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Luiz Otavio Roxo

Luiz Fernando Roxo

Benjamin
e o poder do tempo

Porto Alegre

2009
Todos os direitos desta edição reservados à Editora Leandro & Stormer. É proibida a
reprodução deste volume, ou parte do mesmo, sob qualquer meio, sem a autorização
expressa da editora.

Ilustrações: André Paes


Projeto gráfico e capa: Sílvio Lovato (Porto DG)
Coordenação editorial e diagramação: Évelyn Bisconsin (Porto DG)
Preparação e revisão: Rodrigo Rosp

Nota do editor:
Devido à variação da taxa de juros ao largo do tempo, optamos por um valor
fixado em 10% ao ano para uso nos exemplos.

R886b Roxo, Luiz Fernando


Benjamin e o poder do tempo / Luiz Fernando Roxo e Luiz Otavio
Roxo; ilustrado por André Paes. – Porto Alegre: Leandro & Stormer, 2009.
144 p.: il.; 21 x 21 cm.

1. Literatura infanto-juvenil. I. Roxo, Luiz Otavio. II. Título.

CDU 087.5

Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima (CRB 10/1229)

Editora Leandro & Stormer www.leandrostormer.com.br


Rua São Francisco da Califórnia, 133/3º andar atendimento@leandrostormer.com.br
Higienópolis - 90550-080 +55 51 3362-6541
Porto Alegre (RS) +55 51 3343-6282
Este livro é dedicado à nossa família.

Agradeço a Deus, aos antepassados, pai e mãe.
Agradeço aos mestres, inclusive aos que me ensina-
ram a ler e escrever.
Agradeço aos irmãos: Luiz Afonso Roxo e Mônica
Roxo, especialmente por criarem descendentes.
Agradeço ao meu irmão Luiz Fernando Roxo, quem
gerou este livro e me permitiu, com toda sua genero-
sidade, participar e aprender.
Agradeço ao Dr. Alexandre Wolwacz, o Stormer, e
ao Sr. Leandro Ruschel, o Leandro – editores que via-
bilizaram este projeto. Agradeço a toda a equipe da
Leandro & Stormer e a toda a equipe da Porto DG.


Agradeço ao Sr. Gabriel Rico por encontrar em
sua atribulada agenda um espaço para dar-nos um
prefácio.
Luiz Otavio Roxo

Agradeço a todos que, de alguma maneira, nos aju-


daram na confecção deste livro e que nos deram apoio
quando ainda era apenas uma ideia.
Agradeço à minha família, aos meus grandes
amigos e a toda a turma da Leandro & Stormer e da
Porto DG.
Agradeço, principalmente, ao meu irmão Luiz Ota-
vio, que abraçou a ideia e fez quase todo o traba-
lho sozinho, me proporcionando colher os benefícios
com pouco trabalho.
Luiz Fernando Roxo
Benjamin e o poder do tempo

Prefácio

Luiz Otavio Roxo, 29 anos, inicia sua trajetória como escritor de forma auspiciosa,
junto ao seu irmão, Luiz Fernando Roxo, 32 anos, economista e escritor. Benjamin e o
poder do tempo irá deliciar e surpreender os leitores. Já li muitas obras que tratam da
relação dos indivíduos com o dinheiro, incluindo alguns best-sellers, mas nenhuma delas
foi tão criativa quanto a história do personagem Benjamin e de seus amigos de infância,
pré-adolescência e adolescência. A leitura prende a atenção do leitor da primeira à última
página, deixando um sabor de quero mais ao final.
Benjamin e o poder do tempo não é um livro infantil, mas uma leitura para crianças,
adolescentes, pais e avós. Cada um de nós estabelecerá forte empatia com os personagens
e se verá presente nas situações à medida que nos lembrarmos dos inevitáveis erros e
descuidos que cometemos com o órgão mais sensível do nosso corpo: o bolso.
Como um garoto sem a menor vivência e guiado por um raciocínio tão simples pode
ter trajetória de tanto sucesso no mundo dos negócios? Como ele pode e não eu... mas,
se eu tivesse... veja bem...
À medida que as páginas vão sendo viradas, o leitor começa a se apaixonar pela cres-
cente sabedoria do pré-adolescente Benjamin. Para as pessoas de todas as idades, fica o
aprendizado de que tudo começa pelo senso de observação e a perspicácia de fazermos as
perguntas corretas. Só o simples funciona. Tudo parece se tornar tão simples que até uma
criança poderia fazê-lo. E, neste caso, como fez bem feito! Aí se insere a criatividade dos
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autores e o inusitado da obra. Seus personagens infantis se constituem em fio condutor
dos conceitos básicos da boa gestão do dinheiro, expostos de forma clara e crescente,
evidenciando o inevitável poder multiplicador do dinheiro. Mais uma vez, cada um de
nós se questionará: por que esses meninos fizeram o que eu nunca cogitei fazer?
Simplicidade e linguagem muito acessível no trato dos cuidados com o dinheiro e os
recursos escassos refletem elaborada didática para expor os temas, sem deixar de lado a
seriedade e a precisão dos conceitos. A obra está situada no momento atual, incorporan-
do a tecnologia como facilitador das transações comerciais, a moradia em condomínios,
o poder da mídia e a degradação da ética movida pela ganância e pela desonestidade.
O livro deixa um rastro de esperança mobilizadora dentro de cada leitor: podemos
fazer melhor, ainda é tempo. O empreendedorismo e o tirocínio dos grandes empresá-
rios estão presentes no Benjamin e em cada um de nós. Muito boa leitura!
Luiz Gabriel Rico

Luiz Gabriel Rico, 62 anos, fez carreira como executivo em grandes empresas internacionais
e brasileiras. Atualmente, é CEO da AmchamBrasil, a maior câmara americana de comércio
entre as 104 existentes em todo o mundo.
De quem é esse livro?

De quem gosta ou já
gostou de carrinho ou de
boneca; ou de bola e de
café da manhã.
De quem tem ou teve
medo daquele tipo de som-
bra que se mexe e que pa-
rece que tem olho e parece
que persegue a gente de
noite.
De quem fica pensando
nas coisas e gosta de co-
nhecer palavra nova e dá ri-
sadas com palavra estranha
que nem taquígrafo, ou ma-
caco, ou... de quem gosta
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Benjamin e o poder do tempo

de inventar palavra que ninguém nem conhece ainda, que nem calandra, ou buganda-
giba, ou mesmo de quem nem gosta de nada dessas coisas.
De quem tem melhor amigo e de quem tem melhor amiga.
De quem gosta de ficar acordado até todo mundo ir dormir e mesmo de quem gos-
ta de dormir bem cedo quando fica de noite e acordar quando clareia.
Agora, trata mesmo é do Benjamin, que tinha seis anos quando ganhou as pri-
meiras moedas.

Aos sete anos, Benjamin percebeu que as pessoas


trocam todas as coisas por dinheiro; aí, ele gostou
tanto que decidiu decidido!
“Em vez de colecionar carrinhos ou brinquedos, vou
colecionar dinheiro”.

Benjamin juntou dinheiro e ainda ganhou mais dinheiro, tanto que comprou até
a fábrica de carrinhos.

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Capítulo
1
No dia 10 de fevereiro, nasceu Benja-
min. Benjamin foi um bebê comum. É uma
criança comum. Para os pais, Benjamin é
uma criança especial.
Na quarta-feira; a mesma em que nin-
guém foi assaltado na Rua 15 de Abril e a
moça tropeçou no toco batendo o queixo
no asfalto ali ao lado; aquela quarta-feira
em que o tempo fechou e choveu, fez sol
com chuva antes de abrir, de vez, o céu
azul; foi quando o pai de Benjamin almo-
çou bisteca e correu até a maternidade
para assistir ao parto, enquanto pensava
que esses meteorologistas acertam pou-
co demais.
O pai do Benjamin chama-se Marcelo
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Benjamin e o poder do tempo

Alma; na época, era um sujeito grande de ossos largos, pesadão, diferente do vô, o
Dr. Cláudio – que, a cada ano, parecia um tipo menor e mais magro, como se um dia
ainda sumisse.
Vovó estava mais cega e falava bastante, gostava de segurar na mão de Benjamin
e não soltar. Era uma sensação boa, mas a mão dela tremia um pouco e era muito
diferente da mão do Benjamin – as mãos dela eram meio moles e frias. Vovó gostava
muito de ficar junto de Benjamin.
Vovó morava em um apartamento espaçoso – com um piano! E tinha a Romualda,
que cozinhava feito o diabo e era grande e carinhosa. Ela gostava quando Benjamin
ia visitar e passar o dia com a vó. Romualda adorava fazer comida para a vó, mas
gostava mesmo era de ver Benjamin brincando com as fichas no tapete vermelho que
nem fruta madura.
As mãos da Romualda eram mais firmes, gorduchas, parecia que alguém tinha
soprado nelas como se fossem bexigas, estufando a pele. Ela cheirava a tempero e su-
ava, por causa do forno sempre quente, de onde vinha cada delícia! Bolinho de sonho
com açúcar por cima, bolo de chocolate molhado, bolo de amendoim que grudava na
mão, pastelzinho de queijo.
O tapete era persa. Benjamin sabia disso por causa das mulheres que vinham visitar a
vovó de vez em quando e entravam na sala gritando: “Que persa lindo esse carmim!”.
Depois de um tempo, Benjamin descobriu que carmim é vermelho e que tapetes
persas são chamados de tapetes persas porque são feitos na Pérsia.
A Pérsia era um deserto muito longe, onde pessoas passavam a vida tecendo ta-
petes caros e bonitos, vestindo um lenço enrolado na cabeça.
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Luiz Otavio Roxo

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A Pérsia, hoje em dia, se chama Irã – lá que é a terra
do gênio da lâmpada mágica e do Aladim. Dizem que o
gênio da lâmpada e o Aladim voavam em tapetes iguais
aos da vó, dizem que conviviam com um dragão que se
chamava Mushussu e que criavam gatos, gatos persas.

13
Capítulo
2
O tempo correu, e Benjamin percebeu, então, que as pessoas compravam.
– Quero dois desse. Isso. Quanto custa?
– Dez.
– Toma vinte.
– Aqui o seu troco, dez.
– Muito grato.

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Benjamin e o poder do tempo

Benjamin ainda ganhava tudo e pensou: “Mas eu nunca paguei”.


– Pai, quando eu vou pagar?
– Deixe que o papai paga. Quando você crescer, aí você ganha dinheiro e paga
suas coisas. Por enquanto, papai paga para você.
– Eu também quero!
O pai de Benjamin sorriu, orgulhoso do filho precoce.
Um dia, a vó estava com saudade de Benjamin e pediu para o motorista:
– Seu Carmelo! Vamos buscar o Benjamin...
Benjamin adorava quando a vó e o Seu Carmelo iam buscá-lo em casa. A vó per-
guntava um monte de coisas para o Benjamin.

Vovó lhe dava carrinhos. Os carrinhos ficavam na


vitrine, tinha cada um que Benjamin ficava com o
coração pulando quando a vó o levava lá.

A vó era muito econômica, apesar de ter herdado um dinheirão, porque era filha
de um banqueiro importante. Ainda assim, ela vivia de forma simples, sempre morou
no mesmo apartamento.
O divertido era que a vó tinha o mesmo carro havia mais de quinze anos. A cada
ano que passava, os carros iam ficando mais modernos e bacanas, e o carro da vó mais
velho e esquisitão, mas Benjamin achava uma delícia.
Era um Landau azul, lindo. Benjamin adorava o Landau da vó, porque ninguém
mais tinha um carro igual.
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Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Por dentro, era todo veludo e todo fofo, e a maçaneta parecia de prata.
A vó sempre pedia ao Seu Carmelo:
– Seu Carmelo, pegue o Landau e vá com ele comprar
um carrinho daqueles.
Naquele dia, não passaram lá onde vendiam os car-
rinhos, foram direto para casa, a vó andava cansada por
qualquer coisa. Quando chegaram ao apartamento, ela cha-
mou Benjamin de canto.
– Filho, a vó está cansada. Viu? Então, você compra
três pãezinhos para o almoço da vó? Vá ao meu quarto,
filho, dentro do armário tem uma caixa, traga para a vó,
por favor.
Quando a vó abriu a caixa, tinha um monte de dinheiro
lá dentro.

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Benjamin e o poder do tempo

– Tome aqui, filho, acho que isso aqui dá.


E essa foi a primeira compra de Benjamin.

O DINHEIRO
No começo, as pessoas trocavam coisas, como se, hoje, a gente fosse à loja levan-
do um saco de arroz para trocar por uma blusa de lã. Os estudiosos chamaram isso de
escambo, troca.
Acontece que, aí, começou um problema:
– Ah, aí não! Quero cinco ovos em troca deste chapéu aqui! Olha a belezura do
chapéu! Só três ovos não vai dar! Quero cinco ovos!
– Ih, mas você pensa que ovo dá em árvore, é?
Dou quatro ovos, e não se fala mais nisso!
– Ovo a galinha dá todo dia. Agora, quero ver você fazer um chapéu desses num
dia só...
Algumas coisas começaram a valer mais do que outras, e aí estava feita uma
enorme confusão. Então, se resolveu escolher coisas especiais para servirem como
unidades de valor. O sal, por exemplo: esse chapéu vale dez sacos de sal.
Engraçado que, até hoje, a gente usa a palavra salário por causa disso. As pesso-
as, nessa época, recebiam por seu trabalho em sacos de sal. A América antiga usou o
cacau; o Egito, milho.
Logo, o metal substituiu o sal – e as trocas e os pagamentos passaram a ser fei-
tos em ouro, prata, bronze, cobre, porque era mais fácil de carregar. As pessoas que

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Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


conseguiam juntar muito ouro ou muita prata tinham que resolver onde guardar seus
montes de ouro ou prata. Para facilitar, passaram a fabricar moedas de metais e a
guardar em escritórios de “tomar conta das moedas dos outros” – esses escritórios
emitiam um recibo, que era uma espécie de carta, dizendo: “Declaro que o Sr. Fulano
D. Tal detém 10.000 moedas de ouro”. Pois esses papéis, esses recibos é que viraram
as notas de dinheiro que usamos até hoje.

Pois esses papéis, ess


es
recibos é que virara
m as
notas de dinheiro q
ue
usamos até hoje.

19
Capítulo
3
– Ah, filho! Venha cá! Pegue mais este aqui e compre um carrinho novo para você.
Seu Carmelo, vá junto com meu neto, por favor.
A primeira impressão de Benjamin, quando pegou no dinheiro, não foi totalmente
boa. Na verdade, ele achou que o dinheiro era feio.
A nota que a vó deu era velha, faltava um pedaço, meio rasgada e sem cor. Então,
Benjamin passou a imaginar o dinheiro pensando em um, dois, três, quatro...

Ficou sem jeito com a nota na mão. Mal sabia quanto


valia; aos sete anos, Benjamin ainda tinha uma ideia
meio misturada dos números, sabia do um, do dois, até
o treze ele sabia de cor, confundia o seis com o nove,
mas sabia todos eles.

– Eu quero três pãezinhos e um carrinho! – repetia e repetia.


Corria repetindo aquilo, e o Seu Carmelo, atrapalhado pela barriga, que estufava a
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Benjamin e o poder do tempo

camisa azul-clara, dando a impressão de que os botões sairiam voando, ficou para trás.
Benjamin entrou na padaria gritando.
– Três pães e um carrinho!
Dali a algum tempo, Seu Carmelo chegou e ergueu Benjamin pelos braços para que
ele conseguisse olhar por cima do balcão o sujeito dono daquilo tudo.
– Como é, garotão?
– Oi?
– Oi, diga lá, grande garoto, o que vai ser desta vez?
– Três pãezinhos e um carrinho.

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Luiz Otavio Roxo

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– Qual deles, filho?
– Aquele, por favor, quanto dá?
– Bom, então são três pãezinhos e um carrinho... Deixe ver... três pelos pães,
mais dez pelo carrinho... Dá treze!
– Tó!
– Tome! Este é o seu troco. Está certo?
– Troco?

O homem passou para o Benjamin um saco com os três


pãezinhos, o carrinho e um bolo de notas de dinheiro,
algumas amassadas, outras novas. As novas tinham um
cheiro diferente e eram bonitas.

