nos lembra que desde o princípio o criador nos fez homem e mulher (Mt 19,4); e
retoma o mandato do livro do Gênesis (2, 24): “por isso deixará o homem, o pai e a mãe e se
unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne.”
Os dois primeiros capítulos do livro de Gênesis nos oferecem a apresentação do casal
humano, homem e mulher. Deus os criou, sendo verdadeira escultura. O casal que ama e gera
a vida, amor fecundo, chegando a ser símbolo das realidades íntimas de Deus, sendo a
capacidade de gerar, seja o caminho por onde desenrola a história da salvação.
De acordo com o Papa Francisco (2018, p. 12-16), na visão cristã da trindade, em
Deus contempla o Pai, o Filho e o Espírito Santo de amor. O Deus trindade é comunhão de
amor. No matrimônio, a partir desse encontro, surge a cura da solidão e gera a família, não
apenas na dimensão sexual e corpórea, torna-se uma só carne; no abraço físico, a união do
coração e da vida e, porventura, no filho que nascerá dos dois em uma união genética e
espiritual.
O Papa Francisco nos apresenta a Virgem Maria como modelo de mulher que a Igreja
e a nossa sociedade têm necessidade de seguir. Ela nos ensina a captar o momento favorável
em que Jesus passa em nossa vida e nos pede uma resposta pronta e generosa com um sim
pessoal e sincero.
Com um olhar atento e paterno, o romano pontífice observa o que dizia o Código de
Direito Canônico, livro II, Do povo de Deus, título II, Das obrigações e direitos dos fiéis
leigos (Cân. 230, § 1, grifo nosso):
Os leigos do sexo masculino, possuidores de idade e das qualidades determinadas
por decreto da conferência episcopal, podem, mediante o rito litúrgico, ser
assumidos de modo estável para desempenharem os ministérios de leitor e de
acólito. Porém, a colação desses ministérios não lhes confere o direito à sustentação
ou remuneração por parte da Igreja. (IGREJA CATÓLICA, 2019).
O que de fato se observara é que, na prática, as mulheres já exerciam essa função na
Igreja, tornando-se uma incoerência o que o cânon 230, parágrafo 1 nos apresentava. Com a
reforma do livro VI, suscita a reparação: os leigos, não especificando o sexo. O Papa
Francisco (2021), na Spiritus Domini, destaca:
O espírito do Senhor Jesus, fonte perene da vida e missão da igreja, distribui aos
membros do povo de Deus os dons que permitem a cada um, de modo diverso
contribuir para a edificação da Igreja para o anúncio do evangelho. Estes carismas,
chamados ministérios, uma vez que são publicamente reconhecidos e instruídos pela
Igreja, são postos à disposição da comunidade e da sua missão de forma estável.
E a Igreja Católica referencia em seu Código de Direito Canônico (2019, p. 81, cân. 230 § 1,):
Os leigos que tiverem a idade e as aptidões determinadas com decreto pela
conferência episcopal podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico
estabelecido, nos ministérios de leitores e de acólitos. No entanto, tal concessão não
lhes atribui o direito ao sustento ou à remuneração por parte da Igreja.
Estou nos ministérios da Palavra e Exéquias por volta de quinze anos, e acho natural e
recomendável que a mulher tenha um espaço na organização e evangelização dentro da Igreja,
uma vez que elas são a maioria. Quanto ao chamado para exercer os ministérios, reagi com
muita alegria. Sou muito feliz ao anunciar o reino de Deus, e todos os dias renovo a alegria de
servir. Lembro-me do Evangelho, proclamado na celebração do meu matrimônio, Jo 15, 11-
17. Sabia que Deus queria algo a mais na minha história. Preciso ter alegria em servir,
produzir frutos que permaneçam nas gerações futuras.
Já encontrei resistência no âmbito da celebração das exéquias por pessoas de outras
denominações religiosas. Em algumas situações fui humilhada, momento desagradável.
Fazendo uma reflexão, chego à conclusão que isso é nada diante do que Jesus passou por nós.
No início, meu marido teve resistência. Mas, em minhas orações e perseverança,
consegui trazê-lo juntamente com meus filhos para servirmos à Igreja de Cristo e
caminharmos como igreja doméstica e comunitária.
