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Capítulo 1o

A PESSOA HUMANA

Secção I - Evolução filosófica e constitucional da tutela da pessoa humana

1- Essência do fenómeno constitucional


Existem três concessões:
- estadualista – provém do Estado
- normativista – a constituição é um conjunto de normas escritas
- ideológica – expressada pela Constituição

Concessão estadualista
As normas jurídicas podem ser impostas por auto vinculação ou hétero vinculação, ou seja
impostas ou não pelo Estado.

- Existe uma consciência jurídica universal que impõe normas jurídicas independentemente
do Estado.

Exemplo: Pode haver uma norma da constituição, mas sendo inconstitucional,


verifica-se que há um padrão normativo superior à constituição, mas também o
poder constituinte do Estado não é livre, tem limites.

- A existência do Ius congens, que são normas imperativas do Direito Internacional


vinculativas a todos os Estados.

- Existem normas consuetudinárias, que estão independentes do Estado.

Exemplo: Quem o presidente deve eleger como primeiro-ministro não diz na


constituição, mas a pratica é que o líder do partido mais votado seja eleito

Concessão normativista
Apesar de não se poder negar que as que o cérebro da constituição está nas normas
escritas, esta não explica a globalidade do fenómeno constitucional, pois existem normas
jurídicas e constitucionais não escritas.

As constituições estão sempre sujeitas a cair em desuso.

Exemplo: -O Reino Unido não tem uma constituição escrita, mas uma constituição
consuetudinária

- A revolução é um fator que causa uma grande mudança no direito e na política,


criando um novo poder, um novo direito e uma nova constituição

- As normas constitucionais podem ser inválidas quando vão contra parâmetros


supraconstitucionais
Concessão ideológica
Todas as constituições apresentam uma ideologia, podendo estar ou não explicita.

Qual deve ser a essência do fenómeno constitucional?


A essência do fenómeno constitucional não está fora dos fins do direito, que são a justiça, a
segurança e a liberdade. Estes três valores são essenciais para cada um de nós, o ser
humano só se realiza como ser humano com estas.

A pessoa humana é a essência do direito constitucional, a constituição existe em função da


pessoa humana. Isto significa uma visão personalista assente na pessoa humana sobre a
essência do direito constitucional.

Essa essência é o alicerce da nossa dignidade. Dai a importância do conceito de dignidade


humana na constituição.

Se é verdade que o estado não tem o monopólio na feitura das normas constitucionais, e
que podemos encontrar normas constitucionais provenientes do direito internacional e da
união europeia, então hoje temos uma constituição multinível (as normas da constituição
não têm apenas o nível estadual, interno, mas também há normas de nível internacional e
europeu). Porém, mesmo dentro das normas de nível nacional nem todas são produzidas
pelo estado (costume).

Uma vez que há normas constitucionais provenientes do direito internacional e união


europeia, significa que há hoje um ius comune constitucional (um direito constitucional
comum a vários estados; há um fenómeno de inter-constitucionalidade)

Há normas provenientes do plano interno, do direito internacional publico e da união


europeia, há uma pluralidade de autores de normas constitucionais, o que pode gerar
incoerências, conflitos entre estes.
Significa que o direito internacional hoje é mais complexo do que há 50 anos atras.

2- A pessoa humana no pensamento político pré-liberal


O entendimento do direito é que a revolução francesa é o início da preocupação dos direitos
humanos.

Este não está correto, pois no século XIII é feita a Magna Carta no Reino Unido, dando início
ao constitucionalismo britânico. Esta foi um acordo entre o rei, a nobreza e o clero, em que
o rei passa estar limitado nos seus poderes, havendo:
- liberdade de circulação
- existe a proporcionalidade entre o crime e a pena
- acesso à justiça
- etc.
A história do pensamento politico-filosófico diz que desde a Grécia antiga que a temática da
pessoa humana é objeto da preocupação, logo podemos encontrar no pensamento pré-
liberal três momentos cruciais:
- a civilização greco-romana: aqui estão as bases do pensamento politico-ideológico
moderno
- revolução judaico-cristã: aqui que está a ordem de valores ocidental
- a idade moderna: toca numa contradição que ainda hoje não foi superada, é preferível a
liberdade ou a autoridade? ate que ponto a liberdade é o valor prevalecente sobre a
autoridade?

Civilização greco-romana
Aqui encontravam-se 7 linhas ideológicas de debate:

- O que deve ser o centro de reflexão?


A importância do cosmos ou a importância do homem?
Protágoras diz que “O Homem é a medida de todas as coisas”, nascendo o princípio
da centralidade da pessoa humana.

- Liberdade ou obediência perante a lei?


Perante uma lei injusta devemos obedecer ou resistir e fazer o que achamos ser
correto?
Sócrates- perante uma lei injusta tem de se obedecer

Antígona- não se obedece ao direito que é injusto

Existem quatro revelações, tendo em conta este último:


- o poder tem limites que se impõem ao próprio poder, isto é o governante
está sujeito a uma ordem de valores que o hétero-limita, que não depende
da vontade dele

- o direito não consiste somente na lei escrita, existem leis superiores, como
leis morais

- há uma liberdade de escolha, perante a lei injusta podemos desobedecer

- aqui está a raiz de dois direitos fundamentais: direito à objeção de


consciência e o direito de resistência; neste caso traduzem o mesmo efeito
de não cumprir as determinações do poder

- O que é a democracia?
Herodo- tem de se obedecer a três regras:
- igualdade em matéria de direitos
- força da maioria
- responsabilidade dos governantes

Péricles- a democracia resulta de três condições:


- governo da maioria
- igualdade ao nível da participação politica (uma
pessoa, um voto; liberdade para eleger e liberdade
para ser eleito)
- liberdade de opinião

Com base nestes dois autores, além das suas ideias de democracia, também
podemos dizer em democracia há tolerância, mas também um princípio da
legalidade.

- Governo das leis ou dos homens?


Platão- defende que o melhor governo é o dos homens, pois não está limitado pelas
leis; os filósofos são sábios, e os sábios sabem o que é melhor

O homem tem uma natureza dualista: o corpo físico (habita num mundo degradado,
imperfeito) e a alma espiritual (habita o mundo das ideias, onde há perfeição). Para
nascer, a alma junta-se a um corpo físico, com a morte a alma volta para o mundo
das ideias. O corpo é uma prisão para a alma, para a pessoa ser feliz a pessoa deve
esforçar-se para viver de acordo com o mundo espiritual, mas são raras as pessoas
que o conseguem fazer, só os filósofos é que conseguem.

Aristóteles- defende que o melhor governo é o das leis, pois estas são imparciais e
objetivas, não estão sujeitas a emoções humanas

Na valorização do governo das leis encontramos três conceitos:


- um governo que obedece a leis, estas leis significam a existência de uma
constituição; a constituição serve para limitar, para disciplinar o governo
- estado de direito: aquele que se subordina às leis
- introdução de três conceitos: proporcionalidade, igualdade (leis iguais para todos) e
a equidade (uma lei que trata o desigual por igual é uma lei injusta)

- Liberdade interior
Todos temos liberdade de pensamento, não estando esta sujeita a qualquer tipo de
intervenção do Direito.

No período romano, com Séneca e Cícero, é desenvolvida a ideia de um governo


misto, em que uma parte não suprime a outra. O Estado tem de garantir a liberdade
e a justiça.

- Oposição entre a lei natural e a lei divina


Há a ideia de que através da razão, o ser humano participa no divino. Há uma lei
natural, que é uma norma comum a todos, que é universal, intemporal, e essa lei
está gravada no ser humano

- Tema da igualdade
A democracia pressupõe igualdade, logo a participação política tem de assentar na
igual proporcionalidade (1 homem, 1 voto).
Civilização judaico-cristã
Antigo Testamento
Este ensina-nos três coisas:
- o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, daqui estando a origem da dignidade
humana
- Deus dá a liberdade, mesmo para desobedecer
- há um principio da solidariedade, que todos nos devemos ajudar uns aos outros

Novo Testamento
- Para haver dignidade tem de haver liberdade; temos direitos inatos
- jesus aceita morrer por pessoas imperfeitas, pois as pessoas têm uma natureza sagrada
- separação entre religião e Estado (“dar a César o que é de César e a deus o que é de deus);
é bilateral, não podendo o estado interferir na nossa liberdade religiosa, e a Igreja não pode
interferir na vida política

- jesus aceita morrer por pessoas imperfeitas; isto acontece por as pessoas terem uma
natureza sagrada; é reforçado o antigo testamento
- a própria lei pode ser desaplicada para proteção da dignidade da pessoa
- separação entre religião e Estado (“dar a César o que é de César e a deus o que é de deus);
é bilateral, não podendo o estado interferir na nossa liberdade religiosa, e a Igreja não pode
interferir na vida política

Santo agostinho- há uma importância da liberdade e da justiça:


- liberdade: temos livre-arbítrio, mesmo que o caminho
que escolhamos leve ao mal
- justiça: critério da ação dos governantes, pois “o que
distingue o estado de um bando de ladroes é a justiça.
Quando o estado não garante a justiça identifica-se
como um bando de ladrões”

Tentou encontrar paralelos entre o cristianismo e o platonismo (há uma separação


entre o céu e a terra na Bíblia, e há uma separação entre o corpo físico e a alma em
Platão).
Este encara a divisão do céu e da terra, em que o céu corresponde à perfeição e na
terra domina o diabo.

Como o Estado permite o homem ser feliz, então é proibido o direito de resistência.

São Tomás de Aquino- este deus três contributos:


- somos colaboradores de Deus, temos uma natureza
singular
- o poder tem um propósito, que é o bem comum da
coletividade; devemos resistir às norma inválidas,
normas injustas; admite-se a desobediência se os
efeitos forem menos negativos do que se tivesse
obedecido
- igualdade entre o homem e a mulher
São Tomás de Aquino fundamenta a limitação da lei humana, fazendo isto:
- existe uma lei eterna (criada por Deus), e por ser perfeita nenhum homem a pode
conhecer
- como não podemos conhecer a lei eterna, Deus colocou na nossa consciência a lei natural,
utilizando a nossa razão
- assim, quando o governante faz a lei humana tem de respeitar a lei natural

O que acontece se não respeitar a lei natural?


Isso não é lei, mas corrupção da lei, logo o juiz desaplica essa lei. Como o juiz desaplica essa
lei, então este aplica a lei natural, a lei da razão, que a pode encontrar, não só na sua
consciência, mas na lei consuetudinária da sociedade.

Marsílio de Pádua- o seu contributo centra-se nas seguintes ideias:

- Rutura da república Cristiana


Isto implicava pôr em causa a autoridade do papa, reconhecendo a liberdade
religiosa; ideia de que a liberdade e os direitos estão na base da democracia.

O estado existe para que as pessoas tenham um bom viver (viver com dignidade).

- O poder está limitado pela lei


A lei deve ser a expressão da vontade dos súbditos.

Importância da supremacia do poder legislativo (poder superior a todos os demais


poderes).

Defende o positivismo, a lei, em si mesma, define o que é justo ou injusto. Não é possível
desaplicar a lei por ser injusta, pois esta é que dita o que é injusto.

Dever de obediência- desde que a feitura da lei cumpra o procedimento formal

Descobrimentos
Quando os espanhóis chegam ao continente americano foram colocadas várias questões: é
possível batizar os índios contra a vontade deles?; é legitima a apropriação das riquezas e
propriedade do índios?

