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0000_Impulso_31.

Book Page 1 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

IMPULSO ISSN 0103-7676 • PIRACICABA/SP • Volume 13 • Número 31• P 1-179 • 2002


0000_Impulso_31.Book Page 2 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Revista de Ciências Sociais e Humanas


Journal of Social Sciences and Humanities

Universidade Metodista de Piracicaba Gráfica UNIMEP


Coordenação: Carlos Terra
Capa: Wesley Lopes Honório
Reitor Editoração eletrônica: Carla Cynthia Smanioto
Revisão Gráfica: Juraci Vitti
ALMIR DE SOUZA MAIA Impressão: Copy Service Indústria Gráfica

Vice-reitor Acadêmico A REVISTA IMPULSO é uma publicação quadrimestral da Universi-


ELY ESER BARRETO CÉSAR dade Metodista de Piracicaba-UNIMEP (São Paulo, Brasil). Aceitam-se
artigos acadêmicos, estudos analíticos e resenhas, nas áreas das ciên-
Vice-reitor Administrativo cias humanas e sociais, e de cultura em geral. Os textos são seleciona-
dos por processo anônimo de avaliação por pares ( peer review). Para a
GUSTAVO JACQUES DIAS ALVIM apresentação dos artigos devem ser seguidas as normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas ( ABNT) [veja a relação de aspectos prin-
EDITORA UNIMEP cipais no fim da revista].
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ANTÔNIO ROQUE DECHEN Metodista de Piracicaba- Unimep (São Paulo, Brazil). The submission of
CASIMIRO CABRERA PERALTA scholarly articles, analytical studies and book reviews on the humanities,
CLÁUDIA REGINA CAVAGLIERI society and culture in general is welcome. Manuscripts are selected
ELIAS BOAVENTURA through a blind peer review process. For the submission of articles, the
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GUSTAVO JACQUES DIAS ALVIM Chicago University Press) [Please: give city, publisher and year of publica-
GISLENE GARCIA FRANCO DO NASCIMENTO tion]; and Richtlinien für Manuskripte (German): Duden – Rechtsch-
MARCO POLO MARCHESE reibung der deutschen Sprache (Stuttgart, Klett-Verlag, 2001) [Bitte
NIVALDO LEMOS COPPINI Stadt, Verlag und Erscheinungsjahr angeben].

IMPULSO 31 (maio/ago. • 2002) Aceita-se permuta / Exchange is desired.


Comissão Editorial / Editorial Board Impulso é indexada por / Impulso is indexed by
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AMÓS NASCIMENTO Index (HAPI); Índice Bibliográfico Clase (Unam); Linguistics And Lan-
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Universidade de Limoges – França).
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Editor Executivo / Managing Editor
HEITOR AMÍLCAR DA SILVEIRA NETO (MTB 13.787)
Equipe Técnica / Technical Team Vol. 1 • N.º 1 • 1987
Secretária: IVONETE SAVINO Quadrimestral/Quarterly
Apoio administrativo: ALTAIR ALVES DA SILVA
Bolsista-atividade: NILSON CÉSAR DE SOUSA e ISSN 0103-7676
OLÍVIA SILVA CARMO RAMON
Edição de texto: SUZANA VERISSIMO 1- Ciências Sociais – periódicos
Revisão de textos em espanhol: JUAN CARLOS BERCHANSKY CDU – 3 (05)
Revisão de textos em inglês: CRISTINA PAIXÃO LOPES
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Editorial

INTEGRAÇÃO REGIONAL:
FRAGMENTAÇÃO CULTURAL
& GLOBALIZAÇÃO

Este número da IMPULSO debruça-se sobre as características


e contingências das diversas formas de integração regional, hoje
em pleno processo de construção, efervescência, questionamento
e indefinição. Certamente a questão da integração econômica re-
gional em distintos continentes é um tema de futuro, pois, pelo
menos no Brasil, a questão da implementação da ALCA será assun-
to constante de nossas preocupações nos próximos anos. Mas tra-
ta-se também de temática de projeção incerta, já que não sabemos
a direção na qual várias das questões trazidas se desenvolverão.
Como o impacto da crise argentina sobre o projeto do Mercosul
nos mostra de modo claro, vivemos atualmente uma era de incer-
tezas. Mas os artigos reunidos nesta edição podem nos ajudar a
dar sentido aos fatos mutantes que hoje se nos apresentam e a ofe-
recer razões para projeções mais positivas.
Abrindo esse número, Paulo Roberto de Almeida parte da si-
tuação brasileira e traça uma retrospectiva geral que retoma os pri-
mórdios do Mercosul: indica seus antecedentes em 1986, seu de-
senvolvimento a partir do Tratado de Assunção em 1991 e a crise
a que se chegou a partir da situação interna argentina e brasileira.
Falando da perspectiva privilegiada de um diplomata brasileiro,
reconhecidamente um dos maiores especialistas no Mercosul, Pau-
lo Almeida conclui que esse processo é irreversível, sendo ademais
passo necessário para qualquer outra experiência de integração na
qual o Brasil queira se aventurar.
Dando continuidade à mesma temática, temos um texto as-
sinado por Marcelo Passini Mariano & Karina L. Pasquariello
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Mariano que, em um trabalho a quatro mãos, nos oferecem sub-


sídios teóricos sobre as principais correntes na área das relações
internacionais. É com base nessas correntes que eles buscam um
instrumental adequado para analisar os processos de integração
regional e apresentar a questão geral sobre a integração regional,
especialmente as realidades do Brasil e da Argentina no Mercosul.
O texto de Regina Simões & Cristiano Morini também se
dedica à questão do Mercosul, colocando-a no contexto mais ge-
ral da formação de blocos econômicos. Juntamente com os demais
textos, esse artigo estabelece um conjunto a indicar a importância
do Mercado Comum do Cone Sul para o Brasil e os desafios que
tal proposta tem enfrentado. Trata-se, ademais, de um ótimo pano
de fundo para se discutir os outros temas apresentados neste nú-
mero, já que apresentam realidades outras de integração regional,
que servem tanto de modelo como de contraponto ao Mercosul.
Embora não seja parte do Mercosul, o caso de Cuba deve ser
entendido em relação indireta com o contexto acima descrito, já
que se trata de um país latino-americano que foi forçado a buscar
alternativas de articulação com outros países no continente, inclu-
sive devido ao embargo imposto pelos Estados Unidos à ilha, des-
de há muito governada por Fidel Castro. Partindo desse contexto,
Eugenio Espinosa Martínez relaciona a ética com a economia, ex-
plorando o conceito de valor e mostrando os potenciais humanos
enfatizados pela estratégia cubana de desenvolvimento econômico
durante a década de 1990.
Outra perspectiva ocorre desde a América do Norte, onde se
dá um duplo processo. Primeiro, a constituição do Nafta como in-
tegração comercial relativamente bem-sucedida entre Canadá, Es-
tados Unidos e México. Em segundo lugar, o processo de extensão
dessa experiência ao se impor a ALCA para todo o continente, com
base nos interesses atuais dos Estados Unidos. É a partir dessa du-
pla perspectiva que Gamaliel Perruci e Fraser G. MacHaffie ana-
lisam a política estadunidense com relação aos demais países das
Américas. Enquanto Perruci trata do papel de liderança exercida
pela administração de George W. Bush no hemisfério, MacHaffie
analisa como o processo de constituição da ALCA pode afetar o
Mercosul, mais especificamente o Brasil.
Por sua vez, José Manuel Sobrino Heredia focaliza o processo
de maior sucesso de integração regional, a União Européia. Ao invés
de destacar os instrumentos econômicos desse processo – desde há
muito enfatizados e conhecidos, e que levaram à recente implanta-
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ção do Euro –, ele parte da situação espanhola para se concentrar


no debate sobre as concepções jurídicas-chave que permearam todo
o desenvolvimento dos processos de integração na Europa. Assim,
destaca os conceitos de soberania e de supra-nacionalidade.
Por último, Rukudzo Murapa comparte sua experiência de
envolvimento com os programas das Nações Unidas para o con-
tinente africano e dá uma visão panorâmica e sucinta dos proces-
sos de integração na região sul da África. Tal visão concentra-se so-
bretudo no processo de constituição da SADC e tem o mérito de
apresentar para o público leitor da IMPULSO um processo ainda em
andamento, ainda pouco estudado na América Latina.
Sem dúvida, tem-se, no geral, uma boa visão sobre os pro-
cessos de integração regional. Além disso, os artigos apresentados
são diversificados o suficiente para cobrir uma série de blocos eco-
nômicos continentais distintos e apresentar detalhes que merecem
atenção. Com a exceção do continente asiático, todos os demais
estão aqui representados. Consideramos que a ecumenicidade dos
enfoques oferecidos garantem uma visão abarcadora sobre os pro-
cessos em andamento, deixando em aberto várias questões que se
referem a nosso futuro comum.
Mas não poderíamos deixar de mencionar algumas questões
que emergem dos textos e nos permitem reflexões sérias e neces-
sárias. Na verdade, muitos dos textos aqui reunidos são o resul-
tado de uma série de debates com convidados internacionais, re-
alizados no âmbito da UNIMEP e voltados à discussão sobre a im-
portância e os desafios da integração regional. A região de Piraci-
caba se afirma como “porta de entrada para o Mercosul”, mas não
pode estar alheia ao desenvolvimento que ocorre nas demais re-
giões. Do mesmo modo, o que ocorre na cidade, no Brasil e na
América Latina é de importância para os processos econômicos
que se desenham a partir da ALCA, da UE e da SADC.
Não se pode negar que os processos de integração regional
ocorrem em contraponto a dois processos: a fragmentação cultu-
ral e a globalização. E aqui se revelam, de modo um tanto angus-
tiante, as incertezas que de início mencionávamos. Saímos de uma
crise na qual se concebia a geopolítica de modo bipolar, e agora
se nos apresenta um mundo policêntrico que muitos julgam poder
levar a um conflito das civilizações representadas pelos distintos
blocos continentais. Por outro lado, apregoa-se como única salva-
ção a opção incondicional por uma economia unipolar globaliza-
da, que nada mais é que a imposição de um entre os vários mo-
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delos hoje disponíveis. Em meio à visão geopolítica bipolar e à


unificação global, a integração econômica regional em blocos con-
tinentais distintos que se comunicam entre si decerto parece ser a
alternativa mais interessante.

COMISSÃO EDITORIAL
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Sumário
Mercosul: antecedentes,
desenvolvimento e crise –
uma avaliação analítico-descritiva
do período 1986-2002
Mercosul: background, developments and crisis –
a descriptive and analytical assessment of the
1986-2002 period
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
(Itamaraty, Washington/EUA) 9
As Teorias de Integração Regional
e os Estados Subnacionais
Regional Integration Theories and the
Subnational States
MARCELO PASSINI MARIANO &
KARINA L. PASQUARIELLO MARIANO
(Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea, São Paulo/SP) 47
Etica y Economia: valores y estrategia
cubana de desarrollo en los ‘90s’
Ethics and Economics: Cuban values and
development strategies in the 90’s
EUGENIO ESPINOSA MARTÍNEZ
(Universidad de La Habana, Cuba) 71
Liderança e a Nova Dinâmica
Estratégica nas Relações Hemisféricas
Leadership and the New Strategic
Dynamics in Hemispheric Relations
GAMALIEL PERRUCI
(Marietta College, Ohio/EUA) 95
Pode o Brasil ir ao Encontro
de seu Futuro através da ALCA?
Can Brazil fetch its Future Through FTAA?
FRASER G. MACHAFFIE
(Marietta College, Ohio/EUA) 107

Las Nociones de Integración y


de Supranacionalidad en el Derecho
de las Organizaciones internacionales
The Notions of Integration and supranationality
in the International Organization’s rights
JOSE MANUEL SOBRINO HEREDIA
(Universidade da Coruña, Espanha) 119
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Sumário A Ordem Econômica Mundial:


considerações sobre a formação
de blocos econômicos e o Mercosul
The World Economic Order: Considerations on the
constitution of economic blocks and Mercosul
REGINA CÉLIA FARIA SIMÕES & CRISTIANO MORINI
(Universidade Metodista de Piracicaba, UNIMEP) 139

A Comunidade de Desenvolvimento
da África Austral (SADC): rumo
à integração política e econômica
Southern Africa Development Community (SADC):
towards political and economic integration
RUKUDZO MURAPA
(Africa University, Zimbábue) 155

...............................
Comunicação
A Era Vargas e os seus
Legados a Longo Prazo
Entrevista com Jens R. Hentschke
The Vargas Era and its Long-term Legacies
Interview with Jens R. Hentschke,
by Napoleão Sabóia 165

...............................
Normas para publicação 175
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Mercosul: antecedentes,
desenvolvimento e crise –
uma avaliação analítico-
descritiva do período
1986-2002
MERCOSUL: BACKGROUND,
DEVELOPMENTS AND CRISIS –
A DESCRIPTIVE AND ANALYTICAL PAULO ROBERTO
ASSESSMENT OF THE 1986-2002 PERIOD DE ALMEIDA
Diplomata,
ministro-conselheiro na
Resumo Análise da evolução e dos principais problemas no itinerário de mais de uma
embaixada brasileira em
década de construção do processo integracionista no Cone Sul, o Mercosul, com des-
Washington, EUA
taque para suas flexibilidade e adaptação às conjunturas econômicas e políticas dos países
pralmeida@brasilemb.org
membros, sua estrutura institucional, seu papel na estabilidade democrática na região,
http://www.pralmeida.org/
seus principais desafios externos (entre os quais o da ALCA é o mais importante) e o
período de crise vivido nos anos 1999 a 2002. Uma cronologia ano a ano destaca as
principais medidas adotadas no âmbito do Mercosul entre 1986 e 2002.

Palavras-chave INTEGRAÇÃO – MERCOSUL – ECONOMIA REGIONAL –


ALCA – DEMOCRACIA – BRASIL .

Abstract An assessment of Mercosul’s evolution and its main problems during its
first eleven year building-up process. Emphasis is laid on Mercosul’s flexibility and
adaptation to economic and political trends in its member countries, on its instituti-
onal framework, its role in guaranteeing the democratic stability in the region, its
main challenges (among them, FTAA seems the most important) and the crisis un-
folding since 1999. A year by year chronology since 1986 informs about the main de-
cisions adopted within Mercosul.

Keywords INTEGRATION – MERCOSUL – REGIONAL ECONOMY – FTAA –


DEMOCRACY – BRAZIL.

impulso nº 31 9
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O
O MERCOSUL COMO PROCESSO HISTÓRICO
E COMO REALIDADE SOCIOLÓGICA
Mercosul, entendido como processo complexo de
construção progressiva de um espaço integrado no
Cone Sul, transcende em muito as realizações eco-
nômicas, políticas e diplomáticas acumuladas ao
longo dos primeiros 11 anos de sua existência for-
mal, contados a partir da assinatura do Tratado de
Assunção, em 26 de março de 1991. Trata-se de
uma realidade sociológica fortemente embasada no
contexto histórico e político do subcontinente sul-americano, extrava-
sando o simples conceito econômico de união aduaneira ou de mercado
comum, visto que apresenta características imanentes do ponto de vista
socioestrutural que vão além dos resultados alcançados nos planos co-
mercial, político-diplomático ou mesmo societal dos quatro países mem-
bros. A realidade sociológica e o alcance efetivo do Mercosul na geoeco-
nomia e na história política recente da região extrapolam a simples área
coberta pelo território combinado dos quatro membros originais e dos
dois países associados. Da mesma forma, seu tempo histórico de desen-
volvimento ultrapassa a mera cronologia de uma década, devendo-se re-
montar à segunda metade do século XX para projetar sua influência real
nas próximas décadas.
O presente texto pretende oferecer, segundo uma perspectiva bra-
sileira, um balanço crítico dos primeiros 11 anos do Mercosul em suas di-
ferentes vertentes. Portanto, a avaliação sistêmica aqui proposta está ex-
plicitamente formulada a partir dessa visão nacional do processo integra-
cionista. O texto se propõe a tocar nos seguintes aspectos, que comporão
suas seções: depois desta introdução ao debate do problema e de uma
breve digressão histórica sobre seus antecedentes, serão sucessivamente
abordados o problema da opção integracionista no quadro da história po-
lítica e econômica dos países membros na segunda metade dos anos 1980,
com destaque para o protagonismo dos dois sócios principais, o desen-
volvimento do Mercosul nos anos 1990, suas realizações materiais e frus-
trações econômicas, seus pressupostos políticos e sua estrutura jurídico-
institucional, assim como as lacunas remanescentes do processo integra-
cionista em face dos desafios existentes nos planos regional, hemisférico
e global. Uma breve cronologia relacional da integração no hemisfério
complementa a avaliação aqui empreendida.
Qualquer avaliação ponderada de um processo de construção inte-
gracionista tão complexo como o Mercosul deve partir de premissas rea-
listas e de critérios razoáveis de aferição de resultados e julgar os sucessos
alcançados, assim com as insuficiências manifestas do projeto de mercado
comum em sua ótica e méritos próprios, que devem ser os dos objetivos
originalmente propostos pelos pais fundadores e expressos nos textos
constitutivos, nos mandatos ulteriores e nas decisões derivadas, recusan-
do, portanto, a adoção de uma perspectiva principista que consistiria na

10 impulso nº 31
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crítica à realidade existente a partir de um modelo gundo Pacto ABC, mas as naturais diferenças po-
suposto ideal de integração, geralmente identifi- líticas e de orientação diplomática hemisférica en-
cado com o padrão europeu. O autor não preten- tre os governos dos três países no contexto da
de discutir implicações teóricas ou controvérsias Guerra Fria sepultaram rapidamente essa tentati-
jurídicas do Mercosul – como a falsa oposição va de caráter mais hegemônico do que propria-
entre o direito comunitário e o direito interna- mente econômico ou comercial. Dada a referida
cional –, não pertinentes ao objeto em foco e ao conjuntura, tanto as primeiras formulações de
espírito deste balanço, que se limita ao desenvol- políticas comercial e industrial por parte da CE-
vimento dos processos reais que marcaram seu PAL (dirigida então por Raúl Prebisch) quanto o
itinerário nos primeiros 11 anos a partir do Tra- exemplo então oferecido pelo núcleo original do
tado de Assunção. Um rápido percurso sobre as Mercado Comum Europeu incitaram o Brasil e a
origens históricas e os fundamentos econômicos Argentina a retomar o projeto integracionista.
do Mercosul torna-se entretanto necessário para Vale recordar que, por limitações próprias ao
identificar as diferenças, continuidades e rupturas GATT-1947, era impossível, à época, constituir
em relação ao processo imediatamente anterior. uma simples área de preferências tarifárias entre
os países interessados da região ou concluir um
DA INTEGRAÇÃO BRASIL-ARGENTINA pacto comercial bilateral mais avançado entre os
AO MERCADO COMUM DO SUL: dois grandes, razão pela qual foi preciso adotar o
1986-1990 formato de uma zona de livre comércio, consubs-
Os processos de aproximação, de coopera- tanciada na ALALC, criada pelo primeiro Tratado
ção e de integração entre a Argentina, o Brasil, o de Montevidéu (1960).
Paraguai e o Uruguai que resultaram no Tratado Não é preciso retomar aqui o itinerário de
de Assunção de 1991 e na construção integracio- avanços e recuos desse esquema, logo sofrendo as
nista ulterior, associando ao projeto outros países restrições políticas dos governos militares ou a
do Cone Sul latino-americano, possuem antece- competição de projetos mais ambiciosos de inte-
dentes políticos e estruturais tanto internos gração, como o do Pacto Andino (1969). Na re-
quanto externos ao esquema sub-regional, cujas alidade, o Brasil e a Argentina sempre realizaram
principais etapas históricas de desenvolvimento a maior parte das transações comerciais operadas
poderiam ser sumariadas em torno de algumas ao abrigo dos acordos preferenciais da ALALC e
datas simbólicas desse longo itinerário, que pro- dos mecanismos de liquidação de contas previs-
vavelmente ultrapassa meio século de ensaios, lo- tos no Acordo de São Domingos de 1965
gros positivos e frustrações. (compensações interbancárias à base de créditos
Com efeito, data do início dos anos 1940, recíprocos, contrariamente aos sistemas de paga-
ainda antes da guerra européia ter se convertido mentos multilaterais recomendados pelo FMI). O
em um conflito mundial de proporções gigantes- fato é que os dois países, depois de praticamente
cas, a tentativa de uma primeira união aduaneira duas décadas de objetivos conflitantes – inclusive
bilateral Brasil-Argentina, aberta à época aos de- no que se refere ao aproveitamento dos recursos
mais países da sub-região. Tal projeto foi descon- hídricos do Prata – e de uma competição militar
tinuado não apenas em função dos itinerários po- tão irracional politicamente quanto custosa eco-
líticos diversos seguidos pelos dois países naquela nômica e diplomaticamente, pois que envolven-
conjuntura político-militar, como provavelmente do projetos nucleares sem qualquer correspon-
também no plano estrutural, em razão de assime- dência com as realidades estratégicas e de segu-
trias econômicas, da baixa intercomplementari- rança da região e no plano global, decidiram re-
dade industrial e do caráter ainda mais excêntrico tomar o projeto de construção progressiva de um
de suas respectivas parcerias comerciais externas. mercado comum bilateral, tal como inicialmente
O projeto seria renovado no início dos anos 50 proposto nos anos 50 por pioneiros da integra-
por iniciativa peronista, sob a forma de um se- ção, como Hélio Jaguaribe. A reaproximação,

impulso nº 31 11
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nos anos 80, entre Brasil e Argentina foi possí- 1998). Em todo caso, o conceito de Mercosul es-
vel graças ao contexto dos processos de tava lançado, assim como o embrião das futuras
redemocratização política e dos novos esquemas instituições intergovernamentais – Conselho de
preferenciais existentes ao abrigo do segundo Ministros, Grupo Mercado Comum, subgrupos
Tratado de Montevidéu, de 1980 (que criou a de trabalho – que iriam marcar todo o processo
ALADI, sucessora da ALALC), e da cláusula de ha- de integração na década que se seguiu e, de fato,
bilitação do GATT (tal como emanada da Rodada até a atualidade. Em termos de relações regionais
Tóquio de negociações comerciais multilaterais, e internacionais, as políticas externas do Brasil e
em 1979). da Argentina – e mesmo, de certo modo, suas po-
A fase que se estende do Programa de In- líticas econômicas internas e externas – passavam
tegração e de Cooperação Econômica, desenha- a estar indissociavelmente ligadas e interconecta-
do em 1986 por diplomatas de ambos os países das, mesmo se, em diversas fases e tanto para
sob a liderança dos presidentes Raúl Alfonsín e questões tópicas quanto para elementos mais ge-
José Sarney, até a Ata de Buenos Aires de julho rais das filosofias respectivas de cada governo,
de 1990, passando pelo Tratado de Integração de suas respectivas políticas externas divergissem
1988, corresponde a um processo bilateral de por vezes dramaticamente no espírito e na letra
aprofundamento do movimento integracionista, da construção integracionista. Os regimes cam-
que não tinha por motivação excluir outros par- biais e as alianças externas preferenciais são ape-
ceiros subregionais e cuja vocação primária era nas dois dos exemplos mais eloqüentes das assi-
inteiramente condizente com o projeto de metrias e discordâncias que o Brasil e a Argentina
industrialização competitiva dos dois países e de continuaram a exibir ao longo dos anos 90 e mes-
fortalecimento de um centro econômico próprio mo em momentos de crise do sistema político in-
no contexto subregional. Foi o caso, por exem- ternacional e do sistema multilateral de comércio.
plo, do Uruguai, que acompanhou cada um dos O elemento novo a ser destacado como resultado
entendimentos mantidos na segunda metade dos da integração da década de 80 seria a definição de
anos 80 pelos seus dois vizinhos, mas não desejou uma relação privilegiada entre os dois países, que
associar-se a eles. Até então, a liberalização recí- modificou de forma relevante o cenário estraté-
proca do comércio e a definição de políticas se- gico na América do Sul.
toriais comuns obedecia a uma lógica industrial e
de fortalecimento conjunto da base econômica A ECONOMIA A SERVIÇO DA POLÍTICA:
subregional. Os fundamentos empíricos do pro- A CONSTRUÇÃO DO MERCOSUL: 1990
cesso bilateral, nessa fase, eram fornecidos por A conjuntura política e econômica interna
um novo modelo de integração, que combinava e externa ao Cone Sul mudou significativamente
elementos dirigistas da experiência comunitária no período entre meados de 1985 e final de 1990.
européia (a constituição de um mercado comum As difíceis negociações da Rodada Uruguai para
com o estabelecimento de políticas setoriais co- a liberalização do acesso a mercados e a regulação
muns ativamente orientadas para a consolidação de setores não cobertos ou insuficientemente co-
de estruturas produtivas locais) com a cobertura bertos pelas regras do GATT – em serviços, inves-
parcial típica dos esquemas preferenciais aladia- timentos, propriedade intelectual, agricultura,
nos (seleção de setores para a redução progressiva têxteis –, assim como o novo impulso dados aos
das barreiras tarifárias e não-tarifárias). esquemas regionais de liberalização e de integra-
Esse modelo tinha a vantagem de ser claro ção, introduziram um novo desafio ao esquema
em seus objetivos de complementaridade indus- concertado entre o Brasil e a Argentina. O debate
trial, mas acarretava igualmente a desvantagem de tinha a ver com o ritmo e a cobertura do processo
requerer a negociação de acordos específicos, de integração, julgado à época por muitos obser-
sempre parciais, para o estabelecimento do obje- vadores como excessivamente lento e cauteloso –
tivo do mercado comum em dez anos (de 1989 a flexível e gradual, nos termos dos entendimentos

12 impulso nº 31
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bilaterais. A entrada em vigor do acordo de livre eximiu-se, portanto, de ingressar no novo esque-
comércio entre o Canadá e os Estados Unidos, ma subregional, preferindo apostar numa futura
em 1989, e a perspectiva de sua extensão a outros negociação comercial com os Estados Unidos
países do hemisfério, tal como propugnava a Ini- (retomada apenas dez anos depois, em dezembro
ciativa para as Américas de George Bush, em ju- de 2000, e com resultados ainda incertos). O Pa-
nho de 1990, a perspectiva de uma fortaleza Eu- raguai, por sua vez, após ter-se provisoriamente
ropa a partir de 1993, prometida pelo Ato Único reabilitado de uma longa fase ditatorial e caudi-
Europeu, de 1986, assim como a não conclusão lhesca, foi incorporado ao esquema negociador
da Rodada Uruguai em dezembro de 1990, em com o apoio do Brasil, dado o interesse deste úl-
Bruxelas, como previsto no esquema inicial, fo- timo em disciplinar o comércio ilegal na fronteira
ram fatores que, tomados conjuntamente, atua- entre os dois países.
ram de maneira decisiva na decisão em favor da
Como resultado de seis meses de intensas
conformação do Mercosul.
negociações entre os quatro países do Cone Sul,
Sem desconsiderar os fatores extra-regio- chegou-se à definição de um instrumento pluri-
nais acima mencionados, o elemento singular lateral de integração – conhecido desde então por
mais importante na tomada da decisão política Tratado de Assunção – cujas linhas básicas, entre-
em favor do formato quadrilateral do Mercosul tanto, já tinham sido dadas pelo tratado de inte-
ocorreu durante os anos iniciais dos governos gração bilateral de 1988 e, sobretudo, pelo esque-
Carlos Menem e Fernando Collor de Mello, cujo
ma livre-cambista bilateral da Ata de Buenos Ai-
compromisso político foi o de buscar o aprofun-
res, de julho de 1990. Todos os mecanismos, ins-
damento e a aceleração da integração a dois, re-
trumentos, órgãos e, em especial, os calendários
duzindo significativamente (para apenas quatro
de desgravação eram essencialmente os mesmos,
anos) os prazos e as modalidades previstos no
com algumas exceções tópicas concedidas em
Tratado de 1988. O referido compromisso foi re-
ferendado pela Ata de Buenos Aires, em julho de termos de prazos maiores (um ano adicional) e
1990, e suas conseqüências não se limitaram à da ampliação da lista de produtos sensíveis con-
mudança de ritmo do processo bilateral, mas afe- cedidas aos dois novos sócios menores. Mais im-
taram fundamentalmente o caráter do processo portante, foram preservadas a reciprocidade polí-
de integração. Em lugar da abordagem dirigista e tica total e absoluta entre os países membros e a
flexível do esquema anterior, a integração assumiu igualdade de direitos e obrigações entre eles, in-
uma natureza livre-cambista e o desmantelamen- clusive no plano da tomada de decisões, a despei-
to das barreiras existentes passou a ocorrer de to dos diferenciais de peso e importância relati-
forma automática. vos intra-Mercosul ainda mais dramáticos do que
Essa decisão dramática tanto em termos aqueles existentes entre os integrantes do outro
políticos como comerciais determinou uma nova único esquema historicamente conhecido e exi-
configuração nos equilíbrios subregionais, com a toso de mercado comum, a Comunidade Eu-
convocação de reuniões de consultas entre os ropéia. Essas assimetrias absolutas existentes no
principais interessados no processo, que, nessa Mercosul – com o Brasil representando entre 70
conjuntura, envolvia o Chile e o Uruguai, mas e 80% de sua massa física em termos de territó-
ainda não o Paraguai. O país andino do Pacífico rio, população, produto bruto e comércio exte-
logo chegou à conclusão de que não poderia in- rior – também viriam a existir no NAFTA então
gressar num projeto de mercado comum cujos em conformação, mas sem o complicador, neste
pressupostos tarifários iam na contracorrente de último caso, dos regimes uniformes, das políticas
seu perfil linear de uma tarifa única e exclusiva de setoriais harmonizadas (ou pelo menos coorde-
11%, num momento em que Brasil e Argentina nadas) e, sobretudo, da política comercial e da ta-
ainda exibiam médias tarifárias superiores a 40%, rifa externa comum que se tornam obrigatórias
com picos por vezes superiores a 100%. O Chile quando se passa de um simples esquema de livre

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comércio para a maior complexidade do mercado •a fase de transição, prevista no próprio


comum. Tratado, até o final de 1994;
O Mercosul quadrilateral estava, portanto, •a configuração institucional da união adu-
formalmente criado, com o nome oficial não de aneira, iniciada formalmente em 1.º de janeiro de
tratado do mercado comum do Sul, como mui- 1995 mas que, de fato, corresponde a uma segun-
tas vezes se acredita, mas de tratado para a cons- da fase de transição, pois abrindo espaço de tempo
tituição de um mercado comum entre Argenti- adicional para que fossem completados os requi-
na, Brasil, Paraguai e Uruguai, colocando assim sitos de uma zona de livre comércio completo e
no futuro o que então era um projeto extrema- de uma união aduaneira acabada;
mente ambicioso no que se refere a prazos e na-
•uma conjuntura de crise política e econô-
tureza dos compromissos assumidos (nada me-
mica aberta com a desvalorização do real, em ja-
nos que a harmonização de políticas setoriais e a
neiro de 1999, e a ameaça subseqüente de dolari-
coordenação de políticas macroeconômicas, por
zação na Argentina. Os contenciosos comerciais
exemplo). Na letra, como se disse, o Tratado de
e os reclamos protecionistas decorrentes foram
Assunção nada mais é senão uma reprodução ip-
sis literis dos mecanismos estabelecidos na Ata em grande medida contornados por um progra-
de Buenos Aires, ainda que seu espírito formal ma de relançamento do Mercosul no ano de 2000,
tenha sido adaptado ao esquema quadrilateral e a despeito das pressões dos Estados Unidos e de
que, na fase subseqüente de negociações internas outros países (em particular o Chile, que hesita
e externas, o conteúdo substantivo das políticas entre a adesão plena ao Mercosul e um acordo de
econômicas e comerciais adotadas eventualmente livre comércio com os EUA) em favor da anteci-
por cada um dos quatro membros originais esti- pação dos prazos negociadores para a formação
vesse longe das características de ipsis verbis que da área de livre comércio hemisférica (ALCA).
seria de se esperar de um esquema elaborado de Os objetivos fixados no artigo 1.º do Tra-
integração como pretende ser um mercado co- tado de Assunção para a fase de transição eram
mum. Essa característica se refletiria no desenvol- muito claros, a saber: a constituição até 31 de de-
vimento do Mercosul, como se verá. zembro de 1994 de um mercado comum carac-
terizado pela “livre circulação de bens, serviços e
DESENVOLVIMENTO POLÍTICO E fatores produtivos”, pelo “estabelecimento de
ECONÔMICO DO MERCOSUL: uma tarifa externa comum” e pela “coordenação
1991 A 2000 das políticas macroeconômicas”, assim como o
Os dez anos que se seguiram à data de as- “compromisso dos Estados Partes de harmonizar
sinatura do Tratado de Assunção, em março de suas legislações nas áreas pertinentes”. No que se
1991, foram marcados por diferentes fases de de- refere, por exemplo, à livre circulação de bens,
senvolvimento interno e externo do Mercosul, serviços e fatores produtivos entre os países
tanto em função do seu calendário próprio – de- membros, ela deveria ser atingida por meio, entre
finido de maneira bastante otimista, de estabele- outros, da eliminação de direitos alfandegários e
cimento progressivo e de consolidação do mer- de restrições não-tarifárias à circulação de bens e
cado comum (ainda um objetivo não alcançado, serviços, ou seja, alcançando-se uma zona de livre
como se sabe) – quanto em virtude de processos comércio. No prazo acordado, as metas foram
internos e externos que impactaram de forma ne- atingidas apenas parcialmente, essencialmente no
gativa essas diferentes etapas, sem que os Estados que se refere à livre circulação de bens – embora
membros lograssem controlar, a cada vez, o iti- vários produtos permanecessem nas listas de
nerário e o desenrolar das forças econômicas e exceções, com restrições de diversas ordens –,
políticas em jogo nas tendências de curto prazo mas não no tocante a serviços ou a uma indefini-
do futuro mercado comum. A última década da categoria de fatores produtivos, que poderia ser
pode ser dividida, grosso modo, em três etapas: considerada como o equivalente da circulação de

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trabalhadores (ou pelo menos de trabalho espe- do setor de informática e telecomunicações (com
cializado). vigência até 1.º de janeiro de 2006). A TEC se
Desse ponto de vista, e mesmo consideran- apresenta com uma estrutura racional em termos
do-se uma segunda fase de transição o período econômicos, comportando em seu regime nor-
posterior a 1995 (quando foi estabelecido um mal um leque de dispersão relativamente reduzi-
programa para o acabamento dos objetivos do do (de 0 a 20%), que esposou características da
Tratado de Assunção conhecido como Mercosul própria tarifa aduaneira brasileira, compreensivel-
2000), o Mercosul permanece uma zona de livre mente, o país de maior relevância para o comér-
comércio incompleta, embora a livre circulação cio intra e extra-regional.
de bens contemple a quase totalidade da pauta Sob o impacto da crise financeira asiática e
aduaneira, pelo menos em número de ítens. En- em vista dos problemas decorrentes do choque
tretanto, parte expressiva do comércio intrarregio- de competitividade externo tanto sobre o Brasil
nal – se não em volume, ao menos em valor – é quanto sobre a Argentina, a TEC foi objeto de re-
composta por produtos do setor automobilístico visão em dezembro de 1997, procedendo-se, por
(automóveis e peças), que permaneceu à margem meio de acordo quadripartite, a um aumento li-
da zona de livre comércio durante os primeiros near de 3 pontos nas alíquotas efetivas, o que re-
11 anos do Mercosul. Foi apenas em dezembro presentou um aumento de 25% na tarifa média
de 2000 que, finalmente, logrou-se estabelecer de 14% aplicada geralmente pelos países mem-
um marco comum quadripartite para o comércio bros. Durante a reunião do Conselho do Merca-
para esse setor, muito embora algumas dúvidas do Comum (Florianópolis, 14 e 15 de dezembro
subsistam quanto à capacidade argentina (e dos de 2000), os Estados partes alegaram necessida-
outros dois sócios menores) de cumprir o acor- des fiscais para não procederem à redução inte-
dado. Um acordo-marco para a livre circulação gral do aumento transitório da TEC. Nessa oca-
de serviços – o Protocolo de Montevidéu, seguin- sião, foi acordada a redução dos níveis tarifários
do basicamente o modelo do GATS – foi adotado adicionais para 2,5 pontos percentuais, com o
em dezembro de 1997, prevendo a liberalização compromisso de se estabelecer novas reduções
progressiva da oferta de serviços inter-regionais de acordo com um cronograma a ser definido até
num prazo de dez anos, mas sua implementação 30 de junho de 2001. Em fevereiro de 2001, con-
depende da negociação de acordos setoriais espe- tudo, o novo ministro da economia da Argentina,
cíficos e de compromissos explícitos de abertura, Domingo Cavallo, assumiu em atmosfera de cri-
que se encontram, atualmente, na Segunda Roda- se, prometendo revitalizar a economia de seu país:
da de Negociações. sua primeira providência foi suspender unilateral-
No que tange a Tarifa Externa Comum, ela mente a vigência da TEC para um certo número
foi efetivamente definida nos prazos fixados, isto de produtos, fixando novas tarifas para dois gru-
é, antes de 31 de dezembro de 1994, o que teori- pos de importações (basicamente, 35% para bens
camente converteria o Mercosul em uma união de consumo corrente, como forma de proteger
aduaneira a partir de 1995, mas a implementação temporariamente as indústrias argentinas amea-
da TEC sofreu igualmente atrasos temporais e a çadas, e zero para bens de capital, de maneira a es-
imposição adicional de regimes temporários de timular sua competitividade). Muito embora a
exceção (listas de exceções nacionais definidas reunião extraordinária do Mercosul realizada em
por cada um dos membros e, portanto, diferen- abril de 2001 tenha ratificado essas mudanças e
ciadas e não-aplicadas de forma quadripartite). acolhido as exceções temporárias acordadas à Ar-
Outras exceções dizem respeito às Listas de gentina, essa nova realidade, mais as sucessivas
Convergência acordadas na Reunião Ministerial declarações do ministro Cavallo no sentido de fa-
de Ouro Preto, em dezembro de 1994, para bens zer o Mercosul retroceder a um status de simples
de capital (com vigência até 1.º de janeiro de zona de livre comércio, contribuíram para agra-
2001, em fase de renegociação) e para produtos var a situação de crise política vivida pelo bloco

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desde a desvalorização brasileira de janeiro de sustentada numa paridade absoluta entre o peso e
1999 e para criar uma impressão internacional de o dólar, enquanto o Brasil tardou até 1994 para
inviabilidade do projeto de mercado comum face iniciar seu processo de estabilização (Plano Real)
a pressões externas tão relevantes como a criada parcialmente sustentado numa âncora cambial. A
com as negociações da ALCA. despeito da vontade política dos governos dos
A TEC deveria ter sido complementada por quatro países membros, fatores de política eco-
uma política comercial conjunta dos países mem- nômica interna na Argentina e no Brasil (reces-
bros em relação a terceiros países, mas diversos são, desemprego, sistemas de câmbio diferentes,
elementos dessa política permaneceram carentes processos eleitorais), acoplados às conseqüências
de definição, como os incentivos fiscais. Durante das crises financeiras internacionais de fins de
a fase de transição, houve consenso de que se de- 1994 no México, de 1997 na Ásia e de 1998 na
veria identificar os casos de política industrial ou Rússia e no próprio Brasil, em seguida, causaram
fiscal suscetíveis de representar subsídios ou van- sérias dificuldades para a continuada evolução
tagens indevidas para qualquer dos membros em positiva do processo negociador regional.
vista de sua harmonização ulterior, para evitar A desvalorização do real, em janeiro de
distorções comerciais na região. A despeito de 1999, e a introdução subseqüente de um regime
esforços conduzidos na fase subseqüente, não de flutuação cambial deflagraram uma grave crise
político-comercial e de credibilidade externa. Na
houve acordo nesse sentido, o que gerou polêmi-
esteira da crise da desvalorização, foi criado, em
cas internas relativas aos regimes especiais conce-
junho de 1999, o Grupo de Trabalho sobre Co-
didos ao setor automobilístico no Brasil e na Ar-
ordenação de Políticas Macroeconômicas, com
gentina. O Brasil considera que o desmantela-
vistas a retomar os entendimentos sobre o tema
mento de sua política de incentivos fiscais e cre-
e propor ações tendentes ao aumento da perce-
ditícios, como os programas promovidos pelo
pção de credibilidade do bloco frente aos inves-
BNDES, vincula-se estreitamente ao correspon-
tidores internacionais. O exercício quadripartite
dente desmoronamento da aplicação unilateral e de coordenação macroeconômica sem dúvida
abusiva de direitos antidumping e de medidas agrega projeção internacional aos programas de
compensatórias no comércio intrazona. A estabilidade monetária dos países da região, a des-
consolidação de uma união aduaneira perde sen- peito das críticas de que foram reduzidos seus re-
tido se não forem criados mecanismos e discipli- sultados concretos e de que os ganhos, em ter-
nas comuns nessas duas áreas. mos de credibilidade externa, do Brasil se deve-
No mesmo sentido, o tema da coordenação ram muito mais aos indicadores macroeconô-
das paridades cambiais, importante em vista de micos alcançados individualmente pelo país do
suas repercussões imediatas nas correntes de co- que a qualquer iniciativa ou esforço que se possa
mércio e nos fluxos de capitais, foi objeto de es- reputar ao referido grupo de trabalho. É acertado
tudos aprofundados a partir de uma análise dos notar, no entanto, que a divulgação, em outubro
regimes cambiais nacionais existentes e do papel de 2000, de indicadores macroeconômicos sobre
do intercâmbio intra e extrazona na definição das aspectos fiscais e a antecipação dos prazos previs-
paridades recíprocas. Não se logrou, contudo, tos para a definição de metas macroeconômicas
uma definição tendente à adoção de um sistema não foram suficientes para evitar a crise de credi-
de bandas convergentes ou mesmo um sistema bilidade da Argentina no mercado internacional.
monetário baseado em paridades fixas, diante do A desvalorização do real foi igualmente im-
grande descompasso observado nos processos de pactante em termos políticos e comerciais, dada a
ajuste e de estabilização macroeconômica prati- imediata reação do setor privado argentino, logo
camente desde o início do Mercosul. Como se encampada pelo governo de Buenos Aires às
sabe, a Argentina adotou, a partir de maio de vésperas da eleição. O receio – que se comprovou
1991 (Plano Cavallo), uma lei de conversibilidade infundado – de inundação de produtos brasileiros

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Tab. 1. Comércio do Brasil com os países do Mercosul (US$ bilhões, valores aproximados).
Ano Exportações Importações Saldo
1990 1,32 2,31 -0,99
1991 2,30 2,26 +0,04
1992 4,09 2,28 +1,81
1993 5,38 3,37 +2,01
1994 5,92 4,58 +1,34
1995 6,15 6,84 -0,69
1996 7,30 8.30 -1,00
1997 9,04 9,51 -0,47
1998 8,87 9,42 -0,55
1999 6,77 6,71 +0,06
2000 7,73 7,79 -0,06
2001* 6,36 7,01 -0,65
Fonte: Secex/MDIC.
nos mercados vizinhos ou de fuga de capital para ticas têm sido mais lentos do que o desejado por
o Brasil reacendeu demandas protecionistas por seus planejadores originais ou pretendido por al-
parte de setores de menor competitividade na- guns entusiastas da integração, mas a cautela na
quele país. De toda forma, foi possível perceber a implementação das medidas previstas e necessá-
magnitude do problema pela queda inédita no rias representa, talvez, uma garantia contra retro-
volume do intercâmbio intra-Mercosul, com a cessos eventuais.
redução do saldo comercial até então acumulado As crises ocasionais enfrentadas pelos paí-
pela Argentina contra o Brasil. No ano seguinte, ses membros – que foram por vezes confundidas
os fluxos de comércio já retomaram os valores com crises do próprio Mercosul, seja em matérias
anteriores à crise, mas subsistiram os problemas de imprensa, seja em comentários de observado-
de competitividade argentina vinculados, em res menos avisados – deram oportunidade a que
parte, ao seu regime cambial rígido. A tabela 1 alguns desses observadores sugerissem a passa-
resume os valores do comércio do Brasil com gem a instituições supranacionais, quando não à
seus parceiros do Mercosul, com fluxos em con-
criação de uma moeda única do bloco, como for-
tínuo crescimento até o início da fase de crises fi-
ma de contornar protecionismos setoriais ou de
nanceiras, a redução efetiva ocorrida em 1998 e,
se precaver contra crises financeiras importadas.
sobretudo, em 1999 e a retomada de fluxos pró-
O falso conflito entre moeda comum do Merco-
ximos dos normais em 2000 e 2001.
sul e dolarização unilateral chegou mesmo a ser
De forma geral, pode-se reconhecer que o
agitado no final do mandato do presidente Me-
Mercosul atuou, em seus primeiros 11 anos, como
uma espécie de mecanismo anticíclico no plano nem, merecendo, como seria de se esperar, cau-
das conjunturas econômicas, servindo o Brasil teloso tratamento por parte das autoridades eco-
como provedor de saldos comerciais para seus par- nômicas do Brasil e da Argentina. A despeito das
ceiros. O bloco constituiu-se em fator eminente- críticas quanto à morosidade e pouca eficácia do
mente positivo para a consolidação de políticas exercício de coordenação macroeconômica, em
orientadas para a estabilização macroeconômica, dezembro de 2000 foram dados os primeiros pas-
para a busca de competitividade interna e externa sos na direção de um espaço monetário integrado
e para a introdução de medidas de ajuste fiscal e no Mercosul, com o anúncio de metas e meca-
de regimes regulatórios responsáveis e avançados nismos de convergência macroeconômica refe-
na região. Os avanços quer no plano da liberali- rentes a:
zação do acesso aos mercados recíprocos quer no 1. variação da dívida fiscal líquida do setor pú-
terreno da coordenação e harmonização de polí- blico consolidado;

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2. dívida líquida do setor público consolidado estruturação institucional do Mercosul foi apro-
(deduzidas as reservas internacionais) sobre o vada pela Decisão cmc n.º 59/00, durante a XIX
PIB nominal; Reunião Ordinária do CMC (Florianópolis, 14 e
3. inflação, com base nas estatísticas harmoniza- 15 de dezembro de 2000). Cabe recordar que o
das elaboradas pelo Grupo de Monitoramento relançamento criou foros informais e paralelos à
Econômico. estrutura institucional, como forma de dinamizar
e elevar a importância política de certos temas.
ESTRUTURA JURÍDICO-INSTITUCIONAL Alguns desses foros informais foram incorpora-
dos à estrutura no final da Cúpula de Florianó-
DO MERCOSUL
polis. Sem alterar a composição dorsal do Mer-
No âmbito institucional, o Protocolo de
cosul, a Decisão n.º 59/00 consagra a seguinte es-
Ouro Preto, adotado em dezembro de 1994 para
trutura institucional do Mercosul:
atender ao estipulado no artigo 18 do Tratado de
Assunção, confirmou a escolha básica de 1991
Grupo Mercado Comum
por uma estrutura orgânica de tipo intergoverna-
mental, descartando-se, portanto, o chamado sal- • Subgrupos de Trabalho: passam a ser em nú-
to supranacional desejado por alguns teóricos. mero de quatorze, a saber: SGT-1 Comunica-
Esse Protocolo estabeleceu a seguinte estrutura ções; SGT-2 Aspectos Institucionais (o antigo
institucional definitiva: SGT-2 Mineração fundiu-se com o SGT-9 e foi
• Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão incorporado o antigo Grupo Ad Hoc de As-
supremo do processo de integração, compos- pectos Institucionais); SGT-3 Regulamentos
to pelos ministros de Relações Exteriores e de Técnicos e Avaliação de Conformidade; SGT-4
Economia; adota decisões; Assuntos Financeiros; SGT-5 Transportes; SGT-
• Grupo Mercado Comum (GMC): órgão exe- 6 Meio Ambiente; SGT-7 Indústria; SGT-8
cutivo cuja função é assistir o Conselho nas Agricultura; SGT-9 Energia e Mineração; SGT-
decisões de natureza executiva; adota reso- 10 Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade
luções; Social; SGT-11 Saúde; SGT-12 Investimentos
• Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): (incorporou a antiga Comissão de Investimen-
assiste o GMC na aplicação dos principais ins- tos do SGT-4); SGT-13 Comércio Eletrônico (in-
trumentos de política comercial comum; corporou o antigo Grupo Ad Hoc sobre Comér-
• Comissão Parlamentar Conjunta (CPC): canal cio Eletrônico); SGT-14 Acompanhamento da
de representação dos Parlamentos dos quatro Conjuntura Econômica e Comercial (incor-
países, encaminhando suas propostas ao CMC; porou o antigo Grupo Ad Hoc de Acompa-
• Foro Consultivo Econômico-Social (FCES): nhamento da Conjuntura Econômica e Co-
permite aos diferentes setores da sociedade mercial).
(sindicatos, consumidores, sociedade civil em • Reuniões Especializadas: passam a ser em nú-
geral) encaminhar seus pleitos e proposições mero de oito, a saber: Autoridades de Aplica-
aos órgãos de decisão, no caso, ao GMC; ção em Matéria de Drogas, Prevenção de seu
Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM): uso indevido e Recuperação de Drogadepen-
com sede em Montevidéu e vinculada ao GMC, dentes; Mulher; Ciência e Tecnologia; Comu-
faz o registro das decisões tomadas pelos ór- nicação Social; Turismo; Promoção Comercial;
gãos permanentes e facilita o processo de so- Municípios/Intendências do Mercosul; Infra-
lução de controvérsias na fase arbitral. estrutura da Integração.
Desde a assinatura do Tratado de Ouro • Grupos Ad Hoc: passam a ser em número de
Preto, a estrutura institucional tem sofrido pe- quatro, a saber: Concessões; Setor Açucareiro;
quenas modificações, caracterizadas, principal- Compras Governamentais; Relacionamento
mente, pela criação de novos foros. A última re- Externo.

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• Comitê de Cooperação Técnica; nientes. Ao mesmo tempo em que leva os quatro


• Comitê de Diretores de Aduana; Estados a se colocarem de acordo para adotar
uma decisão válida, ou seja, obriga a uma negocia-
• Comitê de Sanidade Animal e Vegetal;
ção exaustiva de cada ponto relevante da agenda
• Grupo de Serviços. comum, introduz uma certa rigidez estrutural no
encaminhamento dos problemas, ao colocar os
Comissão de Comércio quatro países em pé de igualdade independente-
do Mercosul mente de seu peso econômico relativo ou da
Os Comitês Técnicos passam a ser em nú- magnitude de seus interesses na construção da
mero de sete, a saber: CT-1 Tarifas, Nomenclatura e nova área de integração.
Classificação de Mercadorias; CT-2 Assuntos Adua- No que tange a resolução de diferendos en-
neiros; CT-3 Normas e Disciplinas Comerciais; CT- tre os membros, o Protocolo de Brasília (1991),
4 Políticas Públicas que Distorcem a Competitivi- adotado para o período de transição, instituiu um
dade; CT-5 Defesa da Concorrência; CDCS Comitê sistema de solução de controvérsias que foi con-
de Defesa Comercial e Salvaguardas; CT-7 Defesa firmado, em suas grandes linhas, pela conferência
do Consumidor. Foram eliminados o CT-8 Bar- de Ouro Preto. O mecanismo prevê quatro ins-
reiras Não-Tarifárias (tema em tratamento no tâncias resolutivas, com procedimentos adequa-
âmbito do grupo informal de Acesso a Mercados), dos a cada uma delas: além de negociações diretas
CT-9 Automotivo (tema definitivamente incor- entre as partes envolvidas e da intervenção do
porado ao Mercosul pela Decisão n.º 70/00) e Grupo Mercado Comum, já previstas no Tratado
CT-10 Têxtil. de Assunção, adotou-se o recurso a um sistema
Muito embora as finalidades do Mercosul arbitral (por meio de um Tribunal ad hoc) e pre-
tenham sido muitas vezes definidas como ten- viu-se um procedimento para as reclamações for-
denciosamente correspondentes aos objetivos muladas por particulares, não necessariamente
perseguidos pelo processo de integração euro- mais expedito. O Protocolo de Ouro Preto agre-
péia, não se julgou necessário, em Ouro Preto, gou mais uma instância resolutiva: após o térmi-
que o sistema institucional seguisse os mesmos no insatisfatório de negociações diretas, é possí-
padrões implementados no âmbito do Tratado de vel levar o litígio à consideração da Comissão de
Roma. Buscou-se, ao contrário, garantir um mo- Comércio antes de submetê-lo à apreciação dire-
delo que correspondesse às realidades intrínsecas ta do GMC. Essencialmente, os mecanismos pre-
– com todas as limitações existentes de fato – do vistos configuram dois métodos complementares
esquema subregional, preservando os espaços de de solução de controvérsia: a via diplomática tra-
soberania nacional alocados aos Estados mem- dicional de negociação e o recurso à instância ju-
bros. Os responsáveis políticos pelo processo de risdicional de caráter arbitral. Aperfeiçoamentos
integração estavam conscientes de que qualquer nesse sistema tendentes a acelerar a transição en-
salto supranacional nessa fase preliminar de im- tre os procedimentos deveriam ter sido introdu-
plantação da união aduaneira poderia comprome- zidos no final de 2000, mas não houve consenso
ter os objetivos nacionais de estabilização entre os países membros sobre os pontos identi-
macroeconômica ou alterar o delicado equilíbrio ficados. Basicamente, eles previam a eliminação
entre competências nacionais e atribuições de- da fase do GMC, o reforço do laudo arbitral, cri-
cisórias coletivas. térios para a conformação de listas de especialis-
Do ponto de vista da tomada de decisões tas e árbitros (criação de lista específica de árbi-
nos órgãos políticos do Mercosul – Conselho e tros-presidentes, com dois por país, o que pode-
Grupo Mercado Comum –, o sistema adotado é ria trazer maior harmonia entre os laudos) e al-
o do consenso entre os Estados Partes na presen- ternativas para uma interpretação uniforme da
ça de todos os seus membros. Esse processo tem normativa Mercosul (comportando algumas
suas vantagens, mas também apresenta inconve- estipulações para a fase pós-laudo, entre elas sua

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implementação e eventual retaliações, a exemplo 1985, Brasil e Argentina nunca cessaram de rei-
do que existe na OMC). terar a adesão aos valores democráticos como
No início de 2002, contudo, os países- uma das vigas mestras da construção dos projetos
membros lograram assinar o Protocolo de los de cooperação e de integração, tanto bilateral
Olivos, que tornou mais rápido os procedimen- quanto na região, de modo mais amplo. A invo-
tos previstos no mecanismo de solução de con- cação tinha sua razão de ser, em virtude da recen-
trovérsias e criou uma corte permanete de apela- te transição política em ambos os países e da exis-
ção, com sede em Assunção tência, sobretudo no vizinho platino, de bolsões
anti-democráticos entre os militares e de grupos
DESENVOLVIMENTO DE UM ESPAÇO dispostos a tutelar, quando não a contestar, as de-
INTEGRADO E DEMOCRÁTICO NA mocracias renascentes e sua valorização do jogo
AMÉRICA DO SUL político-partidário. Mas essa adesão à democracia
A evolução da interdependência econômica e aos seus procedimentos formais somente ad-
no Cone Sul e a conformação de um espaço eco- quire status de requerimento indispensável à par-
nômico integrado e democrático na América do ticipação no processo integracionista – só se tor-
Sul foram dois processos não inteiramente con- na um binding principle, como diriam os anglo-
trolados pelos estadistas, diplomatas ou pelos de- saxões – quando, por duas vezes, ocorre a ameaça
mais responsáveis pela administração da imple- de ruptura do regime democrático no Paraguai.
mentação do Tratado de Assunção nestes 11 pri- Em ambas as ocasiões, os países do Mercosul, li-
meiros anos do Mercosul. Ainda assim, certas derados pelo Brasil e pela Argentina, emitiram
ações resultaram de iniciativas dos próprios diri- declarações e produziram instrumentos apropria-
gentes do processo integracionista no Cone Sul, dos no âmbito do Mercosul com o objetivo ex-
enquanto outras emergiam como reação ou efei- plícito de salvaguardar não apenas a aparência
to indireto de eventos ou processos políticos e mas, se possível, a essência do sistema democrá-
econômicos ocorridos na região nesse período, tico no Paraguai.
que os governos dos países membros procura- Em 1996, por exemplo, foi assinada a De-
ram enquadrar na agenda de trabalho do projeto claração Presidencial sobre o Compromisso De-
integracionista. Algumas dessas novas iniciati- mocrático no Mercosul, pela qual os quatro países
vas devem ser sublinhadas, uma vez que confir- assumiram o compromisso de se consultarem e
mam a vocação do Mercosul em ultrapassar seus de aplicarem medidas punitivas dentro do espaço
meros efeitos comerciais ou derivações econômi- normativo do bloco em caso de ruptura ou ame-
cas no sentido de firmar-se como pólo de desen- aça de ruptura da ordem democrática em algum
volvimento desse espaço integrado e democráti- Estado membro. Tratava-se, numa primeira abor-
co na América do Sul, objetivo implícito na letra dagem, de uma fórmula branda, mas ela tinha
e no espírito do tratado. As duas realizações sig- sido de todo modo implementada previamente,
nificativas a esse respeito referem-se, por um la- na prática, pela ação decisiva da diplomacia brasi-
do, à chamada cláusula democrática do Mercosul, leira – secundada pelos Estados Unidos, Argen-
impulsionada involuntariamente pelas desventu- tina, União Européia e outros países, inclusive
ras políticas do Paraguai, e, por outro lado, à va- com a ameaça de boicotes e sanções punitivas –
lorização do conceito de América do Sul no pla- quando da primeira tentativa de golpe militar por
nejamento político-diplomático do futuro do parte do general Lino Oviedo. De fato, um golpe
Mercosul, elemento tributável inteiramente à di- de estado bem sucedido no Paraguai violaria an-
plomacia presidencial brasileira. tes o espírito do que a letra do Tratado de
A rigor, a valorização do regime democrá- Assunção e, apesar de os presidentes da Argenti-
tico como princípio organizativo básico da inte- na e do Brasil terem advertido que um tal evento
gração precede o próprio Mercosul uma vez que, suscitaria a expulsão do Paraguai do Mercosul,
desde a Declaração de Iguaçu, em novembro de não havia, estritamente, base legal para fazê-lo.

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Na segunda vez, tratou-se do assassinato Esse espaço de liberalização não recebeu,


do vice-presidente, crime no qual teria estado im- contudo, no primeiro governo Fernando Henri-
plicado o mesmo general Oviedo e que desatou que Cardoso, a continuidade esperada pelos seus
nova crise política cujas conseqüências foram em proponentes originais, e a proposta parecia colo-
parte sanadas por igual ação dissuasória da diplo- cada numa espécie de limbo político pelos nego-
macia brasileira. Desta vez, a reação política foi ciadores da integração. Nas duas modalidades
bem mais enfática e traduziu-se na adoção, no mencionadas estava prevista a negociação de
plano dos instrumentos constitutivos do Merco- acordos de liberalização comercial entre os países
sul, do Protocolo de Ushuaia, relativo ao com- do Mercosul e os demais países do continente
promisso democrático no Mercosul, na Bolívia e (vale dizer, os andinos). Tal como apresentado
no Chile (24 de julho de 1998, que passou a fazer pelo Brasil, o projeto da ALCSA não despertou
parte integrante do sistema político institucional entusiasmo nos demais parceiros do Mercosul,
do bloco num sentido de condição sine qua, uma na medida em que reduzia o impacto do acesso
vez que comportando como sanção a exclusão preferencial ao mercado brasileiro por parte des-
pura e simples do membro no qual ocorresse a ses países e introduzia um difícil processo de ne-
ruptura da ordem democrática (na verdade, o ar- gociações triangulares que tinha de levar em con-
tigo 5.º do protocolo menciona a “suspensão dos ta não apenas o chamado patrimônio histórico da
ALADI, mas ainda acordos de alcance parcial que
direitos e obrigações emergentes” dos processos
de integração entre os Estados Partes). Em que os países do Mercosul e seus associados pudes-
sem manter com outros países latino-americanos
pese o caráter meritório da cláusula democrática
membros de outros esquemas integracionistas
do Mercosul, é mais provável que os elementos
(como passou a ser o caso do México, a partir da
dissuasórios mais efetivos em vigor no caso do
criação do NAFTA). O tema voltou, entretanto, a
Paraguai tenham mais a ver com a tradicional po-
freqüentar a agenda da diplomacia brasileira – e,
lítica de poder do que com qualquer um de seus
por extensão, a do Mercosul – na medida em que
instrumentos declaratórios.
a ALCA fazia progressos em direção do cumpri-
No que se refere à valorização do conceito mento do programa estabelecido em Miami em
de América do Sul, ele não é propriamente uma dezembro de 1994, mesmo se a designação ALC-
realização do Mercosul, muito embora a disposi- SA já não mais comparecesse nos textos e discur-
ção dos membros do bloco – e a própria letra do sos dos dirigentes brasileiros. No intervalo, em
Tratado de Assunção – seja condizente com uma 1996, tratou-se de reforçar o bloco do Cone Sul
expansão a novos membros da região (de fato, a mediante a associação, em esquemas paralelos de
abertura encontrada no TA se dirigia implicita- livre comércio, do Chile e da Bolívia, esta última
mente ao Chile, o único membro da ALADI que membro original do Grupo Andino, mas de fato
não aderia a nenhum outro esquema subregional ausente do esquema de união aduaneira imple-
de integração no momento da assinatura do tra- mentado parcialmente pela Comunidade Andina.
tado). A estratégia de uma ampliação continental A conclusão, em 1998, de um acordo-qua-
sempre pertenceu ao Brasil, e ela conheceu vários dro de liberalização do comércio entre os países
desenvolvimentos desde o início da década até os do Mercosul e da Comunidade Andina recolo-
recentes progressos da ALCA. Para registro histó- cou num novo patamar os esforços de consolida-
rico, lembre-se que esse projeto tinha sido apre- ção de uma zona de livre comércio na América
sentado na gestão do chanceler Fernando Henri- do Sul, mas, de fato, muito pouco progresso prá-
que Cardoso no governo Itamar Franco como tico foi feito desde então. Mudanças e crises po-
Iniciativa Amazônica, depois ampliado em escala líticas em alguns dos integrantes da CAN (Bolívia,
continental (pelo chanceler Celso Amorim) sob Colômbia, Peru, Venezuela e Equador), assim
o formato de uma Área de Livre Comércio Sul- como a virtual paralização da capacidade negocia-
Americana (ALCSA). dora externa de outro (Colômbia) ou mesmo a

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crise econômica do Mercosul em 1999 foram fa- nou outro com o Canadá, em 1998, contendo
tores que contribuíram para dificultar a continui- muitos dos dispositivos típicos do NAFTA. Curi-
dade das negociações. Entretanto, a realização de osamente, pouco tempo antes da reunião de cú-
uma primeira reunião de chefes de Estado da pula do Mercosul em Florianópolis, em dezem-
América do Sul em Brasília, em agosto-setembro bro de 2000, que deveria anunciar a adesão plena
de 2000, a convite do presidente Fernando Hen- do Chile ao Mercosul, foi divulgada a notícia do
rique Cardoso, relançou a iniciativa do espaço início das negociações formais do país andino
econômico sul-americano, fixando-se o prazo de com os Estados Unidos visando à conclusão de
dois anos para a conclusão das negociações. A um acordo de livre comércio.
ALCSA (conceito não utilizado nos entendimen-
tos com a CAN) representa, para o Brasil, uma RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO
opção de médio escopo em face da ALCA, servin- MERCOSUL: PROJEÇÃO INTERNACIONAL
do para reforçar o esquema liberalizador no âm- E DESAFIO DA ALCA
bito geográfico da América do Sul como reforço Antes mesmo da entrada em vigor oficial
indispensável na barganha política (e no concurso do Mercosul, os quatro membros já negociavam
de competitividade) contra o esquema hemisféri- acordos com parceiros externos, como o chama-
co. O pleno desenvolvimento da ALCSA repre- do Rose Garden Agreement, com os Estados Uni-
sentaria para o Brasil uma estratégia de grande dos (em junho de 1991), que constituiu uma co-
importância na conformação de um projeto eco- missão de comércio e investimentos (meramente
nômico próprio para a região, independentemen- para o diálogo, ressalte-se) tal como proposta na
te da vontade política do principal parceiro he- Iniciativa para as Américas. Em maio de 1992, foi
misférico. a vez da Comissão Européia, com a qual foi assi-
Deve-se ressaltar que se trata, sempre, de nado um acordo de cooperação técnica, também
constituir áreas restritas de livre comércio, ou se- no formato 4 + 1, destinado a subsidiar o Mer-
ja, parciais tanto na profundidade dos compro- cosul em transição para um mercado comum com
missos quanto no âmbito geográfico, uma vez informações sobre os requisitos iniciais de um
que parece difícil a integração de mais um novo processo progressivo de construção desse tipo de
membro sul-americano na união aduaneira oficial espaço econômico integrado.
do Mercosul. Assim, a despeito da importante de- O Protocolo de Ouro Preto atribuiu ao
cisão anunciada no contexto do relançamento do Mercosul personalidade jurídica de direito inter-
Mercosul no ano de 2000, no sentido da integra- nacional, o que consolidou a prática até então ob-
ção plena do Chile e da Bolívia ao bloco, tinha-se servada de negociar de forma quadripartite com
plena consciência das dificuldades práticas e le- terceiros países ou com grupos de países, como
gais existentes, entre elas a da diferença crucial no caso da União Européia ou no âmbito da pro-
nas estruturas tarifárias (perfil e valor nominal jetada ALCA ou, ainda, em organismos internacio-
das alíquotas, mais reduzidas nos dois países an- nais. Enquadrou-se também nessa perspectiva a
dinos). De resto, o Chile, consoante sua vocação definição dos critérios de base para a negociação
declarada desde o anúncio da Iniciativa para as de acordos de livre comércio com terceiros paí-
Américas, em 1990, buscava prioritariamente um ses, processo iniciado com o Chile e a Bolívia e
acordo na América do Norte, seja como adesão estendido progressivamente a outros países ou
ao NAFTA, seja como acordo bilateral com os Es- grupos de países (como a CAN, o México e a
tados Unidos – possibilidade que foi negada ao África do Sul, que entraram na agenda negocia-
país andino ao ter o Congresso americano recu- dora no final da década). Ele também represen-
sado ao Executivo um mandato negociador nesse tou um reforço considerável ao poder de barga-
sentido, em 1996. Não obstante, o Chile já tinha nha dos quatro países em escala mundial, como
um acordo de liberalização com o México – con- testemunha o diálogo de alto nível mantido com
cluído desde 1991 no âmbito da ALADI – e assi- a União Européia desde a fase inicial do Mercosul

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e consubstanciado no Acordo de Cooperação In- no final de 2000 foram anunciadas as negociações


ter-regional Mercosul-UE, firmado em dezembro com os Estados Unidos, o que gerou desconforto
de 1995. Esse acordo desdobrou-se em negocia- no Brasil e nos demais países do Mercosul por oca-
ções concretas para a liberalização comercial a par- sião do encontro presidencial daquele ano.
tir de 2000, que deverão levar em conta a “sensibi- Na reunião ministerial da ALCA realizada
lidade de certos produtos (referência indireta à po- em maio de 1997 em Belo Horizonte, foi consa-
lítica agrícola da UE) e as regras da OMC”.
grado o princípio dos building blocks, pelo qual
Como é possível depreender da tabela 2, o
não haveria diluição dos esquemas subregionais
Mercosul situa-se entre os principais blocos co-
na zona de livre comércio projetada, mas, ainda
merciais do mundo e é certamente o primeiro en-
assim, a amplitude e a profundidade dos compro-
tre países em desenvolvimento, considerando-se
missos a serem eventualmente alcançados repre-
que a ALADI é uma simples área de preferências
sentam um dos maiores desafios à manutenção
tarifárias e que os demais esquemas de liberaliza-
ção e de integração jamais ultrapassaram, com a do Mercosul enquanto entidade independente.
óbvia exceção da União Européia, a fase do livre Em março de 1998, na reunião ministerial de San
comércio. José, foram definidos a forma, o calendário, a lo-
Um dos principais desafios colocados no calização e as presidências sucessivas do processo
futuro do Mercosul é representado pelo chama- negociador da ALCA, com o acordo sobre os
do Processo de Miami, que, iniciado em 1994 e princípios de transparência e de decisão consen-
com negociações previstas até 2005, compreende sual e o estabelecimento dos seguintes grupos de
um vasto projeto de cooperação hemisférica lide- negociação: acesso a mercados; agricultura; servi-
rado pelos Estados Unidos e centrado na confor- ços; investimentos; subvenções, antidumping e
mação de uma área de livre comércio do Alasca à medidas compensatórias; políticas da concorrên-
Terra do Fogo. O Mercosul negocia em bloco, as- cia; compras governamentais; direitos de propri-
sim como a CAN e os países da América Central edade intelectual e solução de controvérsias. A
e do Caribe, o que não é o caso dos países do agenda negociadora e a cobertura de uma ALCA
NAFTA e do Chile. Este viu recusada pelo Con- potencial ultrapassa, portanto, os entendimentos
gresso dos Estados Unidos, em 1996, a autoriza- internos logrados no âmbito do Mercosul, que
ção ao Executivo para a negociação de um acordo sequer finalizou o processo de convergência das
de livre comércio, aproximando-se por isso do últimas exceções à TEC e enfrentava, no início de
Mercosul, para concretizar o que parecia ser sua 2001, ameaças ao seu futuro como bloco inde-
adesão plena ao bloco do Cone Sul. Não obstante, pendente.

