Art I Go Joao Batista

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JOAO BATIZA JESUS Mt 3,13-17: A necessidade de cum Vicente Artuso* Introdugio (Os evangelhios de Mt 3,13-17 € Me 1,9-11 narram o batismo de Jesus por Jodo Batista, Le 3,21-22 evita dizer que Jesus foi batizado por Joao Batista ¢ refere 0 acon- tecimento, quando Joao jé esta preso. O quarto evangelho relata que Joao batizava 0 povo (Jo 3,23), ¢ também evita dizer que Jodo batizou Jesus. Na relagao entre Joao ¢ Jesus, acentua o testemunho de Joao, que viu o Espirito descer sobre Jesus no momen- to do batismo (cf. Jo 1,31-34). Jesus ndo é disefpulo de Joao, embora tenha aderido a0 seu movimento!, mas € o cordeiro de Deus que tira pecado do mundo (Jo 1,29), que oferece a Salvagao a quem se dispde a aceité-la, Um estudo comparativo permite per- cceber particularidades em cada evangelho, no estilo, linguagem, e até certo ponto na teologia. O presente artigo se limita & narrativa de Mateus, naquilo que lhe ¢ proprio: 0 didlogo de Jesus com Joao Batista 0 Batismo de Jodo € diferenciado do Batismo de Jesus. Fnquanto o primeiro é um batismo de peniténcia para a conversdo, o outro seré o batismo “no Espirito Santo e com fogo”. Segundo o relato de Mateus, Jodo na recusa de batizar Jesus entende que cele € quem necesita do verdadeiro batismo, amunciado por Jesus. Na perspectiva de Mateus, qual seria o sentido do didlogo entre os dois? Havers alguma oposigao entre 0 batismo de Jesus ¢ 0 de Joo? Qual o alcance teolégico do cumprimento da justiga em Mateus? A misstio de Joao que prepara a vinda do reino é seguida pela missdo de Jesus que também anunciaré a conversdo porque o reino dos céus esté proximo, Nessa perspecti- vva da realizagao do reino e sua justica entende-se 0 didlogo de Jesus com Joao e sua Aisposigio de ser batizado pelo precursor. O rito do batismo seré uma parte da missio de Jodo Batista a ser concluida, ¢ ao mesmo tempo ¢ a marca do inicio da missio de Je- sus. Fle, ungido pelo Espirito, éapresentado como filho amado (Mt3,17) eno seu mi- nistério ird assumir a condigdo de servo (Mt 12,15-21) * Vicente Aruso €Doutorem TeologiaBibicn profesor adjunto do Mestado cm Teologia da PUCPR em Curitiba 1. Em favor da tse de Jesus como dssipul & nvocada fala cde Jodo asst: “Depo de mim vem um mais forte do que eu." (Me 17). I ards de alguien é uma expresso parse diseipulo. Alguts autre (1. Becker, P Hoftzann) irnam que, por algum tempo, Jesus perience ao grupo dos dsciplos do Batista. J. Gilka discord: “Jesus ace tou o movimento do Bais, aders ele ao deiease butizar por Joo, mas ndo se tomou Seu discipulo™ (e GGNILKA, Joachim. Jesus de Nazaré. Mensagem ehistria. Petropolis: Vores, 2000, . #0). 29 1. Contexto e delimitagio de Mt 3,13-17 Orelato do batismo situa-se na segdo narrativa de Mt 3,1-4,25° que inicia com a pregagiio de Jodo Batista, seguida do préprio batismo de Jesus, sua tentagao, € 0 inicio do seu ministério, Pode-se perceber sua unidade tematica na comparacao do seu inicio escu fim. 0 inicio com o ministério de Joao Batista (Mt3,1-12) de forma clara anuncia a vinda de Jesus (Mt 3,11-12) e prefigura o ministério dele na Galileia (Mt 4,12-25). Mateus toma isso explicito ao apresentar Jesus que retoma a mesma proclamagio de Jodo Batista: “Convertei-vos, de fato 0 reino dos eéus esté proximo” (Mt 3,2; 4,17). ‘Além do mais Jodo e Jesus cumprem o que foi dito pelo profeta Isaias (Mt 3,3; 4,14-16) e ambos estdo associados