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Anais da X Semana Académica de Hist6cia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 a 26 de abril de 2013, ISSN: 2175-0351 A MENTIRA DO SECULO: A EDITORA REVISAO E A ABSTRAGAO DA MEMORIA NA NEGACAO DO HOLOCAUSTO Guilherme Ignacio Franco de Andrade" Resumo: © objetivo dessa comunicagio é debater a cerca dos abusos ¢ manipulagdes da memiéria por autores ditos revisionistas, negacionistas que utilizaram de falsos testenuunhos & se apropriam de memérias coletivas para distorcer fatos historicos exaustivamente comprovados ¢ debatidos. © livro que pretendo debater ¢ 0 livro “Holocausto Judeu ou Alemio - Nos bastidores da Mentira do Século”. Do autor, Siegfried Ellwanger Castan. No livro autor revisionista procura negar o holocausto judeu, apresentando diversas fontes & também relatos de sobreviventes dos campos de concentragao. O autor afirma possuir diversas provas para contrapor o que, segundo ele, seria a historia oficial. O revisionismo tem sido um dos principais argumentos ideolégico dos movimentos de extrema direita, em primeiro lugar, para dar novo cardter ao nacional socialismo e, em segundo lugar, para justificar a aversio ao sionismo e as politicas neoliberais. Por isso, considero importante ‘problematizar as ferramentas ideoldgicas que sustentam as aspiragdes dos grupos neonazistas. Palavras-chave: Meméria, Revisionismo, Holocausto. O objetivo desse artigo é demonstrar os abusos ¢ manipulagées da meméria por autores ditos revisionistas, negacionistas que utilizaram de falsos testemunhos ¢ se apropriam de ‘memiérias coletivas para distorcer fatos hist6ricos exaustivamente comprovados e debatidos. Para a realizagio do trabalho pretendo trabalhar com 0 livro “Holocausto Judeu on Alemio ~ ‘Nos bastidores da Mentira do Século”. O autor, Sieafried Ellwanger Castan ¢ o revisionista (pseudo historiador), mais conhecido em nosso pais, dono da Editora Revisio e antor de varios livros revisionistas, sendo em sua grande maioria sobre a 2° Guerta Mundial. A editora foi findada pelo antor no ano de 1985, em Porto Alegre - RS. Apés o langamento o livro, deu muita repercussio na midia e os debates sobre o revisionismo tomaram maiores proporgdes, pois existia um debate sobre a preservacto da meméria dos sobreviventes, muitos deles radicados no Brasil, além da comunidade judaica existir em considerével mimero no Brasil. O livro sobre o holocausto foi o primeiro a ser langado pela editora, em 1987. O autor, assim: como a editora, foi processado diversas vezes por racismo e diseriminagao por diversos ‘arupos de defesa dos direitos humanos ¢ érgaos judaicos. Em 2003, Siegfiied Ellwanger foi condenado a quatro anos, mas como ja havia prescrevido parte da sentenga, a pena foi revertida para trabalho comunitario, pela justia do RS no Supremo Tribunal, Uma das sentengas obrigou o fechamento da editora. Mesmo condenado e obrigado a fechar a editora, 6s livros continuaram sendo produzidos ¢ vendidos na intemet, sem qualquer problema (adquiri quase todos os livros no site da editora em 2008), ' Mestrando no Programa de Pés Graduacio em Historia, Poder e Priticas Sociais, Linha de Pesquisa Estado e Poder, da Universidade Estadhial do Oeste do Parana - Uniceste, Camps Marechal Cindido Rendon. Sob orientagio do Prof. Dr. Gilberto Grassi Cali 71 Anais da X Semana Académica de Hist6cia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 a 26 de abril de 2013, ISSN: 2175 —0351 No livro especifico, o autor procura negar o holocausto judeu, apresentando diversas fontes e também relatos de sobreviventes dos campos de concentragio, Ele busca explicar aos leitores que a historia da 2* Guerra mundial ¢ uma deturpagao da verdade, sendo a historia oficial tendenciosa e articulada para beneficiar os vencedores, ou seja, os aliados. Ele procurar articular seus argumentos indicando os “verdadeiros culpados” e tmicos interessados em provocar a guerra, os judeus, Com base na argumentagao do plano sionista para dominagio mundial, exploragao e expropriagaio dos recursos da Alemanha, $-E Castan vai justificar a maioria