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+ possibilitar que 0 aluno, ao se envolver nos processos de construir significados nessa lingua, se constitua em um ser discursivo no uso de uma lingua estrangeira. Para que o processo de construgao de significados de natureza sociointeracional seja possivel, as pessoas utilizam trés tipos de conhecimento: conhecimento sistémico, conhecimento de mundo e conhecimento da organizagao dos textos. Esses conhecimentos compéem a competéncia comunicativa do aluno e o preparam para 0 engajamento discursivo. © CONHECIMENTO SISTEMICO O conhecimento sistémico envolve os varios niveis da organizagao linglistica que as pessoas tém: os conhecimentos léxico-semanticos®, morfolégicos, sintaticos e fonético- fonolégicos. Ele possibilita que as pessoas, ao produzirem enunciados, fagam escolhas gramaticalmente adequadas ou que compreendam enunciados apoiando-se no nivel sistémico da lingua, Como exemplo, considerem-se as seguintes escolhas oferecidas pela lingua Portuguesa: a escolha dos morfemas “0” e*s’, que indicam o género masculino e plural, respectivamente, para se referir a Pedro e Paulo como meninos em oposigao a Sénia e Beatriz como meninas; a escolha do item lexical “mulher” para se referir a um ser do género feminino; a escolha de uma organizacdo sintatica na voz ativa para indicar quem praticou uma ago; a escolha de uma representagao fonolégica de um morfema, por exemplo Jal, paraindicar um morfema de género feminino, Outras linguas oferecem outras escolhas decorrentes de seus sistemas linglisticos. © CONHECIMENTO DE MUNDO Oconhecimento de mundo se refere ao conhecimento convencional que as pessoas ‘tém sobre as coisas do mundo, isto é, seu pré-conhecimento do mundo. Ficam armazenados * Oniveléxico-semantico se refere& orgarizacSo Iinglistica em relago 8s palavras de que uma lingua spe como também em relagao as redes de significado das quais essas palavras paricipam. na meméria das pessoas conhecimentos sobre varias coisas e agdes, por exemplo, festas de aniversario, casamentos, oficinas de conserto de carros, postos de gasolina, concertos musicais etc., conhecimentos construidos ao longo de suas experiéncias de vida. Esses conhecimentos, organizados na meméria em blocos de informagao, variam de pessoa para pessoa, pois refletem as experiéncias que tiveram, 0s livros que leram, os paises. ‘onde vivem ete, Pode-se, contudo, imaginar que algumas pessoas que tenham amesma profisséo — professores, por exemplo—tenham mais conhecimentos de mundo em comum, do que aquelas que exergam outra profissao. E esse tipo de conhecimento que permite a uma pessoa que vive no norte do Brasil, por exemplo, compreender o enunciado “Ele prefere ouvir boi-de-matraca”, enquanto alguém do sul, sem conhecimento sobre os tipos de grupo de bumba-meu-boi, pode nao conseguir fazé-lo. Da mesma forma, a auséncia de conhecimento de mundo adequado pode constituir dificuldade para um profissional da area de quimica, por exemplo, compreender um texto, escrito em sua lingua matema, sobre o ensino de linguas, por the faltar conhecimento especifico sobre essa area de conhecimento, embora nao tenha nenhuma dificuldade com aspectos do texto relacionados ao conhecimento sistémico. Do mesmo modo, para o aluno de Lingua Estrangeira, auséncia de conhecimento de mundo pode apresentar grande dificuldade no engajamento discursivo, principalmente se nao dominar 0 conhecimento sistémico na interagao oral ou escrita na qual estiver envolvido. Por exemplo, a dificuldade para entender a fala de alguém. sobre um assunto que desconhega pode ser maior se 0 aluno tiver problemas com o vocabulaio usado e/ou com a sintaxe. Por outro lado, essa dificuldade sera diminuida seo assunto jé for do conhecimento do aluno, Além disso, ndo é comum vincular-se a praticas interacionais orais e escritas que ndo sejam significativas e motivadoras para o engajamento discursivo. Em Lingua Estrangeira, 0 problema do conhecimento de mundo referente ao assunto de que se fale ou sobre o qual se leia ou escreva pode também ser complicado caso seja culturalmente distante do aluno. Por exemplo, considerem-se as dificuldades que um aluno iniciante brasileiro de francés, pouco familiarizado com a cultura francesa, enfrentaria para lerum texto que descrevesse o ritual que envolve uma refeigao tradicional na Franga ouo funcionamento do metré de Paris na hora de maior