Expressão de Emoção

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@ “Capitulo 2 Expressdo de Emocdao O verdadeiro artista é uma pessoa que, debatendo. -se com o problema de expressar uma certa emogo, diz, «quero tomar isto claro».! CoMO VIMOS, PARA BELL, UM «GRANDE ARTISTA PERMA- rece firme ¢ admirével porque os sentiments que despertou so independentes do tempo e do lugar»? arte é, sempre foi e sempre ser4, Forma Significante. Por mais tentadora que certamente que é estara sonhar alto pen- uma resposta satisfatéria para a questiio 0 que & arte agoral» ser também uma resposta satisfat6- ria para a questo «o que tem sido a arte?» ¢ «o que sera. arte?», A arte ndo é uma categoria intemporal, mas antes | ‘uma categoria que evolu’ medida que evoluem associeda- 1), _des nas quais as obras de arte foram criadas.? O filésofo de Oxford R. G. Collingwood nao partilha as ideias de Bell sobre a intemporalidade da arte. ficio da sua principal obra sobre o tema, The Principles of Art (publicado pela primeira vez em 1938), escteveu: Nao ica como uma tentativa de investigare expor verdades etemas sobre a natureza SI QUE EA ARTE? de um objecto etemo chamado Arte, mas como uma tentativa de alcancar, pelo pensamento, a solugao para certos problemas que sao despoletacos pela si tuacio em que os proprios artistas se encontram aqui e agora" Aqui e agora» para Collingwood significava a In- slaterra dos anos 30 do século xX; ¢ no ro de artistas cus trabalhos mais o impressionavam estavam Cézanne ¢ T: §, Fliot. Collingwood, contudo, nao era apenas um fil6- sofo e um entusiasta das artes Fez um estudo sério da arqqueologia romano-britdnica, publicando trabalho impor- tante na Area. A sua familiaridade com artefactos roma- nos e a consciéncia que tinha do seu significado cultural ‘em diivida desconfiado do tipo radical de ras culturas deixaram-no s generalizagfo acerca das obras de arte de out ¢ Bell tao facilmente adoptava. Collingwood, e épocas qu ar — uma fonte, como Bell, tinha a experiéncia de pint talvez, da sua perspicaz anélise dos processos criativos. Ox seus pais eram artistas — o pai, William Collingwood (1819-1903), era um conhecido aguarelista e foi também 4 durante algum tempo secretério de Ruskin, Em criang: R.G. Collingwood desenhou ¢ pintou abundantemente, Na sua Autobiografia, descreve as primeiras experiénci que moldaram a sua filosofia da arte: Estava constantemente a observar 0 trabalho do ‘minha mae ¢ dos outtos pintores profis- ava ‘meu pai, da sionais que frequentavam a nossa casa, € tent constantemente imité-los; de modo que aprendi a numa pincura nio como um produto acabado exposto para admiracio dos entendidos, mas como relato visivel, espalhado pela casa, de uma ter va de resolver um determinado problema na pin- até onde a tentativa o permitia, Aprendi aquilo alguns criticos e estetas nunca souberam durante uas vidas: que nenhuma «obra de arte» est acu- Ia, de modo que nesse sentido da expresso nao le todo em todo «obras de arte». O trabalho cessa a pintura ou manuscrto no porque esteja aca- ‘mas porque acabou o prazo para a sua conclu- ‘ot porque o editor exige o trabalho? ngwood vé a questiio da arte como central em iples of Art, um livro recentemente descrito -O trabalho mais influente ¢ interessante de esté- ngua inglesa».* A primeira linha da inerodugao seu objectivo central claro: «0 propésito deste esponder & pergunta: O que ¢a arte»? Algumas icadlas como arte sto apenas +falsamente ape~ rte», néo sio verdadeira arte, uma posi¢ao Bell teria concordado, Mas Collingwood ofe- ‘lise mais complicada e sistematica dos tipos ic so ingenuamente classificadas como arte € sverdadeiras obras de arte serem tao diferen- 1. A mais conhecida € a sua distincao entre ver oficio. Posto de forma simples, 6 oficio’é ade que transforma x matéria-prima num pro- ido de acordo com um plano preexistente. nvool esbogou 0 agregado de caracteristicas parti- EXPRESSHO DE ENOCAO © QUE EA anre? 5 4 cularmente associadas a0 