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RESENHA DOR

Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna


Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila fevereiro #1

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: New concepts of pain

Revista científica publicada: Best Practice & Research Clinical Rheumatology

Ano de publicação do artigo: 2019.

Novos
Representações conceitos
neurais em dor.
e a matriz corporal cortical:
implicações para a medicina esportiva e futuras direções

Nota do tradutor - Leonardo Avila:


Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica – ênfase na periferia - e
biomecânica não é mais o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar
que essa fala não é excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise
minuciosa de componentes estruturais periféricos (anatomia e biomecânica) em nossa
prática clínica. Além disso, cabe ressaltar que o sistema musculoesquelético per se
não fornece todas as respostas, sendo necessário a integração entre os sistemas
nervoso e musculoesquelético, isto é, neuro-musculoesquelético. Desta forma, trago à
tona o convite sobre a necessidade de análise de outras dimensões além do
patoanatômico, concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso
periférico e central.
Nessa edição do ResenhaDor apresento a necessidade da atualização
enquanto ao entendimento sobre novos conceitos em dor.
Apreciem a resenha livre.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

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Resumo

Pesquisas sobre dor musculoesquelética tem sido realizadas, e conceitos recentes


ajudarão clínicos e pesquisadores a desenvolver melhores abordagens:

- A nova taxonomia da dor foi modificada recentemente com um terceiro descritor


(mecanismo – origem) com o conceito de dor nociplástica;

- A mais recente Classificação Internacional de Doenças (CID-11) inclui uma força-


tarefa da IASP que desenvolveu um novo sistema de classificação para a dor. Nesta
nova classificação, é possível diferenciar a dor musculoesquelética primária, incluindo
fibromialgia e lombalgia e dor musculoesquelética secundária, relacionadas a
etiologias específicas;

- O conceito de sensibilização central em doenças reumáticas inflamatórias é cada vez


mais discutido. Nessas condições, mesmo com tratamento biológico muito ativo, quase
um terço dos pacientes ainda se queixa de dor persistente. Esses estados de dor
persistente sob tratamento adequado, sem nenhum sinal de inflamação, levaram os
pesquisadores a procurar evidências de estados de sensibilização central em
condições reumáticas.

Introdução

Avanços contínuos estão sendo feitos no campo da pesquisa em dor


musculoesquelética. Anteriormente, a dor era descrita como nociceptiva ou
neuropática; essa visão dicotômica, no entanto, excluiu muitos pacientes. De fato,
pacientes com fibromialgia ou lombalgia inespecífica não têm uma ativação óbvia dos
nociceptores, nem uma lesão ou doença comprovada do sistema nervoso
somatossensorial. Um terceiro descritor foi, portanto, necessário para melhor
classificar os pacientes. Conforme detalhado abaixo, o novo descritor – mecanismo -
foi chamado de dor nociplástica. Outro problema de classificação surgiu na

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Classificação Internacional de Doenças. De fato, na 10ª edição, a dor
musculoesquelética está incluída nos códigos de diagnóstico de doenças
osteomusculares ou do tecido conjuntivo. Mais uma vez, com a 11ª Classificação
Internacional de Doenças a caminho, uma força-tarefa conjunta da IASP e OMS
desenvolveu um novo sistema de classificação. De fato, condições de dor crônica,
como fibromialgia, síndrome da dor complexa regional ou dor nas costas inespecífica,
exigiam códigos de diagnóstico adequados que os reconhecessem como doenças por
seus próprios direitos. Por outro lado, a dor devido a uma doença primária precisava
de códigos de diagnóstico para identificá-la como dor musculoesquelética secundária
crônica. Finalmente, um desafio emergente atual é a persistência da dor em pacientes
com doenças reumáticas inflamatórias crônicas. Evidências crescentes mostram que
muitos pacientes ainda se queixam de dor persistente sob tratamento adequado,
mesmo sem nenhum sinal de inflamação persistente. Esse achado clínico pode levar
a uma troca excessiva de medicamentos anti-reumáticos modificadores da doença,
com frequente acúmulo de falhas no tratamento. O mecanismo subjacente a essa dor
persistente ainda está sendo investigado, e os pesquisadores estão procurando
evidências de sensibilização central através de recursos clínicos, neurológicos e de
neuroimagem.