Tab. 2. Comparação entre os principais blocos de integração (população: milhões; valores: bilhões de US$; dados de 1996).
População PIB Exportações Importações
UE 372 8.220 1.902 1.889
NAFTA 387 8.061 852 1.013
ALADI 410 1.526 198 198
Mercosul 207 1.022 76 82
AECaribe 206 572 130 145
ASEAN 345 554 317 359
G-3 151 404 109 104
CAN 100 238 40 39
SADC 126 190 41 35
MCCA 32 44 12 25
CARICOM 7 18 6 10

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O primeiro trimestre de 2001 foi ocupado nal da Rodada Uruguai, em 1993. Quando do fe-
por intensos preparativos para mais uma etapa do chamento de um novo pacote de ajuda financeira
processo hemisférico, com negociações induzi- à Argentina pelo FMI, em agosto de 2001, os EUA
das pelos Estados Unidos no sentido de lograr responderam favoravelmente a tal sugestão, esta-
seu final antes de 2005, e de preferência em 2003, belecendo implicitamente um vínculo entre a
de modo a contemplar conveniências eleitorais reunião 4 + 1 e a sustentação financeira do país
do novo presidente americano George W. Bush e platino. A reunião realizou-se efetivamente em
sua busca por um segundo mandato. A antecipa- Washington, em 24 de setembro, resultando no
ção hipotética de um acordo sobre a ALCA pare- apoio conjunto ao lançamento de uma rodada de
cia colocar em questão o futuro imediato do negociações comerciais da OMC e à continuidade
Mercosul, uma vez que o confuso debate sobre a do esforço em prol da ALCA e no estabelecimen-
questão – jamais feito de modo direto, mas con- to de grupos de trabalho nas áreas de comércio
duzido por intermediários como o Chile, que ne- agrícola (de especial importância para os países
gociava bilateralmente com os EUA, e a própria do Mercosul), de comércio de bens industriais,
Argentina – desenvolveu-se num momento de de estímulo aos investimentos e de comércio
crise política no bloco regional, com forças eletrônico.
centrífugas atuando diretamente a partir dos go-
vernos argentino e uruguaio. Pelo calendário nor- DAS CRISES DOS PAÍSES MEMBROS
mal definido na Costa Rica, em 1998, o Brasil e À CRISE DO MERCOSUL: 1999-2002
os Estados Unidos exerceriam a co-presidência Os anos de 1999 a 2001 corresponderam a
das negociações da ALCA em seu período conclu- uma conjuntura política e econômica relativa-
sivo, a partir de novembro de 2002 e até o final de mente sombria para o bloco econômico. Ao mes-
2004, pelo menos (com possibilidade de sua ex- mo tempo em que o processo negociador de um
tensão ao longo de 2005). Em abril de 2001, fi- acordo hemisférico de livre comércio parecia ter
nalmente, foi acertado em Buenos Aires, no pla- entrado em sua fase decisiva, o Mercosul lutava
no ministerial, e logo em seguida confirmado pe- para preservar sua unidade de propósitos em
los presidentes em Quebec, no Canadá, no ter- meio a uma crise de identidade como nunca visto
ceiro summit das Américas, o calendário da fase em sua história de 11 anos. Os persistentes pro-
final e decisiva do processo hemisférico: o Equa- blemas políticos e econômicos enfrentados pela
dor era mantido como coordenador das negocia- Argentina levaram suas mais altas autoridades
ções até outubro de 2002, passando a responsa- desses setores a realizar ataques frontais ao pró-
bilidade do processo aos EUA e ao Brasil, em re- prio conceito de união aduaneira num momento
gime de co-presidência, até o que se supõe seja a em que o futuro do Mercosul era colocado em
conferência de cúpula para a assinatura do futuro dúvida por diferentes observadores de dentro e
tratado da ALCA, em janeiro de 2005. Os parla- de fora da região.
mentos se dedicariam à sua aprovação no decor- Essa conjuntura de revisão de expectativas
rer desse ano, de molde a iniciar a implantação da no âmbito do Mercosul coincidiu com movimen-
área hemisférica de livre comércio a partir de de- tos preocupantes nos cenários econômico e po-
zembro desse ano. lítico mundiais. Os efeitos combinados de uma
Ainda no plano das relações hemisféricas, recessão econômica potencial nos Estados Uni-
assistiu-se, na reunião de cúpula do Mercosul em dos, de crises político-econômicas em pontos di-
Assunção (junho de 2001), à aprovação de deci- ferentes do globo (débâcle da moeda na Turquia,
são sugerindo aos Estados Unidos a reconvoca- a persistência da estagnação no Japão, a perce-
ção do Conselho de Comércio e Investimentos pção de um esgotamento técnico do modelo cam-
emanado do acordo dito de Rose Garden (junho bial da Argentina), ademais de um sentimento de
de 1991, conformando um processo do tipo 4 + ausência de liderança, de manifestações de
1), que permanecia desativado desde antes do fi- arrogância imperial e de relutância em assumir os

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custos da hegemonia por parte da nova adminis- bretudo entre seus dois principais sócios. Muitos
tração americana tornaram pública a sensação de observadores viram o momento de partida dessa
que o mundo se encaminhava para a retomada crise na desvalorização brasileira de janeiro de
dos surtos de instabilidade financeira e cambial. 1999, embora outros, mais pessimistas, conside-
No decorrer de 2001, tanto o Brasil quanto a Ar- rassem que a crise fosse latente desde que se ma-
gentina foram levados a concluir novos acordos nifestou a incapacidade de os países membros rea-
de sustentação financeira com o FMI envolvendo lizarem as promessas do Tratado de Assunção de
pacotes de ajuda condicional relativamente im- 1991, dando início em janeiro de 1995, em toda a
portantes (US$ 8 bilhões adicionais no caso ar- sua plenitude, à zona de livre comércio intrarre-
gentino, chegando a um total de US$ 22 bilhões; gional e à aplicação uniforme, extrazona, da Tarifa
no caso brasileiro, substituição do acordo de no- Externa Comum. Ou seja, o Mercosul viveria em
vembro de 1998 por novo acordo stand-by, válido crise praticamente desde seu aparecimento en-
até dezembro de 2002, prevendo a liberação su- quanto personalidade de direito internacional, tal
plementar de US$ 15 bilhões), muito embora a como estabelecido no Protocolo de Ouro Preto,
Argentina não tenha conseguido resolver seus de 1994.
problemas fiscais até o final de 2001, decorrendo Pode-se, com efeito, reconhecer que o es-
daí a suspensão da ajuda financeira do FMI, segui- tágio incompleto da zona de livre comércio mer-
da logo depois pela crise e a demissão do governo cosuliana a partir de 1995 e o caráter algo surrea-
De La Rúa (20/dez./01). lista de sua união aduaneira desde então – na qual
No plano das relações de comércio intra- os países membros decidiram manter não
bloco, parecia evidente desde 1999 que o Merco- exceções comuns à TEC, mas desvios nacionais
sul agregava aos antigos contenciosos comerciais de seu perfil normal de 0 a 20% e outras tantas
entre o Brasil e a Argentina um elemento de crise (às vezes algumas centenas) exceções temporá-
psicológica, ao serem reveladas diferenças funda- rias ao regime de união aduaneira – parecia con-
mentais de opinião entre os principais parceiros firmar essa visão pessimista do processo de inte-
quanto aos destinos do processo integracionista. gração. Entretanto, caberia observar também
Num cenário de incertezas externas e de dúvidas que tais desvios e perfurações, observados de
internas, o debate de contornos indefinidos que 1995 a 2001, devem ser compreendidos não
parecia contaminar o futuro do Mercosul estava como pecados mortais, mas como pecados veniais
centrado em torno de algumas grandes pergun- de um esquema integracionista ainda incipiente,
tas: quais são as grandes opções estratégicas de devendo acomodar por um tempo suplementar –
política comercial e industrial para os países digamos uma segunda fase de transição, coinci-
membros do Mercosul nos primeiros anos do sé- dente com o período de eliminação das exceções
culo XXI?; será possível garantir a soberania nacio- temporárias e com o esforço adicional de conver-
nal do bloco subregional numa eventual área de gência definido desde dezembro de 1994 em fun-
livre comércio hemisférica dominada pelos EUA?; ção de um estrito calendário – as dificuldades na-
os ganhos da ALCA seriam maiores que os cus- turais de quatro países reconhecidamente assimé-
tos?; o que acontecerá, de fato, com o Mercosul? tricos em termos de magnitude econômica, perfil
Com efeito, em relação ao contexto subregional, industrial, presença comercial no mundo, inter-
estavam em causa, de um lado, a sobrevivência do dependência recíproca nos fluxos interfronteiri-
Mercosul, e de outro, o espectro de sua diluição ços e, sobretudo, em termos de suas respectivas
na ALCA, em especial no contexto anterior à reu- capacidades de atração de investimentos diretos
nião de cúpula de Quebec (abr./01). estrangeiros.
O fato é que o Mercosul passou a viver, a Agregue-se a esses elementos estruturais os
partir de 1999, uma crise de identidade que influiu fatores conjunturais ligados às crises financeiras
gravemente no seu modo de funcionamento in- da segunda metade dos anos 90, os processos in-
terno e nas relações entre os países membros, so- conclusos de estabilização macroeconômica sem

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possibilidade de coordenação das políticas adota- país tinha muito pouco a ganhar com essa via e
das para tal efeito e até a divergência cambial en- muito mais com o aprofundamento da relação
tre os dois principais sócios do esquema do Mer- com seu vizinho e principal parceiro econômico).
cosul para se ter uma idéia da magnitude dos de- Enfim, apesar dos problemas acumulados
safios enfrentados pelos países membros entre em anos de salvaguardas ilegais, em medidas an-
1995 e 2001, ou, mais propriamente, a partir do tidumping abusivas e em outros tantos desvios
começo de 2001, quando tem início a segunda normativos nacionais ao funcionamento normal
gestão Cavallo à frente do Ministério argentino da união aduaneira, para não mencionar o sistema
da economia. A diminuição temporária de co- lentíssimo de solução de controvérsias, o Merco-
mércio registrada em 1999, efetivamente vincula- sul seguia seu caminho modesto de realizações e
da ao decréscimo da atividade econômica no Bra- de promessas, confiante em poder superar difi-
sil, não pode ser apontada como a fonte da crise, culdades conjunturais, em deixar o limbo do sur-
pois nem essa tendência se manteve – uma vez realismo aduaneiro para penetrar não no suposto
que os fluxos voltaram a seu patamar normal um paraíso do mercado comum, mas no purgatório da
ano depois – nem a Argentina deixou de exibir coordenação de políticas macroeconômicas –
superávit no comércio bilateral, constituindo o algo que começou a ser definido na reunião de
Brasil sua mais segura fonte de recursos em divi- Florianópolis, em dezembro de 2000 –, condição
sas, à falta de todas as demais. Até o início de indispensável para a consolidação de um espaço
2001, contudo, o que se convencionou chamar de econômico unificado no Cone Sul, para a con-
crise do Mercosul era bem mais uma crise de seus clusão exitosa de negociações regionais (CAN),
países membros do que uma crise estrutural do hemisféricas (ALCA) e extra-regionais (com a UE
processo de integração em si. e a África do Sul) e para a afirmação de sua per-
A crise do Mercosul tem início, portanto, sonalidade e voz próprias nos foros multilaterais
em março de 2001, com o retorno do ministro do tipo da OMC, do G-8 ou da própria ONU.
Cavallo ao comando dos assuntos econômicos na A crise tem início, de verdade, quando o
Argentina, e teve muito pouco a ver com a su- projeto de mercado comum, ainda que realistica-
posta ausência de institucionalidade, como apon- mente afastado para ocasiões mais propícias, foi
taram alguns defensores da tese da construção da distanciado do horizonte político dos quatro
supranacionalidade. Com efeito, até aquele mo- membros por um dos responsáveis econômicos
mento o Mercosul não vivia em crise substantiva, de um dos seus mais importantes países, no caso,
ainda que fosse obrigado a conviver com as crises o então ministro Domingo Cavallo, da Argenti-
individuais de seus países membros, ou seja, os na. No lugar de uma união aduaneira, ele procla-
desequilíbrios brasileiros de balanço de pagamen- mou a utilidade, e mesmo a necessidade, de uma
tos (que motivaram, por exemplo, as restrições volta ao princípio da zona de livre comércio,
introduzidas pelo Banco Central do Brasil em como se ela fosse um patamar para a plena reali-
1996 aos generosos esquemas de financiamento zação das potencialidades individuais dos países
externo às importações), as renitentes dificulda- membros ou até para a solução de seus proble-
des da Argentina em adquirir competitividade ex- mas estruturais de competitividade e de equilí-
terna por força de sua camisa-de-força cambial (o brio fiscal. Não surpreendeu que o pai da conver-
que também motivou a taxa de estatística de 3%, sibilidade defendesse tal proposta, uma vez que
oportunamente convertida em aumento linear da ela coincidia com sua visão excêntrica do mundo,
TEC por igual valor e período adicional), quando isto é, com uma Weltanschauung que via no Brasil
não as ameaças menemistas de dolarização unila- e na TEC as raízes de todos os problemas de
teral ou outros destemperos inconseqüentes do inserção competitiva de seu país no mundo e que
líder argentino, como seu apelo aparentemente fazia das relações extra-regionais privilegiadas
incompreensível a uma relação especial com o com o gigante do hemisfério norte o início da so-
império do Norte (quando tudo indicava que o lução de todos esses dilemas. Mesmo no Brasil

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ocorreram adesões à tese da necessidade da ção hiperburocratizada e custosa demais para os


abolição da união aduaneira, como a do ex-chan- seus objetivos moderadamente integracionistas.
celer brasileiro embaixador Luiz Felipe Lampreia, Ele é, e deve permanecer, um projeto de merca-
que defendeu a mesma proposta em setembro de do comum subregional, pois que isso correspon-
2001, alegadamente para libertar o Brasil da de ao perfil ótimo (ou ideal) da inserção econô-
“obrigação de comprar na loja da esquina” (e não mica internacional dos países membros e às pos-
“onde bem nos aprouver”) e em função da proi- sibilidades de construção de uma interdepen-
bição de poder o país concluir acordos preferen- dência regional que complemente o processo de
ciais com eventuais parceiros extra-regionais. globalização mercantilista que continuará a carac-
Esse tipo de crítica parece desconhecer o fato de terizar tanto o sistema multilateral de comércio
que a TEC do Mercosul constitui manifestamente quanto a internacionalização financeira no futu-
uma derivação da tarifa brasileira, de que as com- ro previsível.
pras externas do Brasil são muito bem distribuí- Com efeito, seria através do Mercosul – e
das entre os principais parceiros e que as negocia- na sua extensão para a América do Sul – que o
ções de novos acordos têm sido geralmente feitas Brasil conseguiria promover sua versão regional
em consonância com as metas brasileiras para o do projeto britânico-vitoriano de um free-trade
relacionamento externo do Mercosul. Surpreen- universal aplicado ao continente e uma analogia
deu, igualmente, que outros altos responsáveis geoeconômica, ainda que em escala restrita, da
econômicos brasileiros passassem a encarar a vocação hobsoniana (e luxemburguiana, para os
possibilidade de suspensão temporária da TEC marxistas) da exportação de capitais. Mais do que
como se essa decisão fosse de natureza rotineira isso, o Mercosul não poderá fazer pelo Brasil, o
e seu objeto não estivesse no próprio centro da que é bem menos, reconheçamos, do que o pro-
concepção formal e substantiva de uma união jeto antiimperialista e desenvolvimentista que
aduaneira que o Mercosul pretende ser e que su- economistas de oposição gostariam de ver em seu
postamente deveria representar. perfil integracionista – como se o Mercosul de-
Na crise – mais política do que econômica vesse, necessariamente, ser um bastião antiameri-
– do Mercosul do segundo semestre de 2001, cano e anti-ALCA e como se ele fosse trazer ao
chegou-se a conceber a adoção de uma decisão Brasil os capitais, a tecnologia e os mercados que
conjunta abrindo o caminho para a suspensão o país tem de buscar por seus próprios esforços,
temporária da TEC, ainda que não estivesse bem isto é, os de seus homens de negócios, e também
claro em que essa decisão, que deveria responder pelo engenho e arte de sua diplomacia e de sua
a critérios de ordem estratégica, poderia ajudar na tecnoburocracia econômica.
solução de problemas e dificuldades temporários Uma nova ordem no Mercosul não precisa
que requeriam bem mais ações de natureza tática. passar, absolutamente, pelo abandono da idéia de
As vantagens desse recuo ao livre cambismo su- mercado comum ou sequer do projeto de união
bregional tampouco ajudariam a escapar do fan- aduaneira, ainda que essa ordem possa vir defini-
tasma de um fracasso político internacional su- da em função de uma nova arquitetura integracio-
postamente representado pela incapacidade do nista que preserve os objetivos fundamentais
Mercosul em realizar uma cópia exitosa do es- mesmo quando abandonando, temporariamente,
quema comunitário europeu, como se essa obri- a chamada camisa-de-força da TEC e alguns dos
gação estivesse inscrita no código genético do prazos ainda irrealistas dessa segunda (ou terceira)
Tratado de Assunção. O Mercosul, contraria- fase de transição. O que se poderia propor seria a
mente ao que pensam muitos acadêmicos, nunca substituição do Tratado de Assunção, do Proto-
foi uma versão sul-americana da União Européia colo de Ouro Preto e de alguns dos demais ins-
– ela poderia ser, se tanto, um arremedo do Be- trumentos derivados por uma carta constitucio-
nelux – e nem deve-se pensar que deva ser se- nal do Mercosul, preservando integralmente os
quer um dia uma promessa de uma tal constru- objetivos definidos pelos seus pais fundadores,

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mas introduzindo um esquema de geometria va- plementaridade intersetorial e intrafirmas tal


riável que desse aos países membros a flexibilida- como existentes no momento de partida.
de necessária para atender suas prioridades con- O crescimento do comércio e a intensifica-
junturais – cada um deles retomando a liberdade ção dos vínculos de toda espécie entre os mem-
tarifária em troca do compromisso de convergir bros plenos e os associados podem, portanto, ser
para a união aduaneira num período adicional – considerados como satisfatórios (o Brasil passou
até 2010, digamos, quando os efeitos de uma a realizar 15% do seu comércio na região, por
eventual e ainda altamente hipotética ALCA ainda exemplo), em especial porque não houve desvio
não terão sido sentidos em toda sua dimensão li- notável de comércio e os fluxos comerciais, de in-
beralizadora. Uma vez que a Argentina tenha se vestimentos e financeiros com parceiros externos
libertado de sua própria camisa-de-força cambial continuaram a se expandir no mesmo ritmo. A
– o que estava empenhada em fazer no início de definição de um modelo aberto e competitivo de
2002 –, que o Brasil tenha estabilizado satisfato- integração, em contraste com os velhos esque-
riamente sua economia e estabelecido a conversi- mas protecionistas, substitutivos e dirigistas do
bilidade plena do real – base da futura moeda co- passado, representa um progresso conceitual e
mum do Mercosul – e que os demais sócios re- mesmo prático na administração do processo de
gionais tenham resolvido encontrar na América integração. Mais importante, o Mercosul implan-
do Sul (e não numa mirífica ALCA) – o cenário tou um marco de disciplina coletiva na definição
ideal para a expansão de seus negócios –, o Mer- e na implementação de políticas públicas e seto-
cosul poderá caminhar novamente em direção da riais (com destaque para a importante vertente
união aduaneira plena e do mercado comum, ob- das políticas macroeconômicas), que se não lo-
jetivos prometidos no instrumento de 1991 e até grou ainda resultados espetaculares em termos de
agora não realizados. coordenação e de uniformização dessas políticas,
conseguiu pelo menos introduzir uma mentalida-
UM BALANÇO DO MERCOSUL EM SUA de de sério comprometimento com metas co-
muns de estabilidade econômica e de responsabi-
PRIMEIRA DÉCADA: REALIZAÇÕES E lidade fiscal. Cabe ressaltar, ainda, o papel do
PERSPECTIVAS Mercosul enquanto alavanca negociadora exter-
O Mercosul, a despeito das dificuldades na, potencializando o poder individual dos países
previsíveis e inevitáveis em vista dos prazos rela- membros no plano internacional e aumentando
tivamente estreitos para o cumprimento de seus sua credibilidade em face de processos negocia-
ambiciosos objetivos, avançou razoavelmente dores pluri e multilaterais.
bem em seus primeiros 11 anos, tanto em termos Sem dúvida, muito ainda pode e deve ser
de liberalização de comércio e de conformação de feito para converter o Mercosul em um verdadei-
uma agenda comum de construção progressiva ro bloco comercial e político dotado de perfil e
de um espaço econômico integrado no Cone Sul peso próprios na comunidade internacional. Não
como no plano mais geral dos entendimentos po- há até agora definição de políticas ou posições co-
líticos entre os dirigentes dos Estados membros. muns numa série de importantes temas e ques-
Certamente a proposta de se alcançar um merca- tões setoriais, inclusive naqueles que pertencem
do comum em somente quatro anos era pouco naturalmente a uma união aduaneira, como é de
realista, partindo da situação de baixa intensidade fato o Mercosul, antes de se lograr o objetivo úl-
no comércio recíproco (pelo menos para o Brasil, timo de um mercado comum. Entretanto, consi-
que em 1991 realizava menos de 4% de seu co- derando os obstáculos e as dificuldades de toda
mércio exterior total na região) e também consi- ordem enfrentadas pelos países membros no mo-
derando as assimetrias de desenvolvimento eco- mento do lançamento do bloco, em 1991 – so-
nômico entre os membros (sobretudo na área in- bretudo no que diz respeito ao caráter inconcluso
dustrial) e o nível ainda pouco elevado de com- dos processos de estabilização econômica em

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quase todos eles –, pode-se concluir que os pro- Não havia, no período decorrido, condi-
gressos foram sensíveis e satisfatórios. Não hou- ções mínimas para se pensar em algum tipo de
ve propriamente recuos ou fracassos, tão somen- supranacionalidade das instituições permanentes,
te dificuldades compreensíveis para se realizar a como os observadores externos mais realistas te-
integração completa de setores de impacto real rão admitido. Em outros termos, o que se fez foi
nas estruturas industriais dos países, como é o au- o Mercosul possível, não o ideal ou o imaginado
tomobilístico, ou no tecido social e regional de por observadores acadêmicos ou comentaristas
alguns deles, a exemplo do setor açucareiro no pouco informados dos meios de comunicação.
norte da Argentina. Outras dificuldades surgem De resto, o alegado caráter supranacional das
na incorporação insuficiente da normativa Mer- instituições do Mercosul é mais pensado em ter-
cosul à legislação interna ou à própria prática mos comparativos – direta ou indiretamente –
aduaneira e administrativa dos países membros, com o modelo europeu do que refletido efetiva-
criando-se, desse modo, barreiras não-tarifárias mente nas dimensões próprias do Mercosul, o
à plena consecução do objetivo final do merca- que retira à crítica (ou à proposta) caráter prático
do comum. e factível. Deve-se reconhecer, por exemplo, que
não há no presente momento, e após 11 anos de
Portanto, subsistem lacunas no processo
experiência, vontade política dos países membros
integracionista, nem todas vinculadas a proble-
nem consenso entre seus dirigentes para a criação
mas percebidos como tal pela opinião pública ou de uma estrutura com características supranacio-
por setores de interesse específico nesse proces- nais que inclua um secretariado, um tribunal e um
so. Observadores externos geralmente identifica- parlamento, segundo um modelo copiado ou si-
dos com o ambiente universitário em sua verten- milar ao da União Européia.
te jurídica e representantes de centrais sindicais
Por outro lado, um dos aspectos controver-
costumam alertar para o chamado déficit demo-
tidos, e que ainda deverá gerar muita discussão
crático do Mercosul e para a falta de instituições quando for efetivamente enfocado, diz respeito
fortes, fenômeno mais alegado do que efetiva- ao processo decisório do Mercosul. Baseado na
mente existente. Essas questões de organização regra do consenso, o atual sistema permitiu o
interna do Mercosul serão naturalmente encami- avanço das negociações com as conhecidas difi-
nhadas à medida que forem sendo intensificados culdades em setores específicos. No momento
os laços não exclusivamente comerciais que ligam em que a questão de uma eventual estrutura ins-
entre si os países e os povos do bloco, já que o titucional de tipo supranacional vier a ser exami-
aprofundamento de vínculos tende necessaria- nada, não haverá como evitar a questão da pon-
mente a envolver maior número de pessoas e de deração de votos, a exemplo do que aconteceu
instituições nas diversas instâncias do processo desde o início com o Tratado de Roma que criou
de integração. O Foro Consultivo Econômico e o Mercado Comum Europeu e do que acaba de
Social, que permite o diálogo dos responsáveis ocorrer numa das muitas revisões dos textos cons-
governamentais com a sociedade civil, passará a titucionais da UE, o Tratado de Nice, que revisou
formular propostas dotadas de maior embasa- Maastricht. A matéria é delicada, porque envolve
mento técnico e factibilidade operacional na pro- a questão de soberania e de igualdade de Estados,
porção em que a agenda da integração permear os mas será difícil imaginar a aprovação pelos con-
programas de trabalho de maior volume de atores gressos nacionais dos países maiores de um siste-
sociais, o que, manifestamente, não foi o caso ma de votação que não reconheça o peso relativo
nesses primeiros 11 anos do Mercosul (até por- dos diferentes membros, no caso de uma estru-
que a sociedade civil organizada prefere pressio- tura institucional mais elaborada.
nar diretamente seus respectivos governos nacio- As grandes e difíceis questões com que se
nais a uma entidade que não conta com poder de- defronta o Mercosul têm a ver, entretanto, com o
cisório na estrutura institucional do bloco). seu relacionamento externo, especificamente o

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desafio da ALCA e seu reforço num contexto de que se apresenta como de difícil realização por
contínuas demandas por maior liberalização e envolver nações de tradições diversas e que segui-
aceitação ampliada dos princípios de tratamento ram itinerários contrastantes ao longo do tempo.
nacional e não-discriminação no contexto regio- O Mercosul é uma decisão fundamental-
nal e no plano multilateral. Não que a sobrevi- mente política que se realiza apoiada em decisões
vência do Mercosul esteja ameaçada de modo ab- de caráter econômico. A ALCA é uma proposta es-
soluto, uma vez que o bloco é uma construção sencialmente econômica que seus proponentes
política que pode resistir a desafios de tipo co- originais tentam implementar de forma política.
mercial ou econômico. Dada sua identidade inte- O Mercosul emerge como um exercício de con-
gracionista e sua vocação de work in progress, ele vergência de interesses entre países situados,
deve apontar para patamares ainda mais avança- grosso modo, num mesmo patamar de desenvol-
dos de coordenação de políticas setoriais e vimento econômico e social, a despeito de diferen-
macroeconômicas, quando não de projetos socie- ças de tamanho entre eles. A ALCA tenciona ni-
tais, a fim fortalecer-se e implementar confidence velar o terreno de jogo – level the playing field –
building measures entre os estratos dirigentes e entre economias e sociedades ostentando enor-
responsáveis pela condução política e diplomática mes diferenças estruturais entre si, uma vez que
do processo. O Mercosul, assim como acontece confronta a principal potência planetária, de fato
no exemplo dos fenômenos monetários, repre- a única superpotência existente, a três dezenas de
senta basicamente uma questão de confiança dos outros países que não chegam a perfazer um
usuários: confiança em sua capacidade de manter quinto de sua própria massa atômica.
valor, de permitir atingir determinados objetivos O Mercosul vem praticando um esforço de
valorizados socialmente (emprego, renda etc.) auto-contenção nos litígios internos, utilizando
que possam ser intercambiados segundo as pre- basicamente um mecanismo de administração
ferências do consumidor e a segurança de que sua política das controvérsias ligadas ao comércio re-
presença permeia o conjunto das relações huma- cíproco e só depois recorrendo a um tipo de so-
nas e econômicas cada vez que a necessidade se lução arbitral ad hoc. A ALCA deveria, normal-
faz sentir. Embora alguns dos testes a essas capa- mente, ostentar instâncias resolutivas dos confli-
cidades ainda estejam por vir, o Mercosul conse- tos comerciais marcadas pela sua relativa automa-
guiu em seus primeiros 11 anos demonstrar soli- ticidade e independência dos governos com
dez e reforço progressivos. efeitos econômicos mais ou menos imediatos.
Finalmente, a percepção da opinião pública, Em suma, o Mercosul é uma modesta construção
em grande medida equivocada, de que alguma es- integracionista que funciona em regime de con-
colha deve ser feita entre o destino do Mercosul domínio, com relativa permeabilidade e associa-
e a perspectiva de uma ALCA, justifica alinhar, tivismo entre os seus até agora poucos membros.
como análise conclusiva, alguns elementos de A ALCA apresenta-se como um imenso edifício
apreciação sobre as diferenças qualitativas entre de escritórios em que a impessoalidade de trato e
ambos os processos e seu significado para o Bra- a frieza das regras padronizadas prometem pou-
sil e para os demais países membros. cos momentos de excitação e muitos anos de
Com todos os seus problemas de união aborrecimento.
aduaneira imperfeita e de zona de livre comércio Os mais otimistas acreditam que, quaisquer
inacabada, o Mercosul apresenta-se como um que sejam os resultados do processo negociador
dado da realidade econômica e política da Amé- da ALCA, o Mercosul irá necessariamente sobre-
rica do Sul, ao mesmo tempo em que representa viver, ainda que não se saiba exatamente como e
um processo real de aproximação de posições en- em que condições. Seu desempenho comercial
tre países que partilham uma história comum. A pode tornar-se francamente medíocre, a depen-
ALCA, por sua vez, é uma hipótese de trabalho, as- der da profundidade e da extensão da ALCA, as-
sim como a expressão de um processo negociador sim como sua saúde econômica pode retroceder

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significativamente em relação aos prognósticos duzir eficiências dinâmicas que potencializam os


realizados no início dos anos 90. Ele poderá, ob- ganhos alocativos.
viamente, sair fortalecido e confirmar o acerto da No que se refere especificamente ao caso
decisão original de se construir progressivamente desses dois esquemas americanos, pode-se argu-
um mercado comum com base numa metodolo- mentar que uma zona de livre comércio maior
gia inovadora em relação às experiências existen- tende a absorver e a diluir a menor, o que ocor-
tes no gênero, na verdade restritas ao precedente reu, comparativamente (no gênero união adua-
da União Européia. Mas ele também poderá ca- neira), entre o Benelux e a Comunidade Européia
minhar para a erosão e ser reduzido a um mero no decorrer dos anos 70 e 80. Assim, mesmo que
arranjo para consultas políticas de fachada sem o comércio intra-Mercosul seja absorvido e dis-
maiores efeitos comerciais efetivos, se hipotetica- solvido no esquema mais amplo da ALCA, o Mer-
mente absorvido ou diluído numa ALCA bem cosul tenderá a sobreviver enquanto construção
mais ambiciosa do que os exemplos tradicionais institucional, pois que resulta de uma decisão po-
de zonas de livre comércio. lítica no mais alto nível que aponta no sentido de
No caso da ALCA, subsistem incertezas sua progressão contínua, ainda que lenta e por ve-
quanto ao desenvolvimento do próprio processo zes intermitente, na direção de um mercado co-
negociador, como a definição precisa do conteú- mum e talvez até mesmo de uma união econômi-
do do mandato que está sendo atribuído pelo ca a exemplo da Europa de Maastricht (pelo me-
Congresso ao Executivo dos EUA. Outras limi- nos no que se refere à união monetária).
tações de natureza política – como a ausência de Os perigos que cercam sua evolução co-
consultas regulares entre os líderes dos países mercial aparecem como derivados mais dos desa-
membros, a exemplo do que ocorre a cada semes- fios competitivos associados ao pólo econômico
tre no Mercosul – e alguns fatores condicionan- dominante e da força centrífuga do dólar dos
tes – como a desproporção de peso comercial en- EUA do que da ALCA em si. Mas mesmo nessa si-
tre os países participantes – atuam para converter tuação extrema de eventual inoperância econô-
a implementação efetiva da ALCA em um cenário mica do Mercosul em razão da preeminência ab-
de incertezas. Se o processo negociador não re- soluta dos EUA no esquema hemisférico, o pro-
sultar em acordo até o final de 2004 ou o início de jeto subregional do Cone Sul tenderia a sobrevi-
2005, o cenário hemisférico não será muito dife- ver, pois compreende bem mais do que simples
rente do atual, com a proliferação quase anárqui- compromissos liberalizadores, estendendo-se a
ca de esquemas subregionais convivendo com as entendimentos sociais, administrativos e políticas
tentativas multilateralistas de convivência pacífica setoriais outras além das meramente econômicas
ao abrigo da ALADI ou da OMC. Se por acaso as (justiça, turismo e cultura, ciência e educação,
negociações se revelarem exitosas, o Mercosul previdência social, entre várias), o que justificaria
terá de adaptar sua arquitetura institucional e sua a continuidade desse projeto político e societal.
agenda interna à nova realidade da ALCA.
Do ponto de vista da diplomacia econômi- CRONOLOGIA RELACIONAL DO
ca brasileira, o Mercosul vem sendo caracterizado MERCOSUL NO CONTEXTO GLOBAL
tanto pelo presidente Fernando Henrique Car-
doso como pelo chanceler Celso Lafer como o Antecedentes do Mercosul,
destino do Brasil, ao passo que a ALCA é apresen- 1986-1990
tada como mera opção. Em princípio, ALCA e 1986 – Ata para a Integração Brasil-Argen-
Mercosul podem ser plenamente compatíveis en- tina estabelecendo, segundo modalidades basea-
tre si e até mesmo complementares, uma vez que das na complementação industrial, o Programa
os esquemas de livre comércio, mesmo baseados de Integração e Cooperação Econômica (PICE),
em processos negociais autônomos e indepen- de caráter “gradual, flexível e equilibrado” e pre-
dentes, tendem a se reforçar mutuamente e a pro- vendo tratamentos preferenciais frente a tercei-

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ros mercados; diversos protocolos setoriais são Ata de Buenos Aires (até 31 de dezembro de
assinados bilateralmente. 1990) e dando início a um processo de consultas
1988 – Tratado de Integração, Cooperação e e negociações com outros países da região com
Desenvolvimento entre o Brasil e a Argentina vistas à ampliação do processo de liberalização
com o objetivo de consolidar o processo de inte- comercial entre o Brasil e a Argentina.
gração bilateral e instituir, numa primeira etapa, 1990 – O Uruguai e o Paraguai, na qualida-
um espaço econômico comum no prazo máximo de de observadores, começam a participar de
de dez anos e a harmonização das políticas adu- reuniões entre o Brasil e a Argentina. O Chile,
aneiras, comercial, agrícola, industrial e de trans- que também tinha feito consultas sobre o novo
portes e comunicações, assim como a coordena- aprofundamento da liberalização do comércio no
ção das políticas monetária, fiscal e cambial; Cone Sul, decide não participar dos acertos em
numa segunda etapa, proceder-se-ia à harmoniza- curso em virtude da incompatibilidade de sua es-
ção gradual das demais políticas necessárias à for- trutura tarifária linear e uniforme (então fixada
mação do mercado comum. numa tarifa única de 11%) com a pretendida pelo
1990 – Iniciativa para as Américas, lançada Brasil, Argentina e os outros dois membros do
em junho pelo presidente George Bush para Mercosul.
acompanhar as transformações políticas e econô-
micas em curso na América Latina e oferecer A fase de transição do processo
uma nova modalidade de relacionamento dos integracionista, 1991-1994
EUA com a região, centrado no comércio, nos in- 1991 – Assinatura do Tratado de Assunção,
vestimentos e na solução do problema da dívida em 26 de março, visando a constituição de um
e com vistas a se chegar a uma Zona de Livre Co- mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o
mércio Hemisférica estendendo-se do Alasca à Paraguai e o Uruguai. O tratado definiu um pro-
Terra do Fogo. No mesmo momento, os presi- grama de liberalização comercial de todo o uni-
dentes do México, Carlos Salinas de Gortari, e verso alfandegário num período de transição até
dos EUA, George Bush, anunciam sua intenção 31 de dezembro de 1994 e adotou os mecanismos
de negociar um acordo de livre comércio entre os de caráter intergovernamental já fixados no pro-
dois países. grama bilateral Brasil-Argentina, assim definidos:
1990 – Ata de Buenos Aires, assinada em 6 Conselho, órgão supremo, de natureza intergo-
de julho, pela qual os presidentes da Argentina e vernamental; Grupo Mercado Comum, órgão
do Brasil decidem conformar o mercado comum executivo, coordenando as atividades de 11
bilateral até 31 de dezembro de 1994, estabele- subgrupos de trabalho; Comissão Parlamentar
cem uma metodologia apropriada para esse fim Conjunta, com representantes designados por
(rebaixas tarifárias generalizadas, lineares e au- cada Parlamento nacional; estabelecidos os obje-
tomáticas, eliminação de barreiras não-tarifárias) tivos do estabelecimento de uma tarifa externa
e criam o Grupo Mercado Comum, de caráter bi- comum, coordenação das políticas macroeconô-
nacional (que já tinha sido estabelecido no Trata- micas e setoriais e harmonização das legislações
do de Integração bilateral de 1988, cujo prazo dos Estados membros. O Mercosul não cria um
para a criação de um mercado comum bilateral direito comunitário e privilegia o modelo Benelux
era de dez anos). Na mesma ocasião, é firmado o de caráter intergovernamental de preferência a
Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto um sistema de tipo supranacional como o euro-
das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas. peu.
1990 – Acordo de Complementação Eco- Acordo relativo a um Conselho sobre Co-
nômica n.º 14 (ALADI), firmado em dezembro mércio e Investimentos entre os quatro países do
pela Argentina e pelo Brasil, consolidando o pro- Mercosul e os EUA, em junho. O Conselho reu-
grama de liberalização comercial concertado no niu-se algumas vezes entre 1991 e 1993 (corres-
Tratado de Integração nos prazos definidos pela pondendo à fase final da Rodada Uruguai) e dei-

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xou de ser convocado até 2001, quando foi reati- CMC de Las Leñas, 26-27 de junho de 1992
vado em função do interesse dos EUA em fazer – Cronogramas de las Leñas, extenso programa de
avançar o debate sobre a formação da Área de Li- medidas para o cumprimento dos compromissos
vre Comércio das Américas. fixados no Tratado de Assunção, isto é, a confor-
CMC de Brasília, 17 de dezembro de 1991 – mação do Mercado Comum do Sul até 31de de-
o Sistema de Solução de Controvérsias (Protoco- zembro de 1994; o GMC fica encarregado de ado-
lo de Brasília) cria um mecanismo ad hoc de so- tar um cronograma de medidas adicionais para o
lução arbitral dos conflitos comerciais entre os pleno funcionamento do Mercosul em 1.º de ja-
países membros do Mercosul; regime de Sanções neiro de 1995 (alguns prazos serão prorrogados
a Falsificações em Certificados de Origem; Ter- no decurso dos trabalhos). A Decisão n.º 3/92
mos de Referências para Acordos Setoriais; Re- aprova o procedimento de reclamações e consul-
gulamento Interno do Grupo Mercado Comum ta sobre práticas desleais de comércio (dumping e
(GMC); criação das reuniões em nível ministerial subsídios) e a Decisão n.º 5/92 sanciona um pro-
e reuniões especializadas; delegação ao GMC das tocolo de cooperação e assistência judiciária em
faculdades para aprovar os programas da coope- matéria cível, comercial, trabalhista e adminis-
ração técnica internacional de apoio ao Mercosul. trativa; Plano Trienal de Educação; adoção de
Chile e México firmam na ALADI um acor- critérios comuns para as negociações com outros
do de liberalização do comércio; o Grupo dos países da ALADI.
Três (G-3) começa negociações para a liberaliza- Assinatura do Tratado de Maastricht, em
ção do intercâmbio entre a Colômbia, a Venezue- fevereiro, criando a União Européia (UE) e pre-
la e o México. Diversas outras iniciativas na re- vendo inclusive uma união monetária. Através do
gião andina, na América Central e no Caribe Acordo de Cooperação Interinstitucional entre a
relançam a integração continental em bases su- Comissão das Comunidades Européias e as
bregionais. instituições do Mercosul é formalizado um diálogo
1991-1994 – O Mercosul cria órgãos subsi- entre os chanceleres das duas regiões.
diários e reuniões de ministros, entre elas a de mi- Criação da Comissão Sindical do Mercosul
nistros da Economia e presidentes de Bancos por iniciativa da Coordenadora de Centrais Sin-
Centrais (anterior à própria vigência do Tratado dicais do Cone Sul (ccscs), entidade constituída
de Assunção), da Educação (Plano Trienal para o em 1986 congregando centrais sindicais dos qua-
Setor), da Justiça, do Trabalho, da Agricultura; tro países membros, além do Chile e da Bolívia;
cria, ainda, diversas reuniões especializadas: de pelo Brasil, participam a Central Única dos Tra-
meio ambiente, de cultura, de ciência e tecnolo- balhadores (cut), a Confederação Geral dos Tra-
gia, de turismo etc. Tem lugar intensa atividade de balhadores (cgt) e a Força Sindical (fs). Começa
harmonização das legislações internas, de inte- a se reunir o subgrupo de trabalho (tripartite) n.º
gração aduaneira e de adoção de normas e regu- 11 (sgt-11), Assuntos Trabalhistas, posterior-
lamentos técnicos comuns para a livre circulação mente denominado Relações Trabalhistas, Empre-
de bens no território dos Estados membros. Os go e Seguridade Social. Diversas entidades do se-
países membros passam a coordenar suas posi- tor propõem, a par de um Foro Social, uma Carta
ções nos foros econômico-comerciais internacio- dos Trabalhadores do Mercosul, sistematizando
nais e o Grupo Mercado Comum (GMC) define princípios básicos nas áreas social e trabalhista.
critérios comuns para a negociação de acordos Ulteriormente, o governo brasileiro declara ser
parciais de comércio no âmbito da ALADI. favorável à adoção de uma Carta de Direitos
1992 – Acordo de cooperação interinstitu- Fundamentais, mas se opõe à vinculação das
cional entre a Comissão das Comunidades Eu- questões comerciais com as trabalhistas.
ropéias e as instituições do Mercosul pelo qual se CMC de Montevidéu, 28 de dezembro de
formaliza o diálogo e a cooperação técnica entre 1992 – Criação da reunião de ministros da Agri-
as duas regiões. cultura.

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1993 – Resolução n.º 7/93 cria, no âmbito 1994 – O NAFTA e seus dois acordos para-
do GMC, o grupo ad hoc sobre Aspectos Institu- lelos entram em vigor em 1.º de janeiro.
cionais, encarregado de formular propostas para a CMC de Colônia, 17 de janeiro de 1994 – O
futura arquitetura jurídica do Mercosul (art. 18 Protocolo de Colônia prevê garantias mínimas
do Tratado). O Mercosul e o Banco Interameri- para os investimentos realizados dentro do bloco
cano de Desenvolvimento (BID) firmam convê- por investidores do Mercosul; regras para as ope-
nio de cooperação técnica não-reembolsável des- rações internacionais do mercado de capitais no
tinado à realização de estudos técnicos e de pro- âmbito do Mercosul.
jetos de consultoria sobre reconversão produtiva. Assinatura, em Marraquesh, dos resultados
CMC de Assunção, 1.º de julho de 1993 – das negociações comerciais da Rodada Uruguai,
Aprova o acordo para a Aplicação de Controles com a criação da Organização Mundial do Co-
Integrados de Fronteira (Acordo de Recife); mércio (OMC), a funcionar a partir de 1.º de ja-
Acordo Sanitário e Fitossanitário; regulamento neiro de 1995.
relativo à defesa contra importações que sejam CMC de Buenos Aires, 4-5 de agosto de 1994
objeto de dumping ou subsídios. – Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição In-
Ratificação do NAFTA pelos Poderes Legis- ternacional em Matéria Contratual; Acordo so-
lativos dos três países. Em setembro, assinatura bre Transporte de Produtos Perigosos; Protocolo
de dois acordos paralelos ao NAFTA: o Acordo de Integração Educativa; Regime de Adequação
Norte-Americano de Cooperação sobre o Traba- Final à União Aduaneira; regulamento corres-
lho e o Acordo Norte-Americano de Coopera- pondente ao Regime de Origem; Projeto de Ta-
ção sobre o Meio Ambiente, graças aos esforços rifa Externa Comum; Protocolo sobre Promoção
do governo dos EUA, pressionado pelos movi- Recíproca de Investimentos entre o Mercosul e
mentos ambientalistas e sindicais do país. Estados não-membros. O CMC também cria a
Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), de
Em outubro, durante a VII Reunião dos
caráter intergovernamental, destinada a adminis-
Presidentes do Grupo do Rio, realizada em San-
trar a futura união aduaneira; em sua primeira
tiago, no Chile, o presidente do Brasil (Itamar
reunião (6-7/out.), a CCM aprova seu regimento
Franco) lança a idéia de formação de uma Área de interno, definindo reuniões mensais.
Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) que in-
Cúpula das Américas, de 9 a 11 de dezem-
cluiria os países do Mercosul, da Comunidade
bro, em Miami – A declaração final dos chefes de
Andina (CAN) e o Chile.
Estado proclama o objetivo de negociar uma
Conclusão, em dezembro, das negociações Área de Livre Comércio Hemisférica até 2005; a
dos acordos multilaterais da Rodada Uruguai; o Organização dos Estados Americanos (OEA), a
Mercosul é objeto de atento exame pelas Partes CEPAL e o BID atuam como suporte técnico e
Contratantes, ainda em curso, por meio de grupo apoio de secretaria.
de trabalho no âmbito do Comitê de Comércio e CMC de Ouro Preto, 16-17 de dezembro de
Desenvolvimento. 1994 – Assinado o Protocolo de Ouro Preto, que
1993-1994 – Negociação da Tarifa Externa modifica parcialmente o Tratado de Assunção e
Comum (TEC) no Mercosul: diferenças de estru- dá personalidade jurídica internacional ao Merco-
tura e de níveis de desenvolvimento industrial en- sul; Tarifa Externa Comum; Código Aduaneiro;
tre o Brasil e os demais parceiros resultam na determinação das condições do regime de ori-
aceitação, durante uma fase de convergência (até gem; normas de aplicação sobre despacho adua-
2001-2006), de listas nacionais de exclusão (para neiro e sobre valoração aduaneira de mercadorias;
bens informáticos e de capital, por exemplo). Os pautas básicas de defesa da concorrência; proto-
países membros decidem harmonizar os incenti- colo de medidas cautelares; Acordo de Transpor-
vos às exportações, respeitando disposições do te Multimodal; princípios de Supervisão Bancária
GATT. Global Consolidada. Na ocasião, são aprovadas

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listas nacionais de produtos em regime de ade- Reunião especializada de ministros da Cul-


quação final à união aduaneira (com prazos adi- tura do Mercosul, em Buenos Aires, em 15 de
cionais para sua integração à TEC até 2001 ou março, lança o Mercosul Cultural, com a assina-
2006, segundo o caso); criação do comitê técnico tura de protocolo prevendo o funcionamento de
encarregado de definir, antes de dezembro de sete comissões.
1997, o regime comum para o setor automotivo, Encontro entre os ministros das Relações
que deveria entrar em vigor em janeiro de 2000. Exteriores do Mercosul e da União Européia
Acordo bilateral Brasil-Argentina sobre interna- (UE), no dia 17 de março, em Paris, reafirma o
ção de bens de zonas francas. objetivo de se chegar a um amplo espaço de co-
A nova estrutura institucional definida no operação e de integração unindo ambas as enti-
Protocolo de Ouro Preto (que ainda permanece dades.
intergovernamental) compreende os seguintes Primeira reunião ministerial do processo de
órgãos: integração hemisférico, em Denver, em junho,
• Conselho do Mercado Comum (CMC); onde são constituídos sete grupos de trabalho
• Grupo Mercado Comum (GMC); para preparar o início das negociações “equilibra-
• Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); das e abrangentes” (a serem concluídas até 2005)
sobre a base dos acordos subregionais existentes
• Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);
e de forma plenamente compatível com as obri-
• Foro Consultivo Econômico-Social (FCES);
gações vigentes na OMC.
• Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).
CMC de Assunção, 4-5 de agosto de 1995 –
As Decisões do Conselho, as Resoluções Protocolo de Harmonização de Normas sobre
do GMC e as Diretrizes da CCM constituem fon- propriedade intelectual em matéria de marcas,
tes jurídicas do Mercosul e são obrigatórias, de indicações de procedência e denominações de
direito, para os Estados membros; todos os ór- origem; criação de reuniões de ministros da Agri-
gãos são igualitários; a tomada de decisão se faz cultura e de Saúde; início das negociações com a
por consenso; a coordenação principal se dá entre União Européia para a assinatura do acordo mú-
os Ministérios das Relações Exteriores dos qua- tuo inter-regional com vistas a uma integração
tro países. entre a União Européia e o Mercosul.
Declaração Solene Conjunta entre o Merco-
CMC de Punta del Leste, 6-7 de dezembro de
sul e a União Européia, em 22 de dezembro, em
1995 – Programa de Ação do Mercosul para antes
Bruxelas, prevendo a negociação em 1995 de um
de 2000.
acordo-quadro inter-regional de cooperação eco-
nômica conduzindo, em última instância, à libe- Firmado em dezembro o acordo-quadro de
ralização do comércio entre as duas regiões. cooperação inter-regional entre a UE e o Merco-
sul, em Madri: a liberalização comercial “deverá
O Mercosul enquanto união levar em conta a sensibilidade de certos produ-
aduaneira, 1995-1999 tos” (referência à política agrícola comum) e as
1995 – Entrada em vigor, em 1.º de janeiro, regras da OMC.
da União Aduaneira (em implementação) do 1996 – O Congresso dos EUA nega autori-
Mercosul. Encontro dos presidentes do Cone Sul zação para o Executivo negociar (chamada fast
em Brasília, no dia 2 de janeiro: Bolívia e Chile track) o ingresso do Chile no NAFTA, o que leva
começam a negociar sua associação ao Mercosul, este país a se aproximar do Mercosul.
capacitando-se a participar como observadores II Reunião Ministerial da ALCA, realizada
nas instâncias técnicas do bloco. em Cartagena, Colômbia, em março: quatro gru-
A crise monetária mexicana de dezembro pos adicionais de trabalho são constituídos e é
de 1994 abala o NAFTA e provoca repercussões proclamado o objetivo de “progressos concre-
no resto da região. tos” até o final do século.

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CMC de Buenos Aires e encontro presidencial se a instituição de um mecanismo de consulta e


de San Luís, 24-25 de julho de 1996 – Acordo de coordenação para a eventualidade de algum dos
Complementação Econômica entre Mercosul e países membros decidir aplicar novas barreiras
Chile. Assinada a Declaração Presidencial sobre não-tarifárias; recomenda-se a rápida introdução
Compromisso Democrático no Mercosu, pela de normas que corrijam esse tipo de restrição e a
qual os quatro países assumem o compromisso eliminação das barreiras burocráticas.
de se consultar e de aplicar medidas punitivas Reunião da primeira Conferência Parla-
dentro do espaço normativo do bloco em caso de mentar das Américas, com a presença de mais de
ruptura ou ameaça de ruptura da ordem demo- 600 parlamentares de 35 países das Américas e do
crática em algum Estado membro. Os presiden- Caribe, incluindo Cuba, em Quebec, no Canadá,
tes assinam também uma declaração sobre diálo- em setembro. Os parlamentares pedem uma maior
go político, estabelecendo um mecanismo de participação em diversos níveis no processo de
consulta e de concertação política mútua. Assina- negociação da ALCA e analisam, em particular, as
tura de acordos de associação do Chile e da Bo- dimensões sociais, políticas e culturais da integra-
lívia ao Mercosul, ocorrendo antes do início da ção. Na sua declaração final, insistem na impor-
negociação de pactos semelhantes com países da tância de diminuir o déficit democrático do pro-
CAN. cesso em curso.
CMC de Fortaleza, 16-17 de dezembro de Reunidos em Guanacaste, na Costa Rica,
1996 – Protocolo de Integração Educacional para de 28 a 30 de outubro, os vice-ministros respon-
a realização de estudos de pós-graduação nas uni- sáveis pelo comércio no hemisfério examinam os
versidades dos Estados-membros do Mercosul; progressos havidos nos preparativos para a aber-
Protocolo de Integração Cultural do Mercosul; tura do processo de negociação da futura alca.
fixação de critérios para a participação de tercei- O Congresso dos eua nega o fast track ao
ros países nas reuniões do Mercosul; regulamen- Executivo que, assim, não tem autoridade para
to relativo à aplicação de medidas de salvaguarda negociar em uma posição de força junto aos ou-
às importações provenientes de países não-mem- tros 33 países.
bros do Mercosul; Protocolo de Defesa da Con- Acordo Brasil-Argentina, em novembro,
corrência no Mercosul; criação de reuniões de decide elevar a Tarifa Externa Comum em três
ministros do interior. pontos percentuais, medida a ser implementada
1997 – III Reunião Ministerial da ALCA, rea- pelos quatro países membros até 31 de dezembro
lizada em Belo Horizonte, em maio: cria um gru- de 2000.
po de trabalho sobre Solução de Controvérsias, CMC de Montevidéu, 15-16 de dezembro de
mas não logra definir o formato, o cronograma e 1997 – Acordo-quadro sobre serviços no Merco-
a organização das negociações. Os países do sul (Protocolo de Montevidéu): liberalização pro-
Mercosul tomam posições como bloco e não in- gressiva dos serviços inter-regionais no prazo de
dividualmente. Na ocasião, é realizado encontro dez anos, dependente da negociação de protoco-
de negócios, o Foro Empresarial, que vem tendo los setoriais para a liberalização de setores espe-
significativo sucesso na ampliação do intercâm- cíficos; regras contra práticas desleais de comér-
bio em toda a região. O chanceler brasileiro su- cio, compras governamentais e normas de previ-
gere a criação de um Fórum Sindical com a fina- dência social; concorda-se em ampliar a participa-
lidade de ampliar a participação na ALCA, mas a ção chilena em todas as instâncias institucionais
idéia é vetada por alguns países. do pacto subregional, incluídas aí a máxima ins-
CMC de Assunção, 19 de junho de 1997 – O tância executiva do Mercosul, as reuniões minis-
Mercosul fica configurado como um processo teriais e técnicas e seus foros negociadores; a cú-
político que representa seis países, promovendo pula presidencial do Mercosul formaliza a deci-
uma mudança qualitativa na relação entre o bloco são da Argentina e do Brasil de aumentar em
e os países associados, Chile e Bolívia; aconselha- três pontos percentuais a Tarifa Externa Co-

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mum, com a outorga de concessões que excetu- qual os trabalhadores possam participar mais ati-
am desse aumento uma lista de bens uruguaios e vamente dos destinos da ALCA, contribuindo
paraguaios exportados para a sub-região. para a democratização do processo. O chanceler
1998 – Difíceis negociações para a definição brasileiro exterioriza as reservas do bloco Merco-
de um regime automotivo comum entre os países sul em relação ao timing do processo de integra-
do Mercosul e para a liberalização do setor açu- ção, que, segundo ele, afigura-se acelerado.
careiro: este é protegido na Argentina, que, por CMC de Ushuaia, 24 de julho de 1998 – Pro-
sua vez acusa o Brasil de subsidiá-lo. tocolo relativo ao compromisso democrático no
A Comissão Européia, principal órgão exe- Mercosul, na Bolívia e no Chile; declaração Polí-
cutivo da UE, decide propor ao Conselho dos 15 tica do Mercosul, da Bolívia e do Chile como
Ministros iniciar negociações com o Mercosul e o zona de paz; Plano de Cooperação e Assistência
Chile com o intuito de desenvolver uma associ- Recíproca para a Segurança Regional.
ação inter-regional, estabelecendo, entre outros Cuba é aceita como décimo-segundo país
objetivos, uma zona de livre comércio. membro da ALADI, depois de ter participado de
IV Reunião Ministerial do Processo de In- seus trabalhos, na condição de observador, desde
tegração Hemisférica, em março, em San José, na 1986.
Costa Rica, com a definição do formato, da agen- O Congresso dos EUA nega novamente em
da negociadora e dos locais e presidências suces- setembro o fast track ao governo Clinton.
sivas do processo de negociação (Comitê e nove
Nova reunião do Comitê de Negociação
grupos de negociação), tendo como base os prin-
Comercial da ALCA em dezembro, em Paramaribo,
cípios da transparência, da participação e da deci-
para tratar de medidas de facilitação de negócios.
são consensual. Paralelamente, realizam-se o IV
Foro Empresarial e um encontro acadêmico so- CMC do Rio de Janeiro, 10 de dezembro de
bre o tema da integração hemisférica, reunindo 1998 – Proclamação do Rio de Janeiro: reafir-
intelectuais da região. Os nove grupos de nego- mam-se os direitos humanos e as liberdades fun-
ciação são os seguintes: Acesso a Mercados; damentais; reitera-se a prioridade do processo de
Agricultura; Serviços; Investimentos; Subsídios, integração e confirmau-se que o Mercosul é um
Antidumping e Medidas Compensatórias; Políti- instrumento eficaz para realizar esse objetivo;
cas de Concorrência; Compras Governamentais; manifesta-se apoio à evolução das negociações
Direitos de Propriedade Intelectual; e Solução de com a Comunidade Andina, que deve conduzir a
Controvérsias. um acordo de livre comércio no ano 2000; ex-
Os países do Mercosul e da CAN assinam em pressa-se confiança nos trabalhos preparatórios à
Buenos Aires, em abril, um acordo-quadro que Cúpula América Latina e Caribe-União Eu-
prevê a criação de uma zona de livre comércio en- ropéia, programada para junho de 1999, no Rio
tre os dois blocos a partir de janeiro de 2000. de Janeiro. Assinatura da Declaração Sociolaboral
do Mercosul, criando um comitê tripartite.
II Cúpula das Américas em abril, em San-
tiago do Chile, com Declaração Política dos Pre- 1998-1999 – Negociações entre o Mercosul
sidentes e Plano de Ação, cujos principais temas e a CAN de um acordo de preferências tarifárias
são a educação, o livre comércio, a democracia, os sobre a base do patrimônio histórico, mas que
direitos humanos e a erradicação da pobreza. poderia incluir produtos novos. Esse acordo de-
Em maio, o Comitê de Acompanhamento veria substituir os de alcance parcial existentes
da Conferência Parlamentar das Américas se reúne entre os países das duas regiões.
em San Juan, em Porto Rico, e sugere que o Brasil
organize e presida a II Conferência Parlamentar. O Mercosul em crise, 1999-2002
Reunião do Comitê de Negociação Co- 1999 – Adoção do euro, em 1.º de janeiro,
mercial em Buenos Aires, em junho, onde se dis- como moeda única de 11 dos 15 membros da UE,
cute, entre vários assuntos, uma forma através da consagrando sua união monetária.

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Desvalorização do real e introdução do re- vontade de fortalecer as relações com a União


gime de flutuação cambial, em janeiro; inicia crise Européia e de formar uma associação econômica
política entre o Brasil e a Argentina; medidas pro- inter-regional de caráter político e econômico em
tecionistas são adotadas pelo setor privado e pelo conformidade com o Acordo de Madri, de 1995;
governo da Argentina contra produtos brasilei- destaca-se a importância que os países do Merco-
ros (têxteis, avícolas, siderúrgicos, calçados, pa- sul outorgam ao sistema multilateral de comércio
pel, reforço de barreiras ditas sanitárias); o Brasil e ao lançamento de uma nova rodada de negocia-
faz apelo ao mecanismo de solução de controvér- ções multilaterais globais dentro dos marcos da
sias do Mercosul e ameaça levar contenciosos à OMC, levando-se em conta os mandatos da Ro-
apreciação da OMC; o presidente argentino Me- dada Uruguai (os países do Mercosul procurarão
nem ameaça recorrer à dolarização unilateral e agir de maneira conjunta e coordenada na futura
pede uma moeda comum para o Mercosul; o Bra- rodada de negociações da OMC, a ser lançada em
sil concorda em discutir a harmonização setorial Seattle); Acordo de Cooperação e Facilitação so-
como condição prévia à coordenação, no médio bre a Proteção das Obtenções Vegetais; Acordo
prazo, das políticas macroeconômicas. de Admissão de Títulos e Graus Universitários
Em março, criação da Comissão Sociolabo- para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos
ral do Mercosul pela Resolução n.º 15/99 do Países Membros do Mercosul; criação do Grupo
GMC. Essa comissão, que não tem poder sancio- Ad Hoc de Acompanhamento da Conjuntura
nador e funcionará através de recomendações di- Econômica e Comercial.
retas ao GMC, dependerá sobretudo da ação po- Realização no Rio de Janeiro, no final de ju-
lítica e da pressão sindical para ampliar o seu pa- nho, da primeira Conferência de Cúpula (Cimei-
pel e transformar-se efetivamente em um espaço ra) entre os Chefes de Estado e de Governo da
de negociação, levando para o GMC as questões América Latina, do Caribe e da União Européia,
sociais. com vistas a estreitar os laços de cooperação e de
Em abril, assinatura do primeiro Contrato integração econômica entre as duas regiões. Na
Coletivo de Trabalho no Mercosul, entre a Vo- declaração final, assinada no dia 29 de junho, os
lkswagen do Brasil e da Argentina e os sindicatos chefes de Estado e de governo se comprometem
dos metalúrgicos desses dois países, estabelecen- em avançar na consolidação de uma parceria es-
do os princípios básicos de relacionamento entre tratégica entre as duas regiões de caráter político,
capital e trabalho no âmbito do bloco. econômico e sociocultural.
Em maio, reunião e declaraçãodas centrais Na mesma oportunidade, assinatura de um
sindicais latino-americanas, caribenhas e eu- comunicado conjunto do FCES do Mercosul e do
ropéias, no Rio de Janeiro, para discutir e enca- Comitê Econômico e Social das Comunidades
minhar propostas de medidas significativas para Européia (CES) defendendo a cooperação inte-
alcançar o progresso social no que tange aos pro- rinstitucional, o fortalecimento da dimensão so-
cessos de integração em curso. cial nos acordos de cooperação existentes, a par-
CMC de Assunção, 15 de junho de 1999 – Ra- ticipação das instituições representativas da socie-
tifica-se a plena vigência das instituições demo- dade civil nos processos de negociação e, final-
cráticas no Mercosul como condição para o de- mente, a criação de um Comitê Consultivo Misto,
senvolvimento da integração e a relevância da formado pelo fces e o ces, como existente em
cláusula democrática estabelecida no Protocolo acordos da ue com outros espaços econômicos.
de Ushuaia; reafirma-se o objetivo de continuar Assinatura da Declaração do Rio de Janei-
aprofundando o processo de integração, em rela- ro, em junho, pelo Fórum da Sociedade Civil para
ção ao qual os órgãos do Mercosul deverão pros- o Diálogo Europa, América Latina e Caribe, de-
seguir com os esforços destinados a obter avan- fendendo a construção de uma Aliança Social
ços significativos na agenda de Consolidação e Continental entre organizações sociais e sindicais
Aprofundamento do Mercosul; manifesta-se a dos países das três Américas e da UE.

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Em novembro, reunião ministerial de inte- sileiro de relançamento do Mercosul, mas persis-


gração hemisférica, em Toronto, no Canadá, tem as dificuldades para a conclusão definitiva do
onde se discute, entre outros assuntos, a realiza- acordo relativo aos setores automobilístico e açu-
ção da III Cúpula da Américas no Canadá. careiro.
O Chile reafirma o seu desejo de se inte- Reunião ministerial Brasil-Argentina em
grar ao NAFTA e inicia conversações técnicas nes- Buenos Aires, em 27 e 28 de abril, com a presença
se sentido com os Estados Unidos, embora o dos ministros das Relações Exteriores, Fazenda e
Congresso norte-americano não tenha aprovado Defesa dos dois países, com o objetivo de relan-
o fast track para esse fim. çar o Mercosul mediante uma agenda ampla de
Fracasso da conferência da OMC em Seattle, cooperação bilateral nas áreas político-diplomáti-
em dezembro, não por causa de manifestações ca, comercial, de coordenação macroeconômica e
antiglobalização, mas devido às posições rígidas de segurança. Brasil e Argentina decidem: realizar
dos Estados Unidos em matéria de antidumping consultas e coordenação de posições, no sentido
e de cláusulas sociais e ambientais, assim como do estabelecimento futuro de linhas de ação co-
em outros ítens da agenda, de interesse da ue e de muns em matéria de política externa; o tratamen-
países em desenvolvimento. to dos temas de defesa deve constar da relação bi-
CMC de Montevidéu, 7-8 de dezembro de lateral e contribuir para o fortalecimento da de-
1999 – Discussão sobre a primeira reunião do mocracia; iniciar coordenação macroeconômica
Conselho de Cooperação Mercosul-União Eu- por meio da unificação, até setembro de 2000,
ropéia para definir a metodologia, a estrutura e o dos critérios de cálculo de uma série de indicado-
calendário da negociação inter-regional; preocu- res da área fiscal e estabelecer metas para esses in-
pação pela falta de resultados da reunião ministe- dicadores, com ênfase no equilíbrio fiscal e na es-
rial da OMC realizada em Seattle; exame do estado tabilidade de preços; criação de um grupo bilate-
de implementação do Programa de Ação em face ral de Monitoramento Macroeconômico, para
das dificuldades econômicas dos países mem- verificar o cumprimento dessas metas; convidar o
bros; discussão em torno da política automotriz Chile e a Bolívia a participar da coordenação
comum, ainda não definida entre os países mem- macroeconômica, bem como o Paraguai e o Uru-
bros, o que inviabiliza seu estabelecimento em guai; avançar na integração dos mercados de ca-
2000; reunião de alto nível sobre coordenação de pital, adaptando as regulações vigentes nos dois
políticas macroeconômicas: harmonização esta- países ao novo contexto regional; criação de um
tística em quatro áreas: fiscal, monetário-finan- grupo bilateral de Consulta e Monitoramento
ceira, setor externo e setor real; Chile e Bolívia para examinar temas relativos à defesa da concor-
são convidados a integrar as discussões sobre co- rência, subsídios estatais e defesa comercial intra-
ordenação macroeconômica; Convênio de Coo- zona e aplicável a terceiros países; aperfeiçoar,
peração entre Autoridades Supervisoras de Em- junto com o Paraguai e o Uruguai, os mecanis-
presas Seguradoras; Memorando de Entendi- mos de solução de controvérsias; eliminar até 30
mento Relativo aos Intercâmbios Gasíferos; de junho de 2000 as licenças prévias aplicadas ao
Acordo de Assunção sobre Restituição de Veícu- comércio intrazona e não previstas no artigo 50.º
los Automotores Terrestres e/ou Embarcações do Tratado de Montevidéu, de 1980; aprofundar
que Transpõem Ilegalmente as Fronteiras; Plano a integração no setor energético (gás, petróleo e
Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca eletricidade).
para a Segurança Regional. CMC de Buenos Aires, 29 de junho de 2000 –
2000 – O Chile declara, mais uma vez, sua Primeira rodada de negociação de compromissos
disposição em lograr ingresso pleno no Merco- específicos em matéria de serviços; disposições
sul. sobre o relançamento do Mercosul em matéria de
Novo governo argentino, do presidente acesso aos mercados, normativa Mercosul, aper-
Fernando De La Rúa, concorda com o plano bra- feiçoamento do sistema de solução de controvér-

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sias do Protocolo de Brasília, Tarifa Externa Co- racional do Mercosul, em termos de subgrupos
mum, defesa comercial, concorrência, subsídios, de trabalho e de comitês técnicos. Convênio de
coordenação macroeconômica, incentivos aos in- cooperação entre os bancos centrais para a pre-
vestimentos etc.; autoriza o GMC a iniciar nego- venção e a repressão de ativos ilícitos; regime de
ciações com a República da África do Sul e com origem do Mercosul; acordo sobre isenção de
o México. vistos; SGP; decisões sobre acesso a mercados,
Realização em Brasília, em 31 de agosto e criação de reunião de ministros de Desenvolvi-
1.º de setembro, a convite do presidente Fernan- mento Social, aperfeiçoamento do sistema de so-
do Henrique Cardoso, de uma reunião de chefes lução de controvérsias, defesa comercial e con-
de Estado da América do Sul para discutir temas corrência, revisão da TEC, regimes aduaneiros es-
vinculados à democracia, à cooperação política e peciais de importação. Os presidentes dos países
à integração física do subcontinente. Trata-se da membros do Mercosul, da Bolívia e do Chile
primeira grande iniciativa de política externa re- aprovam (Declaração Presidencial sobre Conver-
gional do governo brasileiro desde a Operação gência Macroeconômica) as metas e os mecanis-
Pan-Americana (OPA, 1958-1959) do presidente mos de convergência macroeconômicos referen-
Juscelino Kubitschek, que permitiu, entre outros ciados nas estatísticas harmonizadas, que foram
objetivos, a criação do Banco Interamericano de anunciadas em 31 de outubro, e declaram seu
Desenvolvimento, o primeiro dos bancos regio- compromisso de envidar todos os esforços para
nais voltados ao crescimento. alcançar o cumprimento dos objetivos estabele-
Em outubro é anunciado acordo sobre me- cidos.
tas de convergência macroeconômica a partir de 2001 – A assunção de Domingo Cavallo
2002, com fase de transição em 2001; as metas como novo ministro da Economia da Argentina,
devem incidir sobre os seguintes elementos: em março, desperta temores quanto a um recuo
variação da dívida fiscal líquida do setor público do Mercosul a uma situação de zona de livre co-
(3% do PIB, para todos os países; no período de mércio em virtude de suas pesadas críticas à TEC
adequação, 2002-2003, a variação não poderá ex- e ao funcionamento da união aduaneira e da exi-
ceder 3,5% do PIB); dívida líquida do setor públi- gência unilateral de exceções nacionais argentinas
co (limite máximo indicativo comum para todos a diversos componentes da TEC, como bens de
os países de 40% do PIB, a partir de 2010); infla- capital, informática e alguns insumos e produtos
ção (índice máximo para o período de adequação, eletrônicos. A postura firme do Brasil atua no
2002-2005, de 5%; a partir de 2006, o valor má- sentido de preservar o Mercosul de recuos insti-
ximo será de 4% a.a., com tendência do núcleo tucionais e desgastes políticos e econômicos mais
inflacionário não superior a 3% a.a.); são estabe- graves, inclusive para preservar seu poder de bar-
lecidos procedimentos para a correção de desvios ganha no decorrer da fase final e decisiva do pro-
em relação a essas metas. cesso hemisférico.
Os governos do Chile e dos Estados Uni- CMC de Assunção, 21-22 de julho de 2001
dos anunciam, em novembro, mesmo sem a con- (XX Reunião Presidencial) – Participação, como
cessão de autorização congressual, a decisão de convidado, do presidente Hugo Chaves, da Ve-
iniciar negociações para a conclusão de um acor- nezuela, que confirma sua decisão de maio, na
do de livre comércio, gerando, com isso, visível qual anunciou a firme intenção de seu país de in-
desconforto nos países membros do Mercosul. gressar, individualmente, como novo membro as-
CMC de Florianópolis, 14-15 de dezembro de sociado do Mercosul.
2000 – Assinados um acordo-quadro para a cria- Aprofundamento da crise na Argentina e
ção de uma zona de livre comércio entre o Mer- novas medidas adotadas unilateralmente pelo mi-
cosul e a República da África do Sul e uma De- nistro da Economia atuam no sentido de esvaziar
claração de Direitos Fundamentais dos Consu- o Mercosul. O Brasil reclama da aplicação de sal-
midores do Mercosul. É revista a estrutura ope- vaguardas unilaterais, não obtém satisfação das

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autoridades argentinas e dá início a processo de CMC de Buenos Aires, 18 de fevereiro de


consultas no âmbito da OMC com vistas a con- 2002 – Os ministros assinam o Protocolo de Oli-
testar medidas introduzidas pela Argentina para vos sobre Solução de Controvérsias e a cúpula
bloquear seu acesso ao mercado de frangos. presidencial aprova a criação de um tribunal per-
Brasil e Argentina negociam novos acordos manente de revisão, com sede em Assunção, fun-
de sustentação financeira com o FMI e o Brasil cionando com um juiz de cada membro pleno e
consegue novo acordo stand-by, com suporte adi- um por consenso, encarregado da revisão jurídica
cional de US$ 15 bilhões até o final de 2002. A dos casos. Esse protocolo derrogou o Protocolo
Argentina também obtém apoio adicional de de Brasília sobre solução de controvérsias.
US$ 8 bilhões (por um total de US$ 22 bilhões),
mas a situação se agrava com o desmoronamento Desenvolvimento da integração
da confiança na sustentação da lei de conversibi- nas Américas, 2001-2005
lidade introduzida pelo ministro Cavallo em 2001 – Realização de reunião ministerial da
1991. ALCA, em Buenos Aires, e da III Cúpula das
CMC de Montevidéu, 20 de dezembro de Américas em Quebec, ambas em abril. Definido
2001 – O presidente Fernando De La Rúa deixa um calendário para as duas últimas etapas do pro-
de comparecer à reunião do Conselho devido ao cesso negociador, a serem conduzidas, respecti-
agravamento da crise econômica e política na Ar- vamente, pelo Equador, até outubro de 2002, e a
gentina, renunciando pouco depois. A reunião é partir dessa data até o final, pelo Brasil e pelos Es-
suspensa (ficando sem decisão proposta de alte- tados Unidos, conjuntamente. As negociações
deverão estar concluídas o mais tardar em janeiro
ração da TEC no sentido de aumentar a tarifa de
de 2005, para que a ALCA possa entrar em vigor
bens agrícolas importados de países subvencio-
ainda em dezembro desse ano. O presidente
nistas) e decide-se convocar a reunião na Argen-
Hugo Chavez, da Venezuela, emite na reunião de
tina, no início de 2002, tão logo sejam adotadas as
cúpula de Quebec reservas quanto ao calendário
providências nesse sentido pelo novo governo ar-
proposto para a implementação da ALCA e decla-
gentino.
ra, sem coordenação prévia com os demais países
2002 – Crise política na Argentina desem- da CAN, sua intenção de colocar seu país como
boca na designação, pelo Congresso, do senador membro pleno do Mercosul. Várias dúvidas sub-
Eduardo Duhalde como novo presidente consti- sistem quanto às possibilidades de um acordo em
tucional pelo período remanescente da adminis- torno da ALCA, em função da resistência do Con-
tração De La Rúa, ou seja, até o final de 2003. A gresso dos EUA em conceder um mandato nego-
Argentina hesita em assumir a presidência pró- ciador ao Executivo e da postura brasileira e de
tempore do Mercosul, que poderia passar ao Bra- outros países de lograr resultados verdadeira-
sil em caráter excepcional; tomada decisão pelo mente equilibrados sobre o acesso a mercados
novo governo argentino de assegurar a presidên- em setores como o do açúcar, siderúrgico e de
cia pró-tempore do Mercosul no primeiro semes- produtos agrícolas e no que se refere a normas
tre de 2002. Novo governo argentino toma posse sobre subsídios e barreiras não-tarifárias.
anunciando o fim do regime de paridade fixa es- Na etapa de transição para o regime de con-
tabelecida na lei de conversibilidade de 1991, re- vergência macroeconômica, os países do Merco-
afirma sua adesão ao Mercosul, mas permanecem sul anunciarão, conjuntamente, seus objetivos
dúvidas sobre a aplicação unilateral de salvaguar- específicos de inflação, variação da dívida fiscal lí-
das. Brasil e Argentina acordam em reativar o quida do setor público consolidado e dívida líqui-
Convênio de Créditos Recíprocos, no âmbito da da do setor público consolidado (deduzidas as re-
ALADI. Brasil admite o estabelecimento de siste- servas internacionais) para esse ano. Os objetivos
ma de solução de controvérsias de caráter perma- deverão ser consistentes com as metas comuns
nente no Mercosul. acordadas a partir de 2002.

impulso nº 31 41
0000_Impulso_31.Book Page 42 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Realização em Washington, em 24 de se- da UE, que passa a contar com a Grécia como
tembro, da reunião 4 + 1 entre o Mercosul e os novo membro da UEM-12. Mercosul volta a de-
EUA, resultando no apoio conjunto ao lançamen- bater a coordenação de políticas macroeconômi-
to de uma rodada de negociações comerciais da cas e a eventual adoção de uma moeda única a
OMC, à continuidade do esforço em prol da partir do fim da conversibilidade na Argentina.
ALCA e no estabelecimento de grupos de traba- 2001-2005 – Processo de convergência das
lho nas áreas de comércio agrícola, de comércio últimas exceções à TEC do Mercosul em fase de
de bens industriais, do estímulo aos investimen- revisão, devido às críticas argentinas ao perfil
tos e de comércio eletrônico. tarifário comum e à disposição brasileira de aco-
Conclusão exitosa da conferência ministe- lher determinadas acomodações pontuais.
rial da OMC em Doha, [Em que país] com o lan- 2002-2005 – Brasil e Estados Unidos exer-
çamento de novo processo negociador para a li- cem a co-presidência das negociações, entre no-
beralização de mercados e a adoção de novas nor- vembro de 2002 e janeiro de 2005, na fase final e
mas em matéria comercial. Câmara de Represen- decisiva do processo de discussão da ALCA.
tantes dos EUA adota versão restritiva de 2005 – Término hipotético das negociações
mandato negociador para o Executivo (fast track hemisféricas para a conformação, a partir de
ou Trade Promotion Authority), que recebe críti- 2006, da ALCA. Se bem sucedida a negociação, o
cas no Brasil e em outros países. processo de implementação de uma zona de livre
2002 – Nova reunião do processo negocia- comércio hemisférica pode delongar-se por mais
dor Mercosul-UE e segunda reunião de cúpula de dez anos, pelo menos. Possível prazo, tam-
entre UE e países da América Latina, na Espanha. bém, para a entrada em vigor de um acordo de as-
Circulação de moedas e bilhetes em euro sociação entre o Mercosul e a UE, se as negocia-
nos países pertencentes à zona monetária única ções se revelarem exitosas.