movimento. Ao mesmo tempo, 6 esse tipo de conhecimento que pode, com o desenvolvimento da aprendizagem no nivel sistémico, colaborar no aprimoramento conceptual do aluno, a0 exp6-lo a outras visies do mundo, a outros modos de viver a vida social e politica, a possibilidade de reconhecer outras experiéncias humanas diferentes como validas etc. © CONHECIMENTO DA ORGANIZAGAO TEXTUAL O terceiro tipo de conhecimento que 0 usuario de uma lingua tem engloba as rotinas interacionais® que as pessoas usam para organizar a informagao em textos orais e escritos. Por exemplo, para dar uma aula expositiva é necessario o conhecimento de como organizar a informagao na interagao, que é de natureza diferente da organizagao da informagao em. uma conversa. Em uma aula expositiva, hd toda uma preocupago em organizara fala para a introdugao ao assunto, para seu desenvolvimento e sua concluséo, para facilitar a compreensao do aluno. Ja em uma conversa informal, essa preocupacao nao esta presente, Em geral, os textos orais e escritos podem ser clasificados em trés tipos basicos: narrativos, descrtivos e argumentativos. Isso nao quer dizer, porém, que os textos narrativos nao tenham elementos descritivos ou que os argumentativos nao tenham elementos narrativos. Esses trés tipos basicos sao usados na organizacao de varios outros tipos de textos, que tém fungées diferentes na pratica social: textos literdrios (poema, romance, etc.), textos pedagégicos (material didético para ensinar espanhol; aula expositiva etc.), textos cientificos (relatério de pesquisa, trabalho publicado em revista cientifica etc.), textos epistolares (carta pessoal, carta de negécio etc,), textos de propagandas (antincio para vender uma TV), entrevistas, debates etc, Assim, dependendo do alvo a ser atingindo, o autor escolheré um ou outro tipo de texto. O conhecimento sobre a organizagao de textos orais ¢ escritos pode ser chamado também de intertextual e é de natureza convencional. Deve-se notar também que usuarios de linguas diferentes podem organizar textos escritos e orais de forma distinta. Por exemplo, mesmo em uma conversa informal em inglés no se admitem tantas interrupgdes & fracionamento dos t6picos quanto parecem ocorrer em uma conversa informal em portugués. Da mesma forma, um texto escrito em inglés nao permite tantas digressdes do t6pico principal quanto um texto em portugués. Esse conhecimento intertextual, que tém os usuarios de uma lingua, ¢ também acionado por eitores e ouvintes na tarefa de compreenso, Estes sabem que, a0 se depararem com uma histéria, por exemplo, devem esperar um determinado tipo de organizagao da informagao. Em portugues, inglés, espanhol, francés, alemao ou italiano, os leitores ou ouvintes, ao encontrarem, no inicio de um texto, os itens "Era uma vez”, "Once upon a Es war einmal” ou "C'era una volta” jé sabem que vao ler/ouvir uma histéria que normalmente terd a informago organizada em situagao, problema, solugao e avaliagéo. Assim, ao encontrarem uma situagao, os leitores! ouvintes esperam encontrar o problema, a seguir a solugao e a avaliagéo. Se uma dessas artes da organizagdo textual ndo aparece na historia lida ou contada, o leitor ou 0 ouvinte, *¥Rotina interacionaissereferem a convengSes sobre organizago dainfomagso emtextos ors ¢escitos que as pessoas usam ao se envolverem na negociagao do significado, ao reconté-a, tenderd a preenché-la, adequadamente, de modo a projetar coeréncia no texto. ‘So esses conhecimentos (sistémico, de mundo e da organizagao de textos) que falantes e escritores utiizam na construgao do significado para atingirem suas propostas ‘comunicativas, apoiando-se nas expectativas de seuss interlocutores em relagao ao que devem esperar no discurso. Em contrapartida, os interlocutores (ouvintes e leitores) projetam ‘esses conhecimentos na construcao do significado. O proceso de construgao de significado resulta no modo como as pessoas realizam a linguagem no uso e é essencialmente determinado pelo momento que se vive (a histéria) e os espagos em que se atua (contextos culturais e institucionais), ou seja, pelo modo como as pessoas agem por melo do discurso no mundo social, o que foi chamado de a natureza sociointeracional da linguagem. Assim, 08 significados nao esto nos textos; so construidos pelos participantes do mundo social: tores, escritores, ouvintes e falantes. Um dos procedimentos basicos de qualquer processo de