oficio. O officio, por exemplo, envolve uma distingao entre as coisas usadas ¢ o resul- tado que se deseja obter pelo seu uso: a distingdo entre meios e fins. Assim, por exemplo, um carpinteiro poder usar algumas pegas de madeira como meio para produzic 0 resultado final: uma mesa. O oficio também envolve uma distingdo entre o plano ¢ a sua execugio. Como diz Collingwood: ~ [0] artesio sabe o que quer fazer antes de o fazer. Este conhecimento prévio é absolutamente indis- pensavel ao oficio: se algo, pot exemplo, aco inoxi- dvel, & feito sem esse conhecimento prévio, 0 seu fabrico nfo é uma questio de offcio mas um aci- dente. Além do mais, este conhecimento prévio niio évago mas preciso. Se uma pessoa planeia fazer uma mesa e concebe a mesa de forma vaga, como algo entre 60 por 120 centimetros e 90 por 180, essa pes- soa ndo é um artesio.4 ‘A matéria-prima e 0 produto acabado podem distin- guir-se claramente. A matéria-prima é transformada em [© carpinteiro pega nos pedagos de madeira “como matéria-prima e faz deles o produto acabado, a ‘mesa. Estas sfio algumas das mais importantes caracteris- ticas do oficio que Collingwood refere. O seu objectivo € tentar definir oficio, mas apenas referir as caracte- risticas tipicas da actividade do oficio. Algumas destas caracteristicas podem ser partilhadas por certas obras de arte, mas nao precisam de o se, uma vez que, como ve- remos, Collingwood pensava que uma obra de arte pode existir independentemente da sua instanciacéo fisica A teoria que Collingwood designa como a teoria técnica da arte, e que rejeita, nao reconhece qualquer diferenga entre a arte e 0 oficio. De acordo com essa teo- aaarte é simplesmente outro tipo de oficio. A tarefa do artista é entao simplesmente a de transformar a ma- prima no tipo de objecto que ira produzir um certo especifico. O artista esté assim ao nivel de quale quer pessoa que faz coisas. Um sertalheiro decide em- preender a tarefa de fazer uma ferradura que ir ser usada por um cavalo particular; corta algum ferro (a matétia- -prima), molda-o na forja e coloca a ferradura na unha do cavalo. O serralheiro sabe qual ird ser o resultado final ainda antes de comegar o trabalho: um cavalo bem fer- tado. De acordo com a teoria técnica, um artista percorre estdgios andlogos na seleccao dos materiais e na sua transformacao para produzir um efeito desejado e pre- viamente concebido. Collingwood rejeita a teoria técnica da arte com base na ideia de que a actividade do artista nao precisa de en- volver uma distingao entre meios e fins. Nem precisa de envolver uma distingao entre planear ¢ executar. Obvia- ‘mente que algumas obras de arte envolvem de facto pla- neamento, particularmente, por exemplo, as produzidas como resultado de uma encomenda detalhada| Qualquer — 4 pessoa que ache que Miguel Angelo se limitou a pegar no pincel ena tinta quando decorou o tecto da Capela tina é ingénua. O trabalho de Miguel Angelo envolveu imenso planeamento. Contudo, planear nfo é uma ca- ExPRESSKO DE ENOCKO 55 0 QUE E A ARTE? racteristica necesséria para fazer arte, nem uma sua ca- racteristica distintiva. Para usar 0 exemplo de Colling- wood, um escultor a brincar com um pedago de barro, vendo os seus dedos a transformé-lo num pequeno dan- sarino, pode mesmo assim produzir uma obra de arte. O facto de nao ter planeado producir tal escultura, nem saber qual iria ser 0 seu aspecto até estar perto de a com- pletar, nao a impede de ser uma obra de arte. Isto € algo que se pode ver claramente, por exemplo, nos métodos de trabalho de Picasso, que declarou: «nao sei antecipa- damente o que iei pér na tela, do mesmo modo que no decido antecipadamente que cores usar»? Isto destréi a teoria da técnica da arte como uma teoria inclusiva de toda a arte. Contudo, Collingwood aponta outtas difi- culdades, como a de especificar a matéria-prima para uma obra de arte. Ser a matéria-prima de um poema simplesmente as palavras? Qu serd talvez uma emocio? A conclusao de Collingwood € que a teoria técnica da arte como um tipo de offcio € um nado-morto. Apesar de as obras de arte poderem envolver oficio, a arte nao deve ser identificada com este, porque a arte nao é ape- nas uma questo de técnica; nao € algo que possa ser en sinado como uma competéncia pode ser ensinad: tecnico faz-se, mas o ser artista énatow!