Novos conceitos em taxonomia da dor

Conceito de dor nociplástica

A definição atual de dor, conforme endossada pela associação internacional para o


estudo da dor (IASP), é "Uma experiência sensorial e emocional desagradável
associada a dano tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal dano" [1]. A
nota adicionada a esta definição acrescenta que: “Os pesquisadores reconhecem que
os estímulos que causam dor podem (não é uma regra) danificar os tecidos.
Consequentemente, a dor é aquela experiência que associamos a danos teciduais
reais ou potenciais” [1]. Percepção de ameaça implícita. Portanto, historicamente,
houve definições de terminologia potencial da dor de modo meramente mecanicista. A
primeira definição mecanicista ou linear para dor neuropática foi estabelecida em 1994
pelo conselho da IASP como "Dor iniciada ou causada por uma lesão primária ou

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disfunção no sistema nervoso". Essa definição foi alterada para uma nova em 2005,
quando a terminologia (mecanismo) nociceptiva apareceu. A dor nociceptiva foi
definida como "Dor devido à estimulação das terminações nervosas nociceptivas
primárias" e a dor neuropática foi definida como "Dor devido a lesão ou disfunção do
sistema nervoso".
Ambas as definições foram revisadas periodicamente e, atualmente, a dor nociceptiva
é uma “dor que surge de dano real ou potencial ao tecido não-neural e é devida à
ativação de nociceptores” e dor neuropática é uma “dor causada por uma lesão ou
doença do sistema nervoso somatossensorial” [1]. A nota que acompanha a definição
de dor nociceptiva afirma que esse termo foi criado para diferenciá-lo da dor
neuropática. O termo é usado para descrever a dor que ocorre com um sistema
nervoso somatossensorial que normalmente funciona para diferenciá-la da função
anormal observada na dor neuropática [1]. Esta nota contradiz ambas as definições;
além disso, a última definição de dor neuropática deixa de lado a ideia de disfunção do
sistema nervoso [2]. Essa dicotomia entre as definições mecanicistas da dor criou uma
lacuna para numerosos pacientes sem ativação de nociceptores, lesão ou doença do
sistema nervoso. Onde eles se encaixam? Daí a necessidade de um terceiro
mecanismo em dor. No contexto da reumatologia, um grande número de pacientes está
preocupado e “perdido”, exemplos, pacientes com dor nas costas inespecífica, dor nas
articulações periféricas inespecíficas, fibromialgia e síndrome da dor complexa regional
(SDRC) tipo 1.
Dada esta situação com 2 descritores (mecanismos) e uma grande lacuna entre eles,
um terceiro descritor foi proposto em 2016 [3]. O novo descritor escolhido pelo conselho
da IASP em 2017, seguindo a proposta de Kosek et al. foi chamado de dor nociplástica.
Essa escolha foi corroborada por um corpo abundante da literatura confirmando
alterações na ativação cerebral nas chamadas “doenças disfuncionais” [4,5]. Baliki et
al. também mostrou alterações na conectividade cerebral em várias condições de dor
crônica; todos os grupos de pacientes (dor lombar crônica, SDRC e osteoartrite)
apresentaram conectividade diminuída do córtex pré-frontal medial aos constituintes
posteriores da rede de modo padrão e aumento da conectividade ao córtex insular em
proporção à intensidade da dor [6]. No entanto, nesses pacientes, nenhuma "lesão ou
doença do sistema nervoso somatossensorial" pode ser encontrada e, portanto, não
se qualificam para a definição de dor neuropática, mas agora podem entrar no novo