das ages do partido nazista como legitimo, sendo uma resposta as constantes agressdes sionistas. Como o principal objetivo do livro é absolver, no $6 especificamente a Alemanha, mas, principalmente, Hitler e o Partido Nazista, o enfoque principal sera a negagao do Holocausto. No livro, o autor afirma (sem indicar qualquer referéucia) possuir diversas provas para contrapor © que, segundo ele, seria a historia oficial. Ele usa o que seriam, supostamente, memérias de soldados da Alemanha, testemunhos de franceses ¢ poloneses sobreviventes. Ele também usa noticias de jomais brasileiros da época, entre outros jomais intemacionais. Também faz uso da narrativa para dar veracidade a sua argumentagao, porém 0 uso dessas fontes serve para deturpagao da realidade. O autor Tzvetan Todorov foi um dos primeiros a trabalhar com a meméria e sets usos no livro Los Abusos de La Meméria, Para ele, “meméria relaciona-se com a dimensao do tempo passado, estabelecendo uma necesséria interacao entre o esquecimento (apagamento) € a preservagao integral do passado”. No livro, 0 autor procura investigar os abusos da meméria na sociedade atual e a fixagao pelas memérias dos sobreviventes e da produgio de livros sobre traumas (TODOROV, 2000: 15). Os abusos da meméria, segundo Todorov, tém duas formas. A primeira é a meméria literal, que € aquela que esta no passado e permanece na maioria das vezes igual, sem grandes distorges, como obrigagio de seu exercicio como forma de combater o esquecimento. A segunda é a meméria exemplar, que é mais ‘generalizada e permite que 0 passado seja usado no presente e no fituro, em certos casos de forma comparativa, para lutar contra injustigas no presente ou fatos em que existem evidéncias que sto inéditas, a meméria exemplar & uma forma de justiga social. Todorov também trabalha a “meméria ameagada” e, segundo ele, sio as memérias dos regimes totalitarios, que apresentam informagdes das pessoas que vivenciaram ou presenciaram o fato. Por serem regimes opressores com pouca liberdade de expresso e 0 cotidiano controlado pelo Estado, novas evidéncias sto de suma importncia a serem usadas para esclarecimento om Anis da X Semana Académica de Histécia: Historia e as Crises do Capital — ISSN: 2175-0351 23 a 26 de abril de 2013, de fatos inéditos, sem conhecimento da populagao. Algo que possa alterar o rumo da historia e também como evitar que tragédias acontegam furturamente. Assim, os depoimentos ¢ a narrativa usada no livro confiontam a dita historia oficial questionada pelo autor, visto que os leitores sem conhecimento especifico sobre o recorte histérieo podem acreditar que as alegagdes existentes no livro so reais, Até que ponto as fontes utilizadas podem ser tomadas como verdadeiras para negagtio de um fato historico onde existem milhares de depoimentos, provas, evidéncias que comprovam 0 contririo? A. negagto do passado e a construgdo de uma meméria servem para a legitimagdo de uma ideologia politica. Os termos “meméria” e “histéria” evocam o mesmo tempo: o passado. © compartilhar da mesma matéria prima faz com que, no senso comum, ambas as palavras sejam tomadas como sindnimos, mas os especialistas chamam a atengdo para as diferengas entre os voeabulos, isto é, meméria e histéria nfo se confimdem. A meméria, em um sentido mais comum, significa a presenga do pasado. Mais propriamente, ela estabelece, como diz Bosi (1998, p. 46), a relacao entre 0 corpo presente e o passado e, ao mesmo tempo, interfere no proceso “atual” das representagdes. Por meio da meméria, o passado vem a tona e mistura-se as percepgdes imediatas do individuo, deslocando mesmo aquelas iiltimas e ocupando todo 0 espago da consciéneia, Neste sentido, a meméria figuraria como responsivel pela “conservagio” das experiéncias, levando 0 individuo a reproduzir 0 jé vivido. Logo, a ponte entre 0 presente e pasado ¢ feita pela meméria, alicergada sobre um trabalho deliberado ou inconsciente de lembranga ow recordagao. Nestes termos, 0 estudo da meméria ocupa antropélogos, sociélogos, neurocientistas outros pesquisadores. Mas, como diz Le Goff (1996, p. 7), a questao da