® Um alvo possfvel para a discussio de Collingwood da teoria técnica da arte foi o movimento Artes e Off William Mortis, por exemplo, sob a influéncia de Ruskin, tinha uma grande admiracao pelas obras produzidas pelos artifices medievais. Definiu a arte como «a expresso do homem do seu prazer pelo trabalho»."! Rejeitando a cele- EXPRESSAO DE EMOGEO bracdo da inspiragio artistica ¢ do génio artistico tfpico. do seu tempo, Morris declarou que «falar de inspitacio é puro disparate [...] no existe tal coisa: é simplesmente uma questao de habilidade do artifices.!” Na mesma linha, o disefpulo de Morris, Walter Crane, afirmou que «a verdadeira raiz base de toda a Arte esta no trabalho manual». Para Mortis e Crane, a celebracao da inspira- 40 artistica e a distingao entre arte ¢ offcio eram uma distorgao da natureza da arte. Em contrapartida, Collingwood apresentou uma perspectiva essencialmente romantica do artista. Con- tudo, nao vai ao ponto de abragat a posicio sentimental de que qualquer pessoa pode produzir arte (apesar de su- getit, todavia, que aqueles que apreciam arte o fazem a0 tomarem-se eles préprios artistas). Nem sugere em sitio algum que os artistas nao tenham de aprender o oficio. Pelo contrério, Collingwood pensa que um nivel minimo de pericia € um pré-requisito necessirio para qualquer pessoa que esteja a produzir uma obra de arte, ainda que modesta: ‘obras de arte apesar de a técnica ser defeituosa; ¢ mesmo as técnicas mais perfeitas nfo irdo produzit 0 melhor tipo de trabalho na sua auséncia; no obs- tante, nenhuma obra de arte poderd alguma vez ser produzida sem um certo nivel de compettncia tée- nica e, em igualdade de circunstncias, quanto me- Thor a técnica melhor sera a obra de arte. Os maio- res poderes artisticas, para se apresentarem de 0 Que EA ante? direito € como tal, exigem uma técnica tao boa no seu género quanto 0 so em si." Vale a pena trabalhar este ltimo ponto, pois as ideias de Collingwood nesta matétia sio muitas vezes deturpadas. Por exemplo, no seu livro Aesthetics, Anne Sheppard repreende Collingwood por nao reconhecer que a «arte pode ndo ser apenas oficio, mas 0 oficio desempe- nha nela um consideravel papel». A énfase do livro de Collingwood esta na expresstio de emocGes. A critica de Sheppard é que tal o leva a nao dar importAncia ao papel do oficio na arte: «para apreciar completamente a poesia de Catulo precisamos de reconhecer a sua competéncia técnica assim como responder as emogies que esté a ex- primi. Contudo, nada na teoria de Collingwood exclu este tipo de resposta. Collingwood diz explicitamente que a planificacdo propria do offcio pode também estar pre- sente nas obras de arte: «se obras de arte nao planeadas sfo posstveis, daqui nao se infere que nenhuma obra pla- neada seja uma obra de arte.»'” Na verdade, especula um pouco mais sobre isto: poder muito bem ser verdade que as Gnicas obras de arte que podem ser completamente feitas sem umn plano sejam trivias, e que as maiores e mais sérias contém sempre um elemento de planificagso logo um elemento de oficio.!