Existem 4 autores com um papel central neste tema:


Bartolomeu de las Casas- todos os seres humanos nascem livres, não sendo admissível que
um povo se submeta a outro por razões de civilização ou cultura; ninguém é escravo por
natureza

Francisco Vitória- defendia que os espanhóis não tinham o direito de impor a fé aos nativos;
os índios tinham o direito de se governarem pelas próprias leis
Francisco Suárez- acima do direito de cada povo, há uma ordem jurídica superior aos
Estados; a lei positiva serve para proteger os direitos, e não para legitimar os abusos; é
afirmado um direito de resistência contra governos ilegítimos

Padre António Vieira- condena o genocídio cometido pelos portugueses no Brasil

Em conclusão, da revolução judaico-cristã prende-se que ao longo da história houve uma


contradição entre a fé professada e a prática. Neste sentido, a revolução judaico-cristã e a
sua ordem de valores viveram aprisionadas, porque os governantes se diziam cristãos, mas
tinham uma prática muito pouco consentânea com esses valores.

Três exemplos:
- admissão da escravatura
- existência de desigualdades entre a lei (se fosse nobre a pena era menor)
- existência de penas cruéis e desumanas, como a tortura para se ter confissão

Idade moderna
Há uma contradição entre a liberdade e a autoridade.

Jean Bodin- refletiu sobre a soberania, tendo chegado a duas conclusões:


- no plano interno: não há um poder superior
ao do rei, está concentrado no rei
- no plano externo: não há uma autoridade
superior ao Estado, o Papa não tem poder
sobre os reis ou sobre os Estados

Inventa a palavra “soberania” (poder absoluto que não tem qualquer limite, não é
controlado por qualquer outra autoridade).

Liberta a lei de qualquer limite material, incluindo a lei natural.

O poder do Estado é absoluto e ilimitado.

Pico della Mirandola- o homem é o centro de toda a realidade, pois o ser humano tem três
características: razão, liberdade e dignidade

Maquiavel- a crueldade pode ser boa, se o fim o justificar; a propriedade é mais importante
que a vida, pois os homens esquecem-se mais rapidamente de quem lhes matou os pais do
que quem lhes roubou algo
Razão de Estado- justificações, que em nome do interesse da coletividade, justificam
algo que seria considerado injustificável (282 nº4 CRP- permite que o tribunal
constitucional reconhecia efeitos a atos inconstitucionais)

Erasmo de Roterdão- opõe-se à doutrina de Maquiavel; o governante está limitado pelo


Direito, mas também deveres de natureza ética; o autor das leis deve obedecer às mesmas
Lutero- defende a liberdade religiosa, mas que não pode se esquecer do poder do Rei; cada
um de nós está vinculado diretamente a Deus, marginalizando o Papa

O direito anterior ao liberalismo pode se caracterizar por três pontos de referência:


- uma desigualdade perante a lei; o direito garante privilégios e não direitos de todos (só
depois das revoluções liberais)
- a escravatura é a expressão máxima da desigualdade e da ausência de dignidade das
pessoas
- importância do património ser superior à importância da pessoa humana

Nos finais do seculo XV, inico do seculo XVI, existem três autores importantes:
Thomas More- critica a injustiça, a iniquidade das sociedades do seu tempo, fazendo com
que este fosse visto como um percursor dos socialismo, pois:
- o direito é um instrumento de domínio e de repressão
- a ideia de que na utopia não há propriedade privada; há um principio de igualdade
e de solidariedade entre todos os seus membros; o fim do estado é o bem estar de
todos
- importância da liberdade religiosa

Thomas Hobbes- defende que os seres humanos têm direitos inalienáveis e naturais; todos
somos iguais por natureza, podendo julgar quais os meios que justificam a defesa da nossa
vida; o homem livre é mau por natureza, estando predisposto à guerra (concessão
pessimista), logo, de forma a evitar isto, devemos abdicar os nossos direitos a uma entidade
soberana através de um contrato social (abdicamos dos nossos direitos a favor do Estado).

As noções de certo ou errado, e de justo ou injusto não têm lugar, pois a lei é que diz o que
é justo (Marsílio de Pádua).

Descartes- importância da razão e da liberdade na evolução do pensamento filosófico; a


constituição é a expressão da liberdade

Constitucionalismo britânico
Este está sempre em contracorrente, ou seja:
- 1215: através da magna carta há uma limitação do poder do rei (a nobreza e o clero
impõem ao rei uma limitação do poder); estamos perante um limite ao poder real, mas se
olharmos para a europa continental temos a centralização do poder real.

-1640: com a revolução inglesa, onde se procura ainda mais limitar o poder do rei, com uma
instituição que é o parlamento. No seculo XVII, europa continental, tem todo o contributo
para no seculo XVIII se afirmar o absolutismo.

Esta tem três traços importantes:


- aqui fala-se de igualdade de direitos, existindo um direito universal de voto a todos os
homens (sufrágio universal)
- o governo é um governo assente no acordo entre as instituições, baseado no principio
democrático
- camara dos comuns
- câmara dos lordes

- separação entre o estado e a igreja, que é resultado, na Europa, da revolução francesa,


que em Portugal só se dá com a republica. Em Inglaterra não há esta separação entre o
estado e a igreja, pois o monarca é a autoridade suprema da igreja

3- A pessoa humana e o contributo liberal


Encontramos no pensamento liberal os alicerces do direito constitucional. Existem 4 valores
fundamentais:
- liberdade
- igualdade
- propriedade
- limitação do poder

O liberalismo resume-se a perceber qual a relevância e predominância de cada um.

Os autores principais são:


Espinoza- a vontade da sociedade é a única vontade democrática, e a única que pode fazer
as leis; como a lei é a vontade de todos, temos de obedecê-la, mesmo que seja injusta

Pufendorf- todos os seres humanos têm dignidade e igual dignidade entre si; há direitos
naturais que não podemos dispor

John Locke- é o pai das principais constituições; originam as seguintes ideias:


- ideia do contratualismo
- defesa da propriedade
- existência de direitos sagrados
- limitação do poder é essencial para a
liberdade
- liberdade religiosa

O Estado serve para garantir a propriedade privada, que não estaria garantida num Estado
de natureza.

Se o Estado oprimir o Homem, pode-se derrubá-lo, havendo um direito de resistência. Se o


estado não funcionar bem, há um Estado de natureza, onde há igualdade e liberdade.

Há um contrato com o Estado, através do qual perdemos alguma coisa a favor deste, para
que o mesmo possa conservar e defender os valores da vida, liberdade e propriedade.
O contrato de Locke tem um conteúdo diferente do de Hobbes, que servia para legitimar o
poder do governante, tirando-lhe quaisquer limites.
Os direitos das pessoas são o limite e fundamento do poder, pois o poder existe para
defender os nossos direitos, não podendo agir contra estes.

A lei serve para limitar o poder, garantir direitos e defender a liberdade.

Locke é genuinamente otimista em relação ao Homem, sendo este mesmo bom (Rosseau
dizia que o homem é naturalmente bom, mas a propriedade privada transforma-o).

Lei natural- qualquer poder do Estado está limitado pela lei natural; a lei humana que viole a
lei natural não é lei

No estoicismo, cícero reconhece que há uma lei natural, que limita a lei do Estado.
Pouco depois de Cícero, São Paulo diz que há uma lei natural que cada um conhece
pela sua consciência. São Tomás de Aquino diz que a lei natural é conhecida pela
razão de qualquer homem é condição de validade da lei humana (a lei humana que
viole a lei natural é invalida).

Cria um sistema de separação de poderes, que reconhece que o poder mais importante é o
legislativo. Ao contrário de Marsílio de Pádua, Locke reconhece limites ao poder legislativo,
submetendo-o à lei natural, mas também fazendo a divisão entre 4 poderes do Estado:
legislativo (dado naturalmente ao parlamento, sendo o mais importante, pois representa a
comunidade); executivo de aplicar as leis (dado ao rei); federativo (diz respeito ao direito
internacional; dado ao rei); prerrogativa para situações de exceção (dada ao rei).

O parlamento é o poder mais perigoso no Estado, por isso ser o mais o importante. Assim é,
pois pode ameaçar a liberdade (esta existe antes, na lei natural).

Locke recusa-se a utilizar o conceito de soberania, pois isto é algo sem limites.

O limite último é a propriedade em sentido amplo (sobre nós, sobre os nossos bens e
liberdade; vida, liberdade e propriedade).

Montesquieu- para garantir a liberdade há que separar o poder; tem como base o modelo
britânico, em que a constituição é de equilíbrio de poderes, estando o poder dividido:
judicial, executivo e legislativo; a divisão não é suficiente, pois pode haver um abuso de
poder, logo há de haver uma interdependência, em que cada poder há a faculdade de
estatuir, mas também de vetar

Quando a lei é aprovada é porque teve o acordo de todo o Estado, logo a lei do parlamento
é soberana, não podendo ser desaplicada pelo tribunal.

A principal ameaça à liberdade são os juízes, o tribunal, por isso o seu poder deve ser nulo, o
poder judicial não é um verdadeiro poder.

Rosseau- defende o primado da liberdade e igualdade face à propriedade, já que é esta a


principal causa dos conflitos; o pensamento de Hobbes (o homem é mau por natureza) é
contrariado por Rosseau, em que a propriedade é que transforma a bondade natural do
Homem, levando a conflitos e a desigualdades

O poder político não deve ser separado, mas concentrado. A soberania está na coletividade,
pois esta assenta na vontade geral, que é a vontade que prevalece, sendo a lei a expressão
desta.

Humboldt- a liberdade é garantida com a existência de um Estado mínimo


Kant- relaciona a liberdade, a humanidade e a dignidade

O Estado de Direito assenta na ideia fundamental da obediência à lei.

A liberdade é um direito inato, e é esta que é a raiz da autonomia da vontade.

É criado o princípio da humanidade- o Homem é um fim em si mesmo; a dignidade é


desligada do conceito de Deus, mas um valor absoluto irrenunciável; todos temos igual
dignidade

Hegel- defende a liberdade, mas também o Estado

A história da humanidade é uma história da luta pela liberdade. A melhor forma de a


garantir é através do Estado, é neste que cada um de nós se realiza.

Principais experiências constitucionais


- Norte americana
Thomas Paine- este é caracterizado por duas coisas: existência de direitos naturais do
homem e vinculação do poder a determinados fins.

Todos os homens nascem livres e iguais, daí a ideia de 1 homem, 1 voto; a soberania
pertence à nação; fundamento do poder está nos direitos do Homem

- Britânica
Stuart Mill- importância da liberdade individual e da limitação do poder

A liberdade de consciência e de opinião estão na base do modelo britânico. Há liberdade


para tudo, menos para a renunciar.

- Francesa
Benjamin Constant- os direitos individuais são uma limitação do poder e da soberania do
povo

Há uma prevalência dos direitos individuais sobre a participação política.

Sublinha a importância da propriedade, defendendo o sufrágio censitário.