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44 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 45 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Washington, 17/jan./02
Dados do autor
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA é doutor em ciências sociais,
mestre em planejamento econômico e autor de Formação da
Diplomacia Econômica no Brasil (São Paulo: Senac, 2001),
Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr,
1998) e de Le Mercosud: un marché commun pour
l’Amérique du Sud (Paris: L’Harmattan, 2000).

Recebimento artigo: jul./01


Consultoria: 26/set./01 a 17/out./01
Revisão do autor: 14/jan./02 a 16/jan./02
Aprovado: 22/out./02

impulso nº 31 45
0000_Impulso_31.Book Page 46 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

46 impulso nº 31
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As teorias de integração
regional e os Estados MARCELO PASSINI
MARIANO
subnacionais Centro de Estudos
de Cultura Contemporânea
(CEDEC), São Paulo/SP
REGIONAL INTEGRATION THEORIES marcelo-mariano@uol.com.br
AND THE SUBNATIONAL STATES
KARINA I. PASQUARIELLO
MARIANO
Resumo Este ensaio faz uma revisão das principais correntes teóricas das relações in-
Centro de Estudos
ternacionais buscando um instrumental teórico adequado para analisar a participação
de Cultura Contemporânea
de um Estado subnacional num processo de integração regional.
(CEDEC), São Paulo/SP
Palavras-chave INTEGRAÇÃO REGIONAL – INTERGOVERNAMENTALISMO – NEO- p_mariano@uol.com.br
FUNCIONALISMO – INSTITUCIONALISMO – TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIO-
NAIS – ESTADOS SUBNACIONAIS – UNIDADES SUBNACIONAIS.

Abstract This essay reviews the main international relations theories in search of an
adequate theoretical instrument to analyze the participation of a subnational State in
a regional integration process.

Keywords REGIONAL INTEGRATION – INTERGOVERNMENTALISM – NEOFUNCTIO-


NALISM – INSTITUTIONALISM – INTERNATIONAL RELATIONS THEORIES –
SUBNATIONAL STATES – SUBNATIONAL UNITS.

impulso nº 31 47
0000_Impulso_31.Book Page 48 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

O
INTRODUÇÃO
s processos de integração regional são impulsiona-
dos pelos Estados e fazem parte de sua lógica estra-
tégica, no entanto, à medida em que evoluem, ge-
ram impactos que vão além dos governos nacionais
participantes, influenciando o conjunto da socieda-
de e especialmente as unidades governamentais
subnacionais, como as prefeituras e os governos es-
taduais. O Mercosul não foge a essa regra. Verifica-
mos na atualidade uma preocupação crescente por parte de governadores
e prefeitos brasileiros que têm seu cotidiano alterado em conseqüência de
decisões tomadas pelas instituições desse processo.
Além da dificuldade de adaptação a decisões sobre as quais muitas
vezes não possuem capacidade de influência, essas instâncias governa-
mentais se deparam com um outro desafio: como intervir de forma efi-
ciente dentro do cenário internacional, tanto no âmbito regional quanto
frente à globalização, se ainda não são reconhecidos como atores desse
contexto.
No cenário internacional recente – marcado pelas tendências de
globalização e de integração regional, assim como de democratiza-
ção da gestão governamental –, é fato que os governos subnacionais
passaram a ter maior relevância, inserindo-se como atores também
no campo das relações internacionais, haja visto as experiências des-
ses governos no processo de integração regional da União Européia
e da América Latina.1
Essa ampliação da atuação dos governos subnacionais ocorre de di-
ferentes modos (exercendo funções de coordenação, articulação, nego-
ciação, mobilização e indução dos agentes envolvidos no processo de in-
tegração regional) e com intensidade variável. No caso brasileiro, os Es-
tados do sul do país, devido à proximidade geográfica, sofrem de forma
mais intensa os efeitos da integração regional e possuem maior necessi-
dade de adequação a esse novo desafio.
O Estado subnacional é uma organização formal com limites ter-
ritoriais, população e funções definidas. “Da perspectiva adotada aqui, o
Estado subnacional pode ser visto como um conjunto de elementos in-
terdependentes, que integram e fazem a alocação de valores em dada so-
ciedade”.2 Ao mesmo tempo, o Estado subnacional é integrante de um
sistema mais amplo, o nacional, que o limita e influencia nessa função.
Entendemos que essa esfera estatal está inserida em um sistema mais
amplo, sendo, portanto, subsistema político que contribui para a realiza-
ção dos objetivos desse sistema. Ao pensarmos numa lógica sistêmica,

1 FUNDAP-CEDEC-PUC, 1998, p. 3.
2 Ibid., p. 3.

48 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 49 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

devemos lembrar que o comportamento de uma ses presentes no campo nacional tendem a perder
esfera afeta necessariamente o funcionamento do importância nessa perspectiva. Há uma grande
sistema como um todo.3 dificuldade para incorporar em suas análises a
Em princípio, portanto, a esfera subnacio- atuação de um Estado subnacional.
nal é um meio para que o sistema como um todo Essa ótica, também conhecida como para-
alcance suas finalidades e as defina. Seu objetivo é digma Estado-cêntrico, coloca os Estados como
prestar serviços à população a que ele se refere, atores centrais da política mundial, fazendo uma
mas também incorpora tarefas que beneficiam o divisão entre a alta política (questões de defesa,
sistema federal e geram produtos políticos. conflitos, política externa etc.) e a baixa política
No Brasil, essa lógica é marcada por uma (questões econômicas, sociais etc.). As questões
tendência centralizadora que restringe o grau de da alta política são hierarquicamente mais impor-
autonomia do sistema estadual. A Constituição tantes e, assim, a baixa política é posta em segun-
Federal de 1988 introduziu mudanças nesse ce- do plano. Os Estados nacionais são vistos como
nário, ainda não incorporadas plenamente ao fun- atores racionais que operam num ambiente inter-
cionamento desse sistema. Na verdade, está em nacional anárquico caracterizado pela luta em
discussão a relação entre as esferas nacional e es- torno do poder. Isso faz do conflito o aspecto
tadual e suas respectivas atribuições. dominante deste paradigma.4
No tocante à política externa e à integração O principal formulador destes traços repre-
regional, agrega-se a esse cenário um outro ele- sentativos do enfoque Estado-cêntrico nas rela-
mento desconsiderado até o momento: os Esta- ções internacionais foi Hans Morgenthau, em
dos subnacionais não são considerados pelo di- sua obra Politics Among Nations, tido por muitos
reito internacional público como atores válidos autores como o pai do realismo político.
desse sistema. Portanto, sua participação deve ser Anos mais tarde, Keneth Waltz, em Theory
realizada por meio das instituições federais com- of International Politics, sistematizou o que veio a
petentes. ser chamado de neo-realismo ou realismo estru-
Analisar a participação de um Estado sub- tural. Esse enfoque assume os pressupostos de
nacional num processo de integração regional ou Morgenthau, mas apresenta como principal dife-
numa negociação internacional esbarra no pro- rença em relação ao realismo o fato de consistir
blema de qual é o instrumental teórico mais ade- num esquema teórico rigorosamente construído
quado para tratar dessa questão, sendo ele uma baseado na teoria sistêmica da política internacio-
novidade recente nos estudos e teorias de rela- nal. Isso possibilitou ao neo-realismo não sofrer
ções internacionais. as críticas comumente feitas ao realismo, relativas
Analisaremos neste ensaio as principais à falta de um instrumental analítico capaz de sus-
correntes teóricas que abordam o fenômeno da tentar seus pressupostos.5
integração regional para iniciar a discussão sobre O paradigma Estado-cêntrico é conhecido
quais instrumentos analíticos poderiam ser utili- como o modelo clássico das relações internacio-
zados. nais ou, ainda, como modelo do ator racional.
Esse agente racional, o Estado nacional, possui
OS DIFERENTES ENFOQUES fins e objetivos (segurança nacional, interesses na-
A análise de um processo de integração re- cionais etc.) que devem ser adequados às opções
gional pode ser feita sob duas óticas: a realista e a ou aos cursos de ação possíveis. As conseqüências
idealista. das opções tomadas são avaliadas tendo em conta
Na primeira, pensa-se o Estado como um os custos e benefícios para o alcance de um ob-
ator único com interesses definidos e, de certo jetivo. A escolha racional orienta a ação do Esta-
modo, constantes. Os diferentes atores e interes-
4 KEOHANE, 1986.
3 Ibid., p. 3. 5 Ibid.

impulso nº 31 49
0000_Impulso_31.Book Page 50 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

do em busca da maximização dos valores com formações, sendo este um elemento essencial na
vistas à realização dos objetivos.6 cooperação, pois ajuda na adoção descentralizada
Pensar a integração regional sob esta ótica é de regras e no estabelecimento de padrões de de-
possível, mas esbarra no nível de aprofundamen- sempenho a serem supervisionados.
to do processo. Esta perspectiva preserva a inte- As teorias sobre integração regional, em ge-
gridade do conceito de Estado nacional. Portan- ral, aceitam o pressuposto de Kant sobre a pos-
to, a integração só pode ser pensada como uma sibilidade de estabelecer em um sistema funda-
alternativa possível num sistema mundial incerto mentado no estado de natureza algum arranjo
desde que não crie estruturas supranacionais. É institucional promotor da paz. Os Estados têm o
entendida como uma opção temporária do Esta- dever de sair dessa situação e
do face às suas dificuldades de inserção interna-
cional. É uma visão mais estática das relações in- fundar uma federação de Estados, segundo
ternacionais, não entendendo o Estado e a própria a idéia de um contrato social originário, ou
integração enquanto fenômenos em processo. A seja, uma união dos povos por meio da qual
integração européia é a principal experiência histó- eles sejam obrigados a não se intrometer
rica que colocou em questão esse tipo de análise. nos problemas internos uns dos outros,
mas a proteger-se contra os assaltos de um
A perspectiva realista proporciona maior
inimigo externo; essa federação não institui
dificuldade para analisar as mudanças acontecidas um poder soberano (...), mas assume a figu-
na política mundial atual, principalmente quando ra de uma associação, na qual os componen-
os focos são a cooperação, a ascensão das relações tes permanecem num nível de colaboração
transnacionais e o surgimento de novos atores no entre iguais.7
sistema internacional. No entanto, permanece
como um instrumento central para entender a A integração regional é mais ampla que a
questão dos conflitos e de disputa de poder nesse cooperação internacional porque pode resultar
cenário. em novas unidades ou entidades políticas ou,
No caso da ótica idealista, as experiências ainda, em uma mudança nessas últimas.8 É a re-
de cooperação podem ser abordadas partindo-se presentação dessa alteração, ao criar algo novo
do pressuposto de que a cooperação entre Esta- em que pode haver uma transferência formal ou
dos tende a minimizar o risco de conflito. Nesse informal de poder decisório para sua estrutura
sentido, todo processo de integração regional é, institucional. A integração regional, portanto,
em princípio, um tipo de cooperação entre Esta- não se restringe à esfera governamental ou à co-
dos visando regulamentar ou ordenar o contexto operação intergovernamental, atinge a sociedade
internacional. É uma estratégia para melhorar a como um todo, gerando interações que fogem
capacidade individual de lidar com problemas ao controle estatal entre grupos de interesse e re-
que, isoladamente, não conseguiriam ou enfren- presentantes das sociedades.
tariam maiores dificuldades. A cooperação pode ser uma estratégia con-
A cooperação possibilita o estabelecimento textualizada e ser abandonada de acordo com a
de objetivos comuns entre os Estados, conside- conveniência, enquanto a integração regional é
rando tanto as pressões nacionais quanto inter- menos flexível. Abandoná-la pode gerar resistên-
nacionais sobre eles, e permite a constituição de cias e altos custos para os governos – desde que o
normas e estruturas no seio das quais acordos po- processo tenha atingido um determinado patamar
dem ser concretizados. Facilitaria, também, a cria- de interação entre as sociedades envolvidas –, es-
ção de consenso entre os atores sobre os com- pecialmente quando sua estrutura institucional ga-
portamentos aceitáveis a serem compartilhados nha autonomia e legitimidade.
por todos ao promover maior intercâmbio de in-
7 BOBBIO, 1997, pp. 159-160.
6 ALLISON, 1988. 8 MATLARY, 1994.

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Um dos desdobramentos da perspectiva Esses autores afirmam que a ascensão das


idealista é o enfoque que analisa a ação do Estado relações transnacionais produz cinco conseqüên-
na esfera internacional como resultado da ação cias para as relações interestatais:12 1. mudança de
interna, em que diversos grupos e atores intera- atitudes em atores dentro dos Estados; 2. pro-
gem e disputam entre si o poder para definir ou moção do pluralismo internacional através do re-
influenciar a política externa estatal, assim como lacionamento entre grupos de interesse nacionais
seus interesses e objetivos. É um entendimento em estruturas transnacionais; 3. criação de depen-
oposto à idéia desenvolvida pelo paradigma Esta- dência e interdependência limitando a ação do
do-cêntrico, para o qual os Estados são os prin- Estado nacional; 4. criação de novos instrumen-
cipais e únicos atores da política internacional. tos de influência; e 5. surgimento de atores com
Um dos primeiros autores a desenvolver política externa privada, o que pode provocar al-
este tipo de análise foi Richard Snyder,9 que na guma oposição em relação às políticas dos Esta-
década de 60 concluiu que o Estado se define pe- dos ou aos seus interesses.
los seus órgãos decisórios. Assim, para explicar o Não descartavam a atuação dos governos
comportamento do Estado, é necessário enten- como sendo os principais atores nas relações in-
der como esses órgãos definem a situação na qual ternacionais, mas acrescentavam a maior relevân-
atuam.
cia que as organizações transnacionais assumi-
O mesmo tipo de enfoque foi utilizado por ram. Assim, amplia-se a quantidade e a qualidade
Dean G. Pruitt,10 para quem o comportamento dos atores que apresentam condições de influen-
de uma nação pode ser reduzido ao comporta- ciar, de algum modo, a política internacional.
mento dos formuladores de decisões em política
externa. As decisões desses atores são derivadas A crítica feita a esse modelo é que os go-
da definição que fazem a respeito da situação in- vernos sempre prevalecem numa confrontação
ternacional tendo por base: 1. as predições sobre com atores transnacionais. Keohane e Nye Jr.13
o comportamento futuro de outras nações, 2. as contra-argumentam afirmando que essa afirma-
percepções das características básicas de outra ção apenas focaliza uma situação limite, ou seja,
nação; e 3. as concepções apropriadas para relaci- casos extremos de confrontação direta entre go-
onar-se com outra nação. verno e um ator não-governamental. O impor-
Nesse ponto, é possível abordar os Esta- tante não é saber quem ganha numa confronta-
dos subnacionais como um dos atores domés- ção, mas identificar os novos tipos de negociação
ticos possíveis. Porém não há uma formulação que, empiricamente, estão presentes nesse tipo
teórica específica para eles, com conceitos e de relacionamento e, por conseguinte, têm limi-
pressupostos que levem em conta sua especifici- tado a ação dos governos nacionais.
dade: são parte do aparelho estatal, mas não são O fenômeno da ascensão das organizações
uma instância burocrática apenas, porque possu- transnacionais provoca uma maior complexidade
em capacidade decisória, ainda que restrita. aos assuntos referentes à política internacional,
em que questões antes entendidas como do-
A ASCENSÃO DE NOVOS ATORES mésticas ligam-se a questões relativas à política
Robert Keohane e Joseph Nye Jr.11 busca- mundial, mudando o leque de atores envolvidos e
ram desenvolver um enfoque teórico que acentu- fazendo com que a ação dos governos se altere
asse a emergência dos atores transnacionais na em virtude da nova disposição de forças. Desse
política mundial, questionando os fundamentos modo, a distinção antes feita pelo paradigma Es-
do realismo e do neo-realismo. tado-cêntrico entre alta e baixa política não se
adapta à nova situação.
9 SNYDER et al., 1963.
10 PRUITT, 1970. 12 Ibid.
11 KEOHANE & NYE, 1981. 13 Ibid.

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A interdependência é um conceito típico de forma isolada, porque a solução estaria fora de


ideal para explicar as relações entre Estados como seu alcance decisório – como no caso dos proble-
algo que ultrapassa as disputas baseadas em ques- mas ambientais, com origem fora do território
tões de força e segurança. O poder permanece nacional – ou porque o Estado não pode arcar so-
como um elemento importante e até central nes- zinho com os custos da solução. “Cada vez mais,
sa análise, porém incorpora outras esferas – eco- os países estão sendo obrigados a aceitar que, em
nômica, social, ambiental etc. – além da mera- certos campos, a soberania deve ser exercida co-
mente militar.14 letivamente.”18
“A interdependência refere-se a situações Essa limitação na capacidade de solucio-
caracterizadas por efeitos recíprocos entre países nar autonomamente determinados problemas é
ou entre atores em diferentes países”,15 não abar- um forte estímulo para os países cooperarem,
cando necessariamente as relações entre os Esta- inclusive no caso do Mercosul, cujos partici-
dos como um todo e podendo concentrar-se em pantes optaram pela integração quando perce-
um aspecto. Este, contudo, influencia a relação beram essa alternativa como uma possível saída
como um todo. Outra característica da noção de para suas dificuldades, no final dos anos 80, em
interdependência é seu aspecto restritivo: é um conseqüência da forte crise financeira do mer-
fenômeno localizado numa região ou na relação cado internacional, que provocou impactos ne-
entre dois países, não tendo um efeito difundido, gativos sobre a América Latina como um todo.
como ocorre no caso da globalização, que tem Um ponto fundamental para entender essa
impacto sobre todos os continentes. reformulação das estratégias governamentais de
Na teoria da interdependência,16 as relações intervenção internacional foi a multiplicação dos
entre os Estados ocorrem de acordo com um fenômenos de interdependência, com seus obje-
conjunto de regras, normas e procedimentos que tivos domésticos e externos, assim como os inte-
regulamentam seus comportamentos e contro- resses governamentais interligados. A interde-
lam seus efeitos. Essas regulamentações são os pendência influencia os interesses nacionais, que
regimes internacionais, entendidos tal como fo- passam a pressionar as esferas governamentais
ram definidos por Krasner – como princípios, em busca de sua satisfação.19 Ao mesmo tempo,
normas ou regras e procedimentos de decisão em restringe a capacidade governamental de contro-
relação aos quais convergiriam às expectativas lar e responder aos eventos de seu interesse, pois
dos atores.17 muitas vezes eles resultam de políticas de outros
Essa idéia de regime supõe alguma forma Estados.
de regulação com um mínimo de aceitação por Uma vez que a autonomia dos Estados está
parte dos países e de obediência às regras acorda- parcialmente limitada pelo fenômeno da interde-
das por eles. É a suposição de que um grupo de pendência, surge um dilema para os formuladores
atores teria capacidade para definir procedimen- e tomadores de decisão: reafirmar a soberania es-
tos a partir de um consenso mínimo específico, tatal por meio de decisões unilaterais ou formar
no qual a negociação faz parte de uma lógica co- instituições multilaterais e a elas aderir. “A sobe-
operativa cujo objetivo é a resolução de proble- rania – princípio pelo qual o Estado tem autori-
mas. dade suprema sobre todas as questões atinentes a
Por trás do conceito de regime internacio- seu domínio territorial – é a pedra angular do atu-
nal está implícita a idéia dos Estados como inca- al sistema interestatal.”20
pazes de resolver ou administrar certas questões
18 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,
14 Idem, 2000. 1996, p. 52.
15 Ibid., p. 105. 19 MORAVCSIK, 1994.
16 Idem, 1989. 20 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,
17 KRASNER, 1993. 1996, p. 51.

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Algumas teorias passaram a defender a te de seus parceiros. Ou seja, os governos criam


abolição do pressuposto Estado-cêntrico das aná- uma cooperação ao aceitar a limitação de sua so-
lises de relações internacionais por considerarem berania operacional, para poder atingir resultados
esse conceito muito ligado à idéia de centraliza- assegurados pela ação dos demais.
ção da autoridade, bastante questionada em con- A restrição da autonomia é um ônus para
seqüência do crescimento da interdependência. os atores envolvidos em uma relação de interde-
Outras correntes ainda sustentam a utilização do pendência. De acordo com o poder de cada um e
conceito de soberania, pois diferenciam o Estado a natureza da relação, serão especificados os cus-
das idéias de soberania e territorialidade, definin- tos e os benefícios, assim como a sua distri-
do-o como uma estrutura de autoridade política buição. Do ponto de vista de Keohane e Nye,24
com funções de governança sobre um povo ou as relações de interdependência sempre implica-
espaço. A regulação e reprodução dessa estrutura
rão em ônus para os envolvidos, não sendo pos-
autoritária pode ou não estar centralizada num
sível especificar se os benefícios do relaciona-
único ator:21
mento serão maiores do que seus custos; nada ga-
o princípio da soberania e as normas que rante que as relações de interdependência signifi-
dele emanam devem sofrer adaptações a quem benefícios mútuos e eqüitativos, pois eles
fim de levarem em conta as novas reali- são desconhecidos a priori. Além disso, as rela-
dades. Os Estados continuam a desem- ções de interdependência são geralmente assimé-
penhar importantes funções e devem tricas.
dispor de poderes para cumprir essas
funções com eficácia. Mas estas preci- A interdependência assimétrica descreve a
sam se fundamentar no consentimento realidade das relações internacionais: os partici-
constante e na representação democrá- pantes sofrem com freqüência limitações, mas,
tica do povo.22 devido à posse de instrumentos mais efetivos, à
maior capacidade de projetar poder e a um grau
A internacionalização da autoridade políti- menor de vulnerabilidade, um Estado pode se co-
ca possui duas implicações na teoria de relações locar dentro do relacionamento de forma mais
internacionais: aponta para a transformação gra-
poderosa e repassar assimetricamente parte de
dual e estrutural do sistema de Estados de Wes-
seus custos para o(s) seu(s) parceiro(s).
tphalia, passando de mútuo reconhecimento para
algum tipo de autoridade, e também para a ten- Para melhor entender esse poder na inter-
tativa de solucionar problemas de ação coletiva dependência é preciso diferenciar duas dimen-
internacional por meio da criação de identidades sões: sensibilidade e vulnerabilidade.25 Supomos
coletivas entre as nações, criando um novo pro- que todos os atores internacionais são sensíveis e
blema, que é fazer isso democraticamente.23 vulneráveis aos fatores externos, porém a inten-
Esse novo tipo de relacionamento entre Es- sidade com que tais fatores externos os atingem
tados limitaria a autonomia política de cada um, é bem diferenciada. Um ator pode ter pouca ou
mas não ameaçaria a sua soberania formal, porque muita sensibilidade, ou vulnerabilidade, o que de-
sua adesão a um ou mais acordos internacionais
está inserida nas atribuições de uma nação sobe- 24 KEOHANE & NYE, 1989.
25 Os conceitos de vulnerabilidade e sensibilidade são mais
rana. Quando os governos assim o fazem, estão
aplicados aos Estados do que aos demais atores internacionais
reduzindo sua própria liberdade de ação, tendo
devido às características de cada tipo de ator e às suas formas
como contrapartida limitações similares por par- de participação no sistema internacional. Existe hoje uma
proliferação institucional que, no entanto, não corresponde a
21 WENDT, 1994. uma verdadeira transferência ou delegação de competência
22 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, por parte dos Estados. Esses conservam ainda seus poderes
1996, p. 53. de decisão e estão incessantemente buscando a consolidação
23 WENDT, 1994. de suas influências.

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penderá de algumas de suas características parti- eles aumentam nossa capacidade de agir
culares. de forma autônoma, e com maior peso,
A sensibilidade é diferente da vulnerabilida- em nossas relações com o resto do mun-
de, manifestando-se quando alguma alteração no do e até mesmo aqui nas Américas.26
panorama externo provoca reações internas. A
vulnerabilidade refere-se à capacidade (ou grau Os processos de integração regional criam
dela) de um ator de arcar com o ônus das mu- sempre alguma forma de institucionalização para
danças necessárias para enfrentar as alterações ex- coordenar seu desenvolvimento. O Mercosul
ternas. Em termos de custos da dependência, a não é uma exceção. Desde o início, montou uma
sensibilidade refere-se à obrigação de pagar o pre- estrutura decisória para a negociação entre seus
ço imposto pelos efeitos exteriores antes que se- participantes, sejam eles representantes do setor
jam alteradas as políticas, enquanto a vulnerabili- estatal ou do privado.
dade está ligada à obrigação de um ator sofrer os Há uma distinção entre instituição multila-
custos impostos pelos eventos externos depois teral e processo de integração regional, pois em-
que as políticas foram alteradas. bora o último seja uma instituição internacional
A vulnerabilidade é um elemento impor- multilateral, sua finalidade é bem diferente. Uma
tante para entender a estrutura política do relacio- instituição multilateral é criada para viabilizar
namento interdependente. O ator com menor uma determinada finalidade – promoção da paz,
vulnerabilidade aos efeitos externos possui maior controle nas relações econômicas etc. – garantin-
poder de barganha nas relações internacionais do previsibilidade nas relações entre nações para
porque possui uma vantagem: qualquer alteração um determinado aspecto. Um processo de inte-
no seu relacionamento pode representar para ele gração regional, no entanto, ultrapassa esse obje-
custos menores que para os demais parceiros. tivo, ao pressupor alterações nos Estados partici-
A expansão dos blocos econômicos é, en- pantes e não somente a cessão de soberania, mas
tão, um reflexo das pressões provocadas pela as- a possibilidade de criação de um poder suprana-
simetria de poder no plano internacional, aumen- cional.27
tando os riscos econômicos e políticos dos países Em resumo, temos que a existência da in-
que permanecem fora dessa estrutura de blocos e terdependência afetou a política internacional e
solapando a possibilidade do país optar por per- o comportamento das nações, significando para
manecer independente. Isso fez com que Estados o Estado uma perda de seu status de ator domi-
em desenvolvimento, geralmente pouco propen- nante, e praticamente único, da política mundial;
sos a investir em instituições internacionais, pro- o poder estatal foi obscurecido pelo surgimento
curassem apoiá-las. de novos atores internacionais, como as corpo-
rações multinacionais, os movimentos sociais
O Mercosul é outro exemplo relevante. transnacionais e as organizações internacionais.
Por um lado, os compromissos que as- Todavia, apesar de sua existência, os Estados
sumimos limitam nossa capacidade de permanecem como os únicos capazes de con-
decidir unilateralmente – este é um re- trolar e regular as relações transnacionais e inte-
sultado incontornável, e por vezes até
restatais.
desejável, do aprofundamento das rela-
ções internacionais. Assim, arranjos
como o Mercosul e a União Européia TEORIA NEOFUNCIONALISTA
restringem a autonomia individual dos A teoria neofuncionalista foi utilizada para
países que deles participam. Por outro explicar processos de integração, principalmente
lado, além dos benefícios que advêm
desses processos nos campos econômi- 26 LAMPREIA, 1998, p. 106.
27 MATLARY, 1994.
co-comercial, político, social e cultural,

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o europeu, no seu início. Para os neofuncionalis- a partir de um núcleo central – chamado funcio-
tas, integração “significa o processo de transfe- nal – formado pelos governos que dão início às
rência das expectativas excludentes de benefícios negociações, por serem atores com capacidade e
do Estado-nação para alguma entidade maior”.28 poder para assumir um compromisso desse tipo e
Isso ocorreria quando todos os tipos de atores fazer com que a sociedade o respeite. Em outras
“parassem de se identificar e os seus benefícios palavras, a integração é impulsionada pelo núcleo
futuros inteiramente com seus próprios gover- funcional constituído pelos governos e as buro-
nos nacionais e suas políticas”.29 Essa nova iden- cracias especializadas para formular sua estratégia
tificação, no entanto, não é entendida como uma política. A capacidade decisória estaria concentra-
tentativa de estabelecer um novo modo de vida, da nesses atores.
mas de garantir a continuidade de um velho.30
Tendo como ponto de partida a iniciativa
Haas31 identifica quatro motivações básicas burocrático-estatal, o processo iria se esparra-
para uma integração regional:
mando (spillover) para a sociedade, criando uma
• desejo de promover a segurança numa dada dinâmica de reações, demandas e respostas. A
região, realizando a defesa conjunta contra idéia contida no conceito de spillover32 é a de
uma ameaça comum;
que a integração, ao se aprofundar, mobiliza
• promover a cooperação para obter desenvol- grupos de interesses existentes na sociedade
vimento econômico e maximizar o bem-estar; contra ou a favor do processo. A sociedade não
• interesse de uma nação mais forte em querer se limita apenas a respeitar os acordos feitos en-
controlar e dirigir as políticas de seus aliados tre os governos, buscando formas de melhor
menores, por meio de persuasão, de coerção intervir e participar das negociações. Esse inte-
ou de ambos;
resse proporciona ao processo de integração
• a vontade comum de constituir a unificação de uma dinâmica própria, tornando-o menos de-
comunidades nacionais numa entidade mais pendente da vontade política dos governos.
ampla.
O spillover supõe a existência do núcleo
Esse autor reconhecia que nem todas as
funcional com capacidade autônoma de provocar
alianças regionais resultam em integração de
estímulos integracionistas, incorporando, ao lon-
mercado. A integração poderia se traduzir go do tempo, novos atores e setores relevantes.33
numa força armada unificada mais ampla, capaz Esse fenômeno ocorre quando políticos e elites
de deter um inimigo que, isoladamente, não se- percebem que a integração pode produzir mais
ria possível barrar. Essa era uma preocupação benefícios econômicos do que sacrifícios e ten-
presente nos primórdios da União Européia, tam por isso influenciar suas instituições centrais.
cujos integrantes sentiam-se ameaçados pela
O núcleo funcional atrai apoio e amplia o
União Soviética. Contudo, com o fim da Guer-
processo ao passar para os políticos e para as eli-
ra Fria, esse tipo de motivação (temor de um
tes dominantes essa percepção positiva da coope-
ataque militar) foi perdendo espaço para uma ração. A conversão de grupos anteriormente in-
nova forma de ameaça: a competição econômi- diferentes ou hostis à integração para a posição
ca dentro de um mundo globalizado. de defensores resulta dos sucessos alcançados
De acordo com a teoria neofuncionalista, que, por sua vez, reforçam o entusiasmo, apre-
os processos de integração seriam impulsionados
32 O termo spillover não possui uma tradução teórica especí-
28 HAAS, 1964, p. 710. fica; por isso será sempre usado em inglês; seu significado está
29 Ibid., p. 710. ligado à idéia de derramamento, de algo que começa num
30 HAAS, 1963. determinado ponto e transborda.
31 Idem, 1956. 33 HIRST, 1991.

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sentando maiores expectativas e novas demandas, exercem no interior de uma sociedade e que nem
fatores que são mobilizadores do processo. 34 sempre são coerentes entre si.
Diante do aumento de interesse dos grupos No caso dos Estados, seus valores e inte-
organizados, a teoria neofuncionalista conclui resses são determinados pelo conjunto de valores
que o spillover pressiona pela criação de uma bu- dos diversos grupos existentes em sua sociedade.
rocracia voltada para administrar as questões re- Cada grupo possui uma ideologia formada pelos
ferentes à integração, de preferência com caráter valores compartilhados por seus membros.
supranacional, pois dessa forma poderia aparar Quando eles são transformados em ações, tor-
diferenças nacionais e entre os diversos grupos nam-se interesses. Portanto, quando diferentes
setoriais que se sentem ameaçados. Soluções de grupos compartilham os mesmos interesses, na
cunho regional facilitariam a aplicação de políticas verdade estão compartilhando uma série de valo-
compensatórias, ao diluir os custos das mesmas res que lhes permite a aproximação e a coopera-
no conjunto do bloco econômico, apesar de exigir ção, embora possuam e persistam diferenças en-
tre eles.
maior capacidade de coordenação e cooperação
entre os países. Ou seja, o spillover influencia a es- A cooperação também possibilita uma aco-
trutura institucional ao explicitar sua incapacidade modação entre as perspectivas e as conveniências
dos participantes. Para Haas,36 os interesses pre-
de atender às novas demandas e realidades.
sentes em uma sociedade ou defendidos por um
O spillover pode ocorrer de forma au- Estado não são permanentes, alterando-se ao
tomática se o entendermos como algo que longo do tempo e de acordo com as mudanças
ocorre porque os atores participantes tomam ocorridas no interior das elites e dos grupos or-
determinadas decisões políticas para beneficiar ganizados. Há, assim, uma amenização dos con-
coletivamente seu bem-estar econômico. O au- flitos e uma limitação natural ao uso da força,
tomatismo não implica ausência de conflito, de porque as divergências podem se acomodar ao
dificuldades nas negociações e retrocesso tempo- longo do tempo. Segundo esse autor, as decisões
rário no processo; sugere, apenas, que esses ele- ou opções dos atores variam de acordo com suas
mentos levarão a futuras decisões adaptativas. aspirações, mas também conforme o contexto no
Em uma sociedade, existe uma multiplici- qual os indivíduos estão envolvidos.
dade de valores e interesses que não são necessa- De modo geral, todos os grupos pertencen-
riamente homogêneos ou aceitos por todos. O tes a um país compartilham os chamados valores
posicionamento e a opinião de um ator perante nacionais, intimamente ligados à cultura prepon-
um tema são determinados pelos grupos com os derante e presentes na sociedade, considerada
quais se identifica (e seus respectivos valores) e como o elemento central da identidade dos
pelos demais membros de seu grupo, especial- indivíduos a ela pertencentes. Essa idéia é funda-
mente as lideranças, que funcionam como catali- mental para a noção de Estado-nação, pois per-
sadores de preferências já existentes.35 mite pensar o Estado como uma associação que
A racionalidade de uma ação é determinada pretende preservar a ordem para todos os grupos
por interesses materiais (o indivíduo opta ou age de interesse existentes em seu interior e cujas re-
como um consumidor utilitarista, pensando em gras devem ser respeitadas por todos.
obter o máximo benefício com o menor custo) e Para os Estados democráticos, as regras são
por valores que chamaremos de culturais, deter- determinadas ou resguardadas por um grupo de
minados pelos diferentes papéis que os indivíduos políticos (normalmente o partido ou aliança par-
tidária que venceu a eleição) que atua conforme
34 Esse seria um movimento de realimentação, em que cada os interesses dos grupos que lhe dão sustentação,
objetivo atingido implica novas demandas, que por sua vez sem deixar de considerar o restante da sociedade.
produzem mais realizações, e assim por diante.
35 HAAS, 1956. 36 Ibid.

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Para Haas,37 as decisões políticas dos governos se o caso das organizações cívicas e educacionais
originam do casamento desses múltiplos interesses. etc.;
A maior interação entre as sociedades po- • grupos geralmente preocupados apenas com
deria influenciar as opiniões e percepções de seus as questões domésticas, mas que ocasional-
cidadãos sobre sua realidade dentro do panorama mente se interessam por uma determinada
nacional,38 ao mesmo tempo em que novos mi- questão de política externa;
tos, símbolos e valores seriam criados comunitaria- • grupos que somente se interessam por ques-
mente, favorecendo a ação conjunta. Esses novos tões internacionais em momentos de crise e
códigos valorativos de comportamento dariam le- emergências. Esse grupo engloba a maior par-
gitimidade às mudanças sociais em andamento.
te da população.
Para os sindicatos europeus, por exemplo, os te-
Essa classificação aponta para o fato de que a
mores possibilitaram uma melhor articulação.
maioria da sociedade não se interessa pelos temas
Nesse caso, o apoio à integração foi feito sob
relativos à política externa, a não ser quando eles
uma condição defensiva: a integração deveria tra-
passam a ter implicações diretas em sua vida. Se
zer benefícios e melhorar as condições de vida
olharmos para o caso do Mercosul, verificamos a
dos trabalhadores.
veracidade dessa afirmação, pois conforme esse
Os autores neofuncionalistas aceitam o
processo se aprofunda e origina impactos nos dife-
pressuposto de que os diversos grupos organiza-
rentes grupos e classes sociais, aumentam o interes-
dos presentes numa sociedade possuem interes-
se e a preocupação da comunidade nacional em re-
ses diferenciados em relação às questões de polí-
lação ao seu andamento e suas conseqüências.
tica externa. Segundo Haas,39 podemos classificar
O interesse de Haas40 pela questão da inte-
esses grupos em cinco categorias, de acordo com
gração econômica reside na sua potencialidade de
o grau ou a intensidade de seu interesse e a pre-
proporcionar conhecimentos sobre o processo
ocupação com essas questões:
de formação de comunidades no âmbito interna-
• grupos permanente e diretamente ligados às
cional. A verdadeira integração somente é possí-
questões de política externa, como exportado-
vel quando o critério subjetivo das expectativas
res e importadores, representantes de organiza- de certas elites é satisfeito. Se as elites41 mais im-
ções internacionais etc.; portantes da região têm suas expectativas conver-
• grupos cuja principal função é a realização de gindo com as demandas e os benefícios decorren-
demandas nacionais, mas que também devem tes da integração, surge uma mobilização que
estar atentos ao cenário externo porque, em movimenta e sustenta o processo. Os estreitos
inúmeras ocasiões, a consecução de seus obje- vínculos entre elites ou importantes organizações
tivos depende de resultados em negociações nacionais (como partidos políticos, sindicatos,
externas (por exemplo, centrais sindicais, as- associações profissionais, organizações religiosas
sociações comerciais etc.); e outras instituições semelhantes) são essenciais
• grupos interessados apenas nos problemas ge- para uma integração regional ampla.
rais da formulação de política externa, como é Por outro lado, se os setores-chave (do nú-
cleo funcional, especialmente) percebem ou acre-
37 Ibid. ditam que seus benefícios futuros com a integra-
38 Um dos efeitos das relações transnacionais é o aumento da ção serão menores, o processo tende a retroceder,
sensibilidade entre as sociedades e, com isso, uma alteração no podendo haver desintegração.
relacionamento entre os Estados. Essa ação sobre a sensibilidade Outro importante pressuposto da teoria
das nações resulta na alteração dos comportamentos dos grupos
domésticos constituintes de sua sociedade que, ao serem expos-
neofuncionalista para o sucesso da integração é a
tos ou entrarem em contato mais intenso com outras socieda- democratização do sistema político. A existência
des, modificam suas formas de atuação e questionam coisas
anteriormente aceitas e reconhecidas como válidas. 40 Idem, 1963.
39 HAAS, 1956. 41 Elites econômicas e políticas, principalmente.

impulso nº 31 57
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da democracia permite aos diferentes grupos so- co, apesar de exigirem maior capacidade de coor-
ciais a participação no processo de integração, denação e de cooperação entre os países.
possibilitando o seu aprofundamento e facilitan- Todo processo de integração, segundo a
do a sua propagação e manutenção. A democra- análise neofuncionalista, possui duas alternativas,
cia, segundo os neofuncionalistas, é essencial ou tendências institucionais, no seu sistema de-
para a ocorrência do spillover. Os neofunciona- cisório: a intergovernamental e a supranacional.
listas acreditam que o spillover é obtido quando A primeira
os governos são capazes de garantir a continui-
dade dos ganhos para os segmentos beneficiados se dá pela presença de instrumentos decisó-
porque eles dão sustentação e apoio à integração. rios onde os Estados participantes atuam
através de representantes e onde não exis-
E, ao mesmo tempo, quando elaboram políticas
tem instituições comuns que possuam po-
compensatórias para os prejudicados, evitando
deres acima dos Estados nacionais. A buro-
sua mobilização e oposição, que poderiam criar cracia administrativa é reduzida e a dinâmica
empecilhos, dificultando o andamento das nego- do processo gira em torno de um mínimo
ciações e limitando o seu aprofundamento. denominador comum. No caso da organi-
Os grupos participantes devem receber zação supranacional, o relacionamento de
compensações para equilibrar os possíveis efeitos interesses é mais amplo. Além dos repre-
deletérios da integração. Uma perspectiva futura sentantes governamentais, incorpora-se ao
de receber algo em troca do sacrifício presente es- processo outros atores relevantes das socie-
timula o apoio de grupos inicialmente desfavore- dades envolvidas e a dinâmica decisória ten-
cidos. Entretanto, essa situação somente pode se de a adquirir mais autonomia com relação
aos Estados nacionais. A burocracia admi-
concretizar se os governos criarem um espaço
nistrativa, neste caso, é ampliada e busca-se
institucional para a participação.
o incremento de um interesse comum.43
A teoria neofuncionalista supõe que a inte-
gração econômica requer mais do que a remoção A supranacionalidade surgiria como conse-
de barreiras administrativas e fiscais ao comércio, qüência do aprofundamento da integração e do
levando a uma politização do processo. “Integra- spillover. Sua existência representaria a irreversi-
ção pode ser concebida como envolvendo a poli- bilidade do processo e garantiria sua perpetuação.
tização gradual dos propósitos dos atores”.42 Quanto aos aspectos políticos, representa o mo-
Politização é a ampliação da agenda de negocia- mento em que a sociedade adquire um espaço
ção para temas desconsiderados anteriormente efetivo de intervenção na integração e que os go-
ou considerados não-pertinentes, significando vernos já não controlam mais o andamento das
maior delegação de soberania para o centro de- negociações.
cisório da integração. A participação não é suficiente para pressio-
A conclusão lógica da teoria neofunciona- nar os governos a fornecerem compensações aos
lista sobre o spillover é a da necessidade de criação grupos negativamente afetados. Eles próprios de-
de uma burocracia voltada para administrar as veriam, segundo Haas, promover uma atuação
questões referentes à integração, de preferência conjunta, baseada em uma lógica supranacional.
com caráter supranacional. Isso permitiria aparar Essa lógica possibilitaria a formação de uma nova
diferenças nacionais, e também entre os diversos coalizão com interesses regionais e não mais liga-
grupos setoriais que se sentem ameaçados. da às questões estritamente nacionais, pois have-
Soluções de cunho regional facilitariam a aplica- ria um novo centro de fidelidade. “Os negociado-
ção de políticas compensatórias, ao diluir os cus- res governamentais e altos funcionários que ope-
tos das mesmas no conjunto do bloco econômi- ram à margem das pressões políticas e da respon-

42 HAAS, 1963, p. 107. 43 MARIANO, 2000, p. 37.

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sabilidade democrática obtêm uma simpatia gração como um tipo de resposta política produ-
mútua com mais facilidade do que os grupos res- zida pelos Estados modernos ao crescimento da
paldados pela massa.”44 interdependência. Partindo dessa constatação, o
Foi nessas suposições que os neofuncio- neofuncionalismo chega a outras conclusões,
nalistas centraram a atenção em suas análises igualmente incorporadas por outras teorias: o es-
sobre a integração na Europa. Acreditavam que tudo da integração regional deve estar vinculado
o interesse gerado nos vários setores econômi- à análise do processo de interdependência inter-
cos promoveria inevitavelmente o spillover até nacional,46 sendo a integração considerada como
atingir o conjunto da sociedade (inclusive aqueles um regime internacional. Essa idéia neofunciona-
grupos ou indivíduos não interessados em ques- lista de interdependência internacional foi reto-
tões de política externa), criando instituições que mada posteriormente por Keohane e Nye, que
teorizaram a questão tentando explicar um mun-
consolidariam a integração e garantiriam a irre-
do ainda em mudança. Para eles, as explicações
versibilidade do processo.
não podem fundamentar-se numa causa única,
A integração européia não apresentou essa devendo contemplar uma série de fatores para, a
linearidade prevista, sendo permeada por momen- partir deles, formular algum tipo de conclusão; a
tos de retrocesso acompanhados por negociações integração requer explicações que considerem as
fundamentadas em barganhas intergovernamen- diferentes formas de evolução desse processo, as-
tais. O spillover também não correspondeu às ex- sim como os diversos tipos de institucionalização
pectativas, não sendo uma constante no proces- e resultados que podem ser produzidos. Isso im-
so. Apenas criou uma estrutura institucional su- plica uma visão mais ampla da integração, forma-
pranacional incapaz, por muito tempo, de impul- da por quatro dimensões básicas:
sionar uma dinâmica própria e imprimir seu
• a amplitude geográfica compreendida por esse
ritmo à integração. Essa inadequabilidade das
regime internacional, ou seja, o seu alcance fí-
análises neofuncionalistas gerou uma série de crí-
sico;
ticas ligadas, principalmente, a dois pontos:
• a hierarquia dos temas dentro da agenda de ne-
• ao seu determinismo, porque o neofuncionalis-
gociação e de coordenação de políticas;
mo entendia os processos de integração como
• os tipos de instituições que realizam a tomada
movimentos lineares e progressivos, passando
de decisão, a implementação e o fortalecimen-
necessariamente por determinadas etapas;
to do processo;
• à sua ênfase na questão do spillover na integra-
• o direcionamento e a magnitude dos ajustes
ção.
políticos realizados nacionalmente em conse-
Nesse mesmo sentido caminhou a autocrí- qüência da integração. Esse elemento ajuda a
tica feita por Haas, que apontou como os três compreender e a medir o modo como se rea-
principais problemas da teoria neofuncionalista
liza, no plano interno, a distribuição dos confli-
as suposições de que: um modelo institucional
tos (entre os grupos afetados positiva e negati-
definido marcaria os resultados da integração; o
processo teria uma única direção; e o incremen- vamente) e como são feitas as compensações e
talismo seria a principal forma de tomada de de- barganhas entre os próprios Estados.
cisão.45
Se esses supostos neofuncionalistas não se A TEORIA INSTITUCIONALISTA
verificaram, parte de sua argumentação permane- Geralmente, as análises sobre o sistema in-
ceu válida para outras correntes teóricas, como o ternacional referem-se a ele como representando
institucionalismo, que também se refere à inte- uma situação de anarquia ou como um estado de
natureza em que a guerra é um elemento cons-
44 HAAS, 1963, p. 287.
45 MATLARY, 1994. 46 HAAS, 1963.

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tante ou, pelo menos, latente. Essa interpretação nectadas (formal ou informal) que definem os
é questionada pela teoria institucionalista, que ad- papéis comportamentais, limitam a ação e com-
mite a descentralização do poder (portanto, uma partilham expectativas”.49 As instituições inter-
anarquia) mas também verifica uma tendência nacionais podem ser subdivididas em três tipos:
institucionalizante. • intergovernamentais formais: entidades criadas
A perspectiva institucionalista aborda os pelos Estados com capacidade de monitora-
impactos provocados pelas instituições externas mento das atividades e de reagir a elas. São
sobre a ação estatal e as causas das possíveis mu- organizações burocráticas com regras especí-
danças nas primeiras. A presença de instituições ficas. Podem ser incluídas neste tipo as
internacionais no sistema político mundial influ- organizações não-governamentais transnacio-
encia o comportamento dos governos47 e é cen- nais;
tral para analisar a cooperação entre Estados, ao • regimes internacionais: esse tipo de instituição
supor que os arranjos institucionais afetam, e às possui regras claras acordadas pelos governos
vezes condicionam, as ações governamentais, sobre algumas questões das relações internacio-
por terem impacto sobre: nais. São instituições que tratam de especifici-
• os fluxos de informação e as oportunidades de dades e, portanto, não dão conta da totalidade
negociação; nem pretendem isso;
• a habilidade dos governos em controlar o • convenções: instituições informais que supõem
cumprimento dos compromissos tanto seus a existência de regras implícitas e o comparti-
quanto dos demais; isso acaba dando credibi- lhamento de expectativas entre os participan-
lidade aos comprometimentos assumidos; tes. Basicamente, representam valores aceitos
• as expectativas em torno dos acordos interna- e respeitados pelos atores internacionais na
cionais, pois elas tendem a se tornar mais po- condução de suas ações. Esses valores são mu-
sitivas. táveis. As convenções são o ponto de partida
Para o institucionalismo, “a habilidade para as relações entre os Estados na esfera in-
dos Estados em se comunicar e cooperar de- ternacional porque estabelecem o consenso
pende das instituições elaboradas pelos ho- mínimo que permite o diálogo e a interação.
mens, que variam historicamente e tematica- A importância das instituições internacio-
mente na sua natureza (com respeito às políti- nais está na sua influência sobre os interesses dos
cas por elas incorporadas) e na sua força (em Estados, na sua capacidade de promover ações
termos do grau em que suas regras estão clara-
que, de outra maneira, parecem impensáveis e na
mente especificadas e rotineiramente obedeci-
forma como alteram os custos das alternativas
das)”.48
(encarecendo as opções autônomas). Essa im-
Essa teoria supõe que os atores possuem
portância não é condicionada pelo grau de insti-
pelo menos alguns interesses comuns, entenden-
tucionalização.
do a cooperação como uma forma de obter po-
tencialmente ganhos. Outro pressuposto refere- As instituições influenciam as ações e
se à influência das instituições sobre o compor- opções dos Estados porque, segundo o institucio-
tamento dos Estados, imaginando uma variação nalismo, aceita-se o suposto de que as lideranças
constante nas instituições, com conseqüências governamentais realizam um cálculo de custo-
sobre as ações estatais. benefício para suas ações. As ações humanas tam-
Keohane define o termo instituições como bém provocam alterações nas instituições, tendo,
sendo “um conjunto de regras permanentes e co- por sua vez, fortes efeitos sobre o comportamen-
to dos Estados.
47 KEOHANE, 1989.
48 Ibid., p. 2. 49 Ibid., p. 3.

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A base para a integração está dada quando As representações da sociedade são os gru-
duas condições são cumpridas:50 pos de interesses e os representantes políticos di-
1. quando os atores possuem alguns interesses em retamente envolvidos na coordenação da integra-
comum, havendo expectativa quanto à possibi- ção e no seu processo decisório. Na Europa, essa
lidade de ganhos com a cooperação; arregimentação social está bastante evoluída, se
2. quando a variação no grau de institucionaliza- comparada ao que se verifica em torno do Mer-
ção se refletir no comportamento dos Esta- cosul, em que essa participação ainda é restrita.
dos, pois as instituições internacionais não são As estruturas burocráticas que efetiva-
fixas, estando em constante mutação ao longo mente participam e coordenam a integração são
do tempo. atores decisivos porque influenciam de fato as
decisões, a partir de seus próprios objetivos en-
A partir daí, o seu sucesso ou fracasso de-
quanto organizações. Sua influência é determi-
penderá do arranjo institucional a ser criado pelos
nada pelo que esperam e idealizam como sendo
integrantes do processo, sendo o acordo sobre a
o seu papel no andamento da integração.
estrutura da integração resultante das suas
opções.
A análise institucionalista permite, em últi-
A TEORIA INTERGOVERNAMENTALISTA
ma instância, entender quais são os canais de re- A teoria intergovernamentalista supõe que
os Estados são atores dotados de uma certa racio-
presentação das demandas emergentes da socie-
nalidade e cujo comportamento reflete as pressões
dade que irão influenciar a formulação da política
sofridas internamente, vindas de grupos presentes
externa. Estamos introduzindo um elemento re- na sociedade e de pressões externas criadas pelo
lativamente novo nas teorias de relações interna- próprio ambiente internacional.
cionais, que é a intervenção de grupos de interes- Quando nos referimos à ação racional do
se no processo de tomada de decisão governa- Estado, estamos supondo que ele é minimamente
mental. racional, sendo capaz de formular um conjunto
Até pouco tempo atrás, considerava-se que de fins e objetivos com algum grau de ordena-
decisões como a da formação de blocos econô- mento quanto à sua importância e de criar parâ-
micos eram influenciadas somente pelas ações metros para a tomada de decisões. O aspecto ra-
das elites sociais, enquanto o restante da socieda- cional desse tipo de ação encontra-se no fato de
de exerceria um papel passivo. Essa postura está as decisões governamentais não serem aleatórias,
porque os governos possuem capacidade de ava-
sendo gradualmente revista, principalmente no
liar as diferentes alternativas e de decidir segundo
caso europeu, pois tornou-se cada vez maior o
os custos e benefícios que a decisão representa.52
envolvimento de grupos organizados na tomada O intergovernamentalismo considera esse
de decisão.51 modelo de comportamento racional do Estado
Essa crescente importância está ligada à ne- como a base para a discussão dos constrangi-
cessidade dos governos de ampliar a sustentabili- mentos produzidos pelas preferências nacio-
dade da integração, garantindo o aprofundamen- nais. O conflito e a cooperação internacional
to do processo e a efetividade de algumas medi- são processos com dois estágios sucessivos: pri-
das dependentes da adesão da sociedade. Para que meiro, os governos definem um conjunto de
a sociedade se envolva mais, é preciso criar espa- interesses; em seguida, barganham entre si no
ços de participação dentro da própria estrutura intuito de realizá-los.
institucional. Por serem atores racionais e egoístas, os
Estados procurariam sempre atingir altos níveis
50 Ibid.
51 EICHENBERG & DALTON, 1993. 52 MORAVCSIK, 1994.

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de satisfação e de ganhos individuais com o me- política entre os países envolvidos, como conse-
nor custo possível. Essa é uma forma utilitarista qüência da maior interação. Esse fato pode ser ve-
de entender a lógica pela qual as nações tomam rificado no Mercosul, cuja agenda de negociações
suas decisões e fazem suas escolhas. Todavia, de gradativamente foi ampliada, conforme o proces-
algum modo, esse utilitarismo seria a via que so avançou.
possibilita a cooperação, ao eliminar parcial- Para os intergovernamentalistas, quando
mente a preocupação de cada um com os gan- surge no interior de um processo de integração
hos dos outros. Esse é um ponto importante na um auto-estímulo (que os neofuncionalistas cha-
fundamentação do pessimismo da teoria realis- mariam de spillover) para sua manutenção, resul-
ta em relação à cooperação: o receio dos possí- tante da participação mais efetiva da sociedade e,
veis ganhos de seus parceiros graças à coopera- principalmente, dos grupos econômicos, haven-
ção inibe o ator de cooperar. do uma realimentação automática, criam-se vín-
Sob a ótica liberal das relações internacio- culos mais sólidos e aumentam a interdependên-
nais, a cooperação é considerada um meio eficaz cia e a necessidade de cooperação. Identificamos
para a consecução dos objetivos do Estado, ou nesse aspecto um dos principais estímulos para o
seja, a promoção do bem-estar interno. Não im- sucesso e a continuidade da integração.
porta muito quanto benefício os demais obtive- O intergovernamentalismo53 não é uma teo-
ram ou obterão. Certamente, quando os ganhos ria específica de integração regional tal como foi a
alheios desestabilizam a balança de poder entre os neofuncionalista, é um modelo teórico de rela-
países, os custos da participação tornam-se maio- ções internacionais que pode ser aplicado em ca-
res do que os da não-participação, e assim a coo- sos de integração regional. Está baseado em
peração perde sentido. suposições sobre o papel do Estado numa coo-
De qualquer forma, segundo essa teoria, peração multilateral. É uma perspectiva histórica
não cooperar pode ser mais prejudicial que coo- e estática para explicar as influências dos interes-
perar e não receber o esperado porque, com a ses nacionais sobre os resultados da política de
não-cooperação, os governos perdem a possibili- integração. Para essa teoria, a integração não pro-
dade de obter ganhos que não conseguiriam iso- voca alterações nos Estados participantes.
ladamente, mesmo que sejam menores do que os Discordamos desse suposto, pois acredita-
dos demais participantes. mos que a integração regional distingue-se da coo-
Os intergovernamentalistas e os neofunci- peração multilateral justamente pelo fato de pro-
onalistas apontam para o fato de a integração ter mover mudanças significativas nos Estados en-
impactos sobre as sociedades envolvidas, princi- volvidos. Assim, consideramos o intergoverna-
palmente nos aspectos econômicos, afetando os mentalismo como uma teoria parcial, útil para
interesses dos grupos que as compõem, sejam explicar as principais barganhas na integração,
eles organizados ou não. Essas teorias conside- mas não o processo em si.
ram prudente relativizar esses efeitos a fim de evi- As análises intergovernamentalistas con-
tar uma situação em que a sua oposição pudesse centram sua atenção nas negociações e barganhas
impedir ou obstaculizar o andamento do processo. promovidas pelos Estados no processo de inte-
Os governos são constantemente coagidos gração. Sob essa perspectiva, o Estado é um ator
a encontrar soluções para os problemas e impac- independente buscando atingir um objetivo. A
tos negativos decorrentes da integração. Ao mes- integração é uma forma de cooperação ou de co-
mo tempo, suas ações devem estar coordenadas ordenação política para ajustar o comportamento
com os demais países para evitar desentendimen- desses atores às preferências prévias dos mesmos.
tos prejudiciais ao avanço e ao aprofundamento Alguns autores, como Moracvsik e Hoffman, en-
do processo. O aprofundamento do processo de
integração cria novas demandas de coordenação 53 Ibid.

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tendem a integração regional como um regime entre si para concretizar os objetivos determi-
que reduz significativamente os custos de transa- nados. Esse aspecto é resquício da teoria neo-
ção de seus integrantes e possui caráter legal, isto funcionalista, ao supor que toda integração
é, capacidade de aplicar sanções. possui internamente um processo preliminar e
Essas análises são influenciadas pelas teorias constante de identificação das divergências e
dos jogos, especialmente pelo modelo de Putnam54 dos conflitos, tornando-se uma negociação per-
do two-level games, em que os Estados atuam si- manente de objetivos sobre os quais será formu-
multaneamente em duas arenas: a doméstica e a lado o interesse comum. O intergovernamenta-
internacional. As estratégias de uma esfera devem lismo considera o modelo de comportamento ra-
levar em conta as da outra. A teoria do two-level cional do Estado a base para a discussão dos
games supõe que toda atuação estatal internacio- constrangimentos produzidos pelas preferências
nal envolve dois processos de negociação: um nacionais.
voltado para os atores externos e o outro, para os As inibições dos Estados para a adoção de
domésticos. O pressuposto dessa teoria é que os uma postura cooperativa dentro da perspectiva li-
acordos e compromissos assumidos internacional- beral das relações internacionais são o receio de
mente necessitam de apoio interno para serem efe- serem ludibriados pelos seus parceiros e de que
tivamente implantados e, nesse sentido, os gover- os benefícios a serem recebidos sejam menores
nos são obrigados a negociar no âmbito nacional do que o custo de cooperar. Quanto à incerteza
em relação aos parceiros, ela oscilará de acordo
para criar uma base de sustentação que permita
com o grau de concordância entre eles: quanto
essa implementação. As relações externas de um
maior o ônus a quem agir deslealmente e quanto
país são muito mais dinâmicas e complexas por-
maiores as retaliações a esse tipo de atitude, me-
que supõem um diálogo constante em duas fren-
nor ela será.
tes e a acomodação permanente dos interesses.
A forma mais eficiente de estimular a co-
O intergovernamentalismo está embasado operação seria tornar a relação entre os atores
em três elementos essenciais: o comportamento mais durável e fazer com que os custos de deixar
racional do Estado, a formação da preferência na- de participar sejam mais altos do que os de con-
cional e a negociação interestatal. tinuar participando. Essa teoria adota uma
noção básica da teoria dos jogos: a repetição do
COMPORTAMENTO RACIONAL jogo promove a cooperação ao criar parâmetros
DO ESTADO entre os jogadores, por meio da experiência re-
A noção de comportamento racional do petida, de quais seriam as possíveis atitudes de
Estado significa que os custos e benefícios da in- seus parceiros. Isso facilita a tomada de decisão
terdependência econômica são os primeiros ele- e permite, ao longo do tempo, diminuir as des-
mentos determinantes das preferências nacionais confianças, porque fornece uma previsibilidade
e resultam da existência de diferentes coalizões mínima quanto ao comportamento alheio.
internas em conflito porque disputam o poder no
âmbito nacional. FORMAÇÃO DA PREFERÊNCIA
O interesse nacional emerge dessas dispu- NACIONAL
tas políticas e entendê-las é uma condição para a Esse processo identifica os benefícios po-
análise da interação estratégica dos países. Os tenciais da coordenação política entre governos
conflitos internacionais e a cooperação são pro- nacionais, sendo essa interação uma resposta po-
cessos de dois estágios: primeiro, os governos lítica às pressões internas. Na formulação teórica
definem os interesses; em seguida, barganham sobre a formação da preferência nacional, o in-
tergovernamentalismo aponta para o fato de as
54 PUTNAM, 1993. prioridades estatais e suas políticas serem deter-

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minadas pelos políticos, que fariam parte de uma tima reflete uma série de condicionantes muito
liderança dentro do governo nacional, cujas ligados com a capacidade competitiva.
identidades e propostas são ecos da sociedade ci- Rogowski baseia sua tese numa adaptação,
vil. As pressões mais importantes sobre a políti- para a política, do teorema econômico de Wol-
ca externa estão identificadas com os grupos so- fang Stopler e Paul Samuelson. Conforme esse
ciais relevantes, com a natureza de seus interes- teorema, um país exporta bens que utilizam in-
ses e com sua relativa influência na política in- tensivamente fatores de produção de relativa
terna. Tudo isso varia com o tempo, o lugar e o abundância em relação à distribuição internacio-
tema tratado e de acordo com os custos e bene- nal e importa os que ele possui com relativa es-
fícios esperados por todos. cassez.
Para os intergovernamentalistas, esses sig- Os detentores de fatores de produção be-
nificados ou interesses compartilhados nacio- neficiados em cada uma dessas situações procu-
nalmente representam a primeira fase do proces- rariam traduzir sua situação econômica em ter-
so de cooperação, concretizando-se com a cha- mos políticos, mediante o aumento de sua in-
mada formação de uma preferência nacional. Essa fluência no processo decisório. Esse modelo te-
primeira etapa identifica os benefícios potenciais órico sugere que coalizões tendem a se formar
da coordenação política na segunda fase, a da de acordo com as flutuações do comércio den-
interação entre os Estados, quando são definidas tro de um processo histórico, cujos resultados
as possíveis respostas políticas às pressões inter- são, em última instância, conseqüência das esco-
nas. Essa teoria supõe que os fins governamentais lhas e do comportamento dos diferentes atores.
na política externa seguem as pressões domésti- Para o intergovernamentalismo, isso ocorre
cas dos grupos sociais, cujas preferências seriam porque os grupos articulariam suas preferências,
agregadas pelas instituições políticas nacionais. a serem posteriormente agregadas pelos gover-
O interesse nacional emergiria dos confli- nos56 cujo interesse central é sua manutenção no
tos políticos entre os grupos sociais, com o ob- poder, e para isso usam a força, no caso dos regi-
jetivo de obter maior influência política. O in- mes autoritários, ou atendem às demandas, quan-
teresse nacional também é influenciado pela for- do são democracias. A relação Estado-sociedade
mação de coalizões nacionais ou transnacionais torna-se o elemento central de toda a análise: sen-
e pelas novas alternativas políticas incorporadas do o interesse dos governos permanecer no po-
pelos governos de acordo com o momento. der, nas sociedades democráticas, eles precisam
Utilizando o modelo de Rogowski,55 do apoio de uma coalizão que lhes dê sustenta-
pode-se avaliar os possíveis impactos das variá- ção, baseada em partidos, grupos de interesse e
veis externas nos processos políticos domésti- burocracias, cujas opiniões são transmitidas dire-
cos e, inversamente, qual o papel da política in- ta ou indiretamente por meio das instituições de-
terna na determinação dos posicionamentos in- mocráticas e das práticas de representação políti-
ternacionais, e entender o estímulo à participa- ca. Como resultado dessa interação interna, surge
ção por parte da sociedade. Esse autor afirma um conjunto de interesses e de finalidades nacio-
que, diante das possibilidades de maior exposi- nais que é apresentado pelos Estados nas negocia-
ção ao comércio internacional, formam-se coa- ções internacionais.
lizões sociais de acordo com a capacidade de os A maior interação entre as sociedades pode
atores competirem nessa nova situação de aber- influenciar as opiniões e percepções de seus ci-
tura econômica. Há, nesse modelo, duas variá- dadãos sobre sua realidade no panorama nacio-
veis causais: os fatores de produção e as varia- nal, ao mesmo tempo em que novos mitos, sím-
ções nos níveis de exposição comercial. Esta úl- bolos e valores são criados comunitariamente

55 ROGOWSKI, 1990. 56 MORAVCSIK, 1994.

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entre elas. Esses novos códigos valorativos de distribuição eqüitativa do benefício para o maior
comportamento legitimam as mudanças sociais número de países envolvidos.
em processo. Tais relações interestatais instituem Os neofuncionalistas consideravam as
os governos como agentes por meio dos quais as instituições supranacionais como o elemento ca-
sociedades interagem politicamente umas com talisador do processo de integração. A concepção
as outras. Por outro lado, as relações transnacio- intergovernamentalista difere dessa posição, con-
nais são levadas a cabo por indivíduos ou grupos siderando a existência de uma estrutura institucio-
sociais que desempenham diretamente seus pa- nalizada mais restrita (não supranacional) um ins-
péis na política mundial, independente de seus trumento adequado para a intervenção social nas
próprios governos.57 negociações.58 A intervenção social não é feita na
esfera supranacional, mas no próprio âmbito nacio-
NEGOCIAÇÃO INTERESTATAL nal, estando incorporada às tensões e disputas de
O processo de formação da preferência na- poder nele existentes. A teoria intergovernamen-
cional identifica os benefícios potenciais da coor- talista aponta para a necessidade de compreender
denação política feita em cada país a partir das de- as políticas domésticas como condição prévia
mandas internas, enquanto o processo de intera- para a análise da interação estratégica entre os Es-
ção interestatal define as possíveis respostas do tados e os fenômenos de integração.
sistema político criado pela integração às
A política doméstica torna-se um fator es-
pressões desses governos.
sencial no entendimento da cooperação interna-
No decorrer das negociações, as diferenças
cional, porque é nela que os interesses são gera-
são relativizadas pela estratégia de maximização
dos e onde as disputas dos grupos de interesse
dos pontos em comum. Num primeiro momen-
ocorrem. Nesse tipo de análise, a estrutura do
to, as divergências mais difíceis de serem concili-
Estado é igualmente importante, uma vez que as
adas são deixadas de lado, possibilitando a criação
características institucionais podem condicionar
de uma agenda de negociação positiva e permi-
as preferências e interferir na capacidade dos
tindo a descoberta de áreas e elementos impulso-
grupos organizados nacionais influenciarem a
res do processo. A criação da agenda positiva fa-
política externa. O problema está na falta de cla-
cilitaria a conciliação dos interesses variados ao
reza do processo de barganha doméstica e de de-
formular patamares mínimos de adequação entre
eles. terminantes bem definidos.
No neofuncionalismo, a preocupação está A teoria do two-level games, quando apli-
voltada para a acomodação dos interesses presen- cada em processos de integração, ganha comple-
tes nas sociedades envolvidas. Quando esses estão xidade ao envolver grande número de atores e de
bem articulados e a integração é capaz de absorvê- níveis de interação entre eles, dificultando a exe-
los e processá-los, provavelmente poder-se-á con- cução de uma análise em que se considera a com-
trolar e minimizar os efeitos negativos sobre de- plexidade dos interesses internos sobre várias
terminados setores sociais importantes. questões e a interação entre estes no plano ex-
A interação entre demanda-resposta e as terno, incorporando também os objetivos inter-
preferências individuais, assim como as oportuni- nos da própria estrutura institucional da integra-
dades estratégicas, modelam o comportamento ção.
dos Estados na área de política externa. O papel A solução encontrada pelo intergoverna-
das instituições internacionais seria o de minimi- mentalismo para analisar o processo de integra-
zar esse desejo racional e egoísta de maximizar os ção é considerar somente os Estados como atores
ganhos individuais absolutos, buscando garantir a válidos, ignorando a participação dos atores não-

57 KEOHANE & NYE, 1981. 58 MORAVCSIK, 1994.

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governamentais, ao supor sua intervenção por do governo federal para conseguir alguma com-
meio dos Estados. pensação ou adaptar-se para minimizar suas per-
das, o que nem sempre é viável.
ESTADO SUBNACIONAL: UMA Uma forma de enfrentar essa tendência é a
ADAPTAÇÃO DOS CONCEITOS criação de mecanismos decisórios ou de estru-
O Estado subnacional inserido num pro- turas capazes de representar os interesses sub-
cesso de integração regional deveria ser analisa- nacionais e de influir tanto no interior do Esta-
do utilizando-se um esquema analítico próprio. do nacional quanto no âmbito da integração re-
As várias correntes teóricas descritas anterior- gional. Um exemplo disso seria a última refor-
mente contribuem no sentido de fornecer ele- ma constitucional argentina, que permitiu às
mentos que, combinados, permitem essa abor- províncias negociarem acordos internacionais
dagem do Estado subnacional enquanto objeto desde que não entrem em contradição com os
de estudo no campo das relações internacio- compromissos assumidos pelo Estado nacional,
nais. ou então o caso do Estado de Otawa, Canadá,
O Estado subnacional não pode ser trata- que tem ascendido enquanto ator internacional
do apenas como um ator interno, porque pos- principalmente devido à sua importância econô-
sui capacidade decisória institucionalizada sob mica, comercial e tecnológica para o país.
o território a que se refere. Na verdade, em Outra opção é a criação, dentro da estrutu-
princípio, possui na esfera subnacional as mes- ra da integração, de espaços formais de participa-
mas atribuições de um Estado federal. Ou, se ção dos Estados subnacionais e, mais especifica-
pensarmos em termos intergovernamentalistas, mente, de seus representantes governamentais,
acomoda os diferentes interesses presentes e, a como ocorre na União Européia com o Comitê
partir deles, define seus objetivos e negocia com das Regiões. Sendo o mais recente órgão criado
os demais atores. Assim sendo, a melhor maneira no âmbito da experiência européia, tornou-se ne-
de utilizar os conceitos das diferentes teorias ex- cessário quando a integração alcançou o estágio
postas anteriormente é transferi-los para a esfera de desenvolvimento de uma união econômica.
subnacional, considerando sua atuação externa Isso não afirmar que numa integração intergover-
como a sua relação com as demais unidades da namental como o Mercosul os interesses subna-
federação, com o Estado federal, com outros cionais não são ainda relevantes para o seu avan-
países e com organizações internacionais. Des- ço. Mas podemos direcionar a análise no sentido
se modo, o recorte da análise é a atuação e o de- inverso, o de saber se os interesses subnacionais
senvolvimento da estrutura governamental estão se tornando relevantes a ponto de indicar se
subnacional num contexto de crescente inter- o processo caminha para a criação de instituições
dependência e regionalização. supranacionais.
As noções de vulnerabilidade e sensibilida- Esse princípio supõe que as diferentes es-
de provenientes da teoria da interdependência feras de poder – entre elas, a estrutura regional
ajudam a traçar a situação de um governo subna- – possuem capacidade de aplicar suas decisões.
cional. Sua ascensão é um fenômeno recente e Sua aplicação é válida na Europa porque há su-
sua capacidade para lidar com as questões exter- pranacionalidade, o que não ocorre no Merco-
nas está em processo de desenvolvimento. Os sul. A lógica de negociação, nesse caso, está
governos subnacionais são muito vulneráveis nos mais próxima da teoria do two level games, em
processos de integração regional porque não pos- que os Estados negociam entre si e com os seus
suem poder decisório direto para lidar com seus respectivos atores internos. Sendo assim, um
efeitos. Quando um Estado subnacional é preju- Estado subnacional brasileiro, por exemplo,
dicado por uma política adotada no Mercosul, não necessita participar diretamente das nego-
por exemplo, ele tem de se reportar à estrutura ciações relativas ao Mercosul porque sua inter-

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venção se dá no plano doméstico. Porém, essa é cional, associada com a crença, muito freqüente,
uma situação que aumenta sua vulnerabilidade. de que o Estado nacional é o ator internacional
No mesmo sentido, entendemos que al- por excelência, prejudica o estreitamente de rela-
guns ítens levantados por Keohane e Nye59 a res- ções no âmbito regional.
peito da ascensão dos atores transnacionais po- Entendemos que, dessa forma, o governo
dem também ser aplicados aos governos subna- subnacional busca alternativas para influenciar o
cionais como forma de análise empírica. É neces- processo seja formalmente, através da adaptação
sário conhecer: organizacional à nova situação e da utilização
• o relacionamento com as estruturas políticas dos mecanismos decisórios institucionalizados
nacionais, regionais e transnacionais; no nível nacional, seja informalmente, por meio
• as alterações na percepção e nas atitudes dos da criação de canais de influência em setores go-
formuladores governamentais; vernamentais ou privados diretamente envolvi-
• as possíveis relações de dependência ou inter- dos no processo de integração.
dependência criadas; As teorias intergovernamentalistas tam-
• as modificações organizacionais no sentido de bém são importantes para a compreensão da
criar novas estruturas ou formas de influência; construção de instrumentos negociadores, mes-
• a ascensão de setores no âmbito subnacional mo que não institucionalizados, entre os Estados
com capacidade de desenvolver alternativas de subnacionais e o fenômeno da integração regio-
inserção próprias. nal. A repetição das negociações – visto que, a
O neofuncionalismo ajuda a entender todo momento, os governos são pressionados a
como um governo subnacional se posiciona num solucionar problemas advindos da integração –
processo de integração regional. A integração é permite que os interesses subnacionais sejam in-
fruto de uma decisão exclusiva do Estado nacio- corporados gradativamente na agenda regional,
nal e, dessa forma, as relações políticas iniciais permitindo o aumento da previsibilidade e um
tendem a ter cunho nacional, desenvolvendo um possível surgimento de instâncias específicas
sistema decisório do qual as estruturas governa- para o tema.
mentais subnacionais ainda não fazem parte. A A utilização desses instrumentais teóricos,
integração se expande com o avanço das negocia- contudo, não dará conta dessa nova realidade e
ções, com o processo de institucionalização e nem tampouco da complexidade desse objeto.
com a percepção crescente dos efeitos das medi- Permanece, então, o desafio para os estudiosos
das implementadas. Ao mesmo tempo, a falta de das relações internacionais de estabelecerem os
canais apropriados para a atuação política subna- parâmetros teóricos adequados para o entendi-
mento da atuação desses novos atores, os Esta-
59 KEOHANE & NYE, 1981. dos subnacionais.