* Esta diltima citagdo também responde antecipada- mente a uma critica semelhante feita por Robert Wilkin- eRESsia OE ENOCKO son no seu ensaio «Art, Emotion and Expression», onde cataloga todas as seis propriedades do oficio identificadas pot Collingwood e afirma: «Collingwood nega que qual- quer destas seis propriedades possa ser atributo da verda- deita arte»"® E continua afirmando que Col [..J obrigado a negar que um artista possa distinguir © objectivo (ou fim) dos meios usados pare o alean- ‘car; ou que a execugio do plano da obra de arte ppossa distinguir-se do pr6prio plano.” This interpretag6es enganadoras das ideias de Col- Tingwood sobre a relagio entre arte e oficio sio comuns. E, para ser justo com Sheppard e Wilkinson, surgem par- cialmente da falta de clareza de Collingwood em passa~ gens cruciais de The Principles of Art. Contudo, Colling- wood enfatiza de facto que, pelo menos em alguns casos, a producéo de uma obra de arte pode nao envolver o tipo de planeamento consciente tipico do offcio: A pericia do artifice é 0 seu conhecimento dos meios necessérios para realizar um dado fim e o seu dom! nio dos mesmos. Um marceneiro que faz uma mesa ‘mostra a sua pericia a0 saber que materiais e ferra- ‘mentas so necesstios para a fazer e a0 set capaz de (05 usar de forma a produzir a mesa exactamente de acordo com as especificagées.” Criar uma obra de arte ndo € sempre assim, E um erro abordar a criagio artistica, como a teoria técnica 0 0 Que € 4 ante? faz, como se fosse necessariamente «A descoberta cons- ciente dos meios para aleancar um objectivo consciente ‘ou, por outtas palavtas, técnica»? Este reconhecimento do papel desempenhado pia elementos inconscientes, ou talver pré-conscientes, € papel relativamente menor que a planificagéo consciente pode desempenhar na producio de uma obra de arte joga bem com a forma como muitos artistas tém descrito 0 acto criativo. O pintor Francis Bacon, por exemplo, numa entrevista a David Sylvester, clarificou a relagdo entre aquilo a que chama «intencdo» e «surpresa»: (ver gravu- ras 6 € 7) DS_ Ora, éclaro que em qualquer arte hé uma mistura de intengdo e daquilo que apanha o artista cle surpresa. FB_ Sim. Sema intengao, nem sequer comegara. DS Oque parece estar a dizer é que, no seu caso pessoal, @ surpresa toma conta da intengao desde muito cedo, FB Repare, temos uma intengio mas aquilo que de facto acontece dé-se durante o trabalho — por isso € to dificil falar disto —, de facto surge durante o trabalho. B a forma como se dé tem realmente a ver com as coisas que acontecem. Durante o trabalho estamos mesmo a seguir esta espécie de nuvem da sensacio em nés préprios, mas na verdade nfo sa- bemos 0 que é. E € 0 chamado instinto. E 0 nosso instinto, esteja certo ou errado, fixa-se em certas coisas que aconteceram durante a actividade de aplicara tinta a tela? EXPRESSAO DE EMOCAO Bacon também identifica a autocritica consciente como outro elemento importante do processo criativo, mas 0 que enfatiza sio as contribuigdes nio planeadas ¢ inconscientes do processo. Como Collingwood, Bacon tem relutancia em explicar o processo criativo como algo que satisfaca uma intengao claramente formulada. Os co- ‘mentérios da escultora Ana Maria Pacheco relativamente sua abordagem da escultura em madeira vio na mesma linha da distingio de Collingwood entre atte e offcio: Obviamente que sei qual é a estrutura da composi- 40, mas no sei como vai evolu E por iso que nao | faco modelos, porque de outro modo seria apenas { um design, Estatiamos a lidar com aquilogue sabe- | mos. Nas artes visuais temos de lidar com sabemos.4 Tanto para Bacon como para Pacheco, é 0 préprio processo que clatifica a intencio inicialmente vaga. Como diz Collingwood: «O verdadeiro artista é uma pessoa que, lutando com o problema de expressar uma certa emocio, diz: ‘Quero tornar isto claro.’»" Hé um elemento de pla- icacdo A medida que se produz a obra, de teacco a0 aleatério — ou, pelo menos, a aspectos que nao foram conscientemente escolhidos. E 20 passo que um certo nivel de pericia é necessétio, a pericta 86 por si nao é sufi- ciente para fazer de uma tela uma verdadeira obra de arte, A questiio mantém-se, contudo: © que pensa Col- lingwood que é a verdadeira arte? E claro que nao é 0 mesmo que 0 oficio, nao é o produto de técnicas usadas 61 0 QUE EA ARTE? para alcangar fins preconcebidos, ou, pelo menos, nao 0 Enecessariamente. A sua resposta & simples: a verdadeira arte € a expressio imaginativa da emocio. Por «expres- sao» Collingwood quer dizer algo bastante especifico — ‘nao uma irrupgio ou uma manifestagdo involuntéria da emogao, nem um despertar deliberado da emogfio, mas antes a clarificacéio de um sentimento inicialmente vago que através da sua expressii se tora claro. © processo de criar uma obra de arte é um refinamento desta emogio ¢ a0 mesmo tempo uma maneira de o artista ganhar uma espécie de conhecimento de si precisamente através da clarificagao daquilo que sente: Até um homem ter expresso a sua emogio nao sabe ainda de que emogio se trata. O acto de exprimicla € assim uma exploragio das suas préprias emogies. Ele esté a tentar descobrir o que sio estas emogoes.