meméria ganha para o historiador uma significagao especial, pois a meméria social revela-se um dos meios fundamentais para se abordar os problemas do tempo e da histéria. A meméria € uma construgao psiquica e intelectual que implica, de fato, una representagao seletiva do passado, que no é somente aquela do individu considerado isoladamente, mas sempre a de um individuo inserido em um contexto familiar, social e nacional. Neste sentido, toda meméria & “coletiva’, como colocado pelo socilogo francés Maurice Halbwachs, na primeira metade do século XX. Assim, em razao dessa dimensdo coletiva, a memoria ultrapassa o carter de simples Jembranga individual. Burke (2010) slerta para nao tomarmos literalmente expressdes como “memoria coletiva”, uma vez que nao hé um “cérebro coletivo” com uma meméria dentro que faga com que o individuo tenha uma meméria que faga parte de seu proprio eérebro, Em or Anais da X Semana Académica de Hist6cia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 a 26 de abril de 2013, ISSN: 2175 —0351 outras palavras, a meméria individual nao representa um microcosmo de uma memeéria coletiva. Ainda nos anos 1920, Halbwachs se debrugou sobre aquilo que denominou por “estrufura social da meméria”. Ensinou que as memérias so construgdes dos grupos sociais, ainda que sejam os individuos que realizam 0 ato de lembrar, no sentido literal da expressiio, sto 0s grupos sociais que determinam aquilo que é memoravel ¢ as formas pelas quais isso serf lembrado. Desta feita, os individuos se identificam com os acontecimentos.piiblicos relevantes, para o grupo no qual se insere. Como diz Burke (2000), as pessoas “lembram_ muito 0 que nao viveram diretamente. Um artigo de noticiiio, por exemplo, is vezes se torna parte da vida de uma pessoa. Dai, pode-se descrever a meméria como uma reconstrugao do pasado”, Para o pesquisador Halbwachs procurou distinguir a meméria coletiva, peusada como reconstrugio social e a histéria escrita, considerada por ele ainda de acordo com os pressupostos dos metédicos franceses. Para o sociélogo, a anilise historiea comega justamente no ponto onde a meméria social (coletiva) acaba e esta acaba quando no dispoe mais do grupo para Ihe dar suporte, Portanto, 2 memoria 6 sempre vivida, fisica & afetivamente e, para que exista, depende do sujeito que se recorda — individuo ou grupo — para que tenha o sentimento de que busca suas lembrangas num movimento continuo. Sendo assim, no instante em que o grupo desaparece, a tinica forma de salvar tais lembrangas, exteriores aos grupos que ainda existem, seria fix4-las por escrito em uma narrativa. Eis que a hist6ria, assim, 6 eserita e impessoal ¢ nela se inserem determinados grupos em lugar de outros, pois a construgao destas a escrita nao registrou. “A meméria & historia viva, vivida, e permanece no tempo, renovando-se. A historia viva 6, portanto, o lugar da permanéncia [...]” (RIBEIRO, 2004). Meméria ¢ historia se diferenciariam também, segundo Halbwachs, no que tange a maneira como se relacionam com 0 tempo. Assim, a renovago permanente das lembrangas faz com que a condigio necessiria para a existéncia da meméria seja o sentimento de continuidade presente naquele que se lembra, Ao nao realizar rupturas ou cortes com 0 passado, a meméria se transforma em celeiro inesgotivel de possibilidades de lembrangas. A histéria, por sua vez, nao ¢ meméria por haver descontinnidade entre quem a 1é e os grupos, testemunhas ¢ atores dos fatos por ela reportados. Denota-se uma relagao de distanciamento ou exterioridade entre a histéria e os grupos, que implica mesmo a divisio do tempo histérico em fatos histéricos ~ que no acontecem assim para as pessoas que vivenciaram aqueles fatos E como se a histéria fragmentasse o tempo 4 Anis da X Semana Académica de Histécia: Historia e as Crises do Capital — ISSN: 2175-0351 23 a 26 de abril de 2013, revisionismo tem sido um dos prineipais argumentos ideolégico dos movimentos de extrema direita, em primeiro Ingar, para dar novo carater ao nacional socialismo e, em segundo lugar, para justificar a aversio ao sionismo ¢ as politicas