aprendizagem é 0 relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo que jé sabe. Isso quer dizer que um dos processos centrais de construir conhecimento é baseado no conhecimento ‘que 0 aluno jé tem: a projecao dos conhecimentos que jd possui no conhecimento novo, na tentativa de se aproximar do que vai aprender. No que se refere aos conhecimentos que 0 aluno tem de adauirir em relagao a lingua estrangeira, ele ird se apoiar nos conhecimentos correspondentes que tem e nos usos que faz deles como usuario de sua lingua matema em textos orais e escritos. Essa estratégia de correlacionar os conhecimentos novos da lingua estrangeira e os conhecimentos que ja possui de sua lingua materna é uma parte importante do proceso de ensinar e aprender a Lingua Estrangeira. Tanto que uma das estratégias tipicas usadas por aprendizes & ‘exatamente a transferéncia do que sabe como usuério de sua lingua matema para a lingua estrangeira Em relago ao conhecimento sistémico, o aluno vai encontrar pontos de convergéncias edivergéncias entre alingua matema ea lingua estrangeira, nos varios niveis de organizagao lingtiistica. E claro que, dependendo da estnutura e organizagao da lingua estrangeira, haveré mais semelhanga entre o portugués ¢ uma lingua estrangeira especifica do que entre outras, Assim, pode-se dizer que o portugués, 0 espanhol, o francés ou 0 inglés sao tipologicamente mais préximos do que 0 portugués e o japonés. De qualquer modo, uma parte importante do que oaluno precisa aprender esté relacionada ao conhecimento sistémico, embora essa aprendizagem possa ser facilitada ao se apoiar, principalmente no inicio da aprendizagem, nas convergéncias entre o que o aluno ja sabe do conhecimento sistémico de sua lingua matema e a lingua estrangeira. Isso vai facilitar 0 engajamento do aluno com o discurso, 0 que se prioriza nesta proposta. Pode-se dizer também que uma maneira de facilitar a aprendizagem do conhecimento sistémico e colaborar para o engajamento discursivo da parte do aluno é exatamente fazé- lo se apoiar em textos orais e escritos que tratam de conhecimento de mundo com o qual jé esteja familiarizado, Assim, para ensinar um aluno a se envolver no discurso em uma lingua estrangeira, aquilo do que trata a interagéo deve ser algo com o qual é esteja familiarizado. Isso pode ajudar a compensar a auséncia de conhecimento sistémico da parte do aluno, além de fazé-lo sentir-se mais seguro para comegar a arriscar-se na lingua estrangeira. © conhecimento de mundo referido nos textos pode ser ampliado com o passar do tempo e incluir questées novas para o aluno de modo a alargar seus horizontes conceptuais, o que, alias, é uma das grandes contribuig6es da aprendizagem de Lingua Estrangeira Quanto ao conhecimento da organizagao de textos orais e escritos,o aluno pode se apoiar também nos tipos de texto que j4 conhece como usuario de sua lingua matema, Por exemplo, em uma aula de leitura para alunos de quinta série, a utilizagao de narrativas — um tipo de texto com o qual as criangas ja estéo bem familiarizadas — poderé também colaborar para o envolvimento do aluno com o discurso no processo de aprender. Como desenvolvimento da aprendizagem, o aluno sera exposto a novas maneiras de organizar textos orais e escritos (entrevistas, matérias jomalisticas, verbetes de enciclopédia, conversas radiofénicas etc.) Acconsciéncia desses tipos de conhecimento pelo aluno é o que sera chamado aqui de consciéncia lingiiistica"’, que, além de ampliar 0 conhecimento que o aluno tem. sobre 0 fendmeno lingiiistico, isto é, incluindo a percepgdo de sua lingua matema, tem um alto valor na aprendizagem de Lingua Estrangeira devido a sua natureza metacognitiva’ ‘ Consciéncia inglistica se refere& conscientizagio da organizagéo Inglistica em varios niveis (onétco-fonolégico, morolégico, sinlaico, lxico-semantico e textual). "=A natureza metacognitva da aprendizagem se refere & possiblidade de se usar estatégias de monitoragdo ou controls da aprendizagem que faciltam o processo, As pesquisas indicam que quando os alunos controlam & aprendizagem tém mas sucesso nesse processo. (Os usos dos conhecimentos sistémicos, de mundo e da organizagao de textos na ‘construgo do significado também é parte do que o aluno jé esta acostumado a fazer como usuario de sua lingua materna, Por exemplo: + no nivel sistémico, o aluno ja sabe que a construgao de significados envolve o