com a multidio de Jerusalém e da Judeia. Assim a temética principal dessa unidade poderia ser intitulada: “do ministério de Joao ao mi- nistétio de Jesus”. Nesse contexto, o relato do batismo de Jesus (Mt 3,13-17), tem a fungao de preparar o inicio da vida piiblica de Jesus. Nao ha davida que Jodo identifi- cou Jesus como o mais forte que ele (Mt 3,11) para expressar seu reconhecimento da autoridade de Jesus, que “batizaré com o Espirito Santo ¢ com o fogo””. E Jesus, por sua vez, no momento em que exigit o batismo de Jodo, homologou ¢ até plenificou a isso do precursor’ Com um olhar mais préximo no relato do batismo de Jesus, observa-se também ‘que a formula fore (entio) que liga Mt 3,13-17 com o que precede (3,12) e com o que segue (4,1) éténue, e despojada de uma intengdo cronoldgica precisa. Esses dados po- «dem indicar que os relatos da pregagao de Joao Batista, batismo e das tentagdes de Je- sus, eram unidades independentes na catequese primitiva e que foram utilizadas pelo ‘evangelista na fase final da redagao’. Além do mais ha uma auséncia de coeréncia en- tre 0 Messias juiz terrivel anunciado por Joao (Mt 3,1-12) ¢ aquele que se apresenta para o Batismo (Mt 3,14) e que na sua pritica sera manso ¢ humilde de coragéo (Mt 11,29). No entanto, tendo em vista o contetido e unidade do Evangelho, onde temiti- ca do juizo escatologico aparece nas palavras de Jesus, a pregago do juizo por Joao Batista serve como pré-aniincio da pregacdo de Jesus sobre o juizo final. Tanto em Joo como na pregagio de Jesus a pratica das obras sera sinal de conversio e critério para escapar do castigo derradeiro e entrar no reino (cf. Mt3,8+10; 25,34-46). O reino &apratica da justiga bascada na misericérdia eno amor, critério decisivo no juizo final (Mt 25,45). Portanto a exortagdo de Jodo Batista de produzir frutos de converso (Mt 3,8) tem relagdo direta coma insisténcia de Jesus de “ouvir e fazer”(MU7,24-27), “en- sinar e fazer”, a fim de “ser grande no Reino dos Céus” (Mt 5,19) 2, Segundo Renzo afunte(11Battsimo di Gesi: ML3,13-17 par I LACONT, Mauro ellboratori. Vangel ino ie degl Apostol. Torino: Elle, 199, p. 201), oelato de Mateus st iserdo na sey inaugural do evan {get (M31, 17), Esta sepdo¢delimitada por uma issusio do inicio de ministro do BatistaemM3,1-3inicio ‘do miniteio dé Jesus em Mi 12-17. 0 elemento chave & a roslaacto da conversto que aparece em ME3,2 © {417-A delimtagio de toda unidad em Mt, nel oda sya nati inal, ue present em forma de i ‘ese todo o minatra de en. A tego seguinte em Mt $1 edscusiva com o diseusa ds bem-aventirang3s 3. PATTE, Daniel The Gospel according 1 Matthew. Philadelphia: Foess Pres, 1987, . 43, 4 CE MAZZAROLO, Isidor. Evangetho de Sio Mateus, Porto Alegre, 2005p. $7, nota $7 5. CL SABOURIN, Leopold, Hvangela di Mate: Teologiae Eseges, Edicion Palin, 1976, p28? (6. CNB, Ele est na melo de ni 0 semeador do reno. Sto Paulo: Pauls, 1998, . 30 30 Quanto & delimitagdo da pericope, inicia com a presenga de uma formula de tran- sigdo fore (entdo) no inicio (Mt 3,13). Amesma forma recorre em Mt4,1 que sinaliza 0 inicio do relato das tentagdes (a forma tote 93 vezes em Mt). Em Mc e Lea forma de transigdo & egeneto (aconteceu), que também é uma forma vaga de transicao de cena, Mas a pericope do batismo em Mateus pode ser delimitada entre a pregagao de Jo30 Batista eo relato da tentagdo, com dados mais concretos. O autor passa do discurso de Jodo Batista no texto antecedente (Mt 3,12) para a narrago do fato do batismo (Mt 3,13) cujo género literdrio é narrativo (3,13-15) e apocaliptico (3,16+17). Huma mu- danga de lugar: Jesus vem da Galileia até 0 Jordao para fazer-se batizar (3,13). O final écaracterizado, com o deslocamento de Jesus do Jordio para o deserto onde serd ten- tado (Mt 4,1), 2. Particularidades literiirias de Mateus Orelato do batismo de Me 1,9-1] ¢ Le 3,21-22 sofireu nova elaboracao por Mateus. Lucas recorda o batismo de forma indireta como premissa da efusto do Espirito sobre Jesus, depois de ser batizado e enquanto orava (L¢ 3,21). Marcos é também bastante sobrio na narrativa, Jesus veio ao Jordiio vindo da Galileiae foi batizado (Mc 1,9). Ma- teus é quem dé maior importéncia ao fato, Ele lembra que Jesus foi até Joao para fa- zer-se batizar por ele (Mt 3,13). Sua contribuigdo propria é o didlogo entre Je: precursor antes do rito batismal (Mt 3,14-15). Marcos ¢ Luc: centre Jesus ¢ Jodo’. Rinaldo Fabris' destaca que desde o inicio é mencionada a intengao de Jesus, pontuatizada no didlogo central, onde aparece o dito “convém a nés cumprir toda a justiga” com um valor programatico. O batismo de Jesus nao sera uma purificagio, ‘mas um ato de Justiga (Mt 3,15). O termo dikaiousine (justiga) e seu cumprimento & proprio de Mateus (Mt 3,15; 5,6.20; 6,1.33; 21,32; 23,33): “buscar o reino de Deus ¢ sua justiga” (Mt 6,33) & o essencial para todos os seguidores e seguidoras de Jesus, ‘Apis a resposta de Jesus a Jodo: “deixa estar, pois assim nos convém cumprir toda a justiga” (Mt 3,15), a atengdo do leitor se cone de revelagdo apés 0 batis- ‘mo. O movimento de sair “subiu” (anebe) da Sgua corresponde ao movimento do Es- pirito de Deus “descendo” (katabainon) sobre Jesus. O comentario que interpreta a cena & como uma voz que ressoa dos céus e proclama a identidade de Jesus, o “Filho amado no qual Deus encontra toda sua afeicao”. 3. Traduglo de Mt 3,13-17 3,13: Ent le. veio Jesus da Galileia ao Jordao até Jodo para fazer-se batizar por 3,14: Jodo, porém, queria impedi-lo, dizendo: “Eu tenho necessidade de ser bati- zado por ti, e tu vens a mim?” 1. SPINETOLI, Onensio da, Maio, Assit: Citadel edivie, 1978, 9, 7677 4. FABRIS, Rinaldo, Matteo: Traduzione e commento, Roma: Firion Borla, 1982, p. 82 31 3,15: Respondendo, porém, Jesus disse a ele: “Deixa agora, assim de fato é apro- priado a nés cumprir toda justiga”, Entdio deixou-o. 3,16: Porém Jesus que se abriram a ele os sobre ele, tendo-se feito batizar, imediatamente subiu da dgua. E eis us, ¢ viu o Espirito de Deus descendo como pomba e vindo 3,17: Beis que se ouviu uma voz dos céus dizendo: “Este ¢ 0 meu Filho amado, no qual eu me comprazo”. 4. Organizagio do texto Feitas algumas observagdes sobre o estilo de Mateus, propomos uma estrutura em trés partes’: I. Introdugdo: Protagonistas do fato e lugar do batismo: Mt 3,13 Jesus vindo da Galileia se apresenta a Jodo para fazer-se batizar. II, Didilogo entre Joao e Jesus: Mt 3,14-15 Significado e objetivo do batismo de Jesus: cumprir toda a justiga IIL. Cena de revelagao no batismo de Jesus: Mt 3,16-17 a) Visio de Jesus: c&u aberto e descida do Espirito de Deus; b) Voz de revelagdo-apresentagdo vinda do céu: “Este & 0 meu Filho amado” 5. Interpretagio 5.1. Jesus vem para o batismo (Mt 3,13) Segundo Mt 3,1, Jodo Batista veio anunciando no deserto da Judeia, em Mt3,13 ele se encontra nas margens do Jordio. Marcos ¢ Mateus relatam que Jesus vinha de Nazaré