Sempre fui bem acolhida na paróquia, recebi no início por parte de outras
comunidades um olhar com certa desconfiança. Mas, com o tempo, a começar pelas mulheres,
recebe-se o anúncio da Palavra com o coração aberto, pois sendo Jesus o centro do anúncio,
nas escrituras a mesa da Palavra nos leva à mesa Eucarística. Muitas mulheres, ao ver o meu
exemplo, manifestam o desejo de exercer também o trabalho de evangelização para romper o
preconceito que ainda teima em persistir nos homens, que mesmo sendo discretos, pode-se
perceber.
Um fato que trago para este depoimento é que no local onde trabalho conseguimos
organizar um momento de espiritualidade antes do início do expediente, sendo lido o
Evangelho do dia, seguido de uma pequena reflexão, tornando o dia de trabalho em um
ambiente mais harmonioso.
Por fim, apesar de minha perseverança, por muitas vezes pensei em desistir. Sou
humana, sinto o peso do fardo, da labuta do dia a dia. Ser esposa, mãe, trabalhar fora, em
casa, às vezes me leva a um esgotamento que parece não ter fim. Mas, ao servir ao altar com
temor, ou seja, com reverência e respeito ao sagrado, sirvo com temor devido a minha
pequenez e minha fraqueza, porém, com grande confiança na ação do Espírito Santo.
Após o encontro pessoal com Jesus, tudo se transforma. Não me deixo abater quando
sou foco de preconceito, ergo a cabeça e tenho pena da pessoa preconceituosa. Levo para
frente o compromisso assumido, o amor de Deus que nos leva à conversão. Sinto que o papel
da mulher na Igreja e na sociedade é singular. Porém, todos são importantes aos olhos de
Deus, pois a mulher não tem que sair de seu papel para se igualar aos homens, pois a beleza
está nas diferenças. O que determina um papel determinante na história. O Papa Francisco
aponta que o modelo perfeito da mulher deve ser a Virgem Maria, união com Cristo. Ele tem
valorizado muito o trabalho evangelizador, uma Igreja em saída, em sua visão carinhosa para
a inteligência e a fé das mulheres.
A Igreja vem se abrindo sempre mais à presença ativa da mulher em seus serviços, e
isso é, além de um presente, uma validação da sua atuação e, para além disso, é a valorização
de sua participação fiel e massiva em todos os âmbitos paroquiais e o reconhecimento de sua
importância em toda a história de fé.
Ao chamado para o ministério da presidência leiga, reagi com muita resistência e
desejo de recusa, pois naquele momento, há quinze anos atrás, a participação das mulheres
nesse ministério era pequena e não me sentia capaz de celebrar a palavra. Nos outros
ministérios, extraordinária da comunhão, acolitado e leitorado, foi um pouco mais tranquilo.
Senti resistência ao chamado de ministra da presidência leiga, pois o próprio
ministério era menosprezado pelos paroquianos que muitas vezes saíam da igreja ao perceber
que seria realizada a celebração da Palavra e acredito que, por ser presidida por uma mulher, a
resistência era ainda maior. Alguns diziam que eu seria a padra a presidir, o que soava como
um tom de reprovação. Meu esposo me apoia, me acompanha nas celebrações e serve como
ministro extraordinário da sagrada comunhão.
Nas comunidades de nossa paróquia sou muito bem acolhida, com muita gratidão.
Talvez por serem pessoas mais simples, ou por compreenderem que, aos olhos da fé, a palavra
de Deus é única.
No princípio, em uma celebração com as crianças, na reflexão sobre a multiplicação
dos pães e peixes, disse que todos deveríamos dar os nossos pães e peixes para Jesus e, assim,
Ele multiplicaria para alcançar a todos. Ao final da celebração, uma criança se aproximou e
me entregou um papel com desenhos de pão e peixe, fazendo-me um pedido: “entregue a
Jesus. Ele saberá para quem entregará!” Todo o meu sentido de servir se iluminou e encontrou
um novo sentido diante da prova de que somos apenas instrumentos nas mãos de Deus, para o
seu agir nos outros, aumentando minha fé e a consciência da responsabilidade sobre o que
dizer e da abertura da assembleia.
Quanto às outras mulheres, não percebo nenhuma resistência por parte delas. Acredito
que todas nos sentimos mais valorizadas ao perceber que estamos alcançando sempre mais
espaço em nossa igreja. Recebo apoio em todos os serviços que desenvolvo. A resistência
vinha por parte dos homens, talvez resquícios da época em que somente os padres podiam
frequentar aquele espaço. Assim como meu pai, que foi coroinha por muito tempo e pegou
uma parte da missa em latim, era difícil aceitar a celebração da palavra presidida tanto por um
leigo ou uma leiga.