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escopo da definição de dor nociplástica. A definição escolhida para dor nociplástica é
"dor que surge da nocicepção alterada, apesar de não haver evidência clara de dano
tecidual real ou potencial, causando a ativação de nociceptores periféricos ou evidência
de doença ou lesão do sistema somatossensorial causando dor" [1,3]. A nota que
acompanha esta definição afirma que os pacientes podem ter uma combinação de dor
nociceptiva e nociplástica [3].
O adjetivo nociplástico escolhido foi discutido por Brummet et al. quem prefere o termo
"dor central ou centralizada", um termo amplamente utilizado [7]. Foi respondido a essa
proposição que primeiro, ao contrário da dor nociceptiva e neuropática, a "dor central
ou centralizada" implica uma descrição anatômica, enquanto os outros dois são
descritores fisiológicos e a segunda "dor central ou centralizada" implica que todas as
formas de dor nociplástica são apenas de origem central, que ainda está para ser
demonstrada [8].
Em outra carta, Granan considera esse novo descritor bastante vago e impreciso [9].
Em seu comentário, ele argumenta que esse descritor não ajuda a explicar a dor
experimentada em condições inexplicáveis. Como ele lembra, em todos os casos de
dor crônica, mudanças centrais foram descritas, independentemente das causas, e
essas mudanças não podem explicar completamente por que a dor surge [9]. Em sua
resposta, Kosek et al. lembra dos pacientes cuja dor pode ser descrita como
nociceptiva ou neuropática, por definição, excluídos da nova definição de dor
nociplástica [10]. Além disso, a dor nociplástica refere-se a pacientes nos quais a
nocicepção alterada pode ser demonstrada; portanto, não se aplica a pacientes que
relatam dor sem hipersensibilidade [10]. Isso distingue claramente pacientes com
nocicepção alterada daqueles em que os mecanismos biomédicos ainda são
desconhecidos e para os quais a descrição da dor deve ser “dor de origem
desconhecida” [10].
Esse novo descritor de dor serve também ao propósito de promover uma triagem
sistemática da função nociceptiva alterada em pacientes com dor crônica [10]. A
caracterização dos sinais de nocicepção alterada ainda está para ser desenvolvida pela
IASP [11]. Também pode ajudar a definir um tratamento mais adaptado, identificando
aqueles que provavelmente responderão melhor às terapias direcionadas centralmente
do que às periféricas [10].

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Conceito de dor mista

Outra terminologia usada com frequência é o termo “dor mista”. Esse termo é
amplamente usado e ainda não consta na taxonomia da IASP. A definição comum de
dor mista é uma dor com "sobreposição de sintomas nociceptivos e neuropáticos" [12].
Rainer Freynhagen formou um grupo internacional de especialistas em dor para tratar
da questão de uma definição do termo "dor mista".
O grupo baseou sua discussão em uma revisão da literatura de 1990 a 2018. O relato
de dor mista na literatura tem aumentando nos últimos 20 anos [12]. A dor crônica
múltipla é considerada um estado de dor mista, e os autores relatam os seguintes tipos
de dor, exemplo: dor no câncer, dor lombar, dor da osteoartrite, dor pós-cirúrgica e dor
na atenção primária [12].
Em relação à dor musculoesquelética, na lombalgia: uma revisão da literatura em 2012
relata que 25% a 50% dos pacientes com lombalgia crônica tinham uma probabilidade
superior a 90% de ter um componente de dor neuropática [13]. Esses números também
são encontrados em uma revisão de 2016 [14]. Neste último, os autores lembram os
resultados de Attal et al., que, usando o DN4, observaram que 8% dos pacientes com
dor estrita na região lombar apresentavam um componente de dor neuropática e a
prevalência do componente de dor neuropática aumentou para 80% dos pacientes com
dor irradiando em direção ao pé em uma distribuição neuroanatômicas (dermátomo),
com sinais neurológicos correspondentes à radiculopatia típica [15]. Na osteoartrite, a
maioria dos estudos concluiu que um componente neuropático está presente em um
terço de todos os pacientes com OA dolorosa [16]. No reumatismo inflamatório crônico,
a existência de um componente de dor neuropática também foi relatada em alguns
estudos. Em estudo de coorte de 300 pacientes com AR, 9,3% apresentaram
provável/possível dor neuropática usando o questionário pain DETECT [17]. No
registro DANBIO, mais de 7000 pacientes (com artrite reumatoide (AR), artrite
psoriática (PSA) e outras espondiloartrites (SpA)) preencheram um questionário pain
DETECT e mais de 20% dos pacientes provavelmente apresentaram um componente
de dor neuropática [18]
Na tentativa de definir a dor mista, Freynhagen et al. lembram que pouco se sabe sobre
o(s) mecanismo(s) subjacente(s) da geração da dor mista. No entanto, deve-se notar
que pacientes com dor mista apresentam, por exemplo, na osteoartrite escores mais