da Galileia (Marcos). Em Mateus, “Jesus vem da Galileia porque a fama de Jodo tinha atingido todos os limites do territorio, ultrapassando as informagdes de Mt 3,6, de que o povo vinha de Jerusalém, Judeia e das regiées do Jordio’ Lucas faz de Jesus um dos numerosos candidatos ao batismo entre todo 0 povo (3.21). Esse movimento (paraginetat) de Jesus, vir até Jodo mostra também a necessi- dade do batismo ea solidariedade de Jesus com os pecadores que vinham até o Jordi, ‘onde Jodo pregava e batizava (Mt 3,5-6). Mateus insiste na intengao da vinda de Jesus Rinaldo, Mateo, p82; INFANTE, Renzo. I Batesimo di Geni(ME3,1%17), In LACON}, Mauro e Collaborator Vangel Snot At deg Apoutls, .200, 10. MAZZAROLO, Isidoro. Fangelho de Sdo Mateus, . 38. 32 “para fazer-se batizar”. O autor nada diz quanto ao sentido que Jesus queria dar ao ba- tismo, Este sentido s6 serd revelado em Mt 3,17 apés o diélogo com o Batista’ 5.2, Diélogo entre Joiio e Jesus (Mt 4,14) No contexto da atuagiio de Joao Batista, Jesus néo estava sozinho para o Batis- ‘mo. De varios lugares 0 povo chegava e entdo “eram batizados por ele, confessando seus pecados” (Mt3,6). E Jesus veio também para esse batismo. Lucas relata que Jesus era batizado em meio a todo povo que recebeu o batismo (Lc 3,21). Portanto era uma participagao em um batismo coletivo, como alguém que ndo se distingue dos outros ‘que cram batizados com Ele (Jo 126.31)". A tematica da pregagao de Jesus apds 0 ba- tismo, em relagio & exigéncia da conversio ndo se distancia da pregagio de Joao, Em Marcos e Lucas o rito do batismo de Jodo era “um batismo de arrependimento para a remissio dos pecados” (Me 1,4; Le 3,3). Em Mateus Jodo batiza com agua para a con- versio (Mt3,11). Portanto, na temitica da conversdo hé continuidade na pregagdo de Jodo ¢ Jesus. Jesus também ird pregar 0 arrependimento (Me 1,15; Mt 3,2). No mo- ‘mento do batismo de Jesus, a novidade de Mateus ¢ a insergao do didlogo de Jodo com Jesus. Jodo fazia oposi¢ao (Mt3, 14a). O verbo diekoluen, no imperfeito revela a insis- téncia da oposigdo de Jodo. A segunda parte do versiculo & interrogativa, porém tem valor de uma oragdo exclamativa, Joao diz: “Eu tenho necessidade de ser batizado por ti,etuvensamim?” (Mt3, 4b), Foram dadas diferentes interpretagdes a esta desculpa do Precursor: 1) Deacordo com o texto, Joao queria expressar que, como pecador igual aos ou- tros, & ele que deve ser batizado com batismo de peniténcia". O didlogo também mos- tra que o batismo de Joao ¢ inferior e tem um carter preparatério em vista da remissdo dos pecados, para depois receber em plenitude os dons do Espirito! através do batis- ‘mo no Espirito e com fogo. 2) Mateus teria uma preocupagio apologética, de defesa da superioridade e mes sianidade de Jesus. 0 objetivo do autor se propde a eliminar apreensdes ou mal-estar da comunidade primitiva diante da sujeigo do Messias ao Batista. O rito do batismo levava a supor uma subordinagao de Jesus a Jodo Batista. [sso constituia certo escan- dalo ¢ obstéculo a fé. Para acabar com as dividas e incertezas o autor do Evangelho atribui a Jesus a iniciativa do batismo ¢ insere o didlogo entre Messias ¢ o precursor. esse didlogo Jodo Batista acaba concordando com Jesus da necessidade de também Ele ser batizado como todos os outros” 3) Arecusa de Jodo Batista serve para sublinhar a oposigdo entre o batismo mé sinico ou cristéo ¢ 0 batismo judaico, O protesto em Mt 3,14 é bem mais que um res- 11, BONNARD, Pierre, Bvangeli segun San Mate, Madi Cristsndu 1983, . 