neoliberais. Por isso, considero importante problematizar as ferramentas ideolégicas que sustentam as aspiragies dos grupos neonazistas, Para o desenvolvimento do trabalho pretendo investigar a produgao de uma meméria na negacio do holocausto. Quais os argumentos utilizados pelos sobreviventes, no que diz respeito as condigdes dos campos de concentragao e de que forma o autor usa essas fontes no texto. Quais so os argumentos prineipais para negagao do holocausto e, por fim, diseutir os uusos ¢ abusos da meméria. A fonte primaria que sera usada 6 0 livro em discussio, especificamente nos capitulos referentes ao genocidio ¢ aos campos de concentragio, onde S.E. Castan vai trabalhar a ideia principal do texto que é negar o holocausto. No livro, sio 35 capitulos dedicados a esse tema. © autor tem trés objetivos principais nesses capitulos. O primeizo ¢ demonstrar a partir das fontes apresentadas uma suposta conspiragao dos judeus comunistas € grupos sionistas para dominar 0 mundo, através de pequenas eélulas espalhadas por todos os paises, E nessa narrativa, 0 nacional socialismo é a tinica ideologia que poderia destruir tal “plano” maléfico. A segunda proposta, segundo 0 autor, é acusar os julgamentos do final da guerra como uma farsa, sendo um tribunal comandado pelas forgas aliadas para eneobrir as atrocidades da guerra e culpar novamente a Alemanha por iniciar a guerra. Por iltimo, o autor vai deserever como 0 Holocausto 6, segundo as provas por ele apresentadas(construidas), a maior mentira do século, sendo parte de um plano para falir a Alemanha, através de milhares de indenizagdes de guerra, na desmilitarizagfio da mesma e, por fim, conseguindo, através da criaglio do genocidio, criar leis em quase todos os paises que defendam os direitos, especificamente dos judeus, proibindo qualquer manifestago a favor do nacional socialismo, além de construir uma meméria pra negar o holocausto, banalizando a maioria das provas usadas no Julgamento de Nuremberg ¢ em outras acusagdes de comandantes nazistas © pretexto por ele utilizado é que a maioria das provas contra a Alemanha, sio construidas através dos testemunhos dos sobreviventes. As vitimas do holocausto so tratadas com desprezo, sob acusagio de falso testemunho, apresentando diversas “provas” que contestam seus depoimentos. Os judeus sao classificados de forma pejorativa, como “testemunhas oculares”. ‘A importancia de investigar o livro é de problematizar a produgao de obras que indicam uma cientificidade, um carter académico, porém 0 autor pesquisa por conta propria, sem 5 Anais da X Semana Académica de Hist6cia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 a 26 de abril de 2013, ISSN: 2175-0351 qualquer vinculo académico ou universitario. Os livros nfo apresentam uma metodologia académica, mas que ao contririo da maioria das produgdes sérias, sao baseadas em falsos testemunhos, em provas absurdas, ¢ muita dessas acusagdes sem possuir evidéncia concreta. Os outros autores, usados como “referéncias”, so em sux maioria, antissemitas e pensadores de extrema direita, O autor, por diversas vezes, participou de feiras do livro divulgando as produgées da editora e participando de mesas de debates, além de ser o principal a combater a produgio de bibliografia que serve escancaradamente para doutrinag’io e propagagiio dos grupos de extrema direita. © livro 6 divido em pequenos capitulos. Os primeiros sto artigos de contetido de introdugao ao tema, falando sobre as olimpiadas de Berlin, em 1936, outro capitulo sobre Ega de Queiroz ¢ mapas geogrificos da Europa. A apresentagio do tratado de Versalhes ¢ a injustiga por ele compreendida em relagao s punigdes para a Alemanha e continua o livro até a chegada do partido nacional socialista no poder. Fica claro que é na introdugao dos leitores ao texto que ja se procura combater acusagdes de racismo de Adolf Hitler. Nos capitulos seguintes so debatidos, antes e durante a 1* Guerra Mundial, seu cenério politico econémico € a influéneia dos judeus em relagio 4 derrota Alema. Ha um capitulo especialmente dedicado a Henry Ford, autor do livro “Judeu