Uma nota comprou três pães mais um carrinho e virou aquele monte de outras
notas, de um, de dois, até nota de dez tinha no troco e não era uma só, não. “Nossa...
o dono das coisas que as pessoas compram deve ser muito rico, olha quantas coisas
ele tem”, pensou Benjamin. “Se uma nota de dinheiro pode comprar tantas coisas e
ainda virar tantas notas no troco... Se o dono das coisas que as pessoas compram,
que tem um monte de coisas que as pessoas compram, troca todas as suas coisas por
dinheiro... E ele não é nada bobo... Então, o dinheiro vale mais do que as coisas que
as pessoas compram. Deve ser melhor ter dinheiro, porque até o dono das coisas está
trocando tudo por dinheiro”.
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Benjamin e o poder do tempo

Na casa da vó:
– Esse troco, filho, fica para você.
Voltou para casa tratando de arrumar uma caixa de papelão parecida com aquela
que viu na casa da sua vó – e colocou as notas dobradas ali.
– Para que quer essa caixa, meu filho? – a mãe, curiosa.
– Para guardar...
– Vai começar uma coleção?
– Coleção? O que é isso, mãe? Que palavra mais engraçada: co-le-ção.
– É quando a gente junta vários tipos de uma mesma coisa, filho. Por exemplo,
seus carrinhos são uma coleção. As pessoas fazem coleção de tudo.
– Isso mesmo, mamãe, estou começando uma coleção.
Dormiu pensando nessa coisa engraçada que era o dinheiro.

24
Capítulo
4
Sonhou que brincava com fichas
coloridas, divertido, sonho daqueles
de dormir sorrindo. Foi quando um
garoto metido meteu-se no meio da
brincadeira – garoto espichado com
cara de bravo.

– Me dê! – foi logo


pegando uma das
fichas e gritando.
– Me dê logo!

Garoto chato mexendo em tudo.


Benjamin tinha feito um dese-
nho com aquelas fichas, mas o garoto intrometido já tinha bagunçado tudo. Jogou
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Benjamin e o poder do tempo

uma ficha para cima, embolsou uma das verde-escuras, olhou bem no fundo e falou,
cuspindo saliva:
– Esta daqui agora é minha, viu?
O sonho virou um pesadelo mesmo, tão pesadelo que até as sombras-monstro
apareceram nele.
As sombras-monstro não são sombras normais, como as que não se mexem, são
monstros que moram nas sombras das paredes, não nas sombras de lâmpada – aquelas
que aparecem quando a gente acende a lâmpada –, não, essas são as sombras normais,
as sombras normais não
pegam ninguém, mas as
sombras-monstro ficam
no escuro dos cantos
das paredes, quando
não tem nenhuma luz
acesa.
As sombras-mons-
tro nem sempre têm
cara. Às vezes, ficam
tão escondidas que não
dá nem para ver a cara
delas, mas elas têm
cara sim e é uma cara
feia de verdade.
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O garoto enxerido do sonho não tinha medo das sombras-monstro, porque ele
parecia nem se importar com elas ali.
– Solte!
Uma vez, Benjamin tinha conseguido fazer com que um sonho mudasse.
As sombras-monstro de verdade nunca aparecem de dia. Só quando chove demais
e escurece e clareia de repente com trovão.
Se elas tinham aparecido ali e ali ainda era de dia, então só podia ser um sonho
aquilo, até porque Benjamin nunca tinha visto aquele garoto gritão.
O moleque estava tão agressivo e roubava e jogava tantas fichas para longe que
Benjamin estava ficando assustado.
Fechou os olhos com força, tentando imaginar outro sonho. Mas quê! Pior ainda.
A caixa de papelão com o dinheiro guardado tinha entrado do nada na história e,
agora, o moleque mexia era nas notas de Benjamin.
– Eu sei que isso é um sonho! – falou.
Mas o garoto das sobrancelhas grossas que nem lagarta que queima a mão não
deu bola para ele.
– Me dê uma dessa aí! Dê esse também, isso! Agora, é tudo meu, viu?
Benjamin estava cansado daquele pesadelo.
– Sabe o que eu vou fazer então?
– O quê?
– Vou acordar!
– Acorde, então, que eu quero ver!
Benjamin tentou mexer uma das mãos, mas o peso era tão grande que não pôde;
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Benjamin e o poder do tempo

aquele era desses sonhos teimosos que grudam e não deixam a gente acordar, por
mais que tente.
Sorte foi que, bem de longe no início, mas, aos poucos mais forte, uma voz pare-
cida com a da mãe do Benjamin...
– Filho... filho, acorde.
Um chacoalhão.
– Filho, que cara é essa? Está bem? Dormiu bem?
Quando o garoto ia amassando um punhado das notas do dinheiro dele, Benjamin
conseguiu abrir os olhos e aquilo acabou!
Era mesmo a mãe de Benjamin, e ela estava cheia de pressa e de ordens na-
quele dia.
– Vamos levantando dessa cama, que a Márcia já ligou e está vindo para pegar você.
– Márcia?
Benjamin gostava da prima mais velha, a Márcia.
– Isso mesmo, trate de melhorar essa cara que ela está vindo lhe buscar... a não
ser que você não queira passear com ela!
– Eu quero!
– Márcia teve folga do banco hoje...
A mãe do Benjamin falava para o espelho. Fazendo bico e caras, puxando a
franja enquanto tirava a roupa do filho para colocá-lo debaixo da ducha quente, não
quente demais, porque Benjamin gostava de banho morno e de contar os azulejos
verdes da parede.

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Luiz Otavio Roxo

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– Um azulejo, dois azulejos, três azulejos, quatro
azulejos, cinco azulejos, nove azulejos, sete azulejos, oito
azulejos, seis azulejos, dez azulejos! Dez azulejos! Viu,
dez azulejos... Mãe, devia chamar verdelejo, não é azul.
A-zul-e-jo, ver-de-le-jo. De novo, um verdelejo, dois...

Ela gostava de falar sozinha como se falasse com o filho.


– A Márcia merece um bom marido. É a mais bonitinha daquele banco. Ela traba-
lha tanto, tem tanto futuro, você vai ver, ela ainda vai longe naquele banco lá! Ainda
mais agora, que foi promovida a gerente.
29
Benjamin e o poder do tempo

Benjamin ficava olhando para a mãe enquanto ela


falava; tentava entender as palavras que ainda não
conhecia. Benjamin gostava de palavras e se divertia
quando escutava alguma que achasse engraçada.

Nesse dia, ele riu sozinho – tão alto que chamou a atenção da mãe.
– Ge-ren-te? Mãe, gerente é engraçado. Gerente? Ge-ren-te! Que engraçado!
– Não ria, meu filho. Estou falando uma coisa séria e você vai ficar aí rindo assim
da sua prima?
– Gerente, gerente, ge-ren-te! Gerente é engraçado, mãe!
– Gerente é o que sua prima é, Benjamin. É uma coisa importante. Gerente é uma
pessoa que toma conta de outras. Sua prima é gerente de banco.
– De banco?
– É... Ela toma conta de outras pessoas no banco.
– No banco?
– É, meu filho, chega de palhaçada e vamos saindo dessa bacia aí, vem cá!
A mãe de Benjamin gostava de enxugar bem as orelhas e o cabelo do filho. Benja-
min achava que aquilo doía e evitava de todo jeito, punha as mãos no ouvido, gritava
que não queria – então, ela precisava colocar mais força ainda, era uma luta.
– Pare, mãe, pare! Ah, chega! Não quero!
Nesse dia, enquanto sua mãe lhe vestia a roupa – o colete marrom de caçador com
a camiseta verde e a bermuda laranja –, Benjamin pensava na prima tomando conta
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Luiz Otavio Roxo

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do banco, gostava de passear no carro cheiroso da prima. Gostava de conversar com
a prima, que também tinha mania de conversar sozinha fingindo que falava com o
primo pequeno. Benjamin se divertia com essas manias.
– A Márcia toma conta das pessoas do banco, mãe?
– É, Benjamin, já disse isso! É uma coisa importante, filho. Agora, me deixe pen-
tear esse cabelo!
Pior do que a toalha esfregando a orelha só a escova do cabo de madeira raspando
a cabeça.
– Ai, mãe, ai, chega, mãe, está bom! – ela escovava com tanta força que tinha que
segurar a cabeça dele, que ia para trás a cada passada da escova do cabo de madeira.
– Toma conta do banco a Márcia? Que engraçado!

A vó gostava muito da Márcia, gostava mais ainda


quando a Márcia ia visitá-la e levava o Benjamin junto.

O vô, que a cada ano parecia ainda mais magro e quieto, ficava no quarto até a
hora das refeições e pouco tinha gosto de brincar com os netos, apesar de fazer ques-
tão de dar um beijo na bochecha de cada um e dar bala doce.
– Olhe lá, filho, sua prima chegou. Veja lá se ela entra um pouquinho...
Benjamin corria feito um doido para o carro da prima, achava o máximo a prima
dirigir que nem seu pai.

31
Capítulo
5
– Mamãe disse que é para você entrar!
– Smack! – tascava cada beijo na bochecha do primo, que ele até fazia careta.
– Fale para ela que depois eu entro um pouquinho, a vó está esperando...
– Está bem!
Benjamin olhava a prima, enquanto ela dirigia e falava como se fosse com ele, que
se perdia olhando a rua passar rápido, de dentro do carro vendo cachorro passeando,
outra criança andando, uma pessoa de bicicleta, mais outro carro; olhar dentro dos
outros carros, o que as pessoas ficavam fazendo, engraçado as pessoas conversando
dentro dos carros, fazem caretas enquanto falam.
A prima que até dirigia carros que nem seu pai, a prima que falava cada coisa
legal e que lhe beijava na bochecha com tanta força que ele até fechava a cara
enquanto – smack! – ficou o tempo todo tentando imaginar a prima mais velha to-
mando conta das pessoas no banco.

33
Benjamin e o poder do tempo

Puxa vida, qualquer outro tudo bem, mas logo a prima


que ele adorava, cuidando de bancos! Não tinha outra
coisa mais interessante para ela fazer, não?

– Márcia...
– Oi, lindo! Que foi, o que você quer para
me falar com essa vozinha assim, hein?
– Sabe o que é?
– Pergunte...
– É que eu nunca imaginei que você fos-
se escolher... tomar conta de pessoa no ban-
co...
– Ãh? Como assim? É uma coisa séria
o que faço, viu, quem falou sobre isso para
você... sua mãe?
– É, ela disse que você trabalha tomando
conta das pessoas... no banco...
– E você não achou legal? Sabia que tem um monte de gen-
te que queria ser gerente de banco e não consegue? Sabia? Tive que trabalhar muito
para conseguir.
– Ah, até eu!
– Como assim?
34
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Esse ge-ren-te de banco aí, é só cuidar da pessoa não cair para trás; do cachorro
não fazer xixi aí, uma vez minha mãe disse que eu não podia subir em cima do banco,
tem que ver isso também... Em que banco você fica? No parque, tem mais gente que
na praça, né?
Márcia riu tanto que teve que parar o carro.
– Mas, Benjamin! Não é desse banco que eu tomo conta, não. É outro banco. O
banco de que eu tomo conta é um lugar importante, onde as pessoas guardam seu
dinheiro.

As pessoas têm medo de deixar o dinheiro que


ganharam solto por aí em qualquer lugar, têm medo
de ladrão, essas coisas. Então, colocam tudo no
banco e, conforme vão precisando, vão tirando de
lá em umas máquinas que soltam dinheiro. Jura que
você nunca viu?

Benjamin uma vez até tinha ido com a mãe em um lugar desses, mas não lembrava
que chamava banco, fazia tanto tempo. Quando ele ouviu a prima falando que as pesso-
as tinham medo de deixar o dinheiro solto por aí, lembrou-se do pesadelo que teve.
– Márcia, Márcia... Então, lá nesse banco, você toma conta... de dinheiro?

35
Benjamin e o poder do tempo

O BANCO
Na medida em que surgiram as moedas, algumas pessoas passaram a oferecer o serviço
bancário. No entanto, esse serviço era visto de forma ruim pela sociedade da época.
Com o florescimento do comércio no fim da Idade Média, a função de banqueiro se
tornou comum na Europa. Nas feiras da Europa Central, quando as pessoas chegavam com
valores em ouro para trocar por outro produto, era o banqueiro que fazia a pesagem de
moedas e avaliava a autenticidade e a qualidade dos metais – tudo em troca de comissão.

Posteriormente, co
ma
criação do papel-m
oeda,
a vida dos banque
iros se
tornou bem mais fá
cil.

36
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Com o tempo, os banqueiros passaram a conceder adiantamentos e a aceitar de-
pósitos – em troca, o banco emitia um certificado.
Hoje em dia, os bancos são organizações com sistemas de informação de altíssima
qualidade.
A partir do fim do século XI, as necessidades do grande comércio exigiram a
circulação de moedas de maior valor. Nas cidades comerciais da Itália, teve início a
cunhagem de moedas de prata, e, mais tarde, de ouro. Para estabelecer a equivalência
entre as moedas, começaram a surgir, em muitas cidades e nas feiras mais importan-
tes, os cambistas.
O nome banqueiros era inicialmente dado a esses cambistas, que, utilizando uma
banca ou bancada (espécie de balcão improvisado), procediam ao câmbio das moedas.
Mais tarde, porém, passaram a realizar outras operações monetárias, aproximando-se
progressivamente do atual banco e banqueiro.

37
Capítulo
6
A vó sempre tomava uma xícara de caldo de feijão e um suco da casca da lima-da-
pérsia com uma pedra de gelo.
A lima-da-pérsia veio do mesmo lugar que o ta-
pete vermelho da vó – aquela terra onde as pes-
soas enrolam panos na cabeça e passam a vida
pintando tecidos e fazendo tapetes persas. A
lima-da-pérsia é bem clarinha e doce; Benja-
min e Márcia não gostavam muito, mas a vó
sempre repetia que aquele suco era um santo
remédio. O suco era feito da casca da fruta – e,
depois do almoço, a vó comia a lima, que parecia
muito uma laranja enjoada.
O doce predileto do Benjamin e da Márcia se chamava Quarto Centenário, e a Ro-
mualda fazia quando iam passar o dia lá.
Quando Benjamin ouviu Quarto Centenário pela primeira vez, ficou muito curioso,
achou engraçado. Depois, explicaram que quarto era quase igual a quatro e era mes-
39
Benjamin e o poder do tempo

mo, e que centenário era quase igual a cem e era mesmo, mas cem era um número que
Benjamin ainda não entendia direito. O que importava era que o Quarto Centenário
era bom demais.

4 ovos
1 colher de sobremesa de manteiga sem sal
3 xícaras de leite condensado
3 xícaras de leite normal
2 xícaras de coco
8 colheres de sopa de açúcar
raspa de 1 limão pequeno

– Ah... ufa!
– Comeu direitinho, benzinho?
Romualda gostava de ver quando
comiam com gosto. Ela tinha orgulho
de cozinhar para aquela família e de
saber fazer tantas coisas.
A vó gostava de colocar um disco
de música clássica na vitrola – a vitro-
la dela era um negócio de tocar discos
antigos e chiados – e de descansar um
pouco no sofá depois do almoço.
40
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Naquele dia, depois do almoço, enquanto a vó cochilava, Benjamin sonhava
acordado querendo conhecer o tal banco da Márcia.
– Você me leva a esse banco onde guarda dinheiro?
– Claro, amanhã mesmo você pode ir comigo passar um tempo lá, quer?
– Quero!
Nesse meio-tempo, a mãe do Benjamin o convidou para ir a uma loja para comprar
as coisas da lista da escola.

O QUE É COMÉRCIO
Comércio é quando compramos ou vendemos alguma coisa, mais ainda quando
compramos alguma coisa já pensando em vender.
Imagine que você queira comprar um chapéu. Acontece que a pessoa que faz esse
chapéu fica lá no México, e imagine que o México fica bem longe.

Você quer comprar o chapéu, mas não quer ir até o


México. Então, um comerciante vai até o México e
compra o chapéu por R$ 100. Acontece que ele teve
que gastar dinheiro com a passagem de avião para ir
até o México. A passagem de avião lhe custou R$ 400
para ir e voltar.

