FRIGOTTO-CIAVATTA - Ensino MEdio CiEncia Cultura e Trabalho

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cursos destinados para a educação su- exigências do tipo de sociedade que te-
perior. Caso isso não ocorra, a saída, FRIGOTTO, Gaudêncio & CIAVATTA, ria prevalecido após “o fim da histó-
equivocada segundo o autor, consistirá Maria (orgs.). Ensino médio: ria”. Nesse contexto, a reforma da es-
em ampliar ainda mais a participação ciência, cultura e trabalho. Brasília, cola média consistiu, na verdade, de
privada por meio de subsídios diretos e MEC/SEMTEC, 2004, 338p. uma tentativa de “reinvenção” desse ní-
financiamento aos estudantes, e em vel de escolaridade, principalmente por
acentuar a mercantilização das institui- meio de uma ambiciosa reformulação
ções de ensino superior públicas. No bojo das reformas educacionais curricular, organizada em torno do de-
Deise Mancebo em “Reforma uni- dos anos de 1990, aquela que visou o senvolvimento de competências bási-
versitária: reflexões sobre a privatização ensino médio e técnico ganhou relevância cas, de métodos ativos e do protagonis-
e a mercantilização do conhecimento” e especial. O enfoque privilegiado adveio mo dos alunos. O sedutor discurso que
Roberto Leher em “Para silenciar os de diversos fatores, entre os quais desta- acompanhou a reforma curricular apon-
campi”, ressaltam o papel que as leis de camos a preocupação de agências inter- tou também para mudanças na gestão
inovação tecnológica e das parceiras pú- nacionais com um nível de ensino consi- do sistema, o que incluiu a centraliza-
blico privadas poderão desempenhar no derado estratégico para o tipo de ção da avaliação dos resultados
processo de privatização do sistema de desenvolvimento econômico e social sistêmicos e institucionais.
ensino superior, e de mercantilização da previsto para os países periféricos. Os objetivos declarados, ou seja,
produção do conhecimento. No primeiro De fato, desde o final da década a construção da autonomia da unidade
caso, pelo aumento da dependência de de 1980, estudos do Banco Mundial vi- escolar e, ao mesmo tempo, da autono-
recursos, direção e controle pelo merca- nham focalizando nosso ensino médio e mia do jovem estudante, não consegui-
do e, no segundo caso, pela redução do técnico, divulgando dados detalhados am esconder os principais substratos
papel do Estado, o privilégio a poucos e quanto à valorizada relação “custo/ político-ideológicos das inovações pre-
pequenos grupos e a oposição ao princí- benefício” referente aos investimentos tendidas, isto é, a maior responsabiliza-
pio constitucional de universalização da na área, bem como severas críticas à es- ção da sociedade na manutenção da es-
educação. Para enfrentar esse cenário, trutura e funcionamento daqueles cur- cola pública e a criação de novas
serão necessários conselhos acadêmicos sos, com sugestões bastante específicas subjetividades que suportassem pacifi-
e movimentos sociais – docente e estu- no tocante ao redirecionamento dos camente o desmesurado aumento da in-
dantil – atuantes, no sentido de assegu- gastos públicos. segurança pessoal e social gerado pelas
rar espaços públicos de produção de co- Como se sabe, diversos quadros novas formas de acumulação capitalis-
nhecimento. nacionais, na esfera da educação e da po- ta. Não conseguiam também escamotear
Como se vê, a edição desse volu- lítica, aliaram-se às pressões internacio- o caráter idealista das proposições fei-
me evidencia que a resolução do dilema nais, o que resultou na derrota, no Con- tas ao arrepio das condições objetivas
proposto no título, não depende ape- gresso Nacional, do projeto original da de trabalho presentes nas redes públi-
nas do debate e da aprovação da lei de Lei de Diretrizes e Bases da Educação cas de ensino, cujos integrantes foram
reforma da educação superior. A Nacional (LDB) construído democrati- solicitados a arcar com o ônus de colo-
reconfiguração da educação superior camente por educadores e pela sociedade car a reforma em prática com pouca ou
como bem público exige vontade políti- civil. Os desdobramentos posteriores da nenhuma cobertura efetiva, além dos
ca para a proposição e execução de po- nova LDB (lei nº 9.394/96) resultaram subsídios representados por emprésti-
líticas públicas complementares, movi- na total separação entre ensino médio e mos internacionais, insuficientes e one-
mentos sociais atuantes e sintonizados ensino técnico, passando esse último a rosos, dirigidos à reformulação/
com essa perspectiva, e a articulação da ser organizado em módulos, com a pos- manutenção da estrutura física das es-
educação superior com as necessidades sibilidade de serem freqüentados sem colas ou à instalação de laboratórios e
da sociedade, para o desenvolvimento qualquer vinculação do aluno com uma bibliotecas.