* Tal pode parece implausivel: como poderemos nés, Pot exemplo, nao ter consciéncia de que nos sentimos tristes? Contudo, de acordo com a teoria de Collingwood, © processo de explorar a natureza das emogdes envolve a passagem de uma consciéncia muito geral de tristeza para uma compreensdo e expresso imaginativa precisa do tipo singular de tristeza que o artista sente: Quando se diz que um homem exprime emogio, 0 ‘que esté a dizer-se resume-se ao seguinte. Primeiro, ‘© homem comeca por ter consciéncia de ter uma emogdo, mas nio de que emogio se trata. Tudo 62 EXMRESSAO DE ENOCAO aquilo de que tem consciéncia é de ou agitagdo, que sente dentro de reza desconhece. Enquanto permanece neste estado, tudo o que pode dizer sobre a sua emocdo € -Sinto... no sei o que sinto, A expresso bem sucedida de uma emocdo permite ao observador ou & audiéncia ganhar consciéncia dela, exactamente como o processo de criago artstica isola a natureza dessa emogio particular para a pessoa que dela tem experiéncia € que a expressa: "Uma pessoa que expressa algo gana assim conscign- ing wood, tal como o artista, e torna-se assim um artista no decorrer do préprio processo de apreciar a arte. O artista mostra aos observadores da obra de arte como expressat a emogiio particular que se encontra na obra. O valor da arte tanto para o criador como para os consumidores en- contra-se na sua capacidade para clarificare individu: zar emoges especificas. Quando um observador sensivel olha, por exemplo, para uma pintura de Van Gogh de um par de botas velhas (ver gravura 8), a emoco que sence itd, idealmente, assemelhar-se & de Van Gogh: Esta experiéncia do espectador nio repete a expe- riéncia comparativamente pobre da pessoa que olha © QUEE A ARTE? apenas para 0 que é representado; repete a expe- 1i8ncia mais ica e muitfssimo organizada da pessoa {que no apenas olhou para a representagao mas que também a pintou.” A teoria positiva de Collingwood da verdadeira arte’ pode set melhor apreciada pondo-a em contraste com dlois tipos de actividade que relegou para a categoria da cochamada arte: arte magica e arte de diversi. Para Col- lingwood, tanto a arte como magia, como a arte como diversao deveriam ser correctamente classificadas como formas de oficio, e no como uma forma de verdadeira arte. So ambas abrangidas pela teoria técnica da atte. ‘Ambas tratam a arte como algo intimamente relacionado com as emogdes, mas com o seu despertar e nao com a sua expresso imaginati = con previamente concebido de despertar emocdes particul res, como nos rituais. Collingwood no entende o temo magia como pejorativo: a magia é um meio para o fim de despertar emogGes que esto «focalizadas e cristaliza- das, consolidadas em agentes eficazes na vida pritica.»® Estas emogées no sao libertadas através da magia, quer esta tome a forma de uma danga, de uma cancao ou de uma pintura; antes so canalizadas para a vida prética da sociedade. Collingwood tem em mente os rituais «mégi- cos» das outras sociedades, mas também aqueles objectos e actividades que tém um papel anélogo na sua sociedade. Assim, uma cangéo patristica, como «Rule Britannia», € uma obra de arte magica no sentido de Collingwood, uma fe como magias)é o nome | dado por Collingwood as obras qu sfio meios para o fim | EXPRESSAO DE EMOGEO vver que o seu objectivo é despertar tipos patticulares de sentimentos patriéticos que podem depois