estabelecimento de elos coesivos, como a procura dos referentes. Desta forma, ao se deparar com 0 pronome “ele”, em portugués, sabe que tem de procurar anteriormente no texto um referente do género masculino — um antecedente— para estabelecer o elo coesivo. Do mesmo modo, ao encontrar um conectivo, oaluno jd sabe que ele indica como uma seqiiéncia deve ser interpretada em relagdo a seqiiéncia que veio antes. O item “porque”, normalmente, prepara 0 usuario para esperar a causa do que foi dito anteriormente; + nonivel de conhecimento de mundo, o alunojé sabe que tem de projetar no texto 0 pré-conhecimento adequado para construir o significado na busca da coeréncia do texto, Para compreender uma interagéo sobre uma partida de futebol co aluno jé sabe que tera de projetar seu conhecimento sobre © que acontece no jogo. Na verdade, quem fala ja conta com esse pré-conhecimento da parte do ouvinte, de modo que nao teré de explicitar quando se tem que cobrar um pénalti; + nonivel do conhecimento referente a organizagao dos textos, oaluno jé sabe, como usuario de sua lingua materna, que ao ler uma carta na coluna de carta dos leitores de um jornal vai encontrar leitores se dirigindo ao editor, reclamando ou apoiando alguma matéria publicada. Esses usos em Lingua Estrangeira tém de ser trazidos & mente do aluno, posto que, freqiientemente, ele nao tem consciéncia deles como usuario em sua lingua matena, E esse sentido, explorando aspectos metacognitivos da aprendizagem, que a aprendizagem da Lingua Estrangeira pode ajudar na educagao lingiiistica do aluno como um todo, aumentando sua consciéncia do fendmeno lingiiistico, eno aprimoramento de seu nivel de letramento. Deve-se considerar ainda que a consciéncia critica de como as pessoas usam estes tipos de conhecimento traz para o aluno a percepgdo da linguagem como fendmeno social, oque é caracterizado aqui como a natureza sociointeracional da linguagem. Quando alguém usa a linguagem, 0 faz de algum lugar localizado na histéria, na cultura, ¢ na instituigao, definido nas miitiplas marcas de sua identidade social” e a luz de seus projetos politicos, valores e crengas. Esta questdo serd retomada no item em que se trata dos temas transversais. Entende-se, contudo, que asidenidades socials so dindmicas e conraditéras posto que construldas nas pricas iscursvas das quais 8s pessoas partcpam, Por exemplo, uma mulher pode se submetera um marido autorrio em casa e ter um papel autoitéio como professsorana escola A questo do ensino de Lingua Estrangeira na escola, particularmente na escola piiblica, tem sido amplamente discutida nos meios académicos e educacionais. Foitambém abjeto de manifestos de profissionais da érea em reunides cientificas e de representagbes ao Congreso Nacional. Até bem pouco tempo atrés, a discusséo era para se garantira permanéncia dessa disciplina no curriculo. Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional, no entanto, que prevé Lingua Estrangeira como disciplina obrigatéria no ensino fundamental a partir da quinta série, a discussao nao necesita mais ser defensiva, Pode, sim, concentrar-se nos aspectos educacionais de fundo da questo, pois entende-se que “dentro das possibilidades da instituigao” se refere a escolha da lingua (a cargo da ‘comunidade) e nao a inclusdo de uma lingua estrangeira, j4 que o ensino desta deve ser obrigatério no curriculo escolar, Embora nas consideragées preliminares jé se tenha feito mengaio ao papel educacional de Lingua Estrangeira no curriculo do ensino fundamental, cabe enfatizar aqui esse aspecto. Aaprendizagem de Lingua Estrangeira contribui para 0 processo educacional como um todo, indo muito além da aquisigao de um conjunto de habilidades lingiifsticas. Leva a uma nova percepedo da natureza da linguagem, aumenta a compreensao de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciéncia do funcionamento da propria lingua materna, Ao mesmo tempo, ao promover uma apreciagdio dos costumes e valores de outras, culturas, contribui para desenvolver a percepgao da propria cultura por meio da compreenso da(s) cultura(s) estrangeira(s). O desenvolvimento da habilidade de entender/dizer o que outras pessoas, em outros paises, diriam em determinadas situagées leva, portanto, & ‘compreensao tanto das culturas estrangeiras quanto da cultura matema. Essa compreensao intercultural promove, ainda, a aceitagao das diferengas nas maneiras de expresso