Acredito que o testemunho é a melhor forma de incentivar o outro, mostrando as
dificuldades e acertos, a fim de que o outro perceba que todos somos iguais e todos podem
exercer os serviços, pois é Deus quem atua através de nós, basta abrir-se! É o que sempre digo
aos que tento incentivar. Acredito no que diz o Evangelho de João, capítulo 14, versículo 12a:
“quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores que estas”.
Ao servir à Igreja, sempre pensei que Jesus precisa de meus braços, pernas, voz para
se fazer presente no meio dos irmãos. Servindo o altar, sinto como uma extensão d’Ele.
Distribuindo o pão aos seus e distribuí-lo aos irmãos, acredito que Ele conta comigo para
continuar nos ministérios.
Tenho consciência da enorme responsabilidade a mim confiada. O meu zelo para com
o transmitir a palavra e anunciá-la, na proclamação, na preparação da homilia, pois é muito
sério falar em nome da Igreja. Peço sempre a Deus que me use para sempre falar aquilo que
Ele deseja, e sinto que a escolha é sempre d’Ele. Trabalho com muitos jovens e sei que eles
precisam de uma referência, tento mostrar-lhes Jesus no meu servir.
O sim de Maria é o exemplo que sigo para servir e seguir, pois sem esse sim, não
estaríamos aqui. Acredito que temos muito que evoluir, pois a presença maciça da mulher e o
reconhecimento de sua participação precisam ser considerados e inseridos no servir da Igreja.
Homens e mulheres têm e devem ter a mesma valorização ao desempenhar seus trabalhos na
sociedade, pois viemos do pó e ao pó voltaremos.
Acredito que existem lugares que são destinados apenas para os homens, como o
sacerdócio. Mas, em outros espaços, as mulheres não podem ser colocadas em segundo plano
por uma visão distorcida que as impede de ocupar lugares onde requer-se a presença feminina.
Infelizmente na busca de tentar uma igualdade na sociedade, a mulher se perdeu,
abandonou valores e, no fim, se desvalorizou, querendo agir como homem, em uma visão
distorcida, em busca de um “feminismo”. Acredito no diálogo, na luta por direitos e equidade.
O reconhecimento oficial da Igreja, legitimando que as mulheres assumam os serviços,
favorece nesta batalha por uma maior igualdade, diminuindo o abismo entre a atuação
feminina em relação à masculina, mostrando que esta valorização e equivalência são mais que
permitidas. São necessárias.
O Papa Francisco muita inspira a todas as mulheres. Quando apresenta a importância
de suas atuações na Igreja, faz-nos inspirar para que todas nós sejamos pessoas melhores e
que a Igreja é acessível a todos, estando sempre aberta para acolher aqueles que buscam a
Deus.
As mulheres, nesse contexto, sempre foram as mais atuantes e testemunhas da fé, da
perseverança na oração e da dedicação ao serviço da Igreja, confirmando e exercendo a
evangelização no seguimento ao que o senhor Jesus ordenou quando nos disse no Evangelho
de Mateus, capítulo 28, versículo 19: “Ide, e a todos evangelizai.”
Digo que a Igreja evoluiu, como toda a humanidade, e o meu desejo é que essa
evolução fosse mais rápida. Porém, o que percebo com tristeza é uma certa lentidão por parte
da Igreja em aceitar essa evolução em suas mudanças que ocorrem automaticamente. Parece-
me que, nesse sentido, uma parte da Igreja fica um pouco fora da realidade do dito mundo
pós-moderno.
O chamado ao ministério chegou em 1995 e, naquele tempo, eu ainda não tinha
nenhuma consciência do que fosse a dimensão missionária da Igreja. Esse convite veio como
um desafio em uma missão com o COMIDI-BH (Conselho Missionário da Igreja de Belo
Horizonte). Foi extremamente desafiador e levou-me a uma mudança radical em minha vida.
Encontrei uma certa má vontade, falta de interesse por muitos para tornar esse ministério uma
realidade. No início, com minha própria família, pois entrar em um aglomerado, para eles,
seria me expor ao perigo, até mesmo risco de morte. A maioria dos católicos não tem a
consciência da importância do sair, de uma Igreja em saída, dar seu testemunho de fé em
Jesus, na sua palavra e, no entanto, quando sabem que sou leiga missionária, que deixei em
casa marido e filhos, não existe acolhida melhor.