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68 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 69 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Dados dos autores


MARCELO PASSINI MARIANO é doutorando em
ciências sociais (Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp,
campus Marília) e pesquisador do Centro de Estudos de
Cultura Contemporânea (CEDEC).
KARINA L. PASQUARIELLO MARIANO é doutora em
ciências sociais (Instituto de Filosofia e Cîências Humanas-IFCH/
Unicamp) e pesquisadora do CEDEC.

Recebimento artigo: 19/set./01


Consultoria: 19/nov./01 a 18/dez./01
Aprovado: 1.º/abr./02

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Ética y economia: valores


y estrategia cubana de
desarrollo en los ‘90s’
ETHICS AND ECONOMY: CUBAN VALUES
AND DEVELOPMENT STRATEGIES IN THE
90’S
EUGENIO ESPINOSA
Resumen Este artículo analiza la estrategia de desarrollo de Cuba en los 90’s desde el MARTÍNEZ
ángulo de la macroeconomía y en relación a la ética. La primera sección está dedicada Universidad de La Habana
a la relación entre la ética y la economía, explorando el concepto de valor desde el pun- Facultad Latinoamericana
to de vista de ambas disciplinas. La presentación de la estrategia cubana de desarrollo de Ciencias Sociales
en los 90’s se realiza relacionando valores, objetivos y políticas en los 90’s, durante la (FLACSO), Cuba
crisis y la recuperación, y explorando convergencias y divergencias entre los valores y eugenioes2001@yahoo.es
las políticas. El análisis va de los cambios a las continuidades, a las nuevas condiciones eugenio@flacso.uh.cu
externas e internas, las vulnerabilidades de la economía cubana y formula una propu-
esta para superarlas.

Palavras-chave ECONOMIA – ÉTICA – ESTRATEGIA – CUBA.

Abstract This article analyzes Cuba’s development strategies in the 90’s from a ma-
croeconomic point of view and in its relationship with ethics. The first section is de-
voted to the connections between ethics and economy, exploring the concept of va-
lue from both points of view. The presentation of the Cuban development strategy
connects values, goals and policies in the 90’s, during the crisis and the recovery, and
exploring its congruencies and divergences. The analysis extends to the changes and
the continuities in economic and social policies, the new external and internal condi-
tions, the vulnerabilities of the Cuban economy and presents a proposal to overcome
them.

Keywords ECONOMY – ETHICS – STRATEGY – CUBA.

impulso nº 31 71
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Hay valores que no tienen precio


Hay precios que no tienen valor
La Habana, 3 /Dic./00

L
EEM

INTRODUCCIÓN A UNA NUEVA ECONOMÍA


a economía como ciencia nos sitúa en el terreno de
los valores y los precios, de las relaciones sociales de
producción, distribución, cambio y consumo;1
mientras la ética nos conduce al mundo de los valo-
res y principios. Aparentemente muy alejadas la una
de la otra y, sin embargo, su cercanía está dada por
algo más que la coincidencia en el vocablo de valo-
res.
Hay precios que no tienen valor. Carlos Marx ponía el ejemplo de
la tierra en esa magistral sección del Capital dedicada a la tierra y la renta
del suelo. También puso los ejemplos del honor y la virtud, entre otros,
cuando hablaba de la mercancía y del mercado capitalista en la sección
primera. Podía haberse referido al agua y el aire, los llamados bienes ¿pú-
blicos?, la vida de un hombre, una idea, en fin, el mercado capitalista pu-
ede ponerle un precio a todo, o casi todo. Aquí estamos en el terreno de
la economía.
Sin embargo, hay valores que no tienen precio. La soberanía, la in-
dependencia, la dignidad, la libertad, el honor, la virtud, son valores sin
precio. Ello nos sitúa en el terreno de la ética, o en el de una nueva eco-
nomía. Es el mercado el que pone los precios, pero es el hombre el que
dispone los valores. Un producto que no quiere ser vendido, cualquiera
que éste sea, tiene valor pero no tiene precio.
Esta nueva economía no desprecia al mercado ni al dinero, no lo re-
chaza ni le teme, pero tampoco lo deifica, ni lo fetichiza. Valora los bienes
y servicios tangibles e intangibles no sólo por el trabajo humano conte-
nido en ellos, como postula la teoría del valor-trabajo; no solo por su es-
casez, o por su utilidad como propugna la teoría marginalista. O, para de-
cirlo de mejor manera, procura la utilidad de la virtud como apuntara
Martí (en lenguaje de economía política marxista sería el valor de uso de
la virtud), y considera que el trabajo humano – a través de la historia –
contenido en la defensa de ideas y valores es tan alto que no existe sufi-
ciente dinero en el mundo para ponerle un precio, con lo que volvemos
aquí a la teoría del valor trabajo de Marx. En este caso sería un valor sin
valor de cambio, sin precio.
Por ejemplo. ¿Cuál puede ser el valor de una idea? El mercado pu-
blicitario guarda mucha experiencia en situarle un precio a las ideas. Tam-
bién el mercado de proyectos, o para decirlo más apropiadamente, en el
proceso de evaluación económica de un proyecto hay experiencia acu-

1 MARX, 1972.

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mulada en la valoración del conocimiento.2 Sin “Con toda razón el compañero Fidel ha pedido
embargo, en el valor de una idea, de un principio, que se revise el Producto Interno Bruto y como se
de un valor ético, ¿está contenido en ellos el tra- expresan en el mismo los servicios de educación y
bajo pretérito como resultado de una evolución salud”.4
histórica que puede ser centenaria, milenaria? Las reflexiones de este texto, que deberían
Con el permiso de los economistas, o de ir acompañadas del análisis de una propuesta me-
los políticos, o de los académicos, me voy a per- todológica de medición, van dirigidas a introducir
mitir añadir lo siguiente. Cuando Ho Chi Minh el tema de la estrategia de desarrollo de Cuba en
decía que no hay nada más preciado que la liber- los ‘90.5
tad y la independencia, o cuando Fidel Castro Se ha preferido aquí el concepto de estrate-
Ruz dice y nos recuerda que vivimos una revolu- gia de desarrollo al de políticas públicas o al de
ción que tiene más de 100 años, son ideas, valores políticas económicas y sociales porque la noción
que se tornaron fuerza material en la vida de mu- de estrategia de desarrollo parece más convenien-
chos hombres y mujeres a lo largo del tiempo. te y apropiada para una sociedad como la cubana
¿Qué valor pueden tener esas ideas, esos valores? que las nociones de políticas públicas, políticas
Un ejemplo más cercano podría ser el si- ambientales, políticas sociales, políticas económi-
guiente. Cuando una persona inventa algo nuevo, cas etc.
que se materializa en un producto, un bien o un La razón fundamental radica en que los
servicio tangible o intangible, como podría ser conceptos de políticas públicas, planificación o
una nueva teoría (la economía política marxista), programación del desarrollo6 etc., presuponen
o un método, o una maquinaria, o una nueva ma- que éstas son elaboradas por los estados y gobier-
nera de hacer las cosas que integre, por ejemplo, nos, y éstos no siempre tienen en cuenta los in-
valoración de expertos, teoría de juego, comunica- tereses y necesidades de las poblaciones a las cua-
ciones rápidas y procesamiento computacional de les van dirigidas, y menos frecuentemente permi-
datos, ¿qué valor puede tener ese producto? Puede ten que los diversos actores sociales participen en
añadirse a lo anterior la movilización social de ac- el diseño e implementación de las políticas.
tores sociales (en este caso estudiantes universita-
En una sociedad como la cubana, en que los
rios) para recoger la información primaria medi-
actores sociales organizados no sólo expresan li-
ante entrevistas, interactuar con la población y
bremente sus intereses sino que forman parte del
conocer de cerca la realidad social actual. Marx
proceso de construcción del consenso que con-
nos hablaba de los signos de valor privados de
duce a una estrategia de desarrollo nacional, sec-
todo valor,3 pero de lo que aquí se trata es del va-
torial o local y de ahí a las políticas,7 el concepto
lor de las ideas, no sólo de la innovación. ¿Cuál es
de estrategia de desarrollo constituye una herra-
el tiempo de trabajo socialmente necesario para
mienta más conveniente y expresa mejor los pro-
una idea? La ciencia económica aún tiene un lar-
cesos reales.8
go trecho que recorrer en este terreno. También
la ética o podríamos decir la axiología. 4 RODRÍGUEZ, J.L., 2000.
Este asunto parecería muy alejado de las 5 Hay varios antecedentes de abordaje del análisis de la eco-
cuestiones prácticas de la vida, sin embargo no lo nomía cubana a partir de la noción de estrategia. Al respecto
está. ¿Cómo medir en el PIB de la economía puede verse: CASTRO, 1959-1988; RODRÍGUEZ, C.R.,
cubana el aporte en valor de servicios como la 1968, RODRÍGUEZ, J.L., 1990; GONZÁLEZ, 1993;
GONZÁLEZ & ESPINOSA, 1993; y ESPINOSA, 1988 e
educación y la salud, por ejemplo? En la reciente 1996.
sesión del Parlamento cubano se planteó que 6 BENARD et al., 1969; PREBISCH 1970; FEDORENKO,

1976; UNESCO-SELA, 1997; y UNESCO, 1997.


2 ESPINOSA, 2000. 7 ESPINOSA, 1996.
3 MARX, 1972, p. 87. 8 Idem, 2000.

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ESTRATEGIA DE DESARROLLO DE CUBA • Dignidad, ética, participación y democracia, li-


EN LOS ‘90: PRINCIPIOS Y VALORES EN bertad, honradez y honestidad, solidaridad e
EL PENSAMIENTO CUBANO internacionalismo, preservación del patrimo-
La estrategia cubana de desarrollo en los ‘90 nio material, espiritual y humano de la nación,
estuvo guiada por un conjunto de valores y prin- paz.
cipios que han estado presentes en la historia de • Sociedad socialista.
lucha y en las ideas al menos desde el siglo XIX, y La independencia, la soberanía, la libertad y
devenidos en políticas de estado y gobierno a par- la justicia y equidad sociales han estado explícita-
tir de 1959. Aquí sólo se analizará este asunto mente formuladas en el pensamiento cubano des-
para los años ‘90, una de las décadas más difíciles de el siglo XIX, y es en el pensamiento indepen-
por las que ha atravesado el pueblo cubano a lo dentista de José Martí y Pérez en el que encuen-
largo de su historia y la etapa más difícil desde
tran su expresión más alta. Ese pensamiento mar-
1959, como ha señalado Fidel Castro Ruz en va-
tiano que ha enriquecido y fertilizado el acervo
rias ocasiones.
espiritual e intelectual de los cubanos, de los lati-
No podría decirse que estos valores y prin-
noamericanos y caribeños y de todos los ameri-
cipios son privativos de Cuba. Estas ideas han es-
canos e iberoamericanos.
tado presentes en la lucha y en la historia de mu-
chos pueblos, sin embargo, no son muchos los Más recientemente, Ernesto Guevara de la
países en los que se han materializado en las po- Serna escribiría su portentoso ensayo “Soberanía
líticas. Los valores que favorecen el desarrollo hu- política e independencia económica” en el que
mano rara vez son rechazados como ideas, pero enlaza “estos dos conceptos que deben ir siempre
su materialización en las políticas de estado y go- juntos” con la historia de Cuba y la de América,
bierno, tornar realidad esos valores en la vida de con el nuevo objetivo estratégico a lograr por
las personas, resulta verdaderamente difícil. Hay Cuba a partir del 1.º de enero de 1959 que “es la
una distancia, que no es pequeña, entre las ideas conquista de la independencia económica”, con
y la realidad que sólo se recorre a través del di- los principios de libertad y democracia, “porque
seño de una estrategia, de la implementación de no se habla de lo económico por lo puramente
las políticas y del seguimiento de las mismas. económico, sino de lo económico como base
A continuación se ofrecen al lector un lis- para satisfacer todas las demás necesidades del
tado de valores, principios y conceptos que son país, de la educación, de una vida higiénica y sa-
los que han guiado la estrategia cubana de desar- ludable, la necesidad de una vida que no sólo sea
rollo en los ‘90 y su presencia en diferentes mo- de trabajo, sino de esparcimiento (...)”, con el
mentos del pensamiento cubano. propósito de “elaborar todo un plan que nos per-
• La independencia económica como base de la mita predecir el futuro”, con los objetivos de “la
soberanía política, de la continuidad en la po- diversificación del comercio exterior” y “la eleva-
lítica social y de la preservación del patrimonio ción del nivel de vida del pueblo”, con el “naci-
humano, histórico, cultural y espiritual de la miento de la verdadera república políticamente li-
nación. bre y soberana que toma por ley suprema la dig-
• Crecimiento y desarrollo. Desarrollo econó- nidad plena del hombre”,9 la mujer y el niño.
mico y desarrollo social. Desde fechas muy tempranas se distinguió
• El hombre, la mujer, el niño, en fin, los seres entre crecimiento y desarrollo en el pensamiento
humanos como sujetos y objetos del desarro- cubano,10 apuntándose que
llo sin discriminación.
• Soberanía política, justicia y equidad sociales, 9 GUEVARA, 1960.
independencia económica. 10 RODRÍGUEZ, C.R., 1948, 1955, 1956.

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el problema básico del desarrollo: la confor- En el pensamiento cubano el desarrollo


mación estructural de la economía, el hecho económico siempre ha estado estrechamente
de que no hay desarrollo económico cuan- asociado al desarrollo social en la medida en que
do el crecimiento de las fuerzas productivas es el hombre el sujeto y el objeto del desarrollo.
se realiza de manera tal que conduce a una Esa visión abarcadora está presente desde tem-
estructura económica que en vez de avanzar pranas fechas en el pensamiento y la acción de Fi-
al país de la condición de subdesarrollado a del Castro Ruz, encontrándose abundantes refe-
la de desarrollado, contribuye a mantener o
rencias en la selección temática de sus pronuncia-
a agravar el status de país subdesarrollado de
mientos durante los 30 años que van de 1959 a
aquel (...) porque no puede haber desarrollo
1988 y que fuera publicada en 1991.
económico sin un crecimiento simultáneo –
y dentro de ciertos límites – de las diversas El desarrollo no sólo es económico sino
ramas productivas. Este problema fue pre- también social. Puede haber crecimiento
visto maravillosamente por Carlos Marx y económico, deformado o dependiente, que
aplicado, con genial anticipación, por Vladi- no sirva a este objetivo ni conduzca a los fi-
mir Ilich Lenin en la primera de las obras nes esperados. Una política económica y
científicas sobre el asunto, El Desarrollo del social acertada debe tener como centro y
Capitalismo en Rusia, escrito medio siglo preocupación al hombre. Si se traza una po-
antes de que los economistas de la decaden- lítica que no corresponda a este contenido,
cia burguesa ‘descubrieran’ el tema del de- no habrá desarrollo y ni siquiera paz.13
sarrollo a manera de nuevo mediterráneo.
El desarrollo actuará a la vez trayendo solu-
Entre los teóricos burgueses del desarrollo
ciones para la pobreza y contribuyendo, a
económico, ha sido Raúl Prebisch quien ha través de la educación y la cultura, a que nu-
dejado las cosas en su justo sitio, cuando estros países logren tasas de crecimiento ra-
postula que desarrollarse ‘no es un mero au- cionales y adecuadas.14
mentar de lo que hoy existe. Es un proceso
de intensos cambios estructurales’.11 Hay gobiernos que acceden al poder medi-
ante la lucha popular o revolucionaria y en-
Suscribiendo “sin reservas las palabras de cuentran de repente las espantosas condici-
Prebisch”, Rodríguez apunta que ones de pobreza, endeudamiento y subde-
sarrollo, que les impiden dar respuesta a las
nosotros vamos un tanto más allá de Walli- esperanzas más modestas de sus pueblos
ch, más allá de Pazos y más allá de Prebisch (...) si el sistema es socialmente justo las po-
(...) nuestra segunda tesis radica en que – a sibilidades de supervivencia y desarrollo
diferencia de los países desarrollados en el económico y social son incomparablemente
siglo XIX y primera parte de este siglo – el mayores.15
factor estratégico básico del desarrollo eco-
En esa visión abarcadora están presentes
nómico fundamental de Cuba y otros paí-
ses que están en su caso, no es el empresario
con fuerza la democracia y la participación. Al
privado, sino que ha de serlo el Estado con decir de Guevara,
un contenido democrático popular (...). el gobierno no puede dictar normas, hacer
Con esto no estamos pronunciándonos a planes, fijar metas, sin la participación del
favor de alguna socialización prematura (...). pueblo, pues en ese caso, sería un plan frío,
Lo que queremos decir es que el Estado de- burocrático. Por eso mismo, la empresa
mocrático popular tendrá que ser el primer debe recurrir a sus funcionarios y obreros
personaje en acción.12
13 CASTRO, 1991, p. 78.
11 Idem, 1955, pp. 41-42. 14 Ibid., p. 82.
12 Idem, 1956, pp. 56-59. 15 Ibid. p. 93.

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para discutir los planes, para incorporar a la tismo del siglo xx; no es un error demasiado
gente a la producción y a los problemas de grave, pero debemos superarlo, so pena de
la producción de tal forma que el resultado abrir un ancho cauce al revisionismo”.17
final sea vivo, producto de discusiones prác-
ticas sobre temas determinados y que pue- La hondura de este pensamiento cubano,
dan ofrecerse conclusiones acabadas. Es del que se han seleccionado chispazos alumbra-
preciso agregar a esto que de acuerdo con dores corriendo el riesgo que entraña toda selec-
los principios actuales de dirección de em- ción breve, no olvida el medio ambiente, ni el de-
presas en los países socialistas, el administra- terminante papel que la ciencia y la tecnología
dor y el consejo de administración son los han pasado a tener en el desarrollo, ni el peculiar
que tienen la responsabilidad única y abso-
significado que para Cuba tienen las relaciones
luta del cumplimiento de las tareas a ellos
internacionales, ni la importancia de la historia, ni
encomendadas. (...) El establecimiento del
sistema socialista no liquida las contradicci- la relevancia del patrimonio material y espiritual
ones sino que modifica la forma de soluci- de la nación.
onarlas. (...). Armonizando todas ellas en el Respecto al tema ambiental sorprende que
marco de la discusión y la persuasión, mé- en José Martí y Pérez estaba ya presente la noción
todo básico para actuar correctamente (...). de que el desarrollo actual no debía comprometer
Este conjunto de organismos revolucionari- el de las futuras generaciones, idea que resurge en
os, el Consejo Técnico Asesor, los sindica- el concepto de desarrollo sustentable; como tam-
tos y la administración (...). Debe existir una
bién estaba en Martí la percepción de que el tema
amplia integración de estos sectores, discu-
tirse continuamente, establecerse una co-
ambiental tenía y tiene una connotación en las re-
municación continua que permita intercam- laciones políticas internacionales, al analizar la
biar opiniones en cada momento y lograr el utilización que a finales del siglo XIX hiciera los
asesoramiento de todos los factores políti- EUA contra Canadá e Inglaterra del tema de las
cos y técnicos necesarios, para que el admi- ballenas en el Pacífico norte.18
nistrador, en última instancia y bajo su en- Del peculiar significado que las relaciones
tera responsabilidad, tome la decisión”.16 internacionales tienen para Cuba, y viceversa, se
ha escrito mucho y poco. Al decir del profesor
No se trata de categorías abstractas, de co-
D’Estefano,
lectividades sin rostro, se trata también de la per-
sona individual. Nada más lejano al pensamiento Toda nación tiene una presencia internacio-
cubano socialista que esa hipócrita acusación de nal dada, pero algunas – y es el caso de Cuba
que el individuo desaparece en la masa, en el pu- – la tienen con gran relevancia. Muy pocos
eblo. En el ensayo que es considerado como una son los países pequeños que, desde diversos
síntesis de su pensamiento, Guevara aborda el te- ángulos, se encuentran en tal caso. Cuba es
ma. uno de ellos (...) Cuba sería la vía que enla-
zaría tres continentes: América, Europa y
Intentaré, ahora, definir al individuo, actor Africa, y sería fiel reflejo de las guerras de si-
de ese extraño y apasionante drama que es la glos entre las potencias imperiales, lo que
construcción del socialismo, en su doble explica que estuviéramos en el centro de la
existencia de ser único y miembro de la co- política de diversos países europeos y ame-
munidad (...). El hombre del siglo xxi es el ricanos (...). Las disputas de las potencias
que debemos crear, aunque todavía es una por Cuba se extendieron en el tiempo por
aspiración subjetiva y no sistematizada (...). espacio de siglos, a partir del XVI (...). Sólo
La reacción contra el hombre del siglo xix en una cosa hubo acuerdo en el tiempo en-
nos ha traído la reincidencia en el decaden-
17 Idem, 1965, pp. 371-380.
16 GUEVARA, 1961, pp. 122-131. 18 ESPINOSA, 1992.

76 impulso nº 31
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tre Estados Unidos, Inglaterra, Francia y las oriental de aquel continente. Todos ellos ar-
demás potencias europeas respecto a Cuba, rancados de sus núcleos sociales originarios
y fue en que la Isla19 no podía pasar a manos y con sus culturas destrozadas, oprimidas
de ninguna de ellas y, por ende, era preciso bajo el peso de las culturas aquí imperantes,
que siguiera en manos de España, la poten- como las cañas de azúcar son molidas entre
cia débil (...). Ahora bien, la actitud de las las mazas de los trapiches. Y todavía más
potencias ante la independencia patria, si culturas inmigratorias, en oleadas esporádi-
bien hizo más larga y dura la lucha, condujo
cas o en manaderos continuos, siempre
a un efecto contrario del que se trazaron
fluyentes e influyentes y de las más varias
otros países: el desarrollo de una nacionali-
oriundeces: indios continentales, judíos, lu-
dad cubana más firme y resuelta, más con-
vencida de la justeza de su causa, más cons- sitanos, anglosajones, franceses, norteame-
ciente de que tenía enemigos poderosos.20 ricanos y hasta amarillos mongoloides de
Macao, Cantón y otras regiones del Impe-
Pero Cuba – al igual que el Caribe – no sólo rio Celeste (...) ese inmenso amestizamien-
ha sido lugar de confluencia y confrontación de to de razas y culturas sobrepuja en trascen-
intereses de las potencias, también ha sido y es dencia a todo otro fenómeno histórico.21
espacio de fusión de razas y culturas, unidad de lo
diverso, cuestión primordial en cualquier estrate- Esa democracia cultural que subyace en la
gia de desarrollo. Nadie mejor que Fernando Or- aceptación del otro con su amestizamiento, esa
tiz, catalogado como el tercer descubridor, para tolerancia cultural hacia lo distinto y lo diverso,
hablarnos de ello, con ese nuevo concepto de raíz profunda de Cuba y de esa América mestiza
transculturación, incorporado por él a las ciencias como denominara Martí a nuestra América, que
sociales. no segrega ni discrimina, que se mezcla en un aji-
aco de identidades para crear una nueva identi-
La verdadera historia de Cuba es la historia dad, es el sustrato de esa democracia política que
de sus intrincadísimas transculturaciones. a través de la construcción del consenso ha sido
Primero la transculturación del indio paleo- y es un componente de la estrategia cubana de
lítico al neolítico y la desaparición de éste desarrollo en los ‘90.
por no acomodarse al impacto de la nueva
cultura castellana. Después, la transcultura-
La Solidaridad – para recibirla y ofrecerla –
ción de una corriente incesante de inmi- y el internacionalismo son valores que no sólo
grantes blancos. Españoles, pero de distin- corresponden a la proyección exterior de Cuba
tas culturas y ya ellos mismos desgarrados, desde la República en Armas del siglo XIX, tam-
como entonces se decía, de las sociedades bién están asociados al ámbito de las políticas in-
ibéricas peninsulares y transplantados a un ternas y a las relaciones interpersonales. Solidari-
Nuevo Mundo, que para ellos fue todo nue- dad que va a lo profundo de la condición humana
vo de naturaleza y de humanidad, donde te- en la medida en que es conducida por un huma-
nían que reajustarse a un nuevo sincretismo
nismo radical, esto es, de raíz.
de culturas. Al mismo tiempo, la transcul-
turación de una continua chorrera humana La valorización de la historia, del patrimonio
de negros africanos, de razas y culturas di- material y espiritual de la nación, la proyección de
versas, procedentes de todas las comarcas futuro y la continuidad del proceso de desarrollo
costeñas de Africa, desde el Senegal, por son elementos de capital importancia. Al respec-
Guinea, Congo y Angola en el Atlántico, to, apunta Raúl Castro Ruz
hasta las de Mozambique en la contracosta
21 También japoneses, alemanes e italianos, además de cari-
19 El archipiélago cubano. beños y latinoamericanos, aunque Ortiz no los menciona
20 D’ESTEFANO, 1988, pp. 1-6. (ORTIZ, 1940, pp. 129-130).

impulso nº 31 77
0000_Impulso_31.Book Page 78 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

La historia de este país (...). Este pueblo no lo al listado de objetivos que permitieron la mate-
ha conseguido nada gratuitamente. Todo le rialización de las políticas durante los años ‘90.
ha costado muy caro. Su propia guerra de
independencia. (...). Este último año, lo que Objetivos para 1989-1993
más se podría resaltar es la fuerza indestruc- • Atenuar los impactos sociales de la crisis eco-
tible de la unidad de este pueblo que la co- nómica sobre la población.
menzó Martí y la concluye Fidel (...) sabes • Preservar la obra de la Revolución y lo alcan-
que a nuestra edad se piensa en el futuro zado por el socialismo en Cuba.
(...). Yo pienso que el mejor homenaje que • Diversificar las relaciones externas.
nos pueden hacer, en primer lugar a los que • Mantener el crecimiento y el desarrollo en ra-
cayeron en esta lucha heroica y que no pu- mas seleccionadas: turismo, biotecnología e
dieron ver como nosotros este final de siglo industria básica.
y ver el 42 aniversario del triunfo de la Re- • Conservar la fortaleza del sistema político.
volución, es que se mantenga la Revolución. • Reforzar la atención primaria de la salud.
Eso es lo que uno más piensa, que no se des- • Valorizar la política ambiental como compo-
víe, que estén alertas, que la experiencia de nente básico de la estrategia de desarrollo.
lo que sucedió en la Unión Soviética muy • Diversificar las formas de propiedad y de ges-
especialmente, no puede pasar aquí. Esa au-
tión a la vez que otorgarle un espacio al capital
todestrucción del país más grande del mun-
extranjero y al funcionamiento del mercado
do. Tenemos que tener a las instituciones de
en la economía interna.
la Revolución, en primer lugar la del Parti-
do, funcionando con una eficacia tal que se Objetivos para 1994-2000
pueda detectar a tiempo los primeros pasos
• Iniciar y mantener la recuperación económica.
negativos (...). Y que no nos puedan sor-
• Conducir la política monetaria, presupuestaria
prender ni una tontería bien intencionada ni
y fiscal de manera tal de contener la inflación
la maldad de una traición (...) tenemos que
y el déficit público afectando lo menos posible
estar pensando en el futuro, en un futuro
las condiciones de vida y de trabajo de la po-
que tiene que ser mejor que éste obligatori-
blación, en condiciones de financiamiento ex-
amente (...). El enemigo seguirá. Ahora es-
terno reducido.
tán hablando de la era pos Castro y que el
• Reforzar el consenso sociopolítico a través de
tránsito tiene que ser pacífico, claro que si-
empre habrá tránsito hacia un socialismo
la participación, la representatividad y la de-
cada vez superior (...). Y cuando hablé de
mocracia.
instituciones perfeccionadas no es suficien- • Continuar la reducción de las vulnerabilidades
te, el papel fundamental lo tienen que jugar económicas externas.
la actitud vigilante del pueblo si ve alguna • Reestructurar, reorganizar y redimensionar la
desviación porque eso se nota y este es un economía, a la vez de iniciar las mejoras en las
pueblo instruido, un pueblo culto, un pue- formas de dirección y administración.
blo cada vez más politizado (...). Ahora mis- • Mejorar la eficiencia económica sin renunciar
mo la batalla de ideas. ¿Qué es esto? Nue- a la eficiencia y equidad sociales.
vos métodos de lucha. El énfasis está en la • Situar la cultura en el centro del desarrollo del
trinchera de ideas.22 país.

Quede aquí esta breve exposición de valo- Situación actual


res, principios y conceptos que sirve de preámbu- • La economía y la sociedad cubanas son más
complejas ahora que hace 10 años: en su es-
22 CASTRO, 2001. tructura y en sus formas de regulación.

78 impulso nº 31
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• Las formas de gestión y de propiedad son más competitividad de la globalización, del ajuste ne-
diversas. oliberal global, de la política de bloqueo y agresi-
• Los rangos de inequidad social son mayores ones de los EUA a un costo estimado para Cuba
ahora que hace 10 años, pero muy inferiores a de $ 181 mil millones de dólares anuales como
los de otros países. promedio en los últimos 42 años, de la pérdida
• Han surgido nuevos fenómenos sociales más del 85% de sus intercambios externos por la de-
propios del capitalismo que del socialismo, saparición del bloque socialista europeo y la de-
acompañados de cierta erosión en los valores. sintegración de la URSS y de los efectos de los
• La política de bloqueo y agresiones de los EUA cambios climáticos globales.
contra Cuba se mantiene y refuerza a pesar de Es conocido que uno de los impactos de la
la creciente oposición que encuentra en nume- globalización neoliberal fue el abandono del deba-
rosos países y sectores políticos del mundo y te sobre las estrategias de desarrollo en las ciencias
de los propios EUA. económicas y sociales. Sin embargo, la noción
• Cuba mantiene relaciones económicas, políti- de estrategia se continuó profundizando en las
cas y culturales con un gran número de países, literaturas macreconómica y en la empresarial.23
empresas y sectores políticos y sociales del En el caso de Cuba el consenso de los ciu-
mundo. dadanos en torno a valores, objetivos y estrategias
• Se mantiene el déficit comercial externo com- de desarrollo económico y social – las dos prime-
pensado con el dinamismo en la exportación ras tareas en la formulación de toda estrategia de
de servicios. desarrollo – ha estado presente desde fechas tem-
• La población cubana cuenta con un alto nivel pranas y ha mantenido su continuidad más allá de
de salud y educación, favorables niveles de ca- los cambios introducidos en las políticas e incluso
pacitación técnica y cultural, y un fuerte po- en las estructuras económica y social.
tencial científico. Esos valores y objetivos se encuentran en la
• Se ha reducido sustancialmente la dependencia larga tradición del pensamiento económico, polí-
energética externa, incrementándose sustanci- tico y social cubano que diferencia crecimiento y
almente la eficiencia en la producción y con- desarrollo económicos; que destaca la muy nece-
sumo energéticos. saria interacción y balance entre desarrollo eco-
nómico y social; que sitúa al hombre y a la mujer
LA ESTRATEGIA ECONOMICA Y como sujetos y objetos del desarrollo; que reco-
SOCIAL DE CUBA EN TIEMPOS DE noce la soberanía política, la justicia y equidad so-
GLOBALIZACION: 1989-2001 ciales, la autonomía e independencia económicas
El Secretario General de los 71 países ACP y la dignidad plena del hombre como fundamen-
(Africa, Caribe y Pacífico) destacó recientemente to de la República; que implanta una democracia
el interés de esa agrupación por Cuba debido a su consultiva, representativa y participativa en el
desarrollo en educación, salud y producción al- ejercicio de los derechos económicos, políticos y
canzado sin asistencia extranjera en los últimos sociales de los ciudadanos; que promueve la soli-
10 años. daridad; en resumen, que impulsa la preservación
Lo significativo del caso cubano es que si- del patrimonio espiritual, cultural, ambiental, his-
endo un pequeño país del Tercer Mundo, con PIB tórico, material y humano de la nación como va-
en torno a los $ 14.500 millones de dólares, un lores y objetivos indispensables de la sociedad so-
producto per capita de apenas $ 1.300 dólares y cialista cubana.
dependiendo en un 45% de sus exportaciones de
azúcar, ha tenido que sortear los embates de la 23 THOMPSON & STRICKLAND, 1989; e PÉREZ, 1996.

impulso nº 31 79
0000_Impulso_31.Book Page 80 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Estos valores y objetivos, que no son pri- en las políticas macroeconómicas y en las sociales:
vativos de Cuba y su historia, han estado presen- 1989-1993 y 1994-2001.
tes en las políticas y estrategias aplicadas desde el El quinquenio que va de 1989 a 1993 se ca-
1.o de enero de 1959 y en los años 1989-2001, y racteriza por una crisis económica severa que se
esa presencia en el diseño e implementación de expresa en la caída abrupta de los principales in-
las políticas económicas y sociales es lo que le dicadores macroeconómicos. La recuperación
otorga continuidad y coherencia a los 42 años de económica se inicia en 1994 y mantiene su dina-
socialismo en Cuba y es lo que permite hablar de mismo en el 2001, aunque aún no se ha alcanzado
una estrategia socialista o de un modelo cubano el valor de la producción de 1989.
de socialismo, con sus variaciones en el tiempo y La política macroeconómica diseñada e im-
más allá o más acá de las virtudes y limitaciones plementada para enfrentar la crisis e iniciar la re-
del concepto de modelo.24 cuperación condujo a una menor contracción del
Aunque no es objetivo de este artículo pro- consumo que de la acumulación. Muchos
fundizar en este asunto, baste señalar que a raíz proyectos y programas de inversión fueron pos-
del colapso del socialismo este-europeo y en con- puestos y otros, los menos, tuvieron acelerada su
traste con la capacidad del socialismo cubano de terminación, pero se mantuvieron en lo funda-
sobrevivir y de reiniciar el desarrollo, se levantó el mental las políticas sociales, incluso hasta el pun-
debate en torno a las reformas en Cuba. Para al- to de que aumentó la tasa de consumo y dismi-
nuyó la tasa de acumulación en un contexto de
gunos autores, que presuponen una lógica prees-
descenso absoluto de ambas.
tablecida en que las reformas (o la transición) de-
ben seguir un itinerario de programación lineal Estas cifras no sólo reflejan la prioridad que
que va del socialismo centralmente planificado- en Cuba se le otorga a las personas (que son la
socialismo de mercado-economía mixta-econo- principal riqueza del país por su alta calificación,
mía de mercado, en el caso de Cuba no hay es- cultura y nivel educacional) sino, además, que la
trategia ni modelo.25 estrategia económica fue diferente a la estrategia
social en cuanto a la distribución y asignación de
En este artículo se sustenta todo lo contra-
rio: la estrategia económica cubana es clara, bien recursos. En una economía en crisis, con recursos
definida y coherente con los objetivos y valores limitados, se optó por:
del socialismo de 42 años en Cuba. Los cambios 1. estrategia de concentración de masa crítica de
y transformaciones ocurridos e implementados recursos de inversión, esto es, concentrar re-
en esos 42 años y, específicamente, en los últimos cursos en sectores, ramas y proyectos de in-
10 años, revelan que la aplicación de las políticas versión seleccionados;
económicas y sociales constituye la puesta en 2. distribución de los recursos destinados al con-
práctica de aquellos valores y objetivos, adecua- sumo social y personal siguiendo el criterio de
dos a las nuevas condiciones externas e internas universalidad y de la mayor equidad y justicia
de la economía y la sociedad cubanas en los años social posibles, manteniendo la canasta básica
‘90. En estos 10 años se distinguen dos momen- subsidiada, la ampliación de los servicios de bie-
tos de transformaciones, continuidad y cambio nestar y asistencia social, la gratuidad en los
24 Sobre virtudes y limitaciones del concepto de modelo, ver
servicios de salud y educación, política de ple-
Michael Barrat Brown (Models on political economy, Middle- no empleo hasta 1993 y de bajo desempleo a
sex: Penguin Books, 1987). partir de 1994, subsidios a servicios básicos de
25 FONT, 1995.
cultura, agua, electricidad y alcantarillado.

80 impulso nº 31
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Cuba: PIB (millones de pesos), 1981.


PIB per capita PIB Crec acum. 1998/1989
1.851 19.585 – –
1.168 12.776 -34,8 –
1.568 17.481 36,8 89

25000 PIB

20000
2000 PIB per c

15000
1500

10000 1000

5000 500

0 0
1989 1993 1998
89

90

91

92

93

94

95

96

97

98
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

Fuente: elaborado en base a datos en Oficina Nacional de Estadística Cuba: estadísticas seleccionadas, varios años.

Cuba: consumo e inversión (millones de pesos).


Consumo Inversión bruta interna Consumo/PIB Inversión/PIB
1989 12.244 5.063 58,8% 24,3%
1993 10.685 5.965 64,3% 25,8%
1996 18.800 1.900 74,6% 27,5%

20000

15000

10000 Consum
Consumoo
Inversion
Inversion
5000

0
1989 1993 1998

Fuente: CEPAL, 1997: la economía cubana. Reformas estructurales y desempeño en los 90, México, CEPAL/FCE.

impulso nº 31 81
0000_Impulso_31.Book Page 82 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

En resumen, distribución relativamente tuvieron lugar el 30 de abril a raíz de la presenta-


equitativa de los recursos destinados al consumo ción al público de la edición del 2001 del World
social y personal y distribución selectivamente Development Indicators, en el que Cuba aparece
concentrada de los recursos destinados a la inver- situada entre los primeros países del Tercer Mun-
sión. Éste es uno de los elementos de continui- do por sus indicadores sociales, a pesar de la per-
dad presentes en las estrategias económica y so- dida de sus relaciones con el CAME, del bloqueo
cial aplicadas durante 1989-1993 y 1994-2001. Si estadounidense y de que sus políticas macroecó-
bien la continuidad está en los valores y objeti- micas resultan, en algunos aspectos fundamenta-
vos, el cambio se produce en los medios e instru- les, la antítesis de la ortodoxia neoliberal del Con-
mentos de las políticas macro y microeconómi- senso de Washington.29
cas y en la dinámica social que implican. La contraposición entre eficiencia econó-
Los resultados de esa estrategia para la po- mica y equidad social no es un asunto nuevo en
blación cubana han sido reconocidos por orga- la teoría económica ni tampoco en los estudios
nismos internacionales competentes como el es- sobre la economía cubana. En los debates de los
tudio de CEPAL al señalar que “contrariamente a años ‘80 el análisis del caso cubano para el perío-
lo que viene ocurriendo en América Latina, la li- do 1959-1985 sirvió para demostrar que era po-
beralización de mercados en un entorno social sible conciliar el crecimiento económico con la
solidario ha servido para mitigar algunos sesgos satisfacción de las necesidades humanas básicas.30
regresivos en la distribución de los costos del lla- Las condiciones en los ‘90 son otras para la
mado período especial que se vive” en Cuba.26 economía cubana y para la economía mundial,
“Frente a la magnitud del schock externo, el cos- pero el caso cubano en esta década sirve para de-
to de la política de estabilización resultó relativa- mostrar que es posible mantener la satisfacción
mente bajo y su distribución más equitativa en de las necesidades básicas incluso en condiciones
comparación con otras economías latinoamerica- de crisis económica – como efectivamente ocu-
nas, gracias a la política de garantizar el empleo y rrió entre 1989-1993. Aún más, que la recupera-
los ingresos de la población”.27 ción económica y la reconversión productiva, in-
También el PNUD ha valorado favorable- cluida la dirigida hacia tecnologías avanzadas y
mente a Cuba “debido a que el gobierno ha efec- más eficientes sin (o muy poco) financiamiento
tuado gastos sociales bien estructurados”.28 Estos externo es posible sin sacrificar significativamen-
reconocimientos tienden más bien a subrayar la te los objetivos sociales, como es el caso en los
eficiencia de las políticas sociales, sin embargo, en años 1994-2001. Este debate retorna para la ac-
ocasiones se olvida que la economía y las políticas tualidad latinoamericana en la medida en que se
macroeconómicas constituyen la base de susten- avizora un posible escenario postneoliberal31 en
tación de las políticas sociales. un contexto de retirada de los flujos de capitales
De igual manera el Banco Mundial, a través especulativos.32
de declaraciones de su presidente, reconoció re- Lo ocurrido en estos años ‘90 también de-
cientemente “que Cuba ha hecho un gran trabajo muestra otra tesis: que son posibles, convenien-
en educación y salud y no me avergüenza admi- tes y deseables la soberanía política y la búsqueda
tirlo”. Las declaraciones de James Wolfensohn de la independencia económica, que un pequeño
país del tercer mundo puede sostenerse, desarrollar-
26CEPAL, 1997.
27 29 Internet: <http://www.cnn.com>, feb./02.
Ibid., pp.16 y 66.
28 PNUD, 1997 y 1998, Informe sobre el Desarrollo 30 BRUNDENIUS, 1985.
Humano; y PNUD 1997 Investigación sobre el Desarrollo 31 SMITH, 1998.
Humano en Cuba, Caguayo, La Habana. 32 CEPAL, 2000.

82 impulso nº 31
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se y asegurar su reproducción ampliada. La tesis atestiguan al colocar a la educación cubana muy


de la inviabilidad de las economías pequeñas se ha por encima de la media regional.33
debatido en numerosas ocasiones en la teoría Otros factores que influyeron en la profun-
económica y en las ciencias políticas. En el caso didad de la crisis y, a la vez, inciden sobre la re-
de Cuba, a lo largo de su historia asumió diferen- cuperación y la reinserción en la economía mun-
tes formatos. En el siglo XIX consistió en el mito dial son la política de bloqueo de los EUA – re-
de que los cubanos no podían gobernarse por sí forzada en 1992 y 1995 con la aprobacion de las
mismos, la sociedad colonial cubana no podía so- leyes Torricelli y Helms Burton –, las vulnerabi-
brevivir sin España y la economía cubana no po- lidades de la economía cubana derivadas de su
dría reproducirse sin la europea. El desenlace de alto grado de apertura externa y de sus caracte-
las luchas independentistas demostró lo contra- rísticas estructurales34 y los cambios económicos
rio. En la primera mitad del siglo XX, el mito con- y climáticos globales.
sistió en que la economía cubana no podría fun- La política de EUA contra Cuba – sin pre-
cionar sin la estadounidense y el gobierno cubano cedentes en la historia económica mundial por
no era posible sin el apoyo gubernamental de los sus 42 años de existencia – ha fracasado en sus
EUA. El triunfo de la revolución de 1959 demos- propósitos políticos, diplomáticos y económicos
tró lo contrario. En la segunda mitad del siglo XX, de destruir al régimen cubano, aislarlo internacio-
el mito consistió en que la economía cubana no nalmente y evitar su reinserción en la economía
podría reproducirse sin el subsidio soviético y mundial,35 aunque sí ha logrado infringir un cos-
to económico, social y humano valorado prelimi-
que el gobierno cubano no era posible sin la pro-
narmente en $ 181 mil millones de dólares en los
tección de la sombrilla nuclear soviética. Los años
últimos 42 años.
‘90 demostraron que era posible reestructurar la
La oposición internacional contra esa polí-
economía cubana de forma que fuera capaz de re-
tica de bloqueo y agresiones se ha expresado en
sistir la crisis y desarrollarse a partir de sus pro-
declaraciones y acciones por parte de la abruma-
pios recursos.
dora mayoría de los países del planeta; por agru-
La clave de la experiencia cubana en los ‘90 paciones de países como la Unión Europea, Gru-
está en que es posible lograr resultados económi- po de Río, Caricom, las Cumbres Iberoamerica-
cos y sociales con pocos recursos. No se trata nas; por leyes nacionales espejo para proteger e
sólo de que se mantuvo el nivel de gasto social incentivar al sector empresarial que ya negocia o
sino que se elevó la efectividad social del gasto. planea negociar con Cuba; por organizaciones
En salud, priorizando la atención primaria y la sociales, religiosas y por diversos sectores políti-
prevención a través del Programa del Médico de cos, incluso al interior de los EUA, como lo reve-
la Familia, lo que permitió mantener y mejorar lan las votaciones en el Congreso de ese país en
los indicadores de salud que se expresan, por sus sesiones de 2000 y de 2001.
ejemplo, en la tasa de mortalidad infantil de 7,1 Momento significativo en ese rechazo in-
por mil nacidos vivos en 1998, a pesar del dete- ternacional ha sido la Resolución sobre la “Nece-
rioro de la red hospitalaria y de la escasez de me- sidad de poner fin al bloqueo económico, comer-
dicamentos; en educación a través de reforzar las cial y financiero de EUA contra Cuba”, aprobada
relaciones escuela-comunidad local y desarrollar
33 LLCE, 1998. Estudio Comparativo en muestra aleatoria de
métodos pedagógicos que elevaran la calidad sin
100 escuelas y 4 mil alumnos para 11 países: Argentina, Boli-
requerir mayores recursos. Los resultados de la
via, Brasil, Chile, Colombia, Cuba, Honduras, México, Para-
investigación internacional realizada por el Labo- guay, Republica Dominicana, Venezuela.
ratorio de Evaluación de la Calidad de la Ense- 34 ESPINOSA, 1997.

ñanza patrocinado por la Orealc/Unesco así lo 35 SELA, 1998; LEÓN, 1998; y SELA, 1998.

impulso nº 31 83
0000_Impulso_31.Book Page 84 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

cada año por la Asamblea General de la ONU du- es una realidad a partir de su I Taller Científico-
rante ocho años desde 1992, con sólo dos votos Metodológico, celebrado en febrero de 1999, y la
en contra. llegada en marzo de 1999 de los primeros 600 es-
Ante el colapso del socialismo esteeuropeo tudiantes centroamericanos. Hasta noviembre
y el reforzamiento de las agresiones y del blo- del 2000 estudiaban allí 3.433 matriculados de 23
queo estadounidense, la estrategia cubana fue y es países. Esfuerzo de solidaridad de un país pobre
la de diversificar geográfica y sectorialmente sus como Cuba que refleja las potencialidades de co-
relaciones económicas y políticas externas, des- operación Sur-Sur con pocos recursos. Coopera-
centralizarlas hasta nivel de empresas (500 em- ción que también se refleja en la presencia de
presas realizan directamente sus operaciones con 2.377 técnicos cubanos en 18 países y en los
el exterior) e impulsar las asociaciones con el ca- 11.300 extranjeros que estudian hoy en las uni-
pital extranjero dentro y fuera de Cuba. La refor- versidades cubanas.
ma del sector externo incluyó un nuevo estilo y La continuidad de los objetivos estratégicos
una ejecución más compleja de la política exterior durante 1989-2001, sin embargo, no fue obstácu-
en sus dimensiones bilateral, multilateral, inter- lo para que en 1992 y 1993 se iniciara el cambio
gubernamental, interempresarial e inter ONGs. La hacia nuevas formas e instrumentos en la gestión
entrada de Cuba como miembro en la Asocia-
económica y social. El consenso ciudadano, dife-
ción de Estados del Caribe, el Cariforum y en
rente a la unanimidad falsa y estéril, en torno a las
Aladi; observador en las negociaciones para
nuevas medidas se produce a través del debate na-
Lomé V y país sede de la IX Cumbre Iberameri-
cional y público (asambleas de oct./93 a mayo/
cana son reflejo de los éxitos alcanzados en esta
94, momento más duro de la crisis, en las que
esfera. Según expertos “el gobierno de La Haba-
participaron 3 millones de trabajadores, 158 mil
na habría practicado una suerte de regionalismo
abierto, estrategia oficial de sus socios subregio- campesinos y 300 mil estudiantes), en dos sesio-
nales”.36 Podría concordarse con esa afirmación nes del Parlamento (mayo y ago./94) y en la ma-
haciendo la salvedad de que hay aspectos en los yor incorporación de la investigación económica
que se coincide y otros en que no en la noción de y social al diseño de las políticas, aunque resulte
regionalismo abierto vista desde La Habana. necesario mayor sistematicidad y coherencia en
las formas participativas. No deja de estar presen-
Mención especial requiere la favorable aco-
gida dispensada al Programa Iberoamericano de te la oposición que, aunque minoritaria, constitu-
Salud Integral para los países Centroamericanos ye un nuevo fenómeno social con singularidades
y Rep. Dominicana, propuesto por Cuba a raíz en el caso cubano a partir de la política estado-
de los desastres provocados por los huracanes unidense de agresiones respecto a la Isla, una de
Mitch y Georges a finales de 1998, por parte de cuyas acciones consiste en financiarla desde el ex-
los responsables de la Cooperación Iberoameri- terior.
cana reunidos en Guatemala.37 Los cambios han abarcado todas las esferas
Hasta octubre del 2000, 3.407 trabajadores económicas, sociales e institucionales y sus resul-
cubanos de la salud ejercían su profesión como tados han sido exitosos. Se ha mantenido el cre-
cooperantes en 57 países de América Latina, Ca- cimiento económico, con baja inflación, bajo dé-
ribe, Africa, Asia, Unión Europea y EUA. ficit presupuestario, han disminuido las vulnera-
La creación de la Escuela Latinoamericana bilidades económicas externas, ha aumentando el
de Ciencias Médicas en las afueras de La Habana coeficiente de producción nacional en el consu-
mo energético y en el consumo turístico, se han
36 LEÓN, 1998. manteniendo los servicios sociales y se han ex-
37 Declaración de Antigua, nov./98. pandido los servicios culturales.

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Desde 1990 han sido profundos los cam- • mantener la importancia concedida a los sec-
bios y en varios aspectos de importancia: tores de alta tecnología, especialmente la bio-
• en la estructura de propiedad y las formas de tecnología;
usufructo de la tierra, ampliando las formas • promover el turismo como un sector de im-
cooperativa y la privada, que pasan de tener el portancia en la economía;
24,8% de la tierra en 1992 al 67,2% en 1998; • en la estrategia azucarera, preferenciar la eficien-
• en la política económica y en los criterios de cia y la diversificación;
asignación de recursos con mayor énfasis en la • mejorar los índices de autoabastecimiento
eficiencia, el autofinanciamiento, la competen- energético;
cia y la reducción del monopolio; • perfeccionamiento empresarial a partir del año
• políticas sectoriales asimétricas, favoreciendo 1999, con un mayor grado de autonomía eco-
el proceso inversionista en empresas, ramas y nómica y financiera para las empresas.
sectores seleccionados;
• introducción de nuevas técnicas de planifica- Cuba PIB: tasa promedio anual.
ción y gestión, caracterizadas por métodos in-
directos de regulación y por la descentraliza- 10
PIB %
ción gradual y segmentada;
5
• apertura progresiva y cautelosa al funcionami-
ento del mercado (agropecuario, industrial, de 0
servicios, en divisas y directamente regulado);
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
• impulso a la inversión extranjera bajo diversas -5
modalidades, protegida por la Constitución,
-10
las leyes 77 y 165, y 34 acuerdos interguber-
namentales firmados con 35 países; -15
• políticas monetario financieras activas tendi-
entes al equilibrio presupuestario con bajo ni- -20
vel de deficit, reducción de subsidios, control
de la emisión monetaria, contención de la li-
quidez y de la inflación, estabilidad cambiaria ESTRATEGIAS DE DESARROLLO LOCAL:
con tasas de cambios múltiples, tendencia a la EL CASO DEL MUNICIPIO HABANA VIEJA
apreciación del peso y circulación monetaria EN LA CIUDAD DE LA HABANA 38
dual; Esta presentación tiene por objetivo mos-
• reducción de la Administración Central del trar la importancia de las políticas proactivas en el
Estado y fortalecimiento de su capacidad de ámbito de una comunidad, en este caso, del Mu-
regulación junto a la descentralización territo- nicipio Habana Vieja en la Ciudad de La Habana.
rial y empresarial;
Breve genealogía de un tema
• reforzamiento de la sociedad civil organizada
Para que un territorio y su comunidad pu-
y de la actividad parlamentaria y legislativa;
edan potenciar al máximo sus posibilidades de
• enfasis en la sostenibilidad ambiental e histó-
desarrollo, la población del territorio, su principal
rico cultural;
recurso, su capital humano, no sólo debe incor-
• reforma del sistema bancario;
porar como suyos el diagnóstico y la estrategia
• impulsar estrategias de desarrollo territorial y
comunitario; 38 Ponencia presentada al Congreso de la Asociación Canadi-
• situar la cultura como un elemento clave en la ense de Estudios Latinoamericanos y del Caribe (Calacs),
estrategia de desarrollo; organizada en La Antigua, Guatemala, en febrero de 2001.

impulso nº 31 85
0000_Impulso_31.Book Page 86 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

sino que puede y debe participar en el diseño y proceso de desarrollo económico como la
ejecución de las políticas. expansión de las capacidades de la gente” y no
Aunque podría afirmarse que el tema del sólo como disponibilidad de bienes y servicios, o
desarrollo ha estado presente desde los orígenes como la satisfacción de necesidades básicas, o
de las ciencias económicas y sociales y de toda ac- como la utilidad del bienestar en la satisfacción de
tividad humana, en rigor adquiere relevancia sólo los deseos, o como la satisfacción de los dere-
en fecha reciente, con el final de la segunda guerra chos.39
mundial, las demandas de los países del Sur que La concepción de desarrollo que aquí se
lograban su descolonización, la reconstrucción asume es
europea, la modernización japonesa y el interés
por el crecimiento. En aquella época la cuestión aquella que no se limita a establecer metas
era el desarrollo nacional, sin embargo, la proble- de ingreso o producción, ni tampoco a con-
mática del desarrollo regional o local adquirió re- siderar a las personas como meros benefi-
levancia rápidamente, sobre todo cuando se tor- ciarios del bienestar social. El ser humano
pasa a ser considerado como motor, a la vez
nó claro que el desarrollo en una economía naci-
que objeto del desarrollo y, por tanto, se le
onal podía ir acompañado de muy desiguales de- atribuye la posibilidad y necesidad de parti-
sarrollos locales y que el crecimiento iba cipar activamente en los procesos de am-
acompañado de crecientes desigualdades sociales. pliación de sus propias oportunidades en
El tema del desarrollo regional, territorial o distintas esferas: ingreso, conocimientos,
local ha tenido y tiene importancia en las ciencias vida prolongada, libertad, seguridad perso-
económicas y sociales desde entonces, convirti- nal, participación comunitaria y derechos
éndose en un tema clásico de las mismas. De fundamentales. Según este nuevo paradig-
igual manera, el asunto de la Estrategia de Desar- ma, el desarrollo debe centrarse en el ser hu-
rollo adquiere relevancia máxima en la medida en mano (...). Para que el desarrollo aumente
que el desarrollo pasa a ser objetivo prioritario de las oportunidades de las personas, éstas de-
ben disfrutar de un acceso equitativo a esas
política económica de un numeroso grupo de pa-
oportunidades (...). A veces, la equidad en
íses, de gobiernos locales y de los diversos secto-
oportunidades requiere una restructuración
res sociales que conforman las actuales socieda- importante del poder en las sociedades, ya
des contemporáneas. que se traduce, entre otras medidas, en dis-
En los ‘80 y ‘90 el tema del desarrollo pier- tribución de bienes productivos (incluida la
de fuerza en las ciencias económicas y sociales tierra), implantación de políticas fiscales re-
como resultado del predominio de los enfoques distributivas, mayor disponibilidad de crédi-
neoliberales, pero hacia final del siglo renace im- to bancario, extensión de oportunidades de
pulsado por las dramáticas consecuencias ambi- participación y eliminación de barreras para
entales y sociales provocadas por dos décadas de mujeres y minorías (...). Es importante en-
políticas macroeconómicas neoliberales. Es en- fatizar que la sustentabilidad debe ser inhe-
tonces que el problema del desarrollo sustentable rente a cualquier estrategia de desarrollo
(...). Implica que las estrategias de desarrollo
adquiere relevancia para economistas, sociólogos,
deben satisfacer las demandas y necesidades
geógrafos, antropólogos e historiadores.
de las generaciones presentes, sin compro-
Estudiar los asuntos de una estrategia de de- meter la capacidad de las generaciones futu-
sarrollo se enmarca en las tendencias más recien- ras de satisfacer sus propios requerimientos
tes y de mayor importancia para las ciencias eco- (...). La sustentabilidad de las oportunidades
nómicas y sociales, tal y como se revela en el Pre- humanas depende de mantener todas las
mio Nobel otorgado al economista Amartya Sen, formas de capital: físico, humano, financie-
por su obra económica tan cercana a lo social y al
desarrollo. Recientemente este autor definía “el 39 SEN, 2000.

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ro, social, medioambiental (...). La esencia las realidades, necesidades y urgencias no lo eran,
de la sustentabilidad implica que todas las y surgieron nuevos conceptos, nuevas teorías,
personas tengan igual acceso a las oportuni- nuevos temas y nuevas palabras. Desde muy tem-
dades, tanto ahora como en el futuro.40 prano se distinguió entre crecimiento y desarro-
Para Cuba, la indisoluble relación entre de- llo. También tempranamente se destacó la nece-
sarrollo económico, social y ambiental siempre sidad del desarrollo social, político y económico.
ha tenido relevancia desde los inicios de la Revo- La producción de la cepal, del Ilpes y de la Unc-
lución, en las ideas y en las estrategias.41 A partir tad fueron un ejemplo de ello. Sin embargo, muy
de los ‘90 las dificultades ambientales y sociales pronto se revelaron como insuficientes.
del desarrollo y su expresión local readquieren En los ‘80 y los ‘90, bajo el peso de la crisis
importancia de primera magnitud dada la de la deuda externa y el llamado Consenso de
necesidad de atenuar o evitar el deterioro Washington, se imponen las concepciones neoli-
ambiental, y las desproporciones sociales y berales, se abandona el tema del desarrollo, y las
locales que tienden a ser creadas en las nuevas estrategias quedan como un asunto empresarial y
condiciones mundiales y nacionales. También por de las teorías de la administración.
la necesidad de potenciar el territorio, sus No obstante, mientras el tema del desarro-
comunidades y todos sus recursos como factores llo resurge con fuerza a través de las nociones de
del desarrollo sustentable. desarrollo sustentable; la planificación estratégica
La tendencia a descentralizar algunas funcio- y las teorías de la dirección por valores retoman el
nes de la planificación, de la dirección social y de asunto de la elaboración de estrategias.
la generación y asignación de recursos le confiere Aquí se parte de la noción de desarrollo
a las localidades y territorios una importancia adi- sustentable a partir de cuatro dimensiones: ambi-
cional. ental, social, política y económica.42 Un buen
ejemplo de concepción multidimensional del de-
Algo de teoría sarrollo sostenible nos lo ofrecen Quiroga y Van
Los temas de comunidad, medio ambiente Hauwermeiren en su excelente análisis del caso
y desarrollo son demasiado amplios y con una chileno: “Desde nuestro enfoque, el desarrollo de
gran tradición teórica por lo que el espacio de un la sustentabilidad se refiere a un proceso dinámi-
artículo resulta insuficiente para tratarlos debida- co de mejoramiento de la calidad de vida que no
mente. En este caso sólo serán tratados desde el sobrepase la capacidad del ambiente para regene-
ángulo de la necesidad e importancia del diseño e rar los insumos (materiales y energéticos) toma-
implementación de una estrategia de desarrollo dos por la economía humana, así como para ab-
local. sorber los desechos producidos”.43
Desde que se reiniciaron los estudios sobre Pero el desarrollo para que sea sustentable
el desarrollo a raíz de la segunda guerra mundial, también precisa de la participación poblacional en
surgió el tema de elaborar un plan, un programa, la ejecución de tareas y en el diseño de la estrate-
una estrategia. Entonces se trataba de las econo- gia, de los planes, de las tareas, en la definición de
mías nacionales y de las empresas, y se pensaba objetivos, en fin, en todo el proceso de toma de
que el problema era el crecimiento. decisiones. La sustentabilidad también requiere
Aunque los temas y las palabras utilizados recuperar sus gastos con sus ingresos y generar
en los países del tercer mundo eran similares a
aquellos provenientes de los países desarrollados; 42 Las dimensiones cultural y científico-tecnológica resultan
de tan grande relevancia que merecerían ser explicitadas
40 Subrayado del autor. PNUD 1997, pp. 3-5. A modo de aparte. Aquí se ha sobreentendido que están incluidas en lo
curiosidad, podría verse ESPINOSA, 1989. social y económico.
41 CASTRO, 1992. 43 QUIROGA & Van HAUWERMEIREN, 1996, p. 1.

impulso nº 31 87
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excedente capaz de asegurar una reproducción y convertirlo en realidad. Para que un territorio
ampliada de la economía. pueda potenciar al máximo sus posibilidades de
Las comunidades locales pueden y de he- desarrollo, la población del territorio, su principal
cho están desempeñando un importante papel en recurso, su capital humano, debe incorporar
una estrategia de desarrollo sustentable. En su re- como suyos el diagnóstico y la estrategia
ciente y buen estudio sobre espacios económicos
y globalización, Moneta nos ofrece algunos con- Antecedentes de una experiencia
ceptos útiles: en el tiempo
Se entiende por planificación estratégica de El Municipio Habana Vieja es conocido,
ciudades al diseño de un proceso continuo, también, como Centro Histórico de la Ciudad de
consensual y concertado de adopción de de- La Habana, o simplemente, Centro Histórico,
cisiones integradas destinado a lograr obje- por incluir en su territorio el que fuera recinto
tivos viables de desarrollo que se establez- amurallado de la Habana colonial. Sin embargo,
can para la ciudad, a partir de un análisis sis-
las obras de restauración emprendidas durante
témico de múltiples factores interactuantes
basado en una visión de largo plazo de la
más de veinte años abarcan una mayor extensión
evolución nacional, regional y global. Ese al ampliarse, por ejemplo, al otro lado de la Bahía
proceso permite evaluar e incorporar los de La Habana.
riesgos, identificar cursos de acción especí- Nadie mejor que el Historiador de la Ciu-
ficos, elaborar indicadores de seguimiento dad de La Habana, Dr. Eusebio Leal Spengler,
sobre los resultados, formular mecanismos para relatar, historiar y explicitar nociones, valo-
de corrección de políticas y alcanzar una
res y conceptos que nortearon las obras de res-
participación integral de los principales gru-
pos y sectores sociales y económicos loca-
cate del patrimonio material y espiritual de este
les. pedazo de Cuba. Para ello se han seleccionado las
presentaciones que realizara al libro Viaje en la
Se necesita contar con una visión de largo Memoria: apuntes para un acercamiento a la Ha-
plazo concertada por la comunidad, que
bana Vieja, editado en 1996 por el Plan Maestro
abarque interactivamente las distintas di-
mensiones existentes (ej.: territorial, so-
de Revitalización Integral de la Ciudad de La Ha-
cioeconómica, política, cultural y ecológica) bana;45 y la que realizara en el Séptimo Congreso
en un examen del contexto sub-regional, Iberoamericano de Urbanismo.
nacional, regional y global e identificar las Nos dice Leal Spengler en julio de 1996:
ventajas competitivas dinámicas y estáticas
(puntos fuertes y débiles). La tarea principal Al presentar a Ciudad City el trabajo reali-
es la de adaptar el funcionamiento del siste- zado por la Oficina del Historiador de la
ma urbano y su área de influencia a los cam- Ciudad de La Habana y, en particular, por el
bios del entorno, de manera tal de mantener Plan Maestro, me invade la íntima satisfac-
adecuadas condiciones de crecimiento eco- ción de haber logrado iniciar, finalmente, lo
nómico y calidad de vida.44 que durante tantos años consideramos
como virtualmente utópico: integrar armó-
La visión concertada, consensuada por la nicamente los trabajos de restauración del
comunidad resulta, acá y acullá, de importancia Centro Histórico a la obra social y comuni-
estratégica. Sólo a partir de que los pobladores taria, lo cual supone desentendernos, defini-
hagan suyo el plan e identifiquen las tareas como tivamente, de los halagos tentadores de la
propias porque están dirigidas a la solución de sus escenografía puramente turística.
necesidades y sueños, será posible tornarlo viable
45 Gentilmente sugerido por la historiadora cubana y especia-
44 MONETA, 1999, p. 72. lista del Plan Maestro, Azalia Arias.

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Recrear la Ciudad, no sólo para verla, sino El 11 de abril de 1986 las Fuerzas Armadas
para vivirla: he ahí el desafío. deciden participar asumiendo la restaura-
ción de las fortalezas de San Carlos de la
Mas, ¿cómo obtener tales frutos?, cuando el
Cabaña y de los Tres Reyes del Morro, mi-
orden de las prioridades vitales – que todo
entras, el Gobierno de la Ciudad favoreció
país en vías de desarrollo ha de imponer ne-
convenios de cooperación.
cesariamente a sus proyectos, y aún, a los
sueños de una u otra generación – reclamen Debo considerar que el logro más impor-
nuestro máximo interés. Sin embargo, cre- tante fue el surgimiento de una conciencia
emos que el urbanismo expresa cabalmente social en torno a la restauración del Centro
los hechos culturales esenciales, él es como Histórico (...) la concepción de que era im-
el rostro expresivo del cuerpo social. Sin la
posible restaurar monumentos sin que el
cultura – que es suceso de participación y
mismo estuviese imbricado en el desarrollo
espejo donde se reflejan las virtudes íntimas
social, sostenible, comunitario y participati-
del ser humano – no puede concebirse el
vo de todos sus habitantes.
progreso de la sociedad, de ahí que, rabiosa-
mente, defendamos los bienes culturales En octubre de 1993 el Consejo de Estado
como don supremo del espíritu, a la vez que de la Republica de Cuba aprobó el Decreto
imponderable tesoro material de los pue- Ley 143 que redefinió las funciones de la
blos.
Oficina del Historiador de la Ciudad dán-
He pedido a mi colaboradora, Arquitecta dole la máxima autoridad para promover la
Patricia Rodríguez, que dibuje las ideas y conservación y restauración del Patri-
nos revele las claves para la comprensión de monio Monumental, otorgándole perso-
los que ahora hacemos, animados de una nalidad jurídica, capacidad para solicitar,
iluminada esperanza en el porvenir de nues- obtener y administrar la ayuda o coope-
tro país y creyendo que prestamos un servi- ración internacional, a la vez que le con-
cio útil e invalorable a las futuras generacio- fiere facultades dentro del área, declara-
nes cuando nos consagramos a perpetuar da bajo su protección, para enfrentar las
sus signos de identidad.46 urgencias de los habitantes del Centro
Histórico.
Ciertamente invalorable, ya que hay valores
que no tienen precio mientras hay precios que no La oficina, por tanto, planeó y analizó la
tienen valor. Y esta historia de la valorización de cuestión de la vivienda, el saneamiento ur-
la Habana Vieja tuvo uno de sus más virtuosos bano, la restauración de las escuelas y hoga-
inicios en 1981. Permítame el lector nuevamente res infantiles. Ha proveído un plan de emer-
dejar hablar a uno de sus protagonistas en su sin- gencia para el desayuno de los ancianos sin
tético y profundo relato de noviembre de 1996: amparo; acogió de forma permanente, y en
aulas disgregadas, 670 niños de las escuelas
Cuando en mayo de 1981 se iniciaron las ruinosas, atendiendo a su alimentación y de-
obras de restauración del Centro Histórico más necesidades, dando cumplimiento al
nuestra idea aun se sustentaba en preocupa- sueño humanista de brindar a los escolares
ciones de carácter cultural. La Organización el concepto de propiedad sobre los bienes
de Naciones Unidas para la Educación, la del espíritu. Hoy construye diversas obras y
Ciencia y la Cultura (Unesco) reconoció el concluyó la restauración de la Basílica Me-
(...) Centro Histórico como parte del Patri- nor de San Francisco de Asís, como sala de
monio de la Humanidad, y desde entonces concierto.
y hasta 1991, numerosas edificaciones fue-
ron restauradas. Junto a ello la atención puntual a personas
vulnerables, enfermos etc. En el sigilo y la
46 LEAL, 1996, p. 7. reserva que el decoro recomienda.