ser orientados para agir. O fnimo exaltado pelo hino nacional entu- siasma © ouvinte, fazendo-o realizar actos nobres pela ie-pitria. Em tais casos, o efsito desejado da miésica nd € catirtico, Idealmente, as emosées sio dirigidas para _acgoes socialmente apropriadas. A arte magica contrasta co De acordo com Collingwood, a arte de entreteni- mento traz consigo sérios perigos: o seu predominio numa sociedade é um sintoma de decadéncia moral: A diversio tomna-se um perigo para a vida prética quando o débito que impOe nas reservas de energia € demasiado alto para poder ser pago no cutso normal da vida. Quando alcanga um ponto erftico, a vida prética ou a vida «real>, fica emocionalmente falida; um estado de coisas que descrevemos a0 falar dda sua monotonia intolerdvel ou chamando-Ihe uma escravidio. Instalou-se uma doenga moral, cujossin- tomas so uma nsia constante de diversio e uma incapacidade para nos interessarmos O.QUEE A ARTE? da vida do dia-a-dia, pelo trabalho necessétio para 0 sustento e pela rotina social. Uma pessoa para quer a doenga se tomou crénica tem a conviccSo mais ou ‘menos instalada de que a diverséo 6 a Gnica coisa ‘que dé valor & vida, Uma sociedade na qual a doenga é endémica & aquela em que a maioria das pessoas sente tal conviceao durante a maior parte do tempo." Collingwood pensava que a sua propria sociedade estava a ser negativamente arrastada pela arte de diver- “Kevin a defnigi de arte para ele no era um enigma l- tgico para ser resolvido como quem resolve as palavras ¢ru- zadas. Ao tracar a distingao entre a verdadeira arte € a chamada arte, esperava tesistir desse modo ao arrasta- mento para a consciéncia corrupta que pensava ser uma caracteristica da sua era. Ha pelo menos dois elementos centrais em The Prin- ciples of Art: a defesa das teorias expressionistas e idealis- tas da arte. Collingwood & um expressionista na medida em que define a arte como a expresso imaginativa das cemogées; a0 mesmo tempo é um idealista uma vez que em momentos cruciais do livro afirma que uma obra dé arte nao precisa de estar incorporada num material par- ticular; pode estar puramente na mente do artista. Por ‘exemplo, escreve Collingwood: Uma obra de arte nfo precisa de ser aquilo a que chamamos uma coisa real, Pode ser aquilo a que 6B eExpRessio DE EMOGAO chamamos uma coisa imagindria. Uma perturba- 640, ou um incémodo, ou uma marinha, ou outra coisa do género, néo é de todo em todo criada até sutgit como algo que tem o seu lugar no mundo | real. Mas uma obra de arte pode ser completa- mente criada como algo cujo dnico lugar € na mente do artista.” { AA sua ideia aqui parece ser que uma obra de arte | nao precisa de ser tangfvel. Pode Tomo uns idea, na mente do arstalTiplamente, os aitistas fazem de facto objectos quando exprimem as suas emogoes artisticamente. O seu envolvimento com 05 meios — seja tinta, barro ou outro material — pode fazer parte do processo. Mas estes abjectos so sempre simplesmente os meios através dos quais os observado- res podem construir o trabalho por si préprios na sua propria mente. A verdadeira obra existe na forma de ideias na mente do seu criador, e na mente de quem esta a apreciar a obra. Para Collingwood, a apreciagao da arte envolve a imaginagao: «Uma verdadeira obra de arte € uma activi- dade total que a pessoa que dela desfruta apreende ou tem dela consciéncia pelo uso da sua imaginagio.»