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altos de intensidade da dor e uma qualidade de vida significativamente reduzida [16].
Esses resultados foram corroborados por um grande estudo transversal espanhol [19].
Neste último caso, nos cuidados primários e na ortopedia, a dor teve um componente
misto em mais de 59% dos mais de 5000 pacientes [19]. Os pacientes com dor mista
“apresentaram maior complexidade clínica”, apresentaram mais comorbidades, fatores
psicossociais mais adversos e menor qualidade de vida relacionada à saúde [19]. Além
disso, pacientes com dor mista responderam menos aos tratamentos e tiveram uma
maior utilização de recursos de saúde [19].
Por fim, Freynhagen et al. apontam que ainda não existem ferramentas validadas para
rastrear a dor mista e o componente nociceptivo [12].
A definição proposta de dor mista pelos autores é “dor mista é uma sobreposição
complexa dos diferentes tipos (mecanismos) conhecidos de dor (nociceptiva,
neuropática e nociplástica) em qualquer combinação, agindo simultaneamente e/ou
concomitante para causar dor na mesma área do corpo. Qualquer um dos mecanismos
pode ser mais predominante clinicamente em qualquer ponto do tempo. A dor mista
pode ser aguda ou crônica.” [12].

Novos conceitos na classificação da dor musculoesquelética

Dor primária

A dor é um dos sintomas mais frequentes ao procurar um serviço de saúde, entre os


pacientes que sofrem de dor, metade do diagnóstico final é devido a causas
osteomusculares [20]. Nas doenças osteomusculares, a dor é o sintoma que mais pesa
na carga da doença [21] e a dor lombar é a primeira causa de anos vividos com
incapacidade [22]. Em condições de dor crônica, foi demonstrado por Breivik et al. em
2006, a dor musculoesquelética foi a mais prevalente de todas as condições dolorosas
[23].
Na 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), os diagnósticos de
dor crônica não são representados sistematicamente [24]. A IASP desenvolveu em
conjunto com a OMS uma nova classificação de dor crônica para a 11ª edição da CID.
Na proposição, a força-tarefa distinguiu as síndromes de dor crônica primária e
secundária, uma vez que a dor crônica primária deve se qualificar como uma doença

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per se [24]. Na dor musculoesquelética, isso torna possível classificar a fibromialgia, a
síndrome da dor complexa regional e a dor lombar inespecífica como distúrbios
primários da dor [24].

Dor musculoesquelética secundária crônica

Além disso, a força-tarefa desenvolveu a classificação de dor musculoesquelética


secundária crônica [25]. Essa definição é limitada à dor nociceptiva e exclui que a dor
seja percebida como musculoesquelética, mas não decorrente dela [24]. Como a dor
musculoesquelética secundária é devida principalmente a três causas principais, elas
foram integradas na classificação da seguinte forma: dor secundária crônica.

- De inflamação persistente;
- Associada a mudanças estruturais, e;
- Devido a doenças do sistema nervoso [25].

A dor musculoesquelética secundária crônica de inflamação persistente foi dividida


em três categorias, uma vez que a inflamação tem várias etiologias [25]. O primeiro é
a (1) inflamação persistente devido à infecção. A infecção pode ser ativa ou latente e
a dor pode persistir após tratamento infeccioso adequado [25]. A segunda categoria é
a (2) inflamação persistente devido à deposição de cristais. Nas condições de
deposição de cristais, a dor crônica pode ocorrer após episódios de inflamação aguda
e, nesses casos, a intensidade da dor não está correlacionada com o grau de
deposição de cristais [25]. A terceira categoria é a (3) inflamação persistente devido a
distúrbios auto-imune e auto inflamatórios. Mais uma vez, a dor crônica é secundária à
doença inflamatória primária, mas a intensidade da dor não está correlacionada à
atividade da doença subjacente [25].