de ações de relevância social. educação de caráter geral. Na academia, na área sindical e
Esse empobrecimento do ensino nos sistemas de ensino, muitas vozes
Maria do Carmo de Lacerda Peixoto técnico de nível médio veio acompanha- se articularam para debater o discurso
Professora adjunta da Faculdade do da enfática defesa de uma educação hegemônico. Concomitantemente, pes-
de Educação da Universidade generalista, flexível, como forma de me- quisas empíricas, de abrangências diver-
Federal de Minas Gerais. lhor preparar o jovem para responder sas, mostravam a inadequação material,
E-mail: mcarmo@ufmg.br às novas necessidades do mercado e às técnica, pedagógica, política e cultural

182 Jan /Fev /Mar /Abr 2005 No 28


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do projeto oficial para a construção do mente construídos no plano teórico ao tes das experiências de vida e saberes
ensino médio inclusivo. longo das décadas de 1970 e 1980, ru- escolares e para a utilização do ambien-
Foi nesse cenário que se instalou mos esses bruscamente empalidecidos te escolar como um espaço de socializa-
o governo Lula. Em relação às políticas pela contundência ideológica das políti- ção e proteção social, especialmente o
para o ensino médio e técnico, a primei- cas dos anos de 1990. No entanto, o noturno, ao qual muitos jovens se diri-
ra providência da nova administração tema é multifacetado e os textos, implí- gem não apenas por razões de trabalho,
foi ouvir os setores envolvidos, com cita ou explicitamente, reconhecem que mas também por conta da maior idade.
destaque para alguns dos críticos das o propósito básico e inarredável de Em função disso, aponta-se “a necessi-
políticas dos anos de 1990, como forma deslegitimação da desigualdade não dade de uma perspectiva não escolar no
de articulação de mudanças. Um dos pode significar a desconsideração das estudo da escola”, que relacione mais
instrumentos utilizados para tal foi o diferenças. estreitamente as práticas sociais intra e
Seminário Nacional “ensino médio: Os textos de Marília Pontes extra-escolares em que se engajam os
construção e política”, realizado pela Spósito, Nízia Trindade Lima, Nora jovens/alunos, assim como para a ado-
Secretária da Educação Média e Tecno- Krawczyk, Dalila Andrade de Oliveira ção de formas de organização mais fle-
lógica (MEC/SEMTEC), em maio de e Júlio Gregório – que integram o se- xível do curso noturno, de modo que
2003. gundo tópico – criam uma instigante crie condições para a aprendizagem dos
A coletânea organizada por tensão com o conteúdo do anterior, ao alunos.