63, 12. JEREMIAS, loach, Teologia do Novo Testament, So Palo: Paulin, 1984, p. 8S. 13, BONNARD, Pier. Evangelio seu San Mateo p. 64 4. LEGASSE, Simon. Naicsanee du Bape. Paris: E8, Cex, 1995 (Leeto Bivins, 153). 68 15. SPINETOLL, Ortensio. Mateo, 9.77 33 peitoso reconhecimento da superioridade do Messias. £ a contraposigao da antiga ali- nga com a vida no Espirito, Para a comunidade de Mateus, a recusa de Joao Batista é uum convite ao novo rito batismal: 0 batismo prometido por Jesus no Espirito Santo e no fogo (Mt 3,11). Com efeito, & Jesus enquanto Messias que tem o poder de batizar com o batismo no Espirito Santo, 5.3. Objetivo do batismo: cumprir toda a justiga Diante do questionamento e recusa de Joo Batista em batizar Jesus (Mt3,14b), Jesus responde: “Deixa, justamente agora, de fato, & assim apropriado a nés cumprir toda a justiga” (Mt3,15). Chama a atengao o advérbio arti (agora), que indica um tem- po imediato, no presente. Portanto “é apropriado (éstin prepon) a nés cumprir toda a justiga”, A realizacdo do batismo é conveniente, porque é o melhor no momento em sta do cumprimento da justiga, pois o tempo se completou, o reino esta proximo (Me 1,14-15; Mt4,17). Segundo Giinther Bornkamm, “Jesus jamais é opositor de Joao, a0 contrario pronuncia-se favordvel a Jodo (Me 11,27-33) ¢ une a propria missdo com a do Batista" Jesus ¢ Jodo esto juntos no programa da realizagao da justiga do reino. A justiga se expressa em atos humanos de Jesus, como foi sua solidariedade com ‘os pecadores, pelo fato de submeter-se ao batismo de Joao para a conversao. Jodo Ba- tista pregava a necessidade de produzir “frutos dignos de conversio” (Mt 3,8). Certa- ‘mente sera a pratica das obras de Justiga, que faré do povo filhos de Abrado (cf. Mt 3,9). Conforme a maior parte de intérpretes, a intengao do termo dikaiousine em Mt 3,15, assim como em Mt 5,10.20; 6,1, ¢ expressar a ago humana. Conforme Ulrich Lu, este sentido de justiga corresponde aos escritos de Qumran e a literatura Tanafti- ca, onde, diferente de sedeg (justiga) no Antigo Testamento, o termo se torna uma nor- ‘ma ética e religiosa com referencia & conduta humana”. Portanto, a resposta de Jesus as objegdes de Jodo contém a preocupagao teoldgica do Evangelho de Mateus, pois siio as primeiras palavras colocadas na boca de Jesus. A frase indica que os leitores ou ‘ouvintes conheciama histéria do batismo de Jesus, sem a sentenga programética sobre anecessidade de cumprir toda a justiga. A reelaboragao teolégica de Mateus introduz os leitores na dindmica do reino, que é a pratica da justiga. Em ultima instancia para Mateus, Jesus, que aceita 0 batismo de quem & menor, sera revelado como Fitho de Deus, €0 verdadeiro justo que pratica a vontade de Deus". A resposta de Jesus nesse caso & também um apelo para o cumprimento da lei, nao estritamente do Antigo Testa- ‘mento, que obviamente nao ordena o batismo de Joao, mas no sentido da inteireza da vontade de Deus como ¢ interpretada no Evangelho de Mateus. O termo pasa dikaiou- sine (toda justiga) ndo indica a especial justiga a ser cumprida apenas por Jesus”, mas “tudo 0 que é justo”. “Toda justiga” nao isola Jesus dos cristdos, para os quais & det 16, BORNKAMM, Ginther. eure Nazaré gio revista ataliada, So Palo Editors Teoligies, 205,93, 17-LUZ, Ulich. Marie 17. commentary. Esinbuygh:T & TClark, 1989, p.177 Hé quem interpret otermo"Jus Tiga” em Mates como “aagio de Deus com seu pov elec, euja media Jess levouapleno cumpriments” jung mn). 