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La restauración, con participación de los ve- blados y pueblos carecían de escuelas y hospita-
cinos y moradores de catorce manzanas en les.
el barrio San Isidro, y la adquisición total del Luego de consolidadas las iniciales trans-
equipamiento para la recogida de basura y formaciones revolucionarias en la Cuba de los
desperdicios, da una proporción del verda-
años ‘60, se inician los primeros trabajos de pre-
dero mensaje que hoy transmitimos.47
servación y conservación en los ‘70 que se
continuarían en los ‘80.
Los años 90 48
48
Los años ‘90 es un período de transforma-
La Habana Vieja es un municipio de la ciu- ción y desarrollo en el que, a pesar de la severa y
dad capital, La Habana, en el que a cada paso se abrupta crisis económica del ‘91-93 motivada por
encuentra la historia con la actualidad, al consti- la debacle en los países socialistas de Europa y el
tuir el núcleo original de la ciudad fundada en reforzamiento de la política de agresiones de los
1519. EUA, cobran impulso los planes y acciones de re-
Espacio urbano delimitado por el recinto cuperación y restauración.
amurallado, cuyos muros se derriban entre 1863 La Habana Vieja se extiende en un territo-
e inicios del siglo XX, su devenir se ha caracteri- rio de 214 ha, con 242 manzanas y 4 mil edificios,
zado por la dinámica marcada entre el peligro de de los cuales 900 tienen valor patrimonial. El es-
la demolición y las acciones de preservación, con- pacio ocupado por viales es de 51 ha, y por plazas,
servación, recuperación y restauración. parques y grandes edificios no residenciales hay 50
Durante los primeros 50 años de República ha. El territorio con viviendas habitadas asciende a
en el siglo XX, no faltaron planes de rediseño del 113 ha.
Casco histórico que preveían la demolición y La población es de 70.658 habitantes con
construcción de nuevos edificios. Planes que afor- 441 albergados. La densidad poblacional es alta
tunadamente no se realizaron por la expansión de pero sin llegar al hacinamiento, ya que de acuerdo
la ciudad hacia el oeste. De esos planes data, sin al Censo de población efectuado por el Plan Ma-
embargo, la desaparición del Convento de San estro hay 3,3 personas por viviendas, 1,9 personas
Juan de Letrán, que fuera la primera sede de la por piezas de dormir y 0,9 personas por habita-
Universidad de La Habana, de la que sólo logró ción.
conservarse una campana hoy situada en su ori- El 50% de los núcleos familiares están
ginario lugar. constituidos por dos o tres personas, mientras el
Es justo reconocer que en los primeros pla- 16% son núcleos unifamiliares. Las características
nes de inversión y desarrollo de la joven revolu- demográficas del territorio no se diferencian de
ción cubana, las prioridades se localizaron en las las del resto del país con su tendencia al enveje-
zonas rurales y en otras ciudades del país, mien- cimiento y al leve predominio de la población fe-
tras que la capital, y dentro de ella la Habana Vieja, menina: el 62% está en el rango de edades de 15
recibieron pocos recursos. Decisión comprensi- a 64 años, el 48% es masculina mientras el 52%
ble en un país en que el 30% de su población era femenina. El 37% de los núcleos tienen ancianos
analfabeta, en que más del 50% de su producción y más de la mitad no tienen niños.
industrial se concentraba en la capital, en el que Entre los programas de recuperación están
habían sólo tres universidades, y numerosos po- aquellos dirigidos a los inmuebles de escuelas,
hogares de ancianos y de atención a la población
47 Ibid., p. 2. de la tercera edad. La valorización patrimonial de
48 Para más detalles sobre la Habana Vieja y el trabajo reali-
estos inmuebles mediante su recuperación ha
zado allí puede verse: Leal, Alomá, Hurtado, Menéndez y
Arias in Viaje a la Memoria: apuntes para un acercamiento a la sido una de las líneas de trabajo en el territorio.
Habana Vieja 1996 (1996), material del cual se han tomado Son altos los niveles de escolarización con
los datos y muchas de las ideas allí expresadas. un 29% de su población habiendo cursado hasta

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7 grados, 49% de 7 a 10 grados y 10% con al me- tructivo de las viviendas y las dificultades con el
nos un año de estudios universitarios, similar a las abastecimiento de agua. Sin embargo, el 80% de
tendencias nacionales. los encuestados considera atractiva a la Habana
La pea es el 56% de la población con una Vieja por sus valores históricos, arquitectónicos,
tasa de ocupación del 65%, estando ocupadas en culturales, por su centralidad y por su ambiente
actividades productivas el 52% (comercio, indus- social. El 68% prefiere quedarse viviendo en el
tria, transporte), mientras el 48% se encuentra territorio, el 85% considera positivos los cambios
ocupada en los sectores de educación, salud, cul- en el Centro Histórico y el 84% manifiesta su
tura, arte y asistencia social. El crecimiento de la disposición a participar en los trabajos de trans-
ocupación en servicios productivos revela la ten- formación, sea de manera individual o colectiva.
dencia a la terciarización del territorio. El 91% Las tecnologías de participación social de la
son trabajadores estatales, muy por encima de la población en los cambios de su entorno urbano,
media nacional (75%) y el 4% son trabajadores favoreciendo el empoderamiento de las personas
por cuenta propia. y su sentido de pertenencia al barrio, ha condu-
La potenciación del territorio a través de cido a que los propios pobladores se transformen
políticas activas de empleo, salud, educación y a medida que ejecutan la transformación de su
asistencia social se ha reforzado mediante la re- medio ambiente urbano.
cuperación y revalorización patrimonial de in- La interacción entre el gobierno local, la
muebles de significación histórica y cultural lo Oficina del Historiador de la Ciudad, el Plan Ma-
que ha permitido una sinergia de elevación de la estro, los pobladores, las organizaciones y las em-
autoestima de los pobladores y una autopercep- presas localizadas en el territorio ha constituido
ción positiva respecto al territorio y a la disposi- un factor adicional de impulso a los programas de
ción de las personas a un mayor compromiso con transformación y revitalización, apoyados por
los programas de revitalización. una visión integral del diagnóstico de los proble-
Ello se refleja en los resultados de la encu- mas y la factibilidad de sus soluciones.
esta social efectuada por el Plan Integral Maestro La capacidad de movilizar recursos na-
de la Habana Vieja a una muestra representativa cionales y de financiamiento internacional ha
de 847 pobladores. El principal problema identi- sido favorecida por este entorno social positivo y,
ficado por los encuestados es el del estado cons- a la vez, ha coadyuvado a reforzarlo.

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impulso nº 31 93
0000_Impulso_31.Book Page 94 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Dados do autor
EUGENIO ESPINOSA MARTÍNEZ é doutor em Sociología
(Universidade de Brasília), em Ciencias Sociológicas
(Universidad de La Habana) e em Ciencias Sociales
(Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales). Professor e
investigador titular na Universidad de La Habana. Professor
de Rango Regional en la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales.

Recebimento artigo: 27/ago./01


Consultoria: 16/nov./01 a 28/fev./02
Aprovado: 1.º/abr./02

94 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 95 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Liderança e a nova
dinâmica estratégica
nas relações hemisféricas
LEADERSHIP AND THE NEW STRATEGIC
DYNAMICS IN HEMISPHERIC RELATIONS
Resumo O ensaio analisa a questão da liderança norte-americana a partir de uma nova
dinâmica interamericana. No fim da Segunda Guerra Mundial, a América Latina viu-
se dominada pelos interesses político-estratégicos e econômicos dos Estados Unidos.
Dentro do contexto da Guerra Fria, a importância de uma solução militar do conflito
mundial colocou em segundo plano os fatores socioeconômicos, como a educação e
a erradicação da pobreza. Com o fim da rivalidade entre as duas superpotências, ques- GAMALIEL PERRUCI
tões econômicas e sociais estão assumindo novas dimensões estratégicas. As Cúpulas Marietta College,
Ohio (EUA)
das Américas, primeiro em Miami, em 1994, e mais recentemente em Santiago, pro-
perrucig@marietta.edu
porcionaram o desenvolvimento dessa nova agenda hemisférica. Com a chegada de
mais um século e de um novo presidente na Casa Branca, George W. Bush, as relações
hemisfércas continuarão a ser transformadas, com novas possibilidades para países de
porte como o Brasil.

Palavras-chave LIDERANÇA – ALCA – INTEGRAÇÃO – ESTRATÉGIA – COMÉRCIO.

Abstract The essay analyzes the issue of the American leadership within a new Inter-
American dynamics. At the end of World War II, Latin America found itself domi-
nated by American political/strategic and economic interests. Within the context of
the Cold War, the importance of a military solution for the World conflict relegated
socioeconomic factors such as education and the elimination of poverty to second
place. With the end of the two superpowers' rivalry, economic and social issues are
taking on new strategic dimension. The Summit of the Americas, first in Miami, in
1994, and more recently in Santiago, enabled the development of a new hemispheric
agenda. With the birth of a new century and a new president at the White House –
George W. Bush – hemispheric relations will continue to be transformed, with new
possibilities for important countries such as Brazil.

Keywords LEADERSHIP – FTAA – INTEGRATION – STRATEGY – TRADE.

impulso nº 31 95
0000_Impulso_31.Book Page 96 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

A
Cúpula das Américas, realizada em 1998 no Chile,
II
serviu como exemplo claro da grande transformação
que tem ocorrido nas relações hemisféricas.1 Os Esta-
dos Unidos pediram paciência enquanto o presidente
norte-americano tentava convencer o Congresso a con-
ceder o fast track para as negociações comerciais.2 Vários
países, contrariando a posição norte-americana, expres-
saram abertamente a necessidade de convidar Cuba para
participar do terceiro evento, no Canadá.3 No mais, o Brasil discursou na
cerimônia de encerramento da Cúpula como igual, ao lado dos Estados
Unidos. Em ensaio recente, fiz referência à guerra das estrelas como marca
das novas disputas interamericanas.4 A cúpula no Chile, em 1998, de-
monstrou mais uma vez como os países estão se posicionando no sentido
de prestigiar seus interesses nacionais. Ao mesmo tempo, essa nova di-
nâmica também mostra a dificuldade norte-americana em reter a posição
de líder das Américas.
Este ensaio tem como objetivo principal analisar essa nova dinâmi-
ca interamericana. No fim da II Guerra Mundial, a América Latina viu-se
dominada pelos interesses político-estratégicos e econômico dos Estados
Unidos. Dentro do contexto da Guerra Fria, a importância de uma so-
lução militar do conflito mundial colocou em segundo plano os fatores
socioeconômicos, como a educação e a erradicação da pobreza. Com o
fim da rivalidade entre as duas superpotências, questões econômicas e so-
ciais estão assumindo novas dimensões estratégicas. As Cúpulas das
Américas, primeiro em Miami, em 1994, e mais recentemente em Santia-
go, proporcionaram o desenvolvimento dessa nova agenda hemisférica.
Com a chegada de mais um século e de um novo presidente na Casa
Branca, George W. Bush, as relações hemisférias continuarão a ser trans-
formadas, com novas possibilidades para países de porte, como o Brasil.
A primeira parte deste ensaio aborda paralelos históricos na política
externa norte-americana desde o início do século. Esses paralelos servem
para analisar o contexto histórico das transformações recentes nas rela-
ções hemisféricas. A segunda parte elabora as estratégias políticas dos
principais atores do processo de integração das Américas. Em particular,
o ensaio visa analisar as mudanças da política externa norte-americana. A
última parte do ensaio analisa o impacto do novo equilíbrio no esforço in-
teramericano de integração econômica e social.

1 SOTERO, 1998; e FAIOLA & LIPPMAN, 1998.


2 Fast track, ou via rápida, refere-se à autorização do Congresso norte-americano para o
Executivo negociar acordos comerciais sem emendas de parlamentares. Atualmente, o
termo oficial do fast track é Autoridade para Promoção de Comércio (Trade Promotion
Authority, ou TPA); ver Time to deal on trade. The Economist, 6/out./01, p. 34.
3 A III Cúpula das Américas foi realizada em abril de 2001, no Canadá. Para mais informa-

ções sobre as três Cúpulas, ver o website <www.summit-americas.org>.


4 PERRUCI, 1997, pp. 137-149.

96 impulso nº 31
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PARALELOS HISTÓRICOS DA fields para proteger uma propriedade norte-ame-


LIDERANÇA NORTE-AMERICANA ricana. Zelaya, sob pressão norte-americana, re-
Desde a independência dos países latino- nunciou. Em 1914, o Tratado de Chamorro-
americanos, na segunda década do século retrasa- Bryan cedeu aos Estados Unidos o direito exclu-
do, o tema relações hemisféricas quase sempre se sivo para a construção de um canal interoceânico
refere não só às disputas territoriais entre vizi- na Nicarágua. Esse direito, em vista do canal
nhos mas, principalmente, à diplomacia norte- construído no Panamá, somente serviu para blo-
americana para a região.5 Com a doutrina isolaci- quear qualquer tentativa de europeus ou asiáticos
onista do presidente James Monroe, em 1823 de construírem um outro canal na Nicarágua que
(Monroe Doctrine), os Estados Unidos desenvol- viesse a competir com o norte-americano.
veram uma política de separação entre o hemis- A experiência nicaraguense serve como
fério e o resto do mundo.6 À medida que os Es- exemplo da expansão comercial norte-americana
tados Unidos cresceram em poder militar e eco- no hemisfério e a ligação entre esses interesses
nômico, essa doutrina – que no princípio do sé- econômicos e a política estratégica dos Estados
culo XIX tinha pouca força diplomática – ganhou Unidos. Esse tipo de política externa – oposição
dentes e garras. a rivais potenciais – é chamado em Washington
A ascensão norte-americana à posição de li- de strategic denial.10 Faz parte da evolução da
derança no hemisfério, porém, desenvolveu-se Doutrina Monroe, no sentido de isolar o hemis-
por etapas, começando no Caribe e na América fério do controle europeu e, ao mesmo tempo,
Central com a guerra contra a Espanha, em 1898. estabelecer uma posição de liderança hemisférica.
Com o tratado entre o Panamá e os Estados Uni- À medida que a economia norte-americana foi se
dos, em 1903, para a construção de um canal li- expandido, a diplomacia de Washington tornou-
gando os dois oceanos, a importância estratégica se mais audaciosa.
da América Central aumentou.7 O presidente Contudo, divergências apareceram entre o
Theodore Roosevelt (1901-1909) em 1904 selou Executivo e o Congresso quanto ao internacio-
militarmente a Doutrina Monroe, ao proclamar nalismo norte-americano. A Doutrina Monroe
que os Estados Unidos viam-se como responsá- incluía a liderança hemisférica, mas não na Euro-
veis pela segurança e estabilidade hemisférica.8 pa. Logo após a Primeira Guerra Mundial, o pre-
O presidente William Howard Taft (1909- sidente Woodrow Wilson (1913-1921) lutou sem
1913) promoveu, a partir de 1909, a famosa Di- sucesso com o Senado norte-americano para o
plomacia do Dólar (Dollar Diplomacy), pela qual país participar da Liga das Nações, dentro de uma
o governo dispôs-se a ajudar até militarmente os nova ordem mundial.11 O isolacionismo norte-
interesses comerciais do setor privado norte- americano prevaleceu na década de 30 e só foi
americano.9 A harmonização da política estraté- abandonado quando outros países – Alemanha,
gica com os interesses econômicos pôs o gover- na Europa, e Japão, na Ásia – tentaram assumir
no nicaraguense nacionalista de José Santos Ze- posições de liderança nas suas respectivas regiões.
laya (1893-1909) em conflito com Washington.
Enquanto a esfera de influência norte-ame-
Em 1909, fuzileiros navais estadunidenses foram
ricana se expandiu pela América Central e pelo
despachados para a cidade nicaraguense de Blue-
Caribe na virada do século, a América de Sul – e
5 WIARDA, 1992 e 1987.
principalmente o Cone Sul – permaneceu relati-
6 MAY, 1992. vamente independente durante as duas grandes
7 MAJOR, 1993.
8 ROSSINI, 1995. 10 SCHOULTZ, 1987.
9 MUNRO, 1964. 11 KUEHL & DUNN, 1997; e KNOCK, 1992.

impulso nº 31 97
0000_Impulso_31.Book Page 98 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

guerras mundiais. Países como o Brasil e a Argen- volvimento de um bloco independente no Cone
tina puderam até usar a rivalidade comercial entre Sul, abrindo, assim, um espaço comercial para os
os Estados Unidos e países europeus como pon- europeus regressarem.15 Depois de fazer uma vi-
to de vantagem. Na década de 30, por exemplo, o sita à Argentina, em 1946, o deputado norte-
governo Getúlio Vargas comprou armas da Ale- americano Joseph Clark Baldwin escreveu uma
manha ao mesmo tempo que negociava contratos carta para o presidente Harry Truman, dizendo
comerciais com os Estados Unidos.12 que os ingleses já estavam retornando à América
A Política de Boa Vizinhança (Good Neigh- do Sul. Ele avisou, então: “Os Estados Unidos
bor Policy) inaugurada pelo governo Franklin D. certamente terão de agir se quiserem manter a li-
Roosevelt (1933-1945) propôs um processo de derança hemisférica”.16 Do ponto de vista do
acomodação entre os interesses comerciais nor- congressista, a posição de liderança pertencia aos
te-americanos e a soberania dos países latino- Estados Unidos. Dessa forma, Truman tinha de
americanos.13 Porém, a II Guerra Mundial mu- atuar rapidamente para dissuadir outras potências
dou radicalmente o cenário estratégico. Com a de estabelecerem interesses comerciais no hemis-
vitória dos Aliados e a destruição das principais fério.
capitais européias, os Estados Unidos assumiram Sob pressão norte-americana, o governo ar-
uma posição de liderança mundial indiscutível. gentino aceitou o novo equilíbrio nas relações he-
Para os norte-americanos, essa nova fase signifi- misféricas, o que abriu espaço estratégico para a
cava o abandono de uma doutrina isolacionista Conferência Interamericana para a Manutenção
mesmo para com a Europa. da Paz e Segurança Continental, sediada no Rio
A posição dos Estados Unidos como po- de Janeiro, em 1947.17 Com a participação da Ar-
tência militar e econômica produziu um novo gentina, Washington foi coroado como o grande
equilíbrio hemisférico. Dentro desse contexto, o protetor do hemisfério através da assinatura do
Cone Sul foi incorporado à esfera de influência Tratado do Rio, estabelecendo o princípio de se-
norte-americana através de uma política cautelosa gurança mútua para todos os países do hemisfé-
de Washington, no sentido de controlar as ten- rio.
dências dos países dessa região a ter uma ação in- A neutralização do desenvolvimento de um
dependente.14 Por exemplo, a Conferência Intera- bloco independente no Cone Sul propiciou a for-
mericana sobre os Problemas da Paz e Guerra re- mação de uma posição hemisférica comum em
alizada no México em 1945, excluiu a participa- relação à política externa soviética na Europa
ção da Argentina. O principal pecado argentino Central. O sucesso da política norte-americana
fora o desenvolvimento de uma política externa relativa aos países do hemisfério também ajudou
neutra durante a guerra, o que causou consterna- na criação de um outro bloco com os países da
ção não só aos norte-americanos mas também Europa Ocidental, a Organização do Tratado do
aos principais vizinhos. Atlântico Norte (OTAN), em 1949. A Guerra
O Ato de Chapultepéc, assinado durante a Fria chegou na América Latina através da neutra-
conferência no México, estabelecia o princípio da lização do Cone Sul e o desenvolvimento de um
segurança mútua. Mas sem a participação da Ar- bloco americano contra a União Soviética – nova-
gentina, um tratado de defesa coletiva hemisféri- mente, uma forma de impor a strategic denial
ca não parecia viável. Do ponto de vista norte- contra os interesses soviéticos e do Cone Sul.18 A
americano, a resistência daquele à preponderância idéia de bloco servia principalmente como meca-
dos Estados Unidos poderia promover o desen-
15 Truman Library, 30/nov./48.
12 GAMBINI, 1977; e HILTON, 1975. 16 Idem, 13/abr./46 (tradução do original em inglês).
13 GREEN, 1971. 17 Idem, 10/fev./47.
14 PERRUCI, 1993. 18 GREEN, 1970, pp. 149-195.

98 impulso nº 31
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nismo de unificação das políticas externas dos países ma, serviram de proxy, ou procuração, para a im-
da região. Para os Estados Unidos, a harmoniza- plementação da Doutrina Monroe na América
ção representou o desenvolvimento de um ver- do Sul. Muitos desses governos, excluindo certa-
dadeiro Sistema de Segurança Interamericano mente o do general Alvaro Velasco, do Peru
(SSI), sob sua liderança. (1968-1975), simpatizavam com os Estados Uni-
dos no combate ideológico entre o Leste e o
ESTRATÉGIAS POLÍTICAS DOS Oeste. O comunismo foi visto como doutrina
alienígena ao hemisfério. Porém, esses governos
PRINCIPAIS PARTICIPANTES
tinham também agendas próprias, incluindo o
A idéia de uma política hemisférica unifica- desenvolvimento econômico. No Brasil, por
da não durou muito tempo. Já no princípio da dé- exemplo, embora os Estados Unidos tenham
cada de 50, os países da América Latina questio- aplaudido a intervenção militar de 1964, dez anos
navam abertamente a ênfase dada ao fator militar depois, Washington e Brasília discordaram aber-
da Guerra Fria, enquanto a assistência econômica tamente quanto à política tecnológica brasileira
ficava em segundo plano. A Revolução Cubana na área de energia nuclear.22
de 1959 mudou em muito a dinâmica regional.19 Na década de 70, vários fatores contribuí-
A reação norte-americana imediata foi atender ram para o colapso do SSI criado após a II Guerra
aos problemas econômicos da região. No cálculo Mundial. Primeiramente, a economia norte-ame-
estratégico de Washington, os eventos em Cuba ricana sofreu um período de dificuldades, o que
comprometiam a estabilidade política hemisféri- levou a uma redução do poder econômico de Wa-
ca.20 Com a revolução de Fidel Castro, Washing- shington no sentido de influenciar a agenda he-
ton parecia aceitar a importância de uma conexão misférica. Segundo, com a perda da guerra do Vi-
entre desenvolvimento e segurança. etname, os Estados Unidos abandonaram a eufo-
A Aliança para o Progresso proposta pelo ria internacionalista que tinha caracterizado os
presidente John F. Kennedy (1961-1963) repre- governos de Truman até Kennedy-Johnson. O
sentou uma resposta para essa nova realidade nas presidente Richard M. Nixon (1969-1974) ado-
Américas. O plano era semelhante ao utilizado tou uma posição mais realista e, de certa forma,
na Europa Ocidental no fim da II Guerra Mun- isolacionista. Essa posição de Nixon diminuiu a
dial (Marshall Plan), mas visava não só o desen- importância (e a necessidade) do SSI.
volvimento econômico mas também a erradica- Outros fatores referem-se a eventos fora
ção da pobreza como fator principal que propor- do controle norte-americano. O período de
cionava uma abertura política para a infiltração de reconstrução européia introduziu novas potências
ideologias subversivas no hemisfério. Com o as- econômicas no mercado internacional, abrindo es-
sassinato do presidente Kennedy e a guerra do paço estratégico para os países latino-americanos.
Vietname, a Aliança para o Progresso perdeu Na década de 70, por exemplo, o Brasil foi capaz
apoio financeiro e político em Washington.21 de negociar novos acordos de transferência de tec-
Os governos militares que apareceram na nologia européia, mesmo com a oposição estadu-
América Latina nas décadas de 60 e 70 também nidense. Vários países da América Latina, inclusive
proporcionaram uma solução conservadora para o Brasil, tiveram taxas de crescimento altas no
o problema da instabilidade política. De certa for- princípio da década, o que os levou a adotar uma
posição mais independente.23 Embora esses gover-
19 WRIGHT, 1991. nos mantivessem uma posição anti-comunista de
20 É interessante observar que o governo brasileiro de Jusce- acordo com os interesses de Washington, na área
lino Kubitschek (1955-1960), dentro de um contexto pana- econômica houve muita divergência.
mericano, tivesse defendido a tese de desenvolvimento-
estabilidade política mesmo antes da revolução cubana. Cf.
22 PERRUCI, 1995.
REGO, 1988; e BENEVIDES, 1976.
21 HANSON, 1970. 23 BROOKE, 1981; e BAILEY & SCHNEIDER, 1974.

impulso nº 31 99
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O governo do presidente Jimmy Carter O presidente Bill Clinton (1992-2000) her-


(1976-1980), na tentativa de aperfeiçoar a política dou de Bush o mesmo conflito entre isolacionis-
externa norte-americana, agravou mais a suposta mo e internacionalismo. Embora o seu Partido
harmonia do SSI. Em vez de estratégia militar a Democrata parecesse favorecer as forças isolacio-
qualquer preço, a exportação de material bélico nistas do movimento trabalhista, Clinton persis-
foi condicionada aos direitos humanos. A reação tiu na tradição do Executivo como defensor do
brasileira, em 1977, foi cancelar o acordo bilateral internacionalismo. Foi dentro desse contexto que
de assistência militar de 1952 e não mais aceitar as defendeu a ratificação do NAFTA perante o Sena-
condições norte-americanas.24 Embora o gover- do e propôs a ALCA na I Cúpula das Américas,
no do presidente Ronald Reagan (1980-1988) te- em 1994.
nha mudado muito a política externa do país, O fim da Guerra Fria coincidiu com a saída
comparado com Carter, ambos contribuíram do poder dos militares na América Latina.27 Es-
para o colapso do SSI.25 No caso de Reagan, a po- ses dois fatores – o fim de conflitos ideológicos e
lítica militar unilateral – apoio estratégico para o a democratização – proporcionaram uma trans-
governo britânico na guerra das Malvinas (1982), formação concreta na agenda interamericana. A
a invasão da pequeníssima Granada (1983), o questão ideológica voltou-se para o processo de
apoio militar aos contras na Nicarágua (1981- consolidação da democracia, o respeito aos direi-
1988) – esvaziou o ânimo hemisférico no sentido tos humanos e a implementação de reformas eco-
de cooperação em relação às questões de política nômicas (abertura de mercados para o capital es-
estratégica. trangeiro, privatização e acordos de livre comér-
Já o presidente George Bush (1988-1992) cio).28 Até mesmo o México, que se via sob con-
encarregou-se de modificar a política externa trole de um partido nacionalista e autoritário, o
norte-americana frente ao fim da Guerra Fria. PRI, tornou-se membro do Gatt (General Agree-
Para os Estados Unidos, esse acontecimento re- ment on Tariffs and Trade), em 1986.29 Depois,
presentou um período muito intenso de auto- propôs o NAFTA, em 1993, com o Canadá e os
análise, pois tendências isolacionistas reaparece- Estados Unidos, e em 1994 intensificou o pro-
ram. Bush, ao citar a necessidade da liderança cesso de abertura do regime político, culminando
norte-americana no desenvolvimento de uma em 2000 com a eleição presidencial de um candi-
nova ordem mundial, fez relembrar o presidente dato de oposição, Vicente Fox.
Wilson depois da I Guerra Mundial.26 O Con- Na América Central, o Mercado Comum
gresso não reagiu da mesma forma que na década da América Central (Central American Common
de 20, ao preferir o isolacionismo, mas também Market, ou CACM), embora criado em 1960, re-
não se determinou bem como internacionalista. cebeu nova atenção na década de 90, na medida
Diante desse dilema, o Executivo manteve a pos- em que os governos estabeleciam normas demo-
tura internacionalista, embora o Congresso con- cráticas e reviam objetivos antigos de integração.
tinue tentando se definir. Na verdade, foi por isso No Caribe, o Caricom (Mercado Comum e Co-
que o México lançou a idéia do NAFTA, proposta munidade do Caribe, ou Caribbean Community
que protegeria o acesso mexicano ao mercado and Common Market), que faz parte de um acor-
norte-americano diante de tendências isolacionis- do prévio entre os países do Caribe que forma-
tas em Washington. ram uma área de livre comércio (Caribbean Free
Trade Association, ou CARIFTA), assinado em
24 Após rejeição de ajuda, o novo passo era inevitável. O 1965, reconheceu que o processo de integração
Estado de S.Paulo, 12/mar./77, p. 23.
25 Para uma exposição sobre a transição da política de Carter 27 PERRUCI, 1994.
para a de Reagan, ver MOSS, 1983. 28 Ver, por exemplo, BRITO, 1997; e PAYNE, 1992.
26 DARK & HARRIS, 1996. 29 LUSTIG, 1992.

100 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 101 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

estava muito lento. Todos os membros concor- quatros participantes triplicou. O Brasil é hoje
daram, em 1994, em acelerar o ritmo para a pos- não só o maior parceiro comercial da Argentina
sível criação, num futuro próximo de um merca- como também o maior investidor, posição ante-
do comum.30 riormente ocupada pelos Estados Unidos.
Na América do Sul, o Pacto Andino criado
em 1969 tinha sofrido muitas dificuldades na dé- A NOVA DINÂMICA HEMISFÉRICA
cada de 70, principalmente com o governo militar Todo o processo de integração econômica
do Chile. Na década de 80, o Pacto estabeleceu o das Américas, embora ocorrendo em nível subre-
livre comércio para um número limitado de pro- gional, na década de 80 e no princípio de 90 tinha
dutos. Em 1992, a Colombia e a Venezuela im- um caráter globalizante. Os participantes reco-
plementaram um acordo bilateral de livre comér- nheciam, através dos acordos multilaterais, a im-
cio (com exclusão de motores de veículos e pro- portância do comércio externo no crescimento
dutos agrícolas). A Bolívia e o Equador aceitaram da economia doméstica. Com o fim da Guerra
os princípios de uma área de livre comércio Fria, as questões ecônomicas tornaram-se pri-
(ALC) para a comunidade em 1993. Já em 1994, a mordiais. Para as novas democracias da América
Colombia e a Venezuela assinaram um acordo de Latina, integração também se tornou um instru-
livre comércio com o México formando, assim, mento de harmonização dos interesses políticos
um novo grupo comercial, G-3. Atualmente, o entre vizinhos.
Pacto Andino está negociando a formação de Do ponto de vista norte-americano, a inte-
uma ALC com o G-3, o que significaria a partici- gração regional recebeu interesse estratégico.
pação do México na integração econômica sul-
Para os Estados Unidos, a União Européia e o
americana. Isso é muito significativo, pois seria o
papel do Japão e China na Ásia tornaram-se fon-
primeiro passo para uma possível integração re-
tes de preocupação. A idéia de blocos, que na dé-
gional, além das alianças subregionais.
cada de 40 tinha um contexto político-militar,
O Mercado Comum do Sul, Mercosul,
nos anos 90 viu-se associada a nova fonte de ri-
constitui o segundo maior grupo comercial atual
das Américas.31 Firmado em março de 1991 com validades entre as potências comerciais. A Cú-
o Tratado de Asunción, o Mercado é hoje uma pula de Miami, em 1994, serviu como ponto de
união aduaneira.32 Durante os primeiros três harmonização entre as diversas iniciativas comer-
anos de criação do grupo, o comércio entre os ciais no hemisfério.33 Mas, de certa forma, a pro-
posta do presidente Bill Clinton, também serviu
30 Caribbean Common Market Meets. Facts on File, 24/ago./95, para unificar a região sob a liderança norte-ame-
p. 609. ricana, uma proposta semelhante à feita em 1945
31 MANZETTI, 1993-1994.
32 Os participantes (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) com o Ato de Chapultepéc. Como na década de
constituem um Produto Interno Bruto em torno de US$ 1 40, os Estados Unidos novamente se preocupam
trilhão, com uma população de mais de 200 milhões de habi- com a ação independente no Cone Sul, hoje re-
tantes. Entre os antecedentes do Mercosul, podemos citar a
reunião de Buenos Aires, em julho de 1986, entre os presi- presentado pelo Mercosul, e com interesses de
dentes do Brasil e Argentina, durante a qual foi assinado a Ata potências comerciais européias e asiáticas.
para a Integração Argentino-Brasileira. Esse documento ins-
tituiu o Programa de Integração e Cooperação Econômica A diferença, porém, é notável. Desta feita,
(PICE). Em 1988, foi assinado o Tratado de Integração, Coo- os Estados Unidos não detêm o mesmo coman-
peração e Desenvolvimento entre os mesmos países, com o do econômico da região. Também o seu poder
objetivo de criar um espaço econômico comum no prazo
máximo de dez anos. Em julho de 1990, os presidentes Fer- militar – embora decisivo na disputa pelo petró-
nando Collor de Mello e Carlos Menem firmaram a Ata de leo com o Iraque na Guerra do Golfo, em 1991 –
Buenos Aires, com o objetivo de eliminar todos os obstáculos tem pouco uso na área comercial com a América
tarifários e não-tarifários entre os dois países. Paraguai e Uru-
guai juntaram-se ao processo no mesmo ano, o que resultou
33 WIARDA, 1995.
no Tratado de Asunción, no ano seguinte.

impulso nº 31 101
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Latina.34 Ninguém espera que os Estados Unidos Embora o NAFTA não tenha sido o culpado pela
invadam algum país latino-americano por causa queda (mesmo com o declínio, a exportação nor-
de disputas na área de proteção à propriedade in- te-americana foi 11% maior que em 1993), o fato
telectual. Nem mesmo o governo norte-america- de a exportação mexicana ter crescido em torno
no se encontra unido quanto à política comercial de 25% reforçou o medo do Congresso norte-
do próprio país. O processo de ratificação do americano de que o acordo não estaria trazendo
NAFTA, por exemplo, foi polêmico no Congres- os benefícios esperados para sua economia inter-
so. Forças políticas se dividiram em dois campos na.
de batalha: um grupo que via o acordo como uma Na Cúpula em Santiago, em abril de 1998,
excelente oportunidade para expandir as exporta- o presidente Clinton pediu paciência aos inte-
ções para o México e um outro que encarava essa grantes, muitos deles interessados em negociar a
possibilidade como uma faca de dois gumes na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)
proteção do meio-ambiente e do mercado de tra- somente depois de o presidente norte-americano
balho. Com as diferenças salariais bem óbvias, o receber o TPA (fast track). Clinton, porém, queria
medo do segundo grupo era de que o capital sai- logo negociar o acordo, crendo que a autorização
ria dos Estados Unidos à procura de baixo custo seria concedida. A ALCA tem seu início previsto
de produção e com ele iriam embora também mi- para 2005 mas até lá muita paciência será reque-
lhares de empregos, uma possibilidade política rida para serem resolvidas todas as diferências po-
inaceitável. Também existia o medo de que a es- líticas e econômicas entre seus participantes.35
tabilidade econômica e política mexicana viesse a Agora, com um novo presidente na Casa Branca,
danificar as exportações norte-americanas, no George W. Bush, o Partido Republicano tornou-
sentido de diminuir o poder aquisitivo do consu-
se o grande defensor em Washington da ALCA.
midor mexicano.
Mesmo assim, o Congresso continua dividido.
De certa forma, desde que o NAFTA entrou
Com as dificuldades de implementação na
em vigor, em janeiro de 1994, os dois grupos têm
área comercial, outros assuntos têm recebido
encontrado dados que dão credibilidade às suas
atenção hemisférica, principalmente os temas so-
expectativas. Durante o primeiro ano do acordo,
ciais. A integração, dessa forma, não só inclui a
o comércio entre os membros cresceu 17%. A
formação de bloco comercial como também uma
exportação norte-americana para o Canadá e
discussão de vários temas – por exemplo, a edu-
México cresceu duas vezes mais rápido do que as
cação, a erradicação da pobreza e da discrimina-
exportações para o resto do mundo. O número
ção, a preservação e o fortalecimento da demo-
de pessoas que pediu assistência ao governo dos
cracia, da justiça e dos direitos humanos. O plano
Estados Unidos por causa do NAFTA foi abaixo
de ação da Cúpula contém três capítulos dedica-
do esperado, no período de janeiro de 1994 a fe-
vereiro de 1996. dos a esses temas e apenas um para a integração
comercial.
Ao mesmo tempo, a crise da moeda mexi-
cana, em dezembro de 1994, junto com a incer- O novo equilíbrio interamericano não se
teza política em Chiapas, produziram uma reação caracteriza pelo confronto entre os Estados Uni-
de cautela por parte do Congresso norte-ameri- dos e a América Latina, como ocorreu na década
cano. Em 1995, o PIB mexicano teve uma queda de 60, quando os governos latino-americanos
de 6%. Com isso, o consumo de produtos ame- questionavam abertamente o modelo econômico
ricanos também caiu. Resultado: a balança co- norte-americano. As relações hoje são muito
mercial norte-americana para 1995 foi negativa mais complexas. O México, por exemplo, tem
(US$ 15,4 bilhões) pela primeira vez desde 1990. pouca pressa para implementar a ALCA, pois di-

34 FREEDMAN & KARSH, 1993. 35 NAFTA, For the Americas, 2001.

102 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 103 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

minuirá sua vantagem com o NAFTA para acesso CONCLUSÃO: UM NOVO MODELO
ao mercado norte-americano.36 Ao mesmo tem- DE LIDERANÇA?
po, o México está interessado em um acordo de Na verdade, dentro desse complexo con-
livre comércio com a União Européia.37 Por con- texto de estratégias diversas dos países latino-
seguinte, os países do Caribe e da América Cen- americanos e do strategic denial norte-americano,
tral, que exportam produtos semelhantes aos do pode-se dizer que ninguém manda mais no he-
México, criticam Washington por deixar os pro- misfério. Não faz mais sentido falar em bloco in-
dutos mexicanos entrarem nos Estados Unidos teramericano, embora os Estados Unidos enca-
sem tarifas enquanto as suas exportações são ta- rem a integração regional dessa forma. A revista
xadas. Eles querem igualdade de acesso (NAFTA britânica The Economist caracterizou a II Cúpula
Parity), e a ALCA pode acelerar esse processo de das Américas como o início de um novo mundo
integração.38 (a new world).39 Para a revista, a respeito das re-
Na América do Sul também existe diver- lações hemisféricas, os Estados Unidos hoje se
gência estratégica entre os principais países. En- vêem como primeiro entre iguais. Essa posição as-
quanto o Chile quer o processo de integração in- semelha-se à maneira como os Estados Unidos
teramericano acelerado, o Brasil tem optado por viram o seu papel na Otan durante a Guerra Fria.
Para o novo século, Washington está propondo
uma negociação mais lenta tendo em vista o for-
uma estratégia semelhante para o hemisfério
talecimento do Mercosul como ponto de barga-
como uma maneira de implementar a doutrina de
nha. Diante das dificuldades do presidente Clin-
strategic denial na área comercial.
ton com o Congresso norte-americano, o Chile
Embora os Estados Unidos continuem a
tem se aproximado do Mercosul, embora não de- encarar o hemisfério como a sua zona de influên-
seje se unir completamente ao grupo do Cone cia, os países latino-americanos possuem muito
Sul. A Argentina também ocupa uma posição es- mais flexibilidade estratégica em comparação
tratégica delicada. Ela se vê entre as duas potên- com o fim da II Guerra Mundial. O fim da Guer-
cias econômicas – Estados Unidos e Brasil – e ra Fria, dessa forma, abriu ainda mais o espaço es-
tem promovido um balanço diplomático entre os tratégico para ações independentes, includindo o
dois vizinhos. desenvolvimento do Mercosul. A aplicação da
Enquanto o Mercosul continua ocupando doutrina de strategic denial na área comercial di-
posição central da sua pauta comercial, a Argen- ficilmente será bem recebida pelos países da
tina tem exercido uma política de aproximação América do Sul. Eles querem mais flexibilidade
com os Estados Unidos. Por exemplo, apoiou a para promoverem a abertura de novos mercados,
política norte-americana contra o Iraque a ponto incluindo os europeus e asiáticos. Integração co-
de oferecer ajuda militar. Os Estados Unidos têm mercial dessa forma não faz parte de construção
usado essas diferenças estratégicas como forma de blocos, mas pertence à crescente necessidade
de contrabalançar a posição brasileira na América de participar de um processo de globalização eco-
do Sul, inclusive a decisão de vender equipamen- nômica. Com o tempo, o Congresso norte-ame-
tos militares mais sofisticados para o Chile e o ricano compreenderá essa realidade. O Executivo
fato de proclamar publicamente a Argentina já entende, embora ainda esteja usando o argu-
como aliado oficial, declaração feita em 1997 du- mento de blocos cormeciais para convencer o
Congresso a dar a TPA (Trade Promotion Autho-
rante a visita de Clinton a Buenos Aires.
rity) para o presidente.
36 BRADSHE, 1994.
Quais são os benefícios e prejuízos desse
37 Ver reportagem da agência de notícias Reuters para a novo modelo de liderança interamericana (pri-
CNN, 1998.
38 BOHNING & GARVIN, 1998. 39 A new world, The Economist, 25/abr./98, p. 37.

impulso nº 31 103
0000_Impulso_31.Book Page 104 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

meiro entre iguais)? De certa forma, os países la- nômico como também geográfico naturalmente
tino-americanos ganham no sentido de poderem oferece ao país uma oportunidade para exercer a
diversificar parcerias comerciais, como o México liderança, principalmente na América do Sul.
e o Mercosul estão fazendo com a UE. Para os Es- Mas, ao mesmo tempo, a posição norte-america-
tados Unidos, essa diversificação pode ser inter- na permanece preponderante. Entretanto, en-
pretada como prejuízo, pois diminui a sua posição quanto o Congresso norte-americano e o presi-
de líder. Mas, ao mesmo tempo, pode ser um dente discordarem a respeito da estratégia do país
benefício para o governo norte-americano, pois no hemisfério, a posição brasileira fica fortaleci-
ele não terá de arcar com a responsabilidade, da. Como Carlos Eduardo Lins da Silva obser-
principalmente financeira, da implementação dos vou, depois da II Cúpula das Américas, existe en-
objetivos hemisféricos. O verdadeiro prejuízo tre os diplomatas do hemisfério uma “crescente
deve ser na área social. Com a liderança coletiva impressão consensual de que o futuro da integra-
da nova ordem hemisférica, todos querem contri- ção continental depende do entendimento e da
buir para a agenda hemisférica. Dessa forma, ela disposição de dois países: EUA e Brasil”.41
está ficando superlotada, com a inclusão de mui-
Fica certo que Washington lutará contra
tos objetivos que não podem ser resolvidos a cur-
uma ação independente brasileira, da mesma for-
to-prazo, como a erradicação da pobreza. O mo-
delo de liderança coletivo dentro do novo equilí- ma como contrariou a política argentina nos anos
brio hemisférico beneficia aqueles que foram pre- 40. Existe um consenso em Washington quanto à
viamente excluídos do poder hemisférico, como oposição a qualquer país ou bloco que queira as-
o Brasil. Mas, ao mesmo tempo, torna-se difícil sumir uma posição de liderança hemisférica (stra-
criar uma agenda coerente e realista à medida que tegic denial), mas esse mesmo consenso se desfaz
decisões têm de atender a diversos interesses na- quando o presidente norte-americano propõe ao
cionais e até mesmo subnacionais. Congresso a necessidade de os Estados Unidos
Por exemplo, na II Cúpula das Américas, os assumirem a responsabilidade de líder.
integrantes concordaram com a criação de uma Para o Brasil, resta saber qual será a evolu-
Aliança Contra as Drogas para ter uma avaliação ção das suas relações bilaterais com os Estados
dos esforços nacionais na luta contra o tráfico. Unidos. Desde a II Guerra Mundial, o país tem
Logo o Congresso norte-americano se opôs à de- lutado para ser reconhecido como potência mun-
cisão, pois diminuiria a importância daquela ins- dial e, dessa forma, merecedor de tratamento es-
tituição na certificação unilateral do combate às pecial por parte de Washington.42 Ao mesmo
drogas pelos países da região, item controvertido tempo, os Estados Unidos têm resistido a essa
nas relações latino-americanas com os Estados tese de parceria especial, com medo de contrariar
Unidos. Já na volta para os Estados Unidos de- os vizinhos. Porém, com o convite feito por Wa-
pois da Cúpula, o chefe norte-americano da po- shington ao Chile para participar do NAFTA e o
lítica contra as drogas, Barry McCaffrey, comen- reconhecimento formal da Argentina como alia-
tou para a imprensa que a nova Aliança tornará o do, o presidente Clinton modificou a política
processo de certificação do Congresso irrelevan- norte-americana de tratamento igual para todos
te.40 Essa declaração causou controvérsia entre o no Cone Sul. Na verdade, as últimas iniciativas de
presidente Clinton e o Congresso republicano, Washington parecem ser mais destinadas a conter
que quer manter a autoridade de avaliar a perfor- a ação independente do Brasil numa política clás-
mance de cada país no combate às drogas. sica realista – dentro dos padrões de balance of
Nesse novo equilíbrio, o Brasil ocupa uma power.
posição de destaque. O seu tamanho não só eco-
41 SILVA, 1998.
40 BOHNING, 1998. 42 FISHLOW, 1982.

104 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 105 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Em conclusão, as relações hemisféricas barganha. Contudo, os Estados Unidos podem


continuarão evoluindo na direção de mais flexi- explorar divisões no Cone Sul, principalmente
bilidade, principalmente diante da falta de con- entre os três países mais importantes – Argenti-
senso em Washington quanto à liderança norte- na, Brasil e Chile – no sentido de evitar ações in-
americana nas relações interamericanas. Para o dependentes.
Mercosul, essa condição fortalece sua posição de

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Dados do autor
GAMALIEL PERRUCI
Estudos de mestrado em jornalismo no Texas (Universidade de Baylor), estudos
doutorais em ciência política na Flórida (Universidade da Florida) e professor na área
de treinamento de líderes em Ohio (Marietta College).

Recebimento artigo: 29/jan./01


Consultoria: 9/abr./01 a 2/maio/01
Aprovado: 2/jul./01
Revisão do autor: 26/out./01 a 8/nov./01

106 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 107 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Pode o Brasil ir ao
encontro de seu futuro
através da ALCA?
CAN BRAZIL FETCH ITS FUTURE
THROUGH FTAA?* FRASER G. MACHAFFIE
Marietta College,
Resumo O desenvolvimento de uma Área de Livre Comércio das Américas ganhou Mar ietta, Ohio (USA)
impulso na Cúpula das Américas realizada na cidade de Quebec em abril de 2001. O machafff@marietta.edu
papel do Brasil é vital para o sucesso das negociações que poderiam levar a essa área,
que se estenderia do Alasca à Terra do Fogo. De que forma os homens e mulheres de
negócios americanos vêem o Brasil como um parceiro comercial importante? E que
opções os observadores no Hemisfério Norte identificam como abertas para o Brasil?
Este artigo fornece as opiniões do autor e representa uma visão da situação existente
em meados de maio de 2001.
Palavras-chave ALCA – FTAA – MERCOSUL – UNIÃO EUROPÉIA.

Abstract The development of a Free Trade Area of the Americas gathered momen-
tum at the Summit of the Americas held in Quebec City in April 2001. Brazil's role
is critical to the success of the negotiations which could lead to a free trade area ex-
tending from Alaska to Terra do Fogo. How do US businessmen and businesswo-
men see Brazil as a major trading partner and what options do observers in the Nor-
thern hemisphere consider to be open to Brazil? This paper gives the author's views
and is a picture of the existing situation in mid-May 2001.
Keywords ALCA – FTAA – MERCOSUL – EUROPEAN UNION.

* Tradução do inglês: Anna Magdalena.

impulso nº 31 107
0000_Impulso_31.Book Page 108 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

O Brasil é o país do futuro – e sempre será.


Provérbio brasileiro

E
O futuro não virá até você – você precisa ir buscá-lo.
Provérbio nigeriano

ste trabalho originou-se de uma apresentação oral, que


fez parte do colóquio internacional “O Debate sobre a
ALCA e o Mercosul e seu Impacto na Região de Piraci-
caba”, apresentado em 16 de maio de 2001, com o pa-
trocínio do Grupo Temático Mercosul, ligado à Asses-
soria para Assuntos Internacionais, à Faculdade de
Gestão e Negócios e à Faculdade de Direito da Univer-
sidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), com o apoio
da assessoria internacional da Prefeitura Municipal de Piracicaba. Optei
pelo uso da primeira pessoa em lugar da terceira para enfatizar a natu-
reza pessoal de algumas das observações feitas no trabalho.1

INTRODUÇÃO
O Mercosul celebrou seu décimo aniversário em março de 2001,
mas poucos vieram à festa. Todas as atenções se concentravam em um
evento a realizar-se em menos de um mês. A III Cúpula das Américas es-
tava marcada para abril na cidade de Quebec, no Canadá, e seria o último
passo para a criação de uma área de livre comércio abrangendo todo o he-
misfério ocidental, do Alasca à Terra do Fogo. Esse processo começou
com a I Cúpula das Américas, realizada em Miami em dezembro de 1994,
quando os chefes das 34 democracias da região se comprometeram a tra-
balhar rumo à criação de uma Área de Livre Comércio das Américas-
ALCA (Free Trade Area of the Americas-FTAA), na qual se eliminariam pro-
gressivamente as barreiras ao comércio e aos investimentos. As negocia-
ções deveriam completar-se até 2005, sendo a implementação feita até o
fim do ano. As negociações reais foram formalmente empreendidas na II
Cúpula, em Santiago, Chile, em abril de 1998.
Neste artigo, forneço minhas impressões sobre a FTAA/ALCA, as
opções do Brasil e a atração que o país apresentaria como parceiro co-
mercial para os negócios americanos. Para preparar o caminho, eu, como
cidadão britânico que há vinte anos vive nos EUA, faço um resumo do que
percebo que o cidadão americano típico pensa quando ouve o nome Bra-
sil. Meus comentários baseiam-se em leituras de literatura americana e
britânica na área de negócios. Menciono especialmente The Wall Street

1 Agradeço ao reitor da UNIMEP, Almir de Souza Maia, ao professor Amós Nascimento e à


sua equipe da Assessoria para Assuntos Internacionais, aos professores, funcionários e
estudantes da UNIMEP, ao prefeito de Piracicaba, professor José Machado, e ao senhor José
de Carvalho Tedesco, da Coopervap, que tornaram minha visita tanto agradável quanto
produtiva. Também agradeço ao Comitê de Aprimoramento do Corpo Docente do Mari-
etta College e ao seu diretor por sua assistência com o custeio e o subseqüente apoio à
minha viagem.

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Journal (Nova York), o Financial Times (Londres), o cional pelo futebol. A eliminação humilhante do
Economist (Londres) e o Latin Finance (Coral Brasil da Copa América pelas Honduras, em
Gables, Flórida). Também foi útil o website oficial 2001, foi noticiada até mesmo em minha Escócia
do processo (<http://www.ftaa-alca.org>).2 As natal sob o título “O Brasil despenca em novo
observações feitas neste artigo representam uma vi- abismo”.3 Mas essa percepção inadequada do Bra-
são pessoal da situação tal como se apresentava sil está mudando.
em meados de maio de 2001.
Meus comentários enquadram-se em qua- MUDANÇA DE PERCEPÇÕES
tro tópicos: O primeiro movimento ocorreu em setem-
1. consciência do Brasil entre os cidadãos ame- bro de 2000, quando, pela primeira vez, 12 presi-
ricanos; dentes sul-americanos reuniram-se sozinhos ao
2. como essa consciência tem mudado ultima- redor da mesma mesa. O encontro ocorreu em
mente; Brasília. O décimo aniversário do Mercosul acon-
3. o que os homens e mulheres de negócios teceu no início de 2001, mas esse bloco comercial
americanos vêem quando consideram o Bra- tem sido amplamente ignorado nos EUA e, ao
sil um lugar de investimentos – o custo Brasil; que parece, pela maioria das pessoas no próprio
4. o que os comentaristas americanos e britâni- Mercosul. Mas na reunião no outono de 2000, os
presidentes incumbiram-se de estabelecer até ja-
cos vêem como opções abertas para o Brasil.
neiro de 2003 uma área de livre comércio que
abrangeria os países do Mercosul e do Pacto An-
O QUE OS CIDADÃOS AMERICANOS dino. Também concordaram em apoiar um mo-
SABEM DO BRASIL vimento para a criação de uma área de livre co-
Há cerca de um ano, se perguntássemos a mércio das Américas, mas somente “em uma
um cidadão americano típico sobre o Brasil, creio base eqüitativa e equilibrada eles garantirão o
ficaríamos desapontados ao descobrirmos quão acesso efetivo dos produtos de exportação sul-
pouco ele sabia. O maior ponto de contato dos americanos aos mercados”.4 Assim, em setembro
americanos com a América Central e a do Sul é o de 2000, surgiu a possibilidade de se desenvolve-
México. Mesmo a imagem que têm do México é rem dois blocos: no norte, o NAFTA, chefiada pe-
distorcida, e assim o cidadão comum dos EUA los Estados Unidos, e, no sul, o Mercosul, enca-
presume, já de maneira estereotipada, que qual- beçado pelo Brasil.
quer lugar ao sul da Flórida é pobre, caótico, cor- Por causa da reunião de setembro de 2000,
rupto, pronto para aceitar qualquer ajuda que nós, no norte, tomamos conhecimento de um
possa receber dos Estados Unidos, uma fonte de país que tem feito um comércio agressivo tanto
mão-de-obra barata, onde é mínima a preocupa- no Mercosul quanto fora dele. Vimos o gás natu-
ção com o meio ambiente e só se fala espanhol. ral chegando ao Brasil proveniente da Bolívia, da
Ao pensar especificamente no Brasil, nosso ame- Argentina e do Equador. Vimos o petróleo vindo
ricano típico pode lembrar algo sobre uma dita- da Venezuela, a eletricidade do Paraguai, da usina
dura militar, inflação anual de mais de 1.000%, binacional de Itaipu, e da Venezuela.
florestas tropicais, macacos e a sexualidade palpi- Nos EUA, descobriu-se que o Mercosul, em
tante do Carnaval. Também saberá da paixão na- termos geográficos, é mais de quatro vezes maior
que a Europa, representando um mercado de
2 Este website é mantido pelo Tripartite Committee, formado
mais de 200 milhões de pessoas, 80% das quais
pelo Banco de Desenvolvimento Interamericano, a Organiza-
ção dos Estados Americanos e a Comissão Econômica das são brasileiras. Com um pib excedente conjunto
Nações Unidas para a América Latina e o Caribe em nome
dos governos membros dos países que participam da FTAA/ 3 The Scotsman, 25/jul./01.
ALCA. 4 BARBOSA, 2001, p. 152.

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de 1 trilhão de dólares, o Mercosul representa a Revista de Política Externa) classifica o nível de


terceira maior economia no mundo, depois do globalização de 50 países desenvolvidos. Esse ín-
NAFTA e da União Européia. dice é calculado com base no exame de diversos
No cenário político, tomamos consciência elementos, como o nível de contatos pessoais
de um país que cada vez mais tem agido de ma- através das fronteiras, o uso da Internet, a inte-
neira adequada à oitava maior economia do mun- gração econômica e movimentos financeiros,
do. Em uma tentativa de manter a estabilidade na como o investimento estrangeiro direto. No rela-
América do Sul, o Brasil foi peça fundamental tório do ano 2000, Singapura foi identificada
para desarmar duas tentativas de golpe no Para- como o país mais globalizado, enquanto os EUA
guai, resolver uma disputa de fronteira entre o figuraram na 12.ª posição e o Brasil em 43.º (em
Peru e o Equador e restabelecer um pouco de or- um total de 50), logo depois do Peru e antes da
dem no Equador depois do golpe militar de ja- Federação Russa.6 Outro relatório um tanto de-
neiro de 2000. cepcionante, do ponto de vista brasileiro, veio de
Mas o Brasil não era um fantoche dos EUA. um estudo preparado pela organização não-go-
O Brasil não concordou com a ordem dos EUA vernamental internacional Transparency Interna-
de aplicar sanções contra o Peru depois das elei- tional. Os dados desse estudo mostraram uma re-
ções de 1999. O Brasil também tem criticado lação evidente entre a globalização, tal como foi
com severidade o grande envolvimento na guerra medida pelo Índice de Globalização mencionado
contra as drogas na Colômbia – uma preocupa- acima, e a percepção de corrupção e o nível de di-
ção que, aliás, é a mesma de muitos norte-ameri- reitos civis e políticos usufruídos pelos cidadãos
canos. O Brasil tampouco aquiesceu às solicita- de uma nação. Em uma matriz cujos eixos são li-
ções dos EUA e de outros países para que as ne- berdade e corrupção, o Brasil está firmemente si-
gociações da FTAA/ALCA fossem concluídas em tuado no quadrante menos liberdade-mais cor-
2003, em vez de 2005, conforme fora acordado rupção, junto com o Peru e o México, mas em si-
na primeira reunião de cúpula, em 1994. tuação melhor do que a China e o Quênia.7
Nos EUA, vimos um país que, após muitos Apesar desses relatórios bastante negativos,
anos de ditadura militar e hiperinflação, deu mos- os homens de negócio dos EUA reconhecem que
tras de confiança e otimismo. Os militares retor- a privatização da indústria está correndo de for-
naram a seus quartéis e o Brasil estava colocando ma ordenada, eliminando as oportunidades e a
sua economia e política em ordem. Mas os EUA necessidade de corrupção. Além disso, as compa-
estão recebendo sinais contraditórios. Um rela- nhias que sobreviveram aos anos 90 eram prova-
tório de 2001 sobre liberdade econômica infor- velmente as mais fortes, especialmente visto que
mou que há uma melhora no Brasil, refletindo o BNDES agora estava aplicando critérios econô-
uma tendência mundial. Mas os brasileiros po- micos estritos e deixando que companhias fracas,
dem surpreender-se ao saber que a conservadora como as Lojas Mappin, falissem.
Heritage Foundation, de Washington, que desen- E então, em abril de 2001, na Cúpula das
volveu o relatório, situou o Brasil na categoria Américas, em Quebec, nós, do norte, vimos um
dos menos livres, em 93.º lugar, somente um pou- país esperando ser reconhecido como um parti-
co acima da Bulgária (95.º) e da Nigéria (97.º) e cipante importante na mesa de jogo, possivel-
muito abaixo de El Salvador (12.º) e da Argentina mente um jogador à altura dos EUA. A hipótese
(29.º). Esse índice baseia-se em 50 variáveis eco- de os EUA e o Brasil assumirem a co-presidência
nômicas.5 do Comitê de Negociação de Comércio da alca,
O A.T. Kearney/Foreign Policy Magazine em 2003, não foi um simbolismo sem significa-
Globalization Index (Índice de Globalização da
6 Measuring globalization, 2001, p. 62.
5 O’DRISCOLL, 2001, pp. 105-106. 7 Ibid., p. 61.

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ção. Pensem o que pensarem de sua política, o de um mercado de capitais aparentemente fraco
presidente Fernando Henrique Cardoso foi visto no Brasil. O Brasil é um dos principais destinos
em Quebec como um homem polido, um nego- dos investimentos estrangeiros diretos, mas a Bo-
ciador sofisticado, fluente em quatro idiomas e à vespa buscava formas de melhorar as perspectivas
vontade no palco mundial. O presidente Cardo- para os investimentos. As companhias que bus-
so levava vantagem na comparação com o presi- cam o Novo Mercado da Bovespa não podem ter
dente dos eua, George W. Bush, que não é um ações sem direito a voto e precisam garantir que
orador público carismático e que admite que fre- os acionistas minoritários gozem dos mesmos di-
qüentemente tem dificuldades com sua língua reitos que os acionistas majoritários no caso da
materna. aquisição de uma empresa.9
Os requisitos para inclusão no Novo Mer-
CUSTO BRASIL cado são os mais rigorosos entre as bolsas de va-
As companhias americanas e européias têm lores mundiais e somente o tempo mostrará se as
investido e comprado seus produtos no Brasil há companhias procurarão ser incluídas nele ou se a
um século ou mais. Mas a ALCA agora faz surgir maioria preferirá manter suas estruturas patrimo-
a possibilidade de um grande aumento nas opor- niais diferenciadas e buscar a inclusão em bolsas
tunidades comerciais. Então, o que os homens ou de valores com requisitos menos rigorosos. Isso
mulheres de negócios vêem quando olham para o é provavelmente o que vai acontecer, uma vez
Brasil? Eles vêem um sistema de tributação com- que as outras bolsas darão acesso a capitais mai-
plexo, difícil de entender e de ser cumprido. Tam- ores do que os que se pode encontrar atualmente
bém vêem tentativas em Brasília para simplificá- no Brasil. Por exemplo, as companhias brasileiras
lo. Mas deve-se notar que as corporações ameri- com estruturas patrimoniais diferenciadas que
canas reclamam que a complexidade e as altas ta- procuraram a Bolsa de Valores de Nova Iorque
xas do sistema de tributação de seu próprio país para ter acesso a bases de capital mais amplas e
coloca-as em desvantagem em relação a compe- profundas incluem a Gerdau e a Embraer, sendo
tidores estrangeiros nos mercados nacional e in- que esta última entrou no mercado indiretamen-
ternacional.8 te, por meio do uso de ações depositárias ameri-
Há uma preocupação com a falta de trans- canas.
parência na administração societária. Muitas fir- O sistema bancário é visto como desajeita-
mas no Brasil ainda são controladas pela terceira do e caro. Isso é uma combinação de ineficiência
ou quarta geração das famílias que as fundaram. – sendo certas funções reservadas para os bancos
As estruturas de capital muitas vezes asseguram a estatais – e tributação sobre as transações. Está
continuação desse tipo de controle, incluindo em andamento uma reestruturação grande do sis-
ações votantes e com direito a voto ou não e tema bancário, que deveria aumentar a competi-
ações ordinárias e preferenciais. Os direitos dos tividade e, por conseguinte, melhorar a qualidade
acionistas minoritários são muito menores do e reduzir os custos. Deve-se mencionar, de pas-
que nos EUA. O homem ou mulher de negócios sagem, que um dos desapontamentos da União
se pergunta se a Comissão de Valores Mobiliários Européia foi a resistência à redução dos custos
tem a vontade e a garra suficientes para fazer seu bancários, embora haja uma moeda comum para
trabalho. Entretanto, pode se consolar com o transações comerciais. Uma vez que os novos
aparente reconhecimento do problema ao ser es- proprietários dos bancos brasileiros provêem da
tabelecido o Novo Mercado pela Bolsa de Valores União Européia, especialmente da Espanha, tal-
de São Paulo (Bovespa). O Novo Mercado é re- vez os custos vigentes no sistema bancário não
sultado de um estudo da Bovespa sobre as razões diminuam.

8 Veja, por exemplo, MERRILL & DUBERT, 2001. 9 MENDONÇA DE BARROS et al., Desafios, 2000.

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Não está clara a atitude do governo brasi- sos portos. Obviamente, os portos são importan-
leiro em relação a questões anti-truste. Por exem- tes para as exportações. A Audi e a Renault esta-
plo, a Antártica e a Brahma se uniram e agora beleceram suas fábricas em função do acesso fácil
controlam 70% do mercado de cerveja do Brasil ao Porto de Paranaguá. É de especial relevância
(a marca Bavaria teve de ser vendida para a Mol- para Piracicaba o projeto de hidrovia para os rios
som, do Canadá). Essa fusão provavelmente teria Piracicaba, Tietê e Paraná. Esse projeto multimo-
sido proibida nos EUA. dal interligando estradas, ferrovias e rios é alta-
Os custo dos empréstimos é um problema mente promissor para toda a região.
para firmas americanas em busca de possíveis in- Se a economia brasileira há de se expandir,
vestimentos ou parceiros comerciais no Brasil. é essencial que haja fontes confiáveis de energia.
Esse alto custo atinge especialmente as firmas As previsões de racionamento de eletricidade
menores. As companhias maiores podem ter para o futuro previsível fazem com que os par-
acesso a mercados internacionais de empréstimo ceiros comerciais americanos em potencial fi-
e, se possuem rendimentos estrangeiros com os quem nervosos. Considerando sua própria expe-
quais pagam a dívida, evitam as altas taxas de ju- riência recente na Califórnia, os EUA reconhecem
ros domésticos e o custo cada vez maior de pagar a complexidade da questão e sabem que não há
dívidas externas com um real em desvalorização. solução rápida.
No comércio internacional, houve uma dolariza-
O governo em nível nacional e estadual está
ção de facto das exportações brasileiras, já que a
disposto a investir em treinamento? E quanto às
maioria das faturas é expressa em dólares (o Bra-
escolas? O setor privado pode fazer esee investi-
sil não é o único, nesse aspecto). Além disso, o
medo do retorno dos altos índices de inflação li- mento a longo prazo? Sem esse compromisso
mitou os empréstimos domésticos a prazos infe- com uma parceria entre os setores público e pri-
riores a três anos. Uma empresa americana quer vado, um potencial parceiro comercial americano
trabalhar com um parceiro brasileiro que tenha preocupa-se com as divisões sociais extremas e os
condições de se expandir. Qual é a fonte de fun- problemas associados, que só tendem a piorar.
dos para grandes investimentos no futuro por Quando lemos a declaração assinada ao fim da
parte desse parceiro? O fluxo de caixa das opera- Cúpula em Quebec, percebemos que se trata de
ções é uma fonte muito limitada. um documento que, na realidade, fala muito pou-
Um americano considerando perspectivas co sobre o comércio. Nesse sentido, a declaração
de negócios no Brasil notará deficiências na infra- de Quebec dá continuidade ao padrão estabeleci-
estrutura básica. Diz-se que as estradas ao redor do em 1994 na primeira Cúpula, em Miami. A
de São Paulo são as piores da América do Sul. Seja declaração identifica o desenvolvimento econô-
essa uma percepção errônea ou a realidade, é fa- mico como um meio de “fortalecer a democracia
lado tanto que afeta a maneira como os recursos representativa, promover boa administração,
de Piracicaba são vistos. Após anos de negligên- proteger os direitos humanos e as liberdades fun-
cia, a privatização está começando a fornecer um damentais”. Há um certo ceticismo quanto ao
bom sistema viário, que pode ser comparado ao que isso realmente significa, mas, aparentemente,
sistema interestadual dos EUA com o qual o co- a declaração que pode levar ao livre comércio nas
mércio americano conta. As rodovias atuaisnão Américas dedica-se a questões sociais. Mas aonde
darão conta do aumento no tráfego que resultará os EUA vão querer ir? É pouco provável que os
do crescimento nos mercados de manufatura. Al- homens de negócios ou negociadores americanos
gumas firmas estão encarando o desafio. Por concordem 100% com o pedido do presidente
exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce, que Fernando Henrique Cardoso, na sessão de aber-
tem a mineração como atividade principal, tam- tura da Cúpula de Quebec, de “eliminação da di-
bém opera um grande sistema ferroviário e diver- versidade injusta – a profunda desigualdade de

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renda e condições de vida tanto dentro de países integral da planta da GM. Mais do que isso, as fá-
quanto entre eles”.10 bricas seriam localizadas de forma paralela à linha
As companhias brasileiras serão capazes de de produção. Esse agrupamento de fábricas não
competir dentro da ALCA ou globalmente? As apenas eliminou muitos problemas logísticos
companhias são de classe mundial? O Brasil ainda como permitiu um processo de produção just-in-
possui altas tarifas protegendo diversas indústrias. time (JIT). A fábrica de Gravataí está produzindo
Isso mudará sob a ALCA. O Brasil é um alvo para um Celta a aproximadamente cada dois minu-
as exportações americanas ou os EUA são um alvo tos.11
para as exportações brasileiras? Quando os EUA Quantas firmas brasileiras de engenharia
consideram os benefícios da ALCA, não ficam podem participar desse ambiente? Ou o Brasil
muito empolgados com as oportunidades de co- deve simplesmente prover mão-de-obra barata
mércio oferecidas, digamos, pelo Suriname. Mes- enquanto companhias não-brasileiras na verdade
mo a população das 14 nações que constituem o acrescentam valor ao produto e enviam os lucros
Mercado Comum do Caribe (CARICOM) é me- de volta a um outro país, havendo FTAA/ALCA ou
nor do que a da área metropolitana de São Paulo. não?
Mas os EUA vêem o Brasil como um vasto mer- A mesma questão de qualidade se aplica a
cado novo para seus produtos. No momento, so- firmas brasileiras desejosas de exportar. Marcas
mente cerca de 5% das exportações americanas como a Sadia são bastante conhecidas no Brasil,
destinam-se à região latino-americana como um fornecem produtos de ótima qualidade e têm
todo, excluindo o México. Os EUA vêem uma uma grande exportação. Mas mesmo a Sadia ten-
oportunidade de expansão. O consumidor brasi- do sido cotada na Bolsa de Valores de Nova Ior-
leiro não é mais patriótico do que qualquer outro. que desde a primavera de 2001, o nome da com-
O consumidor busca qualidade e preço, e não panhia não é reconhecido pelos consumidores
uma etiqueta dizendo “indústria brasileira”. americanos. Podem as firmas brasileiras estabele-
Alguém que visite as fábricas ao redor de cer esse reconhecimento e canais de distribuição
Piracicaba poderá deparar com o século XXI e o nos EUA a fim de tornar seus produtos competi-
século XIX sob o mesmo teto. Podem ser encon- tivos? Uma firma pode ter um excelente produto
trados produtos com tecnologia de última gera- mas, se não houver uma boa maneira de torná-lo
ção protegidos por fortes patentes e com capaci- conhecido e ao alcance do consumidor, ele não
dades extraordinárias. Ao seu lado, pode-se ver sairá da prateleira. A Internet não resolve esse
uma história diferente: trabalhos em andamento problema. O e-comércio pode ser um canal de
amontoados por toda parte pedindo para se es- informação eficiente entre vendedor e compra-
tragar ou perder, ou, pior, o ciclo do tempo é me- dor, mas ainda são os caminhões, os vagões fer-
dido em meses e os fornecedores pedem prazos roviários e as barcaças que entregam os produtos.
de 180 dias para as entregas. O que aconteceu na
fábrica da General Motors em Gravataí, perto de OPÇÕES PARA O BRASIL, SEGUNDO
Porto Alegre, é um exemplo do que as firmas COMENTARISTAS NORTE-AMERICANOS
americanas passaram a esperar que aconteça em E BRITÂNICOS
países com economias em desenvolvimento. A Uma opção para o Brasil veio na forma de
General Motors convidou 60 fornecedores para ameaça velada de um antigo secretário de Estado
participar de licitacões para contratos referentes a dos EUA. Escrevendo pouco depois do encontro
várias peças do que se tornou o Celta. Uma parte da Cúpula em Quebec, Henry Kissinger vislum-
não-negociável do acordo era que os fornecedo- brava “um cenário de disputa” se o Brasil assu-
res teriam de construir suas fábricas como parte misse uma posição coerente com o discurso do

10 CARDOSO, 2001 (ênfase acrescentada). 11 BURT, 2001.

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presidente (português) do Conselho para a Em outras palavras, para usar uma expres-
União Européia, no qual ele descreveu de manei- são da língua inglesa, o Brasil deveria “saber de
ra favorável um acordo agrícola entre a União que lado do seu pão fica a manteiga”13 (saber o
Européia e o Mercosul como “construir uma que é bom para ele) e usar sua forte influência no
nova ordem mundial multipolar capaz de limitar Mercosul para convencê-lo a aceitar os planos
a hegemonia natural dos EUA”. A preocupação de americanos para o hemisfério. Kissinger ignora
Kissinger era que o Mercosul poderia se tornar um grande empecilho para o Brasil e o Mercosul
um rival comercial do NAFTA e não um parceiro, ao não mencionar as barreiras tarifárias e não-
e assim representar uma ameaça para os EUA, o tarifárias que atualmente limitam o acesso do país
que, argumentou ele, não poderia trazer benefí- aos mercados americanos.
cios para o Brasil. Kissinger alertou que “Brasil e Um estudo recente conduzido pela Câma-
Estados Unidos deviam empregar grandes ra Americana de Comércio Exterior brasileira
esforços para evitar (uma) disputa que paira no mostrou que as exportações agrícolas nacionais
horizonte”. poderiam aumentar em cerca de 8 bilhões de dó-
Segundo Kissinger, se o Brasil e o Mercosul lares se os EUA reduzissem suas barreiras aos pro-
levassem a cabo uma política de confrontação dutos agrícolas. O estudo também revelou que o
com os EUA e o NAFTA, o Mercosul perderia, já país dominaria o mercado americano de suco de
que nenhum dos países membros estaria disposto laranja se existissem condições de mercado ver-
a abrir mão de suas relações comerciais com os dadeiramente livres.14 Mas, para Kissinger, o Bra-
norte-americanos. Além disso, argumentou, os sil aparentemente não deveria forçar questões
EUA retaliariam acelerando suas negociações co- como antidumping e subsídios domésticos nos
merciais com as várias nações sul-americanas que EUA. Então, o que os EUA estão dispostos a tra-
desejam fazer negócios com o NAFTA e os EUA. zer para a mesa de negociações? Ou o pedido
O modelo de expansão do NAFTA através da ne- americano de livre comércio não passa de retóri-
gociação com países individuais na América do ca? Contudo, o fato de Kissinger escrever esse ar-
Sul e Central é atraente para muitos americanos, tigo deixa implícito que o país é vital para o su-
pois dá vantagem aos EUA em todas as discus- cesso da FTAA/ALCA.
sões. Um Mercosul forte poderia ser uma ameaça Uma outra opção é que o Brasil tome a
à posição dominante dos EUA. frente para trazer o Mercosul de volta aos trilhos.
Kissinger encerrou seu artigo com uma Ele pode convencer as três outras nações – Ar-
ameaça velada: gentina, Paraguai e Uruguai –, mais os membros
associados, Bolívia e Chile, de que seus interesses
Não há motivo para os EUA se oporem ao
a longo prazo residem no fortalecimento do
Mercosul enquanto este atuar como parcei-
Mercosul? Um Mercosul ampliado, unido e for-
ro do NAFTA no processo de criação da
talecido, possivelmente incluindo os países do
Área de Livre Comércio das Américas. Mas
vai ser outra coisa se o Mercosul, mesmo Pacto Andino, poderia ser um bloco do sul efe-
antes de plenamente formado, se transfor- tivo para negociar os detalhes da ALCA com um
mar num esforço para excluir os EUA de en- bloco forte do norte. Se o Mercosul fosse uma
tendimentos bilaterais com amigos tradi- verdadeira união alfandegária, apresentaria uma
cionais ou se adotar práticas semelhantes a frente unida nas negociações. Haverá necessidade
algumas existentes no unilateralismo que de muita tenacidade nas negociações para fazer os
surge na União Européia.12
13 “Brazil should know which side its bread is buttered on”.
12 KISSINGER, 2001. 14 Alca, 2001.