Principais textos constitucionais que materializam tudo


- Declaração de direitos do Estado de Virgínia (1776) – anterior à independência norte
americana; os homens são livres e têm direitos inatos; o objetivo do governo é o bem
comum, baseando-se na separação de poderes

- Declaração da Independência dos EUA (1776) – reproduz os valores da anterior; se o


governo desrespeitar esses valores, então o povo pode aboli-lo

- Declaração de Direitos do Homem e do cidadão (1789) – produto jurídico da revolução


francesa; tem 4 referências dos Direitos naturais- liberdade, segurança, propriedade e
resistência à opressão

- Bill of Rights (1789-1791) - consagrado o direito de reunião e de petição; direito que todos
os norte americanos têm de que ninguém pode testemunhar contra si próprio (direito ao
silêncio); clausula aberta (não tipicidade dos direitos fundamentais): há mais direitos
fundamentais do que aqueles que resultam do elenco da constituição, podendo ser
encontrados no costume, no direito internacional, etc.

- Constituição francesa (1793) – nunca vigorou; consagra os grandes ideais de Rosseau,


dizendo que existem 5 direitos fundamentais: igualdade, liberdade, propriedade, segurança
e direito de insurreição (levantar armas contra o governo); mesmo que o Estado se
abstenha, tem de intervir em certos setores para garantir três direitos: subsistência,
trabalho e instrução

- Constituição portuguesa (1822) – direito de insurreição (7º nº3 CRP); relevância da


liberdade, segurança e propriedade; consagrou os primeiros direitos sociais, incluindo a
instrução de ambos os sexos; direito de igualdade de todos perante a lei; separação de
poderes

- Constituição francesa (1848) – o fim do Estado é o bem-estar; a base do Estado é a família,


o trabalho, a propriedade e a ordem publica; algumas inovações foram: abolição da
escravatura, abolição da pena de morte por razões políticas, proibição da censura à
imprensa

Valores e lições do constitucionalismo


- centralidade dos direitos (liberdade, segurança e propriedade)
- importância da limitação do poder (reconhecimento de direitos fundamentais e separação
dos poderes)
- interdependência entre a vontade geral e a vontade legislativa do Estado (a vontade da
coletividade encontra-se no Parlamento, que a representa)
- importância da igualdade perante a lei

4- Crítica ideológica ao liberalismo: uma visão alternativa da pessoa


humana
Surgem críticas ao liberalismo. Estas vêm de três setores:
- pensamento contrarrevolucionário
- pensamento socialista
- doutrina social da igreja católica

Pensamento contrarrevolucionário
Edmund Burke- os direitos humanos não são resultado de uma revolução, mas de uma
herança; sublinha a importância do costume em detrimento da lei; deu mais importância ao
passado histórico do que à vontade do povo, representado no Parlamento

Joseph Maister- a constituição é o produto da vontade do monarca, e é ela a fonte das


liberdades e direitos; a fonte do poder está no monarca, mas este não exerce sozinho os
seus poderes, tendo de respeitar a existência dos tribunais e do parlamento (ou seja, tem de
respeitar o princípio da separação dos poderes)

Benjamin Constant- defende o poder moderador do rei (4º poder político)

Pensamento socialista
Existem várias concessões socialistas, mas todas elas querem criar uma nova sociedade.
Existem três vertentes:
- socialismo cristão – Saint Simon não defende a abolição da propriedade privada, mas
defende a intervenção do Estado

- dois modelos diferentes de sociedade: Proudhon- toda a propriedade é um roubo, todo o


Estado é opressor, logo tem de se abolir a propriedade privada e o Estado; a verdadeira
liberdade começa com o fim do Estado; defende uma sociedade anarquista

Lassale- o estado é intervencionista, mas sem abolir a


propriedade privada; valoriza as cooperativas de
produção

- socialismo marxista-leninista – a historia é uma constante luta de classes, tendo de se


valorizar o estatuto da classe trabalhadora contra a burguesia; após a ditadura do
proletariado, tem de se abolir o Estado, pois já não existiriam opressores

Teve consagração no modelo soviético:


- concessão restrita dos direitos fundamentais (pertenciam apenas à classe
trabalhadora)
- subordinação dos direitos individuais aos sociais (subordinação da pessoa ao
Estado)
- forte intervencionismo do Estado, com abolição da propriedade privada

Doutrina social da Igreja


Papa Leão XIII – rerum novarum – denuncia de condutas que desrespeitam a dignidade da
pessoa, como a desigualdade salarial, exploração de mulheres e crianças, longos horários de
trabalho.

O Estado, perante estes problemas, tem de agir, protegendo os mais fracos.


Resolve-se a partir de um novo modelo económico, o corporativismo, em que a há uma
correlação entre as entidades patronais e trabalhadores.

Em 1931, na carta encíclica do Papa Pio XI, há duas ideias:


- incompatibilidade entre o catolicismo, socialismo e liberalismo
- princípio da subsidiariedade, que diz que tudo aquilo que uma sociedade de âmbito mais
restrito possa fazer não deve ser feito por uma estrutura de âmbito mais ampla; quando
uma estrutura de âmbito menos amplo não consegue fazer, então a estrutura mais ampla
deve intervir

5- A reação constitucional antiliberal e a desvalorização totalitária


da pessoa humana
A oposição ao liberalismo manifestou-se através do totalitarismo.

Totalitarismo- esvaziamento do individuo dentro do Estado; Estado omnipresente e


omnipotente; inversão dos dogmas liberais (liberdade política, estado mínimo,
individualismo, etc.); transformação do Estado numa máquina de terror (em vez de garantir
segurança e direitos, é o principal protagonista da violação dos direitos fundamentais)

As preferências estruturais do totalitarismo eram: coletivo sobre individual; preferência da


autoridade em detrimento da liberdade; soberania das elites sobre a democracia;
preferência dos sentimentos à razão; preferência à violência em detrimento do humanismo
e tolerância

Antecedentes históricos destas conceções


Mussolini- fascismo italiano; expressa um Estado forte, resistente ao egoísmo individualista
liberal

Platão- modelo de Estado totalitário, assente numa forte intervenção do Estado; compete
ao Estado a educação das crianças, selecionar as pessoas aptas e não aptas, quem casa com
quem; o objetivo último do Estado é preservar a pureza da raça; Estado assente no governo
dos Homens e não das leis

Thomas Hobbes- Estado com uma força ilimitada, alicerçado no medo; tinha uma visão
pessimista do ser humano, sendo um conflituoso e mau

Hegel- o Homem só se realiza no Estado, pois o homem tem um destino que também é o
destino do Estado (o Estado tem uma missão, que está no espírito do povo, devendo
ultrapassar qualquer obstáculo); o Estado é elevado à categoria de Deus, sendo divinizado

Nietzsche- elogia a crueldade; o cristianismo é visto como uma religião de fracos, pois
valoriza a piedade; valoriza a guerra, o pensamento antissemita e a eliminação de raças
inferiores

6- A herança liberal: bem-estar social e dignificação humana


Clausula constitucional de bem-estar social- o bem-estar social é um elemento integrante da
dignidade humana, e o Estado tem a responsabilidade de a garantir

O Estado é o único responsável na garantia do bem-estar social?


O modelo económico consagrado na Constituição prevê um princípio de subsidiariedade (só
intervém se a coletividade não atuar de forma eficiente).

O bem-estar tem várias vertentes:


- dimensão temporal – salvaguarda o património das gerações passadas e garante o bem-
estar das gerações futuras
- dimensão material – satisfação das necessidades básicas, como alimentação e habitação;
criação de condições sociais e económicas que permitam uma efetiva melhoria da qualidade
de vida
- dimensão imaterial – criação de condições políticas, culturais e ambientais tendentes ao
pleno desenvolvimento da pessoa (educação, cultura, etc.)
- dimensão intergeracional – os recursos não podem ser abusados ou esgotados, pois tem
de se ter em conta a geração seguinte

Neste modelo de bem-estar, a constituição é refém da administração publica. É a


constituição que consagra os princípios de bem-estar, mas está nas mãos da administração
publica o sucesso ou falhanço na realização dos mesmos, através da produção de bens e
prestação de serviços.

Concretização da constitucional da cláusula de bem-estar no pós Segunda


Guerra Mundial
Fases da evolução dos direitos sociais:
- até ao final dos anos 40 – direito ao trabalho, segurança social, saúde, educação, função
social da propriedade privada
- anos 70 e 80 – direito ao ambiente, património artístico, preocupação com as gerações
futuras
- anos 90 – direito à inviolabilidade genética, limitação da tecnologia em respeito pela
dignidade humana

Internacionalização dos direitos humanos no seculo XX


A matéria dos direitos humanos não é uma matéria de cada estado, não é doméstico, mas
um problema que diz respeito a toda a comunidade internacional.

Existem instâncias judiciais internacionais capazes de sancionar as violações feitas pelos


estados aos direitos humanos.

Intervenção das Nações Unidas: o ius cogens


Com a II Guerra Mundial e a conscientização das atrocidades cometidas nesse período, há a
necessidade de uma declaração dos direitos humanos reconhecida e garantida por todos os
Estados, formando-se, em 1945, a Carta das Nações Unidas (reafirmação da dignidade da
pessoa; defesa da igualdade entre raças, sexos e religiões; igualdade de direitos de trabalho,
saúde, educação, etc.).
As Nações Unidas levam a afirmação da existência de um direito imperativo para todos os
Estados, o ius cogens, na matéria dos direitos humanos.

Ius cogens- as normas do ius cogens têm imperatividade própria, vinculando todos os
Estados, independemente da sua vontade

Como é que a comunidade internacional protege o bem-estar?


Nem sempre a existência de convenções internacionais garante uma tutela com carater
jurisdicional, pois teria de haver uma reparação interna perante as violações, o que não
garante a proteção dos direitos. Assim, criam-se tribunais internacionais para a tutela destes
direitos.

Com a existência de tribunais para a defesa dos direitos humanos, há uma erosão e
diminuição do domínio reservado aos Estados. Apesar de existirem matérias reservadas aos
Estados, a matéria dos direitos humanos deixou de ser uma delas.

7- As coordenadas contemporâneas da tutela da pessoa humana


A tutela humana hoje convoca grandes desafios:
- liberdade
- democracia
- justiça social
- crise da clausula de bem-estar

Liberdade
O Homem não é uma realidade abstrata, mas algo concreto.

Há o pensamento de dois grupos: os defensores do existencialismo ateu, como Jean Bodin,


que afirmam que não há dignidade sem liberdade; e os defensores do existencialismo
cristão, como Maritain e Karl Jaspers.

Maritain- a dignidade humana tem uma natureza sagrada; o Estado existe para o ser
humano, e não o contrário, há uma subordinação do Estado à pessoa

Karl Jaspers- ninguém tem certezas absolutas, então devemos relativizar as nossas próprias
certezas, mas também ser tolerantes das certezas dos outros; a junção da tolerância e do
relativismo expressa a liberdade

Democracia
Raymond Aron- defende a essência da democracia do ocidente, assente no respeito pelo
pluralismo e na salvaguarda dos direitos das pessoas; o Estado existe com um papel social; a
liberdade envolve o poder escolher entre duas opções, sem que ninguém o possa impedir
ou castigar pela escolha
John Rawls- não há democracia sem respeito mútuo e tolerância, porém o respeito não
pode fazer esquecer a existência de uma hierarquia de valores, não tendo todos o mesmo
peso
Argumento: se há valores numa sociedade que estão consagrados na constituição,
mas uns que não estão, então há uma hierarquia; dentro da constituição nem todos
os valores têm igual peso, os valores que não podem ser suspensos, têm de ser
superiores aos outros

Karl Popper- ao contrário de Karl Jaspers, Karl Popper afirma que devemos aspirar a
verdade, o que significa que há uma teoria melhor, afastando as anteriores (assim, amanhã
esta pode ser afastada por outra ainda melhor); a essência desta passagem é o pluralismo,
pois há uma necessidade de haver uma discussão aberta a várias ideias
Levanta o paradoxo da tolerância: devemos ser tolerantes aos intolerantes ou
responder-lhes com ignorância?