e de comportamento. Hd ainda outro aspecto a ser considerado, do ponto de vista educacional. E a fungao interdisciplinar que a aprendizagem de Lingua Estrangeira pode desempenhar no curriculo. © beneficio resultante é miituo. O estudo das outras disciplinas, notadamente de Histéria, Geografia, Ciéncias Naturais, Arte, passa a ter outro significado se em certos, momentos forem proporcionadas atividades conjugadas com o ensino de Lingua Estrangeira, levando-se em consideracéo, é claro, o projeto educacional da escola. Essa é uma maneira de viabilizar na pratica de sala de aula a relagdo entre lingua estrangeira e 0 mundo social, isto é, como fazer uso da linguagem para agirno mundo social. A aprendizagem de Lingua Estrangeira no ensino fundamental néo é sé um ‘exercicio intelectual em aprendizagem de formas e estruturas lingiiisticas em um cédigo diferente; é, sim, uma experiéncia de vida, pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo. © papel educacional da Lingua Estrangeira é importante, ‘desse mode, para o desenvolvimento integral do individuio, devendo seu ensino proporcionar ‘ao aluno essa nova experiéncia de vida, Experiéncia que deveria significar uma abertura para o mundo, tanto 0 mundo préximo, fora de si mesmo, quanto o mundo distante, em. outras culturas. Assim, contribui-se para a construgdo, e para o cultivo pelo aluno, de uma competéncia ndo s6 no uso de linguas estrangeiras, mas também na compreensao de outras. culturas, Embora predomine a sociedade industrial, cada vez mais se acredita em uma ‘economia baseada na criagdo e na distribuigao da informagao: uma sociedade mais informatizada, Nao é mais possivel, no final do milénio, operar em um sistema econémico nacional isolado e supostamente auto-suficiente. E preciso reconhecer cada sociedade como parte de uma economia global, em que a informago pode ser partihada instantaneamente, mas que exige uma répida restruturacao da organizago social para que se possa ter acesso aessainformacao. Essas caracteristicas do mundo modemo tém, por certo, implicagées importantes para o processo educacional como um todo, e, particularmente, para o ensino de linguasna ‘escola, Se essas megatendéncias forem descrigGes exatas do panorama futuro, & importante ‘que se considere como preparar os jovens para responderem as exigéncias do nove mundo. No que se refere ao ensino de linguas, a questdo toma-se da maior relevancia. Para serum parcipante atuante é preciso ser capaz de se comunicar. E ser capaz de se comunicar no apenas na lingua materna, mas também em uma ou mais linguas estrangeiras. O desenvolvimento de habilidades comunicativas, em mais de uma lingua, é fundamental para 0 acesso a sociedade da informagao. Para que as pessoas tenham acesso mais igualitério, ‘ao mundo académico, ao mundo dos negécios e ao mundo da tecnologia etc, ¢ indispensavel que 0 ensino de Lingua Estrangeira seja entendido e concretizado como 0 ensino que oferece instrumentos indispensaveis de trabalho. Alinguagem é 0 meio pelo qual uma vasta gama de relagdes sdo expressas, e é indiscutivel o papel que ela desempenha na compreenséo muitua, na promogao de relagdes, Politicas e comerciais, no desenvolvimento de recursos humanos. O reverso da medalha, no entanto, 6 que, ao mesmo tempo em que pode desempenhar esse papel de promotor de progresso e desenvolvimento, a linguagem pode afelar as relagées entre grupos diferentes emum pais, valorizando as habilidades de alguns grupos e desvalorizando as de outros. Internamente, pode servir como fonte poderosa e simbolo tanto de coesdo como de divisao. Extemamente, pode servir como instrumento de elitizago que capacita algumas pessoas ater acesso ao mundo exterior, ao mesmo tempo em que nega esse acesso a outras. No plano internacional, situagao semelhante se configura. O que diz respeito & situagdo de individuos dentro de um pais, aplica-se a situagao de paises dentro da comunidade intemacional. Se a tendéncia do mundo de hoje para o futuro é a dependéncia cada vez maiorna troca de informago, a linguagem e as linguas estéo no ceme da questao: quem controla ainformagao? Cabe aqui recorrer ao conceito freireano de educagao como forca libertadora, aplicando-o ao ensino de Lingua Estrangeira. Uma ou mais linguas estrangeiras que concorram para o desenvolvimento individual e nacional podem ser também entendidas como forga libertadora tanto em termos culturais quanto