°® Esta actividade imaginativa nao é, no caso das artes visuais, somente visual — nem é de todo em todo especifica- mente visual, de acordo com a teoria de Collingwood. Neste aspecto, aceita a posigio de Bernard Berenson de que os «valores tdcteis» devem ser centrais & nossa expe- rigncia da pintura, Estes sio as sensagoes imaginadas sus- 69 © que EA ante? 70 citadas pela experiéncia da distancia, do espaco, da massa, etc., no seio das pinturas: aquilo que obtemos ao ofhar para uma imagem no € apenas a experiéncia de ver, ou mesmo de arcialmente ver e parcialmente imaginar certos objectos visiveis; é também, e na opin do St. Be- renson mais importante ainda, a experiéncia imagi néria de certos movimentos musculares complica- dos. O observador da pintura Lac d’ Annecy, de Cézanne, itia, de acordo com a perspectiva de Collingwood, ter uma experiéncia imaginéria de movimento ao longo da paisa gem, presumivelmente até mesmo a de atravessar 0 lago representado. Esta experiéncia estaria idealmente pré- xima da experiéncia do artista enquanto pintava a obra. Aqui, 0 que 0 observador desfruta apropriadamente no €a apreciagao sensfvel directa dos azuis e verdes e das for- ‘mas representadas, mas sim uma experiéncia tactil. A ex- periéncia do observador € 0 que é desfrutado, e nao ape- nas 0 objecto fisico, a pintura na galeria: 1 o valor de qualquer obra de arte para uma pes- s0a apropriadamente qualificada para apreciar 0 seu valor no € o encanto dos elementos sensiveis em que a obra de arte consiste de facto, mas o encanto da experiéncia imaginativa que tais elementos sen- siveis nela despertam. As obras de arte so meros meios para um fim; o fim € esta experiéncia imagi- EXPRESSAO DE EMOGKO nativa total que as obras de arte nos permitem des- fruta A influéncia do filésofo italiano Benedetto Croce (1866- 1952) & manifesta ao longo de The Principles of Art. ‘Tanto Croce Lomo Collingwood concebiama arte em ter- mos de expresso, e em particular em termos de tomar precisos sentimentos imprecisos. Ambos pensavam que a nar uma obra de arte, Também pensavam qi uma linguagem, entendendo «linguagem no seu sentido juer actividade cor- expresse a emo- potal autoconsciente através da qual io. Escrever e falar nao sto as tinicas formas de linguagemy; pintar, dancar ou tocar o violino podem ser actividades linguisticas nesta acepeao do termo. ‘Quer Collingwood tenha sido ou nio completa- mente original na formulagdo da sua teoria, o estatuto da mesma deve ser avaliado pela capacidade para resis ponderagao critica, e nao pela fonte. O facto de muitos artistas compreenderem a sua propria actividade como expresso de emogées ndo mostra que a teoria de Col- lingwood € verdadeira,O lingwood do que esté envolvido na pintura confere uma seriedade e, por vezes, uma profundidade aos comenté- rios que faz ao expor a sua teoriaOs artistas podem, con- tudo, estar enganados acerca da natureza da sua activi- dade. Uma teoria filosofica deve ser avaliada pelo seu poder explicativo e pelo seu discernimento, mas também pela sua capacidade para resistir a contra-exemplos ¢ a aarte eral (0 que EA ARTE? _ | tentativas de refutacao. Neste aspecto, a teoria de Col- lingwood, como a de Bell, é vulneravel. FR nogio de verdadeira arte de Collingwood admite muitas coisas que ndo séo obviamente arte; a0 mesmo | tempo, exclui_ alguns casos paradigméticos de arte. In- clui demasiado porque parece implicar que qualquer expresso imaginativa de emogGo iré ser automatica- mente qualificada como obra de arte — uma posigao muitissimo contra-intuitiva. E ébvio que a expressao de uma emocao nao precisa de ser uma obra de arte. A ex- pressio de emogdes, mesmo no sentido em que Colling- wood usa 0 termo «expresstio», no é certamente uma condigdo suficiente para que algo seja uma obra de arte. Por exemplo, a transferéneia e a contratransferéncia entre um psicoterapeuta ¢ o seu cliente poderia muito bem ter a forma de um sentimento vago, quase incons- ciente, aperfeigoado numa emocio precisamente ex- pressa; contudo, poucas pessoas defenderiam que é, por isso, uma obra de arte. Talvez, contudo, na terminolos de Collingwood, tal nao consista numa expressao imagi- nativa de emogées. Porém, poder-se-ia fazer uma objeccdo semelhante a partir do interior da teoria de Colling- wood: a sua descrigio do papel apropriado do observa- dor de uma pintura parece transformar esse observador num artista, O observador reexprime a emogio que se encontra no Amago da obra. Se esta for uma leitura cor- recta de Collingwood neste aspecto — e a stia teoria é notavelmente escorregadia — entio é simplesmente im- plausivel. Como T. M. Knox comentou relativamente a Collingwood numa peca biografica: «{...] na filosofia ele a Expaesséo DE EWOGAO tinha visdes, cuja validade nao conseguiu justificar aos outros através de argumentos.