Habermas- a democracia é um processo de decisão, não importando o conteúdo, mas o


modo como se chega à decisão, que é assente em 3 pressupostos:
- racionalidade argumentativa
- igualdade
- peso da maioria

O problema desta ideia é que aceita como democrática uma decisão que o conteúdo
pode não ser legitimo.

Zagrebelsky- parte do entendimento de que não existem certezas definitivas, o que hoje se
decide, amanhã pode ser revisto e alterado

Democracia humana- os direitos humanos são a pedra nuclear da própria


democracia, não havendo democracia se não se aceitarem e protegerem os direitos
humanos, ou seja, as pessoas são o fundamento e o limite da democracia humana

Será legitimo recorrer à força para impor a democracia? Um Estado que não cumpra
as regras democráticas pode ser forçado por outros estados a cumprir?
A resposta é tendencialmente não, pois a guerra é mais lesiva do que a ausência da
própria democracia.
Porém, a clausula democrática faz parte da UE, em que nenhum Estado pode ser
membro da EU se não adotar um regime democrático, podendo levar uma sanção.

Justiça social
Esta é uma preocupação da doutrina social da Igreja desde o seculo XIX.

Deve a justiça social ir ao ponto de confiscar a riqueza em nome da redistribuição dessa


mesma riqueza? Várias respostas:
- Uma excessiva preocupação com a redistribuição de rendimentos, vai fazer com que
aqueles que mais ganham deixem de ter incentivo para ganharem mais, fazendo com que
ganhem menos, e não haja redistribuição de rendimentos
- Não devem existir preocupações com a redistribuição da riqueza, pois esta depende do
mérito de cada um

- Se não há redistribuição de riqueza vão existir conflitos sociais

Ocorre um debate entre dois autores de ideologias políticas diferentes, acerca da explicação
da justiça social:
John Halls- (democrata) defende o Estado previdência, um “Estado Zorro”, que reparte a
riqueza, os que mais têm possam contribuir para o mínimo de existência para os que menos
têm

Noszich- (republicano) defende um Estado mínimo; o que é relevante é a igualdade de


oportunidades e de garantir que todos tenham as mesmas condições; deve-se valorizar a
iniciativa pessoal

A raiz histórica da justiça social está no princípio da solidariedade, em que todos somos
responsáveis uns pelos outros, não sendo a sociedade somente uma fonte de direitos, mas
também de deveres.

Crise da clausula constitucional de bem-estar


Esta deriva de duas situações:
- excesso de Estado de bem-estar: há um excesso da intervenção do Estado, aumentado a
carga fiscal
- crise financeira: as exigências de um equilíbrio orçamental fazem com que o Estado não
consiga continuar esta intervenção, pois passa dificuldades financeiras

Riscos contemporâneos
Há riscos contra o próprio ser humano, passando por uma liberdade ilimitada.

Há riscos de haver uma democracia sem valores.

Secção II - O Estado de direitos humanos

8- Configuração dogmática da pessoa humana no Direito


Constitucional
Existem 3 perspetivas da pessoa humana:
- individuo
- membro da coletividade
- parte da humanidade

Individuo
Cada um de nós tem uma individualidade biológica própria, somos seres únicos e
irrepetíveis.
Esta realidade é inalienável e inata, não podemos dispor do estatuto de pessoa.

Os nossos direitos servem como fundamento e limite do poder, havendo direitos humanos
universais, pela circunstância de sermos indivíduos, independemente do local (vida,
liberdade, dignidade, reserva da vida privada, propriedade privada, etc.).

Também existem direitos sociais de carater universal, como a saúde, segurança social,
educação, habitação, etc.

Membro da coletividade
Fazemos parte da coletividade.

Se vivêssemos sozinhos não haveria necessidade de existir direito, pois não existiriam
problemas do mesmo. Logo, onde há direito há uma sociedade.

No âmbito da coletividade, a pessoa pode ser vista de duas maneiras:


- Nação
Substrato espiritual e cultural, é, por exemplo, a existência de costumes e tradições
numa comunidade.

Esta é muitas vezes o fundamento da existência do Estado.

É possível a existência de um Estado com várias nações (exemplo: Espanha).

A nação pode ser fonte de direito, pois o espírito desta pode resultar em normas
consuetudinárias. Em Portugal encontramos 3 exemplos:
- existência de feriados religiosos, mesmo sendo um
Estado laico
- o dia de descanso ser ao domingo, tendo uma
conotação religiosa
- dimensão do conceito de direito civil de bons
costumes

Pode a nação criar normas costumeiras contrárias às normas escritas na


Constituição?
Positivistas- não podem, o costume contrário à Constituição é sempre
inconstitucional
Não positivistas- é possível, o costume contrário à Constituição escrita impede a
aplicação da norma

- Povo
Deste surgem 3 conceitos:
Cidadão- tem um vínculo jurídico com o Estado, fazendo parte do povo do mesmo;
aquele que por razões jurídicas, baseadas no local de nascimento ou no sangue, é
nacional de um estado
Estrangeiro- todo o que tem um vínculo jurídico com outro Estado que não o
português
Apátrida- não tem vínculo com nenhum Estado

A cidadania é um direito fundamental, como se encontra na Declaração Universal


dos Direitos do Homem. Não é possível existirem descriminações em função da
cidadania, como já existiram no passado.

A cidadania está ligada à participação política, pois esta está reservada aos cidadãos
de um determinado Estado. Contudo, existem algumas exceções históricas e
linguísticas:
- cidadãos europeus podem participar na nossa vida politica, e nós na deles
- cidadãos de outros países de língua portuguesa (se houver reciprocidade)

Parte da humanidade
Está na base da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que cada um de nós faz
parte da vida humana, não existindo uma separação entre Estados, há fraternidade e
solidariedade entre todos.

A humanidade é um espaço de direitos e deveres que tem diversas manifestações:


- ideia de património da humanidade: coisas cuja titularidade pertence a todos, mas sem
pertencer particularmente a ninguém (ex.: lua, solo marinho)

- humanização dos conflitos armados: tentativa de se regular juridicamente os conflitos

- assistência humanitária: relacionada com situações de catástrofe, requerendo


solidariedade de diversos Estados para assistência humanitária

- ideia de conflito armado humanitário: em situações gravosas de um atentado contra a


dignidade das pessoas é admissível a intervenção armada da comunidade internacional?

- crimes contra a humanidade- existem certas condutas contra a dignidade da pessoa


humana que são podem existir, independentemente do Estado que esteja em questão

9- Do Estado de direitos fundamentais ao Estado de direitos


humanos
O Estado de direitos humanos é integrável do conceito de Estado de direitos fundamentais,
mas pode ser considerado mais extenso, pois centra na pessoa humana a referência dos
seus direitos.

Há uma passagem de um conceito para outro por 3 razões:


- há um enfraquecimento do conceito de direito fundamental, pois foi alargado (abrange
direitos pessoais, coletivos, e até de pessoas não humanas)

- há um certo diluir da fundamentalidade, pois há casos em que há direitos sem haver uma
pessoa individual (ex.: património cultural)
- há uma tentativa de se criarem direitos fundamentais contra a dignidade da pessoa
humana (ex.: direito à pedofilia ou direito à prostituição)

A criação ilimitada de direitos fundamentais cria concorrência e atrito entre direitos já


existentes.

Os direitos humanos envolvem uma dimensão de responsabilidade por 3 razões:


- os direitos humanos envolvem tarefas fundamentais para o Estado (prestação social,
proteção dos direitos, combate à descriminação, etc.)

- não há direitos sem deveres, todos os direitos fundamentais envolvem deveres


fundamentais

- todos os direitos têm custos

10- Princípios estruturantes do Estado de direitos humanos


O Estado de direitos humanos centra-se em 6 características:
- modelo de sociedade política alicerçado no respeito pela dignidade da pessoa humana
O que está dentro da dignidade da pessoa humana:
- cada ser é único e irrepetível, sendo algo que temos por natureza, e não porque o
Estado nos dá
- todos têm igual dignidade
- a dignidade é irrenunciável e inalienável
- a dignidade exige respeito e proteção da vida e da integridade física
- pressupõe um principio geral de liberdade, mas também de condições materiais,
que hajam condições mínimas de vivencia; exige segurança da sociedade, que é um
dos fins do Estado
- limita o poder do Estado, tudo o que podemos fazer o Estado não deve fazer por
nós
- igual participação política (1 homem, 1 voto)

A dignidade tem 3 dimensões:


- dimensão vertical: relação da pessoa com o Estado, criando a este ultimo uma
obrigação de a defender, proteger e garantir a dignidade

- dimensão horizontal: projeção da dignidade da pessoa em relação a outras pessoas,


todos temos o dever de respeitar a dignidade uns dos outros

- dimensão autorreferencial: não podemos alienar a nossa dignidade

- garantia da defesa da cultura da vida


Esta tem 4 ideias:
- inviolabilidade da vida: ninguém pode violar a vida humana de forma arbitrária (ex.:
pena de morte)
- livre desenvolvimento da personalidade: pressupõe a existência de liberdade
- desenvolvimento cientifico e tecnológico: só é licito se for ao serviço do ser
humano e da sua vida
- principio da solidariedade: tem uma tripla dimensão material:
- entre o Estado e a pessoa humana, em
que o primeiro garante uma existência
condigna , mas também incentiva
solidariedade entre membros as
sociedade
- entre particulares (ex.: doação de
sangue)
- entre Estados

- vinculação internacional à tutela dos direitos humanos


Isto significa:
- os direitos fundamentais não são uma questão interna de cada Estado, mas são
universais
- em casos de violação dos direitos fundamentais podem existir tribunais
internacionais

- existência de normas constitucionais com uma eficácia reforçada


Há uma eficácia reforçada de normas constitucionais sobre direitos fundamentais:
- há aplicabilidade direta, não sendo necessário uma lei para fazerem efeito
- vinculação de entidades publicas e privadas
- máxima efetividade dos direitos fundamentais
- a garantia das normas de direitos fundamentais não podem ser objeto de
retrocesso

- existência de um poder politico democrático


Isto significa que há uma democracia ao serviço da pessoa humana, comprometida
com uma ordem de valores

- existência de uma ordem jurídica justa


O direito está ao serviço da justiça.

Levanta a questão do que fazer perante uma lei injusta. A resposta está no direito de
resistência e acesso aos tribunais, que não são obrigados a aplicar uma lei injusta.

11- Os desafios da modernidade ao Estado de direitos humanos


Os principais desafios são:
- risco de novas formas de totalitarismo
- desenvolvimento de uma cultura de morte (aborto, eutanásia)
- divinização do principio maioritário: leva a que a maioria seja um critério de verdade e não
uma decisão
- área cientifico-tecnológica: até onde é ético?
- desafio da sociedade de vigilância total
- preservação da sociedade de informação: ilusão da privacidade, manipulação de
informação
- problema da intolerância: intolerância política, religiosa e social
- ideia da própria democracia: será que hoje a democracia ainda é o governo do povo para o
povo e pelo povo?