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EUA mudarem de postura quanto às tarifas sobre pois de qualquer emenda, o acordo tem de retor-
o aço, os têxteis e os produtos agrícolas. Essa op- nar aos demais 33 países da ALCA para ser apro-
ção, no norte, é considerada cada vez mais impro- vado, e o ciclo continua. Além disso, há poucos
vável. Devido a ações recentes da Argentina e a indícios além da retórica de que o presidente
falta de ímpeto, de modo geral, o Mercosul está Bush deseja fazer reduções significativas na
sendo visto como seriamente ferido e em risco de proteção a itens como produtos agrícolas, têxteis
colapso como base de onde se negociar. e aço. O embaixador brasileiro nos EUA, Rubens
Os países do Mercosul têm de confrontar Barbosa, deixou clara a posição de seu país em re-
os EUA com a aparente relutância em trazer ques- lação à autoridade de fomento no comércio.
tões sensíveis para a mesa de negociações, ou seja,
A autoridade via expressa não é necessária
importações que competiriam diretamente com nesta fase preparatória das negociações.
produtos domésticos. O discurso americano de (…) É absolutamente essencial, entretanto,
livre comércio não é consistente com o seu com- que todos os representantes governamen-
portamento. As barreiras ao livre comércio erigi- tais tenham plenos poderes de autoridade
das pelos EUA são reais e foram cuidadosamente para negociações por parte de seus países
quando começarem a negociar questões
documentadas tanto pelo Brasil quanto pela
específicas. (…) De outra forma, todos os
União Européia.15 seus países estariam negociando um acordo
Se o Mercosul pode estar seriamente ferido, sujeito a modificações futuras e mudanças
a posição americana não é tão forte quanto parece de opinião por parte do Congresso ameri-
à primeira vista. Um fator agravante é a dificul- cano, o que não é uma situação viável.16
dade experimentada pelo presidente Bush em
Enquanto os EUA têm um sistema comer-
convencer o Congresso americano a restabelecer
cial aberto, com uma baixa tarifa média, as polí-
a autoridade via expressa, agora chamada autori- ticas americanas parecem penalizar o Brasil dis-
dade de fomento do comércio. Bush esperava ter criminando um pequeno número de produtos de
essa carta na manga quando chegou a Quebec em grande potencial para as exportações brasileiras.
abril de 2001. A autoridade de fomento do co- Na introdução a um relatório recente da embai-
mércio permitiria que o presidente negociasse xada brasileira em Washington, o embaixador
acordos comerciais e os submetesse ao Congres- Barbosa alegou:
so para uma votação simples, sim-não, sem a pos-
sibilidade de emendas. Sem essa autoridade, o A retirada de barreiras pelos EUA sobre ape-
nas nove produtos brasileiros – suco de la-
presidente tem de negociar um acordo e, então,
ranja, produtos siderúrgicos, açúcar, calça-
confiar nas habilidades de persuasão sua e de seus dos, fumo, gasolina, camarão, álcool etílico e
colegas do Legislativo para obter os votos para óleo de soja em bruto – implicaria em ganho
um acordo com o mínimo de mudanças. Como para o Brasil de cerca de US$ 831 milhões, o
comentou certa vez um político americano, “toda que representaria um aumento de mais de
política é local” e será difícil obter os votos para 50% sobre o valor médio das exportações
qualquer acordo proposto que seja consistente desses produtos no período 1997-98. A per-
sistência dessas barreiras contradiz o discur-
com o rótulo de livre comércio e, assim, reduza as so liberalizante dos EUA.17
barreiras à importação de bens que representariam
uma ameaça à produção doméstica do Estado de Mas o Brasil também não está de mãos lim-
um senador ou do Distrito de um deputado. De- pas em relação a tarifas, já que sua média tarifária

15 BARBOSA, 2000; e Report on United States Barriers to 16 BARBOSA, 2001, p. 154.


Trade and Investment, 1999. 17 BARBOSA, 2000, p. 9.

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o coloca atrás apenas do Peru, entre os principais cosul. Ele acrescentou que “nada pode ser feito
países sul-americanos. Algumas nos EUA são de (em relação às condições comerciais) se um de
opinião de que o desenvolvimento do Mercosul nós, especialmente o maior dentre nós (Brasil),
como uma verdadeira união alfandegária foi obs- desvalorizar continuamente sua moeda e acentu-
truído pela relutância brasileira em seguir em ar de forma permanente o desequilíbrio de preços
frente. Tal relutância decorre, em parte, da sua na região”.18
preocupação com a perda de soberania quando, Enquanto o comércio internacional de al-
por exemplo, ao estabelecer uma organização in- guns países da América do Sul é altamente de-
dependente para resolver disputas sobre comér- pendente das exportações para os EUA, as expor-
cio, o Brasil tem de tomar uma decisão: ou assu- tações brasileiras são divididas de forma equili-
mir um papel de liderança para levar o Mercosul brada: União Européia, 27%; NAFTA, 26%;
da condição de área de livre comércio à condição América do Sul (especialmente o Mercosul),
de uma verdadeira união alfandegária e concordar 25%; Ásia: 12%. Assim, uma opção para o Brasil
que, para ganhar, é necessário também perder um isoladamente, ou preferivelmente como líder do
pouco da soberania, ou aceitar que uma área de li- Mercosul, é continuar a desenvolver laços comer-
vre comércio é o máximo que se pode alcançar. ciais mais fortes com a União Européia. Se as re-
Em abril de 2000, uma tentativa dos presidentes lações do Brasil com a Espanha, Portugal, França
dos países do Mercosul de retomar o caminho e Holanda nem sempre foram amigáveis, seus la-
em direção a uma união alfandegária fez um certo ços culturais, pelo menos na região Sul, são com
progresso. Por exemplo, um dos bens sensíveis, a Europa. Assim, pelo menos psicologicamente,
automóvel, entrará no acordo do Mercosul até uma ligação econômica com a Europa pode ser
2006, mas a falta de acordo sobre o açúcar, outro mais atraente do que operar com a ALCA.
produto sensível, permanece sem solução. Desde 1995, a União Européia e o Merco-
Um grande empecilho para o qual não há sul têm trabalhado rumo ao estabelecimento de
nenhuma solução óbvia e aceitável são as políticas uma associação inter-regional com um acordo de
macroeconômicas diametralmente opostas na livre comércio como alvo. A União Européia dei-
Argentina e no Brasil quanto ao valor das moedas xou claro que qualquer acordo teria de ser con-
nacionais. Na Argentina, o peso é fixado em pa- sistente com as regras da Organização Mundial
ridade com o dólar americano, enquanto seu vi- de Comércio. Isso significa que a agricultura –
zinho comercial, o Brasil, em janeiro de 1999 per- uma questão sensível tanto para os países da
mitiu que o real flutuasse no mercado com uma União Européia quanto para os do NAFTA – não
intervenção mínima do governo. Assim, entre poderia ser mantida fora das negociações, uma
dezembro de 2000 e maio de 2001, o real desva- vez que a OMC estabelece que os acordos devem
lorizou cerca de 1/3 em relação ao dólar. Essa abranger “substancialmente todo o comércio”
combinação de moedas fixas e flutuantes faz com (art. 24 do Acordo Geral sobre Tarifas e Comér-
que a possibilidade de funcionamento de uma cio), o que foi interpretado como sendo 90% de
área de livre comércio, e muito menos de uma todo o comércio, sem exceção de nenhum setor.
união alfandegária, seja muito difícil. Dessa forma, deveria estar mais claro, desde o iní-
Uma solução é uma moeda comum, tal cio, quais itens estão em pauta para discussão.19
como na União Européia ou como proposto para Tanto a União Européia quanto o Mercosul
o Mercado Comum do Caribe? Recentemente, têm razões para continuar as negociações e ad-
Jorge Batlle, presidente do Uruguai, país mem- quirir ímpeto após a primeira cúpula da União
bro do Mercosul, conclamou o grupo a fazer Européia-Mercosul, realizada em junho de 1999.
com que Domingo Cavallo, ministro da Econo-
mia da Argentina, projetasse um sistema de moeda 18 Mercosur Summit, 2001.
regional para cobrir ao menos o grupo do Mer- 19 BULMER-THOMAS, 2000, p. 1f.

116 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 117 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

O fato de essas negociações estarem em anda- de decisão através de consenso, empreendimento


mento dará ao Mercosul um ponto de apoio unido (não se decide sobre nada até que tudo es-
quando ele estiver negociando com os EUA (o teja decidido) e acesso ao mercado por parte de
que, a despeito de Henry Kissinger, não é neces- todos os setores”.21
sariamente uma coisa ruim). Além disso, as tran- Na FTAA/ALCA, os EUA conclamam a uma
sações entre a União Européia e o Mercosul já é parceria entre nações. Mas até que ponto o Brasil
substancial. Em termos de comércio, há um deseja ser o parceiro menos importante nessa
superávit em favor da União Européia e, em ter- nova empresa? O Brasil tem de colocar o Merco-
mos de investimento estrangeiro direto, a União sul de volta nos trilhos para oferecer uma frente
Européia já investiu no Brasil mais do que os unida e uma voz sul-americana unida e única às
EUA. Um estudo feito por Lia Valls Pereira, da duras negociações entre agora e 2005.
Fundação Getúlio Vargas, mostrou que uma liga- As nações economicamente fortes sempre
ção Brasil-União Européia provavelmente acarre- exigem o livre comércio. Foi assim com o Reino
taria um maior índice de crescimento econômico Unido no século XIX e é assim agora com os Es-
para o Brasil do que uma união com a FTAA/AL- tados Unidos. A nação forte está em busca de
CA, como atualmente se planeja.20 novos mercados. O investimento estrangeiro di-
reto é uma coisa boa, pois demonstra confiança
CONCLUSÃO no país em que se está investindo. Mas isso tem
Enquanto a declaração da Cúpula das Amé- de transitar nos dois sentidos. Mais de 400 das
ricas de abril de 2001 fala sobre estabilizar a de- 500 companhias americanas da Fortune têm ope-
mocracia e proteger os direitos humanos básicos, rações no Brasil, e para cada Gerdau que investe
cada nação, especialmente os eua, ou a União Eu- em usinas de aço nos EUA, há vinte empresas
ropéia, se esse for o caminho escolhido, tentará americanas operando no Brasil. O Brasil poderia
promover seus próprios interesses. Não se trata ver com proveito a experiência do México no
de cobiça. é apenas o modo como as negociações NAFTA. Ou quer se tornar o despejo de lixo para
comerciais funcionam. Um exemplo recente é o os produtos agrícolas subsidiados americanos e
abandono, pela administração de Bush, do Pro- ter um Wal-Mart 24 Horas em cada cidade? O
tocolo de Kyoto sobre aquecimento global. A Brasil e os demais países da América do Sul pre-
posição do Mercosul é clara. Há uma aceitação de cisam tomar cuidado para não se tornarem uma
que a negociação de um acordo será ditada por espécie de arrendatários, com os EUA detendo a
interesses nacionais e que se deverá sacrificar um maior parte dos meios de produção e o país sen-
pouco de soberania. Mas há um conjunto geral de do apenas um mero fornecedor de mão-de-obra
princípios estabelecidos: “reciprocidade, tomada barata.

Referências Bibliográficas 20 21
Alca: ganhos potenciais do Brasil na agricultura. Introd.: Giannetti da Fonseca. Brasília: Câmara de Comércio Exterior,
2001.
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www.brasilemb.org/trade/trade_barriers.htm>.

20 KARP, 2001.
21 BARBOSA, 2001, p. 153.

impulso nº 31 117
0000_Impulso_31.Book Page 118 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

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MENDONÇA DE BARROS, J.R. et al. Desafios e Oportunidades para o Mercado de Capitais Brasileiro. São Paulo: Bolsa de
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Report on United States Barriers to Trade and Investment. Bruxelas, Comissão Européia, ago./99.

Dados do autor
FRASER G. MACHAFFIE é professor de contabilidade
e gestão, Marietta College, Marietta, Ohio (EUA).

Recebimento artigo: 14/set../01


Consultoria: 9/nov./01 a 22/maio/02
Aprovado: 27/maio./02

118 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 119 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Las nociones de integración


y de supranacionalidad
en el derecho de las
organizaciones
internacionales
THE NOTION OF INTEGRATION AND
SUPRANATIONALITY IN THE INTERNATIONAL
ORGANIZATION’S RIGHTS
Resumen Las Organizaciones Internacionales ocupan un lugar destacado en la socie-
dad internacional. El modelo más avanzado de una organización de estas caracterís-
ticas y de un Derecho de integración son, sin lugar a dudas, la EU y el Derecho co-
munitario europeo. Este tipo de OI y de Derechos son los que se estudian en el pre-
sente trabajo, donde, en su primera parte, se examina la tensión existente entre sobe-
ranía e integración, centrándonos en la evolución que va de unas Constituciones
estatales a la “Constitución” de la UE, tomando como guía para ello los principios de
atribución de competencia y de primacía que nos indican hasta que punto se ha avan-
zado en el proceso de integración. En la segunda parte se examinan las semejanzas y
diferencias de dos nociones cercanas pero profundamente distintas: soberanía y su-
pranacionalidad. En relación con ello, no somos partidarios de la utilización del con- JOSE MANUEL
cepto de supranacionalidad para definir estas OI, puesto que en las mismas no se da SOBRINO HEREDIA
tal fenómeno jurídico-político. En cambio se da una integración basada en la atribu- Universidade da
ción voluntaria por parte de los estados miembros del ejercicio de la soberanía (pero Coruña, Espanha
no de la propia soberanía) a estas OI. jms@udc.es
Palabras-clave ESTADO – SOBERANÍA – INTEGRACIÓN – SUPRANACIONALIDAD –
UNIÓN EUROPEA – ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL.

Abstract International Organizations hold a notable position in the international


society. The most advanced model of an organization of these characteristics and
of an integrationist law are, undoubtedly, the EU and the European Community
Law. This kind of International Organizations and Laws are analyzed in this
work, the first part of which examines the existing tension between sovereignty
and integration, focusing on the evolution extending from some State constitu-
tions to the EU “Constitution”. In the second part of the work, the differences
and similarities of two close though completely different notions are examined:
sovereignty and supranationality. As to this, we do not support the use of the
concept of supranationality to define such International Organizations, since the
juridical-political phenomenon does not occur there. However, an integration
base on the voluntary attribution of the Member States in the exercise of their
sovereignty (but not of sovereignty itself) to those IO does occur.
Keywords STATE – SOVEREIGNTY – INTEGRATION – SUPRANATIONALITY –
EUROPEAN UNION – INTERNATIONAL ORGANIZATION.

impulso nº 31 119
0000_Impulso_31.Book Page 120 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

U
INTRODUCCIÓN
no de los rasgos más sobresalientes de la Sociedad
internacional contemporánea es la presencia y
proliferación de Organizaciones Internacionales,
esto es, de mecanismos institucionalizados de co-
operación permanente y voluntaria que dan vida a
unos sujetos independientes dotados de voluntad
propia destinados a alcanzar unos objetivos colec-
tivos. Rudimentarias y principalmente técnicas en
un principio, las Organizaciones internacionales se han ido afirmando a
lo largo del presente siglo, al ampliarse y diversificarse su campo de ac-
tuación que, en la actualidad, abarca en la práctica a la totalidad de las ac-
tividades humanas. Su multiplicación, el incremento de sus competen-
cias, no podía dejar de afectar al Orden jurídico internacional, y, en este
sentido, al no adaptarse convenientemente al Derecho internacional clá-
sico, ha propiciado la aparición de un Derecho institucional cuya lógica
postula un cierto grado de subordinación del Estado a los organismos
creados. Es, precisamente, dentro de este proceso jurídico donde surge el
Derecho de la integración.
En consecuencia, cabe observar cómo las Organizaciones Interna-
cionales han pasado a ocupar, progresivamente, un lugar significativo en
la vida internacional; y si bien ello, ciertamente, no ha supuesto el des-
plazamiento del Estado nación, que continua siendo la espina dorsal de
la Sociedad internacional, lo que sí ha hecho es, por un lado, abrir fisuras
en el monopolio que, hasta fechas recientes, ejercían los Estados en ma-
teria de subjetividad internacional y, por otro lado, cuestionar el dogma
de la soberanía absoluta del Estado. Lo que explica que el Estado miem-
bro de una Organización en proceso de integración (la UE, el Mercosur
o la Comunidad Andina) no se asemeje ya a aquel Estado nación de co-
mienzos de siglo en Europa o en América.
Las razones de ello son varias pero, por lo que ahora nos interesa,
vienen ligadas al fenómeno de la Organización internacional, esto es, de
estos nuevos sujetos internacionales que poseen una existencia jurídica
propia distinta del conjunto de los Estados que los componen. En efecto,
van a disfrutar de personalidad jurídica internacional pero, a diferencia de
los Estados, sujetos originarios y soberanos, que poseen una personalidad
plena y general, la personalidad de las Organizaciones va a estar afectada
por el principio de la especialidad que inspira todo su régimen jurídico;
es decir, va a estar limitada a los objetivos y funciones que les fueron con-
fiados, tal y como aparecen enunciados o pueden deducirse de sus trata-
dos constitutivos y han sido desarrollados en la práctica. Se trata, en su-
ma, de una personalidad funcional, que se nutre de las competencias que
les atribuyen los Estados. Los ámbitos atribuidos pueden ser más o me-
nos numerosos e importantes, sin embargo, nunca se encuentra como en
el Estado, frente a un campo de acción teóricamente ilimitado.

120 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 121 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

El reparto de competencias entre la Orga- tradicionales, mientras que la retención de determi-


nización y sus miembros es un criterio que nos nados poderes soberanos por sus Estados miem-
permite, precisamente, distinguir entre aquellas bros impiden también que puedan ser calificadas
Organizaciones internacionales – las más nume- de Estados federales. Es, en el marco de estas Or-
rosas – a las que sus Estados miembros no han ganizaciones donde se ha comenzado a hablar de
cedido el ejercicio de competencias soberanas y mecanismos supranacionales.
que se proponen simplemente instituir una coo- El modelo más avanzado de una Organiza-
peración entre los mismos y coordinar sus acti- ción de estas características y de un Derecho de
vidades con vistas a la satisfacción de unos inte- integración es, sin lugar a dudas, la Unión Euro-
reses comunes; y aquellas otras Organizaciones – pea y el Derecho comunitario europeo y, por esta
la excepción – en las que se produce una transfe- razón, voy a tomarlos como referentes a la hora
rencia real del ejercicio de competencias sobera- de examinar los aspectos que, a mi entender, des-
nas, aceptando sus Estados miembros limitar – tacan en el estudio del Derecho de la integración
aunque sólo sea en materias restringidas – sus y en el de la noción de supranacionalidad. En
competencias, sometiéndose de este modo a una efecto, el proceso de integración europeo ha
autoridad exterior y superior a los mismos que se alumbrado un peculiar Derecho de la integración,
concentra en las instituciones de la Organización, el Derecho comunitario europeo. Este Derecho
creándose de este modo unas Organizaciones in- convive dentro de los sistemas jurídicos de los
ternacionales que tienden hacia la integración o la Estados miembros con el Derecho nacional y ti-
unificación de sus Estados miembros en aquellos ene frecuentemente sus mismos destinatarios. En
ámbitos en los que se les haya transferido com- tales circunstancias se hace imprescindible saber
petencias y a las que unos las califican de Orga- que normas se aplican. Pues bien, la atribución de
nizaciones supranacionales y otros prefieren de- competencias que acompaña a este modelo de in-
nominarlas simplemente Organizaciones de inte- tegración implica necesariamente el reconocimi-
gración o en proceso de integración. ento de los efectos de los actos adoptados por las
En estas últimas Organizaciones se opera Instituciones comunitarias, de tal forma que di-
una cesión de competencias de los Estados miem- chos actos podrán tener efecto directo en el De-
bros a los órganos comunes que se caracteriza, recho interno y van a prevalecer sobre el Derecho
además, por suponer la atribución de poderes del nacional contrario. Ello nos llevará a exponer en
mismo tipo que los que resultan de las funciones las páginas que siguen, en primer lugar, la tensión
superiores de un Estado a unos órganos indepen- integración-soberanía, de la que se deriva la cues-
dientes de los Estados, y por la posibilidad que ti- tión de la aplicación efectiva de las normas comu-
enen dichos órganos de pronunciarse por mayo- nitarias en los sistemas jurídicos nacionales (a) y,
ría en caso de estar formados por representantes posteriormente, intentaré matizar las nociones de
gubernamentales (y no por unanimidad como en integración y de soberanía a fin de aplicarlas a las
las Organizaciones tradicionales), al tiempo que Organizaciones internacionales regionales que
las decisiones que adopten podrán tener, en de- hoy se encuentran en un grado más avanzado de
terminadas ocasiones, autoridad directa e inme- institucionalización (b).
diata en los órdenes jurídicos nacionales, donde,
además, se van a aplicar con carácter prevalente. INTEGRACIÓN JURÍDICA Y SOBERANÍA
Estas características nos presentan unas
Organizaciones que se sitúan entre las Organiza- De las Constituciones de los
ciones internacionales clásicas y las estructuras Estados nación a la “Constitución” de
federales. La distribución de competencias que se la Unión Europea
opera en su seno es tan profunda que no pueden Una rápida visión de la historia del conti-
equipararse absolutamente a las Organizaciones nente europeo arroja como elemento identifica-

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tivo la presencia de Estados nación, titulares ex- abrogación por el art. 19 del Tratado de Fusión de
clusivos del ejercicio de una soberanía que se es- 1965).
timaba individual, abstracta y absoluta y, en cuyo Distintos avatares internos a Europa la han
marco, la organización política de los mismos gi- ido impulsando por el camino de una progresiva
raba exclusivamente en torno a sus Constitucio- integración. Este camino nos lleva a la firma en
nes nacionales. Con el tiempo, este panorama co- Roma el 25 de marzo de 1957 de los Tratados por
menzó a transformarse, sobre todo, desde el mo- los que se crean la Comunidad Económica Euro-
mento en que se crean Organizaciones internacio- pea y la Comunidad Europea de la Energía Ató-
nales que pasan a poseer, también, el ejercicio de mica, con lo que se conforman los tres elementos
competencias soberanas. Veamos, brevemente, esenciales que sustentan la columna comunitaria
cómo se desarrolló este proceso y luego cómo se del Ordenamiento Jurídico comunitario. Desde
concretó en la actual Unión Europea. entonces el proceso de integración no ha cesado
Como es sabido, al finalizar la Segunda de avanzar, a veces más rápido otras más lenta-
Guerra Mundial la situación en el continente eu- mente, hasta ir configurando una Unión Europea
ropeo era tal que numerosas ideas federalistas que no ya solo económica (el Mercado interior único
se había ido construyendo conceptualmente en el es una realidad desde el 1.o de enero de 1993),
período de entreguerras encontraron un excelen- sino también política (merced al Tratado de Ma-
astricht del 7 de febrero de 1992), así como social
te caldo de cultivo. En efecto, en aquella Europa
(gracias al Tratado de Amsterdam del 2 de octu-
arruinada y destruida fueron germinando una se-
bre de 1997) y, en fin, monetaria (plasmado en la
rie de movimientos, conferencias y, sobre todo,
moneda única, el euro, el 1.o de enero de 1999).
Organizaciones internacionales de un modelo
La Unión Europea es la denominación con
nuevo, que inician un lento pero continuado pro-
la que se conoce la fase actual de este proceso de
ceso de integración de los pueblos europeos. La
integración europea que acabamos, brevemente,
novedad de tales Organizaciones radica en que
de esbozar. Está construida, tal como se despren-
sus Estados miembros, a través de mecanismos
de del Tratado de Amsterdam, sobre tres pilares
constitucionales internos que lo prevén, van a ce-
jurídicos: uno de naturaleza comunitaria, el con-
der a las mismas el ejercicio de parcelas de sobe-
formado por las tres Comunidades preexistentes
ranía cada vez más amplias, dando entrada, de tal
(la CECA, de 1951; la CE, de 1957; y, la CEEA, de
manera, a una nueva idea de soberanía, la de una 1957) y dos de esencia intergubernamental: la
soberanía relativa y divisible. Política Exterior y de Seguridad Común y la Co-
Este proceso, de corte inicialmente funcio- operación en materia de Justicia Penal y Policía.
nalista, sustentado en realizaciones concretas a Su misión fundamental es la de organizar
través de las cuales se fueron creando unas soli- de modo coherente y solidario las relaciones en-
daridades de hecho, se inicia el 9 de mayo de 1950 tre los Estados miembros y entre sus pueblos.
con la Declaración Schuman, en la cual el enton- Hoy en día, el número de Estados que participan
ces Ministro de Asuntos Exteriores francés anun- en este proceso de integración económica, polí-
ciaba la propuesta hecha a Alemania de creación de tica y social es el de quince, puesto que a los seis
una Comunidad Europea del Carbón y del Ace- Estados originarios que conformaban la “Pe-
ro, abierta a la participación de otros países de queña Europa” (Alemania, Bélgica, Francia, Ita-
Europa. Esta Organización vio la luz el 18 de lia, Luxemburgo y Países Bajos), se le fueron aña-
abril de 1951 y con ella aparece una nueva ex- diendo: primero, en 1973, Dinamarca, Irlanda y
presión en el lenguaje jurídico internacional, me el Reino Unido; más tarde, en 1981, Grecia; lue-
refiero a la de “supranacionalidad” recogida en el go, en 1986, España y Portugal; y, finalmente, en
art. 9, §s. 5 y 6 de su Tratado constitutivo (men- 1995, Austria, Finlandia y Suecia. Este incremen-
ción hoy desaparecida, como consecuencia de su to progresivo de Estados miembros sigue abierto

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0000_Impulso_31.Book Page 123 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

y desde 1998 se desarrollan negociaciones oficiales de investigación y desarrollo tecnológico, ambien-


para la adhesión de nuevos países europeos. A lo tal y de cooperación al desarrollo. Este corpus de
largo de la Conferencia Intergubernamental de normas se enriquece, además, con otras de natu-
2000 se discutieron las reformas necesarias en el raleza intergubernamental en los terrenos de la
marco institucional y en el proceso decisorio que cooperación en el ámbito de la Política Exterior y
deben acompañar a tal ampliación y que han sido de Seguridad común y en el de la cooperación po-
recogidas en el Tratado de Niza del 26 de febrero licial y de justicia penal.
de 2001. El Derecho comunitario se ha ido convirti-
Para alcanzar los objetivos que aparecen fi- endo, progresivamente, en el verdadero cimiento
jados en las Reglas internas de la Organización la jurídico de la construcción europea. De manera
UE cuenta con una estructura institucional donde que sin su presencia y sus características, difícil-
aparecen reflejados los diversos intereses que in- mente se hubiera avanzado en todos los frentes
tervienen en la construcción europea, y dispone, en los que la integración comunitaria europea lo
asimismo, de un Ordenamiento jurídico propio y ha hecho hasta la fecha. En este sentido, hay que
autónomo, el Derecho comunitario europeo que subrayar que las Comunidades Europeas son no
se caracteriza, como veremos, por su primacía sólo fruto del Derecho (los Tratados constituti-
con respecto a los derechos internos de los Esta- vos) sino que, además, constituyen Comunida-
dos miembros y por el efecto directo de toda una des de Derecho y la Unión Europea, fundada en
serie de disposiciones comunitarias. ellas, comparte esta naturaleza. El Derecho co-
En este sentido, las normas comunitarias munitario constituye, pues, un factor importante
no tienen como únicos destinatarios a los Esta- de integración y un rasgo diferenciador de la mis-
dos ni como objeto exclusivo las relaciones inte- ma respecto de otros modelos de Organizaciones,
restatales o los comportamientos estatales, sino como son las Organizaciones de cooperación, e,
que, además, afectan a los derechos y obligacio- incluso, de otras que inmersas también en proce-
nes de los particulares y están dirigidos a éstos, sos de integración se encuentran aún en fases me-
quienes pueden invocarlas ante los Tribunales. nos adelantadas (Mercosur o Comunidad Andi-
Por estas razones, el Derecho comunitario euro- na). Ello explica, además, que las relaciones que
peo se configura como el ejemplo más ilustrativo se dan en la UE entre sus sujetos (Estados miem-
de un Derecho de la integración, en su doble ver- bros, Instituciones y personas jurídicas y físicas)
tiente, de construcción teórico-conceptual y de se hayan legalizado en una alta medida y se encu-
realización de avances y experiencias concretas. entren bajo el control del Tribunal de Justicia de
El núcleo normativo de este Derecho de in- las Comunidades Europeas a quien compete ga-
tegración que es el Derecho comunitario cubre, rantizar el respeto del Derecho en la interpreta-
fundamentalmente, el mercado interior, con sus ción y aplicación de las normas comunitarias (art.
libertades fundamentales (libre circulación de 220 ce).
mercancías, libre circulación de trabajadores, li- Pero, además, si el Derecho comunitario
bertad de establecimiento, libre prestación de ser- constituye un verdadero Derecho de integración
vicios y libre circulación de capitales y pagos) y se debe, en buena medida, a que ha conseguido
su régimen en materia de competencia. Este mer- implantarse profundamente en la realidad jurídica
cado se complementa con unas políticas comuni- de los Estados miembros y ello es concebido, in-
tarias en los siguientes ámbitos: económico y terpretado y aplicado como una norma uniforme
monetario, agrícola, de visados, de asilo e inmi- por los ciudadanos, las administraciones y los ór-
gración, de transportes, fiscal, de empleo, comer- ganos jurisdiccionales de todos los Estados miem-
cial, social, de educación y juventud, cultural, de bros, y al hecho de que son los propios particu-
consumidores y de sanidad, de redes transeuro- lares quienes lo han invocado ante sus jueces na-
peas, industrial, de cohesión económica y social, cionales, como reconoce una reiterada jurispru-

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dencia iniciada en la STJCE del 5 de febrero de Este Derecho de integración, propio y autóno-
1963,1 lo que en parte, convierte a estos últimos mo, se crea, aplica y desarrolla gracias a que los
en unos importantes instrumentos de control de Estados miembros han consentido limitar, a fa-
la correcta aplicación de este Derecho. vor de las Instituciones comunitarias y en ámbi-
Ello ha permitido que, el propio proceso de tos específicos, el ejercicio de sus derechos sobe-
integración europeo, haya, a su vez, gestado un ranos.
Ordenamiento de corte “constitucional” autóno- En efecto, para conseguir los objetivos
mo,2 donde tienen cabida principios y normas mencionados y para desarrollar mediante unas
cuyos destinatarios no son únicamente los Esta- normas jurídicas propias y autónomas el mercado
dos y las Instituciones comunitarias, sino que, interior único y las políticas que lo complemen-
además, afectan a los derechos y obligaciones de tan, la Unión Europea tiene atribuidas una serie
los propios ciudadanos comunitarios y están dir- de funciones y de competencias. En este sentido,
igidos a éstos quienes pueden invocarlas ante sus cabe destacar a título preliminar, como la Unión
Tribunales. Mediante el mismo se regulan las re- Europea y las Comunidades europeas sobre las
laciones de todos los sujetos de la Unión Euro- que se sustenta, no gozan de competencias ilimi-
pea entre sí y con su estructura institucional, se tadas y ello a pesar de estar destinadas a la prose-
fijan los objetivos comunes, se distribuyen las cución de amplias metas y a ejercer poderes de
competencias y se establecen las reglas de juego vasto alcance, puesto que, a diferencia de los Es-
mediante las cuales se adoptan las decisiones de tados y a semejanza de las demás Organizaciones
obligado cumplimiento, aplicables directamente internacionales, no poseen, según la expresión
en los Estados miembros y con primacía sobre la tradicional, más que una simple competencia de
legislación nacional. Todo ello implica, de un atribución.
lado, los necesarios ajustes y previsiones en las Este principio aparece claramente enuncia-
Constituciones políticas de los Estados miem- do en el art. 5 del Tratado CE, donde se dice que:
bros y, de otro, supone la aparición, merced a la “La Comunidad actuará dentro de los límites de
atribución del ejercicio de competencias sober- las competencias que le atribuye el presente Tra-
anas a las Instituciones de la Unión Europea, de tado y de los objetivos que éste le asigna”.
un modelo constitucional aplicable a los Tratados Pero quién dice atribución de competencias
constitutivos de esta Organización internacional. a las Instituciones comunitarias, dice lógica-
Lo que encierra un problema jurídico: un Tratado mente, también, limitación correlativa de poderes
no es una Constitución, una Organización inter- soberanos de los Estados miembros. Este fenó-
nacional no es un Estado Federal. Aspectos que meno, definidor de los procesos de integración,
paso a examinar en el siguiente apartado. ha sido puesto de relieve por la jurisprudencia del
TJCE, donde se ha subrayado como, a diferencia
Atribución del ejercicio de de los tratados internacionales ordinarios, el tra-
competencias soberanas, tado de la CEE instituyó un ordenamiento jurídi-
integración jurídica y co propio, que al quedar integrado en el sistema
supranacionalidad
jurídico de los Estados miembros a partir de la
El proceso de integración europeo se ci- entrada en vigor del mismo, se ha impuesto a sus
menta sobre el Derecho comunitario europeo. jurisdicciones; y como, al crearse una Comuni-
dad de duración ilimitada, dotada de instituciones
1 Van Gend en Loos, 26/62, Rec. p. 1.
2
propias, de personalidad, de capacidad jurídica,
Véanse, en este sentido, los pronunciamientos del TJCE:
STJCE (23/abr./86), “Los Verdes”, 294/83, Rec. p.1339; Dic-
con capacidad de representación internacional y,
tamen C-1/91 (14/dic./91), EEE, Rec. p. I-6079; Dictamen más concretamente, de poderes efectivos que
3/94 (13/dic./95), GATT-OMC-Acuerdo marco sobre los emanan de una limitación de competencia o de
plátanos. una transferencia de atribuciones de los Estados a

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la Comunidad, éstos últimos han limitado, aun- tos actores internacionales que concentran el po-
que en esferas delimitadas, sus derechos sobera- der económico y que como consecuencia del fe-
nos y creado, de esta forma, un derecho aplicable nómeno mundializador de los mercados no re-
tanto a sus nacionales como a ellos mismos.3 paran en fronteras, ocasionando el consiguiente
El buen desarrollo de este fenómeno para- debilitamiento de aquellos elementos que la doc-
lelo de atribución de competencias y de despo- trina estima indisociables de la noción de sobe-
seimiento de poderes soberanos, debe descansar ranía: esto es, el ejercicio de las competencias y
en dos datos ineludibles y previos: uno, que los funciones de Estado con exclusividad, plenitud y
sistemas constitucionales internos de los Estados autonomía.
miembros lo permitan, esto es, que las Constitu- Es el ejercicio divisible de la soberanía lo
ciones políticas hayan preparado el terreno; y, que permite a unos Estados asociarse con otros y
dos, que dichos Estados no estén aferrados a la ceder todos parcelas de la misma para su ejercicio
doctrina de la soberanía absoluta, pues, si tal común por unas Instituciones con la finalidad de
ocurriera, sería imposible su participación en Or- alcanzar unos intereses colectivos. Ello no supo-
ganizaciones de integración. ne, ni mucho menos, negar a la soberanía su con-
Por lo que se refiere a este segundo dato, dición de elemento esencial del sistema interna-
vemos cómo la atribución de competencias – cional del que aún continúa constituyendo su cla-
vuelvo a insistir, en todo proceso de integración – ve de bóveda. Ahora bien es esta idea la que po-
descansa en una noción de soberanía alejada de la sibilita los necesarios reajustes, fusiones o
tradicional idea de una soberanía abstracta indivi- ejercicios comunes de estas competencias sobe-
dual, inalienable y absoluta. En efecto, si por so- ranas que conlleva todo proceso de integración y,
beranía entendemos – en la clásica definición del en particular, el representado por la construcción
Prof. Carrillo Salcedo – al conjunto de compe- europea.
tencias y derechos de que cada Estado indepen-
Esta noción de soberanía, al facilitar la ce-
diente es titular en sus relaciones con otros Esta-
sión del ejercicio de competencias, plantea, en
dos, cabe suponer que todo proceso de integra-
cada caso concreto, la necesidad de determinar
ción parte de la idea de la divisibilidad de su ejer-
quién, Estado o Unión Europea, posee dicho
cicio. Al respecto, podemos ver, además, cómo
ejercicio sin que se excluyan, según los casos, ni
son varios los factores que, hoy en día, están ero-
las acciones conjuntas, ni la realización por el Es-
sionando la imagen casi mítica de la soberanía;
tado de actividades subordinadas. Este procedi-
por un lado la progresiva institucionalización de
miento trae como corolario que las Instituciones
la Comunidad internacional y el consiguiente in-
cremento de las funciones atribuidas a las Orga- comunitarias no van a disfrutar siempre del mis-
nizaciones internacionales, por otro lado, la con- mo tipo de competencias y que variarán según las
figuración de un orden público internacional, acciones a desarrollar, de manera que en algunos
mediante el establecimiento de normas jurídicas ámbitos gozarán de competencias exclusivas, en
imperativas, con la consiguiente merma del rela- otros estas competencias las compartirán con los
tivismo que ha sido una característica tradicional Estados miembros y, en otros, no tendrán ningún
del Derecho internacional y que se evidencia en tipo de competencias. Además, en el caso en que
las transformaciones relativas a los derechos hu- estemos ante competencias compartidas, la actu-
manos, los crímenes internacionales, la responsa- ación comunitaria deberá efectuarse respetando
bilidad internacional del Estado etc. Y, en fin, por el principio de subsidiariedad, en el sentido de
otro lado, la presencia en algunos ámbitos, de cier- que esta actuación solo tendrá lugar cuando ra-
zones de necesidad y de eficacia así lo exijan, con-
3 STJCE, de 15 de julio de 1964, Costa c. ENEL, Rec. 1964, formándose este principio en un elemento fun-
p. 1.159. damental en los procesos de integración.

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Como se ha repetido desde la doctrina, este a las obligaciones derivadas del Tratado de adhe-
reparto de competencias evoca, evidentemente, sión. Tal obstáculo viene consagrado en una rei-
los modelos estatales federales. Pero las diferen- terada jurisprudencia del Tribunal Internacional
cias con los mismos son sustanciales, así y a dife- de Justicia, y en los arts. 26, 27 y 46 de los Con-
rencia de las Constituciones federales, los Trata- venios de Viena sobre derecho de los Tratados de
dos constitutivos de las Comunidades Europeas 1969 y 1986. En efecto, todo Estado, independi-
no contienen títulos o capítulos consagrados al entemente de sus preceptos constitucionales,
problema de la atribución de competencias. En como sujeto internacional está obligado a respe-
efecto, esta atribución no se hace por materias, tar sus compromisos internacionales, no pudien-
sino en forma de acciones a realizar, funciones a do invocar frente a otros Estados parte en el tra-
cumplir, por lo que habrá que descender a las dis- tado su propia Constitución para sustraerse a las
posiciones concretas de estos Tratados para saber obligaciones que éste le impone.
cuáles son los poderes impartidos, qué institución Por otro lado, el Derecho que regula una
es la beneficiaria, y en qué formas y condiciones Organización en proceso de integración, como
se ejercitarán dichas competencias. es el caso de la UE, no puede ser concebido como
El Derecho comunitario, Derecho de inte- un Derecho estático, sino como un Ordenamien-
gración por antonomasia, nace, pues, en virtud de to jurídico sujeto a una profunda evolución, por
atribuciones de competencias de los Estados mi- lo que todo intento de valoración del mismo
embros a las Comunidades, cuyas Instituciones debe tener en cuenta esta condicionante tempo-
pasan a ejercer efectivamente las competencias ral. Y así, al estar suponiendo este proceso una
soberanas que les han sido cedidas. En este sen- verdadera transferencia del ejercicio de compe-
tido, lo que caracteriza a la UE es que sus Estados tencias soberanas de los Estados miembros a fa-
miembros han renunciado al ejercicio de compe- vor de las instituciones comunes, en materias
tencias soberanas, y no sólo a aquellas que son re- cada vez más amplias y diversas, se le ha ido otor-
lativas a concretas materias técnicas (como ocur- gando al Ordenamiento Jurídico de la Unión Eu-
re en la generalidad de las Organizaciones inter- ropea una cada vez mayor autonomía respecto de
nacionales) sino también, y esto es lo novedoso, los Derechos nacionales y del Derecho internacio-
respecto a funciones que corresponden al ámbito nal. Tal evolución ha añadido nuevos elementos
esencial de la propia existencia en tanto Estado. de complejidad en el debate en torno a la natura-
Ahora bien, hay que advertir, antes que na- leza jurídica de esta Organización y a las caracte-
da, que se trata de una cesión voluntaria, esto es, rísticas del Derecho que viene creando.
no nos encontramos ante una imposición. En En relación con ello, cabe recordar que la
efecto, al respecto debemos partir de la propia cuestión de la naturaleza jurídica de las Comuni-
noción de Organización internacional que, como dades Europeas y de la Unión Europea, ha rete-
se sabe, la califica de asociación “voluntaria” de nido desde siempre la atención de la doctrina.
Estados creada por un tratado internacional. De Así, desde comienzos de los años cincuenta en
ello se desprende que los Estados miembros, co- que se creó la CECA, distintas respuestas han in-
nocedores de las características del Ordenamien- tentado resolver esta cuestión. Estos intentos se
to jurídico comunitario y de la Organización in- han traducido en una amplísima literatura jurídi-
ternacional al que corresponde, deciden, libre y ca, sin que se haya conseguido dar una respuesta
voluntariamente, adherirse a la Unión Europea, completa y definitiva, debido principalmente al
con ello resuelven, igualmente, obligarse por su hecho de que las Comunidades Europeas y la
Tratado constitutivo y por los actos normativos Unión Europea se encuentran inmersas, como
de sus Instituciones. A partir del momento de la señalaba, en un proceso de cambio permanente.
adhesión los Estados miembros no podrán ya in- De manera que las diferentes teorías reflejan y
vocar sus propias Constituciones para sustraerse determinan al mismo tiempo el clima y las pers-

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pectivas políticas de la época en que fueron for- del ejercicio de competencias soberanas, en par-
muladas, éste ha sido el caso de las denominadas celas que aunque cada vez son más amplias, tam-
teorías: federalista, internacionalista, supranacio- bién están, hay que decirlo, perfectamente deli-
nalista o funcionalista, entre otras que, a mi en- mitadas en la mayor parte de los casos.
tender, han sido superadas por el propio proceso Ello nos acercaría a otra idea de supranacio-
de construcción europea que no puede encerrarse nalidad que implicaría, en la línea de una corriente
en ninguno de estos modelos histórico-teóricos. doctrinal, la existencia de una estructura integra-
Lo que me parece indudable es que la Uni- da por Estados distintos que mantienen la titula-
ón Europea no constituye una Federación y que ridad de sus soberanías, pero dotada también de
en el horizonte no se vislumbran unos Estados órganos propios, cuyas decisiones se imponen a
Unidos de Europa, por utilizar una expresión los Estados miembros, más precisamente, que ti-
muy querida por los federalistas de entreguerras. enen efecto directo en el territorio de los Estados
Eso sí, nos encontramos ante un modelo original y que, en caso de colisión, prevalecen sobre las
de Organización internacional, que se aleja de las normas dictadas por los Estados. Esto es, una es-
Organizaciones internacionales clásicas o de co- tructura propia de una Organización que se en-
operación y al que algunos han denominado “Or- cuentra en proceso de integración. Ahora bien, es
ganización supranacional”, si bien yo prefiero ca- un proceso de integración singular que, además,
lificarla, simplemente, de Organización de inte-
se aleja de otros modelos similares que se desar-
gración, o utilizando un paralelismo con la fór-
rollan en otras partes del mundo y, en particular,
mula antes mencionada, unos Estados Integrados
en América Latina.
de Europa.
Integración y supranacionalidad en sentido
Sus particularidades derivan de la circuns-
de supraestatalidad, son expresiones cercanas
tancia de que se trata, como dijera el juez Pesca-
tore, de una organización que es, ante todo, una pero no sinónimas. Puesto que la integración no
organización integradora de Estados, y no, como exige la renuncia por parte de los Estados miem-
el Estado una organización integradora de indivi- bros a su soberanía, solamente precisa que éstos,
duos. Idea que parece también inspirar la conoci- en virtud de dicha soberanía, cedan voluntaria-
da Sentencia del Tribunal Constitucional Ale- mente el ejercicio de la misma a la Organización
mán, del 12 de octubre de 1993, cuando afirmaba de que se trate. Supranacionalidad en tanto supra-
que el Tratado de Maastricht de 1992, que estaba estatalidad, significaría, en cambio, que estamos
examinando, sería el fundamento de una unión más allá de una mera cesión del ejercicio de la so-
cada vez más estrecha de los pueblos de Europa, beranía, y que aparecen nuevos entes internacio-
organizados en Estados, pero no de un Estado ci- nales por encima de los Estados dotados de so-
mentado en un pueblo europeo. beranía. Por mi parte, yo pienso que tal cosa no se
Ello nos aleja, a mi juicio, de la idea de su- produce por lo que respecta a la Unión Europea,
pranacionalidad entendida como sustento de un por lo que prefiero hablar, hoy por hoy, de un
Super-Estado, esto es, en tanto que fenómeno ju- proceso de integración, sustentado en la primacía
rídico que supone la creación de un nuevo sujeto del Derecho comunitario y en la eficacia directa
internacional dotado de soberanía y, además, su- de sus normas. Aunque no descarto que, una vez
perior a los entes Estatales que lo componen (que agotada la técnica integradora, sea necesario pasar
por ello deberían, en el plano internacional, per- a otra fase nueva que precisaría de la elaboración
der soberanía y, consiguientemente, uno de los de una verdadera Constitución europea y, en este
elementos constitutivos de la noción de Estado). sentido, cincuenta años de aplicación de la men-
Pero esto creo que no ocurre ni tiene por qué cionada técnica parecen mostrar que ésta ya no es
ocurrir en relación con la UE, donde a lo que más suficiente para hacer avanzar el proceso de cons-
se ha llegado es a la cesión no de la soberanía sino trucción europeo, lo que explica la emergencia de

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nuevas – tal vez no tan nuevas – manifestaciones peo”, el Consejo de Ministros sea transformado
a favor de modelos federales para Europa. en una “Cámara de Estados” (según el modelo
Al comenzar a mostrar señales de fatiga el del Bundesrat), el Parlamento Europeo con com-
proceso de integración se multiplican las reflexi- petencias plenas en materia presupuestaria, y la
ones en torno a la federalización en Europa. Este devolución de ciertas competencias a nivel naci-
nuevo proceso se sustentaría en un “Tratado- onal, especialmente en el ámbito de las políticas
Constitución” que, por ejemplo, en el pensami- regional y estructural.
ento del Ministro de Asuntos Exteriores alemán,
Joschka Fischer, debería sustentarse en los Esta- INTEGRACIÓN Y SUPRANACIONALIDAD
dos nación sin reemplazarlos. Tan difícil ecuación
se sustentaría sobre el reparto de soberanía entre La aplicación del Derecho de
Europa y los Estados Nación a través de la apli- integración en el sistema jurídico
cación del principio de subsidiariedad, al que se le nacional de los Estados miembros
daría rango constitucional. Según estas ideas, las La participación de un Estado en una Or-
Instituciones deberían representar tanto a los Es- ganización internacional significa, necesariamen-
tados Nación como a los ciudadanos europeos, te, que en su sistema jurídico interno van a co-
estableciendo, por ejemplo, en el Parlamento Eu- menzar a coexistir normas nacionales y normas
ropeo dos cámaras, una formada por diputados de la Organización y que al tener, con frecuencia,
elegidos por los ciudadanos y otra por senadores el mismo destinatario éstas podrán entrar en co-
extraídos de los Estados miembros, o un presi- lisión. Ello plantea problemas relacionados con la
dente de la Comisión elegido mediante sufragio recepción de las decisiones elaboradas por la Or-
directo por los ciudadanos etc. ganización y con el lugar que éstas ocupan en los
Estos planteamientos, no muy alejados de ordenamientos jurídicos internos. En este senti-
otros efectuados por personalidades europeas do, la aplicación directa y prevalente de la norma
como H. Schimdt, V. Giscard o J. Delors, retoma comunitaria sobre la nacional es uno de los fac-
la idea de una Federación de Estados Nación sus- tores que mejor permiten valorar el grado de ma-
tentada en un núcleo reducido de países, puesto durez jurídica alcanzado por un proceso de inte-
que, lógicamente, habrá países europeos que no gración.
quieran o no estén en condiciones de participar Por lo que se refiere a la recepción de las de-
completamente en una aventura jurídico-política cisiones creadas por las Organizaciones interna-
de tal envergadura. De este modo se apunta hacía cionales en los sistemas jurídicos internos de los
la utilización del mecanismo introducido por el Estados miembros hay que destacar, para comen-
Tratado de Maastricht de 1992, consistente en la zar, que en los procesos de integración la teoría
Cooperación reforzada, de manera que un grupo que impera es la denominada teoría monista. Re-
más o menos pequeño de países la llevarían a cordemos al respecto que el Derecho internacio-
cabo y en su marco elaboraría un nuevo Tratado nal no determina las condiciones en que la incor-
que a su vez constituiría el núcleo de la futura poración de las normas internacionales ha de pro-
Constitución de la Federación, en la que se pre- ducirse da, como es sabido, libertad al Estado
verían instituciones propias, tales como Gobier- para ello (principio de autonomía institucional),
no con un Presidente directamente elegido por pudiendo éste adscribirse a una de las dos grandes
los ciudadanos y un Parlamento bicameral. corrientes que se dan en la práctica: la dualista:
Más recientes son los planteamientos del para la que orden internacional y orden interno
Canciller Schröder que recoge la necesidad de son sistemas jurídicos separados e independien-
una reforma radical de las Instituciones de la UE tes que coexisten paralelamente como comparti-
y donde se propone, en concreto, que la Comi- mentos estancos, de manera que para que un Tra-
sión Europea se convierta en un “gobierno euro- tado produzca efectos internos es necesario que

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el Estado retome sus disposiciones en una norma de recepción dualista por lo que se refiere a las
nacional o las introduzca en el orden nacional a normas internacionales, pero deben descartarlo
través de una fórmula jurídica que opere la recep- cuando se trata de normas comunitarias, en cuyo
ción. En ambos caos se produce una “naciona- caso la concepción monista se impone, como re-
lización” de la norma internacional siendo aplica- coge la generalidad de la doctrina, con las siguien-
da por el juez en calidad de regla nacional. Al tes consecuencias:
contrario, la concepción monista se basa en la • el Derecho comunitario se integra de pleno
unidad del ordenamiento jurídico. La norma in- derecho en el orden interno de los Estados mi-
ternacional se aplica de manera inmediata, en tan- embros, sin necesidad de ninguna fórmula es-
to tal, sin recepción ni transformación en el or- pecial de introducción;
den interno de los Estados parte en el Tratado. • las normas comunitarias ocupan su lugar en el
Éste se integra en el sistema de reglas que deben orden jurídico interno en calidad de derecho
aplicar los Tribunales nacionales, y sus prescrip- comunitario;
ciones son válidas ante ellos en su condición ori- • los jueces nacionales tienen la obligación de
ginaria de reglas internacionales. aplicar el Derecho comunitario.
La concepción monista es, por lo que co- Desde este planteamiento monista, el De-
mentamos, la única vía compatible con el sistema recho comunitario forma parte del Derecho que
jurídico de una Organización de integración, en se aplica por y en cada Estado miembro, pero no
la que a sus Instituciones se les ha atribuido el se confunde con el Derecho interno; el juez
ejercicio de competencias soberanas en el terreno cuando lo aplica o interpreta lo hace teniendo
legislativo. Si nos referimos al Derecho comuni- presente su naturaleza de Derecho comunitario.
tario europeo, vemos cómo éste se integra en el De manera que cuando las Instituciones comu-
sistema jurídico de los Estados miembros, lo que nitarias ejercen las competencias atribuidas lo ha-
supone que en el interior de cada Estado miem- cen en respeto a los Tratados debiendo atenerse a
bro coexisten el Derecho comunitario y el Dere- los procedimientos de producción normativa es-
cho interno, cada uno con su propia autonomía.4 tablecidos en las normas comunitarias y a la con-
De manera que el Derecho comunitario no es secución de los objetivos establecidos en las mis-
Derecho nacional, pues aunque integrado en el mas. En este sentido, la entrada en vigor, la pu-
sistema jurídico nacional, tal integración se pro- blicación y los efectos jurídicos de la norma co-
duce sin que aquél pierda su naturaleza específica munitaria se rigen, asimismo, por los Tratados y
original de Derecho comunitario. no por el Derecho de los Estados miembros; lo
Esta idea es la que inspira a la doctrina ju- mismo ocurre con el sistema de recursos contra
risprudencial comunitaria en la materia desde la los actos de las Instituciones, que es el previsto en
ya lejana Sentencia Costa c. ENEL de 1964, cuan- los Tratados, correspondiendo al TJCE la compe-
do el TJCE afirmaba que: “a diferencia de los tra- tencia exclusiva en la materia.
tados internacionales ordinarios, el Tratado de la El Derecho comunitario europeo al aplicar-
CEE ha instituido un orden jurídico propio inte- se en los Estados miembros no pierde su natura-
grado en el sistema jurídico de los Estados miem- leza comunitaria, pero ello no significa que cons-
bros desde la entrada en vigor del Tratado, y que tituya un derecho ajeno o extranjero al sistema
se impone a sus jurisdicciones”. jurídico de dichos Estados, sino que es Derecho
De este modo, los Estados miembros pue- propio de cada uno de ellos, tanto como lo es su
den, respecto del Derecho internacional, como Derecho nacional. Si es Derecho propio de cada
así ocurre en algunos casos, conservar un sistema uno de los Estados miembros, significa que se
aplica en su Sistema jurídico junto a las normas
4STJCE de 5.2.63, Van Gend en Loos, 26/62, 17.12.70, Inter- nacionales; pero, como ocurre que ambos Orde-
nationale Hadesgessellschaft; 6.10.82, CILFIT, 283/81. namientos, el nacional y el comunitario, al coe-

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xistir en el interior de cada Estado miembro, tie- • la norma comunitaria ocupa en el orden inter-
nen unos mismos destinatarios, las personas físi- no un lugar con rango de prioridad sobre las
cas y jurídicas, frecuentemente va a generarse, normas nacionales: primacía;
como ya adelantaba, una relación entre la norma • el Estado puede incurrir en responsabilidad
comunitaria y la norma nacional. En tales casos, por los daños causados a los particulares cuan-
los principios fundamentales que rigen las relacio- do incumpla con las obligaciones que le in-
nes entre el Derecho comunitario y los Derechos cumben en virtud del Derecho comunitario.
internos de los Estados miembros no se encuen- Las consecuencias derivadas de este princi-
tran, como es sabido, expresados en los Tratados pio van a ser que las normas comunitarias de
constitutivos de las Comunidades Europeas, sino efecto directo en tanto parte integrantes, con
que han sido identificados y formulados por el rango de prioridad, del ordenamiento jurídico
Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas aplicable en el territorio de cada uno de los Esta-
a través de una construcción jurisprudencial ba- dos miembros, deberán ser aplicadas apenas en-
sada fundamentalmente en los caracteres y obje- tran en vigor, a pesar de la eventual preexistencia
tivos propios de las Comunidades Europeas y de de una ley nacional incompatible, y durante todo
su ordenamiento jurídico. el período en el que siguen en vigor, a pesar de la
Los cimientos de esta construcción juris- adopción ulterior de una ley incompatible.
prudencial ya clásica, generalmente considerada El que estos principios no queden en letra
como un elemento esencial del acervo comunita- muerta depende de la actitud de la administración
rio, están constituidos por el efecto directo (que y, sobre todo, de los órganos jurisdiccionales na-
supone básicamente la aptitud de las normas co- cionales a los que atañe, en su ámbito de compe-
munitarias para crear, sin necesidad de ningún tencia territorial y funcional, la aplicación de las
complemento normativo de Derecho interno, si- normas comunitarias según la interpretación da-
tuaciones jurídicas subjetivas) y la primacía del das a éstas por el Tribunal de Justicia y la tutela de
Derecho Comunitario sobre el Derecho interno los derechos subjetivos conferidos por dichas
de cualquier rango (Dictamen del TJCE de 14 de normas, garantizando de este modo la plena efi-
diciembre de 1991, sobre el Proyecto de Acuerdo cacia del Derecho comunitario, en caso de con-
sobre la creación de un EEE, 1/91, Rec. p. -6079). flicto, sobre el Derecho interno. En un Derecho
A estos principios ya clásicos hay que añadir, a la como el comunitario, que se integra en el sistema
luz de la jurisprudencia más reciente, el de la res- jurídico de los Estados miembros, y cuyos desti-
ponsabilidad del Estado por daños causados a natarios no son sólo los Estados y las Institucio-
particulares como consecuencia de la violación nes sino también los particulares, quienes pueden
del Derecho comunitario (STJCE, de 19 de novi- invocarlo ante sus jurisdicciones, es imprescindi-
embre de 1991, Francovich y Bonifaci, C-6/90 y ble que los jueces nacionales participen en la apli-
C-9/90, Rec. p. I-5357). cación judicial del mismo. A ellos corresponde,
En suma, los principios que inspiran las re- en virtud del principio de cooperación estableci-
laciones entre ambos ordenamientos jurídicos, do en el art. 10 Tratado ce, proporcionar la pro-
podrían resumirse de la siguiente forma: tección jurídica que se deriva para los justiciables
• la norma comunitaria adquiere automática- del efecto directo de las disposiciones del Dere-
mente estatuto de derecho positivo en el orden cho comunitario (STJCE de 19/jun./90, Factorta-
interno de los Estados: aplicabilidad inmediata me, c-2 13/89).
(no precisa de un acto de “nacionalización”); Esto añade una característica diferenciadora
• la norma comunitaria es susceptible de crear, al Derecho comunitario europeo respecto de
por ella misma, derechos y obligaciones para otros Ordenamientos jurídicos de Organizacio-
los particulares: efecto directo (quienes pue- nes internacionales. En este sentido, un elemento
den invocarla ante sus tribunales); jurídico propio a un proceso avanzado de inte-

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gración es que los jueces nacionales se transfor- nacional se convierta en juez comunitario y ga-
man en jueces naturales u ordinarios del Derecho rantice el cumplimiento de las normas que con-
comunitario, lo que les convierte en una pieza forman este Ordenamiento.
clave a la hora de garantizar la aplicación del Or- Como vengo repitiendo, la incorporación
denamiento comunitario. Ello no significa que al de un Estado a una Organización de integración,
incorporarse un Estado a la UE deba adaptar su pongamos la Unión Europea, conlleva la atribu-
estructura jurisdiccional, tal proceder no es nece- ción del ejercicio de ciertas competencias sobera-
sario si recordamos como los Tratados constitu- nas a la misma, entre ellas las legislativas. A partir
tivos consagran el principio de respeto de la iden- de este momento, en el Derecho interno de cada
tidad de los Estados miembros, ésto es de la au- Estado miembro conviven el Derecho nacional y
tonomía institucional del mismo. Ahora bien, el el Derecho comunitario; el primero rige y despli-
juez nacional se convierte en juez comunitario y ega sus efectos en el ámbito de los poderes que el
por tanto debe aplicar, conforme a esta naturale- Estado se ha reservado al concluir el Tratado de
za, el Derecho comunitario. adhesión; el segundo interviene plenamente en el
De la doctrina sentada por la jurisprudencia nuevo ámbito jurídico al que se ha incorporado el
del TJCE se extrae la importancia que se le atri- Estado al concluir el citado Tratado, de manera
buye en el sistema judicial comunitario al juez na- que en éste último las normas que deberán ser
cional, al permitirle controlar la “comunitarie- aplicadas son las normas comunitarias. Estamos,
dad” de su legislación nacional, que modifica de de este modo, frente a lo que se conoce como la
hecho el sistema constitucional de los Estados teoría de los dos Ordenamientos, distintos pero
miembros, máxime cuando el Tribunal de Lu- coordinados, que goza de gran predicamento en
xemburgo invita a “todo juez nacional compe- la doctrina y apoyo en la jurisprudencia del Tri-
tente” a dejar inaplicada “por su propia autori- bunal de Justicia de las Comunidades Europeas.
dad”, cualquier ley estatal, incluso posterior, in- Según esta teoría, la Constitución se aplica-
compatible con el Derecho comunitario, sin que rá en los ámbitos en que el Estado ha reservado
tenga que pedir o esperar su eliminación previa, su competencia y en los restantes regirá, en cam-
por vía legislativa o por cualquier otro procedi- bio, el Derecho comunitario. Ello exige que todo
miento constitucional.Este papel de juez de de- Estado deba adecuar su Constitución (expresión
recho común que desempeña el juez nacional, al de la voluntad soberana de los pueblos y funda-
que le incumbe la aplicación judicial de las nor- mento de la adhesión a una Organización inter-
mas comunitarias, le viene atribuido por el Dere- nacional) antes de entrar en la UE a fin de permi-
cho comunitario y no por el Derecho constitucio- tir al Derecho comunitario que despliegue la to-
nal del Estado miembro. De manera que su actua- talidad de sus efectos, y si esto ocurre, no tendrá
ción, dejando inaplicada una norma nacional con- por qué darse un conflicto entre la Constitución
traria al Derecho comunitario, no constituye una y el Derecho comunitario, puesto que al aplicarse
actividad de control de la constitucionalidad de la en espacios jurídicos distintos, no se producirá
misma. Ya que aquella inaplicación se efectúa en colisión ni habrá que resolver cuestiones de jerar-
un marco “paraconstitucional”, esto es, fuera del quía.
ámbito cubierto por la Constitución; si esto no La validez de los Tratados constitutivos de
fuera así, el único control posible sería el efectua- las Comunidades Europeas y de la Unión Euro-
do por el Tribunal Constitucional, lo que de he- pea, así como cualquier posterior revisión de los
cho no ocurre. En efecto, la aplicación judicial del mismos, precisa de un fundamento constitucio-
Derecho comunitario sólo tiene lugar en los ám- nal en cada uno de los Estados miembros. En este
bitos en los que, voluntariamente, el Estado mi- sentido, las Constituciones de los Estados miem-
embro cedió el ejercicio de sus competencias so- bros prevén la existencia de “cláusulas de apertu-
beranas y al cederla posibilita que en ellos el juez ra” que permiten su integración en estructuras

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políticas de integración dotadas de autoridad supe- Constitución de Portugal). E, inclusive, en algu-


rior e independientes de los mismos y que signifi- nos casos, en especial en el de aquellas Constitu-
can la cesión de competencias constitucionales. ciones que sufrieron alguna revisión con ocasión
De este modo, observamos que existen del complejo proceso de ratificación del Tratado
Constituciones que contienen cláusulas genéricas de la Unión Europea de 1992, además de mencio-
habilitando al Estado para concertar, en condici- narse estos principios se hace referencia a la perte-
ones de reciprocidad muchas veces, limitaciones nencia a la UE y al compromiso sobre su progresi-
de soberanía, bien para asegurar la paz y la justicia vo desarrollo (art. 88 de la Constitución francesa;
en el orden internacional (Preámbulo de la Cons- arts. 23 y 24 de la Constitución alemana).
titución Francesa de 1946; art. 11 de la Constitu- Estas afirmaciones hacen suponer que en la
ción italiana), bien para transferir a instituciones eventualidad de una retirada de estos países de la
internacionales derechos de soberanía (art. 24 de UE, lo que siempre es posible dada la naturaleza
la Constitución de Alemania), bien para transferir de Organización internacional de la misma, sería
competencias legislativas, ejecutivas y judiciales ahora necesario llevar a cabo una previa reforma
(art. 67 de la Constitución holandesa; art. 49 bis de constitucional que lo permitiera, lo que no hace
la Constitución de Luxemburgo), o poderes de- más que ahondar el proceso de integración y re-
terminados (art. 25 bis de la Constitución belga). afirmar la construcción europea.
En esta línea de habilitación genérica, hay
Constituciones que autorizan la delegación de Cercanía y lejanía jurídica de
poderes derivados de la propia Constitución (art. dos nociones no intercambiables
92 de la Constitución de Austria; art. 20 de la
Con frecuencia se observa cómo los tér-
Constitución de Dinamarca), o que atribuyen a
minos integración y supranacionalidad se utilizan
Organizaciones o instituciones internacionales el
ejercicio de competencias derivadas de la Cons- indistintamente para caracterizar procesos, dere-
titución (art. 93 de la Constitución española) o, chos y Organizaciones internacionales que con-
en fin, que atribuyen a órganos de Organizacio- templan la atribución del ejercicio de competen-
nes internacionales competencias previstas en la cias soberanas de los Estados a unas Instituciones
Constitución y para aceptar restricciones o limi- comunes. Y, particularmente, se asiste a una rei-
taciones de soberanía (art. 28, 2 y 3 de la Cons- terada utilización de la expresión “supranacional”
titución de Grecia). para referirse a ciertas Organizaciones que como
En todos estos supuestos, la realización la Unión Europea o, más correctamente, las Co-
práctica de los mismos precisa de técnicas legis- munidades europeas, se encuentran en un avan-
lativas con quórum muy reforzados (leyes orgá- zado estado de integración.
nicas, en el caso español) o incluso de aprobación Ahora bien, con las técnicas jurídicas actu-
por referéndum (en el caso danés cuando se dan ales, con los procedimientos jurídicos y políticos
ciertas condiciones previas). utilizados por estas Organizaciones europeas no
Pero, además, con los avances del proceso cabe, en mi opinión, hablar de supranacionalidad.
de integración europea, observamos cómo ciertas Conviene, pienso, efectuar ciertas precisiones
Constituciones de los Estados europeos están in- que permitan resituar ambas nociones, integraci-
troduciendo nuevas técnicas, que introducen ma- ón y supranacionalidad, dentro del Derecho de
tizaciones a estas cláusulas de habilitación gené- las Organizaciones internacionales, para así po-
rica, así en algunas de ellas se reconocen expresa- der comprender mejor qué es la UE y qué alcance
mente los rasgos fundamentales del Derecho co- tiene el Derecho comunitario, así como para
munitario y, especialmente, su primacía (por también entender mejor otras Organizaciones
ejemplo, art. 29 de la Constitución de Irlanda; internacionales que, en la estela jurídica de la UE,
art. 94 Constitución de Holanda; art. 8.3 de la van también construyendo sus propios procesos

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de integración, como sería el caso, por ejemplo, da de autoridad superior e independiente de


de la Comunidad Andina o del Mercosur. los mismos;
En este sentido, las líneas que siguen pre- • lógicamente, las Constituciones se verán afec-
tenden ofrecer de manera sintética lo que, a mi tadas por este proceso de integración en cuan-
juicio, es un proceso de integración y en qué se to limita los poderes del Estado (no la legiti-
diferencia de un proceso supranacional. midad del poder) y hace de la norma
En primer lugar, y desde la perspectiva del comunitaria norma prevalente sobre la estatal
Derecho, un proceso de integración supone que y convierte al juez nacional en juez ordinario
los Estados atribuyen el ejercicio de competencias del Derecho comunitario.
soberanas a un nuevo sujeto internacional: la Or- En segundo lugar, estos procesos de inte-
ganización internacional de integración. De esta gración, sin desplazar al Estado nación como
afirmación se desprenden varias consecuencias: centro de la Sociedad internacional, se añaden a
• la cesión que se opera es la del ejercicio de otros fenómenos internacionales que cuestionan
competencias soberanas, no la de la soberanía; radicalmente el tradicional dogma de la soberanía
• la cesión del ejercicio de competencias se efec- absoluta del Estado. En este sentido, alteran la fi-
sonomía del Estado y coadyuvan a alejarlo del
túa mediante atribución y no a través de una
modelo de Estado nación de comienzos del Siglo
transferencia de soberanía, por consiguiente,
XX, dando entrada, de esta forma, a una nueva
no se trata de un acto jurídico definitivo;
idea de soberanía, la de una soberanía relativa y
• que este nuevo sujeto, en nuestro caso, la Or- divisible, e incorporando al lenguaje jurídico una
ganización de integración, disfruta de perso- nueva expresión, la de “supranacionalidad”. De
nalidad jurídica internacional, pero a diferencia todo ello cabe extraer ciertas conclusiones:
de los Estados esta personalidad no es univer- • el principio de atribución de competencias so-
sal sino que es funcional, esto es, se ve limitada bre el que descansa toda Organización de in-
a la consecución de los objetivos fijados en las tegración toma como punto de partida una
“reglas de la Organización” (art. 2 del Convenio noción de soberanía alejada de la tradicional
de Viena sobre el Derecho de los Tratados entre idea de una soberanía abstracta individual, ina-
Estados y Organizaciones Internacionales o en- lienable y absoluta;
tre Organizaciones Internacionales de 1986); • de este modo, si por soberanía entendemos,
• que es, precisamente, para alcanzar dichos ob- como veíamos, al conjunto de competencias y
jetivos para lo que los Estados miembros le derechos de que cada Estado independiente es
atribuyen el ejercicio de competencias sobera- titular en sus relaciones con otros Estados, la
nas; de lo que se deduce que esta cesión del posibilidad de dividir el ejercicio de estas com-
ejercicio de competencias soberanas se realiza petencias y derechos es lo que permite el fun-
en determinadas materias de interés común cionamiento de una Organización de integra-
decididas libremente por los Estados miem- ción;
bros en forma convencional; • es, precisamente, el ejercicio divisible de la so-
• para que esta cesión se acomode conveniente- beranía, lo que lleva a y posibilita que unos Es-
mente al Ordenamiento jurídico de los Esta- tados se asocien con otros y que creen Insti-
dos miembros es aconsejable, sino necesario, tuciones comunes para alcanzar unos intereses
que esta cesión tenga un fundamento consti- colectivos;
tucional. Esto es, que las Constituciones de • esta noción de soberanía, al facilitar la cesión del
los Estados miembros contengan “cláusulas ejercicio de competencias, plantea, en cada caso
de apertura” que posibiliten la integración de concreto, la necesidad de determinar, quién, Es-
estos Estados en una estructura política dota- tado u Organización internacional, posee di-