A dor musculoesquelética secundária crônica associada a alterações estruturais


também foi dividida em 3 categorias, isto é, (1) dor devido a osteoartrite, (2) dor devido
a espondilose ou (3) dor após lesão musculoesquelética [25].

9
Finalmente, a dor musculoesquelética secundária crônica devido a doenças do
sistema nervoso inclui (1) dor musculoesquelética associada a doenças de Parkinson,
(2) esclerose múltipla ou (3) doença neurológica periférica. Neste último, a dor ocorre
devido à função motora ou sensorial alterada (por exemplo, doença da articulação de
Charcot) e a dor devido ao aprisionamento de nervos deve ser classificada como dor
neuropática crônica [25].

Sensibilização central em reumatismos inflamatórios

Na artrite reumatóide, estudos focados nos resultados relatados pelos pacientes


destacam o fato de que, mesmo quando a doença parece ser controlada, mais de 75%
dos pacientes com AR ainda relatam dor moderada a intensa [26]. Além disso, mais de
60% dos pacientes relatam decepção com a dor da artrite [26]. Em um grande estudo
de coorte com mais de mil pacientes com AR, Altawil et al. mostraram dor
remanescente após 3 meses de tratamento com metotrexato em 29% dos pacientes
com uma boa resposta EULAR [27]. Portanto, apesar de uma boa resposta terapêutica,
um número substancial de pacientes ainda se queixa de dor articular persistente.
Inicialmente, a maioria desses pacientes com dor persistente foi classificada como
portadora de fibromialgia concomitante. Por exemplo, usando a Ferramenta de
Triagem Rápida para Fibromialgia (FiRST) [28], a fibromialgia foi detectada em 22,6%
dos 172 pacientes com AR e em 27,8% dos 122 pacientes com esclerose sistêmica
em um estudo de coorte multicêntrico [29]. Em um estudo com mais de 500 pacientes
com espondiloartrite axial iniciando um medicamento anti-reumático modificador de
doença biológica, 37,8% apresentaram FiRST positivo na linha de base [30]. Em um
grande coorte de mais de 6.000 pacientes nos Estados Unidos, a fibromialgia foi
associada a 21% dos pacientes com artrite reumatóide, 37% dos pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico e 17% dos pacientes com osteoartrite [31].
Essas observações levaram os médicos a questionar a existência de sensibilização
central na artrite reumatóide. De fato, essa sensibilização central já foi associada a
muitas outras condições dolorosas osteomusculares, como osteoartrite e dor lombar
crônica [32]. No reumatismo inflamatório crônico, o suposto mecanismo de
sensibilização central é a persistência de um estímulo doloroso de uma articulação que
exageraria a sensibilidade do sistema nervoso central à dor, induzindo manifestações

10
que se assemelham à fibromialgia primária [33]. Além disso, no caso de sensibilização
central, a dor pode ser acompanhada de sintomas geralmente observados na
fibromialgia primária, como fadiga e distúrbios do sono [33].
Conforme endossa a IASP, a sensibilização central é definida como a “maior
responsividade dos neurônios nociceptivos no sistema nervoso central às suas
entradas aferentes normais ou abaixo do limiar”, e a nota abaixo à sensibilização
lembra que: “A sensibilização pode incluir uma queda no limiar e um aumento na
resposta (limiar supra). Descargas espontâneas e aumentos no tamanho do campo
receptivo também podem ocorrer. Este é um termo neurofisiológico que só pode ser
aplicado quando a entrada e a saída do sistema neural em estudo são conhecidas, por
exemplo, controlando o estímulo e medindo o evento neural. Clinicamente, a
sensibilização só pode ser inferida indiretamente a partir de fenômenos como
hiperalgesia ou alodinia.” [1].