Capítulo 2o PODER POLÍTICO

Secção I - Introdução: noções preliminares

12- Conceito e tipologia do poder


O poder é dispor meios para alcançar um fim. Há uma imposição de um comportamento, de
um contro ou fiscalização, ou seja, o poder tem em si 2 vertentes interligadas:
- exercício de autoridade
- a autoridade exige o dever de
obediência, acatamento; não há
poder sem autoridade, nem
autoridade sem obediência

Tipos de poder:
- poder político
- económico
- religioso
- Técnico científico
- Informativo: media e redes sociais têm poder, não são facilmente controláveis
- Interprivados: entre si têm manifestações de autoridade e obediência (ex.: pais e filhos
menores)
- Poder expresso: visível que todos conhecem
- Oculto: sabemos que existe, mas manobra nas sombras, não é
transparente
- Poder de natureza formal: resultam do texto jurídico
- Natureza informal: não resultam do texto jurídico, impõem-se
- Há poderes de natureza fatual (ex.: revolução)

13- Poder político


Características do poder político
O poder político é uma atividade humana, que pertence aos seres humanos.
Tem a ver com as opções fundamentais da coletividade, ou seja, com a definição de
objetivos de vivencia comum, quais as soluções para concretizar esses objetivos e quais os
meios e instrumentos a obter.

O poder político pressupõe a questão e saber quem escolhe os objetivos, as soluções e os


meios. Antes de se saber o conteúdo do objeto, tem de se saber quem é o sujeito que
realiza o poder político.
Problemas colocados ao poder político
Problemas históricos
Limitação do poder politico. A melhor forma de o fazer, é a através da constituição. A
constituição é a limitação por excelência do poder. Quando há protestos, o governante
repensa a sua decisão, porque não teve um impacto positivo no povo. A história demonstra
que a melhor forma de o limitar, é a separação de poderes.

Problemas no que toca à origem do poder político


Qual é o fundamento, a razão de ser do poder político?:
- resposta teológica: tem duas vertentes:
- origem divina do poder, o poder vem de Deus
- o poder tem uma origem diabólica

- conceção democrática: poder vem do povo

- conceção mista: o poder vem de Deus, mas pode ter 2 mediações:


- mediação do Papa
- mediação popular

- conceções sociológicas: poder ligado a instrumentos de carácter social

Fins do poder político


- O poder político existe para a satisfação dos interesses dos titulares do poder, havendo
uma forma corrompida do exercício do poder

- O poder político com o objetivo do bem comum

Conceção personalista: bem comum, dignificação da pessoa humana, viva e concreta

Conceção transpersonalista: conceção abstrata

Limitação do poder
O poder está limitado pelo direito, estando subordinado à lei, mas também limitado pelo
facto.

Legitimação do poder
Este apresenta duas famílias:
- conceções anarquistas: nunca é possível legitimar o poder, o poder político é sempre
ilegítimo, é uma forma de repressão

- legitimação do poder político ligada com a subordinação ao direito, do consenso e respeito


pelos valores nucleares da pessoa humana

Legitimidade do título- modo como se adquiriu (eleições ou golpe de Estado?)


Legitimidade do exercício- modo como se pratica esse poder
Formas clássicas de legitimação do poder (Max Weber):
- poder carismático: alheio ao direito, mas é fundada uma autoridade sagrada,
militar, heroica, exemplar de alguém; alguém que pela sua atuação se afirmou como
líder carismático (D. Afonso Henriques)
- poder tradicional: fundado na tradição, linha hereditária
- poder racional: alicerça-se no direito e é um fenómeno jurídico

Secção II - O Estado como realidade histórico-jurídica

14- Evolução dos modelos de Estado


A evolução histórica dos modelos de Estado é tripartida, com referência ao liberalismo:
- Estado pré-liberal
- Estado liberal
- Estado pós-liberal

Estado pré-liberal
Estado caracterizado pela ampla dimensão territorial, dimensão do poder civil e religioso, e
intervenção do Estado em todos os setores.

Estado grego
Reduzida dimensão territorial (cidades estado-pólis).

Surgem as principais conceções filosóficas a propósito do poder político. Têm aqui a origem
os conceitos de democracia, não obediência à lei injusta, pátria e regras de participação na
democracia.

Estado romano
Reduzida dimensão inicialmente, mas terminou num império.

Surge a distinção entre direito publico e direito privado.

É durante o período do império romano que surge a ordem de valores judaico-cristãos.

Estado medieval/corporativo
Coloca o problema de se existiria Estado. Duas respostas:
- em Portugal havia Estado, a centralidade régia começou muito cedo: o pluralismo do
centro político correspondia a um pluralismo das fontes de direito; organização da
sociedade em corporações, que representavam os interesses das respetivas profissões

- surge o moderno Estado europeu

Jean Bodin- surge o conceito de soberania; dentro do Estado não há poder superior ao do
rei, e fora do Estado não poder superior ao do Estado

2 modelos de Estado:
- Estado barroco/renascentista: intervenção económica do Estado expressa no
mercantilismo, monopólios da coroa; a expansão ultramarina coloca o problema de
saber qual o direito que deve reger estas novas populações, fazendo surgir duas
conceções: defesa de que a regência dos próprios povos, e a defesa de que estes se
devem submeter ao direito do Estado metrópole; renasce o direito romano,
recuperando-se a autoridade do rei dentro das estruturas políticas

- Estado iluminista: centralização do poder no rei; o rei é titular de poder ilimitado,


então é superior a todos os poderes; forte intervenção económica, social e cultural
do Estado

Estado liberal
Este surge como concessão contrária ao Estado iluminista.

Tem 5 inovações:
- separação de poderes, com o propósito de limitar o poder
- supremacia da lei, pois é a expressão da vontade geral, havendo uma supremacia do
parlamento em relação ao rei
- igualdade de todos perante a lei
- importância dos direitos fundamentais
- abstencionismo do Estado

A evolução do Estado liberal manifesta-se em 4 fases:


- predomínio da legitimidade democrática, em que a constituição é feita pelos
revolucionários, sendo imposta ao rei
- restauração da legitimidade monárquica, sendo o rei titular do poder constituinte; a
melhor constituição é feita pelo rei, e não pelo parlamento; surge o conceito de carta
constitucional
- equilíbrio entre as legitimidades, havendo um compromisso entre o rei e o parlamento
- exclusividade da legitimidade democrática, onde o rei desaparece de cena através da
proclamação da república

Estado pós liberal


Este é o Estado social, de bem-estar.

Foi adotado na sequência da 2ª Guerra Mundial.

As suas características eram:


- defendo os direitos fundamentais, a separação de poderes e a democracia
- aprofundamento dos direitos sociais
- intervencionismo do Estado para garantia do bem-estar

15- Fragmentação do Estado


Há uma fragmentação do Estado em 5 principais manifestações:
- internacionalização
Existem certas matérias que eram da esfera do Estado, mas que passaram a estar na
comunidade internacional (definição do território, violação dos direitos
fundamentais).

Quanto menor o domínio reservado aos Estados, maior é a internacionalização,


levando a uma diminuição do poder do Estado.

- globalização
Veio por em causa a omnipotência do Estado, que em certos setores o Estado não é
suficiente, há uma impotência do Estado de regular tudo por si só.

- integração europeia
Esta significa 3 coisas:
- matérias cuja decisão deixou de estar nas mãos do estados-membros e passou a
ser EU
- matérias partilhadas, num fenómeno de coadministração
- a partilha de matérias pode não envolver somente 2, mas todos os membros

- neofeudalização
No plano interno, existe uma pluralidade de entidades públicas com o próprio
espaço de decisão (autarquias, regiões autónomas). Porém, também existem grupos
de interesse (sindicatos, associações de estudantes).

Os partidos políticos têm um interesse de ocupar centros de decisão política, de


forma a utilizá-los em seu favor.

- existência de novos agentes internacionais


Entidades, normalmente privadas, que têm poder decisório que se opõe ao próprio
Estado (organizações não governamentais).

16- Vicissitudes do Estado


O Estado tem três acessões:
- Estado como ator protagonista: dentro da comunidade internacional, como sujeito
soberano do direito internacional publico
- Estado como coletividade: expressão de um povo num determinado território, como
sujeito e titular do poder constituinte
- Estado de pessoa coletiva do direito publico

Formação
Existem 4 processos:
- elevação de uma comunidade não estadual (ex.: descolonização)
- agregação de dois ou mais Estados já existentes
- desmembramento de Estados que antes estavam integrados
- secessão de uma das partes

Extinção
Um Estado pode se extinguir por três vias:
- um Estado passa a ser uma comunidade não estadual, pois integra-se noutro Estado
- desaparecimento de um Estado: tem estatuto de Estado, mas dentro de outro Estado
- integração/incorporação num Estado ou em vários Estados

Transformação
- transforma-se a sua soberania (ex.: Estados-membros da EU)
- perda/aquisição de soberania no plano internacional
- ocupação/desocupação do território de um Estado
- anexação/perda do território

Secção III - A estrutura do Estado

17-Elementos do Estado
Elementos materiais
Povo
Povo- conjunto de cidadão de um Estado

Sabemos quem é cidadão de um Estado, pois cidadão pressupõe um vínculo jurídico entre a
pessoa e o Estado.
Este vínculo pode se basear em dois critérios:
- sangue (ius sanguinis): baseia-se na hereditariedade
- território (ius solis): baseado no território onde nasceu
A cidadania é um direito fundamental, consagrado na Constituição e na Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
Não envolve a necessidade de residir no Estado do qual é cidadão.

Povo- conjunto de cidadãos de um Estado


População- conjunto de residentes num determinado Estado

Povo- tem um vínculo jurídico com determinado Estado


Nação- comunidade cultural, historicamente identificada por crenças e valores comuns
Pátria- relação de afeto, ligação de sentimento a determinado território

Pluricidadania- pode haver alguém que é cidadão de mais do que um Estado

Compete a cada Estado definir quem são os seus nacionais.

A cidadania nem sempre se adquire com o nascimento (cidadania originaria), podendo se


adquirir por vontade, adoção (cidadania não originaria).

A nacionalidade nunca se pode perder por sanção, somente por vontade própria.
Esta perda é irreversível, podendo voltar a adquirir.

Artigo 15º CRP- nº1: não pode existir discriminação entre nacionais, estrangeiros e apátridas
Nº2: exceções destas descriminações
Nº3: exceção à exceção, em que os cidadãos estrangeiros de Estados de
língua portuguesa podem ter alguns direitos, desde que os cidadãos
portugueses também os tenham nesses países, principio da reciprocidade
Nº4: permite a estrangeiros que residem em Portugal, com o princípio de
reciprocidade, de elegerem e serem eleitos em eleições autárquicas
Nº5: permite aos cidadãos de estados-membros residentes em Portugal, com
princípio de reciprocidade, serem eleitos e elegerem deputados para o
Parlamento Europeu

Território
Este é um elemento essencial do Estado, não há Estado sem território.