18.CF.LUZ, Ulrich, Mathew 7,9. 174 34 ‘minada uma justiga mais alta (Mt 5,20) que supere a pritica dos escribas e fariseus. Os cristios no Evangelho tém sede e fome de Justiga (Mt 5,6) e devem procurar antes de tudo o Reino de Deus sua justiga (Mt 6,33). Com efeito foi ordenado observar tudo o {que Jesus ensinow (Mt 28,20). Essa observancia plena liga Jesus aos cristios, assim ‘como Jesus esta ligado a Jodo Batista na pratica da justiga (ef. Mt3,15:‘‘convém...a nés...cumprir toda a justiga”) “Toda justiga” nao consiste na realizagdo do batismo de Jodo enquanto rito. O batismo foi associado a teologia de Mateus como ocasiao para revelar Jesus e seu com- promisso, e como lugar em que ele inaugurao seu ministério, Quando Jesus se subme- te ao atismo, ele se insere como membro do novo povo de Deus e ali tema vivéncia de sua vocagdo", Portanto 0 batismo € 0 momento mais adequado em que a frase: “con- ‘vém anos cumprir toda justiga’” (Mt3,15) recebe um carater programatico: Jesus obe- diente a vontade de Deus se toma protstipo e exemplo para os cristios a partir do batis- mo”, Nesse sentido “toda justiga”, segundo Leopold Sabourin, “tem o significado da ‘execugdio plena da vontade de Deus, uma contribuigo com todasas forgas, uma dispo- io plena salvagao de Deus, projetada por Jesus, segundo a “sua justiga”™ do A. Descamps explica “a justiga” nesse texto como sindnimo de “Lei e Profetas” ‘Trata-se da justiga que deve ser praticada, isto é, da justiga da Lei”, na sua inteireza, ¢ ‘que supera a letra, No fato de Jesus cumprir a lei € ndo apenas 0 rito, poe fim a essa ‘mesma lei ea substitui pela justiga que ndo vem da lei, masa que vem do Espirito”. Por isso no texto & especificado que se trata de “toda justica”. A preocupagio de dar cumprimento de toda justiga esté presente com o verbo leroun (cumprie plenamente) que aparece onze veves em Mateus para indicar a plena realizagdo das exigéncias da lei em Jesus. Ele nfo veio para abolir a lei, veio dar-Ihe 0 pleno cumprimento (Mt 5,17; 3,15). Portanto, com esse verbo Mateus nao exprime so- mente a execugdo ou atuacdo de uma norma, mas sublinha a ideia de pleno cumpri- ‘mento. Assim, segundo Rinaldo Fabris, na base do vocdbulo “justica” confluem duas ‘conotagdes na tradigao biblico-judaica: a) a vontade de Deus que revela eatua seu pro- jJeto conforme suas promessas ¢ com as exigéncias correspondentes; b)a plena e ativa ‘conformidade do ser humano a esta vontade divina”, expressana Lei e nos profetas, 5.4. A revelagio do justo Filho de Deus (Mt 3,17) Mt3,16-17 relata a cena teofiinica no batismo de Jesus. “Jesus, tendo-se feito ba- tizar, imediatamente subiu da 4gua” (Mt 3,16a). Jesus, de fato, fez-se batizar, isto é, 19. JEREMIAS, Joachim, Teologia do Novo Testament. 82 Para aut, batsmo no &somente inaugurago da stivdade piblica, mas o momento da vocapio de Jesus tendo recehidoo Espira (cp. 86-7). 20.CF,LUZ, Ulich, Mathew 1-7, 178 21, SABOURIN, Leopold, Vangeo di Matteo, p, 290-291 22, DESCAMPS, A. Les justs et a justice dans les évangils ete christianisme primi ‘et painienne Apid DUQUOC, Cars, Crisolegia: O Homem Jesus, 4, 28.€F, DUQUOC, Civstisn, Cristologia: O homem Seva, 24.Cf. FABRIS, Rinaldo, Matteo, 9. 