Avaliação da sensibilização central com testes sensoriais quantitativos (QST)

Um dos QST usado em pacientes com AR é a medida dos limiares de dor a pressão
(PPT). Em um pequeno estudo de 10 pacientes com AR e 10 controles pareados por
idade e sexo, Hodge et al. relataram que pacientes com AR tiveram limiares de pressão
de dor plantar significativamente reduzidos [39]. Esse limiar reduzido na AR também
foi encontrado em outros estudos, como o de Joharatnam et al., nos quais um coorte
de 50 pacientes com AR ativa demonstrou baixos valores nos limiares de dor a pressão
nos locais articulares e até nos locais extra-articulares – pontos distantes - (tibial
anterior e esterno) [40]. Além disso, valores mais baixos do limiar de dor a pressão
foram associados a um DAS28 mais alto e, analisando individualmente os
componentes do DAS28, a associação foi atribuída à escala visual analógica de saúde
global relatada pelos pacientes e à contagem de articulações sensíveis [40]. Esses
resultados foram corroborados por Lee et al. em um estudo de vários QST em 139
pacientes com AR [41]. Essa diminuição do PPT em pacientes com AR ativa também
foi observada em outros dois estudos controlados: o primeiro com 38 mulheres com
AR ativa comparado a 38 controles saudáveis [42] e o segundo com 46 pacientes com
AR e 20 controles saudáveis [43]. Nos dois estudos, as diferenças entre os grupos
foram significativas. Na espondilite anquilosante (AS) e no PSA, o limiar de dor a

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pressão foi significativamente menor em 23 pacientes com PSA do que nos controles,
mas nenhuma diferença foi detectada na espondilite anquilosante em comparação aos
controles [44]. Essa ausência de avaliação do limiar de dor a pressão confirmou os
resultados anteriores de Incel e colaboradores, que mostraram em um estudo com 20
pacientes com SpA que pacientes com SpA não tinham PPT menor que os controles
[45].
Outro teste sensorial quantitativo usado para identificar anormalidades no mecanismo
da dor é a somação temporal. A somação temporal é um processo fisiológico através
do qual o paciente perceberá um aumento da dor quando exposto repetidamente a um
estímulo doloroso da mesma intensidade. No mesmo estudo, Vladimirova et al.
também testaram a somação temporal em sua coorte de AR; o índice de somação
temporal foi significativamente maior em pacientes com AR do que em controles
saudáveis [42]. Um aumento no índice de somação temporal expressa a sensibilização
central à dor, de acordo com os autores [42]. Como observado no limiar de dor a
pressão, a somação temporal foi significativamente associada à avaliação global do
paciente [41]. Esses resultados são apoiados por outro estudo, em que 11 pacientes
com AR foram comparados a controles saudáveis. Um escore de somação temporal
significativamente maior foi observado em pacientes com AR do que nos controles [46].
Pelo contrário, Meeus et al. não encontraram diferença significativa na somação
temporal em pacientes com AR em comparação aos controles saudáveis [47].
A modulação condicionada da dor (CPM) é outro tipo de teste sensorial quantitativo.
É usado para avaliar as vias descendentes da dor. O paradigma da modulação
condicionada da dor está ativando as vias inibitórias descendentes da dor com um
estímulo nocivo, chamado estímulo condicionador, que modula outro, chamado
estímulo de teste [48]. Nos estudos sobre CPM, os resultados são conflitantes. No
estudo de Meeus et al. com 16 pacientes com AR e 18 controles, a CPM não mostrou
diferença significativa entre os grupos [47], confirmada por outro estudo recente em
que a CPM nos dois grupos (AR e controles) não mostrou diferenças significativas [46].
Por outro lado, Lee et al. em um estudo maior com 58 mulheres com AR e 54 controles
pareados por idade, os níveis médios de CPM foram menores entre os pacientes com
AR do que entre os controles sem condições de dor crônica [49]. Diferentemente do
limiar de dor a pressão e da somação temporal, a CPM não foi associada à avaliação
global do paciente, mas à contagem de articulações dolorosas [41].