41
Benjamin e o poder do tempo

Pois a loja desse comerciante fica perto da sua casa. Até lá dá para você ir para
comprar o chapéu do México.
Agora, o moço não faria tudo isso por nada. Então, ele vende a você o chapéu do
México por R$ 600.
R$ 100 do custo do chapéu
R$ 400 das passagens de avião
R$ 100 de lucro

Lucro é o preço da venda menos o


custo. É o ganho, ou seja, o que as pes-
soas ganham para praticar o comércio.
E o homem que fez o chapéu do
México?
Ele também tem lucro, porque a
Lucro é o preço da
palha que usou para fazer o chapéu lhe venda
menos o custo. É o
custou R$ 20, e ele vendeu o chapéu ganho, ou
seja, o que as pess
por R$ 100, lembra? Ganhou R$ 80 por
oas ganham
para praticar o com
ter tido um trabalhão para trançar a ércio.
palha e porque só ele sabe fazer um
chapéu de palha bonito assim.

42
Capítulo
7
Benjamin se deu conta de que a maioria das crianças da sua idade ainda não tinha
percebido que as coisas eram trocadas por dinheiro.
– Filho, vou comprar as coisas da sua escola, quer ir passear comigo?
– Quero!
Foram até o lugar da pessoa que tinha as coisas da lista das escolas e que trocava
todas as coisas que tinha da lista das escolas pelo dinheiro das mães.
Benjamin aproveitou para prestar atenção em como funcionava a troca do dinhei-
ro pelas coisas.
Tinha uma máquina que fazia um bipe e somava os preços.

A pessoa que estivesse comprando tirava o dinheiro da


carteira e pagava, ou então passava um cartão que valia
dinheiro, ou escrevia um cheque que também valia dinheiro
– e tudo isso tinha que ver com o negócio do banco.
43
Benjamin e o poder do tempo

Benjamin olhou para cima; uma estrela brilhou em cada olho.

44
Capítulo
8
Chegou o dia de ir ao banco com a Márcia. Benjamin
pulou da cama, tomou banho. Já esperava, desde cedo,
a hora de sair. Sete horas da manhã.

– E aí, Benjamin, vamos trabalhar?


– Vamos sim, estou pronto.
Tinham preparado, na noite anterior, a sua roupa mais séria: uma calça preta que
só tinha um desenhinho verde no canto de baixo – que nem aparecia –, a camisa
social que tinha usado no casamento da amiga da mãe e um belo par de sapatos bri-
lhantes de tão pretos.
Benjamin tinha decidido pentear o cabelo sozinho! Enfiou a mão no pote de gel
azul que ficava no banheiro do pai, pegou a escova de madeira da mãe e, com a mão,
esticou o mais firme que pôde o cabelo para trás. Até perfume ele espirrou para cima
e esperou que caísse, embaixo do espirro com a cara para cima.
– Atchim!
45
Benjamin e o poder do tempo

Ia ao carro com a prima mais velha. Márcia estava perfumada também.


– Nossa! Que gatão... uau!
O banco em que a Márcia trabalhava era grande, e as pessoas entravam muito
rápido. Impressionante andar tão rápido e não trombar. Para Benjamin, cuja altura
ainda dava mais ou menos na cintura de uma pessoa adulta, todas aquelas barrigas
corriam, uma a cada lado.
A entrada tinha máquinas onde as pessoas faziam fila segurando envelopes, al-
guns saíam contando dinheiro.
Benjamin gostou do banco, apesar de não ser um lugar belo, pelo menos aquele
banco. Parecia mais um lugar meio cinza.
Passaram por uma porta giratória, deram oi para o guarda e subiram a escada até
o andar onde ficava a mesa da Márcia. Ali era um pouco mais bonito. O banco quase
parou para ver o Benjamin.
– Ai, que gracinha, Márcia! Ele veio abrir uma conta?
O fato é que Benjamin estava mesmo interessado.
– Márcia... – Benjamin chamou baixinho, um sussurro.
– Oi?
– Onde é que fica guardado o dinheiro das pessoas?
– Na verdade, não fica tudo aqui, Benjamin. Fica guardado em outro banco, aqui
fica só uma parte e fica no cofre, depois eu mostro para você, porque o cofre só abre
no horário programado. Eu vou atender algumas pessoas... Então, vou pedir para você
ficar sentado aqui comigo. Vai ser um pouquinho chato, mas tenha paciência, que
logo vamos dar uma volta!
46
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Sentado na cadeira ao lado da Márcia, Benjamin ficou vendo-a atender as pessoas.
– A senhora traga uma cópia do RG, do CPF e um comprovante de residência.
Então, abriremos uma conta-poupança.
Era uma senhora curiosa e que não entendia muito bem dessas contas.
– Então, vamos ver aí: se eu deixar nessa conta, vamos ver... uns... sabe, minha
filhinha, uns R$ 60.000... Daqui a uns trinta anos, porque eu tenho um netinho novo,
sabe? Daqui a trinta anos, ele
vai estar mais adulto e pode
precisar... então... quanto vai
ter nessa conta aí, esse dinheiro
aí, daqui a trinta anos?
– Deixe eu ver, senhora...
São trinta anos, então a senho-
ra terá nessa conta o total de
um milhão, quarenta e seis mil,
novecentos e sessenta e quatro
reais e quatorze centavos.
R$ 1.046.964,14
Benjamin, ali no canto,
sentado esperando a prima,
falou para si: “Ah! O dinheiro
cresce? Como?”.

47
Capítulo
9
Logo depois da senhora, sentou um moço.
– Olá.
– Olá! Em que posso ajudá-lo?
– É o seguinte, Márcia: eu recebi aumento no meu salário. Então, vou começar a
depositar R$ 164 por dia em uma conta-poupança... me ajude a fazer uma conta, por
favor? Se eu fizer isso por dez anos, quanto vai ter nessa conta?
– Vamos lá... terá um milhão, quatro mil, trezentos e oitenta e três reais e oitenta
e quatro centavos.

Foi aí que Benjamin aprendeu que R$ 60.000


guardados no banco, em trinta anos, viram mais de
um milhão, e que R$ 164 guardados todos os dias e
colocados no banco durante dez anos também viram
mais de um milhão.

49
Benjamin e o poder do tempo

Benjamin, que já tinha superado seu problema de confundir o seis com o nove,
ainda não conhecia esse tal de milhão.
– Márcia, Márcia. Que negócio é esse de milhão?
Márcia, mais feliz porque se aproximava a hora do almoço, sorria. Atrás de sua
mesa, tinha um quadro branco e canetões. Ela escreveu lá para o primo ver.
– Ó, um milhão é assim, um: 1. Depois, vêm três zeros: 000. Mais três zeros: 000.
Fica assim: 1.000.000. São muitos zeros, primo...
– Nossa... isso é muito, não é?
– Para mim é sim, Benjamin, mas tem gente que tem tanto dinheiro que acha
normal, tem gente que acha até pouco...

Benjamin nem cansou de ficar no banco com a prima.


Valeu a pena esperar para ver o cofre, tinha dinheiro
que nem parecia dinheiro de tanta nota junta naquele
cofre.

No carro, enquanto voltavam para casa, Benjamin tinha um sorriso na cara e uma
imagem que não lhe saía da cabeça: o dinheiro crescendo.

50
e Luiz Fernando Roxo
51
Luiz Otavio Roxo
Capítulo
10
O dia seguinte foi o primeiro dia de aula na escola. Antes, ele só tinha ido à es-
colinha, e a escola era bem maior que a escolinha.
Na classe do Benjamin, havia 13 meninos e 17 meninas. O dia passou rápido; a pro-
fessora, com cabelos que pareciam couve-flor chacoalhando, falou, falou, até que o sino
tocou, e Benjamin voltou para casa se lembrando, durante o caminho, do rosto averme-
lhado da menina que ficou sua melhor amiga. Ela disse que tinha sete anos, como ele.
De tarde, ficou com sua mãe, supermercado, cabeleireiro... mas o legal mesmo do
dia foi depois da janta. Seus pais estavam distraídos contando do dia um para o ou-
tro. De fininho, Benjamin pegou seu Ovomaltine, saiu da mesa e, sem fazer barulho,
foi andando até o sofá. Ligou o aparelho da tevê a cabo e a televisão.
Coisa mais estranha apareceu... Um homem falando e aquela coisa esquisita se
mexendo, pulsando.
– Também conhecida como Sarcodíneo, palavra que vem do latim sarcodes, que
significa carnoso. As amebas são o primeiro animal que estudaremos. As amebas, a
certa hora, partem-se no meio e viram duas, e cada uma dessas duas vira outras duas,
que viram duas...
53
Benjamin e o poder do tempo

Benjamin, derramando uma gotona de Ovomaltine no tapete marrom, boca aberta,


deixou escapar a palavra...
– Ameba... – e a gosma viva dividindo no meio e crescendo, virando aquele monte
de gosminha, crescendo e crescendo, crescendo mais.
– E até que... viram milhões de amebas a partir de uma só ameba. Vamos fazer
uma continha... Comecemos com uma ameba, certo? Ela se divide em duas. A cada
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Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


dia, as novas amebas se dividem em duas. Sabe quantas amebas teremos em trinta
dias? 21.474.836,46!
– Meu Deus! É muita ameba!
O locutor falava e, na cabeça do Benjamin, a ameba e a poupança do banco da
prima se misturavam num desenho muito doido.
O dinheiro no banco crescendo que nem a ameba... e, ao invés de ameba, números...

55
Benjamin e o poder do tempo

SOBRE POUPAR E SOBRE OS JUROS


A poupança é aquilo que conseguimos não gastar.
Todo mundo, em algum momento, ganha dinheiro. Esse dinheiro pode ser ganho
de diversas maneiras. Simplificando muito, pode ser de duas formas: trabalhando para
alguém ou fazendo comércio.
A pessoa que ganha dinheiro trabalhando para alguém recebe salário. Por exem-
plo: você começa seu dia na empresa às 9h, almoça ao meio-dia e volta para casa às
18h. Por conta disso, a empresa lhe paga R$ 2.000 todos os meses.
A pessoa que ganha dinheiro trabalhando para os outros também pode ganhar por
tarefa executada. Por exemplo: se você é um médico que faz cirurgias, você ganhará
por cada cirurgia que fizer. Assim é com muitos tipos de profissionais: jornalistas,
advogados, etc.
A pessoa que faz comércio ganha dinheiro vendendo por mais do que comprou. Ou
fabricando alguma coisa e vendendo. De um jeito ou de outro, o segredo da poupança
é guardar uma parte do dinheiro que você ganha todos os meses, por exemplo:
Se você ganha R$ 1.000, você coloca na cabeça assim: vou gastar só R$ 500. Daí,
com esforço, você consegue guardar R$ 500 todos os meses. Depois de um ano, por
exemplo, você terá poupado R$ 6.000.
Caderneta de poupança foi o nome dado a um tipo especial de conta de banco,
criada para auxiliar as pessoas a pouparem.
Nela, o banco, que guarda todo o dinheiro que você conseguir poupar, usará esse
seu dinheiro para emprestar para outros bancos e para outras pessoas que estiverem

56
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


precisando. Como esse banco vai ganhar por emprestar o seu dinheiro, ele lhe pagará
por isso um tanto que foi combinado entre todos os bancos – e chamam de juros.
Os juros são um valor que você vai ganhar por cada mês em que deixar seu dinhei-
ro rendendo no banco. A partir do segundo mês, você terá rendimentos não só sobre
aquele tanto, mas também sobre o que o seu dinheiro rendeu no mês anterior, e é
essa aplicação que produz o efeito poderoso da multiplicação do dinheiro.

O segredo da poupança
é guardar uma parte do
dinheiro que você ganha
todos os meses.

57
Capítulo
11
No segundo dia de aula, a mãe de
Benjamin teve um pequeno problema,
e ele teve que ficar esperando e espe-
rando até que todo mundo já tinha
ido embora e só ficou ali a senhora
que cuidava da saída e o Murilo.
Murilo gostava de agito e foi logo
conversando com Benjamin, que, tí-
mido, demorou a responder.
– Ei, qual seu nome? O meu é Mu-
rilo, quer jogar?
Tirou da mochila uma bola de pa-
pel amassado. Murilo sabia que sua
mãe demoraria e estava torcendo para
alguém ficar esquecido com ele.

59
Benjamin e o poder do tempo

– Você é da minha sala! – disse, arremessando a bola de papel amassado na bar-


riga do Benjamin, que levou um baita susto.
Murilo partiu para cima de Benjamin com a bolinha no pé como se estivessem na
final da Copa do Mundo e, enquanto driblava jogadores invisíveis, imitava o som da
torcida:
– Olé!
Agora, imitava o som da torcida e o a voz do narrador:
– E dribla mais um! Olé! E passa pelo outro, e dribla mais um, nossa senhora, olé,
o goleiro sai da área! Dribla o goleiro! Vai para o gol! Vai fazer e é GOOOOOOOOLLLLL,
Murilo, Murilo é do Brasil!

Benjamin, quieto, porque estava mais acostumado


a lidar com gente adulta do que com criança da sua
idade, achando aquilo tudo muito estranho, deu
graças a Deus quando ouviu a buzina da mãe.

– Tchau! Ei, tchau! Qual seu nome, mesmo? O meu é Murilo! Qual seu nome?
Mesmo com vergonha, respondeu já quase dentro do carro.
– É Benjamin.
Chegando à sua casa naquele mesmo dia, Benjamin decidiu que era hora de começar.
Dois foram os pontos iniciais para ele:
1. As pessoas compram coisas de que gostam.
60
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


2. As pessoas compram coisas de que precisam.
Quando entendeu isso, passou às tarefas. A primeira coisa foi telefonar para sua vó:
– Vó! Posso falar com a Romualda?
– Pode sim, filho, mas você nunca liga assim para falar com a vó; fala com a vó
primeiro, ora. Por que você não passa a noite aqui hoje com a vó?
– É mesmo? Posso pedir para a mamãe para dormir aí?
– Claro, filho, estou falando sério. Assim, você dorme aqui na casa da vovó, me faz
companhia, conta da vida e depois resolve suas coisas com a Romualda.
– Manhê? – berrou, empolgado.
– Que foi, filho? Pare de gritar desse jeito!
– Posso dormir na casa da vovó? Ela me convidou!
– Ela vai levar você para a escola amanhã cedo?
– Ah, acho que vai, né? Para me convidar
assim...
– Então, pode, meu filho. Leve um casaco
bem quente para não passar frio.
Benjamin voltou para o telefone:
– Vó, pode vir me buscar, mamãe me
deixou dormir aí.
Seu Carmelo chegou no Landau azul da
vó e Benjamin foi-se pela rua, todo bacana,
porque estava em um carro que ninguém mais
tinha igual e porque tinha uma boa ideia na cabeça.
61
Benjamin e o poder do tempo

Chegando lá, nada de Romualda, que já tinha ido embora. Então, ele resolveu
conversar primeiro com sua vó; afinal, a Romualda era empregada da vó, fazia senti-
do pedir sua autorização – além disso, na família de Benjamin, foi ensinado que as
pessoas mais velhas têm sabedoria e devem ser consultadas sempre que se pensa em
fazer algo novo.
– Vó, sabe o que é? Vou contar uma coisa para senhora...
– Nossa, que coisa mais séria, filho, nem parece um menino... o que foi?
– Eu tomei uma decisão na minha vida!
A vó tentou conter o riso, mas não conseguiu.
– Desculpe, filho, é que... ai, ai, ai. Você ainda me mata!
– Eu, vó?
– Não é isso, filhinho, é um jeito de falar, você é muito engraçado. É assim: um
dia você ainda me mata de tanto rir, entendeu?
– Mas, vó, eu estou falando muito sério.
– Está certo, filho, diga lá...

– Eu vou começar uma coleção de dinheiro e vou


colocar minha coleção toda lá no banco da Márcia.

A vó, como se houvesse compreendido a seriedade da coisa, olhou o neto com os


olhos fixos.
– Hm, isso é mesmo sério, hein, filho?

62
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– É sim, vó, e a Romualda será importante para essa minha decisão.
– A Romualda? Hm, me explique isso aí...
No fundo, no fundo, a vó fazia cara de séria, mas ela estava era achando que
aquilo fosse mais uma brincadeira.
– A Romualda será a fábrica!
Benjamin falou essa última frase como se dissesse “Eureka!”.