Internacional”. Nos eapitulos seguintes o autor procura reeserever a histéria de forma cronolégica dos os acontecimentos, a partir da 1* Guerra Mundial, da crise econémica e do cenirio europeu até a ascenstio do partido nazista até a guerra. Todo esse proceso histérico ¢ feito a partir da dtica negacionista. Obviamente, na maioria dos fatos, a Alemanha é inocentada de grande parte dos acontecimentos, sempre tendo algo “sobrenatural” on influéncia de algum povo (judeu) que intencionalmente quis prejudicar os alemaes. A partir da metade do livro, 0 autor vai se dedicar a negagao, contestagao das vitimas vai, supostamente, apresentar diversas teorias sobre o holocausto, © propésito do livro 6, no decorrer dos capitulos, absolver o Filhrer das acusagdes de antissemitismo e arquiteto do genocidio juden, Tal ideia, segundo o autor, foi amplamente plantada e divulgada pela imprensa sionista que julga © Nacional Socialismo como ameaga a0 seu plano de dominagi0 mundial. Para isso, foi necessario inventar fatos de dimenstio mundial visando difamar o lider nazista. Em seu primeiro capitulo, & contada a “verdadeira historia” do caso entre Hitler e Jesse Owens, atleta norte americano vencedor da prova de atletismo nas olimpiadas de Berlin, em 1936. Segundo a histéria oficial, Hitler se negou a entregar a medalha a um atleta negro, porque os jogos deveriam mostrar ao mundo a superioridade ariana. Mas, segundo o autor, foi a Comisstio Organizadora Internacional (COT) 6 Annis da X Semana Académica de Historia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 « 26 de absil de 2013, ISSN: 2175 —0351 que pedin a Hitler para nao entregar medalhas a nenhum atleta, indiferente da cor, raga ou pais. Os outros capitulos segnem na mesma linha de distorgao da verdade em prol da defesa do nacional socialismo, mas a anilise destes niio é o objeto principal do trabalho Para compreender um pouco a discussio feita pelo autor, irei colocar alguns pontos defendidos por ele. Em primeiro lugar, & questionada a legalidade dos documentos apresentados para o mundo sobre 0 Holocausto, pois, segundo o Castan, s4o oriundos de forgas sionistas, que através do cinema, midia e outras formas de divulgago, escondem a verdade do mundo a mais de 50 anos. Os campos de concentragio nazistas seriam campos de prisioneiros comuns e as fotos que circulam pelo mundo seriam de corpos de soldados alemaes, vitimas de bombardeios dos Aliados. Para comprovagiio de sua teoria, sAo usados diversos Iandos técnicos, como o relatorio Leutcher, que rejeita 0 uso das cémaras de gas e do Zyklon B, através de exames quimicos, em Auschwitz (ser mesmo?) e depoimentos de pessoas que trabalharam nos campos, a maioria alemies ou americanos, que ocuparam os campos, no final da guerra O tenente Kurt Gerstein se alistou no exército alemao, em 1941, especificamente na SS, onde trabalhava no Departamento de Higiene do Servigo Sanitirie, Em 1942, teve seu primeiro encontro com general Globocnick, encaregado dos campos de Belzee ¢ Warthegau, na Repiiblica Tcheca. Na época, ele ja era responsivel pelo abastecimento do gis aos campos de concentragio, Em. seu primeiro contato, o soldado teve instrugdes do funcionamento ¢ teve sua primeira experiéneia, quando desembarcou um trem com ciganos & judeus. Em seu testemunho, ele vai apresentar os detalhes do procedimento para o envio das vitimas a camara de giis. “A seleglio comecava entre homem e mulheres, aqueles que poderiam trabalhar seriam poupados por um tempo, sendo selecionadas as criangas, mulheres, doentes e pessoas idosas. O proximo passo era tirar a roupa das pessoas e entregar os objetos pessoais, Por fim se cortavam os cabelos e as pessoas eram orientadas a entrar nas efimaras” Ele também vai indicar detalhes mais téenicos, como a dimensao da sala e mais ou menos quantas pessoas comportavam © a quantidade necessiria do gés © quanto tempo seria necessério para o envenenamento das pessoas. Os capitulos analisados tratam diretamente do holocausto, Vou analisar 0 depoimento do tenente da SS e engenheiro quimico, Kurt Gerstein. Ele trabalhou durante a guerra para agilizar