Território- local do exercício pleno dos poderes do Estado; local de exercício pleno dos
direitos dos seus cidadãos

O território tem três funções:


- fator de identificação da comunidade (é cidadão de um Estado quem nasceu nesse Estado)
- área de objeto do poder do Estado
- limite da autoridade do Estado: só dentro das suas fronteiras é que o Estado tem plenitude
do seu poder
Duas exceções:
- casos de extraterritorialidade: consulados e embaixadas
- fixação das fronteiras do Estado: não pode ser feita de forma unilateral pelo
estado, tem se de envolver o direito internacional
Dimensões do território:
- terrestre
- aérea: uma aeronave estrangeira não pode circular no espaço aéreo de um Estado
sem autorização deste
- marítima: corresponde ao mar territorial; no mar territorial o Estado exerce as
mesmas funções que no território terrestre; zona contínua e zona económica
exclusiva

Aplicação do direito no território do Estado: o Estado tem o papel central de todo o direito
aplicado no seu território. Porém não é só o Estado que produz direito aplicado no seu
território:
- num plano inferior ao Estado, as universidade, autarquias, regiões autónomas
- num plano superior ao Estado, a UE, Nações Unidas

Nem sempre os poderes do Estado sobre o território têm igual intensidade.

Há casos de territórios que são partilhados entre dois Estados (situações de contitularidade).
A história também ilustra que há territórios que são terra de ninguém.

Organização do poder político


5 principais ideias:
- Todo o poder político está intimamente ligado ao Estado, mas este não tem o exclusivo do
poder político.

O poder político do Estado tem como instituição jurídica central a Constituição, que confere
juridicidade ao poder.

Não há Estado sem poder político, mas também não há Estado sem Constituição.

- O Estado e o seu poder estão limitados pelo direito (conceito de Estado de direito).

Estado de direito formal- o Estado está apenas limitado ao direito que o Estado cria;
autolimitação do Estado; autovinculação do Estado
Estado de direito material- o Estado está limitado ao direito que ele cria e ao direito
superior à vontade do Estado (ius cogens); heterovinculação do Estado

- Titularidade do poder: pertence ao povo, segundo o princípio da soberania popular


Exercício do poder: o povo não pode exercer diretamente todo o seu poder, logo conta com
os seus representantes para o exercerem

O poder político integra 2 tipos de poder:


- poder constituinte: poder definir a constituição
- poder constituído: criado e regulado pela constituição

- O poder politico do Estado é um poder politico soberano.

soberania num plano interno- não existe um poder que se imponha


soberania num plano externo- todos os estados são iguais, não havendo uma subordinação
entre estados

Hoje a soberania é internacionalizada, está limitada no plano externo.

- O poder político do Estado, no plano interno, está limitado pela descentralização, ou seja,
a repartição do poder do Estado por outras entidades publicas (ex.: Regiões Autónomas)

Elementos formais
Designação do Estado
O nome do Estado obedece às seguintes ideias:
- o nome do Estado é um elemento de identificação do Estado e da população, dos cidadãos
do Estado
- princípio da não repetibilidade, não há Estados com nomes iguais
- a designação do Estado pode sofrer alterações
- pode fazer menção à natureza do regime ou à sua religião
- pode ter duas designações

Reconhecimento do Estado
Natureza declarativa- durante muitos séculos reconheceu-se a existência do Estado mesmo
que outros Estados não o reconhecessem
Natureza do reconhecimento do Estado- progressivamente, houve uma necessidade do
reconhecimento da comunidade internacional para a existência de um Estado

Símbolos nacionais
Bandeira: há Estados que integram na sua bandeira a bandeira de outros Estados; o Estado
pode mudar de bandeira

Hino: pode ocorrer acusação de plágios

18- Formas de Estado


As formas de Estado têm a ver com a relação que existe entre a comunidade e o poder
político, como é que o Estado dispõe do seu poder quanto ao povo e ao território.

Existem 2 modelos:
- Estado unitário
- Estado composto

Estado unitário
Nesta forma de Estado há um único poder político.

Neste Estado o poder pode ser: centralizado: só existe uma pessoa coletiva, que é o Estado
Descentralizado: o Estado partilha o poder com outros órgãos;
pode ser de doi tipos:
- descentralização administrativa: a função
administrativa é partilhada (ex.: universidades)
- descentralização político-administrativa: não é
apenas a função administrativa, mas também a
politica e a legislativa que o estado confia a
outras entidades (ex.: Regiões Autónomas)

Estado composto
Nesta forma de Estado há vários centros de poder político.

Esta duas configurações:


- União real: é uma fusão entre dois Estados; prossupõe uma forma monárquica de governo;
aproveitam-se de órgãos já existentes em outros Estados
Diferencia-se da união pessoal, pois nesta última não há Estado composto, o mesmo
titular ocupa duas coroas.

- Federação: criação de órgãos novos


Estado federal- tem soberania no plano interno e externo; elabora a constituição da
federação, celebra convenções internacionais, declara guerra e paz, etc.

Estados federados- não têm soberania no plano externo, mas têm no plano interno;
têm o poder de fazer a sua própria constituição, ainda que tenha de respeitar a
constituição do Estado federal
Características de Estados federais:
- cada cidadão está sempre sujeito a duas ordens jurídicas (do Estado federal e do
Estado federado onde reside)
- as constituições dos Estados federados estão subordinas à constituição do Estado
federal, é esta que dita quais as competências da federação; há um principio de
igualdade dos Estados, pois o parlamento americano é composto por duas camaras,
a camara dos representantes (numero de representantes de forma proporcional à
população desse Estado) e a camara do Senado (cada Estado tem dois senadores)
- há uma soberania no plano interno dos estados federados
- predominância federal: dada por 4 argumentos:
- força da constituição federal
- tem a ultima palavra em matéria da
constituição, o que é constitucional e o que não
é
- relações externas (segurança, defesa, moeda,
tudo decisão da federação)
- prevalência do direito federal

A revisão da Constituição federal carece de dois processos:


- passa pelo congresso
- exige ser retificada pelos estados federados: demonstra que os estados federados
são, em parte, donos da constituição federal

Diferença entre Estado federado e Região Autónoma


Um Estado federado tem soberania no plano interno, tem poder constituinte, tem uma
constituição própria.

Uma Região Autónoma não tem soberania no plano interno, nem poder constituinte
próprio, nem uma constituição própria (têm um Estatuto político-administrativo).

As Regiões Autónomas não participam autonomamente na revisão constitucional.

Dois modelos:
- modelo italiano: todo os Estado está dividido em regiões autónomas
- modelo português: só algumas partes são Regiões Autónomas

19- Tipos internacionais de Estados


Estados soberanos
Estados que são sujeitos de direito internacional, têm personalidade jurídica no plano da
comunidade internacional.

Estes têm 5 faculdades:


- direito de legação: direito de receber e enviar representantes diplomáticos
- direito de celebrar tratados e acordos internacionais
- direito de reclamação internacional junto das Nações Unidas
- direito de declarar guerra
- poder constituinte próprio

Estados não soberanos


Estes são os Estados-membros de uma federação, são os Estados federados.

Não têm personalidade jurídica no plano internacional.

Estados semissoberanos
Têm alguma capacidade no plano internacional, mas é limitada, não é plena.

Não têm personalidade jurídica no plano internacional.

Vários tipos:
- estado vassalo: relação quase feudal
- estado protegido: pode esconder situações coloniais
- estado-membro de uma confederação
- estados exíguos: reduzida dimensão territorial (ex.: vaticano)
- estado neutralizado: proibido de participar em qualquer conflito armado

Falso Estado
Existem territórios com a designação de Estado, mas não o são, são verdadeiras colónias.

Secção IV - O exercício do poder do Estado

20- Fins, funções e poderes do Estado


Fins do Estado
Quais as necessidades fundamentais que justificam a existência do Estado?:
- segurança
O estado tem de garantir e defender as pessoas, os bens e valores. Envolve três
noções:
- paz: o Estado pode, se necessário, utilizar a força num plano interno ou externo
para garantir a paz
- estabilidade: exige a não retroatividade da lei lesiva das pessoas ou do seu
património
- confiança: proteção das expectativas e previsibilidade da mudança

- justiça
A justiça é o limite do exercício do poder e o fim do próprio Estado.

A justiça está relacionada com a igualdade no sentido da justiça social. Assim, a lei é
igual para todos, mas distingue o é diferente.

- bem-estar
Os que vivem em sociedade têm de ter o mínimo para a existência.

Funções do Estado
O estado não se circunscreve à prática de atos jurídicos. Assim, pode se distinguir entre
funções jurídicas e funções não jurídicas.

Funções jurídicas
Estas traduzem-se na produção de atos jurídicos, distinguindo-se:
- função constituinte: traduz-se na feitura ou modificação da Constituição

- função constituída: existem ao abrigo de um texto constitucional:


- legislativa: consagra opções políticas
subordinadas à Constituição, e que são
expressão da vontade geral
- administrativa: satisfação das
necessidades coletivas; função residual
tem relação à legislativa e judicial
- judicial: resolução de conflitos, tendo
como fim a paz jurídica

Funções não jurídicas


Não envolvem a produção de atos jurídicos.

Existem dois pontos a referenciar:


- as funções jurídicas não produzem atos jurídicos, mas têm o seu fundamento num ato
jurídico
- fundamento no direito, podendo produzir efeitos de natureza jurídica

Classificação:
- função política: opções fundamentais que se prendem com a Constituição, o
desenvolvimento e sobrevivência da sociedade política
- função de natureza técnica: utilização de meios para a produção de bens ou serviços

Poderes do Estado
O melhor modelo é o da separação ou o da concentração de poderes?
Montesquieu- o melhor sistema é o da divisão e limitação de poderes; divisão com
interdependência

Rosseau- o melhor sistema é o da concentração de poderes

Não há Estado de Direito sem independência do poder judicial.

Os poderes podem estar divididos em função das matérias, mas também do território.

21- Órgãos do Estado


O que é um órgão?
Um órgão é um centro institucionalizado que forma e expressa uma vontade que e atribuída
ao Estado.

No direito existem dois tipos de pessoas:


- pessoas singulares: identifica-se com a pessoa humana; cada um tem personalidade
jurídica desde que nasce até que morre

- pessoas coletivas: conjunto de pessoas, fundação, ou outro conjunto institucional, a que é


atribuída personalidade jurídica, identificando-se na qualidade de pessoa; expressão a sua
vontade através de órgãos

Conceitos
Titularidade- a pessoa física que ocupa o respetivo órgão; o vínculo jurídico que une o titular
ao respetivo órgão é o cargo

Competência- o conjunto de poderes funcionais que o órgão tem para poder intervir e
decidir

Agente- não expressa a vontade jurídica, mas colabora na formação e execução da vontade
(ex.: serviços académicos que executam as decisões do reitor, mas não tomam nenhuma)
Tipos de órgãos
Órgãos singulares- composto por um único titular
Órgãos colegiais- compostos por uma pluralidade de titulares

Como se designam os titulares dos respetivos órgãos?