83 ormis la doctrine popes 35 submergiu (Me 1,9; Le 3,21) desceu nas aguas ¢ depois subiu. Trata-se do banho da imersdo, Esta ideia est presente também em Le 3,7, onde se diz. que os batizandos submergiam-se na presenga do Batista, Como no caso do batismo dos prosélitos, 0 ba- tizador exercia a fungao de testemunha”, Jesus submergiu-se eno momento que subit dda gua “os céus se abriram e viu o Espirito de Deus descendo como pombae vindo so- bre Ele”. A abertura dos céus em Ey 1,1 ¢ Ap 4,1 no género apocaliptico mostra que 0 vvidente tem acesso aos segredos dos mistérios divinos. No batismo a abertura dos céus (Mt3,16) ou o rasgar-se os céus (Me 1,10) significa que a comunicagao entre océuea terra é restaurada e que o Espirito de Deus pode descer sobre a terra ¢ estabelecer-se em primeiro lugar sobre Jesus (Jo 1,33)". Essa comunicago do Espirito ¢ descida so- bre Jesus faz dele mensageiro de Deus. Mas a vocagdo de Jesus se distingue das voca- ‘sGes dos profetas do Antigo Testamento pelo retorno do Espirito que se apagara, retor- no que dé ao evento cardter escatoligico. O derramamento e repouso do Espirito que desce, do espirito do entendimento e da santificagao, e da dignidade da filiagao divina, tudo isto é uma forma de descrever a plenitude dos dons ¢ o comego dos tempos da sal- vagao™. Jesus, recebendo o Espirito, inaugura sua missio profética. Deus ungiu Jesus de Nazaré em Espirito e poder, de modo que Ele passou fazendo o bem e curando todos aqueles que estavam sob o poder do diabo (At 10,38). A imagem da pomba é enigmati- cae no contexto do Batismo exprime a permanéncia do Espirito de Deus sobre Cristo, reconhecido pela proclamagao divina como “filho iinico”. “Assim como o Espirito de Deus adejava sobre a superficie da Agua (Gn 1,2) semelhante a uma pomba que cuida dos filhotes sem os tocar, ¢ ndo os abandona’*, também o Espirito de Deus des bre Jesus ¢ manteve-se sobre cle”. 0 elemento importante e essencial da cena do Batismo é a voz que ve do céu e ‘manifesta a proclamagao divina: “Este é meu filho amado, no qual eu me comprazo” (Mt 3,17; Me 1,11; Le 3,22). Autores viram nessa frase uma citagdo mista do SI 2,7 (Tués meu fitho, eu hoje te gerei”)e Is 42,1 ("Bis meu servo que eu sustento, meu es- cothido no qual tenho complacéncia”) ou também Ts 53,12 onde o servidor & contado entre os pecadores, como Jesus também iria se associar aos pecadores que vinham a0 bbatismo de Joao em vista do perdio dos pecados. Com base nessas passagens varios autores, sob a influéneia de Oscar Cullmann c Joaquim Jeremias, opinam que em lugar de uids (filho) a verso primitiva do Evangelho tinha pais (servo). Quanto 20 uso do S| 2,7, érazodvel pensar, sugere Pierre Bonnard, que tenha existido um uso pré-candnico ‘em favor da messianidade de Jesus, ¢ sua entronizagdo como rei escatolégico™. Quan- to a0 possivel uso do termo “servo” com base em Is 42,1, sugere Schweizer que Mateus 25,JEREMIAS, Joachim, Teologia do Novo Testament, p84, 26.Cf, SABOURIN, Leopoi. 1! vangeto di Matteo, p 298 27, JEREMIAS, Joachim. Teolagia do Novo Testameno, p. 87 28. Comenirio Judsico de Gness atribudos Rabi Ben Zoma do ke depois de Cristo, no Talmud Babilonense, Ha tiga IS" Apuc: FABRIS, Rinaldo 9. 8S. 29. Em comensrios de textos bblicos da tadigojudeu-rist antiga, apresengae apo do Espito&comparada a0 ‘oo ds pombas. Porém os textoshiblicos sobre as poms jamats fam mengao do Fspleito (Gt 8,812, C2, 14 30, BONNARD, Pere. Fvungeliosegua San Mateo, p. 6S; DODD, CH. Conforme as Bsrituas,p. 38.38 36

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