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cho ejercicio sin que se excluyan, según los ca- de adhesión (tal obstáculo viene consagrado
sos, ni las acciones conjuntas, ni la realización en una reiterada jurisprudencia de la Corte In-
por el Estado de actividades subordinadas. ternacional de Justicia, y en los arts. 26, 27 y 46
Este procedimiento trae como corolario que de los Convenios de Viena sobre derecho de
las Instituciones comunitarias no van a disfru- los Tratados de 1969 y 1986).
tar siempre del mismo tipo de competencias y Por fin, en tercer lugar, la importancia de las
que variarán según las acciones a desarrollar, competencias atribuidas a la Organización, la in-
de manera que en algunos ámbitos gozarán de dependencia de sus instituciones, la autonomía
competencias exclusivas, en otros estas com- del Derecho comunitario, convierten a estos pro-
petencias las compartirán con los Estados mi- cesos en unos fenómenos institucionales nuevos
embros y, en otros, no tendrán ningún tipo de y excepcionales dentro del panorama internacio-
competencias; nal. Ello ha llevado a discutir sobre su naturaleza
• este reparto de competencias evoca, evidente- jurídica, a defender posturas enfrentadas y a in-
mente, los modelos estatales federales. Pero terrogarse sobre el alcance de nociones complejas
las diferencias con los mismos son sustanciales, como integración y supranacionalidad. En relación
así y al contrario de las Constituciones fede- con ello se pueden presentar las siguientes refle-
rales, los Tratados constitutivos de las Organi- xiones:
zaciones de integración no contienen títulos o • es indudable que una Organización de integra-
capítulos consagrados al problema de la atri- ción, véase la Unión Europea, no constituye
bución de competencias. En efecto, esta atri- una Federación, ni en el horizonte se vislum-
bución no se hace por materias, sino en forma bran unos Estados Unidos Andinos. Eso si,
de acciones a realizar, funciones a cumplir, por nos encontramos ante un modelo original de
lo que habrá que descender a las disposiciones Organización internacional, que se aleja de las
concretas de estos Tratados para saber cuáles Organizaciones internacionales clásicas o de
son los poderes impartidos, qué institución es la cooperación y al que algunos han denominado
beneficiaria, y en qué formas y condiciones se “Organización supranacional”, y otros la han
ejercitarán dichas competencias; calificado, simplemente, de Organización de
• las Organizaciones de integración se funda- integración, o utilizando un paralelismo con la
menta pues, en una cesión voluntaria de com- fórmula antes mencionada, unos Estados In-
petencias por parte de sus Estados miembros; tegrados Europeos;
esto es, no nos encontramos ante una imposi- • sus particularidades derivan de la circunstancia
ción. En efecto, toda Organización internaci- de que se trata de una Organización que es,
onal es una asociación “voluntaria” de Estados ante todo, una organización integradora de
creada por un Tratado internacional. De ello se Estados, y no, como el Estado una organiza-
desprende que los Estados miembros, conoce- ción integradora de individuos;
dores de las características del Ordenamiento • lo que nos aleja de la idea de “supranacionali-
jurídico comunitario y de la Organización in- dad” entendida como sustento de un Super-
ternacional al que corresponde, deciden, libre Estado, esto es, en tanto que fenómeno jurí-
y voluntariamente, adherirse a la Organización; dico que supone la creación de un nuevo su-
con ello resuelven, igualmente, obligarse por jeto internacional dotado de soberanía y, ade-
su Tratado constitutivo y por los actos norma- más, superior a los entes Estatales que lo
tivos de sus Instituciones. A partir de este mo- componen (que por ello deberían, en el plano
mento, los Estados miembros no podrán ya internacional, perder soberanía y, consiguien-
invocar sus propias Constituciones para sus- temente, uno de los elementos constitutivos
traerse a las obligaciones derivadas del Tratado de la noción de Estado);

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• pero esto no ocurre ni tendría por qué ocurrir las normas que deberán ser aplicadas son las
en relación con la Unión Europea, donde a lo normas comunitarias;
que más se ha llegado es a la atribución (que • estamos, de este modo, frente a lo que se co-
no transferencia) no de la soberanía sino del noce como la teoría de los dos Ordenamien-
ejercicio de competencias soberanas, en parce- tos distintos pero coordinados. Según esta te-
las que, aunque cada vez son más amplias, oría, la Constitución se aplicará en los ámbitos
también están, hay que decirlo, perfectamente en que el Estado ha reservado su competencia
delimitadas en la mayor parte de los casos; y en los restantes regirá, en cambio, el Dere-
• ello nos acercaría a otra idea de “supranacio- cho comunitario. Ello exige que todo Estado
nalidad” que implicaría la existencia de una es- adecue su Constitución (expresión de la vo-
tructura integrada por Estados distintos que luntad soberana de los pueblos y fundamento
mantienen la titularidad de su soberanía, pero de la adhesión a una Organización internacio-
dotada también de órganos propios, cuyas de- nal) antes de entrar en la misma, a fin de per-
cisiones se imponen a los Estados miembros y, mitir al Derecho comunitario que despliegue
más precisamente, que tienen efecto directo la totalidad de sus efectos, y si esto ocurre, no
en el territorio de los Estados y que, en caso de tendrá por qué darse un conflicto entre la
colisión, prevalecen sobre las normas dictadas Constitución y el Derecho comunitario, pues-
por los Estados; to que al aplicarse en espacios jurídicos distin-
• la base de este proceso son unos Tratados in- tos, no se producirá colisión ni habrá que re-
ternacionales concluidos por Estados sobera- solver cuestiones de jerarquía;
nos y, por consiguiente, no una Constitución. • la integración respeta la identidad de los Esta-
Por medio de ellos los Estados crean una Or- dos miembros y se basa en el diálogo perma-
ganización internacional a la que le atribuyen nente entre los intereses nacionales y el interés
competencias. El sujeto creado es, pues, una comunitario;
Organización no una Supranación o un Supra- • los Estados están presentes a lo largo de todo
estado; el proceso, de manera que las renuncias que
• dado que las competencias que se le atribuyen van haciendo a sus propias facultades son pre-
afectan, a diferencia de la generalidad de las visibles y controlables. Ellos son, en suma,
Organizaciones, a funciones esenciales de los quienes definen el proceso e, incluso, si así lo
Estados, es preciso que con carácter previo és- deciden, pueden salirse del mismo, puesto que
tos hayan adecuado sus Constituciones inter- tratándose de una Organización siempre será
nas para que se posibilite tal transferencia de posible retirarse de la misma.
competencias; En resumen, integración y supranacionali-
• y dado que entre estas competencias se encu- dad en sentido de supraestatalidad, son expresio-
entran las legislativas, ocurre que a partir de nes cercanas pero no sinónimas. Puesto que la in-
este momento, en el Derecho interno de cada tegración no exige la renuncia por parte de los
Estado miembro conviven el Derecho nacio- Estados miembros a su soberanía, solamente pre-
nal y el Derecho comunitario, el primero rige cisa que éstos, en virtud de dicha soberanía, atri-
y despliega sus efectos en el ámbito de los po- buyan voluntariamente el ejercicio de la misma a
deres que el Estado se ha reservado al concluir la Organización de que se trate. Supranacionali-
el Tratado de creación o de adhesión a la Or- dad en tanto supraestatalidad, significaría, en
ganización de integración, el segundo intervi- cambio, que estamos más allá de una mera cesión
ene plenamente en el nuevo ámbito jurídico al del ejercicio de la soberanía, y que aparecen nue-
que se ha incorporado el Estado al concluir el vos entes internacionales por encima de los Esta-
citado Tratado, de manera que en éste último dos dotados de soberanía. Tal cosa no se produce

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por lo que respecta a la Unión Europea, por lo recho comunitario, convierten a estos procesos
que es preferible hablar, hoy por hoy, de un pro- en unos fenómenos institucionales nuevos y ex-
ceso de integración sustentado en la primacía del cepcionales dentro del panorama internacional.
Derecho comunitario y en la eficacia directa de Ello ha llevado a discutir sobre su naturaleza ju-
sus normas. rídica, a defender posturas enfrentadas: interna-
cionalistas y puramente nacionales. Por mi parte,
CONSIDERACIONES FINALES abandonando toda idea de que el proceso en sí
El proceso de integración, desde la perspec- deba indefectiblemente conducir a una Federaci-
tiva del Derecho, significa que los Estados, por- ón europea, pensamos que nos encontramos ante
que se lo permiten sus propias Constituciones un modelo singular de Organización internacio-
nacionales, han atribuido el ejercicio de compe- nal, en la que participan unos Estados que cada
tencias soberanas a un nuevo sujeto internacio- vez se ven más condicionados por la misma, y
nal, la Organización de integración. Que esta para los que cada vez resulta más difícil el retirar-
atribución se refiere a materias y ámbitos especí- se de ella e, incluso, en algunos casos, imposible
ficos, aunque no estáticos, sino sujetos a la diná- sin previa reforma de sus Constituciones internas
mica de todo proceso y a la ampliación de com- (como en Francia o en Alemania). Pero, a pesar
petencias en virtud de los poderes implícitos de la de ello, no dejan de ser Organizaciones interna-
misma, tal y como son determinados a través de cionales, creadas por un Tratado y no por una
la actuación de los Tribunales de Justicia inspira- Constitución, y que es susceptible, en todo caso,
dos en una interpretación teleológica y sistemá- de ser denunciado por sus Estados partes.
tica de los Tratados constitutivos.
Esta es, en mi opinión, la vía que viene si-
Que estas competencias se concentran, por guiendo la UE desde aquél lejano 9 de mayo de
lo que se refiere a la UE, en el desarrollo del Mer-
1950. Tal vez, la técnica funcionalista y la mecá-
cado interior único, con sus libertades y con su
nica integradora, como vimos, no sea ya suficien-
régimen de defensa de la libre competencia y se
te para satisfacer adecuadamente las exigencia de
prolonga en los ámbitos cubiertos por una plura-
la futura Europa. Tal vez, el proceso de integración
lidad de políticas de distinta generación y alcance,
europea haya tocado fondo y no pueda seguir al
tanto exclusivas como compartidas, tanto com-
ritmo actual con una UE ampliada a treinta países
plementarias como, en fin, de mera coordinación.
miembros y utilizando para ello los mismos meca-
A la hora de valorar los avances de un pro-
nismos jurídicos que organizaban la integración de
ceso de integración, la aplicación efectiva del
los seis países que conformaban la “Pequeña Eu-
principio de primacía de la norma comunitaria
sobre la norma nacional constituye un elemento ropa” originaria de esta aventura de cincuenta
sumamente revelador de la madurez del sistema. años.
En este sentido, su aplicación por los jueces na- Frente a esta situación de fatiga institucio-
cionales que son, a su vez, jueces ordinarios del nal, política y jurídica, creo que, para poder seguir
Derecho comunitario en los Estados miembros, avanzando en este proceso, sería necesario que la
va a ser absolutamente clave. Sólo en aquellas Or- actual Europa de los Estados Integrados diera el
ganizaciones donde tal aplicación sea normal y salto jurídico y político hacia la Federación de Es-
cotidiana podremos afirmar la existencia de un tados de Europa, pero tal salto, para que no se
real proceso de integración. En fin, y como se ha produzca sobre el vacio, ha de darse con el acu-
dicho por voces muy autorizadas, la primacía es erdo soberano de los Estados miembros y en el
un elemento existencial en estos procesos. marco de la elaboración de una Constitución eu-
Por otro lado, la importancia de las compe- ropea en cuya redacción además de las autorida-
tencias atribuidas a la Organización, la indepen- des gubernamentales estuvieran presentes los re-
dencia de sus instituciones, la autonomía del De- presentantes de los pueblos europeos.

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Dados do autor
JOSE MANUEL SOBRINO HEREDIA é catedrático
de derecho internacional público. Cátedra Jean
Monnet de derecho comunitario. Director del Instituto
Universitario de Estudios Europeos Salvador de Madariaga,
Universidade da Coruña, Espanha.

Recebimento artigo: 6/nov./01


Consultoria: 19/nov./01 a 18/dez./01
Aprovado: 1.º/abr./02

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A ordem econômica
mundial: considerações
sobre a formação de blocos
econômicos e o Mercosul
THE WORLD ECONOMIC ORDER:
CONSIDERATIONS ON THE CONSTITUTION
OF ECONOMIC BLOCKS AND MERCOSUL
Resumo O presente artigo tem como principal objetivo analisar o Mercado Comum
do Sul (Mercosul) no contexto da formação de blocos econômicos, como um estágio
no processo de constituição de uma economia mundial integrada, identificando suas REGINA CÉLIA
origens, antecedentes e resultados. Verificou-se que o Mercosul faz parte de um pro- FARIA SIMÕES
cesso de integração econômica criado a partir da assinatura do Tratado de Assunção, Universidade Metodista de
em 26 de março de 1991. Ainda se pode constatar que a zona de livre comércio é uma Piracicaba (UNIMEP)
realidade e que a união aduaneira, que nasceu com a entrada em vigor da Tarifa Ex- rcsimoes@unimep.br
terna Comum (TEC), em 1.º de janeiro de 1995, continuará a ser aperfeiçoada ao lon-
go dos próximos anos. O trabalho conclui que, após dez anos de existência, o Mer- CRISTIANO MORINI
cosul defronta-se com os desafios concretos de uma etapa de consolidação da união Universidade Metodista de
aduaneira em direção ao Mercado Comum. Piracicaba (UNIMEP)
cmorini@unimep.br
Palavras-chave MERCOSUL – INTEGRAÇÃO ECONÔMICA INTERNACIONAL – CO-
MÉRCIO INTERNACIONAL.

Abstract This article focuses Mercosul's integration concerning regional economic


processes building-up, as a stage of an ongoing integrated World economy, in aspects
as origins, backgrounds and results. Mercosul is part of an integration process idea-
lized during the Treaty of Asuncion's signing, dated of March 26, 1991. Nowadays it
is possible verify that Mercosul is a Free Trade Zone turning to a Customs Union due
to the External Common Tariff (ECT). As of January 1st, 1995, ECT is improving
Mercosul's internal relations. That is the turning point to Mercosul: is must change
challenges into real consolidation.

Keywords MERCOSUL – INTERNATIONAL ECONOMIC INTEGRATION – INTERNA-


TIONAL TRADE.

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U
INTRODUÇÃO
ma das características da era contemporânea é o
agrupamento de países em blocos econômicos no
contexto da estratégia das grandes potências e das
empresas multinacionais de darem início a um
novo ciclo expansionista internacional.1
A constituição dos blocos econômicos aten-
de também à estratégia de países periféricos que
buscam atrair capitais externos, dos quais carecem,
para promover o crescimento de suas economias debilitadas há décadas,
como é o caso do Brasil e da Argentina com o Mercado Comum do Sul
(Mercosul).
Nesse sentido, o Mercosul é considerado um processo de inte-
gração econômica,2 denominado Mercado Comum, cuja fase atual é a
União Aduaneira Imperfeita, por ainda existir lista de exceções às
isenções tarifárias de importação e por haver indefinições temporais na
aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC).
A aproximação Brasil-Argentina está na origem da formação do
Mercosul. A integração entre os dois países foi impulsionada por três fa-
tos principais: 1. a superação das divergências geopolíticas bilaterais; 2. o
retorno ao regime democrático, com o fim do período de exceção; e 3.
a crise do sistema econômico internacional.
Um dos primeiros passos para o que depois se transformaria no
Mercosul foi a assinatura da Declaração de Iguaçu, firmada em 30 de no-
vembro de 1985 pelos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín. A decla-
ração tinha por objetivo retomar os níveis de comércio bilateral observa-
dos na década anterior, que crescia a uma taxa geométrica de 19% ao
ano.3 Buscava, ainda, acelerar a integração dos dois países em diversas áreas
(técnica, econômica, financeira, comercial, entre outras) e estabelecia as
bases para a cooperação no campo do uso pacífico da energia nuclear.
Em 20 de julho de 1986, foi assinada a Ata de Integração Brasileiro-
Argentina, que estabeleceu os princípios fundamentais do Programa de
Integração e Cooperação Econômica (PICE). O objetivo do PICE foi pro-
piciar a formação de um espaço econômico comum por meio da abertura
seletiva dos mercados brasileiro e argentino e estimular a complementa-
ção econômica de setores específicos das economias dos dois países.4
O processo de integração evoluiu, em 1988, com a assinatura do
Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, cuja meta era
constituir, no prazo máximo de dez anos, um espaço econômico comum
por meio da liberalização integral do comércio recíproco.

1 BARBOSA & CÉSAR, 1994, p. 54.


2 AMORIN, 1991, pp. 13-18.
3 PRESSER, 1993, p. 32.
4 BAUMANN & LERDA, 1987, p. 88.

140 impulso nº 31
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Esse tratado previa a eliminação de todos ma de Las Leñas, assinado em junho de 1992,
os obstáculos tarifários e não-tarifários ao comér- aborda os interesses comerciais necessários para
cio de bens e serviços. Em 6 de julho de 1990, que o Tratado de Assunção se complete e o Mer-
Brasil e Argentina firmaram a Ata de Buenos Ai- cado Comum torne-se realidade. Prevê não ape-
res, mediante a qual fixaram a data de 31 de de- nas a criação de uma zona de livre comércio, mas
zembro de 1994 para a conformação definitiva de uma união aduaneira.5
um Mercado Comum entre os dois países. Em Com a assinatura do Protocolo de Ouro
agosto de 1990, Paraguai e Uruguai foram convi- Preto, em dezembro de 1994, o Mercosul passa a
dados a incorporar-se ao processo integracionis- contar com uma estrutura institucional definitiva
ta, tendo em vista a densidade dos laços econô- para a negociação do aprofundamento da integra-
micos e políticos que os unem ao Brasil e à Ar- ção. Além disso, o Protocolo de Ouro Preto es-
gentina. Em consequência, foi assinado, em 26 de tabelece a personalidade jurídica do Mercosul,
março de 1991, o Tratado de Assunção para que, a partir de então, poderá negociar como blo-
Constituição do Mercado Comum do Sul (Mer- co acordos internacionais.
cosul). A partir de 1.º de janeiro de 1995 termina o
O Tratado de Assunção, ato fundacional do período de transição, iniciando a nova fase de
Mercosul, constitui junto com o Protocolo de consolidação da união aduaneira imperfeita, que
Brasília, de 1991, e o Protocolo de Ouro Preto, se estenderá até 31 de dezembro de 2005.
de 1994, os principais instrumentos jurídicos do Este artigo aborda o Mercosul no contexto
processo de integração. da formação de blocos econômicos, como um es-
O Tratado de Assunção define-se, na reali- tágio no processo de constituição de uma econo-
dade, como um acordo-quadro, na medida em mia mundial integrada, identificando suas ori-
que não se esgota em si mesmo, mas é continua- gens, antecedentes e resultados, tratando, portan-
mente complementado por instrumentos adicio- to, do estágio per si (enquanto integração do
nais e negociado pelos quatro Estados membros Mercosul em si), e não menciona a constituição
em função do avanço da integração. O Tratado de uma economia mundial integrada por deli-
estabelece, fundamentalmente, as condições para mitação de foco do objeto de estudo de caráter
se alcançar, até 31 de dezembro de 1994, a Zona científico.
de Livre Comércio entre os quatro países, etapa
anterior ao Mercado Comum. ORIGEM DOS BLOCOS ECONÔMICOS
Nesse sentido, determina, entre outros ob- A globalização da economia e da sociedade
jetivos: baseada na expansão sem precedentes do capita-
• o estabelecimento de um programa de libera- lismo e comandada pelo crescente domínio das
lização comercial, que consiste de reduções corporações transnacionais está levando ao de-
tarifárias progressivas, lineares e automáticas senvolvimento de uma nova ordem mundial.
acompanhadas da eliminação das barreiras Essa nova ordem tem como características prin-
não-tarifárias; cipais o fim da Guerra Fria, o incremento da
• a coordenação de políticas macroeconômicas; guerra comercial entre empresas e países e a for-
• o estabelecimento de listas de exceções ao mação de blocos econômicos regionais.
programa de liberalização para produtos con- Preocupados com as conseqüências das
siderados sensíveis; guerras comerciais, os grandes empresários euro-
• a constituição de um regime geral de origem e peus e norte-americanos estão procurando criar
de um sistema de solução de controvérsias. um cenário mundial mais previsível, no qual a
O Protocolo de Brasília, assinado em 17 de concorrência possa ser controlada e medida.
dezembro de 1991, estabelece o sistema de solu-
ção de controvérsias do Mercosul. O Cronogra- 5 ALMEIDA, 1998, p. 121.

impulso nº 31 141
0000_Impulso_31.Book Page 142 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Procura-se criar regiões protegidas por a união entre as economias de dois ou mais paí-
meio da união entre vários países em que um gru- ses.6
po de empresas tem interesses comuns, dificul- Esses processos concentram-se, em um pri-
tando a entrada de produtos de empresas de ou- meiro momento, na diminuição ou mesmo na
tros países ou regiões. Pode-se encarar a forma- eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias
ção de blocos econômicos regionais de comércio que constrangem o comércio de bens entre esses
como uma tentativa de aumentar a segurança dos países. Uma etapa mais adiantada de integração
empresários que atuam no bloco contra a con- exigirá esforço adicional, podendo envolver a de-
corrência de empresas mais eficientes de outros finição de uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou
países ou blocos. seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os sócios
Embora a existência de interesses econômi- ao comércio de bens com terceiros mercados
cos seja fundamental para a integração de vários (países extra-zona).
países, é curioso o fato de que as empresas só Associado a esse exercício, impõe-se o es-
conseguem realizar essa integração com a tabelecimento de um Regime de Origem, meca-
interveniência estatal. A motivação do mercado nismo pelo qual se determina se um produto é
em busca de novas fontes de rentabilidade e o es- originário ou não da região. Avançando ainda
tímulo do governo para melhorar o bem-estar da mais, chegamos a arranjos avançados de integra-
população – com o aumento da renda e a geração ção que admitem a liberalização do comércio de
de novos empregos – propulsionam a integração serviços e a livre circulação dos fatores de produ-
para os fins desejados e planejados. ção (capital e trabalho) e exigem a coordenação
de políticas macroeconômicas e até mesmo a de
FORMAS DE CONSTITUIÇÃO políticas fiscais e cambiais. Em grau extremo, a
DE BLOCOS ECONÔMICOS integração econômica pode levar, inclusive, à
Os blocos econômicos foram criados com adoção de uma moeda única.
a finalidade de desenvolver o comércio de deter- As formas de integração baseiam-se, funda-
minada região. Para alcançar esse objetivo, elimi- mentalmente, na vontade dos Estados de obter,
nam as barreiras alfandegárias, o que diminui o através de sua adoção, vantagens econômicas que
custo dos produtos. Com isso, criam maior po- se definirão, entre outros aspectos, em termos
der de compra dentro do bloco, elevando o nível de:
de vida de suas populações. Como o mercado • aumento geral da produção, através de um me-
passa a ser disputado também por empresas de lhor aproveitamento de economias de escala;
outros países membros do bloco econômico, • aumento da produtividade, através da explora-
cresce a concorrência, o que gera a melhoria de ção de vantagens comparativas entre sócios de
qualidade e a redução de custos. Os blocos po- um mesmo bloco econômico;
dem funcionar como etapas para um mundo sem • estímulo à eficiência, através do aumento da
fronteiras. concorrência interna.
Quase todas as grandes economias mundiais De acordo com as teorias do comércio in-
(em termos de Produto Nacional Bruto) encon- ternacional, consideram-se cinco as situações
tram-se, de alguma forma, envolvidas em proces- clássicas de integração econômica: zona (ou área)
sos de integração econômica: Estados Unidos de preferências tarifárias, zona de livre comércio,
(NAFTA), Europa (União Européia e EFTA), união aduaneira, mercado comum e união econô-
América Latina (Pacto Andino e Mercosul), Ásia mica (também monetária).
(APEC) e África (SADC). Os processos de inte- Zona de Preferências Tarifárias – A zona
gração econômica são conjuntos de medidas de de preferências tarifárias, etapa mais incipiente de
caráter econômico e comercial que têm por ob-
jetivo promover a aproximação e, eventualmente, 6 FLORÊNCIO & ARAÚJO, 1996, p. 61.

142 impulso nº 31
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integração econômica, consiste na adoção recí- comuns em matéria alfandegária e, em última


proca, entre dois ou mais países, de níveis tarifá- análise, a adoção de políticas comerciais conjun-
rios preferenciais, ou seja, as tarifas incidentes so- tas. O Mercosul tornou-se, a partir de 1.º de ja-
bre o comércio entre os países membros do gru- neiro de 1995, o melhor exemplo de uma união
po são inferiores às cobradas de países não-mem- aduaneira latino-americana.
bros. À diferença entre as tarifas acordadas e as Mercado Comum – Um quarto modelo
aplicadas ao comércio com terceiros mercados ou forma de integração é o chamado mercado co-
dá-se o nome de margem de preferência. mum, que tem a União Européia como principal
Arranjos dessa natureza constituem, em exemplo. A maior diferença entre o mercado co-
geral, etapas preliminares na negociação de zonas mum e a união aduaneira é que esta última regula
de livre comércio. Exemplos significativos de zo- apenas a livre circulação de mercadorias, enquan-
nas de preferências tarifárias são muitos dos acor- to o mercado comum prevê também a livre cir-
dos celebrados no marco da Associação Latino- culação dos demais fatores produtivos. A expres-
Americana de Integração (ALADI) e o recente são fatores produtivos compreende dois grandes
acordo bilateral Brasil-México para o comércio elementos: capital e trabalho. Da liberalização
de bens automotivos. desses fatores decorre, de um lado, a livre circu-
Zona de Livre Comércio – A segunda eta- lação de pessoas (trabalhadores ou empresas) e,
pa de integração é a zona (ou área) de livre co- de outro, a livre circulação de capitais (investi-
mércio (ZLC), que consiste na eliminação de to- mentos e remessas de lucro, entre outros).
das as barreiras tarifárias e não-tarifárias que inci- A livre circulação implica a abolição de to-
dem sobre o comércio dos países do grupo. Se- das as barreiras fundadas na nacionalidade e a ins-
gundo as normas estabelecidas pelo General tituição de uma verdadeira condição de igualdade
Agreement on Tariffs and Trade (GATT) – acordo de direitos em relação aos nacionais de um país.
sobre comércio internacional que vem sendo ne- No que se refere ao capital, a condição de mer-
gociado em rodadas sucessivas desde 1947 e que cado comum supõe a adoção de critérios regio-
deu origem à Organização Mundial de Comércio nais que evitem restrições aos movimentos de ca-
(OMC) em 1994 –, um acordo é considerado pital em função de critérios de nacionalidade.
zona de livre comércio quando abarca ao menos Nessas situações, o capital de empresas oriundas
80% dos bens comercializados entre os membros de outros países do mercado comum não pode
do grupo. ser tratado como estrangeiro no momento de sua
A determinação da origem de um produto entrada (investimento) ou saída (remessa de lu-
dá-se através do Regime de Origem, mecanismo cros ou dividendos). Além disso, o mercado co-
indispensável em qualquer acordo de livre comér- mum pressupõe a coordenação de políticas
cio. O melhor exemplo de uma ZLC em funcio- macroeconômicas e setoriais (definição de metas
namento é o Acordo de Livre Comércio da comuns em matéria de juros, fiscal, cambial).
América do Norte (NAFTA), firmado em 1994 União Econômica e Monetária – A união
entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. econômica e monetária (UEM) constitui a etapa
União Aduaneira – A união aduaneira mais avançada e complexa de um processo de
(UA) corresponde a uma etapa de integração eco- integração. Ela está associada, em primeiro lu-
nômica na qual os países membros de uma zona gar, à existência de uma moeda única e de uma
de livre comércio adotam uma mesma tarifa às política comum em matéria monetária conduzi-
importações provenientes de mercados externos, da por um Banco Central comunitário. A gran-
a Tarifa Externa Comum (TEC). A aplicação da de diferença em relação ao mercado comum es-
TEC redunda na criação de um território aduanei- tá, além da moeda única, na existência de uma
ro comum entre os sócios da UA, situação que política macroeconômica não mais coordenada,
torna necessário o estabelecimento de disciplinas mas comum.

impulso nº 31 143
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O único exemplo de uma união econômica tuindo gradativamente (segundo calendário pró-
e monetária, ainda em processo de construção, é prio em cada país-membro) as moedas locais
a União Européia. Em 1992, com a assinatura do para fins de transações correntes, como compras
Tratado de Maastricht, foram definidos os pré-re- e pagamentos. Foi criado, igualmente, um Banco
quisitos para a entrada dos países-membros da Central Europeu, que está sediado na Alemanha.
CEE na nova UEM: déficit público máximo de 3% A formação de um bloco se dá de acordo
do PIB; inflação baixa e controlada; dívida pública com as conveniências dos países envolvidos e
de, no máximo, 60% do PIB; moeda estável den- em função de suas principais características. O
tro da banda de flutuação do Mecanismo Euro- Mercosul é uma união aduaneira, mas tem por
peu de Câmbio; e taxa de juro de longo prazo objetivo constituir um mercado comum. Sendo
controlada. Em janeiro de 1999 foi lançado o assim, podemos dizer que o Mercosul é um pro-
Euro (não disponível em espécie até dezembro jeto de construção de um mercado comum que
de 2001), moeda única reconhecida por 12 dos 15 se encontra na fase de união aduaneira. Por ou-
países membros da UE. tro lado, a União Européia é o projeto de cons-
A moeda foi usada apenas em transações trução de uma união econômica e monetária
bancárias até dezembro de 2001. Em 2002, pas- que se encontra em vias de ser efetivamente im-
sou a circular nos países que a adotaram, substi- plementada.
Gráfico I

Gráfico I
fases da integração econômica entre países

ZONA DE LIVRE COMÉRCIO


Livre Comércio

UNIÃO ADUANEIRA
Livre Comércio
Política Comercial Uniforme

MERCADO COMUM
Livre Comércio
Política Comercial Uniforme
Livre Movimento de Fatores de Procução

UNIÃO ECONÔMICA
Livre Comércio – Política Comercial Uniforme
Livre Movimento de Fatores de Procução
Harmonização de Algumas Políticas Econômicas

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA TOTAL


Livre Comércio – Política Comercial Uniforme
Livre Movimento de Fatores de Procução
Harmonização de Todas Políticas

Fonte: Carvalho & Silva (2000, p. 227).

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BLOCOS ECONÔMICOS que chamaram de Cone Sul. Nessa ocasião, pro-


jetaram um tratado para a formação de um mer-
Mercosul cado comum latino-americano. O acordo realiza-
Para discutirmos a posição do Brasil em do por esses quatro países constituiu, posterior-
busca da integração econômica, política e cultural mente, as bases do Tratado de Montevidéu, de
com vistas a uma comunidade latino-americana 1960.
de nações, devemos analisar nossa realidade polí- Associação Latino-americana de Livre
tica interna e externa. Após a Segunda Guerra Comércio (ALALC) – Criada pelo Tratado de
Mundial, intensificou-se a política brasileira no Montevidéu, cujo objetivo era a criação de um
tocante à convivência internacional e, concomi- mercado comum regional após a implantação de
tantemente, à integração regional. uma zona de livre comércio entre os países da
De há muito o país faz parte de organiza- América Latina.. Inicialmente, foi integrada pela
ções e tratados, tanto no nível regional como no Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e
internacional, sempre visando maior integração Uruguai. Até 1967, já tinham aderido Colômbia,
entre os povos. Assim, sua busca atual de inte- Equador, Venezuela e Bolívia. Naquele ano, os
gração latino-americana não deve ser vista como chefes de Estado e de governo do continente
um fato isolado. A vocação histórica vocação propuseram a formação do Mercado Comum
para o bom entendimento com os demais países Latino-americano a partir de 1970 e dentro do
fez com que o Brasil procurasse participar de prazo máximo de 15 anos.
organizações cujos princípios fossem voltados Uma das causas da estagnação da ALALC
para a coexistência pacífica e para a opção por não foram os governos ditatoriais instalados na Amé-
exclusão de nenhuma região do mundo para a rica do Sul. Na década de 70, o processo de inte-
viabilização de negócios, além da forte e marcan- gração, que era a meta do Tratado, estava supera-
te presença em foros multilaterais de negociação. do.
Atendo-se exclusivamente à integração re- Devido à estagnação da ALALC, Bolívia,
gional, o Brasil e os países da América Latina já Chile, Colômbia, Equador e Peru constituíram
assinaram inúmeros tratados direcionados à for- um subgrupo regional andino por meio do Acor-
mação de um mercado comum. Para melhor en- do de Integração Sub-regional de Cartagena, de
tendimento do desenvolvimento da integração 1969. Houve a adesão da Venezuela em 1973 e a
latino-americana, nomeamos deles, suas possibi- retirada do Chile, em 1976.
lidades e conseqüências: Associação Latino-americana de Integra-
Comissão Econômica para a América La- ção (ALADI) – O tratado de criação da ALADI foi
tina (CEPAL) – Este órgão foi criado pelo Con- assinado em 12 de agosto de 1980, reunindo dez
selho Econômico e Social em 24 de junho de países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Bra-
1948, e é tido como o primeiro a referendar a sil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai,
idéia de integração regional, apoiando a necessi- Uruguai e Venezuela. Seu objetivo a longo prazo
dade de ser discutida e criada uma união aduanei- é o estabelecimento, de forma gradual e progres-
ra. Sediado em Santiago do Chile, um dos seus siva, de um mercado comum latino-americano.
principais objetivos é manter e incentivar as rela- O tratado criou mecanismos específicos para li-
ções econômicas dos países da América Latina beração do intercâmbio comercial intra-regional,
entre si e com as demais nações. com a redução tarifária. Seu artigo 1.˚ define
A proposta de um mercado regional foi fei- como objetivo o prosseguimento do processo de
ta através da CEPAL, em 1956, como forma de de- integração, promovendo o desenvolvimento
senvolver a industrialização. Apoiados pela CE- econômico-social, a harmonia e o equilíbrio da
PAL, Brasil, Argentina, Chile e Uruguai estuda- região. Seu artigo 2.˚ estabelece como metas o
vam estabelecer uma zona de livre comércio no desenvolvimento da promoção e a regulação do

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comércio recíproco, a complementação econô- No mesmo ano, foram concluídos Acor-


mica e o desenvolvimento das ações de coopera- dos de Complementação Econômica (ACEs), no
ção econômica. âmbito da ALADI, entre Uruguai e Argentina
O tratado reforçou a supremacia dos inte- (ACE-1) e entre Uruguai e Brasil (ACE-2).
resses individuais dos países membros e limitou Tratado de Integração, Cooperação e De-
os compromissos multilaterais, o que deixou para senvolvimento – Com vistas a consolidar seu
os países o poder de decisão de relacionarem-se processo de integração, Brasil e Argentina assina-
com países desenvolvidos. Devemos lembrar ram, em 29 de novembro de 1988, o Tratado de
que, na década de 80, governos civis voltaram ao Integração, Cooperação e Desenvolvimento, no
poder através de eleições democráticas. Mas, ao qual demonstraram o desejo de constituir um es-
mesmo tempo, o endividamento externo e a crise paço econômico comum no prazo máximo de
do petróleo geraram dificuldades que influencia- dez anos, por meio da liberalização comercial.
ram o processo integracionista em andamento. Entre outras medidas, prevê a eliminação de to-
dos os obstáculos tarifários e não-tarifários ao
REGULAMENTAÇÕES comércio de bens e serviços e a harmonização de
Ata de Iguaçu – Assinada em novembro de políticas macroeconômicas. O Tratado foi sanci-
1985 entre os presidentes José Sarney e Raúl Al- onado pelos Congressos brasileiro e argentino
fonsín para desenvolver e efetivar a integração em agosto de 1989.
econômica entre Brasil e Argentina, declaração Nessa fase, foram assinados 24 Protocolos
tinha por objetivo retomar os níveis de comércio sobre temas diversos, como bens de capital, trigo,
bilateral observados na década anterior. Buscava, produtos alimentícios industrializados, indústria
ainda, acelerar a integração dos dois países em di- automotriz, cooperação nuclear. Todos esses
versas áreas (técnica, econômica, financeira, co- acordos foram absorvidos em um único instru-
mercial etc.) e estabelecer as bases para uma co- mento, denominado Acordo de Complementa-
operação no campo do uso pacífico da energia ção Econômica n.˚ 14, assinado em dezembro de
nuclear. 1990 no âmbito da ALADI, que constitui a base
Acordo de Integração e Cooperação Eco- para a implementação ulterior do Mercosul.
nômica Brasil-Argentina – Em julho de 1986, Estatuto das Empresas Binacionais (Brasil
em Buenos Aires, como complemento à Ata de e Argentina) – O tratado para o estabelecimento
Iguaçu, foi instituído o Programa de Integração e desse Estatuto foi assinado em Buenos Aires em
Cooperação Econômica (PICE). Seu objetivo era 6 de julho de 1990. Com as mudanças introduzi-
de propiciar um espaço econômico comum, com das nos programas econômicos dos governos
a abertura seletiva dos respectivos mercados e o brasileiro e argentino e a adoção de novos crité-
estímulo à complementação de setores especí- rios de modernização e de competitividade, os
ficos da economia dos dois países, com base nos presidentes Collor e Menem firmaram a Ata de
princípios da gradualidade, flexibilidade e equilí- Buenos Aires, com a finalidade de reduzir os pra-
brio, de modo a permitir a adaptação progressiva zos de integração Brasil-Argentina.
dos setores empresariais de cada Estado às novas Este é um acordo de suma importância,
condições de competitividade. Esse Programa é pois decorre diretamente do Tratado de Integra-
tido como o próprio núcleo do processo integra- ção, Cooperação e Desenvolvimento firmado em
cionista, pois através dele foram adotados princí- 29 de novembro de 1988. Estabelece a comple-
pios de maior flexibilidade e equilíbrio, dinami- mentaridade industrial e tecnológica entre as em-
zando, principalmente, os setores industriais. Fa- presas e a criação e o funcionamento de empresas
zem parte desse Programa 24 Protocolos, especi- binacionais, fato significativo no processo de in-
ficando os assuntos nele tratados. tegração empresarial.

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O Estatuto foi visto como o primeiro pas- adoção de uma política comum em relação a ter-
so para a transnacionalização das empresas do ceiros países.
Mercosul. Fixou o prazo de 31 de dezembro de A coordenação de políticas macroeconômi-
1994 para a formação definitiva do mercado co- cas e setoriais de comércio exterior, agrícola, in-
mum entre o Brasil e a Argentina. Em agosto do dustrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de
mesmo ano, Paraguai e Uruguai juntaram-se ao serviços, alfandegária, de transportes e comunica-
processo, o que resultou na assinatura do Tratado ções e outras deve ser feita de modo a que elas se
de Assunção, para a constituição do Mercado acordem, a fim de assegurar condições adequadas
Comum do Sul (Mercosul). de convivência entre os Estados membros.
Tratado de Assunção – O Tratado de O Tratado de Assunção é visto como uma
Assunção é o instrumento jurídico fundamental quase carta constitucional, pois é flexível a ponto
do Mercosul, que comporta elementos tanto de de abrigar não apenas a situação inicial como si-
continuidade como de mudança em relação aos tuações e necessidades futuras no âmbito integra-
esforços integracionistas até então empreendidos cionista.
no continente. Por um lado, procura dar prosse- Para o período de transição entre o nasci-
guimento, no plano regional, aos trabalho da mento do mercado comum até 31 de dezembro de
ALALC (1960) e da ALADI (1980). No bilateral, 1994, estabeleceu-se que os Estados membros
busca aprofundar os princípios acordados entre adotassem um regime geral de origem, um sistema
Brasil e Argentina na Declaração de Iguaçu de solução de controvérsias e cláusulas de salva-
(1985), no Programa de Integração e Coopera- guarda (art. 3) e também se acordou uma coorde-
ção Econômica (1986) e no Tratado de Integra- nação para fazer frente às práticas de dumping ou
ção, Cooperação e Desenvolvimento (1988). políticas desleais de terceiros Estados (art. 4).
Note-se que todos esses mecanismos criaram As ferramentas para a construção do Mer-
vínculos entre economias tradicionalmente dis- cado Comum do Sul ficaram definidas em vários
sociadas, além de consolidar um diálogo político instrumentos:
privilegiado entre os quatro países. Por outro la- • um programa de liberação comercial que per-
do, representa uma mudança no modelo de de- mitisse chegar até 31 de dezembro de 1994
senvolvimento no âmbito do Cone Sul, dado o com tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias
esgotamento do modelo de substituição de impor- sobre a totalidade do universo tarifário;
tações e a premente necessidade de adotar-se um • a coordenação de políticas macroeconômicas,
processo de abertura econômica e de aceleração que se realizará gradualmente de forma con-
da integração regional. Esse processo fundamen- vergente com os programas de desgravação
ta-se na abertura seletiva e gradual de mercados e tarifária e a eliminação de restrições não-tarifá-
no estímulo à complementação de setores espe- rias;
cíficos das economias, visando uma inserção mais • o estabelecimento de uma tarifa externa co-
competitiva na economia internacional. mum, que incentive a competitividade externa
O artigo 1.º estabeleceu a data de 31 de de- dos Estados partes;
zembro de 1994 para a implementação definitiva • a adoção de acordos setoriais, com o fim de
da livre circulação de bens, serviços e fatores pro- otimizar a utilização e mobilidade dos fatores
dutivos entre os países, através da eliminação dos de produção e alcançar escalas operativas efi-
direitos alfandegários e de todas as restrições cientes (art. 5).
não-tarifárias à circulação de mercadorias ou A administração e execução do Tratado e
qualquer outra medida de efeito equivalente. O dos acordos específicos e decisões que se adotem
texto legal determinou, também, o estabeleci- no quadro jurídico por eles estabelecidos durante
mento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a o período de transição estão a cargo do Conselho

impulso nº 31 147
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do Mercado Comum e do Grupo do Mercado aplicado nas controvérsias sobre a interpretação,


Comum (art. 9). O Conselho é o órgão superior a aplicação ou o não-cumprimento das disposi-
do Mercado Comum, instância que dá a condu- ções contidas no Tratado de Assunção, dos acor-
ção política e define as tomadas de decisões para dos celebrados em seu âmbito e das decisões do
assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos Conselho do Mercado Comum e das Resoluções
estabelecidos para sua constituição definitiva (art. do Grupo Mercado Comum.
10). É integrado pelos ministros das Relações Ex- O Protocolo de Brasília previa três fases:
teriores e ministros de Economia dos quatro pa-
• Negociações diretas – As negociações diretas
íses (art. 11).
não poderiam, salvo acordo entre as partes, ex-
O Grupo do Mercado Comum é o órgão
ceder um prazo de 15 dias a partir da data em
executivo, coordenado pelos ministros das Rela-
que um dos Estados membros levantasse con-
ções Exteriores. Estabeleceu-se que suas funções
seriam as de: velar pelo cumprimento do Tratado; trovérsia;
tomar as providências necessárias ao cumprimen- • Intervenção do Grupo Mercado Comum –
to das decisões adotadas pelo Conselho; propor Não poderia estender-se por prazo superior a
medidas concretas tendentes à aplicação do Pro- 30 dias, a partir da data em que fosse subme-
grama de Liberação Comercial, à coordenação de tida a controvérsia;
política macroeconômica e à negociação de acor- • Tribunal Arbitral ad hoc – O Tribunal Arbitral
dos frente a terceiros; e fixar programas de traba- decidiria a controvérsia com base nas disposi-
lho que assegurem avanços para o estabelecimen- ções do Tratado de Assunção, nos acordos ce-
to do Mercado Comum. lebrados em seu âmbito, nas decisões do Con-
O Mercosul passou a constituir, em 1.º de selho do Mercado Comum, nas Resoluções
janeiro de 1995, uma união aduaneira, encerrando do Grupo Mercado Comum e nos princípios
o período de transição e dando início a uma nova e disposições de direito internacional aplicá-
etapa, que tem sido qualificada como período de veis à matéria. O Tribunal deveria se pronun-
consolidação da União Aduaneira.
ciar, por escrito, num prazo de 60 dias, pror-
Num prazo de cinco anos, portanto, o
rogáveis por no máximo mais 30, a partir da
Mercosul transformou-se de um simples projeto
designação de seu presidente.
existente apenas no articulado do Tratado de
Assunção em um esquema de integração comple- Cronograma de Las Leñas – O documen-
xo e operativo. O significativo avanço institucio- to assinado pelos presidentes, chanceleres e mi-
nal do Mercosul pode ser constatado pelo amplo nistros da Economia aborda os interesses comer-
cumprimento do Protocolo de Brasília, do Cro- ciais necessários para que o Tratado de Assunção
nograma de Las Leñas, que reúne as datas limites se complete e o mercado comum se torne reali-
para a execução de tarefas necessárias a integração dade. Ele prevê não apenas a criação de uma zona
e, ainda, pelo Protocolo de Ouro Preto. de livre comércio, mas uma união aduaneira. Las
Protocolo de Brasília para Soluções de Leñas previu também a criação de 11 grupos en-
Controvérsias – No Tratado de Assunção, artigo carregados dos temas principais a serem estuda-
3.º e Anexo III, Argentina, Brasil, Paraguai e Uru- dos em profundidade por técnicos dos quatro pa-
guai se comprometeram a adotar um sistema de íses e de apresentar propostas para atuação con-
solução de controvérsias que deveria vigorar du- junta nas áreas mais sofisticadas do Mercosul, ou
rante o período de transição. Este instrumento, seja, “nas áreas de política macroeconômica, in-
assinado em Brasília em 17 de dezembro de 1991, dustrial e agrícola, comércio exterior, infra-estru-
asseguraria o cumprimento do Tratado e das dis- tura, normas técnicas e relações trabalhistas”.7
posições que dele derivassem baseado na justiça e
equidade. Conforme dispõe seu artigo 1.º, seria 7 CORRÊA, 1992, p. 8.

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Tab. 1. Mercosul: Dados gerais.


Indicadores Brasil Argentina Paraguai Uruguai Mercosul
População (milhões) 165,7 137,0 15,5 13,3 11211,5
Área (milhões de km2) 118,5 112,8 10,4 10,2 1111,9
PIB (bilhões US$) 701,5 282,8 1119 17,8 1.011,1
Fonte: Ministério das Relações Exteriores, 2000.
XVI Reunião do Grupo Mercado Comum acabar com a discriminação e as barreiras que li-
(Protocolo de Ouro Preto) – No dia 17 de de- mitam o comércio entre os Estados membros,
zembro de 1994, realizou-se na cidade de Ouro iniciando pela redução total ou parcial das alíquo-
Preto, Brasil, a Reunião do Conselho do Merca- tas tarifárias aplicadas ao comércio entre os países
do Comum, com a presença dos presidentes da que dele participam. Posteriormente, serão redu-
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e tendo zidas as restrições não-tarifárias, que é a proibição
como convidados o presidente da República da de importar determinados produtos. Ele foi cria-
Bolívia e o ministro da Economia da República do como um novo modelo de desenvolvimento,
do Chile. Na ocasião, foi divulgado um Comu- caracterizando-se pelo incentivo à abertura eco-
nicado Conjunto dos presidentes dos países do nômica e a aceleração dos processos de integra-
Mercosul, com 27 itens. Os valores democráticos ção regional.
no bloco foram reafirmados, sendo considerados
essenciais para a conformação de um mercado Perfil dos Países do Mercosul
comum, o objeto final do processo em curso. O Mercosul abrange uma área de 11,9 mi-
Enfatizou-se que o Mercosul não deverá lhões de quilômetros quadrados – equivalendo a
ser visto apenas por seus aspectos comerciais ou aproximadamente 9% da superfície ocupada por to-
econômicos mas que, dentro do projeto de inte- dos os países do mundo –, onde estão cerca de 211,5
gração, áreas como a educação, a cultura, a infra- milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto
estrutura, o meio ambiente e as comunicações, (PIB) da ordem de US$ 1,01 trilhões (tab. 1).
entre outras, deverão ser prioridades. O território brasileiro é três vezes maior
Na histórica Reunião de Ouro Preto, os que o argentino. As populações brasileira (159
quatro países resolveram, em linhas gerais, suas milhões em 1995) e argentina (33,9 milhões em
relações comerciais, através de compromissos 1995) representam 96% da população do Merco-
irrenunciáveis que lhes darão a chance de partir sul. Somadas, as populações paraguaia e uruguaia
para desafios maiores com os outros parceiros in- representam apenas 4% desse total.
ternacionais (União Européia, NAFTA e a virtual Dos quatro países que formam o Mercosul,
ALCA, entre outros). Por haver pontos sensíveis, o Brasil é o que apresenta o processo de urbani-
nem todos os temas agendados foram resolvidos, zação mais acelerado, embora revelando uma
sendo que alguns ficaram para futuras negocia- concentração urbana menor que a Argentina. O
ções e acordos. Em contrapartida, foram aprova- fenômeno da urbanização é relevante para a inte-
das pelo Conselho 18 decisões que trarão grande gração porque as cidades tendem a representar
avanço no processo de integração. um potencial de mercado consumidor mais am-
plo do que as zonas rurais. Portanto, quanto mais
CARACTERÍSTICAS DO MERCOSUL urbanizado o parceiro comercial, maior tende a
O Mercosul é um processo de integração ser seu mercado potencial. Por outro lado, grande
econômica entre Brasil, Argentina, Paraguai e parte da população está à margem do processo
Uruguai inaugurado em 26 de março de 1991 econômico. A concentração de renda brasileira é
com a assinatura do Tratado de Assunção, que fi- uma das mais fortes do mundo.8
xou as metas, os prazos e os instrumentos para
sua construção. Esse processo visa reduzir ou 8 CARVALHO, 1991, p. 29.

impulso nº 31 149
0000_Impulso_31.Book Page 150 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Tab. 2. Brasil: Intercâmbio Comercial – Totais gerais (US$ milhões, FOB).


Ano Exportações Importações Saldo
1980 20.132 22.955 -2.804
1981 23.293 22.091 1.202
1982 20.175 19.395 779
1983 21.899 15.429 6.470
1984 27.005 13.916 13.098
1985 25.639 13.153 12.471
1986 22.349 14.044 6.294
1987 26.224 15.051 11.174
1988 33.789 14.605 19.186
1989 34.383 18.263 16.125
1990 31.414 20.661 10.752
1991 31.620 21.041 10.579
1992 35.793 20.554 15.308
1993 38.555 25.256 13.009
1994 43.545 33.079 10.583
1995 46.506 49.858 -3.352
1996 47.747 53.286 -5.539
1997 52.994 59.838 -6.844
1998 51.140 57.714 -6.574
1999 48.011 49.210 -1.199
2000 55.086 55.783 -697
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior – SECEX, 2001.
O Produto Interno Bruto (PIB) dos quatro As exportações brasileiras evoluíram de
países do Mercosul é superior a 50% do PIB da US$ 20,1 bilhões em 1980 para US$ 47,7 bilhões
América Latina. No ano de 1995, o PIB do Mer- em 1996. Cabe ressaltar que, de 1991 para 1992,
cosul ficou em US$ 1,01 trilhões. A presença o crescimento foi de 13% e que, de 1992 para
conjunta do Brasil e da Argentina – com um PIB 1993, de 8%, contrastando com o crescimento
de US$ 701,5 bilhões e US$ 282,8 bilhões, res- mundial, de apenas 4% (tab. 2).
pectivamente – confere uma representatividade O desempenho do Brasil em 1992 e 1993
regional expressiva, em termos de produto, a reverteu o quadro de estagnação de 1990 e 1991,
qualquer grupo de integração latino-americano. quando as exportações caíram de US$ 34,4 bi-
O PIB do Paraguai e do Uruguai são bem meno- lhões em 1989 para US$ 31,4 bilhões em 1990 e
res, de US$ 9 bilhões e US$ 17,8 bilhões, respec- US$ 31,6 bilhões em 1991, aproximadamente,
tivamente. voltando a evoluir a partir de 1992.
As importações brasileiras atingiram cerca
DESEMPENHO DO BRASIL NO de US$ 23 bilhões em 1990 e US$ 53 bilhões em
1996. A média de importações, que no início de
COMÉRCIO INTERNACIONAL
1980 girava em torno de US$ 20 bilhões, caiu para
O Brasil, a partir de 1980, vinha apresen- US$ 15 bilhões no período de 1983 a 1988, só se
tando saldos comerciais significativos, dentro de recuperando em 1989, revelando que a economia
uma política de comércio exterior que incentiva- brasileira era extremamente fechada. Em 1997,
va as exportações e continha as importações, se- tanto em relação às exportações quanto às impor-
guindo os imperativos das negociações da dívida tações, os dados apontam recordes históricos de
externa brasileira (por 15 anos, aproximadamen- desempenho, com valores de US$ 52,99 milhões e
te, o país apresentou saldos positivos na sua ba- US$ 59,83 milhões, respectivamente, apresentan-
lança comercial). do um saldo negativo de US$ 6,84 milhões.

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0000_Impulso_31.Book Page 151 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Tab. 3. Brasil: Intercâmbio Comercial – Exportação (US$ milhões, FOB).


Anos Argentina Paraguai Uruguai Mercosul total Totais gerais
1990 645 380 295 1.320 31.414
1991 1.476 496 337 2.309 31.620
1992 3.040 543 514 4.097 35.793
1993 3.658 952 776 5.386 38.555
1994 4.135 1.054 732 5.921 43.545
1995 4.041 1.301 812 6.154 46.506
1996 5.170 1.324 811 7.305 47.747
1997 6.770 1.407 870 9.047 52.994
1998 6.748 1.249 881 8.878 51.140
1999 5.364 744 670 6.778 48.011
2000 6.233 832 668 7.733 55.086
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – SECEX, 2001.

DESEMPENHO DO BRASIL portações totais brasileiras. Em 1995, a participa-


NO MERCOSUL ção atingiu 13,7% e continuou crescendo até
Para o Mercosul, foram destinados em 1998, ou seja, 16,3%. Já em 1999 e 2000, a parti-
1990 cerca de US$ 1,3 bilhões, ou seja, 4,2% das cipação caiu para 13,6% e 14%, respectivamente
exportações totais. Em 1995, com a consolidação (tab. 4).
da união aduaneira, foram destinados US$ 6,1 bi- A tabela 5 apresenta o saldo do intercâmbio
lhões, ou seja, 13,2% das exportações totais. Em comercial do Brasil em relação ao Mercosul, no
1998, a participação das exportações brasileiras período 1990-2000.
para o Mercosul em relação às exportações brasi-
A tabela 6 mostra os grupos de produtos
leiras totais atingiu 17,4%. É importante observar
que a participação do Mercosul vinha crescendo exportados para o Mercosul e as importações
rapidamente, caindo para 14,1% e 14% nos anos brasileiras por grupos de produtos provenientes
de 1999 e 2000, respectivamente (tab. 3). do Mercosul. Esses dados revelam a importância
Do Mercosul, o Brasil importou US$ 2,3 do bloco tanto como destino das exportações
bilhões em 1990, representando 11,2% das im- quanto como origem das importações brasileiras.

Tab. 4. Brasil: Intercâmbio Comercial – Importação (US$ milhões – FOB).


Anos Argentina Paraguai Uruguai Mercosul total Totais gerais
1990 1400 333 587 2320 20661
1991 1615 220 434 2269 21041
1992 1732 195 302 2229 20554
1993 2717 276 385 3378 25256
1994 3662 352 569 4583 33079
1995 5591 515 738 6844 49972
1996 6805 552 944 8301 53346
1997 8032 517 967 9516 59838
1998 8034 351 1042 9427 57714
1999 5812 260 647 6719 49210
2000 6843 351 601 7795 55783
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – SECEX, 2001.

impulso nº 31 151
0000_Impulso_31.Book Page 152 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Em 1992, as exportações do Brasil para o tos (18%), produtos químicos (12,3%), produtos
Mercosul concentraram-se principalmente em alimentares (12,7%) e metais comuns (10,3%),
material de transporte (26,1%), máquinas e equi- mantendo, portanto, o mesmo perfil. As importa-
pamentos (17,1%), metais comuns (12,4%) e pro- ções do Brasil provenientes do Mercosul também
dutos alimentares (10%). Em 1995, as exportações apresentaram o mesmo desenho, concentrando-se
brasileiras centraram-se principalmente em mate- em produtos alimentícios: 50,8% e 41,5% nos
rial de transporte (18,1%), máquinas e equipamen- anos de 1991 e 1995, respectivamente.

Tab. 5. Intercâmbio comercial do Brasil (US$ milhões – FOB).


Anos Argentina Paraguai Uruguai Mercosul total Totais gerais
1990 (754) 48 (292) (998) 10752
1991 (138) 276 (97) 41 10579
1992 1038 348 212 1598 15239
1993 941 677 390 2008 13299
1994 474 701 163 1338 10466
1995 (1550) 786 74 (690) (3466)
1996 (1635) 772 (133) (996) (5599)
1997 (1262) 889 (97) (470) (6844)
1998 (1286) 898 (162) (550) (6574)
1999 (448) 484 23 59 (1199)
2000 (611) 481 67 (63) (698)
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – SECEX, 2001.

Tab. 6. Brasil: Exportação e importação – Mercosul.


EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO
GRUPOS DE (US$ MILHÕES) (US$ MILHÕES) (%) (%)
PRODUTOS
1992 1995 1992 1995 1992 1995 1992 1995
Alimentos/fumo/bebidas 412 780 1.153 2.829 10 12,7 50,8 41,5
Minerais 149 243 61 822 3,6 3,9 2,7 12
Químicos 335 756 193 280 8,1 12,3 8,5 4,1
Plásticos/borracha 305 539 78 281 7,4 8,8 3,4 4,1
Calçados/couro 37 60 139 172 0,9 0,9 6,1 2,5
Madeira 25 39 22 43 0,6 0,6 1 0,6
Papel 174 296 24 104 4,2 4,8 1,1 1,5
Têxtil 247 303 249 547 6 4,9 11 8
Minerais não metálicos /
68 122 17 41 1,6 1,9 0,7 0,6
metais preciosos
Metais comuns 513 637 49 100 12,4 10,3 2,2 1,4
Máquinas/equipamentos 707 1.108 156 471 17,1 18 6,9 6,9
Material de transporte 1.076 1.117 111 1.041 26,1 18,1 4,9 15,3
Ótica/instrumentos 28 41 9 11 0,7 0,7 0,4 0,2
Outros 52 88 8 44 1,3 1,4 0,3 0,6
Total 4.128 6.154 2.268 6.821 100 100 100 100
Fonte: Secretaria do Comércio Exterior – SECEX, 1997.

152 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 153 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

Desde as negociações iniciais para estabele- dados sobre a evolução do comércio intra-Merco-
cer o Mercosul, em 1991, observou-se um cresci- sul no período 1990-2000. Esse comércio interno
mento vigoroso no intercâmbio regional, devido foi multiplicado muitas vezes desde a criação da
ao processo de desgravação tarifária e à reorienta- união aduaneira até atingir seu nível máximo em
ção do comércio entre os países participantes. 1998. Em 1999, veio a crise, mas houve recupera-
ção no ano seguinte, embora ainda sem retornar ao
CONSIDERAÇÕES FINAIS volume de 1998. No início de 2002, fruto da ins-
O Mercosul deu largos passos em direção à tabilidade política e da grande crise econômica na
meta de constituição do Mercado Comum do Argentina, despencou o comércio intraMercosul:
Sul. A zona de livre comércio, etapa precedente, as exportações do Brasil para a Argentina diminu-
já é uma realidade. A união aduaneira nascida íram aproximadamente 60%, havendo a interrup-
com a Tarifa Externa Comum (TEC), em 1.º de ção momentânea, inclusive, das quotas de com-
janeiro de 1995, continuou a ser aperfeiçoada ao pensação do comércio de itens automotivos.
longo dos próximos anos. O Brasil não registra superávit comercial
com o parceiro argentino desde 1994 e o cenário
O artigo do presidente Itamar Franco, pre-
para os próximos anos deverá manter essa cons-
parado para publicação no Diário El Nacional, de
tatação. A importação de produtos argentinos
Caracas, em junho de 1993, dizia:
pelo País revelou para a Argentina que a parceria
O Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uru- conosco no Mercosul superou qualquer expecta-
guai deverão efetivamente constituir, até o tiva, pois a política externa brasileira apontou,
final de 1994, uma Zona de Livre Comércio claramente, para a ajuda comercial sem a necessi-
(...) e uma União Aduaneira. (...) A forma- dade da contrapartida argentina. Para tentar su-
ção de Mercado Comum entre nossos qua- perar a perda de divisas com a queda brutal das
tro países é tarefa altamente complexa e de- importações argentinas de produtos brasileiros, o
verá constituir uma evolução ao longo do
Brasil já há três anos procura desenvolver novos
tempo. (...) O Mercosul é um processo ne-
mercados, a exemplo do mexicano, sul-africano,
gociador que não se esgotará em 1.º de ja-
neiro de 1995. saudita, russo e chinês. Por fim constata-se que,
recentemente, a Argentina deixou de ser o segun-
O Mercosul deixou de ser uma variável de do maior comprador dos produtos brasileiros.
política externa para se tornar, simultaneamente, O projeto do Mercosul se desenvolveu, por-
uma variável de política econômica, na medida tanto, numa situação de crescente participação de
em que se configurou num instrumento indis- seus países nos fluxos comerciais mundiais nos
pensável de inserção competitiva das economias anos de 1994 a 1998. Desde então, o Mercosul foi
dos países membros no mercado internacional.9 marcado por problemas cambiais tanto na Argen-
Em bloco, os países têm mais força e, assim, o es- tina quanto no Brasil, além da recente recessão
forço da integração torna-se positivo. Desde sua econômica argentina, que refreou o comércio a ní-
criação, vem consolidando seu funcionamento e veis não imaginados. Assim, foram identificadas as
atingindo resultados expressivos, contribuindo seguintes vantagens em participar de um processo
para a criação de um clima receptivo de expansão de integração como o Mercosul: dinamização eco-
do COMÉRCIO, apesar dos recentes acontecimen- nômica, consolidação do processo de liberalização
tos políticos e econômicos ocorrido na república comercial, atração de investimentos e fortaleci-
argentina. mento das instituições democráticas.
Para evidenciar os avanços do Mercosul, as Porém, cabe destacar que a conjuntura bra-
tabelas 3 e 4, apresentadas acima, mostram alguns sileira durante a maior parte do período de transi-
ção era difícil. Até 1993, não havia um documen-
9 SEITENFUS, 1994, p. 114. to formal do bloco explicitando o entendimento

impulso nº 31 153
0000_Impulso_31.Book Page 154 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

de que o mercado comum era uma meta a ser ser melhor analisado. As discussões da futura
alcançada ao longo do tempo. Em 1994, o Mer- ALCA colocaram no centro da agenda sub-regio-
cosul ainda era uma incógnita, pois havia muitas nal o debate sobre o aprofundamento do Merco-
dúvidas sobre as metas a serem efetivamente bus- sul, ainda que sob forte “onda” protecionista dos
cadas. A união aduaneira implantada em 1.º de ja- Estados Unidos. As reuniões e possibilidades de
neiro de 1995 passou pela prova de fogo dos dois acordos comerciais entre Mercosul e União Eu-
primeiros anos. ropéia também contribuem para uma redefinição
Pode-se afirmar que as crises, desde a au- da identidade do Mercosul.
tomobilística até a dos têxteis ou a dos alimentos,
não passaram de bolhas alarmistas, até que a Ar- Agradecimento
gentina atravessasse o atual estágio de recessão e Aos alunos da UNIMEP Marisa Lazani Dai-
quase depressão econômica, o qual ainda caberá nese e Juliano Aparecido Rinck.

Referências Bibliográficas
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AMORIN, C.L.N. O Mercado Comum do Sul e o contexto hemisférico. Boletim de Diplomacia Econômica, Brasília, Minis-
tério das Relações Exteriores, 7: 13-18, 1991.
BARBOSA, R. & CÉSAR, L. A Integração subregional e hemisférica: o esforço brasileiro. In BARBOSA, R. & CÉSAR, L. Temas
de Política Externa. São Paulo: Paz e Terra, 1994, v. II.
BAUMANN, R. & LERDA, J.C. Brasil, Argentina e Uruguai: a integração em debate.São Paulo: Editora Marco Zero, 1987.
CARVALHO, M.A. Integração econômica Brasil-Argentina: os termos do desejável e os limites do possível. São Paulo:
FEA/USP, 1991. [Dissertação de mestrado]
CARVALHO, M.A. & SILVA, C.R.L. Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 2000.
CARRANZA, M.E. Segurança regional e integração econômica na América Latina e no Sudeste Asiático: um estudo
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CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.
CORRÊA, P.G. et al. A Agenda de Las Leñas e a Integração no Mercosul. Boletim de Integração Latino-americana, Brasília,
Ministério das Relações Exteriores, 7: 7-13, out./dez., 1992.
FLORÊNCIO, S.A.L. & ARAÚJO, E.H.F.Mercosul Hoje. São Paulo: Editora Alfa Omega, 1996.
PRESSER, M.F. Abertura externa e integração regional: o caso do Mercosul. Estudos Especiais, Cecon, Campinas, 2: 1-13,
1993.
SEITENFUS, R.A.S. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
__________. Para uma Nova Política Externa Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.

Dados dos autores


REGINA CÉLIA FARIA SIMÕES é doutora em economia,
professora da área de economia na graduação e na pós-graduação da UNIMEP.
CRISTIANO MORINI é mestre em integração latino-americana
e professor da área de gestão de negócios internacionais na
graduação e na pós-graduação da UNIMEP.

Recebimento artigo: 5/nov./01


Consultoria: 9/nov./01 a 6/mar./01
Revisão do autor: 15maio/02 a 5/jun./02
Aprovado: 1.º/jul./02

154 impulso nº 31
0000_Impulso_31.Book Page 155 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

A Comunidade de
Desenvolvimento
da África Austral (SADC):
rumo à integração política
e econômica *
SOUTHERN AFRICA DEVELOPMENT
COMMUNITY (SADC): TOWARDS POLITICAL
AND ECONOMIC INTEGRATION
RUKUDZO MURAPA
Resumo Este artigo considera a atual tendência rumo à constituição de novos blocos Vice-chanceler da Africa
econômicos a partir do ponto de vista da experiência africana. Seu objetivo é revisar University (Zimbábue),
brevemente os diferentes momentos e aspectos envolvidos na criação e desenvolvi- consultor da UNDP,
mento de um Mercado Comum Africano. Inclui algumas observações políticas, eco- World Bank e outras
nômicas e históricas sobre os desafios e oportunidades para o contínuo desenvolvi- agências internacionais
mento de uma comunidade de Desenvolvimento da África Austral. vc@syscom.co.zw
www.africau.edu
Palavras-chave COMUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA AUSTRAL
(SADC) – INTEGRAÇÃO REGIONAL – ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO – UNIÃO ALFAN-
DEGÁRIA – PRESENÇA COLONIZADORA – ESTADOS DA LINHA DE FRENTE.

Abstract This essay considers the present trend towards the constitution of new eco-
nomic blocs from the point of view the African experience. It aims at briefly revi-
ewing the different moments and aspects involved in the creation and development
of an African Common Market. It includes some political, economic and historical
remarks about the challenges and opportunities for the further development of a
South African Development Community.
Keyword SOUTHERN AFRICAN DEVELOPMENT COMMUNITY (SADC) – REGIONAL
INTEGRATION – FREE TRADE AREA – CUSTOMS UNION – SETTLER PRESENCE –
FRONTLINE STATES.

* Tradução do inglês: Cristina Paixão Lopes.

impulso nº 31 155
0000_Impulso_31.Book Page 156 Monday, September 30, 2002 10:52 AM

A
INTRODUÇÃO
história moderna tem sido caracterizada pela formação
de blocos de países como estratégia de autodefesa e de-
senvolvimento socioeconômico. Mais marcadamente,
os exemplos da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan) e da União Européia (UE) têm sido de-
terminantes.
Na África, essa mesma tendência pode ser identi-
ficada na criação da Comunidade para o Desenvolvi-
mento da África Austral (SADC) e da Comunidade Econômica dos Es-
tados da África Ocidental (ECOWAS), que têm sido consideradas deter-
minantes na integração regional econômica africana. A SADC tem ampliado
o número de países participantes na comunidade, indo dos nove originais
para 14, bem como o âmbito e a natureza de seus objetivos. No entanto,
ainda enfrenta desafios em termos de integração, dadas as disparidades e
os variados níveis de estabilidade e democracia entre os países membros.