profissionais. Essa forga faz as pessoas aprenderem a escolher entre possibilidades que se apresentam. Mas, paraisso, é necessério ter olhos esdlarecidos para ver. Isso significa também, despojar-se de qualquer tipo de falso nacionalismo, que pode ser um empecilho para o desenvolvimento pleno do cidadéo no seu espago social imediato e no mundo. A aprendizagem de Lingua Estrangeira aguca a percepeao e, ao abrira porta para o mundo, 1ndo sé propicia acesso informagao, mas também toma os individuos, e, conseqiientemente, 08 paises, mais bem conhecidos pelo mundo, Essa é uma visdo de ensino de Lingua Estrangeira como forga libertadora de individuos e de paises. Esse conceito tem sido bastante discutido também no ambito de ensino da lingua matea. Pode-se considerar 0 desenvolvimento de uma consciéncia critica sobre a linguagem como parte dessa visio lingiifstica como libertagao, Questées como poder e desigualdade so centrais no ensino e aprendizagem de linguas, particularmente no contexto de Lingua Estrangeira. Tem sido preocupagao freqiiente de estudiosos da linguagem, notadamente no que se refere a situagao de dominagao do inglés como segunda lingua e mesmo como Lingua Estrangeira, A posigao do inglés nos campos dos negécios, da cultura popular e das relagdes académicas internacionais coloca-o como a lingua do poder econémico e dos interesses de classes, constituindo-se em possivel ameaca para outras linguas e em guardido de posi¢des de prestigiona sociedade. Por outro lado, hd a posigao dos que olham a cultura como um processo em constante negociagao, neste momento realizado em condigées politico-culturais de inter-relacionamento global. Isso se torna particularmente importante agora, quando as fronteiras tradicionais do mundo estéo se abrindo. Ha de se evitar teorias totalizantes de reprodugao social e cultural (por exemplo, visdes de uma sociedade consumista global veiculadas por uma lingua hegeménica como o inglés) para se chegar a um paradigma critico que reconhega o papel do ser humano na transformagao da vida social. Isso fara com ‘que se atente nao sé para como as vidas das pessoas sao reguladas pelo discurso, mas ‘também para como as pessoas resistem a essas visées totalizantes ao produzirem seus proprios discursos. Nesse sentido, a aprendizagem do inglés, tendo em vista o seu papel hegem6nico nas trocas interacionais, desde que haja consciéncia critica desse fato, pode colaborarna formulagao de contra-discursos™ em relagao as desigualdades entre paises e entre grupos sociais (homens e mulheres, brancos e negros, falantes de linguas hegeménicas e no- hegemnicas etc.). Assim, os individuos passam de meros consumidores passivos de cultura ‘ede conhecimento a criadores ativos: 0 uso de uma Lingua Estrangeira é uma forma de gir no mundo para transformé-lo. A auséncia dessa consciéncia critica no processo de ‘ensino e aprendizagem de inglés, no entanto, influina manutengao do status quo ao invés ‘de cooperar para sua transformagao. Ha de se considerar critérios para definir que linguas estrangeiras devem ser incluldas no curriculo, E necessario se ponderar sobre a visdo ut6pica de um mundo no qual o desejo idealista de um estado de coisas prevalece sobre uma avaliagao mais realista daquilo que é possivel. Por um lado, hé de considerar o valor educacional e cultural das linguas, derivado de objetivos tradicionais e intelectuais para a aprendizagem de Lingua Estrangeira que conduzam a umajustificativa para o ensino de qualquer lingua. Por outro lado, hé de considerar as necessidades lingiifsticas da sociedade e suas prioridades ‘econémicas, quanto a opgdes de linguas de significado econémico e geopalitico em um determinado momento histérico. Isso reflete a atual posigao do inglés e do espanhol no Brasil “Contra discursos sé préicas socais de uso da linguagem caracterizadas pela conrontacSo de praticas discursive hhegeménicas (por exemplo, os contva-discursos dos negros em relago aos iscursos dos brancos) A Lingua Estrangeira no ensino fundamental tem um valioso papel construtivo como arte integrante da educagao formal. Envolve um complexo proceso de reflexéo sobre a realidade social, politica e econémica, com valor intrinseco importante no processo de capacitagao que leva a libertagao. Em outras palavras, Lingua Estrangeira no ensino fundamental é parte da construgao da cidadania,

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