63
Capítulo
12
A vó se divertia, achando que era uma brincadeira de neto. Fingia que entendia...
e seguia fazendo cara de séria, dando corda.
– Ah, entendi, a Romualda... a fábrica... hm.
– Isso mesmo, vó. Que bom que a senhora está entendendo. Ela vai ser a fábrica,
pode ser?
– Ah, claro, filho, pode sim. Amanhã, você explica isso a ela.
– Oba! Então, amanhã, depois da escola, eu posso almoçar aqui e combinar tudo?
– Pode sim, filho, eu peço ao Seu Carmelo que vá lhe buscar.
– Legal, vó! Agora, só mais uma coisa...
– Diga, filho.
– Posso usar esse seu computador para fazer uns preparativos?
– Bom, foi sua mãe que me comprou esse bicho aí. Eu não sei se funciona, nunca
nem liguei. Se você conseguir ligar, pode mexer sim... à vontade.
Onze horas da noite, a vó levou um leite quente e pediu-lhe que desligasse o
computador, porque já era tarde.
– Ainda nesse troço, filho? Vai ficar com a cara quadrada. O que tanto faz aí, hein?
65
Benjamin e o poder do tempo

– Oi, vó. Preparando as coi-


sas...
Sem maiores detalhes, tomou
o leite com chocolate e foi dormir
contando números.
No dia seguinte, Seu Carmelo
fez questão de entrar com Benja-
min até a porta da classe, o que
o deixou cheio de vergonha. Seu
Carmelo tinha um bigode e uma
barriga enormes, era muito dife-
rente das pessoas. O engraçado
era que, de certa forma, Seu Car-
melo era parecido com o Landau
da vó, que também não parecia
com nada e não lembrava nin-
guém.
Murilo veio correndo, ainda
não tinha se acostumado com o
jeito pacífico de Benjamin, ao
mesmo tempo quieto e agitado –
quieto nas palavras e agitado no
pensamento. Ao correr atrás do
66
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


amigo, Murilo não se deu conta de que o Seu Carmelo estava ali e trombou com a barri-
gona dura e redonda que até lhe amassou o nariz...
– Ai! – Murilo, assustado.
– Ei, garoto! – Seu Carmelo, com sua voz meio rouca.

Murilo tinha os cabelos encaracolados, serelepe.


Gostava de jogar bola e lia, lia de tudo, principalmente
histórias de heróis. Conhecia todas as letras e era bom
com números, nem confundia o seis com o nove e já
contava até cem sem errar.

– Ei, cuidado onde anda, garoto. Um dia, vai bater feio com a cabeça, correndo
desse jeito, sem olhar.
– Desculpe, senhor. Eu queria falar com meu amigo Benjamin.
– Ah, você é amigo do Benjamin aqui. Então, eu já posso ir embora. Benjamin,
vou deixar você com o garotão distraído aqui... Sua vó me disse para vir buscá-lo ao
meio-dia, é isso mesmo?
– Isso mesmo, Seu Carmelo. Muito obrigado!
Entraram na aula. Era dia de matemática.
– Meninos, meninas, vocês já devem ter percebido que vivemos em um mundo
cheio de números... não é mesmo? Vejam só que curioso... respondam-me, por favor,
mas um de cada vez. Que dia é hoje? Hein? Quem souber levante a mão.
67
Benjamin e o poder do tempo

De repente, uma voz tão estridente que doeu nos ouvidos dos meninos e levou a
professora a fechar os olhos veio lá do fundo da sala. Todo mundo até olhou para lá,
fazendo cara de ai, meu ouvido.
– Eu seeeei!
Mas era uma menina esquisita com força, tinha uns cabelos grandes que eram
qualquer coisa entre o liso e o encaracolado, qualquer coisa que ainda não tinha nem
nome; só ela tinha um cabelo tão cabeludo daqueles.
Seus óculos eram maiores que o rosto, ficavam caindo, como eram óculos de grau
9, os olhos caramelo-avermelhados pareciam atrás de lupas de detetive, imensos.
Era um pouco gordinha e não se penteava; até porque... como iria pentear aquilo
que lhe crescia como praga?
– Tudo bem, mas não precisa gritar! – a professora respondeu também gritando,
estridente, contagiada com o berro da coleguinha de classe de Benjamin.
– Está bem! – de novo, a menininha gritou, a menininha dos cabelos cabeludos
e dos óculos gigantes.

Com o tempo, a classe entenderia que não eram


gritos, mas seu jeito normal de falar, que parecia o som
de uma bandeja caindo.

– Eu não vou gritaaar! – a essa altura, metade das crianças da sala imitava a pro-
fessora e tapava o ouvido com o dedo. – Hoje é terça-feira.
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Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Isso, queridinha, qual seu nome mesmo?
– Meu nome é Fááá!
– Ai. Como é?
– Fááá!
A impressão que dava era de que os vidros das janelas arrebentariam.
– Tudo bem, Fááá, eu entendi o seu ape-
lido, quero saber o seu nome, querida.
– Meu nome é Fátima! Mas todos me cha-
mam de Fá.
– Certo, Fá, você me disse que hoje é uma
terça-feira, pois terça vem do número três.
Agora, eu pergunto outra coisa, vamos ver;
qual o dia do mês, sabe?
– Hoje é dia dois!
– Isso mesmo, Fá. E agora quero ver, hein?
Qual a sua altura, você sabe?
– Sei sim, professora. Minha altura é um me-
tro e dez centímetros, eu medi essa semana!
– Ah, e quanto você pesa?
– Vinte e cinco quilos!
– Pois é... e que horas são agora, hein?
– Hm, professora, isso é fácil: são dez horas!
– Perceberam? A vida inteira vocês terão
69
Benjamin e o poder do tempo

que viver com números. Então, é melhor irem se acostumando, gostando, porque
é isso mesmo, essa vida é cheia deles. Digo mais: com números, podemos fazer um
monte de coisas. Vocês verão.
O sinal tocou, e todos correram até o pátio. Benjamin assustou-se novamente com
a quantidade de gente que saía das salas na hora do recreio.
Murilo logo correu atrás, insistia em ficar junto de Benjamin, mas como Benjamin
já não respondia mais as perguntas, Murilo aquietou-se, e os dois ficaram sentados
em uma muretinha comendo e olhando o movimento.
Talvez por ver os dois tão quietos e sozinhos em cima daquele muro, outra criança
se aproximou: era a garotinha esquisita dos olhos gigantes e dos cabelos avermelha-
dos que não eram nem lisos nem encaracolados.
Sentou-se ali e ficou comendo sua... sua... o que será que era aquilo que ela comia?
Uma coisa meio grudenta e roxa; uma massa? Um pão molhado de beterraba? Sabe-se
lá... O fato é que ela ficou comendo aquela coisa que lhe grudava nos dedos e que esti-
cava que nem queijo derretido e era realmente fora de série. A coisa que ela comia era
tão bizarra que os dois se pegaram olhando-a com as bocas abertas e em silêncio.
Quando Fátima percebeu que os dois a olhavam, parou de comer por um segundo
e retribuiu com a mesma cara.

Depois do recreio, a professora chegou a um ponto


muito importante: o dinheiro também é número.
Começaram com as contas.
70
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Fizeram contas de somar e de tirar, o que, para Benjamin, vinha muito a calhar – e já
fazia parte de seus preparativos, nada poderia ter sido melhor. Murilo respondia sem va-
cilar a todas as perguntas e Benjamin começou a ter mais assunto com ele. Acharam algo
que os unia. Benjamin surpreendeu-se com a capacidade do amigo de fazer as contas. E
Fátima, que era muito engraçada de tão espontânea, acabou virando parte do grupo.
Ao meio-dia em ponto, o Seu Carmelo já estava dentro dos portões da escola.
Tinha feito amizade com a moça que cuidava da saída das crianças e encontrado um
lugar especial para encostar o Landau.
– Uau... seu carro é maneiro – falou Fátima quando viu o Landau.
– É da minha vó – Benjamin sorria entre os amigos com os quais começava a
sentir-se mais à vontade.

71
Benjamin e o poder do tempo

– Seu Carmelo, será que dá para passar na minha casa primeiro?


– Sua avó me disse que era para levá-lo para almoçar lá com ela, hein?
– Eu sei, mas é que, como eu vou passar o dia todo lá, preciso pegar algumas
coisas, pode ser?
– Está bem, você que sabe. Depois, se explique lá para sua avó.
Passaram em casa, e Benjamin pegou sua caixinha.
– Filho, aonde você vai?
– Para a casa da avó. Só vim pegar umas coisas que estavam faltando. Tchau, mãe...
Quando entraram no carro, Benjamin disse:
– Seu Carmelo, agora precisamos passar um minutinho naquele mercadinho onde
o senhor faz as compras para a vó. Não vai demorar nada...
– Você que sabe, filho. Sua vó deve estar preocupada.
– Ah, mas é rápido demais!

O RISCO
Risco é o que pode acontecer de ruim.
Por exemplo:
1. Vamos brincar de pular do balanço quando ele estiver bem lá no alto?
2. Vamos jogar futebol?
3. Vamos correr até aquela árvore?
A vida é cheia de riscos, desde que a gente acorda até a hora em que a gente vai
dormir. Nos casos acima, por exemplo, quais são os riscos?

72
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


1. Mas aí a gente corre o risco de cair de cara no chão quando tiver pulado do
balanço bem lá no alto e quebrar os dentes.
2. Jogar futebol? Aí, periga dar uma trombada forte e torcer o pé.
3. Correr... até chegar à árvore, corremos o risco de tropeçar e bater a cabeça feio.

Acontece que tem um ditado que fala: “Quem não


arrisca não petisca”. O que isso quer dizer?

Quando estamos tratando


de dinheiro ou de comércio:
1. Vou comprar 10 re-
vistas por R$ 1 cada uma e
vender por R$ 2 cada.
2. Vou emprestar dinhei-
ro ao meu amigo.
Como fica o risco nessas
situações? Bom, nos dois ca-
sos, podem acontecer coisas
ruins: por exemplo, você
pode não conseguir vender
nenhuma revista, e o seu
amigo pode não conseguir lhe
pagar aquele empréstimo.
73
Benjamin e o poder do tempo

Porém, nos dois casos, se a gente tiver muito medo e não fizer nada, o que aconte-
cerá? Perderemos a chance de ganhar. E se ficarmos morrendo de medo de brincar, por-
que podemos cair de cara, e aí não brincarmos? Perderemos a chance de nos divertir!

Então, o segredo é balan


cear
as chances boas e os per
igos
de forma a sair ganhando
.

74
Capítulo
13
Foram até o mercadinho e Benjamin comprou uma série de coisas. O moço achou
um barato um garoto daquele tamanho comprando tão direitinho.
Saiu de lá cheio de sacolas e contando o troco, agora que achava que já sabia
fazer contas de mais e de menos.
Chegou à casa da vó meia hora atrasado. Ela estava toda preocupada.
– Filho, mas que absurdo, a comida vai esfriar toda. Você me deixou aqui imagi-
nando cada coisa... Onde foi que vocês andaram? Hein? Como pôde?

– Calma, vó! Fui pegar as coisas que a Romualda vai usar


para fabricar, lembra, que já conversamos ontem?

A vó já nem lembrava mais aquilo que achava que tinha sido uma brincadeira de
palavras do neto.
– Ah, vamos já para a mesa. Depois, você vai me explicar direitinho esse negócio.
Romualda, que vinha trazendo o caldinho de feijão da vó e o suco de lima-da-

75
Benjamin e o poder do tempo

pérsia, adorou ver Benjamin ali.


– Rô, isso aqui é para a senhora deixar ali de lado, que, daqui a pouco, depois do
almoço, eu explico, está bem?
– Claro, filho.
– Senhora, seu suco de lima e o caldo de feijão.
– Obrigada, Romualda.
Comeram em silêncio; quando a vó ficava nervosa, ela demorava para voltar ao
normal. Ficou o almoço todo com a mesma cara fechada de quando chegaram.
Logo depois do almoço, Romualda veio trazendo doce de leite com queijo fresco.
– Filho, se eu soubesse que você queria Quarto Centenário, eu teria preparado
para você num instantinho... Não precisava trazer as coisas, aqui tem de tudo...
Dona, ele comprou as coisas para eu fazer o doce para ele, acredita?

– Mas vocês não me deixam explicar! Não é isso,


Rô. Você vai fabricar para mim. Desde ontem que
estou tentando explicar para a vó, mas ela ainda não
entendeu. Deixe eu explicar de novo.

– Explique, filho... Não entendi mesmo. Você quer aprender a fazer doce, é isso?
– Não, vó! Eu perguntei se a Romualda podia ser a minha fábrica, e a senhora
disse que podia... Prometeu, está prometido!
A cara de Benjamin caiu, ele ameaçou chorar como muitas crianças daquela idade.
76
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Calma, filho, não precisa chorar, a vó escuta o que você quer falar, é que eu não
entendi nada, gente velha demora mesmo a entender as coisas, não é, Romualda?
– É verdade, Benjamin. Agora que está estranho esse negócio de me chamar de
fábrica, ah, está estranho mesmo, haha! – ria com a mão na barriga.
– Eu vou explicar... Todo mundo precisa comprar as coisas, não é?
– É verdade, filho.
– Então! Eu quero vender, porque quero colecionar dinheiro, entenderam? E, para

77
Benjamin e o poder do tempo

vender, eu vi que tem dois jeitos: ou eu fabrico alguma coisa e vendo ou eu vou à fábri-
ca e compro um monte com desconto, aí vendo mais caro. Não é assim?
– Nossa, filho, que assunto mais sério.
– Mas eu falei que era sério. A senhora me escutou ontem, ora. Eu quero fazer
doces aqui e vender.
– Está bem, só que você vai me prometer uma coisa.
– Eu prometo. O que é?
– Você não vai vender isso na rua. Deixe que eu vou ajudá-lo. Aqui no prédio,
tem muita gente amiga, eu vou indicar você. Então, você vai lá e vende o doce,
está bom assim?
– Está combinado, vó.

Daquele dia em diante, foi assim. A Romualda fazia o


doce com os ingredientes que ele trazia; ele vendia os
doces para as amigas da vó e para os funcionários do
prédio; depois, separava o dinheiro do lucro e pagava
a Romualda.

Não desconfiou que a sua vó pagava todos aqueles pedaços de Quarto Centenário
que ele vendia. Ela telefonava antes, avisando:
– Oi, sabe o Benjamin, meu neto? Não? Pois é, eu tenho um netinho, o Benjamin,
sabe, ele agora deu para querer vender uns docinhos, sabe? Então, ele vai passar aí
78
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


para oferecer uns doces. Isso. Eu estou mandando o Seu Carmelo deixar aí um troco,
você dá para o meu neto? Isso. O doce? Ah, foi a Romualda quem fez, pode comer sim.
Mas não deixe ele perceber, hein? Por favor... Ah, e muito obrigada!
Acontece que o doce era bom de um jeito e o Benjamin vendia com tanta alegria
que virou assunto no prédio. A maioria das pessoas passou a falar:
– Mas o doce é uma delícia! Seu neto é uma gracinha de menino, pode deixar que
viramos fregueses. Não precisa mandar o dinheiro não, nós queremos comprar o doce
com ele mesmo. Obrigada.

Assim, Benjamin fez


clientela
no prédio da vó. Se el
e
não aparecesse, as pe
ssoas
telefonavam cobrando
o doce.