Existem dois processos:
- ajurídicos
- jurídicos

Ajurídicos
3 processos:
- golpe de Estado: alteração das regras de designação dos titulares à margem do direito,
mas com a particularidade de que a alteração é feita pelos titulares do próprio poder para
se prolongarem neste
- rebelião: alteram as regras de designação dos titulares à margem do direito, com duas
particularidades:
- feitos para substituir o titular do poder
- têm como protagonistas os militares
- revolução: alteração violenta das regras constitucionais

Jurídicos
- Herança: transmissão hereditária do poder à luz das regras da sucessão:
- automatismo (sabe-se quem sucede a
quem antecipadamente)
- continuidade
- independência (não está dependente
de votos, interesses)
- cooptação: titular de um órgão é escolhido por outros titulares do mesmo órgão
- nomeação: designação de um titular de um órgão feita por outro órgão diferente
- inerência: alguém é titular de um órgão por ser titular de outro órgão
- eleição: processo de designação dos governantes através dos votos da maioria de uma
pluralidade de pessoas

Sistemas eleitorais
Sistema eleitoral- conjunto de regras que disciplinam os atos eleitorais, que são uma forma
de expressão da vontade dos eleitores em escolher pessoas, textos, partidos, programas, etc

Maioritário
O candidato ou lista que vence não permite a representação dos vencidos, mas não significa
que apenas tem representação no órgão colegial os vencedores.

Existem dois:
- sufrágio uninominal: por cada circulo só há um nome, um deputado a ser eleito (modelo
britânico ou francês)
- sufrágio plurinominal: em cada circulo eleitoral são eleitos vários deputados (modelo
americano na eleição do colégio eleitoral)

Modalidades:
- a uma volta: tende a esgotar-se na representação de dois partidos (britânico)
- a duas voltas: se na 1ª volta nenhum candidato tiver mais de 50% dos votos, há uma
segunda volta, onde ganha quem tiver mais votos

Proporcional
Existe uma correspondência entre o nº de votos obtidos por cada lista e o nº de deputados
num parlamento.

Este só funciona quando é plurinominal.

Este torna o parlamento mais representativo, mas torna difícil atingir maiorias absolutas,
havendo uma instabilidade.

Misto
Cada pessoa recebe 2 boletins de voto, onde metade dos deputados são escolhidos por
sufrágio plurinominal e a outra por sufrágio uninominal

22- Atividade decisória do Estado


A atividade decisória pode ter um exercício publico, em que são entidades publicas a
exercer a atividade decisória, ou pode existir um exercício privado de funções publicas.

Exercício privado
Este tem dois fundamentos:
- princípio da subsidiariedade
- dureza político-económica: quantos menos intervenção do Estado, menos poder político,
mais sociedade civil

O exercício privado pode ser no âmbito da função administrativa, em que as funções são
acessoriamente confiadas a entidades privadas.

Há um exercício privado da função judicial nos tribunais arbitrais.

Também há um exercício provado da função política, como os partidos políticos, que são
entidades privadas que participam na vida política.

Exercício publico
A regra é que o exercício publico é exercido pelas entidades públicas.

Este é, normalmente, direto, ou seja, feito pelas entidades publicas. Porém, é possível que
estas criem entidades privadas controladas por si para exercerem uma atividade de
natureza publica.

O exercício da atuação publica é feito por duas vias:


- diretamente: pelas regiões autónomas, pelas universidades, etc.
- indiretamente: criação de entidades privadas satélites (ex.: Caixa Geral de Depósitos, em
que o seu capital é controlado pelo Estado)

Qual o direito que regula a atividade decisória do Estado?


O direito internacional e o direito da União Europeia, para além do direito interno (seja
publico ou privado).

Apesar desta ser a regra, existem exceções.

Formas de decisão
Unilaterais: só há uma vontade. Podem ser:
- gerais e abstratas: de natureza normativa; pode ser
feita pelo exercício da função legislativa (criação da lei)
ou pela função administrativa (criação de um
regulamento), ou pelo poder judicial (assento, agora
considerados inconstitucionais)
- individual e concreto: aplicados a destinatários
identificados a situações identificadas, sem abstração
(ex.: sentenças dos tribunais)

Bilaterais: conjugam duas ou mais vontades (ex.: convenções internacionais)

Limites à atividade decisória do Estado


A atividade decisória do Estado obedece a vários limites:
- princípio da juridicidade: o Estado, o poder, está limitado pelo direito
Juridicidade significa que o poder não pode violar a fronteira do direito, e que o
poder só pode agir com fundamento no direito.

Enquanto no direito privado é lícito tudo o que não é proibido, no direito publico só
é lícito o que é permitido, ou seja, só podem agir nos termos definidos pelo direito.

- princípio do respeito pelos interesses e direitos dos cidadãos: quem decide tem de decidir
em prol do bem comum
Os interesses e direitos dos cidadãos funcionam como razão de ser e limite do poder.

Não é possível agir contra os direitos, a menos que seja em casos de extrema
necessidade.

- princípio da igualdade: todos somos iguais perante a lei


Também tem um termo material, em que é injusto tratar os desiguais por iguais.

- princípio da justiça: este tem três corolários (boa-fé; segurança jurídica; confiança legítima)

- princípio da proporcionalidade
Este dá-nos três ideias:
- significa proibição de excesso; a intervenção não pode ir além do que seja
necessário
- princípio da adequação, em que a medida a adotar tem ser a única justificável para
aquele caso
- proporcionalidade em sentido rigoroso, em que há o mínimo de custos para o
máximo de vantagens

- princípio da imparcialidade: distancia entre quem decide e o destinatário


Também tem uma vertente positiva, em que tudo o que é relevante desse ser
chamado ao momento da decisão.

- colaboração dos interessados: quem tem interesse na decisão deve ser chamado a intervir,
deve ser ouvido antes da decisão

- princípio do procedimento adequado: o poder político, para decidir, tem sempre um


caminho fixado pelo direito, chamado procedimento
Não importa somente o conteúdo da decisão final, mas também os passos que
levam a essa decisão.

O direito é violado se esse procedimento não for cumprido.

23- Limites ao poder do Estado


Estes encontram três principais problemas históricos:
- conceito de soberania
Há quem entenda que a soberania não implica limites, não havendo limites ao poder
do Estado.

A partir do momento que a soberania tem limites, ela deixa de ser soberana. Assim,
esta só pode ter limites religiosos ou autolimites (os que o governante cria para si).

- saber se é necessário limitar o poder


Platão- quem exerce o poder é sábio, então este não deve estar limitado; a lei vai
criar um obstáculo desnecessário

Rosseau- a vontade geral é sempre critério da verdade, estando a minoria errada,


logo a vontade geral não deve estar limitada

- identificação entre o direito e o Estado


O direito só existe porque é produto do Estado, e todo o Estado é Estado de direito.
Assim, não se coloca o problema da limitação do poder.

Estado de direito formal- todo o Estado tem direito, e por isso está limitado ao
direito que o Estado cria; todo o direito é uma autolimitação

Formalismo do direito- o conteúdo do direito não importa, mas sim saber se quem o
criou tinha uma norma que o permitia, se o autor da norma tinha uma norma que
lhe conferia essa competência

Como resolver a questão dos limites do poder do Estado?


O Estado não está apenas limitado ao direito que cria, mas também a princípios jurídicos
fundamentais que o transcendem, são limites heterovinculativos.

O Estado, ao abrigo da legitimidade democrática, tem o poder de definir o direito. Este é


sempre um autolimite, o que significa que é irreversível, ou seja, as opiniões da maioria vão
se alterando, é um direito perecível de ser modificado.

Também existem limitações não jurídicas. Existem, fundamentalmente, 4 deste tipo:


- partidos políticos (especialmente os da oposição)
- grupos de interesses (sindicatos)
- opinião publica
- meios de comunicação e redes sociais

Limites jurídicos à atuação do Estado


Há um direito acima do direito escrito, que é indisponível da parte do Estado. Será que este
é o direito natural?

Para o jusnaturalista, ao longo dos tempos, há um direito que resulta das coisas e não da
vontade do Estado. Este pode resultar de uma via racional (Kant) ou via de uma tradição
cristã (Santo Agostinho; São Tomás de Aquino).
Este também pode ser direito internacional (ius cogens), ou seja, um direito que se aos
Estados, independente da sua vontade.
24- Mecanismos de controlo do poder do Estado
Estes podem ter várias configurações.

Mecanismos de controlo dentro dos próprios órgãos- intraorgânicos


Interior do parlamento
- natureza da estrutura do parlamento
Se for um parlamento bicamaral indica que duas camaras têm de se entender, tendo
de haver um controlo dentro do próprio parlamento.

- maiorias qualificadas
Quanto maior for a maioria para aprovar um diploma, maior é a necessidade de
controlo de entendimento.

- organização interna do parlamento


O facto de um partido ou coligação ter maioria absoluta não significa que estes
possam nomear todos os membros da mesa do parlamento, tendo de estar incluídas
pessoas pertencentes à oposição.

Interior do poder executivo


- Natureza dualista
O poder executivo não está apenas nas mãos do governo, o presidente da república
pode ter um papel de intervenção no controlo do próprio executivo

- Podem existir governos de coligação ou governos minoritários que têm acordos de


incidência parlamentar.

- O ministro das finanças tem de aprovar todos os atos do governo que envolvam aumento
de despesas ou diminuição das receitas. Isto dá ao ministro das finanças um direito de veto.

Interior do poder judicial


- Estrutura colegial do tribunal
Um tribunal composto por mais de um juiz controla-se internamente, pois as
decisões são tomadas assentes na maioria

- controlo disciplinar dos juízes


Estes podem ser processados por condutas tomadas ou não tomadas.

- dupla instância
De uma decisão de um tribunal pode-se recorrer a outro.

Um órgão relativamente a outro- interorgânicos


Mecanismos de controlo políticos
- do governo pelo parlamento
Este depende do sistema de governo, podendo haver o impeachment no sistema
presidencial, ou moções de censura no sistema parlamentar.
Necessidade de confirmação de certas nomeações por parte do governo.

Aprovação do orçamento.

- governo a controlar o parlamento


Controla a atuação do parlamento através das maiorias.

Pode pedir que aprovem propostas de lei, pedindo prioridade à sua aprovação.

Caso português- artigo 112 nº2 da CRP, que permite que o governo revogue a
vontade legislativa do parlamento

Mecanismos de controlo jurídicos


São estes:
- fiscalização da constitucionalidade
- fiscalização da legalidade
- responsabilidade civil, financeira, política, disciplinar, criminal

Mecanismo internacionais de controlo jurídico


São estes:
- tribunal internacional de justiça
- tribunal europeu dos direitos do homem
- tribunal penal internacional
- tribunal de justiça da EU

Exteriores aos órgãos- extraorgânicos de controlo


- controlo através do eleitorado: eleições periódicas, referendo
- opinião publica: liberdade de opinião, liberdade de imprensa, existência das redes sociais
- autotutela privada: quando os mecanismos anteriores falham há direito à resistência
(artigo 21º CRP)

Secção V - As instituições e os sistemas políticos do Estado

25- Matrizes da ideologia política do Estado ocidental


Liberalismo
A filosofia de base é: “tudo o que limita a liberdade individual deve ser suprimido, deve
desaparecer”.

A história demonstra que a limitação do poder é a melhor garantia da liberdade (Locke,


Kant).

Este é o modelo do Estado abstencionista, não intervém no plano económico, cultural,


social.
Características:
- individualismo
- Estado mínimo
- crença absoluta no valor do mercado
- direito da propriedade privada como direito natural e sagrado

No seculo XIX tem duas concretizações:


- até à Grande Depressão dos anos 20

- início dos anos 80


Neoliberalismo, que assenta em 3 ideias:
- redução do peso económico do Estado, através de privatizações e redução do
défice publico
- desregulação, em que o Estado deixa de regular setores, esta regulação privatiza-se
- livre comércio internacional

Conservadorismo
Esta matriz é herdeira do modelo pré-liberal, em tem na rua raiz o pensamento
contrarrevolucionário.
Defende uma sociedade de classes, uma hierarquia social, recusa a legitimidade
democrática em preferência à monárquica, tem resistência à inovação.