Um fato que mudou radicalmente minha vida foi quando pela primeira vez entrei em
um grande aglomerado em Belo Horizonte. Levei um choque tão grande que parei, pois
estava muito impactada com a visão que tive. Em uma parte alta, havia barracas de lona preta
e, em minha ingenuidade, ignorância missionária, perguntei ao padre que nos conduzia na
missão: “O que eram aquelas barracas lá no alto?” Ele, surpreso com minha pergunta,
respondeu: “São as casas onde as pessoas daqui moram.” Perguntei novamente: “E se
adoecerem, o que acontece com elas? Como socorrê-las?” Ele, novamente espantado,
respondeu: “Muitos morrem...”
Andando por lá o dia todo, entrando em barracos miseráveis, muito lixo, onde ratos
disputavam o caminho conosco, percebi a dura realidade da “Galileia” em Belo Horizonte, a
miséria e abandono. Encontrei nas falas de todos que encontramos nas visitas frases como:
“Graças a Deus vocês vieram aqui!” Ao sair daquele aglomerado eu, definitivamente, era
outra pessoa. Questionava a mim mesma: “De onde vem tanta fé em meio a tanta miséria e
abandono?”
As mulheres quando percebem que sou uma missionária leiga e conhecem a minha
vida e meu testemunho me olham com respeito e certa admiração. Elas me apoiam até mais
que o esperado. Com os homens, percebo também o mesmo sentimento. Penso que minha
vida é testemunho, e peço a Deus que sirva de incentivo para outras pessoas.
Por muitas vezes meu lado humano falou mais alto. Ao sair do conforto de minha
casa, do convívio familiar e amigos, para ir à missão onde a realidade é totalmente diferente,
torna-se um grande desafio. Por várias vezes pensei em desistir, pois senti um fardo pesado
em meus ombros. Mas as tarefas a mim confiadas eram bem maiores. O amor de Deus por
mim e por nós é muito maior, e acredito na responsabilidade que recebi de levá-lo a todos,
principalmente aos pobres.
A Igreja sempre pode evoluir. Porém, a mulher é, e sempre foi, a base da Igreja. Na
minha opinião, o que falta mesmo é dar a ela o reconhecimento que merece, colocando-a em
cargos importantes e de decisão nos variados setores da Igreja, pois sem a mulher, a Igreja
não existe, seja como leiga ou como consagrada.
O Papa Francisco nos inspira, nos incentiva. Ele me impulsiona e me orienta cada vez
mais para que eu seja discípula missionária de Jesus. Me alerta a não ficar parada dentro da
Igreja enquanto uma grande parte da humanidade ainda não sabe e não conhece quem é Jesus,
o filho de Deus.
Esse é o meu testemunho missionário. Leiga, mas discípula do mestre Jesus, levando
sua palavra, segundo as escrituras, trazendo vida. E vida em abundância! (Referindo-se à Jo
10,10). Sigamos o exemplo do nosso querido Papa Francisco, sejamos uma Igreja em saída.
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa foram apresentados alguns aspectos do modelo narrativo de Lucas para
a pastoral de Francisco, citando historicamente a participação da mulher na evolução da
Igreja, trazendo exemplos de testemunho e dedicação nos escritos bíblicos, em ações
missionárias realizadas no mundo, território brasileiro e, na última seção, com depoimentos da
inclusão da mulher nas pastorais e na sociedade.
Na seção 1, nos escritos lucanos, foi requerida exigência literário-teológica ao estudar
Lucas e Ato dos Apóstolos de forma conjunta, citando de modo particular os estudos em
Lucas, capítulo 2, versículos 22-39, em que foi feita a inclusão da profetisa Ana, de forma a
valorizar a figura feminina. Assim, foi detalhada sua discrição em seus gestos de aproximar e
olhar o Menino (filho de Deus) que é apresentado no templo. O conteúdo teológico do
testemunho de Simeão valoriza o testemunho de Ana.
As mulheres apresentadas na seção 2, tanto em Lucas como nos demais evangelistas,
evidenciam a companhia feminina de Jesus que, após o encontro com o Mestre, elas mudaram
de vida e deram testemunho do evangelho, sobretudo, demonstrado com a própria vida.
Por fim, na seção 3, foi apresentado o valor da mulher nas pastorais. Suas atuações na
atualidade, sendo colhidos depoimentos de quatro mulheres, de modo a ratificar o que nos
escreve o Romano Pontífice: “as mulheres são testemunhas da beleza do mundo”
(FRANCISCO, 2019). Tais depoimentos trazem-nos reflexões necessárias e valorizam de
forma incisiva a importância da presença da mulher na Igreja e na sociedade em geral.
REFERÊNCIAS