79
Capítulo
14
A essas alturas, Benjamin e Romualda
vendiam, em média, dez pedaços de Quarto
Centenário todos os dias. Cada pedaço custa-
va aos fregueses R$ 3. Dez pedaços por dia,
R$ 3 por pedaço, são R$ 30 por dia; sete dias
por semana, porque nos fins de semana ven-
diam ainda mais, faturavam R$ 210 por sema-
na, R$ 840 por mês.
Quando mostrou as contas ao pai, que
alegria! No dia seguinte, ele falava a todos os
colegas de trabalho sobre o filho que faturava
mais de R$ 1.000 por mês – ele aumentava
porque tinha mania de aumentar os números
de qualquer coisa.
Com o faturamento de uma semana, pa-
gavam os ingredientes que usavam no mês
81
Benjamin e o poder do tempo

todo. Aí, Benjamin e Romualda dividiam o dinheiro. Como a ideia tinha sido de
Benjamin, ele ficava com R$ 420 por mês e pagava a Romualda R$ 210 por mês, um
dinheiro que, para ela, fazia muita diferença.
Depois de uma dezena de meses, Benjamin já tinha trocado a caixa de papelão
onde guardava a coleção de dinheiro umas cinco vezes – e a última, que ele tinha
arranjado no supermercado, já não cabia mais no armário.
Telefonou para a Márcia e foi direto.
– Márcia!
– Nossa, que braveza é essa?
– Quando eu fui ao banco, lembra? Você falou para aquela senhora que o dinheiro dela
iria crescer; depois, eu vi na tevê a ameba, e fiquei esperando e esperando e até hoje o
meu dinheiro não aumentou nem um centavo, e olha que eu olho sempre! O que é isso?
Márcia riu, mas riu tanto que ficou sem ar.
– Eu vou tentar explicar para você.
– Hm.
– Como eu posso explicar? Ai, ai, ai... veja bem... O dinheiro tem um valor, que é
o valor da moeda, por exemplo, um real vale um real, certo?
– Dã, isso aí eu sei, né?
– Tá, agora... o dinheiro tem um outro valor, esse outro valor é o valor do dinheiro no
tempo. Benjamin, isso que você está me perguntando as crianças normais não entendem
ainda, mas como você é um menino especial, diferente dos outros, se prestar muita aten-
ção no que eu vou falar, porque é uma das coisas importantes, você pode entender.
– Ahã...
82
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Não, é simples, veja só... As pessoas, com dinheiro,
podem fazer mais dinheiro. Por exemplo: hoje, você
poderia usar esse dinheiro aí para comprar chocolates
na fábrica por R$ 1 cada um e vender por R$ 2 cada
um amanhã. Então, esse dinheiro aumentaria, certo?

– Certo.
– Tudo bem. Então, esse dinheiro que você tem na mão vale o que vale, mas tem
possibilidade de valer ainda mais amanhã... Entende isso? Possibilidade... Se você
fizesse o que eu disse, ele poderia valer mais...
– Entendi.
– Então, veja só... Tem um monte de gente querendo dinheiro para fazer mais
dinheiro. Por exemplo, para comprar e vender chocolate, pois então, essas pessoas
pensam assim: “Você me dá R$ 10 emprestado; eu vou comprar uns chocolates na
fábrica por R$ 1 hoje; amanhã, eu vendo cada um por R$ 2 e lhe devolvo os R$ 10 que
você me emprestou e ainda lhe dou R$ 2 a mais. Pode ser?”. É aí que o banco entra.
O banco não vai ficar só guardando o seu dinheiro para você. Enquanto o seu dinhei-
ro estiver lá, guardado, se alguém chegar querendo um dinheiro emprestado para
comprar e vender chocolates, por exemplo, o banco vai olhar a vida daquela pessoa
e, se o banco resolver que dá para confiar, ele vai emprestar o seu dinheiro para ela.
Quando ela devolver o dinheiro todo e ainda der ao banco um dinheiro a mais, desse
dinheirinho a mais o banco vai separar um pedaço para você... entendeu?
83
Benjamin e o poder do tempo

– Mais ou menos. Márcia, e se a pessoa não conseguir vender nada e não conse-
guir mais devolver o dinheiro para o banco, eu vou perder?
– Ah, isso é que é legal. O risco é do banco e não seu. Entendeu?
– Risco? Palavra engraçada essa! Então, é como se as pessoas comprassem dinhei-
ro dos outros...?
– Isso, mais ou menos... é por aí... As pessoas compram a chance de ficar com
aquele dinheiro um tempo. Então, veja que, no caso daquela senhora lá, o banco vai
pagar para ela todos os dias um dinheirinho para poder ficar com o dinheiro dela por
trinta anos. Nesses trinta anos, o banco vai emprestar esse mesmo dinheiro várias
vezes, vai comprar e vender coisas, ou seja, vai fazer mais dinheiro. Entendeu?
– Acho que entendi. Então, eu empresto o dinheiro para o banco e ele me paga
todo dia por isso? Não importa o que ele fizer com o dinheiro, ele vai me pagar todo
dia um pouquinho... para sempre?
– Para sempre! As pessoas que estudam os negócios de dinheiro fizeram umas
contas, uns estudos e chamaram isso de juros. Por causa disso, você pode se lembrar
sempre de uma coisa: R$ 1 hoje é a mesma coisa que R$ 40 daqui a vinte anos.
– Que palavra engraçada! Haha... Parece juras de jurar.
– E é mais ou menos isso mesmo, é uma promessa honrada, de que, com o passar
do tempo, o seu dinheiro renderá...
– Posso emprestar para você então?
– Para mim, não, para o banco, você quer dizer, né? Pode sim. Amanhã, eu passo
aí, você me dá o dinheiro e uns documentos de que vou precisar. Então, abrimos a
conta e depositamos em uma poupança.
84
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


O CÂMBIO
Cambiar significa trocar.
Quando falamos câmbio, estamos nos referindo à troca de dinheiro entre os países.
Cada país tem um dinheiro diferente. Veja:
Como vimos, o próprio dinheiro, às vezes, vira uma mercadoria; exis-
te um comércio de dinheiro, e vimos que comércio é troca com tro-
co, não é? O dinheiro de cada país tem um valor diferente. Por exemplo:
Hoje 1 dólar consegue comprar quase 2 reais; 1 libra consegue comprar mais de 3
dólares e mais de 5 reais; e tem gente que ganha dinheiro comprando e vendendo
dinheiro de países diferentes.

O dinheiro do Brasi
l
é o real. O dinheir
o
da Inglaterra é a li
bra
esterlina. O dinhe
iro dos
Estados Unidos é o
dólar.

85
Capítulo
15
Com aquele negócio do Benjamin passar os dias na casa da vó, sua mãe começou
a ficar enciumada.
– Filho, por que agora você deu para ficar todo dia na casa da sua avó? O que
minha mãe está aprontando dessa vez com você?

Quando ela descobriu o que estava acontecendo, não


sabia se ficava orgulhosa do filho ou brava com quem
tivesse incentivado o negócio: onde já se viu criança
trabalhando? Criança tem que estudar e brincar.

Resolveu apelar para o pai de Benjamin, porque, quando o assunto complicava, o


pai entrava no meio – sempre tinha sido assim.
Acontece que o pai já sabia, achava aquilo tudo muito divertido e, para resolver
a briga entre a sogra e a sua esposa, resolveu resolvido.
– Filho, tudo bem. Você quer vender doces, certo, mas desde já vamos combinar
as regras, está bem?
87
Benjamin e o poder do tempo

– Certo, papai.
– É o seguinte: tem que ter a hora de brincar, entendeu? Porque isso não é um
trabalho, criança não trabalha, criança brinca e estuda, entendeu? E tem mais: se tirar
nota baixa na escola, não importa o que estiver fazendo... está me ouvindo? Não vou
nem querer saber. Se tiver nota vermelha, está tudo cancelado. Preste atenção, sua mãe
anda reclamando dessa coisa de você passar todos os dias o dia inteiro no prédio da sua
avó. Então, é o seguinte: daqui para frente, você só pode ir lá duas vezes por semana!
– Mas, pai, é que a Romualda...

88
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Mas pai, que nada. Sua mãe falou, está falado. Duas vezes por semana. Entendeu?
– Ahã.

Vendo que não poderia ir mais de duas vezes por


semana à casa da vó, deu outro passo. Chamou Murilo
para trabalhar junto.

Como a clientela no prédio da vó já estava formada, Benjamin decidiu fazer do mes-


mo jeito em seu prédio e chamar a Fátima, que estava bem sua amiga na escola, para
atender o prédio da avó, e o Murilo para ajudar com as contas e com as compras.
Como fazer para convencer a família da Fátima?
Pensando e pensando, decidiu apelar para a vó, que sempre ajudava nas coisas
mais cabeludas.
O pai do Murilo foi moleza, era dono de uma empresa importante e passava a
maior parte do tempo viajando para fora do país; só tiveram que explicar para a se-
cretária da empresa, ela adorou a ideia. Telefonou para o Sr. Murilo e o convenceu:
– Ele disse que aprovou o projeto, mas mandou que vissem direitinho qual será
a parte do Murilo em cada pedaço de doce vendido. Ele até sugeriu um valor. Disse
que acha justo o Murilo ganhar R$ 0,35 por pedaço comercializado. Ah, e tem mais:
o custo fica todo por conta do Benjamin. Pode ser?
– Está bem.
Mais que tudo, Benjamin estava feliz de ter mais gente para fazer as coisas com
ele. Era tímido, mas gostava da companhia.
89
Benjamin e o poder do tempo

Com Fátima foi mais complicado... Ela morava com a avó, mas chamava a avó de
mãe, porque a mãe dela tinha sumido, mas ela nem ligava, gostava muito da avó e
era meio lelé mesmo, a avó da Fátima era mais jovem que as avós normais, parecia
mãe, a Fátima contava a história da mãe sumida para todo mundo, porque era falante,
falava tudo de tudo até demais.
– Você sabia que minha mãe sumiu e que eu chamo minha avó de mãe? Ainda não
falei isso para você? Então, um dia...
Assim, ficaram combinados:
1. A Fátima cuidaria do prédio da avó de Benjamin.
2. O Murilo faria as contas, as compras, pagaria a Romualda e a Fátima, que tam-
bém ganharia R$ 0,35 por pedaço que vendesse.
3. Benjamin abriria o negócio no condomínio onde morava com os pais.
A primeira coisa que aconteceu depois dos acertos foi que a avó de Benjamin teve
um chilique!

– Minha filha, o que foi que fizeram com o seu cabelo?


Mas, desse jeito, você não vai conseguir vender nem
meio doce. Venha cá agora!

90
Capítulo
16
Dentro do banheiro, o barulho
parecia de luta.
– Vai, puxa daí! Humpf. Isso,
agora a gente esticaaaa...
– Isso, Cecília, puxe! Passe o
creme para cá! A escova de madei-
ra, por favor.
– Aí, olhe o meu olho...
Cheiros misturados, lavanda,
creme, xampu.
– Vou cortar só um pouquinho,
filha, não vai doer nada.
– Não, não, ah – ela gritava.
– Calma, segure ela aí, Cecília! Não fuja não!
– Fique aí, menina levada! É para o seu bem. Isso não pode ficar assim não, es-
tava um horror esse cabelo.
91
Benjamin e o poder do tempo

– Calma, calma, está acabando, está acabando. Cecília, pegue o elástico ali, por
favor. Agora, aquela presilha de pérolas, para arrematar, aí. Pronto!
Um silêncio caiu na casa depois daquele pronto. Dava para ouvir a respiração
ofegante das três: Dona Cecília, a camareira, e a vó, ofegando por causa de esforço,
e Fátima de tanto quase chorar.

Benjamin e Murilo não estavam preparados para o que


viram surgir dali de dentro: o rosto da amiga.

– Agora, sim, pode vender aqui no prédio.


Fátima tinha os olhos avermelhados ainda mais avermelhados. Uma lágrima caiu
sem querer.
– Calma, filha, veja só como ficou. Não precisa chorar...
A vó de Benjamin, preocupada, chegou mais perto e a acolheu entre os braços.
– Desculpe, minha filha, não fique assim, por favor, você me corta o coração
desse jeito.
Fátima respirou bem fundo. Com os dois pulsos, enxugou as lágrimas e olhou-se
no espelho.
– Eu adorei...
O final da frase quase foi sufocado pelo choro emocionado da menina que nunca
tinha se sentido menina e sorria e chorava de emoção.
Todos ficaram aliviados e surpresos de ver como ela tinha um rosto forte e como
viria a ser uma bela mulher.
92
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Ai, que alívio, menina!
Até a avó de Benjamin, tida por uma senhora
prática e de poucos acessos, derramou uma lagri-
mazinha discreta, que escorreu arrastando base, tri-
lhando um rastro na maquiagem.
Deixando Fátima com a vó, partiram para o con-
domínio onde moravam os pais de Benjamin.
A mãe de Benjamin não teve a mesma iniciati-
va da avó. Então, as coisas ficaram um pouco mais
complicadas.
Nas primeiras semanas do negócio no condomínio
dos pais de Benjamin, não conseguiram vender mui-
to, tiveram até que transferir uma bandeja inteira de
Quarto Centenário para o prédio da vó, para Fátima, já
que ali a venda era tanta que faltava doce.
Garota divertida, tinha feito cartazes a caneta e
combinado com o zelador: “Peça ao síndico para me
deixar colocar o cartaz no mural que eu lhe dou um
pedaço de Quarto Centenário toda semana”.
Depois que o Murilo assumiu as contas, passa-
ram a economizar R$ 12 por semana, pois Murilo
mudou o lugar das compras, passando do mercadi-
nho para o mercadão lá no centro da cidade, onde
93
Benjamin e o poder do tempo

as coisas eram muito mais baratas e, ainda, entregues em casa. Eram R$ 48 a menos
por mês, valor que usaram para melhorar as vendas novas, que não iam bem. Pedi-
ram à Romualda uma bandeja inteira apenas para distribuírem para as pessoas. O
Quarto Centenário não era um doce conhecido da maioria e, quando comiam, fica-
vam impressionados com o sabor: “Nossa, que delícia!”.
Dessa forma, as coisas começaram: uma pessoa que comprava falava para a outra.
Feliz da vida de ver seu filho ganhando dinheiro e ainda por cima indo bem na escola,
o pai de Benjamin decidiu apoiar. Era o síndico do prédio e autorizou que colocassem
lá no mural um cartaz igual ao da Fátima.
Mês a mês, as vendas melhoravam – agora, com quatro boas freguesias: no condo-
mínio onde Benjamin morava com os pais, havia três grandes torres de apartamentos,
que passaram a consumir o doce das crianças.
– Seu Carmelo, hoje é dia de ir ao banco com o Benjamin, lembra?
– Claro, senhora, toda terça à tarde.

Em todas as terças-feiras, iam os dois, Seu Carmelo


fazendo cara de segurança mal-encarado e Benjamin
carregando a caixa de papelão cheia de notas de
dinheiro de todos os tipos: notas altas, moedas, notas
novas, velhas, notas de um.