Dogmas conservadores:
- importância da história e da tradição (peso dos mortos)
- importância da autoridade e do poder, manifestadas na importância que tem Deus, a
pátria e a família
- importância da segurança e ordem publica
- preferência da liberdade sobre a igualdade
- garantia da propriedade privada
- importância da religião e moral judaico-cristã

Tipos de conservadorismo:
- contrarrevolucionário
- restauracionista
- nacionalista
- neoliberal
- protecionista

Socialismo
Começa como um combate ao liberalismo, assente em 4 preferências históricas:
- preferência da igualdade sobre a liberdade (Rosseau)
- preferência da propriedade coletiva sobre a privada (Rosseau e Marx)
- preferência da intervenção do Estado sobre a abstenção do Estado
- preferência de economia de direção central sobre economia de mercado

Há uma centralidade do Estado.


Evolução do socialismo:
- socialismo marxista leninista: o objetivo era o comunismo, adotando no período transitório
a ditadura do proletariado

- socialismo maoísta: concilia o modelo de forte intervenção do Estado com uma economia
aberta, de mercado, virada para o comercio internacional

- socialismo democrático: aceita o capitalismo; aceita o pluralismo; preocupação social

- socialismo populista: contra a liberalização, querendo mais o Estado presente na sociedade


e na economia; tentações totalitárias sobre uma aparente democracia

26- Modelos político-constitucionais do Estado


Modelo pluralista
Reconhecimento e garantia pelo Estado de direitos e liberdades dos cidadãos.

Os principais titulares ativos com poder de decisão política são designados por eleições via
sufrágio universal.

Os partidos são o eixo do funcionamento do Estado. O Estado é um Estado de partidos:


- importância dos partidos na representação política
- importância dos partidos da oposição: apresentam alterativas ao funcionamento vigente
- importância dos partidos na fiscalização política do decisor

Existência de uma hierarquia de normas políticas e respeito pelo princípio da legalidade.

Não há Estado pluralista se não houver um controlo dos tribunais da atuação do poder
político

Há uma democracia representativa, pois não é possível o povo exercer o poder diretamente,
tendo de confiar a alguns o exercício desse poder por via de eleição.
É o modelo pelo qual os governantes exercem o poder em nome do povo.

A soberania do povo não é ilimitada, pois tem de respeitar a Constituição e os princípios


jurídicos fundamentais.

O sufrágio tem de ser periódico e universal.

Baseia-se no princípio maioritário, apesar deste não ser critério de verdade, mas de decisão.

Modelo totalitário
Inverte as características do modelo pluralista.

Há uma desvalorização do individuo; o poder político não é democrático.


27- Sistemas político-governativos do Estado
Sistema parlamentar
Características que têm de existir simultaneamente:
- governo como órgão autónomo do parlamento e do chefe de Estado
- o governo é formado tendo em conta a presente composição política do parlamento, ou
seja, é o resultado de uma maioria parlamentar
- o governo é politicamente responsável perante o parlamento; se o parlamento retira a sua
confiança política ao governo, este cessa as suas funções

Este surge no Reino Unido, onde o gabinete se tornou um órgão autónomo, já que o
primeiro-ministro era a ligação entre o Rei, o gabinete e o parlamento.
Para evitar que o governo fosse criminalmente responsável perante o Parlamento, os
ministros passam a ter de ter a confiança política do Parlamento, apenas sendo
politicamente responsáveis perante este.

Parlamentarismo monista
O governo depende apenas da confiança política do parlamento. Existem vários tipos:
- parlamentarismo de gabinete
Este é o modelo britânico.

O parlamento é composto pela maioria absoluta de um partido. Esta maioria é


favorecida pelo sistema eleitoral (uninominal de 1 volta), mas também pelo
eleitorado britânico se centrar em dois partidos.

O primeiro-ministro é o eixo da vida política, pois é o líder do partido com maioria


absoluta.

Os partidos britânicos são extremamente disciplinados, não sendo comum


deputados mudarem de partido político.

Há uma predominância da camara dos comuns em relação à camara dos lordes.

Não há concentração de poderes no primeiro-ministro por 4 razões:


- cultura democrática britânica, que determina que o líder da oposição tem um
estatuto equiparado ao do primeiro-ministro (conhece os assuntos para o poder
contrariar ou confirmar)
- as realizam-se periodicamente, não estando o primeiro-ministro investido nas suas
funções para sempre
- pode acontecer que o próprio partido retire a confiança no primeiro-ministro
- os mercados financeiros internacionais ponham em causa as medidas financeiras

Há uma supremacia do gabinete sobre a atuação política do parlamento.

- de assembleia
Surgiu em França, ma III república, e é vigente em Holanda.

Prevalência do parlamento em relação ao governo.

Como é um sistema onde há um multipartidarismo desorganizado, é impossível criar


uma estabilidade governativa. Isto faz com que durante uma mesma legislatura
existam diversos governos, todos fracos.

Por vezes, a única solução é dissolver o parlamento, havendo novas eleições,


procurando encontrar um parlamento que sustente o governo.

- racionalizado
Surge para evitar o parlamentarismo de assembleia.

A racionalização está na limitação do parlamento, em nome da estabilidade política.

Vários mecanismos:
- forma mais perfeita é a moção de censura construtiva: quando se quer derrubar
um governo, quem propõe a demissão do governo tem de simultaneamente de
nomear o próximo primeiro-ministro, tendo os partidos de entrar em acordo
- exigir um prazo de tempo entre a apresentação de uma moção de censura e a sua
votação, de forma a que os deputados pensem se vale a pena derrubar o governo
- limitar a iniciativa dos deputados: os deputados que tiveram envolvidos numa
anterior moção de censura, não podem voltar a apresentar tão cedo
- não se exigir que um governo entre em funções, tendo a confiança do parlamento,
desde que não tenha a desconfiança
- exigir-se maioria absoluta dos deputados para ser aprovada uma moção de censura

Parlamentarismo dualista
- sistema orleanista
Vigorou em França entre 1830 e 1848.

O governo é duplamente responsável, em termos políticos, perante o rei e o


parlamento. Daqui resultam 3 consequências:
- se um deles retirar a confiança política o governo é demitido
- há uma dupla legitimidade política, a monárquica (por parte
do rei) e democrática (por parte do parlamento)
- assenta num compromisso que fica a meio caminho entre a
monarquia limitada (o rei tem o seu governo, que só depende
da sua confiança) e a monarquia parlamentar (o governo só
depende da confiança política do parlamento), pois exige
ambas as confianças

- sistema semipresidencial
Vigora em França, desde a constituição de 1958.

O que o caracteriza:
- o governo é duplamente responsável em termos políticos, pelo presidente e pelo
parlamento, bastando que um retire a confiança política para que o governo seja
demitido
- o presidente tem efetivos poderes de intervenção política (pode dissolver o
parlamento, demitir o primeiro-ministro)

Sistema presidencial
O presidente da república é chefe de Estado e chefe do executivo.

O governo não é um órgão autónomo, mas um prolongamento do presidente da república.

Existem secretários de Estado que auxiliam o Presidente da república.

Há uma espécie de casamento sem divorcio entre o presidente e o congresso, pois o


presidente não pode dissolver o congresso, nem o congresso pode votar moções de censura
ao presidente.

Presidencialismo puro
É um sistema de concentração do presidente no eixo da vida política, e feita com base no
modelo de separação de poderes de freios e contrapesos.
Há uma influência do pensamento de Montesquieu, em que cada poder tem duas
faculdades, a de estatuir e de impedir.

O facto de haver duas câmaras impede os abusos dentro do congresso.


A camara baixa está a representar o povo, sendo eleita de forma proporcional à população
desse Estado.
O Senado representa os Estados, elegendo 2 senadores.

Existem eleições intercalares, uma parte dos senadores é renovada. Isto acontece, pois
quando o presidente é eleito é normal que tenha uma maioria nas duas camaras.

Uma vez que os EUA são uma federação, tem de existir duas camaras, ajudando a limitar o
poder do Congresso.

O executivo pode impedir o congresso através de três figuras:


- direito de veto: impede que uma vontade do parlamento se torne lei
- veto de bolso: não veta nem promulga
- com um sistema partidário flexível, pois os partidos não têm grande disciplina, o
presidente pode influenciar a opinião dos congressistas

O congresso pode limitar o presidente:


- competência para aprovar o orçamento, podendo não o fazer
- a nomeação de funcionários pelo presidente está limitada pela intervenção do Senado
- pode desencadear um processo de impeachment

Hiper presidencialismo
No modelo francês da 5ª república, o atual, pode funcionar de duas maneiras distintas:
- O presidente da república é simultaneamente presidente e líder da maioria parlamentar

- o presidente não é o líder da maioria parlamentar, havendo uma coabitação

O sistema francês combina as vantagens do presidente do sistema norte-americano e


vantagens do sistema britânico, pois o presidente é líder da maioria parlamentar, mas
também não há o risco de ser demitido, já que se for demitido como líder da maioria
parlamentar não é demitido como presidente.

Este sistema é considerado hiper presidencial, pois combina as vantagens e poderes


presidenciais dos sistemas políticos, mas sem as desvantagens.

Sistema convencional
Este resultou da Constituição de 1793 (que nunca chegou a vigorar), inspirado no modelo de
Rosseau.

Rejeição da separação de poderes, defendendo uma concentração de poderes numa


assembleia (convenção), que além de criar a lei, executa-a, mas também exerce a função
judicial.

Sistema diretorial
Presente na constituição francesa de 1795 e na Suíça (1785).

Existiam ciclos constitucionais, em que o poder vai oscilando entre uma assembleia forte e
um executivo forte. Se uma assembleia abusa do poder cria-se um governo forte, e vice-
versa.

Há uma separação rígida dos poderes.

É parecido com o sistema presidencial, porém o executivo é um órgão colegial.

Não há responsabilidade política do órgão executivo perante o órgão legislativo, nem o


legislativo pode ser dissolvido pelo executivo.

Sistema de governo de raiz pré-liberal


Tem uma natureza antiparlamentar.

Monarquia limitada
O rei goza de um poder de veto absoluto.

Há uma competência residual a favor do monarca.

O rei está limitado pela constituição.

A última vontade legislativa em é em nome do rei, o executivo é dominado pelo rei e os


tribunais administram a justiça em nome do rei.
Ex.: 1814 em França

Cesarismo
Tem como protagonista do seculo XIX Napoleão Bonaparte em 1801.

Concentração dos poderes numa pessoa, com recurso ao plebiscito para a legitimar.

Governo de Chanceler
Tem a sua origem na Alemanha.

O poder político está concentrado no chefe de Estado, o imperador, mas quem exercia o
poder era alguém da sua confiança política, o chanceler.

O imperador delegava os seus poderes ao chanceler.

O chanceler só é politicamente responsável pelo imperador.

O parlamento não determina a cessação dos governos.

Capítulo 3o CONSTITUIÇÃO

Secção I - A Constituição como ato jurídico

28- Constituição e sistema jurídico

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