a solucao final planejada pelo Reich. Ficou conhecido por ser testemunha no Julgamento de Nuremberg ¢ seu depoimento também serviu como prova no julgamento do Adolf Eichmann, em 1966. Seus trabalhos foram nos campos de concentragao e nas cémaras 7 Anis da X Semana Académica de Histécia: Historia e as Crises do Capital — ISSN: 2175-0351 23 a 26 de abril de 2013, de gas. Ele foi um dos primeiros a demmciar exterminio em massa ¢ © uso das camaras de ‘24s, Ele trabalhou em diversos campos e tinha a tarefa de coordenar o transporte e estoques do gas. Posteriormente, foi encarregado de encontrar solugdes melhores para aperfeigoar 0 funcionamento das cimaras e de encontrar um gas mais t6xico e, por fim, encontrou um pesticida a base de dcido cianidrico, chamado Zyklon B. No livro de S.E Castan, assim como no livro publicado por Paul Rassinier, ambos vao tentar desconstruir © depoimento de Kurt Gerstein. Em primeiro lugar, vio descredenciar as evidéncias, partindo de critérios téenicos e por diferencas nas datas. O primeiro ponto a ser discutido ¢ 0 tamanho da cimara e seri feito comparagdes absurdas, usando cfleulos matematicos para medir o volume do local ¢ também sobre a diferenga de peso ¢ tamanho, para exemplificar que no haveria espago suficiente para tantas pessoas, como o descrito no depoimento. Em segundo lugar, SE Castan vai questionar o tempo de duragao para envenenamento e das cremagées dos corpos, usando como exemplo as exeengdes da pena de morte nos EUA e as cremagdes feitas atualmente. Essa pritica de descredenciamento dos depoimentos das vitimas ou dos carrascos ¢ pratica comum entre os negacionistas “o texto negacionista rompe com regras fundantes do campo historiogréfico apesar de macaguear formas préprias a ele: a manipulagao de documentos verdadeiros através de citacoes Jalseadas ou parciais, mudando 0 seu sentido original para que se encaixe na cadeia argumentativa é wna das mais regulares”. (MORAES. 2004: 759) Utilizando outra maneira de manipular os leitores, S.E Castan compara outros depoimentos do Kurt Gerstein, em momentos historicos diferentes, para mostrar disparidades entre um primeiro depoimento com outra entrevista, de anos mais tarde. Partindo das lacunas da meméria, do esquecimento on da ocultagao de fatos que anteriormente foram revelados, 0 negacionista brasileiro usa essa diferenga para comprovar fraqueza ou levantar diividas sobre a veracidade do testemunho, no julgamento em Nuremberg, com o objetivo de tentar banalizar 0 julgamento, sendo por ele considerado um circo e tendenciosamente a favor dos aliados, Nessa passagem, Castan usa um depoimento que, segundo ele, é mentiroso e que no foi aceito no tribunal de Nuremberg, comparando-o com o testemunho de K, Gerstein: | 0 tribunal nao admitiu este depoimento, mas admitiu outros do mesmo estilo e fantasias, sem grandes discusses, Isto, porém nao impediu que 10 dia seguinte, a imprensa mundial apresentasse esse documento como autentico ¢ indiscutivel|...] (SE. Castan, 1987. P 151), Além desse testemumho, o autor coloca outros indicios de falsificagao, em outros tostemunhos que foram utilizados na condenagao de lideres do partido nazista. Como 0 caso Tt Annis da X Semana Académica de Historia: Historia e as Crises do Capital ~ 23 « 26 de absil de 2013, ISSN: 2175 —0351 de Rudolf Hoess, que questiona a diferenga de idioma presente no depoimento. Segundo ele, algumas partes esto em fianeés, duas paginas em alemio, assinadas por Hoess, ¢ mais vinte e tantas paginas adicionadas nos processos sem assinatura do prisioneiro, além da afirmagio de que as confissdes foram feitas sob torturas. O debate sobre os depoimentos de Kurt Gerstein no foi iniciado por S.B. Castan, em seu livro, Ele vai apenas retomar 0 debate anteriormente levantando por Paul Rassinier. Paul Rassinier é considerado o fundador do negacionismo. Militante socialista, francés sobrevivente do holocausto, foi preso pela Gestapo em 30 de Outubro de 1943, nos campos de Buchenwald e Dora, até o final da guerra. Apés a guerra, o militante francés se dedicon a escrever sobre a guerra ¢ por esse motivo foi