94
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Outra dezena de meses depois, levavam o dinheiro da semana ao banco na caixa
de papelão, e Benjamin já se sentia como se tivesse feito isso a vida inteira – a apre-
ensão de carregar uma quantia de dinheiro, a ansiedade de chegar logo ao banco, a
alegria de ter ganhado.
– Márcia, quanto já tem guardado?
Era a pergunta que o Benjamin fazia ainda carregando a caixa de dinheiro,
quando chegava à frente da mesa da prima, no banco, mas ele não a fazia com de-
sespero ou com emoção demais, perguntava como se perguntasse: “Você acha que
vai chover hoje?”.
– Vinte e um mil oitocentos e dez reais. Vamos ver quanto chegou hoje?
– Isso.
Tinha uma máquina que contava dinheiro, um negócio fantástico.
Márcia tirava as notas da caixa e colocava na máquina de contar, que contava tudo
em um minuto.
– Novecentos e sessenta e três reais. Foi uma boa semana, hein, primo?
– Você achou? Quanto ficou agora com esse, hein, Márcia?
– Vinte e dois mil setecentos e setenta e três reais.
– Quanto rendeu sozinho, hein? Até hoje?
– Haha, você é uma figurinha, Benjamin. Até hoje, você já ganhou mil cento e
oito reais de rendimentos.
– Só isso?
– Mas, Benjamin, é bastante para dez meses.
No começo, é difícil perceber os juros rendendo um bom dinheiro; porém, quanto
95
Benjamin e o poder do tempo

mais o tempo passa, maior o rendimento. Os investidores respeitam muito o rendi-


mento dos juros, porque são certos e exponenciais, além de não necessitar de mais
nada além do dinheiro para gerar lucro.
Logo, superaram as expectativas e faturavam R$ 1.800 por mês.
A ideia tinha sido do Benjamin. Por isso, ele ganhava R$ 645 desses R$ 1.800
todos os meses.
Como a Romualda era a fábrica, ganhava, então, R$ 420.
Murilo fazia as contas e havia acertado, a pedido de seu pai, que ganharia R$ 0,35
por pedaço de bolo vendido, o que lhe gerava, a essa altura, R$ 210 todo mês.
Fátima ganhava R$ 0,35 a cada pedaço que vendia, e isso lhe dava, então, R$ 105.
Era bastante... Tanto que, um dia, a Fátima e o Murilo decidiram falar sério com
Benjamin.
– Benjamin, a gente não quer mais esse negócio de ficar guardando todo o dinheiro
lá no banco! Até já conversei com o Murilo e ele está comigo! Quero comprar sapatos!
Para ver como é a vida, Fátima mudou tanto que, agora, adorava penteados e pre-
silhas e queria sacar dinheiro do banco para comprar um salto.
– Hm, e o Murilo?
– O Murilo disse que queria comprar duas chuteiras, a bola da copa e mais um
celular novo, mas não tinha coragem de falar com você. Pois eu tenho! Queremos
dinheiro para comprar.
– Tudo bem, Fátima, faça as contas aí de quanto dá. Vamos ver se vocês já têm
esses valores para receber.
– A gente tem sim! O Murilo já fez as contas, está aqui!
96
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Benjamin, que era calmo, esquentou, uma coisa lhe subiu pela espinha: que negócio
era aquele de falarem para ele o que fazer? Queria deixar o dinheiro lá no banco rendendo
e pronto! Mesmo que fosse dinheiro de comissão deles, ora! Burrice tirar o dinheiro que
estava crescendo, de lá do banco, para comprar aquelas baboseiras... porém, conseguiu,
como era de seu feitio, respirou fundo, se acalmou e só então respondeu:
– Olhe, Fátima... vocês querem sacar, tudo bem. Agora, eu quero fazer uma reunião
antes para a gente combinar como vai ser esse negócio de ficar sacando da conta...
Foi um dia confuso mesmo, porque a Fátima achou que o Benjamin não podia falar
daquele jeito com ela e tal e coisa e coisa e tal e quase chorou.
– São R$ 1.000 para a Fátima e R$ 1.300 para mim.
– Está bem, Murilo, se você fez as contas, está feito... Agora, Murilo, Fátima, por
que vocês querem comprar tantos
negócios? A Fátima quer quatro
sapatos, o Murilo quer duas chu-
teiras. Por quê?
Fátima virou um furacão:

– Agora, você vai ficar


tomando conta da
minha vida, é? Só por
isso, agora, eu quero
seis sapatos!
97
Benjamin e o poder do tempo

– Calma, calma, eu trouxe um folhetinho para cada um. Eu peguei lá no banco. Aí


está explicando o que são os juros. Vocês têm o direito de sacar todo o dinheiro de vo-
cês se quiserem. A única coisa que eu vou pedir é que vocês leiam isso aí e pensem no
que eu vou falar. Prestem bem atenção: um sapato hoje é igual a quarenta sapatos da-
qui a vinte anos, e uma chuteira hoje é igual a quarenta chuteiras daqui a vinte anos.
– Como é?
– Isso mesmo: o dinheiro que você vai sacar para comprar cada um desses sapatos
aí, se você deixasse lá no banco rendendo, daqui a vinte anos, teria rendido o sufi-
ciente para você comprar quarenta sapatos. Pense nisso...

98
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Ah, mas daqui a vinte anos, eu não vou querer mais sapato nenhum! Porque eu
vou ter mudado e...

– Fátima, você entendeu... Se você comprar um sapato


em vez de seis, daqui a vinte anos, o dinheiro que você
teria gastado para comprar os outros cinco sapatos
terão rendido o preço de oitenta desses sapatos aí.

E foi assim que a Fátima comprou um sapato novo e Murilo uma chuteira, uma
bola nova e um celular em vez de seis sapatos e duas chuteiras, pois é muito melhor,
ao invés de exagerar, buscar só o necessário.
E até o Benjamin acabou convencido a comprar um celular. Está certo que ele es-
colheu um modelo um pouco mais barato... e ficou feliz com ele. Ainda que tecnologia
não fosse seu forte, gostou de ouvir música, mandar e-mails aos clientes e assistir
vídeos pelo telefone.
Alguns meses depois, outros prédios vizinhos também passaram a pedir os doces
dos meninos e, então, os ganhos saltaram para R$ 2.700 por mês.
Mais um tempo, e já faturavam R$ 3.300 ao mês.
O que aconteceu então?
Aconteceu que as pessoas, aos domingos, passaram a solicitar bandejas inteiras,
pois era o dia em que convidavam a família para as refeições. Então, os convidados
deles, ao experimentarem doce tão doce e macio, tão diferente, que tinha suspiro,
99
Benjamin e o poder do tempo

doce de leite, coco, então logo perguntavam qual o restaurante que tinha feito... e aí
já viu, né? A história do doce também era uma delícia de contar.
Virou lenda: as crianças doceiras. Pediam telefone, cartão de visitas, mas os me-
ninos ainda não tinham nada disso.
Os curiosos tocavam no interfone do prédio, que começou a tocar demais, pedi-
dos de várias bandejas de Quarto Centenário eram deixados na portaria, pedidos pela
cidade toda, muitas bandejas.
Faturando mais de R$ 5.000 por mês, já tinham o suficiente para contratar o ser-
viço de entrega e mandar fazer cartões e cartazes.
O telefone de Benjamin não parava mais, e os pais de Benjamin se renderam.

O CREDOR
O credor é aquele que emprestou a alguém. Ele tem algo a receber, ele pode ter
a receber um favor, um objeto, um dinheiro que emprestou. O credor é respeitado e,
muitas vezes, uma pessoa a quem os outros são gratos e querem muito bem.

O DEVEDOR
O devedor é aquele que está devendo a alguém. Ele pode estar devendo um favor,
um dinheiro, um objeto. O devedor está em falta, ele tem uma obrigação; antigamen-
te, diziam que ele tem uma corda no pescoço.

100
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


A DIFERENÇA ENTRE O CREDOR E O DEVEDOR
Imagine a cena: um é o homem mais rico do mundo, que tem R$ 30.000.000.000
no banco rendendo juros de 10% ao ano, e o outro é um homem que pediu R$ 30.000
emprestados ao banco.
Os dois, por uma incrível coincidência, vão assistir ao mesmo filme, no mesmo
cinema, na mesma sessão das oito horas da noite.

101
Benjamin e o poder do tempo

Filme comprido, levou duas horas.


Engraçado foi que o homem mais rico do mundo e o homem que pediu R$ 30.000
emprestados ao banco sentaram lado a lado, cada um com um balde de pipoca, pare-
ciam-se muito. Quem olhasse os dois não veria diferença muito grande.
Ao saírem da sessão de cinema, somente naquelas duas horas, sem fazer nada
além de comer pipocas e dar risadas,
o homem mais rico do mundo tinha
ficado R$ 50.000 mais rico, porque
recebia 10% ao ano de juros, e o ho-
mem que devia R$ 30.000 ao banco
estava R$ 11,25 mais pobre, porque
undo
O homem mais rico do m
pagava 10% ao mês de juros.
ais
tinha ficado R$ 50.000 m
ao
rico, porque recebia 10%
que
ano de juros, e o homem
o
devia R$ 30.000 ao banc
bre,
estava R$ 11,25 mais po
ês
porque pagava 10% ao m
de juros.

102
Capítulo
17
Uma das novas clientes, uma daquelas que tinham vindo almoçar na casa de algum
parente e experimentaram o Quarto Centenário das crianças, era dona de uma empresa
de eventos, que fazia festas e recepções para grandes quantidades de pessoas. Ela
ficou apaixonada pelo doce e pela história das crianças e decidiu incluir o doce no
cardápio de sua empresa. Então, o doce dos meninos logo era servido em casamentos
maravilhosos, coquetéis de fim de ano das empresas... tiveram até que contratar uma
pessoa para ajudar a Romualda e uma pessoa para ajudar o Murilo nas contas, Fátima
já não era mais vendedora, ela ficava no telefone recebendo pedidos.
Como passam rápidos os meses!

Já tinham aprendido a escrever de tudo, a dividir e


a multiplicar, e o incrível é que se revezavam de um
jeito e estudavam juntos de um jeito que não só não
tiravam notas vermelhas como tinham as melhores
notas da classe.
103
Benjamin e o poder do tempo

Os clientes ficavam tão enfeitiçados com a


história dos meninos empresários que, além de
se tornarem clientes, tornavam-se torcedores,
colaboradores, falavam para todos os seus ami-
gos sobre o fenômeno dos meninos que faziam
a delícia do Quarto Centenário, mais outros
quitutes, doces e até empadinhas.
Uma moça japonesa que fazia sites de in-
ternet propôs fazer o dos meninos em troca
de docinhos e salgados para a festa de ani-
versário de sua filhinha. Logo, as crianças do-
ceiras tinham site no ar e recebiam pedidos
pela internet. E recebiam um monte de e-mails de pessoas encantadas elogiando. E
aquilo virou uma febre na internet. Um moço que fazia filmes gravou um clipe com os
meninos dentro da cozinha, com a Romualda, e aparecia a Fátima no telefone com a
presilha de pérolas na cabeça, puxando e puxando os óculos, que insistiam em cair
sobre o nariz delicado. Aparecia Murilo dando orientações à sua secretária e fazendo
contas em uma lousa no quarto de casa e a caminhonete do serviço de entrega, que
tinha uma foto dos meninos. Esse vídeo foi parar na internet e o site quase não dava
conta de tantos acessos.
Um dia, o telefone tocou, mas não era um novo pedido, era uma moça chamando
os meninos para darem uma entrevista num programa da televisão.

104
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Com todo esse sucesso, a conta dos meninos no banco
da Márcia já tinha mais de R$ 60.000 guardados, e
até a mãe de Benjamin tinha largado seu emprego e
trabalhava com eles.

Romualda estava quase terminando de pagar as prestações de um carrinho que


tinha comprado porque suas pernas estavam ficando cansadas.
Eram orgulho para os pais e para os professores, mas aquilo que veio de repente,
logo foi desaparecendo e, apesar das vendas seguirem aumentando, principalmente
porque o doce era bom demais e as entregas eram feitas todas dentro do prazo, aque-
le furor das pessoas os reconhecendo nas ruas, dos e-mails elogiosos, aquilo pouco
a pouco deixou de existir, e as coisas ficaram mais normais, como em uma pequena
empresa de doces que é o que tinham se tornado.
Benjamin, que estudava bem perto de casa e voltava a pé todos os dias, vinha
andando pela rua, um dia, e, notando uma coisa curiosa, teve outra boa ideia, porque
o negócio de vender Quarto Centenário tinha dado certo e ele tinha conseguido co-
meçar a sua coleção de dinheiro.
Ele viu um rapaz passeando com seu cachorro, o que seria uma cena comum, não fosse
o fato do rapaz estar vestindo terno e gravata. Aquilo levou Benjamin a ficar pensando.
Provavelmente, pensou Benjamin, o rapaz estivesse aproveitando um tempinho,
mas ele olhava sem parar para o relógio, todo atrasado e fazendo cara de insatisfação.
Passeava com seu animal de estimação antes de ir para o trabalho.
E se...
105
Capítulo
18
E se... Benjamin arrumasse uma pessoa para passear
com o cachorro daquele rapaz, será que ele pagaria
por isso?

Chegando à sua casa, Benjamin contou sua ideia ao Murilo, que tinha um tempi-
nho para pesquisar antes de começar as contas do dia. Benjamin não tinha tempo,
porque, apesar de ter uma pessoa trabalhando com Murilo e uma pessoa trabalhando
com a Romualda, além de sua mãe, ele mesmo fazia as entregas no condomínio e,
duas vezes por semana, fazia entregas com a pessoa que fazia entregas no prédio da
vó. Também gostava de estudar e fazer as lições da escola.
Então, Murilo pesquisou rapidamente na internet e viu que existiam algumas pou-
cas empresas que faziam serviço de passear com os cachorros dos outros. A maioria
delas também oferecia serviços de adestramento. Murilo sorriu ao ver aquilo, Benja-
min tinha tido outra boa ideia.
Fizeram uma reunião. Chamaram o pai de Benjamin, a mãe, a vó e a secretária do
pai do Murilo.
107
Benjamin e o poder do tempo

– Decidimos ajudar as pessoas com uma coisa de que precisam. Vamos nos ofere-
cer para passear com o cachorro dos outros e cobrar R$ 200 por mês de cada cachorro
para passear meia hora por dia três vezes por semana. Vamos usar a internet para
atender os pedidos e vamos chamar alguns amigos da escola para nos ajudar, e cada
um sairá com dois cachorros por vez.
As pessoas não comentavam, mas Benjamin tinha mudado bastante naqueles
anos, claro, tinha crescido, ou será que antes é que não tinham notado como ele era
sério e compenetrado?
Logo, começaram as atividades do
novo serviço. Nesse meio-tempo, a
mãe do Benjamin e a moça que tra-
balhava com o Murilo abriram a nova
empresa.

Chamaram dois amigos,


o Paulo e a Clarisse, para
ajudar.

Paulo gostava de comer, sempre


levava com ele uma mochila cheia de
lanches e adorava o Quarto Centenário
dos amigos. Sua mãe tinha sido uma

108
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


das primeiras clientes da doceira; então, adorou a ideia dele ir trabalhar com Benja-
min. Acontece que ele era meio desligado e vivia olhando para cima e pensando em
comida e em videogame.
Clarisse, muito ligada nas coisas, era mais alta que as meninas da sua idade e ado-
rava fazer esportes, correr, jogar vôlei, tênis e futebol. Era muito bonita, e os meninos
ficavam com cara de bobo olhando para ela quando passava. Seu cabelo era comprido
e ela usava rabo de cavalo e franja.
O negócio dos cachorros logo começou a dar dinheiro. Os dois meninos passavam
toda a tarde passeando com cachorros do bairro – e só nos prédios do condomínio de
Benjamin e no prédio da vó havia cachorros suficientes para gerar uma receita de R$
7.000 todo mês. Eram trinta e cinco cachorros em quatro edifícios.
Benjamin se revezava com Paulo e com Clarisse para passear com os cachorros,
sempre uma dupla de cães por vez. Logo que teve a ideia, Benjamin decidiu comprar
umas camisetas iguais para usarem e teve que fazer o site, que, dessa vez, não saiu
de graça. Então, combinou com os meninos e com a Márcia que sacaria R$ 5.000 da
conta do banco para investir na nova empresa.
Tinha ganhado uma senha para ver sua conta pela internet e aquilo se tornou um
hábito: conferir a movimentação da conta, os juros rendendo... Então, lhe doía só de
imaginar tirar dinheiro, pois sabia que o dinheiro que fosse sacado deixaria de render.
No dia da segunda reunião do grupo, aconteceu uma coisa diferente.
O pai do Murilo, o Sr. Murilo, apareceu de surpresa. Ele usava uma roupa bonita
demais, tinha uma pasta de couro marrom e o cabelo raspado, sua careca brilhava, era
forte, tinha o rosto parecido com o do Murilo e falava bem sério, mas devagar.
109
Benjamin e o poder do tempo

– Olá, meu nome é Murilo, sou pai do Murilinho e quero acompanhar esse negócio
de vocês mais de perto.

O PERIGO DA ALAVANCAGEM
A alavanca é esse mecanismo aí embaixo:

Ela é usada para que o homem consiga levantar um peso maior do que seria
capaz sozinho.
Como vimos até agora, para ganhar dinheiro, é preciso gastar dinheiro, porque,
caso queiramos vender algo para conseguirmos um lucro, simplificando, temos dois
jeitos, ou compramos esse objeto, ou fabricamos esse objeto. Nesses dois casos, te-
remos que pagar antes de receber, seja para comprar o objeto pronto ou para comprar
os ingredientes necessários para a fabricação – mais ainda, teremos que pagar para as
110
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


pessoas nos ajudarem a fabricar o negócio. Assim, podemos concluir que, se tivermos
R$ 10.000, poderemos comprar 10 objetos que custem R$ 1.000 e, ao vender esses
objetos por R$ 1.500 cada um, ganharemos R$ 5.000 nessa operação toda. Correto?
O sujeito que pensa em alavancar o seu potencial de ganho pensa assim: “Puxa
vida, se eu tivesse R$ 100.000 em vez de R$ 10.000, eu poderia ganhar R$ 50.000
em vez de R$ 5.000”.
Então, o que ele faz? Vai até o banco e pega emprestados R$ 90.000.
Daí, ele pensa: “Oba! Agora, vou poder ganhar R$ 40.000. Pago R$ 10.000 ao
banco pelo empréstimo e fico muito melhor do que se tivesse ganhado só os R$ 5.000
que eu ganharia sem usar o dinheiro emprestado do banco”.
Porém, como vimos antes, existe o risco, ou seja, aquilo que pode acontecer de
ruim. E se esse sujeito não conseguir vender os objetos que comprou pelo preço que
estava imaginando? E se as pessoas só comprarem os objetos dele por R$ 100 em vez
dos R$ 1.000 que ele queria? Então, ele só vai conseguir R$ 10.000 pelos objetos
todos... e o que isso significa? Ele tomou R$ 90.000 emprestados e só pôde faturar
R$ 10.000. Acontece uma verdadeira tragédia. Além de não ganhar nada, ainda ficará
devendo R$ 80.000 ao banco.
A vida dessa pessoa ficou muito complicada, porque ela cometeu o erro de se
alavancar.