>*" ‘Ao mesmo tempo que a teoria admite demais no do- ino da verdadeira arte, exclui muitas obras de arte pa- radigmaticas. Uma aplicagao rigorosa dos comentarios acerca da arte magica, por exemplo, parece impedir a maioria das grandes pinturas da Renascenca de serem obras de arte. A funcao da arte religiosa é «evocar, ¢ cons- tantemente reevocar, certas emogdes cuja descarga terd lugar nas actividades da vida quotidiana.» Retabulos e outras pinturas devocionais sfo criadas como ponto de convergéncia da oracao e com uma funcéo particular em mente. Ser que isto significa que, por exemplo, 0 Diptico de Wilton (c. 1395-99) (ver gravuras 10 e 11) em exposi- ¢ao na National Gallery, de Londres, no ébem uma obra de arte, uma vez que o seu objectivo no era exprimir uma ‘emogdo mas antes evocar sentimentos particulares e ser um suporte num ritual de devocao privada’ A sua funcao religiosa foi provavelmente ampliada pelo uso inteligente de folhas de ouro perfuradas, que acentuam potmenores cruciais quando vista a luz da vela.” A auréola do me- nino Jesus, por exemplo, contém por dentro uma coroa de espinhos e quatro pregos, presumivelmente inclufdos para evocar emogies acerca do sofrimento posterior de Jesus Cristo e da crucifixio e nao para servirem de clari- ficagao de um sentimento inicialmente vago do artista. (Outra critica a teoria de Collingwood & que para ele a questo de saber se um objecto particular ou actividade é uma obra de arte ou nao depende inteiramente da sua ctiologia: a hist6ria de como veio a ser 0 que &. Esta his- 0 que € a anre? t6ria, contudo, pode em alguns casos nao ser acessfvel a qualquer observador vivo. A escultura do pequeno homem a dangar, descrita por Collingwood, poderia igualmente ser uma obra de arteso. A sua observacio ndo nos dird se foi ‘uno feita segundo um plano prévio, Para Collingwood, a questéio de saber se algo é ou no uma obra de arte nao se responde observando simplesmente a obra. Tem antes de ser respondida através de consideragdes sobre 0 estado de espirito do artista. Este aspecto nfo derrota por completo a teoria; apenas realga uma dificuldade prética quanto & sua aplicagao a disputas sobre se uma obra particular merece ou nao a designacio de verdadeira arte. Mesmo que Colling- wood tenha razio acerca do que é a arte, a sua teoria nao poderé dar-nos uma maneira de discriminar entre a verdae deira arte © a chamada arte. Tome-se 0 exemplo do filme de Hitchcock, Psico, ja abordado. O facto de envolver uma competéncia técnica imensa na planificaggo e na execugao ddas suas principais cenas nfo exclui de forma alguma a pos- sibilidade de ser uma obra de arte. Como vimos, a verda- deira arte e 0 oficio — para Collingwood — no so cate- gorias mutuamente exclusivas. O facto de Hitchcock ter escolhido dizer que o sucesso do filme assenta na manipu- lado das emogGes das audiéncias nfo prova conclusiva- ‘mente que esta seja uma descri¢éo correcta do estado de espfrito do realizador. Talvez o filme tenha de facto sido crindo através de um processo de refinamento e expresséo de uma emogao rudimentar. © problema é que, além da consideragio dos indicios inconclusivos fornecidos por um visionamento empenhado do filme, ndo temos qualquer meio Gbvio de acesso aos indfcios relevantes. EXPRESSAO DE EMOGKO A teoria de Collingwood, como a de Bell, 6 aspectos, mas implausivel como resposta & per- gunta geral «O que é a arte». E 0 insucesso conspfcuo da teorizagao geral acerca da arte que levou alguns fildsofos adeclarar que o proprio projecto de tentar encontrar uma definigao do termo estava a ser mal conduzido. A arte € indefintvel, defenderam, e é um erro l6gico procurar a sua esséncia. iva 75

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