expulso do partido em que militava. "Participou de diversas organizagdes politicas extremistas, tanto de esquerda quanto de direita. Afastou-se gradativamente das tendéncias esquerdistas, para se aliar a figurdes da extrema-direita francesa (Vichystas © colaboracionistas, inclusive) e assumiu gradativamente nm carater fortemente antissemita, antes mascarado como anti sionista ou anti-imperialista” (CALDEIRA NETO, 2009; 1108). Um dos seus principais livros, 4 Mentira de Ulisses, que aborda a ideia de que a Segunda Guerra Mundial foi forjada por um grupo sionista, sendo parte de um grande plano para dominar o mundo. Além desse livro, Rassinier dedicou parte da vida a tentar desmascarar supostas testemunhas oculares, sobreviventes do holocausto, sendo uma dessas testemunhas 0 tenente Gerstein. As provas apresentadas por Rassinier, para alegar que o testemunho fora forjado por Kurt Gerstein, seriam quatro depoimentos sobre os campos de concentragao. O primeiro é no julgamento de Nuremberg. Apesar das filmagens, de fotografias dos corpos, de documentos com laudos téenicos, apresentados por soldados da SS, e de diversos documentos (produzidos pelos proprios Nazistas) reunidos para o Tribunal, o autor desconsidera essas provas, por julgi-las pouco relevantes, pois, segundo ele, siio provas constmuidas e mentirosas. O segundo seria 0 livro escrito por Saul Friedlander (1968), Kurt Gerstein: Entre o Homem e a Gestapo, que contém diversos depoimentos do tenente, Os outros dois contestados por Rassinier sto os documentos utilizados no julgamento de Adolf Eichmann. revisionismo, em sua esséncia, visa reconstruir 0 Nacional Socialismo em tempos que a histéria e 0 passado tém pouca importincia para as pessoas, Quando o presente, para os sobreviventes, é um passado muito distante para as geragdes atuais, que nao se identificam com esse processo histérico. O ressurgimento da extrema direita busca negar a historia, para renovar seus ideais sem ter que carregar o peso histérico do holocaust. O negacionismo tem a pretensio de defender o nacional-socialismo a ponto de constmuir memérias, inventar 19 Anais da X Semana Académica de Histéria: Historia e as Crises do Capital ~ 23 a 26 de abril de 2013 ISSN: 2175-0351 provas, “produzir” relatérios e falsas pesquisas, para combater milhares de provas incontestiveis. A falsificagao do pasado e a construgao de uma memoria possibilitam o pesquisador problematizar a fonte desde sua raiz e sua esséncia, bem como identificar o porqué da manipulagaio das fontes, quem a construiu, quais os objetivos que se projetam a partir da negagio de fatos histéricos que ja foram sistematicamente debatidos e pesquisados, qual 0 piiblico alvo que o livro pretende atingir, quais os fins politicos, bem como suas estratégias de divulgagao do material. © Negacionismo, enfim, nao passa de uma usurpagdo da histéria, pata por em pritica uma ideologia politica, assim como tantos outros projetos politicos que se apropriam da historia para dar legitimidade a sua ideologia. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CALDEIRA NETO. Odilon Meméria e Justica: o negacionismo e a fal histéria, UEL. Londrina.2009 ficagio da CASTAN, Siegfiied E. A implosdo da mentira do século. Porto Alegre: Revisao Editora Holocausto: Judeu ou Alemao? - Nos Bastidores da Mentira do Século. Porto Alegre, Revisdo Editora FRIEDLANDER. S. Kurt Gerstein: Entre o Homem e a Gestapo. Editora Moraes, 1968 MILMAN, Luis. “Negacionismo: Génese ¢ desenvolvimento do exterminio conceitual”. In: MILMAN, Luis; VIZENTINI, Paulo Fagundes (orgs.). Neonazismo, Negacionismo e Extremismo Politico. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000. MORAES, Luis Edmundo de Souza. “O Revisionismo Negacionista” In: SANTOS, Ricardo Pinto dos (org.). Enciclopédias de Guerras e Revolugdes do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. POLLACK, Michel. “Memoria, Esquecimento, Siléncio.” In: Estudos Historicos, vol. 2, n° 3, 1989. TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Barcelona: Paid6sAsterisco*, 2000(a). 80

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