111
Capítulo
19
Murilo estava feliz demais e orgulhoso de ter um pai que falava sério e se vestia
bem daquele jeito.
O Sr. Murilo tinha se inclinado e olhava direto nos olhos de Paulo, que, sentado de
frente, lambia um pouco do creme amarelo esquecido no canto da boca, deixado pelo
último sonho devorado. Como Paulo era barrigudo, ele tinha o centro de equilíbrio
um pouco bagunçado e, mesmo sem perceber, quase sempre balançava para frente e
para trás.
– Ãh? – emitiu esse som, quando percebeu que o Sr. Murilo lhe falava coisa tão
séria daquelas.
– Eu quero apoiar esse negócio novo – e puxou aquela mala de couro marrom para
cima do colo e, num barulhão, abriu as trancas de metal dourado, tão rapidamente
que Paulo piscou e balançou para trás até seus joelhos levantarem. Falou tirando uma
caneta preta de dentro do bolso, até a caneta era bonita.
Benjamin, sem saber o que fazer, olhou para seu pai. Aquele parecia ser assunto
de gente mais velha.
– Muito prazer, Sr. Murilo, meu nome é Marcelo Alma, sou pai do Benjamin aqui.
113
Benjamin e o poder do tempo

– O prazer é todo meu – Sr. Murilo tinha aquele jeito de cumprimentar que encara
a outra pessoa até a hora de soltarem as mãos, aquele jeito que aperta a mão com
força. – Podemos conversar um pouco...?
– Sim, claro.
– É o seguinte, eu sei que o senhor é o responsável aqui, mas sei também que o
negócio é do seu filho e ouvi dizer que ele é capaz de negociar... O senhor se importa
se eu falar direto com ele?
Marcelo chamou o filho para expor o assunto. Benjamin aceitou, embora, apesar
de estar ganhando dinheiro já, ainda não soubesse muito bem o que significava a
palavra negociar, sabia que tinha algo a ver com negócio.

Sr. Murilo, olhando para os lados, aparentando


desconfiança, puxou Benjamin até perto da janela e
falou baixo com ele.

– É o seguinte: Murilo me disse que o dinheiro de vocês está aplicado no banco.


É isso?
– É isso, sim, Sr. Murilo. Está rendendo.
– Certo. E você sabe que, se tirar de lá, vai ser pior, né?
– Sei sim.
– Então, é o seguinte, eu posso emprestar R$ 5.000 para vocês abrirem esse ne-
gócio novo aí. Assim, você não precisa tirar do banco.

114
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– ...
– Eu só quero que você me dê algumas notas fiscais... três por mês. O Murilo mes-
mo me dá, você nem precisa ficar preocupado.
– Notas? – Benjamin ficou
curioso com o negócio de dar
notas fiscais e fez a pergunta em
voz alta. O Sr. Murilo cobriu-lhe
a boca com as mãos, de forma
que ninguém percebesse o que
estava acontecendo.
– Isso mesmo, fale baixo,
por favor. Vai ser um segredinho
entre a gente aqui... Sabe aque-
le talãozinho que se preenche
quando um pedido fica pronto
e que vai junto para a casa da
pessoa?
– Sei, sim, Sr. Murilo.
Sr. Murilo era uma pessoa
bem rica, vestia-se bem, falava
com força. Benjamin não pode-
ria imaginar nada de mal nele e
concordou com tudo.
115
Benjamin e o poder do tempo

– Então, meu rapaz... negócio feito? Dou para você os R$ 5.000, e assim não será
preciso mexer no dinheiro de vocês que está no banco. Você me paga quando puder,
não tenha pressa, me pague picado, não precisa me pagar a mais, só os R$ 5.000 mes-
mo. E quando tiver condições. A única coisa que eu quero são três folhinhas daquele
talãozinho, durante uns três meses. Depois, nem precisa mais, sabe...
Estendeu a mão, e ficaram acertados.
– Feito!

Sr. Murilo girou como se dançasse, sorriam os dentes


todos; anunciou geral:
– Senhores, somos sócios!

O pai de Benjamin andava tão surpreso com o filho, nunca tinha sido comercian-
te. Então, admirado com a figura pomposa do Sr. Murilo, achou tudo ótimo, seu filho
tinha um sócio importante, as coisas estavam andando rápido...
Por um lado, Benjamin adorou a ideia de ter um homem importante como o pai
do Murilo querendo lhe dar aquela quantidade de dinheiro. Gostou mais ainda foi da
ideia de não ter que mexer no dinheiro que a Márcia vinha guardando tão bem lá no
banco e que estava crescendo sozinho.
Cachorros são mesmo uma gracinha, e o trabalho desenvolveu-se muito agradável
no início. Paulo até emagreceu e ficou prosa por estar ganhando dinheiro e traba-
lhando com Benjamin.

116
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Clarisse ficava com as bochechas rosadas quando chegava perto de Benjamin e
não sabia o que fazer com as mãos.
Assim que começaram o negócio, as notícias correram – e os cachorros também!
Até hoje, Benjamin não sabe se foi sorte ou se a ideia lhe veio na cabeça justamente
por isso, mas o fato é que os prédios em que fazia suas atividades tinham muitos
cachorros e o site também gerou mais cachorros para que passeassem e tudo ia bem
até que o azar apareceu – ou teria sido sorte?

VALOR
O valor pode ser explicado de uma forma mui-
to direta se quisermos. Quer ver? O valor de um
objeto é o quanto custaram os materiais que fo-
ram usados para fabricá-lo, mais o salário das
pessoas que ajudaram a fazê-lo, a transportá-lo e
a vendê-lo. Viu? Só que o valor também pode ser
explicado de um jeito mais complicado quando
estivermos falando de coisas que não podemos
pegar com as mãos.
– Quanto vale a sua família?
– Quanto vale o ar que a gente respira?
– Quanto vale o mar?
– Quanto vale a companhia do seu cãozinho de estimação?

117
Benjamin e o poder do tempo

PREÇO
Existem coisas que aumentam de preço com o passar do tempo e coisas que di-
minuem de preço. Existem, também, coisas que variam muito de preço, e podemos
comprar barato e vender caro várias vezes. Para não confundir, vamos direto ao ponto:
custa porque tem gente que paga. É a lei da oferta e da demanda. Ah, mas o que é
isso? Que papo de doido!
É sim, é simples. Já viu um leilão? Não? Um leilão é o seguinte: alguém chama os
amigos, coloca-os todos sentados em uma sala e começa:
– Eu quero vender este chapéu aqui. Algum de vocês aí quer comprar de mim?
– Eu! – um dos amigos grita. – Eu quero esse chapéu!
– E quanto você paga? – pergunta o dono, o leiloeiro.
– Eu pago R$ 100!
– Opa, pessoal, o nosso amigo ali disse que paga R$ 100, hein? Quem dá mais?
– Eu! Eu pago R$ 200! – uma senhora aflita levanta o dedo.
Perceba que, se ninguém quiser pagar mais pelo chapéu, ele será vendido por
R$ 200 para a senhora. Só que, por outro lado, se mais dez pessoas quiserem aquele
chapéu, ele subirá de preço mais dez vezes. Nesse caso, quem ditará o preço será a
força compradora. Mas, imagine só: e se entrar na sala uma outra pessoa, carregando
um saco cheio de chapéus iguais àquele e, para a comoção geral dos que tanto que-
riam chapéus, anunciar:
– Olhem só: vocês estão fazendo bobagem pagando tanto por esse aí. Eu tenho
vinte desses chapéus e vendo cada um por R$ 50!

118
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


É possível que as pessoas ali se esqueçam do leiloeiro do chapéu de R$ 200 e
comprem os chapéus de R$ 50, não é? Então, nesse caso, quem ditará o preço será a
força vendedora.

119
Capítulo
20
Era um dia bonito, e a senhora Escolástica tinha ouvido falar de umas crianças
ali do prédio que costumavam passear os cachorros e cobravam um dinheirinho por
causa disso.
– Alô? Damião?
– Oi, senhora. Estou ouvindo, pode falar.
– Você sabe o número daqueles meninos que passeiam com cachorro?
A senhora Escolástica tinha mania de falar ao interfone ela mesma, apesar de
seus seis empregados: a camareira, a roupeira, a lavadeira, a cozinheira, o mordomo,
o motorista e a governanta.
A senhora Escolástica tinha oitenta e sete anos e vivia sozinha, ou melhor, vivia
com todos esses empregados. Como gostava de berrar:
– Vocês trabalham para mim ou dão trabalho para mim? Que coisa!
E, na falta do que fazer, havia decidido comprar um cachorrinho para lhe fazer
companhia na velhice.
Seu marido havia sido dono de um hospital famoso, era um homem bom demais,
como ela mesma costumava dizer.
121
Benjamin e o poder do tempo

– Marcel? Quero comprar um cachorrinho. Isso


mesmo: vou comprar um cachorrinho. Faça alguma
coisa nessa sua vida, telefone para aquela agência de
viagens que nos atende e peça uma passagem de avião
para Paris. Sim?

– Sim, madame, mas, que mal lhe pergunte...


– Marcel, eu lhe perguntei alguma coisa? Hein?
– Com sua licença!
Os dois passavam o dia brigando há tantos anos, que se divertiam assim – ficando
de mal.
– Pronto, madame, a senhora parte amanhã mesmo, às dez da noite. Passar bem!
Marcel tinha uma mania de girar sobre os pés como um soldado dando meia volta.
– Espere aí!
– Sim, madame?
– Me diga uma coisa, Marcel, você entende de cachorrinhos? Qual será que eu
compro, hein? Aliás, ligue de novo e peça uma passagem para você também: Deus me
livre de viajar sozinha nesse mundo.
Marcel, que vivia de birra, ao ouvir que também iria à Europa, até gritou.
– Eu? Uau! Mas nem tenho roupa para isso, madame...
– Pois então compre, e compre umas coisas de frio para mim também. Agora vá...
Quero descansar.
122
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Essa foi uma parte da longa história de Delfino Augustus Primeiro, o Fifi.
– Mas, madame, esse aí?
Foi o comentário de Marcel,
tremendo de frio, naquele buraco
a que tinham chegado no subúrbio
de Paris, enquanto pensava: “Para
vir a um lugar feio desses, não
precisávamos ter saído de lá”.
Delfino, o Fifi, que ainda
nem se chamava Delfino, tremia
também.
– Que cachorro lindo!
– Au! Au!
Pois foi no avião e tudo. Del-
fino, um buldogue francês, na-
turalizado brasileiro e apelidado
de Fifi.
Passou um tempo, e Fifi, de
repente, ficou triste, parou de
comer e de sorrir. Foi aí que a
senhora Escolástica decidiu ligar
para os meninos que passeavam
com cachorros.
123
Benjamin e o poder do tempo

– Oi, o Fifi está tão tristonho. Acho que ele quer passear, vocês podem vir aqui?
– Claro, senhora! Temos horário na segunda-feira às oito horas, pode ser?
– Mas é que se trata de uma emergência, sabe? Quanto custa mesmo?
– Senhora, são R$ 200 por mês para passearmos três vezes por semana.
– Então, se vocês puderem vir agora, eu pago R$ 500 por semana.
– Hm! Ahn... Estamos a caminho, senhora.
Benjamin estava ocupado, Clarisse com quatro dálmatas e Paulo saindo para aten-
der o maltês do prédio.
– Paulo, vou cancelar o seu próximo passeio, vou dar um mês de graça para os
donos desse cachorro e você vai atender essa emergência, por favor, neste endereço.
O nome do cachorro é Fifi.
Paulo buscou Fifi e estavam atravessando a primeira esquina quando cruzaram um
carrinho de churrasco grego.

Paulo, que ainda não conhecia aquela comida, atraído


pelo cheiro de carne com tomate, fixou seu olhar no
carrinho, esquecendo Fifi, e – como são as coisas da
vida! – uma bela buldogue francesa passou do outro
lado da rua, olhou para Fifi, Fifi olhou para ela, foi amor
à primeira vista.

124
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Não que a senhora Escolástica fosse uma dona ruim... mas, não querendo mais
ficar só com ela, Fifi forçou e forçou e forçou tanto que a corrente se soltou e ele
correu, escapou no meio dos carros, e Paulo, se enroscando na corrente, tropeçou e
caiu com a cara no chão, vendo Fifi sumir dobrando a esquina.

125
Benjamin e o poder do tempo

PREÇO É VALOR?
Preço não é valor, porque existem coisas que não têm preço, mas valem muito.
Quando se trata de coisas que a gente compra, quanto mais gente quiser comprar uma
mesma coisa e quanto menos gente vendendo essa coisa existir por aí, mais cara ela
será – isso pelo princípio da escassez. Coisas raras serão mais caras quanto mais tempo
passar. Coisas que existem aos montes, que
não fazem falta, serão baratas. Mas preste
atenção agora: isso que falamos é verdade,
mas isso vale para tudo? Não!
Pergunta-se de novo:
– Quanto vale a humanidade toda?
eço,
– Quanto vale o ar que a gente respira? Apesar de não terem pr
m
– Quanto vale o mar? coisas abundantes també
vem
Todas essas coisas são abundantes, têm podem valer muito e de
os
de monte por aí, ainda não fazem falta, ser cuidadas como cuidam
que
mas nem por isso devem ser tratadas como das coisas mais caras de
se fossem coisas baratas. gostamos e damos valor.

126
Capítulo
21
Paulo chorava! Voltou ao prédio derrotado.
– Fá... Perdi o cachorro.
– Ãh?
– Perdi! Ele se soltou da corrente e fugiu tão rápido...
– Não pode ser!
Nossa, que berreiro. Que choro feio, um moço daquele, de 13 anos...

Quando Fátima entendeu que o cachorro de R$ 500


por semana tinha fugido de vez, que medo que ela
sentiu. Foi uma comoção, ninguém tinha coragem de
contar as coisas para o Benjamin, aquele empurra-
empurra: quem vai contar?

– Você conta!

127
Benjamin e o poder do tempo

– Ah, não! Você que combinou com essa senhora! Se tivesse me deixado passear
com o cachorro de sempre, não teria acontecido nada disso.
– Ah, mas foi você que perdeu o cachorro, não eu!
– Meu Deus do céu!
Murilo, que lidava melhor com esses problemas de medo e emoção, pegou logo o
telefone e ligou para a casa da senhora Escolástica.
– Senhora Escolástica, boa noite. Meu nome é Murilo Chaves, sou da Cachorros Fe-
lizes e preciso avisar a senhora que o Delfino fugiu da coleira. A senhora... a senhora
não deve se preocupar, pois já acionamos os bombeiros e contratamos uma empresa
de detetives profissionais e... e...
Virou para os amigos:
– Ai, ela desligou na minha cara! Ai, ai, ai... Acho que precisamos correr com isso,
vamos achar esse bendito cachorro antes que o Benjamin volte da fábrica...