INTEGRAÇÃO REGIONAL
A integração regional refere-se ao
movimento para estabelecer ligações entre e em meio a um grupo de pa-
íses dentro de um determinado espaço geográfico, motivado pelos in-
teresses comuns e compartilhados para cooperação nas áreas de comér-
cio e outros setores econômicos, com vistas a alcançar uma zona de livre
comércio e, subseqüentemente, estabelecer uma união alfandegária.1

Os países soberanos consideram a necessidade de integrar ou coo-


perar regionalmente apenas se perceberem ganhos coletivos no acordo.
Por todo o mundo, a integração regional está sendo considerada a van-
guarda para o desenvolvimento e a sustentabilidade econômicos e a es-
tabilidade política. Blocos comuns incluem a União Européia (UE), a Co-
munidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), a Co-
munidade Africana do Ocidente (EAC), a Comunidade de Desenvolvi-
mento da África Austral (SADC), o Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (Nafta), o Mercado Comum do Cone Sul (Merco-
sul), a Associação das Nações do Sudoeste Asiático (Asean), e o Fórum
de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (Apec).
Os países comercializam mais significativamente com seus vizi-
nhos do que com os países distantes. Como tal, “a pura análise econô-
mica mostra que, com as pré-condições corretas, podem-se esperar bene-
fícios econômicos significativos, potencialmente mensuráveis, com a in-
tegração regional”.2 O benefício fundamental da integração econômica
está na utilização de vantagens comparativas de Estados membros. As-

1 Secretaria da ACP, 1997.


2 EVANS et al., 1999, p. 4.

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sim, têm condições de aguardar benefícios eco- A SADCC


nômicos significativos em níveis mais profundos O período de transição da década de 1960
de integração regional. para a de 1970 foi marcado por maciça revolta po-
Normalmente, a integração regional se ma- lítica no continente africano. Foi o tempo da des-
nifesta: colonização e independência, e esse movimento
1. pelo estabelecimento de uma zona de livre co- ocorreu com relativa rapidez na maioria da Áfri-
mércio, envolvendo a remoção de barreiras ca. No entanto, na África do Sul, onde a presença
tarifárias e não-tarifárias; do colonizador era considerável, houve resistên-
2. pelo estabelecimento de uma união alfandegá- cia à descolonização. Em conseqüência da resis-
ria pela qual todas as restrições ao comércio e tência do colonizador, a luta pela independência
ao movimento de agentes dentro da área são assumiu uma estratégia totalmente diferente, das
removidas; e negociações políticas ao confronto militar, de paí-
ses como a Rodésia (Zimbábue), África Oriental
3. pela harmonização de políticas econômicas,
Portuguesa (Moçambique), África Ocidental
monetárias, fiscais, sociais e outras políticas
Portuguesa (Angola), África do Sul e Namíbia.
setoriais.
Conseqüentemente, a Organização de
A integração também é influenciada pelo Unidade Africana (OUA) decidiu estabelecer um
desejo de promover uma frente comum de defesa Comitê de Libertação, sediado em Dar Es Salaam
e segurança. e liderado pela Tanzânia. No cumprimento de
Muito se tem escrito sobre a integração suas responsabilidades como base do Comitê de
regional, porque há uma crescente compreensão Libertação, a Tanzânia reuniu Estados, que se tor-
de que a sua promoção é um poderoso paradig- naram conhecidos como Estados da Linha de
ma de desenvolvimento que pode permitir às Frente (países vizinhos aos locais onde havia re-
nações alcançar recuperação e crescimento eco- sistência). Foram os Estados da Linha de Frente e
nômico robusto e auto-sustentável. Parece ser o Comitê de Libertação da OUA que assumiram a
uma panacéia para a melhoria da qualidade de responsabilidade de mobilizar apoio internacional
vida dos povos de países pobres. Ela tem sido para movimentos de libertação como Frelimo
considerada fonte de esperança para milhões de (Moçambique), Zapu e Zanu (Zimbábue), MPLA
pessoas para quem a vida parece não ter qual- (Angola), Swapo (Namíbia) e ANC e PAC, na
quer sentido, já que enfrentam uma pobre infra- África do Sul.
estrutura educacional e de saúde, níveis impor- Com a independência de Moçambique,
tantes de subnutrição, pobreza, desemprego e Angola e Zimbábue, a liderança dos Estados da
subemprego. Linha de Frente sentiu a necessidade de tratar de
No entanto, é preciso observar que a bus- questões econômicas na região. O presidente da
ca da cooperação e integração regionais per se Tanzânia, Julius Nyerere, convocou uma reunião
não pode ser uma solução para políticas nacio- consultiva em Arusha, Tanzânia, em 1979, para
nais de desenvolvimento e administração ruins e discutir a idéia de uma aliança econômica entre o
falidas. Na realidade, observou-se que os países crescente número de Estados da Linha de Frente,
que se beneficiaram imensamente da integração visando coordenar e harmonizar suas políticas
regional são aqueles que projetaram e imple- econômicas. A reunião contou com a participa-
mentaram políticas nacionais que sustentam e ção dos Estados da Linha de Frente, bem como
estimulam a produção, os investimentos e o co- dos líderes dos movimentos de libertação de pa-
mércio. O ambiente político e econômico nacio- íses que ainda não tinham alcançado um governo
nal tem de sustentar o processo de integração de maioria. Após uma extensiva deliberação so-
para que qualquer desenvolvimento possa ser bre a visão do presidente Nyerere, resolveu-se
alcançado. explorar a possibilidade de criar alguma forma de

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mecanismo regional que examinasse, monitoras- coletiva. Foram identificados os seguintes objeti-
se e coordenasse questões de desenvolvimento vos estratégicos:
econômico nos países independentes da África 1. reduzir a dependência do mundo exterior e,
Austral. Esse mecanismo veio a se tornar a Con- em particular, da África do Sul;
ferência de Coordenação para o Desenvolvimen- 2. promover a autoconfiança coletiva dos Esta-
to da África Austral (SADCC). dos membros;
A SADCC foi oficialmente formada em 1.o 3. promover e coordenar a cooperação econômi-
de abril de 1980, seguindo a adoção do Protocolo ca por meio de um projeto e de uma aborda-
de Lusaka, e passou a funcionar em Lusaka, Zâm- gem orientada por setor;
bia. Tornaram-se membros da SADCC Angola, 4. promover uma ação conjunta para garantir a
Botsuana, Lesoto, Malavi, Moçambique, Suazi- compreensão internacional e seu apoio prático
lândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Assim, a para a estratégia da SADCC.
SADCC nasceu das experiências positivas de ínti- De modo a alcançar as prioridades nacio-
ma cooperação entre governos e povos da África nais por meio de uma ação regional, cada Estado
Austral em sua luta contra a resistência colonial membro assumiu a responsabilidade de coorde-
e as políticas do apartheid na região. Fortes laços nar um ou mais setores. Isso envolvia a proposi-
de solidariedade surgiram de um sentimento de ção de políticas, estratégias e prioridades para o
propósito comum e ação conjunta contra o co- setor e processar projetos para a inclusão no pro-
lonialismo e o racismo. Quando da independên- grama setorial, monitorando seu progresso e
cia, a maioria desses países enfrentava pobreza apresentando relatórios ao Conselho Ministerial.
em massa, atraso econômico e ameaça de As responsabilidades setoriais da SADCC eram as
desestabilização da África do Sul na região. Da- seguintes:
das essas circunstâncias, a necessidade de traba- • Angola – comissão de energia;
lhar junto tornou-se um imperativo ainda mais • Botsuana – pesquisa agrícola, produção de ani-
urgente e foi vista como um instrumento de so- mais e controle de doenças de animais;
brevivência política, desenvolvimento econômi- • Lesoto – meio ambiente, administração da ter-
co e avanço social. Esses Estados começaram a ra e água;
explorar áreas de interesse mútuo. Isso primeiro • Malavi – pesca, área florestal e vida selvagem;
se manifestou por meio dos agrupamentos dos • Moçambique – cultura, informação, esportes,
Estados da Linha de Frente. A SADCC tornou-se, comissão de transportes e comunicação;
em essência, o braço econômico desses Estados. • Suazilândia – desenvolvimento de recursos
O bloco coordenou seus esforços, recursos humanos;
e estratégias para apoiar movimentos de liberta- • Tanzânia – indústria e comércio;
ção e, ao mesmo tempo, resistir às agressões do • Zâmbia – emprego, trabalho e mineração;
regime de minoria branca na África do Sul. Além • Zimbábue – produção agrícola, alimentação,
disso, a liderança da SADCC estava convencida de recursos agrícolas e naturais.
que o fato de seus países dependerem economi- O grau de sucesso no desempenho dos Es-
camente da África do Sul impedia seu próprio de- tados membros na administração de suas respec-
senvolvimento. Portanto, buscaram reduzir essa tivas pastas diferiu de um setor para o outro. Em
dependência e adotar políticas que visassem a in- grande medida, isso foi determinado por uma va-
tegração de suas economias. Por meio da SADCC, riedade ou uma combinação de fatores. Entre
os países fundadores buscaram, primeiro, de- eles, os principais foram: 1. o compromisso do
monstrar os benefícios tangíveis do trabalho con- país para com o sucesso da pasta que administra-
junto e do cultivo de um clima de segurança e va; 2. os níveis de recursos nacionais (humanos,
confiança entre os Estados membros. Assim, a financeiros e materiais); 3. a habilidade do país
SADCC representava uma visão de autoconfiança em mobilizar o auxílio de doadores internacio-

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nais; e 4. o grau de interesse do doador em certo África Austral. A antiga SADCC promoveu a so-
país ou pasta. lidariedade tanto entre os governos quanto entre
É importante observar que enquanto a SAD- os povos da região em várias esferas da vida.
CC como um todo procurava reduzir a dependên- Com o estabelecimento da democracia e do
cia da região sul africana do mundo exterior, tal re- governo da maioria na África do Sul, em 1994, o
dução na realidade nunca ocorreu. Na verdade, a papel dos Estados da Linha de Frente chegou ao
dependência aumentou, já que suas operações de- fim e a liderança da SADCC passou a enfocar as
pendiam grandemente do auxílio de doadores. questões econômicas. Para isso, ela foi transfor-
Nem um único país empenhou recursos suficien- mada de uma livre fraternidade de nações de uma
tes para satisfazer as exigências para a efetiva im-
mesma região em uma comunidade econômica.
plementação de sua pasta. Surpreendentemente,
O objetivo, agora, era desenvolver estratégias e
mal se podia achar um projeto – em qualquer pas-
políticas que levassem os Estados da África Aus-
ta que fosse – concebido, desenvolvido e imple-
tral a emergir como um bloco econômico. A
mentado sem um doador por trás. Em muitos pa-
Conferência de Coordenação para o Desenvolvi-
íses, mesmo os funcionários de governo encarre-
mento da África Austral (SADCC) deixou de exis-
gados de auxiliar na administração da pasta do país
recebiam seus salários ou gratificações do doador tir e nasceu a Comunidade para o Desenvolvi-
que fornecia assistência financeira e técnica a esta mento da África Austral (SADC). A SADC falhou
pasta. Geralmente, os salários pagos por meio de na criação de uma integração regional genuína e
fundos do doador eram muito mais altos do que eqüitativa.
os dos servidores civis. O resultado é que muitos
servidores civis preferiam trabalhar para a pasta da A INTEGRAÇÃO DA SADC
SADCC de seu país. Além de receber salários mais A SADC foi estabelecida por meio de um
altos, eles se beneficiavam bastante das freqüentes tratado, em 1992. Esse tratado tem por objetivo
viagens internacionais e dos pagamentos de diárias melhorar as habilidades técnicas e administrativas
delas decorrentes. dentro da região e estipula o estabelecimento de
Alguns objetivos foram alcançados pela uma série de protocolos voltados para uma maior
SADCC, particularmente nas áreas de transporte e integração regional inter alia: os protocolos do
comunicações, energia e pesquisa agrícola. O comércio, energia, educação e turismo. O proto-
progresso para a redução da dependência da re- colo do comércio é o mais significativo e teve de
gião e para o alcance da integração das economias ser ratificado por 2/3 dos países membros antes
dos países da África Austral foram modestos. de ser efetivado.
Durante a década de 1980, a SADCC garantiu, efe- De acordo com o Unidade de Pesquisa de
tivamente, o investimento internacional, particu- Políticas Econômicas da Namíbia (NEPRU),3 os
larmente nos setores de transportes e comunica- objetivos do Protocolo do Comércio são:
ções, em que 216 projetos, no valor de US$ 6,6
3 NEPRU, 1998. A Namibian Economic Policy Research
bilhões (75% do investimento), foram entregues
Unit (NEPRU), estabelecida em 1990, é o principal instituto
em sua primeira década. A maior parte desse in- independente de pesquisas econômicas na Namíbia. É um
vestimento veio dos países nórdicos. Ela também instituto autônomo, governado por um Conselho de Cura-
ajudou a manter unido um bloco de países carac- dores independente, com três objetivos principais: assessorar
o governo da Namíbia como centro de excelência profissional
terizados por desenvolvimento regional desigual, através da pesquisa para a formulação de políticas e tomadas
ruptura política e diversidade ideológica. A maior de decisão nas áreas estratégicas de macro e socioeconomia;
treinar os namibianos em habilidades especiais; e construir
realização da Conferência foi o estabelecimento uma base de informações para fonte de pesquisas sobre
de uma firme base para a integração regional da assuntos namibianos.

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• liberalizar ainda mais o comércio intra-regio- bros, indo além de uma coordenação em nível se-
nal de bens e serviços, com base em acordos torial, em busca de cooperação, convergência e,
de comércio justos, mutuamente eqüitativos e finalmente, integração em áreas como a de polí-
benéficos, complementados por protocolos tica monetária e fiscal, taxa de câmbio e regimes
em outras áreas (como a de energia), para ga- de comércio, e o movimento irrestrito de capital
rantir uma produção eficiente dentro da SADC, e trabalho e de bens e serviços no interior da
refletindo as atuais e dinâmicas vantagens África Austral. Os Estados membros visionam a
comparativas de seus membros; África Austral como uma região caracterizada
• contribuir para melhorar o clima de investi- pela paz, boa vizinhança e tranqüilidade, onde as
mentos domésticos entre fronteiras e estran- nações tenham maior crescimento econômico e
geiros; seus cidadãos gozem de prosperidade duradoura
• intensificar o desenvolvimento econômico, a como um direito humano fundamental. Entre os
diversificação e a industrialização da região; e, objetivos da SADC estão:
por último, 1. alcançar desenvolvimento e crescimento eco-
• intensificar o processo de integração regional nômico, aliviar a pobreza, aumentar o padrão
através do aumento do comércio intra-regio- e a qualidade de vida dos países da África Aus-
nal e facilitando o comércio entre fronteiras. tral e dar apoio aos socialmente desamparados,
O protocolo toma providências no sentido por meio da integração regional;
de que a redução de tarifas ocorra dentro de oito 2. desenvolver valores, sistemas e instituições
anos após a ratificação pelos 2/3 dos Estados políticas comuns;
membros da SADC, enquanto se espera que a
3. promover e defender a paz e segurança;
zona de livre comércio seja totalmente imple-
mentada. Algumas das principais disposições do 4. promover o desenvolvimento sustentado a
protocolo são o comércio de bens e serviços, par- partir da autoconfiança coletiva e da interde-
ticularmente as regulamentações de origem e os pendência dos Estados membros;
procedimentos alfandegários. 5. alcançar a complementaridade entre estratégias
Em relação ao comércio de bens, o objetivo e programas nacionais e regionais;
é a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifá- 6. promover e maximizar o produtivo emprego e
rias ao comércio intra-regional. As barreiras a utilização dos recursos da região;
tarifárias incidem sobre os produtos importados 7. alcançar o uso sustentável dos recursos natu-
para proteger as indústrias nacionais da competi- rais e a efetiva proteção do meio ambiente;
ção estrangeira e para levantar impostos para o 8. fortalecer e consolidar as antigas afinidades
governo. As barreiras não-tarifárias são cotas glo- históricas, sociais e culturais e os elos entre os
bais, preços mínimos, restrições quantitativas e povos da região;
exigências locais.
Para alcançar esses objetivos, o tratado re-
Pela genuína e eqüitativa cooperação regio-
quer que os Estados membros da SADC:
nal, a SADC busca promover a autoconfiança co-
letiva e a formação de elos mais fortes entre seus 1. harmonizem as políticas e planos políticos e
membros. Como afirmado anteriormente, hoje socioeconômicos dos estados membros;
há 14 países membros da SADC: Angola, Botsua- 2. encoragem os povos da região e suas insti-
na, República Democrática do Congo, Lesoto, tuições a tomar iniciativas para desenvolver
Malavi, Maurício, Moçambique, Namíbia, laços econômicos, sociais e culturais por toda
Seychelles, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia, a região e participar plenamente na imple-
Zâmbia e Zimbábue. A SADC representa a aspi- mentação de programas e projetos da SADC;
ração de alcançar uma forma mais profunda e am- 3. criem instituições e mecanismos apropriados
pla de integração regional entre os Estados mem- para a mobilização dos recursos necessários à

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implementação dos programas e projetos da O STATUS POLÍTICO E ECONÔMICO


SADC e suas instituições; DA REGIÃO DA SADC
4. desenvolvam políticas que objetivem a pro-
gressiva eliminação de obstáculos à livre Visão política
movimentação de capital e trabalho, bens e O bloco da SADC é composto por Estados
serviços, e dos povos da região entre os Esta- altamente diversificados em suas condições so-
dos membros; cioeconômicas e políticas. Embora todos eles se
5. melhorem a administração e o desempenho declarem democráticos, bem poucos contêm as
econômico por meio da cooperação regional; instituições que caracterizam as modernas demo-
6. promovam o desenvolvimento, a transmissão cracias em seus sistemas políticos, como eleições
e o domínio da tecnologia; livres e justas, um Judiciário independente e im-
7. promovam a coordenação e a harmonização de prensa livre. Em muitos deles, a elite governante
relações internacionais dos Estados membros; não tolera a oposição política e pouco respeita o
8. garantam entendimento, cooperação e apoio sistema de leis. Em alguns países envolvidos em
guerras civis, a busca de ideais democráticos ob-
internacional e mobilizem o influxo de recur-
viamente tornou-se difícil. Pelo menos dois dos
sos públicos e privados na região;
Estados membros, Angola e República Demo-
9. desenvolvam outras atividades que os Estados
crática do Congo, estão envolvidos em contínuas
membros decidam, em apoio a esse tratado.
guerras civis que têm impedido os esforços do
As estruturas da SADC são, essencialmente, governo para exercer a hegemonia política em
as mesmas que existiam na SADC: a Cúpula de todo o território nacional.
Chefes de Estado, o Conselho de Ministros, o No entanto, em um esforço para alcançar a
Comitê Permanente de Antigos Oficiais e uma integração política, a SADC tem tido um papel
Secretaria, chefiada por um secretário executivo. cada vez maior na solução de conflitos nesses Es-
A Secretaria tem a responsabilidade de adminis- tados. A corporação tem assumido a liderança na
trar questões relativas à organização, bem como à busca de um desfecho para as guerras no Congo
implementação de decisões tomadas pelo Conse- e Angola, bem como para a atual crise política do
lho e pela Cúpula. Zimbábue. Angola, Namíbia e Zimbábue envia-
Dez anos após sua formação, a SADC deci- ram tropas para oferecer apoio militar ao governo
diu abandonar a abordagem descentralizada a do Congo contra ataques de grupos rebeldes que
partir de setores em favor de uma abordagem contavam com o apoio militar e político dos go-
centralizada. Foi constituído um Comitê Minis- vernos do Burundi, Ruanda e Uganda.
terial para projetar o Plano Regional de Desen-
volvimento Estratégico e Indicativo para a região, Visão econômica
para cinco anos, junto com o recém-criado De- Em 1999, a soma do Produto Interno Bru-
partamento de Planejamento, Gênero e Desen- to da SADC era estimado em US$ 178,3 bilhões.
volvimento Estratégico e Harmonização Política. Como observado anteriormente, as economias
Ligados a esse Departamento estarão quatro jun- da região são estruturalmente variadas e estão em
tas, que reúnem as atividades e programas da variados estágios de desenvolvimento. O PIB da
SADC que se inter-relacionam: comércio, indús- África do Sul, de US$ 131 bilhões, é maior do
tria, finanças e investimentos; infra-estrutura e que a soma do PIB de todos os outros países da
serviço; alimentação, agricultura e recursos natu- SADC. Os índices de inflação na região também
rais e desenvolvimento humano e social. variam grandemente, da hiperinflação em Angola
A implementação da reestruturação está (248%), Zimbábue (112%), República Demo-
em andamento e espera-se que esteja concluída crática do Congo (45%) e Zâmbia (20%) a índi-
em dezembro de 2002. ces de inflação relativamente baixos na Tanzânia

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(8%), Moçambique (5,5%) e África do Sul ATUAIS DESAFIOS


(5,5%). O crescimento econômico regional di- A integração regional é conduzida por
minuiu, em média, registrando um crescimento compromissos obrigatórios para o cumprimento
médio de 2,2% em 1999. No ano 2000, a soma das diferentes fases do processo, como o estabe-
das economias cresceu 3%. No entanto, a dívida lecimento de uma zona de livre comércio. No en-
externa dos países, individualmente, permanece tanto, como mostra a demora na ratificação, al-
em níveis inaceitavelmente altos. guns Estados membros não aderem a esses com-
Excluindo a África do Sul, as economias promissos. Esse comportamento leva à falta de
dos outros 13 países da região podem ser consi- credibilidade e, às vezes, à instabilidade regional.
deradas em desenvolvimento. Numa base de país Além disso, alguns membros acreditam que não
para país, a República Democrática do Congo estão colhendo benefícios iguais com a integra-
mal atingiu um crescimento superior a 1% ao ano ção e relutam em remover as barreiras ao livre co-
nas últimas duas décadas. O Zimbábue tem en- mércio. É o caso da África do Sul, que na verdade
frentado sérios desafios econômicos nos últimos desenvolveu uma fobia contra países vizinhos em
três anos. Todos os setores da economia têm-se vez de se mostrar favorável a eles, apesar de do-
retraído, de modo geral. No ano 2002, a econo- minar a economia da região. Em 1995, a África
mia do Zimbábue está projetada para se retrair no do Sul era responsável por 52% das exportações
índice altíssimo de 7,3%. Embora Moçambique intra-SADC, enquanto absorvia apenas 8% das
tenha passado a maior parte do seu período de in- importações intra-SADC. Falando claramente,
dependência sob tumulto político, registrou um isso significa que a África do Sul, que tem a maior
impressionante crescimento econômico desde economia dentro do grupo, mais exporta do que
que as hostilidades cessaram. Seu atual cresci- importa dos países da SADC. O Zimbábue é res-
mento econômico está entre 10% e 12%. No en- ponsável por 61% das importações da África do
tanto, as recentes enchentes provocadas pelo Ci- Sul dentro do bloco, seguido por Zâmbia e Ma-
clone Eline afetaram o desempenho da economia lavi, com 17% e 13%, respectivamente.
moçambicana. Angola ainda se encontra envolvi-
Parece claro que não existe suficiente von-
da em uma guerra civil que não dá sinais de que-
tade política por parte da liderança da SADC para
rer chegar ao fim, apesar do recente assassinato
impor as obrigações de integração. Os níveis de
de Jonas Savimbi, líder do movimento rebelde
cooperação não são suficientes. A construção na-
UNITA. Outros países, como a Zâmbia e o Mala-
cional parece preceder a integração regional.
vi, também não registraram crescimento econô-
mico significativo. Animadoramente, Botsuana e Além disso, a instabilidade política, a falta de paz,
Maurício mantiveram os mais altos índices de a insegurança nacional e o colapso da lei e da or-
crescimento econômico, acima de 5% ao ano, ao dem caracterizam um número significativo des-
longo das duas últimas décadas. ses países, entre eles, Zimbábue, Angola e Repú-
blica Democrática do Congo.
Apesar da estimulante direção política que
está sendo adotada, a SADC está enfrentando sé- As economias da SADC caracterizam-se por
rios desafios para estabelecer um bloco regional moedas muito instáveis. O crescimento no co-
viável, dadas as suas disparidades econômicas. mércio regional é mutuamente benéfico se as ta-
Tendo em vista esse cenário, fica difícil antecipar xas de câmbio de todos os países não forem dis-
uma próspera integração econômica num futuro torcidas. A maioria das moedas regionais é super-
próximo. Na verdade, a SADC estabeleceu 2000 valorizada em níveis variantes. Esse sistema torna
como o ano para instituir a zona de livre comér- caro para um país importar do outro, ou muito
cio. No entanto, o protocolo elaborado para al- barato, se sua moeda for mais forte. Ao avaliar a
cançar esse fim só foi ratificado em 2000, quatro integração regional, o Instituto de Pesquisas In-
anos após a sua proposta original. ternacionais sobre Políticas Alimentares (IFPRI)

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concluiu que o mais importante obstáculo ao co- Área de Comércio Preferencial (PTA). A Suazi-
mércio inter-regional é a distribuição desigual de lândia, a Namíbia, o Lesoto e a África do Sul, por
custos e benefícios entre os países. A Comissão exemplo, são membros da Sacu. Pelo menos 3/4
Econômica para a África (ECA) argumentou, em dos membros da Sacu pertencem também à PTA
outubro de 1997, que a condição ideal para a in- ou ao Comesa. Esses agrupamentos às vezes se
tegração regional seria uma situação em que to- complementam, às vezes são conflitantes. Além
dos os membros tenham iguais níveis relativos de
disso, todas essas corporações estabeleceram pro-
desenvolvimento e um grau significativo de dife-
gramas muito ambiciosos e o serviço civil dos
renças na natureza e composição de seus recur-
respectivos países não têm a capacidade para im-
sos, o que forneceria um ambiente condizente
para a complementaridade entre os países. Os plementá-los.
membros da SADC caracterizam-se por imensas
disparidades no desenvolvimento econômico. CONCLUSÃO
Atualmente, existem barreiras ao comércio O programa da SADC está longe de estar
que terão de ser eliminadas para que a zona de li- completo. Embora sua direção seja bastante po-
vre comércio vire uma realidade. Os procedimen- sitiva, seu ritmo é dolorosamente lento. Os paí-
tos alfandegários, como a não-uniformidade no ses membros continuam a competir por investi-
trânsito de cargas e nas exigências de seguro, mentos em vez de cooperarem; comportam-se
também são uma barreira ao comércio. Ademais, como Estados soberanos, ao invés de comunida-
não existe qualquer transparência no comércio e de. A SADC permanece principalmente intergo-
nos incentivos aos investimentos. O comércio
vernamental, com uma secretaria pequena e rela-
intra-regional constitui apenas 12% de todas as
tivamente fraca, dependente da ajuda de servido-
exportações e importações dos países membros e
res civis e políticos em todos os Estados mem-
é dificultado pelos bens comercializados. Falando
claramente, a exportação de matéria-prima (pro- bros.
dutos agrícolas e minerais) permanece o principal A implementação do protocolo sobre a
sustentáculo das economias da África Austral, zona de livre comércio foi extremamente lenta.
com óbvias ramificações para o comércio intra- Além disso, houve uma série de disputas comer-
regional.4 As economias da SADC são pequenas e ciais, principalmente entre o Zimbábue e a Áfri-
a maioria delas depende grandemente da agricul- ca do Sul, as maiores economias da região. Vá-
tura. A semelhança de recursos oferece poucas rias outras economias menores permanecem cé-
oportunidades para o comércio intra-regional. ticas em relação aos benefícios, numa região do-
Já foi dito que a África do Sul é a maior minada por uma grande economia como a da
economia da região – três vezes maior que todo África do Sul, que já está negociando enormes
o resto da SADC. Embora haja uma determinação vantagens comerciais com a opulenta União Eu-
para que os demais países interajam positivamen-
ropéia.
te com a África do Sul, eles permanecem apreen-
No entanto, em um mundo que caminha
sivos com as tendências hegemônicas dessa
nação. para uma economia global, o objetivo da SADC
Finalmente, existem outros agrupamentos deve ser buscado com infalível determinação.
que influenciam o progresso da SADC, entre eles Os benefícios virão somente se os Estados
o Mercado Comum da África Austral (Comesa), membros mantiverem uma forte vontade polí-
a União Aduaneira da África Austral (Sacu) e a tica e estiverem dispostos a abrir mão de sua au-
tonomia na projeção e implementação de polí-
4 Um ponto de vista da NEPRU, de 1998. ticas nacionais.

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Referências Bibliográficas
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and Integration a People Based, People Centered and People Driven Regional Challenge to Globalization, Windhoek,
2000.

Dados do autor
RUKUDZO MURAPA
Vice-Chanceler da Africa University (Zimbábue), consultor
da UNDP, World Bank e outras agências internacionais

Recebimento artigo: 4/mar./02


Consultoria: 20/maio/02 a 29/maio/02
Aprovado: 1.º/jul./02

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A Era Vargas e os seus


legados a longo prazo
Entrevista com
Jens R. Hentschke*
THE VARGAS ERA AND ITS LONG-TERM
LEGACIES. INTERVIEW WITH
JENS R. HENTSCHKE, BY NAPOLEÃO SABÓIA

O senhor escreve que, no Brasil, o Estado centralizador, na-


cionalista, intervencionista, corporativo e autoritário se de-
senvolveu nos dois períodos ditatoriais de sua história: o de
Getúlio e o dos militares, a partir de 1964. A que o senhor
atribui o fenômeno?
JRH – Não diria que o Estado Novo introduziu o intervencionismo
estatal. Ao contrário, tal política, como também elementos autoritários e
corporativistas, tinha sido uma característica da história brasileira desde o
JENS R. HENTSCHKE
University of
Newcastle-upon-Tyne (Ingla-
seu início. Para Raimundo Faoro, a própria conquista já foi obra de um terra) e University Ruprecht
capitalismo estatal mercantil, transferido para a colônia. Em Os Donos do Karl, Heidelberg (Alemanha)
Poder, esse historiador descreve, em detalhes, o papel significativo que o J.R.Hentschke@
newcastle.ac.uk
Estado desempenhava na economia brasileira e mostra que uma classe di-
rigente burocrático-patrimonialista dispunha do monopólio sobre o po-
der e se comportava como árbitro da Nação e como detentora da sobe-
rania. Vamireh Chacon concluiu que o Brasil importou de Portugal um
Estado, não uma sociedade. A República Velha, usualmente considerada
como corporificação do liberalismo econômico e da ortodoxia monetá-
ria, foi, devido às crises agrícolas ciclicamente recorrentes, forçada a se
desviar de seus princípios e a reagir de uma maneira pouco ortodoxa. Por
exemplo, a expansão monetária tornou-se praxe para o financiamento
dos déficits governamentais e a valorização do café. O Instituto do Café
de São Paulo tornou-se uma autoridade setorial reguladora permanente.
Também pode-se descobrir o intervencionismo estatal na política de imi-

* Entrevista concedida em outubro de 2001 a Napoleão Sabóia, correspondente de O

Estado de S.Paulo em Paris, a respeito do livro Brasil, Perspectivas Internacionais, a ser publi-
cado pela Editora UNIMEP.

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gração ou na reforma constitucional de 1926, que comprovaram, o regime burocrático-autoritário


centralizou a política financeira. Até políticas dos militares foi estabelecido para garantir a con-
econômicas de cunho nacionalista, mesmo que tinuidade desse modelo, mas sem a semi-compe-
inconseqüentes, já existiam nos anos 20. Parece- titividade e o populismo do segundo governo
me importante analisar essas tendências porque Vargas, que levaram, na opinião dos militares, à
seria um erro considerar o Estado Novo como mobilização rural no final dos anos 50 e às pro-
um regime de depressão. A crise econômica mun- messas de reformas estruturais.
dial de 1929 desempenhou, sem dúvida, um papel
significativo na aceitação de uma nova política Os Mitos da Era Getúlio lhe inspiram que
econômica e, em conseqüência, da reorganização gênero de reflexão?
do Estado. Porém, a Grande Depressão não re- JRH – Estive no Brasil em abril de 1994,
presentou uma ruptura radical. Ela somente ace- quando a privatização da Companhia do Vale do
lerou um processo de centralização política e de Rio Doce foi debatida. Ouvi Leonel Brizola fa-
intervencão econômica que tinha começado na lando numa manifestação na Cinelândia, no Rio
última década da República Velha. Há outro pon- de Janeiro. O discurso dele foi caracterizado por
to importante a que dou ênfase no meu artigo. A uma linguagem populista. Brizola lembrou os ca-
historiografia tem freqüentemente ignorado o riocas que Getúlio, o pai dos pobres, tinha conce-
fato de que, quando eclodiu a Revolução de 30 e dido o voto às mulheres e sempre se preocupara
foi derrubado o sistema clientelista e regionalista, com do povo. Não mencionou que Getúlio tam-
havia no Brasil – e, além do Brasil, somente na bém era, na expressão de John Wirth, o tio dos ri-
Venezuela – uma geração alternativa de líderes cos, que jamais quebrou os privilégios das classes
políticos cuja orientação fundamental correlacio- tradicionais. A sociedade brasileira no final da
nava-se com as exigências da crise econômica era Vargas não se apresentava mais igualitária. A
mundial. A influência do positivismo gaúcho no cidadania sempre era regulada. Não havia uma
processo da reconstrução nacional de que Vargas democracia racial, outro mito. É indiscutível que
falou não poderia ser exagerada. O que os gaú- o Brasil progrediu muito nessa época, mas o des-
chos, apoiados pelos tenentes nacional-revolucio- mantelamento dos mitos construídos pelo De-
nários, queriam estabelecer era uma ditadura de- partamento de Imprensa e Propaganda é signifi-
senvolvimentista que seria capaz de industrializar cativo para a consolidação da democracia. Pare-
o país e convertê-lo numa grande Nação. O Es- ce-me que cada vez menos brasileiros se apegam
tado funcional moderno gradualmente substituiu aos falsos ideais do período populista. Há um
o velho Estado cartorial. O Estado Novo supe- grande interesse na revelação das origens e con-
rou os particularismos dos Estados federais e, em seqüências a longo prazo do Estado centraliza-
conseqüência, deu ao governo central a soberania dor, autoritário, nacionalista e intervencionista.
interna para implementar políticas econômicas É por isso que os livros revisionistas de uma
nacionalistas de maneira mais efetiva. Em suma, o nova geração de estudiosos, como Edgar de
intervencionismo estatal não representou um fe- Decca, Fernando de Moraes ou William Waack,
nômeno novo, mas o caráter das intervenções ti-
encontram tão grande aceitação.
nha mudado.
A respeito do golpe de 1964, vejo mais con- O senhor contesta particularmente a mitologia
tinuidades do que descontinuidades, tanto no ní- criada em torno da legislação do trabalho, con-
vel econômico quanto no político-estatal. O mo- siderada muito avançada para a época, mas que
delo de desenvolvimento abraçado por Getúlio, só tinha “caráter recomendatório para os cam-
uma substituição industrial de importações, não poneses” e também excluia, na prática, “ampla-
foi interrompido, mas somente modificado. mente os negros e as mulheres”. Como explica
Como Philip Schmitter e Thomas Skidmore o fato de esse aspecto da história social e polí-

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tica do Brasil ter ficado na sombra por tanto JRH – O que digo é que os sete anos entre
tempo? a Revolução de 30 e a instauração do Estado
JRH – Não se pode esquecer que, durante a Novo foram caracterizados por uma crise de he-
ditatura militar, não foi possível realizar estudos gemonia e dominação. Diferentes correntes polí-
independentes e críticas de ciência política ou so- ticas e ideológicas lutaram em favor de alternati-
ciologia. O livro The Vargas Regime. The Critical vas tanto no plano das estratégias socioeconômi-
Years, escrito pelo norte-americano Robert M. cas de desenvolvimento quanto no plano políti-
Levine em 1970, foi banido no Brasil, mas tor- co-estatal. Quando os efeitos diretos e negativos
nou-se um best seller durante a abertura. Já em da Grande Depressão foram vencidos, tratava-se
1988, no ano em que Brasil proclamou nova de decidir se o Brasil deveria regressar a um mo-
Constituição, Angela Maria Castro Gomes pu- delo de exportação ou se deveria seguir em dire-
blicou a sua tese de doutoramento A Invenção do ção a um modelo de industrialização compensa-
Trabalhismo, que muito contribuiu à conscienti- tório e voltado à substituição das importações.
zação da natureza da participação política e social Disso dependiam as duas concepções rivais de
no Brasil. O centenário da abolição da escravatu- Estado em suas duas dimensões: democracia ver-
ra incitou pesquisas importantes, que desvende- sus autoritarismo e liberalismo versus intervencio-
ram o mito de Brasil como sendo uma democra- nismo. As oligarquias, que se chamaram liberal-
cia racial. Pense, por exemplo, nos estudos de constitucionalistas, consideraram o modelo de
Yvonne Maggie ou de Carlos Hasenbalg. Mas o exportação como normalidade e a substituição
senhor tem razão. Em geral, a historiografia tem industrial das importações e o intervencionismo
analisado as idéias normativas de Vargas e dos do Estado, como estratégias de emergência. Se
seus correligionários, o texto das leis sociais e a eles requeriam o retorno ao sistema constitucio-
estrutura institucional nos vários campos políti- nal de 1891, não devemos esquecer que, durante
cos, mas raramente tem perguntado pela imple- a República Velha, o federalismo tinha degradado
mentação da legislação. De que maneira mudou a em um regionalismo estreito e a democracia re-
vida diária de brasileiros comuns? Quem real- presentativa e presidencial, em um regime oligá-
mente se beneficiou da legislação social da era rquico e semi-ditatorial. Para as forças políticas
Vargas? Qual foi o preço da inclusão ou da exclu- que assumiram o poder em 1930, os gaúchos po-
são? Poucos historiadores, mais notavelmente sitivistas e os tenentes nacional-revolucionários,
Levine e José Carlos Sebe Bom Meihy, salientam um regime autoritário, embora que inclusivo ou
essas questões. Eles utilizam os métodos da his- corporatista, representou o penhor da moderniza-
tória oral, colaboram com colegas em vários paí- ção capitalista do país porque, na sua opinião, elei-
ses e incorporam estudantes pós-graduados nas ções num sistema clientelista levariam inevitavel-
suas equipes de pesquisa. Precisamos mais desses mente ao retorno das oligarquias ao poder. Pre-
estudos empíricos e interdisciplinares. Também cisamente, isso aconteceu em 1933-34. Porém, os
seria importante pesquisar o getulismo de forma novos governantes nunca trataram de mobilizar o
comparativa. povo. A esquerda, representada por anarquistas,
comunistas, aliancistas e prestistas, tampouco
O senhor afirma que, durante a ditadura de ofereceu soluções liberal-democráticas.
Getúlio, havia outra concepção de Estado, que
opunha a democracia ao autoritarismo e a livre Do que o senhor escreve, depreende-se que os
iniciativa ao intervencionismo, concepção en- dois regimes ditatoriais engendraram um cor-
carnada pelas elites liberais. Que ensinamentos porativismo patronal e sindical que explicaria a
o senhor tira dessa controvérsia, que acabou dificuldade do Brasil em abrir suas fronteiras e
sendo banida pelo dirigismo autoritário de Ge- se adaptar às normas da economia moderna,
túlio? normas precursoras do processo de mundiali-

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zação. É esse mesmo o seu enfoque? O que com larga experiência na solução de conflitos so-
acrescentaria a respeito? ciais ou mesmo em negociações salariais. As as-
JRH – Deixe-me repetir, primeiro, que, ao sociações, câmaras e corporações da elite burgue-
meu ver, o Brasil progrediu enormemente duran- sa, igualmente organizadas de cima, também dis-
te a era Vargas. No final da República Velha, era punham de vínculos diretos com o Estado. Os
um país agrícola com uma monocultura regional. empresários preferiam aproveitar esses caminhos às
Nos anos 60, já se podia denominar o Brasil de árduas negociações por acordos que envolveriam
um país agrícola-industrial. A substituição indus- partidos fracos. O resultado era o que Liliana de
trial de importações era uma necessidade diante Riz chamou de uma “estatalização da política”. O
da Grande Depressão, seguida da recessão de regime militar despolitizou o processo político,
1937 nos Estados Unidos, da Segunda Guerra mas mantinha as instituições corporativistas. An-
Mundial, da reconstrução da Europa Ocidental e tes da abolição do corporativismo e da criação de
do Japão como objetivo prioritário da política um sistema político pluralista, o Brasil não podia
norte-americana no período pós-guerra e da se integrar eficazmente na economia mundial.
Guerra de Coréia. Para um quarto de século, a in-
Na história da idéias liberais no Brasil, o senhor
fluência metropolitana era fraca, e Brasil aprovei-
tou-se da honeymoon de que falou André Gunder destaca os nomes de Roberto Simonsen e de
Frank. Sem a implementação, em geral eficaz, do Eugênio Gudin. Qual contribuição de cada um
novo modelo econômico, o Brasil talvez não ti- deles o senhor considera essencial?
vesse alcançado a condição de um take-off coun- JRH – Roberto Simonsen foi um vanguar-
try, isto é, um país em vias de desenvolvimento. É dista da industrialização. Ele se engajou muito
a mesma coisa com a legislação social. Se antes da precocemente em favor de mudanças nos pontos
Revolução de 30 já existiam elementos de um in- de vista do empresariado industrial. Fez tentati-
tervencionismo estatal no plano econômico, a vas, por exemplo, para convencer os empresários
chamada questão social ainda era tratada como um da necessidade de incorporar os trabalhadores à
caso de polícia. Foi Getúlio quem introduziu uma empresa para evitar lutas de classe. Uma elite bur-
legislacão social e deu início a uma ordenação ju- guesa educada deveria assumir uma co-responsa-
rídica das relações de trabalho. É somente nessa bilidade na conduta da sociedade e na superação
base que podemos analisar por que esse modelo do subdesenvolvimento do país. Simonsen pas-
fracassou, ou seja, que deficiências e debilidades sou a aceitar cada vez mais o papel inicial do Es-
estruturais lhe eram inerentes. Este é o enfoque tado ativo, que orienta a energia humana na dire-
do meu trabalho. Respeito a sua pergunta, e ção de um objetivo predeterminado de maneira
pode-se dizer o seguinte: durante os anos 30, racional. Para ele, sem certo planejamento, não
uma classe empresarial ainda não existia. Foi o seria possível haver indústria alguma, e sem
Estado quem preencheu o vácuo e formou e edu- industrialização, não se chegaria a uma indepen-
cou a burguesia industrial. Similarmente, Vargas dência verdadeira e a uma ordem política estável.
integrou ao sistema político, de forma preventiva Não existiria uma interdependência entre libera-
e manipulada, um movimento de trabalhadores lismo político e comércio livre. Gudin opôs-se a
que era politicamente ativo mas ainda não coeso. Simonsen: a democracia seria ligada a uma eco-
É por isso que o proletariado reconheceu, desde nomia liberal com um Estado que garantisse o
o início, os canais de participação controlada a ele laissez-faire. Capitalismo do Estado e um regime
oferecidos e passou a associar intimamente os totalitário eram, para Gudin, apenas dois lados de
seus interesses com o Estado. Sindicatos oficiais uma mesma medalha. Ele estava convencido de
haviam substituído as organizações previamente que a Grande Depressão tinha decorrido de um
existentes. Em conseqüência, faltaram ao movi- fenômeno político, a Primeira Guerra Mundial, e
mento dos trabalhadores sindicatos autônomos da inexperiência do novo líder econômico, os Es-

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tados Unidos. Gudin participou da reorganiza- hoje, pelo menos nos centros dinâmicos, como
ção do Estado, mas rejeitou o intervencionismo São Paulo, não é comparável com o do período
estatal a favor de indústrias artificiais. Essa con- que analiso em meu artigo. Como historiador,
trovérsia é a expressão da luta por alternativas nos explicaria as mudanças nas atitudes e percepções
anos anteriores à instauração do Estado Novo, de dos industriais da seguinte maneira: depois do se-
que falamos antes. Aliás, depois da recessão mun- gundo choque ocasionado pelo preço do petró-
dial de 1974-75, quando o Ernesto Geisel debatia leo, no início dos anos 80, quando os Estados
o papel econômico do Estado, foi mais uma vez Unidos reagiram com uma política protecionista
Gudin quem liderou o partido da desestatização. e de altos juros, os países latino-americanos exi-
giram, pela primeira vez, mais mercado e menos
O que representavam, na verdade, os empresá-
intervenção estatal. Mas passou-se toda uma dé-
rios brasileiros da época?
cada perdida antes que Brasil se despedisse do seu
JRH – Antes dos congressos dos industriais
próprio nacionalismo econômico. As dificulda-
no final do Estado Novo, uma classe empresarial
des com a privatização da Companhia Vale do
que coletiva e agressivamente formulou os seus
Rio Doce revelaram a indolência do modelo an-
interesses não existia, pelo menos não fora de São
terior. Quando o processo de globalização come-
Paulo. Havia uma pequena vanguarda de indus-
çou, não existia uma alternativa à crescente libe-
triais modernos que ganhou influência depois do
ralização da economia brasileira. Não sou um ad-
golpe de 1937, por exemplo, Simonsen. Eles en-
vogado indiscriminado do novo modelo neolibe-
tenderam a importância econômica e política de
ral. A globalização expôs o Brasil a uma
um consenso entre empregadores e empregados.
competição internacional enorme. Esse processo
A maioria dos empresários, porém, era pouco
oferece oportunidades, mas também coloca ris-
avançada e conservadora diante das questões so-
cos para os países que não são capazes de concor-
ciais. Na República Velha, os industriais ainda
rer. O Brasil, como um todo, é um gigante que
apoiaram, na maioria dos casos, os partidos das
tem enfrentado o desafio da globalização com
oligarquias, por exemplo, o Partido Republicano
bastante êxito. A integração do Brasil no Merco-
Paulista. Creio que precisamos de mais informa-
sul – junto com o seu rival histórico, a Argentina
ções sobre o papel de empresários no Partido De-
– permitiu ao país almofadar a transição difícil de
mocrático dissidente entre 1926 e a Revolução
uma economia superprotegida e voltada ao mer-
Constitucionalista. É um fato que a maioria dos
cado doméstico para uma economia integrada no
empresários tentava torpedear a legislação social
mercado mundial, cada vez mais liberalizado. Po-
de Lindolfo Collor e de seus sucessores. Assim
rém, muitas empresas não puderam concorrer e
como, na República Velha, elaboraram listas ne-
trabalhadores perderam o emprego. Temos fala-
gras e inventaram toda uma série de truques para
do muito sobre o papel do Estado. No processo
evitar a aplicação das leis. De certa maneira, o tra-
balhador podia garantir seu emprego com mais de internacionalização da economia, o Estado
segurança caso não insistisse no respeito aos seus tem menos possibilidades de implementar políti-
direitos. Uma vez, Vargas disse, frustradamente, cas econômicas soberanas. O seu papel no plano
que apenas queria ajudar os empresários, mas eles econômico é muito mais limitado. Mas concordo
simplesmente não o entenderam. com o colega Bolívar Lamounier que, ao invés de
destruir o Estado indiferenciadamente, ele deve-
E hoje, que percepção os europeus, os estudio- ria ser reorganizado, e até mesmo fortalecido, nos
sos têm dos empresários brasileiros? campos de ação em que se encontra subrepresen-
JRH – Talvez seja melhor perguntar a em- tado, como na área social. O Brasil certamente
presários europeus ou a economistas que dis- tem empresários modernos e cosmopolitas, que
põem de contatos diretos e experiências pessoais. foram educados no próprio país ou nas universi-
O que é certo é que o empresariado brasileiro de dades estadunidenses e européias, e que estão

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bem preparados para a conduta da economia glo- agrícola foram redistribuídas para o setor indus-
balizada. As elites brasileiras sempre souberam trial. Ainda que o conjunto da economia brasilei-
como se ajustar às novas condições internacio- ra dependesse em grande parte do crescimento
nais. Entretanto, o que é igualmente importante do volume de exportação da agrícultura, a produ-
e tradicionalmente menos desenvolvido, é uma tividade desta última estagnou e acabou até mes-
crescente responsabilidade social. mo por se retrair em decorrência da falta de estí-
mulos materiais. O Estado eximiu-se de comba-
A tese defendida por Simonsen sobre a neces-
ter o latifúndio. Quando as ligas camponesas co-
sidade de se implantar no Brasil uma indústria
meçaram a exigir o seu 1930 e João Goulart
pequena e média para que se alcançasse um de-
prometeu reformas estruturais, os militares, te-
senvolvimento mais harmonioso ainda lhe pa-
mendo a extensão do pacto populista ou até uma
rece válida?
segunda Cuba, intervieram. Eles também se con-
JRH – Absolutamente. O Brasil ainda é um
centraram no desenvolvimento da indústria e da
pais de poucos gigantes industriais, tanto nacio-
infra-estrutura, aliás com conseqüências ecológi-
nais como estrangeiros, e milhares de microem-
cas desastrosas. A população rural migrou para as
presas com menos de dez empregados. No en-
grandes cidades, mas a indústria não foi capaz de
tanto, são os primeiros que geram quase a metade
absorver os migrantes que logo encheram as fa-
do valor total da produção industrial, enquanto as
velas e o setor informal da economia junto com
últimas, que representam mais ou menos dois
as vítimas urbanas da modernização e com as pes-
terços de todas as empresas no país e empregam
soas que, devido ao enorme crescimento da po-
grande parte da população economicamente ati-
va, participam da produção industrial com uma pulação, jamais conseguiram ser integradas no
percentagem marginal. Mais do que isso, as con- processo de reprodução. Se tivesse havido uma in-
dições de vida dos empregados nessas microem- dústria pequena e média, a dinâmica dos setores
presas são muito piores do que as dos que estão industriais e, em conseqüência, a sua capacidade de
nas empresas grandes e, às vezes, sequer corres- oferecer empregos certamente teria sido maior.
pondem às leis nacionais. Uma indústria pequena O senhor se interessa pela história da instrução
e média é subdesenvolvida. Aliás, temos uma si- pública no Brasil. O que houve de errado nas
tuação similar nas áreas rurais, onde encontramos políticas públicas no setor? Em que medida es-
uma polarização entre latifúndio e minifúndio, ses erros se refletiram no desenvolvimento do
ambos igualmente improdutivos, sem falar dos país? Como o senhor vê o problema agora?
milhares de camponeses sem terra alguma. Ques-
JRH – Estou escrevendo um livro sobre as
tão agrária e desenvolvimento industrial não po-
reformas educacionais da era Vargas. Espero que
dem ser separados; representam uma relação di-
esse estudo seja uma contribuição ao debate so-
alética. Essas polarizações descritas e ademais a
bre os legados de Getúlio e nos ajude a entender
hiperconcentração da indústria no triângulo São
melhor a elaboração e a implementação de polí-
Paulo-Rio de Janeiro-Minas Gerais são, certa-
ticas sociais em sociedades regionalmente diver-
mente, obstáculos para um desenvolvimento so-
sas, multiraciais e multiétnicas. Escolhi a educa-
cioeconômico harmonioso.
ção porque, até hoje, tem sido uma das esferas
A economia informal que floresce hoje no país mais fracas do setor público. Por isso é importan-
não seria, pelo menos em parte, uma decorrên- te perguntar se Vargas e os seus sucessores popu-
cia de tal carreira? listas já tomavam um caminho equivocado. Até
JRH – Claro. Um dos legados da era Vargas que ponto as magníficas visões deles tornaram-se
é a concentração unilateral no desenvolvimento realidade? Quem se beneficiou das reformas edu-
industrial, com a criação de ilhas de moderniza- cacionais? Como se pode explicar as discrepâncias
ção. Macroeconomicamente, as receitas do setor entre idéias normativas, leis e implementação?

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Nós sabemos que o legado da era Vargas neste se- no Nordeste sequer têm prédios escolares, mo-
tor é contraditório. Por um lado, os gaúchos, no bília e material didático apropriados e suficientes.
seu credo positivista, consideraram a educação, Quando vivia no Brasil em 1997, escolas em
especialmente a técnico-profissional, como pré- Teresópolis, um município relativamente avança-
condição da eliminação do atraso e estabelece- do, foram fechadas devido à falta de professores.
ram, poucos dias após a Revolução de 30, um Mi- Também existem diferenças enormes e injustifi-
nistério de Educação e Saúde. Pela primeira vez, o cáveis no salário de professores de Estados dinâ-
Estado criou todo um sistema de educação, em- micos e de Estados periféricos, de regiões urba-
bora os ensinos primário e normal somente fos- nas e de áreas rurais, assim como entre professo-
sem incluídos em 1946. Por outro lado, a cidada- res universitários e seus colegas das escolas pri-
nia era regulamentada. A reforma Capanema márias. Esses últimos, em muitos casos, sabem
criou um sistema de duas classes, que reservava a apenas como sobreviver. Estatísticas que se refe-
formação escolar secundária em instituições pri- rem somente à matrícula e não consideram a eva-
vadas de ensino às classes média e alta, enquanto são escolar enganam o leitor. Estou convencido
destinava às camadas menos favorecidas uma for- de que é na solução do problema da educação que
mação técnica e profissionalizante. Era quase im- está o maior potencial para o desenvolvimento do
possível passar de uma opção de carreira escolar a Brasil.
outra. Essa legislação, ratificada sob o signo do
autoritarismo, continuou como lei até a promul- Como analisa a evolução política, educacional,
gação da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e, em econômica do país nas últimas duas décadas?
parte, até sua reedição em 1971. A historiografia JRH – É difícil fazer tal avaliação em poucas
revela duas debilidades: de um lado, pesquisas en- palavras. Quando os militares abandonaram o
focaram a educação superior e negligenciaram os poder, o país encontrava-se numa crise mais grave
setores secundário e, particularmente, o primá- do que em 1963-64. Duas recessões mundiais ti-
rio; de outro lado, a maioria das publicações ba- nham destruído o contraditório milagre brasileiro
seou-se na literatura secundária e nos arquivos e, com isso, a raison d’être da ditadura. Era como
particulares de personalidades políticas dirigen- se voltassem as sombras do passado: políticos
tes. Estudos de caso são, numa expressão de José que representaram ou o populismo clássico da era
Luiz Nunes, “pérolas raras”. Concordo com este Vargas ou o próprio regime militar. O neopopu-
colega que precisamos de uma microhistória da lismo de Collor, que atualmente é estudado por
educação que proceda das próprias instituições cientistas políticos ingleses, era expressão de uma
escolares e da memória viva dos diretores, pro- nova telecracia e misto com uma das enfermida-
fessores, técnicos e inspetores escolares. No meu des mais resistentes do Brasil, a corrupção. Cada
livro, comparo a implementação da educação em um dos muitos programas de estabilização
sete municípios dos Estados de Rio de Janeiro e macroeconômica e as reformas monetárias entre
do Rio Grande do Sul. Essa microhistória revela 1986 e 1994 fracassaram, levando o país a uma
as variedades do processo de implementação das hiperinflação. A população perdeu a confiança na
reformas. Muito dependia do grau de intervencio- política. Claro, também houve alguns êxitos nes-
nismo federal e estatal, dos recursos do municí- sa década perdida: a Constituição de 1988, que,
pio, do papel pessoal de prefeitos ou inspetores, apesar da tendência tradicional de regular cada
da relação entre os setores público e particular, detalhe e das contradições típicas entre o texto e
das tradições históricas e do civismo das comu- a realidade constitucionais contém artigos notá-
nidades. Quanto à segunda parte da pergunta, a veis a respeito da conservação do meio ambiente
situação atual, o balanço não me parece favorável. e da proteção dos direitos da população indígena;
Enquanto se introduz computadores modernos o surgimento de um partido político de tipo no-
em algumas escolas de São Paulo, muitas crianças vo, o Partido dos Trabalhadores, e do novo sin-

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dicalismo; a fundação do Mercosul; a conferência tivamente obstruída”. São precisamente essas


ecológica da ONU no Rio de Janeiro e até o im- contradições que representam a atual imagem do
peachment do presidente Collor, que revelou um país. No entanto, a percepção do Brasil na Euro-
certo grau de consolidação da jovem democracia. pa tem mudado consideravelmente na última dé-
Porém, foi especialmente o governo de Fernando cada, quando as tendências pluralistas na socieda-
Henrique que abriu o Brasil a um processo de de brasileira têm se fortalecido. Surgiu uma socie-
modernização econômica e política. dade civil muito viva. Movimentos como o MST
atraem a atenção dos estudiosos.
Qual é a imagem do Brasil na Europa hoje?
JRH – Como já disse em entrevista ao Es- O governo Fernando Henrique foi determi-
tadão por ocasião do quincentenário do descobri- nante na mudança da percepção que se tem
mento, o Brasil sempre tem incitado a imagina- hoje do Brasil no estrangeiro?
ção e atraído o interesse dos europeus. É uma das JRH – Sem dúvida. Foi ele, um cientista so-
destinações mais populares entre os turistas, cial internacionalmente reconhecido, que, já an-
mesmo que haja ainda a visão estereotipada de tes da sua eleição como presidente, salientou a
um paraíso terrestre com os clichês de praia, sam- necessidade de abandonar a era Vargas. Com isso,
ba, mulatas e futebol. As escolas secundárias eu- Cardoso esclareceu que a saída da crise não po-
ropéias ministram um conhecimento sobre o país deria consistir em um retorno ao nacionalismo
que é bastante rudimentar e eurocentrista. Mas o desenvolvimentista e aos instrumentos populis-
interesse dos alunos em aprender mais é grande. tas e corporativistas. A Nova República finalmen-
Neste ano, matriculamos aqui em Newcastle- te começou a buscar um recomeço estrutural.
upon-Tyne mais estudantes no nosso curso de Claro, a política de privatizações e a integração ao
Estudos Latino-americanos do que em todos os mercado mundial já tinham sido iniciadas duran-
anos anteriores. A maioria deles decide passar te o governo Collor, mas seus programas de es-
pelo menos parte do seu Year Abroad no Brasil. tabilização fracassaram e os escândalos políticos
Um problema é que há alguns brasilianistas de paralisaram o presidente. Com o Plano Real,
grande reputação nas universidades européias, es- Cardoso conseguiu um êxito enorme, embora
pecialmente na França, na Inglaterra, na Alema- economistas criticassem o excesso do valor da
nha e na Holanda, mas o que falta são estruturas nova moeda, que se tinha tornado um objeto de
institucionais, como institutos, centros, cátedras prestígio para o governo. Por isso, a crise de 1999
e jornais dedicados ao estudo do Brasil. Porém, o foi quase inevitável. Estudiosos também critica-
estudo do país no ramo dos area studies ou das di- ram que Fernando Henrique tivesse se compro-
versas disciplinas mães, ou seja, história, ciência metido com deputados e partidos tradicionais
política, ciências econômicas, literatura etc., ofe- para ser eleito e para poder implementar uma re-
rece uma vantagem: os europeus enfocam aspec- forma constitucional que permitia a reeleição
tos interdisciplinares e comparativos que, segun- presidencial. Isso impediu outras reformas neces-
do a minha experiência, não desempenham um sárias, por exemplo, as dos impostos, da educação
papel tão significativo nos currículos das univer- e dos seguros sociais, sem falar da reforma agrá-
sidades brasileiras. Nós, professores universitários, ria. Não obstante, o governo de Fernando Hen-
tratamos de dar aos estudantes os instrumentos rique demonstra uma sinceridade na solução dos
metodológicos que lhes permitam analisar por problemas socioeconômicos que não se conhecia
que, de um lado, o Brasil é um campeão da nas administrações anteriores.
globalização, motor do Mercosul e produtor de
tecnologias de ponta e, do outro lado, a sociedade Concorda com a definição de Clemenceau, se-
brasileira tem ficado, nas palavras de Manfred gundo a qual “o Brasil é um país do futuro e
Mols, “distributivamente dilacerada” e “participa- permanecerá assim”?

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JRH – Não. Esta avaliação é demasiado pes- uma sociedade egalitária e aberta porque teme-
simista e fatalista e parece-me um pouco cínica. ram que transformações sociais pudessem minar
O Brasil é um país extremamente rico, que tem a ordem. Esta obsessão com controle, hierarqui-
todos os recursos humanos e materiais para se zação e segurança nacional impediu que o desen-
tornar uma potência global. Em muitos aspectos, volvimento econômico se realizasse de forma
isto já é uma realidade. O país figura entre os dez harmoniosa. Uma verdadeira reconstrução nacio-
poderes industriais mais importantes. Porém,
nal – o lema mágico nas bandeiras das elites, de
parte do país, como o Nordeste, ainda revela to-
Getúlio a Collor de Mello – não é possível sem a
das as características de um país subdesenvolvido.
Falta também uma classe média forte, a sociedade desestatização e o fortalecimento das formas re-
é polarizada. O Brasil nunca experimentou uma presentativas da política, sem a inclusão das mas-
revolução social. As suas elites sempre buscaram sas populares e sem a interação entre Estado e so-
o progresso, mas via uma modernização conser- ciedade civil. Isto é o que, na minha opinião, ain-
vadora ou transição orgânica. Jamais aspiraram da separa o país atual do país do futuro.

Dados do entrevistado
JENS R. HENTSCHKE
Lecturer in Brazilian and Portuguese Studies, University of
Newcastle-upon-Tyne (Inglaterra), e livre-docente em
Political Science, University Ruprecht Karl, Heidelberg
(Alemanha).

Recebimento artigo: 4/jan./02


Aprovado: 15/abr./02

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REVISTA IMPULSO

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO


PRINCÍPIOS GERAIS
1 A Revista IMPULSO publica artigos de pesquisa e reflexão acadêmicas, estudos analíticos e resenhas
nas áreas de ciências sociais e humanas, e cultura em geral, dedicando parte central do espaço de cada
edição a um tema principal.
2 Os temas podem ser desenvolvidos através dos seguintes tipos de artigo:
• ENSAIO (12 a 30 laudas) – reflexão a partir de pesquisa bibliográfica ou de campo sobre determi-
nado tema;
• COMUNICAÇÃO (10 a 18 laudas) – relato de pesquisa de campo, concluída ou em andamento;
• REVISÃO DE LITERATURA (8 a 12 laudas) – levantamento crítico de um tema, a partir da bibliografia
disponível;
• COMENTÁRIO (4 a 6 laudas) – nota sobre determinado tópico;
• RESENHA (2 a 4 laudas) – comentário crítico de livros e/ou teses.
Obs.: cada lauda compreende 1.400 toques, incluindo-se os espaçõs entre palavras.
3 Os artigos devem ser inéditos, vedado o seu encaminhamento simultâneo a outras revistas.
4 Na análise para a aceitação de um artigo serão observados os seguintes critérios, sendo o autor in-
formado do andamento do processo de seleção:
• adequação ao escopo da revista;
• qualidade científica, atestada pela Comissão Editorial e por processo anônimo de avaliação por pa-
res (peer review), com consultores não remunerados, especialmente convidados, cujos nomes são
divulgados anualmente, como forma de reconhecimento;
• cumprimento das presentes Normas para Publicação.
5 Uma vez aceito o artigo, cabe à revista a exclusividade em sua publicação.
6 Os artigos podem sofrer alterações editoriais não substanciais (reparagrafações, correções gramati-
cais, adequações estilísticas e editoriais).
7 Não há remuneração pelos trabalhos. O(s) autor(es) recebe(m) 10 (dez) separatas do
seu artigo. Ele(s) pode(m) ainda adquirir exemplares da revista com desconto de 30%
sobre o preço de capa, bem como a quantidade que desejar(em) de separatas, a preço de
custo equivalente ao número de páginas e de cópias delas.
8 Os artigos devem ser encaminhados ao editor da Impulso, em três cópias, sendo uma com os dados
do autor e as outras duas apenas com o título do artigo (portanto, sem identificação de autoria),
acompanhadas de ofício, do qual constem:
• cessão dos direitos autorais para publicação na revista;
• concordância com as presentes normatizações;
• informações sobre o autor: titulação acadêmica, unidade e instituição em que atua, endereço para
correspondência, telefone fax e e-mail.

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ESTRUTURA
9 Elementos do artigo (em folhas separadas):
a)IDENTIFICAÇÃO
• TÍTULO (e subtítulo, se for o caso), em português e inglês: conciso e indicando claramente o con-
teúdo do texto;
• nome do AUTOR, titulação, área acadêmica em que atua e e-mail;
• SUBVENÇÃO: menção de apoio e financiamento eventualmente recebidos;
• AGRADECIMENTO, se absolutamente indispensável.
b)RESUMO E PALAVRAS-CHAVE
• Resumo indicativo e informativo, em português (intitulado RESUMO) e inglês (denominado
ABSTRACT), com cerca de 150 palavras cada um;
• para fins de indexação, o autor deve indicar os termos-chave (mínimo de três e máximo de seis)
do artigo, em português (palavras-chave) e inglês (keywords).
c)TEXTO
• deve ter uma INTRODUÇÃO, UM DESENVOLVIMENTO E UMA CONCLUSÃO. Cabe ao autor criar
os entretítulos para o seu trabalho. Esses entretítulos, em letras maiúsculas, não são numerados;
• no caso de RESENHAS, o texto deve conter todas as informações para a identificação do livro co-
mentado (autor; título; tradutor, se houver; edição, se não for a primeira; local, editora; ano; total
de páginas; e, se houver, título original e ISBN). No caso de TESES, segue-se o mesmo princípio, no
que for aplicável, acrescido de informações sobre a instituição na qual foi produzida.
d)ANEXOS
• Ilustrações (tabelas, gráficos, desenhos, mapas e fotografias).
e)DOCUMENTAÇÃO
NOTAS EXPLICATIVAS: serão dispostas no rodapé, remetidas por números sobrescritos no cor-
po do texto.1
CITAÇÃO com até três linhas: deve vir no bojo do parágrafo, destacada por aspas (sem itálico),
após as quais um número sobrescrito remeterá à nota de rodapé com as indicações do SOBRENOME
do autor, ano da publicação e página em que se encontra a citação.2
CITAÇÃO igual ou maior a quatro linhas: destacada em parágrafo próprio com recuo de quatro
centímetros da margem esquerda do texto (sem aspas) e separado dos parágrafos anterior e posterior
por uma linha a mais. Ao fim da citação, um número sobrescrito remeterá à nota de rodapé, indicando
o SOBRENOME do autor, ano da publicação e a página em que se encontra esta citação.3
Os demais complementos (nome completo do autor, nome da obra, cidade, editora, ano de publica-
ção etc.) constarão das REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, ao fim de cada artigo, seguindo o padrão abaixo.

1 Essa numeração será disposta após a pontuação, quando esta ocorrer, sem que se deixe espaço entre ela e o número sobrescrito da

nota. Como o empregado nas Referências Bibliográficas, nas notas de rodapé o SOBRENOME dos autores que tenham sido citados
deve ser grafado em maiúscula, seguido do ano da publicação da obra correspondente a esta citação. Ex.: CASTRO, 1989.
2 FARACO & GIL, 1997, pp. 74-75.
3 FARIA, 1996, p. 102.

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A lista de fontes (livros, artigos etc.) que compõe as Referências Bibliográficas deve aparecer no fim do ar-
tigo, em ordem alfabética pelo sobrenome do autor e sem numeração, aplicando-se o seguinte pa-
drão:
LIVROS
SOBRENOME, N.A. (nomes do autor abreviados, sem espaçamento entre eles; nomes de até dois autores, separar por
“&”; quando mais de dois, registrar o primeiro deles seguido da expressão “et al.”). Título: subtítulo. Cidade: Edi-
tora, ano completo, volume) . [Não deve constar o número total de páginas].Ex.:
FARACO, C.E. & MOURA, F.M.Língua Portuguesa e Literatura. São Paulo: Ática, 1997, v. 3.
FARIA, J. A Tragédia da Consciência: ética, psicologia, identidade humana.Piracicaba: Editora Unimep, 1996.
GARCIA, E.E.C. et al. Embalagens Plásticas: propriedades de barreira. Campinas: CETES/ITAL, 1984.
GIL, A.C.Técnicas de Pesquisa em Economia. São Paulo: Atlas, 1991.
• MAIS DE UMA CITAÇÃO DE UM MESMO AUTOR: após a primeira citação completa, introduzir a
nova obra da seguinte forma:
• _________. Empregabilidade e Educação. São Paulo: Educ, 1997.
• OBRAS SEM AUTOR DEFINIDO:
• Manual Geral de Redação. Folha de S. Paulo, 2ª. ed., São Paulo, 1987.
PERIÓDICOS
NOME DO PERIÓDICO. Cidade. Órgão publicador. Entidade de apoio (se houver). Data. Ex.:
REFLEXÃO. Campinas. Instituto de Filosofia e Teologia. PUC, 1975.
• ARTIGOS DE REVISTA:
SOBRENOME, N.A.Título do artigo.Título da revista, Cidade, volume (número/fascículo): páginas incursivas, ano.Ex.:
FERRAZ, T.S. Curva de demanda, tautologia e lógica da ciência. Ciências Econômicas e Sociais, Osasco, 6 (1): 97-105,
1971.
• ARTIGOS DE JORNAL:
SOBRENOME, N.A.Título do artigo,Título do jornal, Cidade, data, seção, páginas, coluna. Ex.:
PINTO, J.N. Programa explora tema raro na TV, O Estado de S.Paulo, 8/fev./1975, p. 7, c. 2.
FONTES ELETRÔNICAS
A documentação de arquivos virtuais deve conter as seguintes informações, quando disponíveis:
• sobrenome e nome do autor;
• título completo do documento (entre aspas);
• título do trabalho no qual está inserido (em itálico);
• data (dia, mês e/ou ano) da disponibilização ou da última atualização;
• endereço eletrônico (URL) completo (entre parênteses angulares);
• data de acesso (entre parênteses).
Exemplos:
Site genérico
LANCASHIRE, I. Home page. Sept. 13, 1998. <http://www.chass.utoronto.ca:8080/~ian/index.html>
(10/dez./98).
Artigo de origem impressa
COSTA, F. Há 30 anos, o mergulho nas trevas do AI-5. O Globo, 6.12.98. <http://www.oglobo.com.br>
(6/dez./98).

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Dados/textos retirados de CD-rom


ENCICLOPÉDIA ENCARTA 99. São Paulo: Microsoft, 1999. Verbete “Abolicionistas”. CD-rom.
Artigo de origem eletrônica
CRUZ, U.B. “The Cranberries: discography”. The Cranberries: images. Feb./97. <http://
www.ufpel.tche.br/~bira/cranber/cranb_04.html> (12/jul./97) .
OITICICA FILHO, F. “Fotojornalismo, ilustração e retórica”. <http://www.transmidia.al.org.br/reto-
ric.htm> (6/dez./98).
Livro de origem impressa
LOCKE, J. A Letter Concerning Toleration. Translated by William Popple. 1689. <http://www.constitu-
tion.org/jl/tolerati.htm>.
Livro de origem eletrônica
GUAY, T. A Brief Look at McLuhan’s Theories. Web Publishing Paradigms. <http://hoshi.cic.sfu.ca/
~guay/Paradigm/McLuhan.html> (10/dez./98).
KRISTOL, I. Keeping Up With Ourselves. 30/jun/96. <http://www.english.upenn.edu/~afilreis/50s/
kristol-endofi.html> (7/ago./98).
Verbete
ZIEGER, H.E. “Aldehyde”. The Software Toolworks Multimedia Encyclopedia. Vers. 1.5. Software Too-
lworks. Boston: Grolier, 1992.
“Fresco”. Britannica Online. Vers. 97.1.1. Mar./97. Encyclopaedia Britannica. 29/mar./97. http://
www.eb.com:180.
E-mail
BARTSCH, R. <abnt@abnt.org.br> “Normas técnicas ABNT – Internet”. 13/nov./98. Comunicação
pessoal.
Comunicação sincrônica (MOOs, MUDs, IRC etc.)
ARAÚJO, C.S. Participação em chat no IRC #Pelotas. <http://www.ircpel.com.br> (2/set./97).
Lista de discussão
SEABROOK, R.H.C. <seabrook@clark.net> “Community and Progress”. 22/jan./94. <cyber-
mind@jefferson.village.virginia.edu> (22/jan./94).
FTP (File Transfer Protocol)
BRUCKMAN, A. “Approaches to Managing Deviant Behavior in Virtual Communities”. <ftp://ftp.me-
dia.mit.edu/pub/asb/papers/deviance-chi-94> (4/dez./94).
Telnet
GOMES, L. “Xerox’s On-Line Neighborhood: A Great Place to Visit”. Mercury News. 3 May 1992. telnet
lamba.parc.xerox.com 8888, @go #50827, press 13 (5/dec./94).
Gopher
QUITTNER, J. “Far Out: Welcome to Their World Built of MUD”. Newsday, 7/nov./93. gopher Uni-
versity of Koeln/About MUDs, MOOs, and MUSEs in Education/Selected Papers/newsday (5/
dec./94).
Newsgroup (Usenet)
SLADE, R. <res@maths.bath.ac.uk> “UNIX Made Easy”. 26 Mar.1996. <alt.books.reviews> (31/
mar./96).
10 Os artigos devem ser escritos em português, podendo, contudo, a critério da Comissão Editorial, se-
rem aceitos trabalhos escritos em outros idiomas.

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11 Os artigos devem ser digitados no EDITOR DE TEXTO WORD, em espaço 1,5, corpo 12, em papel
branco, não transparente e de um lado só da folha.
12 As ILUSTRAÇÕES (tabelas, gráficos, desenhos, mapas e fotografias) necessárias à compreensão do tex-
to devem ser numeradas seqüencialmente com algarismos arábicos e apresentadas de modo a garantir
uma boa qualidade de impressão. Precisam ter título conciso, grafados em letras minúsculas. As TA-
BELAS devem ser editadas na versão Word.6 ou 7, com formatação necessariamente de acordo com
as dimensões da revista. Devem vir inseridas nos pontos exatos de suas apresentações ao longo do tex-
to; não podem ser muito grandes e nem ter fios verticais para separar colunas. As FOTOGRAFIAS de-
vem ser em preto e branco, sobre papel brilhante, oferecendo bom contraste e foco bem nítido. GRÁ-
FICOS e DESENHOS devem ser incluídos nos locais exatos do texto. No caso de aprovação para pu-
blicação, eles precisarão ser enviados em disquete, e necessariamente em seus arquivos originais (p.
ex., em Excel, CorelDraw, PhotoShop, PaintBrush etc.) em separado. As figuras, gráficos e mapas,
caso sejam enviados para digitalização, devem ser preparados em tinta nanquim preta. As convenções
precisam aparecer em sua área interna.
13 ETAPAS de encaminhamento dos artigos: 1. Apresentação de três cópias impressas do artigo para sub-
missão à Comissão Editorial da Revista e aos consultores, juntamente com brevíssimo currículo do
autor. Os pareceres, sigilosos, são encaminhados aos autores para as eventuais mudanças; 2. Se apro-
vado para publicação, o artigo deve ser reapresentado à Editora, já com as devidas alterações even-
tualmente sugeridas pela Comissão Editorial, em uma via em papel e outra em disquete, com ar-
quivo gravado no formato Word. Devem acompanhar eventuais gráficos e desenhos suas respectivas
cópias eletrônicas em linguagem original. Após a editoração final, o autor recebe uma prova para
análise e autorização de impressão.

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