12
Imagem cerebral (Neuroimagem)

A neuroimagem também é uma área de pesquisa que buscar auxiliar o entendimento


dos mecanismos da dor na artrite reumatóide. Estudos analisaram a estrutura e função
do cérebro usando principalmente ressonância magnética. Alterações estruturais foram
avaliadas em dois estudos. Em um estudo com 31 pacientes com AR e 25 controles
saudáveis, Wartolowska e colegas mediram o volume de várias regiões do cérebro
[50]. Eles observaram um aumento no volume de massa cinzenta, principalmente no
núcleo accumbens e caudado. Além disso, nenhuma diferença foi observada na
substância cinzenta cortical [50]. Em um pequeno coorte de 15 pacientes com AR,
Andersson et al. investigou o volume do hipocampo [51]. Pacientes com um pequeno
volume de hipocampo relataram uma pontuação mais severa no questionário de
avaliação da saúde (HAQ) e maior dor na escala visual analógica [51].
Em um estudo com 17 pacientes com EA e 17 controles pareados por idade e sexo, a
RM estrutural mostrou um aumento no volume da massa cinzenta do putamen e no
tálamo e “afinamento” cortical em 5 regiões do cérebro (córtex somatossensorial
primário esquerdo, ínsula esquerda, cingulado médio esquerdo, córtex motor
suplementar direito e córtex cingulado anterior direito) [52].
Alguns estudos também se concentraram em alterações funcionais. Primeiro,
Schweinhardt et al. em um estudo com 20 pacientes com AR ativa, a RMf demonstrou
que a provocação da dor nas articulações ativava regiões típicas de processamento da
dor (ínsula, córtex cingulado anterior, tálamo e córtices somatossensoriais primários e
secundários) [53]. Além disso, eles encontraram uma forte ativação no córtex pré-
frontal medial, no córtex pré-frontal lateral, no córtex cingulado posterior, no córtex
temporal, no córtex parietal posterior superior, no precuneus, no córtex motor primário
e no cerebelo. A magnitude da ativação no aglomerado do córtex pré-frontal medial foi
positivamente correlacionada com a razão de tender to swollen [53]. Eles também
encontraram evidências de uma correlação positiva entre a ativação do córtex pré-
frontal medial durante dor articular evocada e sintomas depressivos [53]. Esses
resultados levaram os autores a hipótese de que o córtex pré-frontal medial pode estar
na região de importância no processamento emocional da dor em pacientes com AR
[53]. Outro estudo com 24 pacientes com AR ativa (média DAS-28 5,20 ± (1,14)) e 19

13
controles pareados por idade e sexo, Flodin e colegas mostraram usando RMf que, em
comparação com os controles, os pacientes com AR tinham uma conectividade
cerebral aumentada predominantemente comparado ao grupo controle; áreas motoras
complementares, córtex intermediário e córtex sensório-motor primário [54]. Além
disso, os autores observam um aumento na conectividade cerebral entre a ínsula e o
córtex pré-frontal, bem como entre o córtex cingulado anterior e as áreas occipitais em
pacientes com AR [54]. Recentemente, Basu et al. procuraram características de
neuroimagem da fibromialgia em pacientes com AR [55]. Em um coorte de 54 pacientes
com AR ativa com um nível de fadiga clinicamente significativo por pelo menos três
meses, o nível de fibromialgia (FMness) foi avaliado usando os critérios de avaliação
da ACR FM [31]. Com relação aos resultados da fMRI, houve uma correlação positiva
significativa entre a rede de “modo padrão” default mode (DMN; córtex pré-frontal
medial, córtex cingulado posterior, precuneus, lóbulo parietal inferior, formação do
hipocampo e formação do córtex temporal lateral [56]) à conectividade média esquerda
/ ínsula posterior e FMness em pacientes com AR [55]. Detectando o escore de FMness
e sua correlação com a conectividade, tanto o índice generalizado quanto a gravidade
dos sintomas foram significativamente associados à conectividade DMN-insula [55].
Para os autores, isso indica contribuições importantes para ambas as partes do escore
FMness. Por outro lado, não houve associação entre a conectividade DMN-ínsula e a
dor relatada no momento da RM [55]. A outra análise de correlações entre
conectividade DMN-ínsula e características da doença de AR mostrou apenas uma
correlação positiva com o escore do DAS-28 [55]. Para os autores, esses resultados
fornecem evidências via neuroimagem de que a AR é um estado misto de dor que
apresenta características de sensibilização central, pois pacientes com AR que
apresentaram altos níveis de FMness demonstraram conectividade funcional
significativamente mais alta entre o DMN e a ínsula e uma característica neurobiológica
"primária" reconhecida de FM [55].