128
Capítulo
22
Já chamavam a casa da
vó de fábrica, tantos os doces
que faziam lá.
Enquanto os meninos pas-
savam apuros, lá na casa da
vó, Benjamin resolvia passar
um minuto no quarto do avô,
de quem muitas vezes nem se
lembrava.
Benjamin foi, sentou-se
ao pé da cama do avô e escu-
tou as palavras tão sérias que
foram ditas.
– Sabe, meu filho. Eu te-
nho visto você por todo o
lado, ocupado, trabalhando.
129
Benjamin e o poder do tempo

Quero lhe falar uma coisa. Saiba que o dinheiro vale muito. As pessoas fazem tudo
por dinheiro, mas o dinheiro não é tudo. O caráter vale mais do que o dinheiro, pois
se alguém perde a dignidade, ou quando passa a ser visto como desonesto, não tem
dinheiro no mundo que faça a consciência ficar limpa de novo.
Ele parou, olhou sério para Benjamin e continuou:
– Cuide muito bem da sua honra, tenha valores de verdade, de bondade, de beleza
e não só dinheiro. Se você conseguir ganhar bastante dinheiro sem prejudicar os ou-
tros, sem mentir, sem roubar, então esse dinheiro lhe fará bem, mas se você mentir,
enganar, prejudicar pessoas, então, por mais dinheiro que você junte, não será uma
pessoa boa, porque dinheiro não compra virtudes.
Dando um beijo na bochecha do neto, Dr. Cláudio virou para o canto e continuou
sua soneca, mais tranquilo que antes. Seriam palavras que ficariam na cabeça de Ben-
jamin até os dias em que ele mesmo ficasse velho.
O telefone tocou, e eram os meninos, contando a confusão toda do cachorro Fifi.
Benjamin correu para sua casa com o Seu Carmelo.
Detetive Moreira chegou fazendo pergunta e mais pergunta, tinha um aparelho
comprido, que apitava.
– Clarisse, você acompanha o detetive Moreira?
– Tudo bem.

Clarisse era valente e foi pela rua com o detetive


Moreira e seu aparelho que apitava.
130
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


– Vamos por aqui, menina! Tudo é muito previsível, veja só, são 77,3% as chances
dele ter entrado por aqui. Isso, vamos por ali!
“Sujeito estranho”, ela pensou. Clarisse só não riu daquilo porque a hora não era
de risadas.
– Agora, por ali! Aqui – e o detetive Moreira apontou para o churrasco grego
em que Paulo tinha se fixado no momento da fuga do cão. Por algum motivo es-
petacular, o tal do aparelho do detetive Moreira parecia funcionar. – Acho que ele
foi por ali!
Viraram a esquina e caminharam pela avenida que não acabava mais. Até mesmo
Clarisse, que gostava tanto de esportes, estava começando a sentir as pernas can-
sadas quando encontraram um cachorro branco. O detetive Moreira, com os olhos
saltados de euforia, gritou.
– Fifi! Fifi!
E, incrível, o cachorro branco correu até ele e lhe lambeu as mãos e fez farra.
– Achamos!
Ali mesmo, Moreira telefonou para os meninos e comunicou os fatos.
– Achamos Fifi!
Chegaram ao apartamento da senhora Escolástica no prédio de mármore, carre-
gando o animal no colo.
Tocaram a campainha. Marcel atendeu.
– Ai! Meu Deus! Que cachorro é esse? Cadê o Fifi?

131
Benjamin e o poder do tempo

COMO REAGIR POSITIVAMENTE A UMA PERDA


Olhe muito bem onde está pisando.
Preste muita atenção.
Aproveite o caminho, porque depois dele é o final.
Não corra riscos desnecessários.
Seja modesto, use só o necessário.
Trate bem seus objetos.
Cuide bem das suas coisas para que elas durem bastante.
Não desperdice nada.
Antes de jogar fora, pense, veja se alguém precisa,
veja se dá para
aproveitar de outro jeito.
Fale sempre a verdade. E,
Não mexa nas coisas dos outros. se cair,
Estude, aprenda a ouvir.
levante!
Seja esforçado e otimista.
Acorde cedo.
Sorria.
Dê bom dia para as pessoas.
Fale tudo em tom calmo.
Limpe as coisas, organize as coisas.
Preste atenção, tente outra vez.
Ame sempre seus pais, onde quer que eles estejam.
Agradeça aos seus avós.
132
Capítulo
23
As coisas ficaram re-
almente sérias. A senho-
ra Escolástica acionou
seus advogados Oliveira
& Oliveira, que entraram
com uma ação na justiça
pedindo o fechamento da
Cachorros Felizes. Além
disso, ela espalhou car-
tazes pelas ruas dizendo
que a Cachorros Felizes
era uma empresa que
matava cães e que tinha
acabado com o Fifi.

133
Benjamin e o poder do tempo

Os pedidos de passeios acabaram. A senhora Escolástica deu entrevistas – como


as crianças tinham sido notícia com o sucesso do Quarto Centenário, mas haviam
deixado de ser assunto havia um tempão, todas aquelas notícias voltaram com força,
só que no sentido contrário; como cachorros são os melhores amigos do homem, as
pessoas sentiram-se na pele da senhora Escolástica e começaram a protestar como se
Fifi fosse seu próprio cão.
Com a comoção que o caso foi causando nas pessoas e conforme a senhora Esco-
lástica ia levando a público o assunto, o pai de Murilo começou a telefonar insisten-
temente para os meninos. Falava coisas sem sentido, um pouco agitado demais...
– Ninguém vai dar entrevista nenhuma, viu? Vocês não podem falar nada! Não quero
ver ninguém respondendo coisa nenhuma! A gente vai resolver tudo isso sem fazer alar-
de! Meu Deus! Como isso foi acontecer? É uma tragédia! Uma tragédia! Meu Deus!

No dia do aniversário de Benjamin naquele ano, um


juiz determinou o fechamento da Cachorros Felizes e
multou os meninos em R$ 45.000 por irregularidades
nas notas fiscais.

O juiz tinha um cachorrinho parecido com Fifi e tinha ficado emocionado com a
história que ficou conhecendo através do jornalzinho de bairro. Irado, decidiu fazer
justiça e, investigando a microempresa dos meninos, encontrou notas fiscais que não
faziam sentido.
134
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Benjamin não entendia bem de coisas de advogados, e foi seu pai quem lhe
contou que o Sr. Murilo tinha usado as folhinhas do talão da empresa dos meninos
– aquelas folhinhas que ele tinha pedido quando fecharam o acordo – para alguma
falcatrua, alguma coisa meio errada. Benjamin se lembrou do avô falando...
O pai do Murilo ainda tentou telefonar para os meninos naquela semana em que o
juiz mandou fechar a Cachorros Felizes.
O pai do Benjamin não estava em casa, Benjamin atendeu.
– Oi, Benjamin, sabe essa coisa aí do juiz? Então,
isso não quer dizer nada, não é nada demais. Eu até já
acertei com um amigo meu. Você faz assim: me ajuda com
R$ 10.000 mais os R$ 5.000 que eu lhe emprestei.
Então, eu coloco mais R$ 10.000, e a gente dá para
o secretário do juiz, já batemos um papo. Ele disse
que, se a gente der essa grana, fica tudo por isso
mesmo, a empresa continua igual e ainda podemos
ver se colocamos aquela velhinha chata na cadeia.
O que me diz?

Por mais que Benjamin ainda fosse garoto, depois


das palavras do avô, pensou como adulto e desligou
o telefone na cara do Sr. Murilo. Decidiu pagar tudo
direitinho.
135
Benjamin e o poder do tempo

Fechou a empresa, e ainda acharam o Fifi na casa da família da cachorrinha namo-


rada dele. Tiveram até filhos, e a senhora Escolástica retirou todas as queixas, pediu
desculpas e a vida continuou.
Foi triste, sim, principalmente para Paulo,
que achou que fosse tudo culpa sua, mas –
como são as coisas da vida! –, se a paixão de
Paulo por comida atrapalhou as coisas, sua se-
gunda paixão, aquela por videogames, ajudou
e bastante.
Ele tinha mania de comprar fitas de video-
game bem antigas, de uns vinte anos atrás, e
sabia onde comprar barato pela internet em
outros países, de pessoas que também gosta-
vam de videogame bem antigo, de vinte anos
atrás. Um dia, propôs ao Benjamin usarem a
estrutura do site da Cachorros Felizes para
abrirem um negócio de fitas de videogame
bem antigas, como um sebo de games.
Benjamin fez contas, pensou: “Às vezes,
as pessoas ficam com aparelhos de videogame
por muitos anos e, depois, decidem vender por
uma mixaria, mas tem gente em outros países,
ou mesmo aqui, colecionadores de videogames
136
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


antigos, que pagam bem por elas”. Benjamin achou que era bom, eles pagariam im-
posto quando as fitas chegassem ao Brasil, ia ser tudo certinho. Então, começaram.

Foram ao banco ver as coisas com a Márcia para tirar


o dinheiro da Fátima e do Murilo. Apesar da confusão
do pai, Murilo não tinha nada que ver com aquilo e
merecia receber pelo bom trabalho que tinha feito.

Benjamin estava mesmo disposto a encerrar tudo, deixar o que tivesse restado da
sua parte lá rendendo com o tempo, como as amebas – e, com o dinheiro de mais uns
meses de vendas dos doces, mandar ver no negócio novo das fitas.
Márcia sabia o que significava para ele aquela coleção de dinheiro e ficou com o
coração apertado.
– A parte de Murilo é R$ 59.200 com os juros. A parte de Fátima é R$ 23.000. Para
a Clarisse, são R$ 4.300, e, para o Paulo, R$ 3.600. E sua parte, primo... quer sacar?
– Quanto tem depois do prejuízo todo, prima?
– Olhe, tem R$ 497.233,48.
Os meninos levaram um susto enorme com aquele valor que, para eles, parecia
muito dinheiro, mas que, para Benjamin, era o começo de uma longa coleção, o co-
meço de uma vida.
– Márcia, por favor, dê mais R$ 5.000 para o Murilo pagar ao pai e, por favor, me
dê R$ 1.000 em notas de cinquenta.
137
Benjamin e o poder do tempo

Márcia deu o maço de notas ao Benjamin, que, para falar a verdade, não estava tris-
te. Dentro dele, estava contente, porque sabia que, com algumas notas amassadas, tinha
começado sua coleção, e agora iria começar de novo, só que, em vez de algumas notas
amassadas, teria um maço de notas de cinquenta novinhas no valor de R$ 1.000.

– Eu e o Paulo vamos começar a vender fitas de


videogame velho pela internet. Vamos comprar de
gente que está quase jogando fora e vender para
colecionadores de outros países ou mesmo daqui
do Brasil.

Logo, estavam negociando com pessoas de vários países.


Benjamin, que se sentia responsável pela tristeza do Paulo, decidiu fazer a parce-
ria com ele justamente para livrar o amigo daquele sofrimento. Sentia, também, que,
além de tudo, estava entrando em um bom negócio.
Clarisse e Fátima também ficaram com eles, trabalhando na compra e na venda de
artigos na internet. A mãe de Benjamin passou a cuidar do dia a dia da empresa de
doces junto com a vó, a Romualda e a auxiliar contratada. Benjamin continuou rece-
bendo sua parte: o dinheiro dos doces que lhe cabia como principal dono do negócio
era transferido todo mês para o banco da Márcia, aumentando a coleção.
O responsável por apresentar aquilo que mudaria mais uma vez a vida de Benjamin
foi seu pai. Vendo-o tão concentrado em continuar sua coleção e percebendo seu tino
para comprar e vender coisas, decidiu chamar um amigo e apresentar ao filho.
138
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


Carlos Lamartine era pequeno, careca e trabalhava
comprando e vendendo pedaços de empresas. Seu
apelido era Everest.

– Filho, esse é o Everest. Ele trabalha com a bolsa de valores e quer conhecer você.
– Olá, grande Benjamin! Ouvi muita coisa sobre você, garoto. Eu, quando tinha
sua idade, nem sabia o que era ganhar dinheiro. Parabéns! Seu pai me disse que tem
muito orgulho de você!
Benjamin sempre ficou sem jeito ao ser elogiado, nunca soube lidar bem com isso.
Não entendia direito, porque, para ele, era apenas uma coleção.
– Benjamin, você já ouviu falar na bolsa de valores?
Benjamin fez que não com a cabeça.
– Então, venha cá, meu jovem. Você gosta de mexer com internet?
Benjamin fez que sim com a cabeça.

139
Benjamin e o poder do tempo

– Faça suas pesquisas, veja o que consegue descobrir sobre a bolsa de valores.
Daqui a uma semana, eu volto aqui e a gente conversa melhor, certo?

Benjamin estudou.

O negócio, afinal, era o assunto


de que ele mais gostava. Começou
a entender que, na bolsa de valo-
res, era a mesma coisa que comprar
e vender, mas o fato é que ali se
comprava e se vendia um monte de
pedaços de empresas. O que mais o
impressionou era que, da mesma for-
ma que as fitas de videogame, que
vinham lhe dando dinheiro há me-
ses, e da mesma forma que os doces,
que vinham aumentando sua coleção
há anos, ele poderia comprar e ven-
der pedaços das maiores empresas
do mundo todos os dias, se quisesse,
sem sair de casa, pela internet.

140
Luiz Otavio Roxo

e Luiz Fernando Roxo


O QUE É A BOLSA DE VALORES
A bolsa de valores é onde se compram e se vendem ações, que são pedacinhos das
grandes empresas.
Existem duas formas de ver a bolsa de valores: a análise técnica e a análise fun-
damentalista.
A análise técnica estuda esses desenhos, que são formados pela movimentação
dos preços dos pedaços das empresas negociados na bolsa de valores e são chama-
dos de gráficos.

Uma das importantes pessoas que começaram esses estudos foi o Sr. Charles Dow.
Há muito tempo atrás, ele e o Edward D. Jones fizeram um jornal chamado The Wall
Street Journal. Nesse jornal, o Sr. Dow falava sobre o comportamento dos preços.
Esses textos foram reunidos depois, gerando o que pode ser considerado o início da
análise técnica: a teoria de Dow.
141
Benjamin e o poder do tempo

A análise fundamentalista estuda a situação das empresas, por exemplo: se elas


estão ganhando bastante dinheiro, se elas estão devendo para alguém, o que elas
estão pensando em fazer no futuro.
Uma pessoa muito importante para o estudo da análise fundamentalista foi o Ben-
jamin Graham. Esse senhor escreveu um livro chamado O investidor inteligente e foi o
professor de finanças de alguns dos homens mais ricos de todos os tempos.

É importante lembrar: existem


duas formas de ver a bolsa de
valores, a análise técnica e a
análise fundamentalista.

142
Capítulo
24
A quantidade de dinheiro que passa-
va pela bolsa de valores todos os dias era
impressionante: bilhões. Benjamin, que
tinha começado aprendendo sobre ame-
bas e milhões, assustou-se quando viu,
no Homebroker (o site por onde poderia
negociar pedaços das empresas), a velo-
cidade com que os bilhões mudavam, e
aquilo ficou na sua cabeça, como se fos-
se ideia sua, uma ideia simples, simples
como uma coleção de carrinhos.
Lembrou-se da prima o ensinando e imaginou-a falando sobre o bilhão:
– Ó, bilhão é assim, um: 1. Depois, vêm três zeros: 000. Mais três zeros: 000. E
outros três zeros: 000. Fica assim: 1.000.000.000. São muitos zeros, primo...
No dia de seu aniversário, um ano depois do dia em que a Cachorros Felizes foi
fechada, Benjamin passou no banco da prima.
143
Benjamin e o poder do tempo

– Oi, Márcia!
– Benjamin! Que bom ver você aqui! Parabéns! Feliz aniversário! Quantos anos são?
– Quinze, prima...
– Nossa, é um homem!
– Prima, quero fazer uma transferência daquela nossa conta. Tem R$ 10.000 para
transferir?
Fazia tempo que Márcia não via a conta do primo. Naquele dia, Benjamin tinha
R$ 593.751,87. Era mais dinheiro do que ela, sendo gerente de banco, jamais juntaria
a vida toda.
– Tem sim, primo. Dá para fazer essa transferência... Agora, tem uma norma aqui,
eu preciso preencher o motivo da transferência, qual é?
– Abri uma conta em uma corretora de valores, quero ver se aprendo a comprar e
vender ações das empresas.

Foi com uma parte desses R$ 10.000 que Benjamin


começou a comprar pedaços de várias empresas para
treinar e aprender.

Como uma lembrancinha, naquela mesma semana, comprou 100 ações da fábrica
de carrinhos e virou acionista, quase sócio do dono. Prometeu a si mesmo: “Essas 100
ações eu não venderei e, um dia, comprarei tantas mais que serei o dono da fábrica
dos carrinhos que o Seu Carmelo comprava para mim quando eu era criança”.
144

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