Na espondilite anquilosante, Li et al. estudaram déficits funcionais usando o estado de


repouso fMRI [57]. Os autores compararam a amplitude das flutuações de baixa
frequência que podem avaliar a amplitude da atividade cerebral espontânea do estado
de repouso. Comparados aos controles, os pacientes com EA apresentaram uma
amplitude significativamente menor de flutuações de baixa frequência no giro frontal

14
medial esquerdo, no giro pré-central direito e no cingulado posterior direito; por outro
lado, os pacientes exibiram maior amplitude de flutuações de baixa frequência no lobo
anterior do cerebelo esquerdo, no giro temporal médio esquerdo, no giro occipital
superior esquerdo, no giro pós-central esquerdo e no pré-cólon direito [57]. Hemington
e colegas estudaram a conectividade funcional dentro do DMN e entre o DMN e outras
regiões do cérebro em 51 pacientes com EA comparados aos controles [58]. Em
pacientes com EA que relataram altos níveis de dor (intensidade média da dor 4,6 ±
1,6), houve uma conectividade entre redes significativamente mais forte (positiva) entre
os DMN e a rede sensório-motora de 22 participantes de controle saudáveis pareados
por idade [58].

Sumário

A taxonomia mais recente da dor inclui o novo conceito de dor nociplástica, definido
como nocicepção alterada, sem evidência de dano tecidual (excluí nociceptiva) ou
somatossensorial (excluí neuropática). A IASP ainda não caracterizou sinais dessa
nocicepção alterada (O que define uma nocicepção alterada, mas não detectável?).
No futuro, a classificação da CID-11, fibromialgia, síndrome regional complexa tipo 1 e
dor nas costas inespecífica serão consideradas como síndrome da dor crônica
primária.
Quase um terço dos pacientes com AR que recebem tratamento adequado se queixam
de dor persistente, apesar de um bom controle da inflamação. A dor persistente pode
ser motivada pela sensibilização central e, até o momento, existem evidências
crescentes para essa hipótese. Com esse novo conceito, estudos futuros devem focar
no alívio dessa parte do componente da dor em pacientes.

Pontos práticos

• Um terceiro descritor de dor, dor nociplástica, agora existe; dor nociplástica é definida como "dor
que surge da nocicepção alterada, apesar de não haver evidência clara de dano tecidual real ou
potencial, causando a ativação de nociceptores periféricos ou evidência de doença ou lesão do
sistema somatossensorial que causa a dor".

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• A IASP propôs uma nova classificação para dor crônica na 11ª Classificação Internacional de
Doenças. Síndromes crônicas de dor primária e secundária foram distinguidas. A fibromialgia
agora é classificada na síndrome da dor primária crônica.

• A dor persistente em pacientes com artrite reumatóide pode ser parcialmente motivada pela
sensibilização central.

Pesquisas futuras

• Com o novo conceito de dor nociplástica, os clínicos devem rastrear sistematicamente a função
nociceptiva alterada em pacientes que sofrem de dor crônica.

• A caracterização dos sinais de nocicepção alterada ainda está para ser desenvolvida pelo IASP.

• Com essa nova descrição, a pesquisa terapêutica pode ser padronizada para identificar
pacientes com maior probabilidade de responder melhor às terapias centralmente do que às
direcionadas periféricas.

• A nova classificação da CID-11 das síndromes de dor crônica melhorará a classificação e a


codificação diagnóstica e ajudará no reconhecimento da dor crônica como uma condição de
saúde em si.

• A dor persistente na AR devido à sensibilização central precisa ser abordada em futuras


intervenções terapêuticas.

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