Frigotto e Ciavatta resulta diretamente colocarem ênfase na policromia do ensi- O terceiro tópico, composto pe-
desse seminário, tendo em vista a dis- no médio, tratando da recente expansão los textos de Alice Casimiro Lopes,
cussão ampla e democrática a respeito das matrículas, da diversidade do Jane Paiva, Isabel Brasil Pereira e
das possibilidades e limites de um ensi- alunado, das tensões e contradições en- Renato José de Oliveira, remete ao âm-
no médio de qualidade voltado menos tre o pretendido e o realizado, em como bito mais especificamente pedagógico,
para os interesses estritos da produção da variedade das condições e das dife- sem que, com isso, se percam as preo-
e mais para uma formação de caráter renciadas respostas institucionais às re- cupações de caráter político-social. Os
emancipatório dirigida aos jovens, sob formas da década de 1990. O rico deba- artigos abordam a temática das políticas
responsabilidade efetiva do Estado. te nessa seção focaliza, entre outros, os curriculares, assim como do livro didá-
Estruturado em torno de quatro conceitos de juventude (ou “juventu- tico. Nessa terceira parte, há relatos e
grandes tópicos, o livro traz artigos que des”), de trabalhador-estudante, as fal- reflexões sobre experiências curriculares
se reportam à concepção de ensino mé- sas dicotomias “ensino diurno/ensino inovadoras, tanto no que se refere à
dio, aos sujeitos a quem se destina, às noturno”, “quantidade/qualidade” e a educação do segmento jovens/adultos,
políticas curriculares e do livro didático difícil aproximação entre os objetivos quanto à construção coletiva do livro
e, finalmente, à gestão da instituição es- escolares e os interesses e necessidades didático. Lopes reitera a compreensão
colar. do multivariado conjunto de “sujeitos das políticas curriculares como uma
A Introdução, assinada pelos or- jovens” que freqüentam (ou deveriam construção multipolar, que envolve ins-
ganizadores, e os dois textos – de freqüentar) a escola média. tâncias oficiais, diversas mediações so-
Marise Nogueira Ramos e Gaudêncio Merece destaque a preocupação ciais e as escolas. A partir daí, a autora
Frigotto – que compõem o primeiro tó- em abordar os jovens a partir de um desenha uma perspectiva desafiante
pico, expressam a clara opção de seus olhar mais abrangente, de caráter so- para a definição de conhecimento esco-
autores quanto ao sentido, às finalida- ciocultural, que permita compreendê- lar, perspectiva a qual voltaremos
des sociais dessa modalidade de ensino los tanto na suas características mais adiante.
e aos eixos a privilegiar. Destaca-se o gerais como grupo etário quanto em O último tópico – com artigos de
argumento de que “ciência, cultura e suas especificidades de subgrupos so- Elie Ghanem, Genuíno Bordignon e
trabalho” devem ser os conceitos estru- ciais e culturais. Nessa perspectiva, os Carlos Machado – discute o tema da
turantes das novas políticas. Nessa textos apontam para a tendência ao gestão da unidade escolar. A perspecti-
abordagem, a proposta de “escola uni- alongamento do período de vida generi- va da gestão democrática da escola é
tária” é problematizada, no sentido de camente denominado de juventude, posta em questão se circunscrita ape-
se criar espaço no ensino médio para a para o retardamento do ingresso no tra- nas às possibilidades legalmente insti-
compreensão das determinações da vida balho formal, para a proliferação de ini- tuídas, pois estas tendem a ser conver-
social e produtiva. Retomam-se, assim, ciativas de produção cultural próprias, tidas em meros procedimentos
os rumos para a escola média rigorosa- para as relações entre saberes decorren- burocráticos. As formas de superação

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apontadas vão desde a maior articula- enfoque do seminário de maio de 2003, conflitar com as premissas assumidas
ção entre a escola e agências da socieda- não se propõem meramente expor as pelos organizadores da coletânea, os
de civil que desenvolvem ações educati- posições do governo, mas, sim, sociali- quais sugerem, como já aqui menciona-
vas até a reflexão de que a gestão zar o debate que se travou. Os demais do, que “ciência, cultura e trabalho” se-
efetivamente democrática somente textos (que compõem o terceiro e quar- jam os conceitos estruturantes do ensi-
ocorrerá se os que atuam na unidade es- to tópicos) não têm uma perspectiva no médio. Tal definição decorre
colar assumirem a cidadania nas suas programática tão explícita, ainda que al- claramente da aceitação de que há um
dimensões política, social e civil, o que guns deles mostrem afinidade maior ou conhecimento historicamente acumula-
implica sua participação, comprometi- menor com as referências que orienta- do de validade universal (“patrimônio
da e crítica, na definição tanto de políti- vam a SEMTEC. da humanidade”, na expressão de Ra-
cas educacionais voltadas para a popu- De todo modo, a partir da varie- mos). Diante dessa proposta, é de se
lação que demanda a escola pública, dade de perspectivas podem ser extraí- supor que críticos da universalidade de
quanto de projetos pedagógicos da ins- das, segundo nossa análise, algumas di- qualquer conhecimento perguntem: qual
tituição que se voltem para os anseios reções mais ou menos consensuais. ciência? qual cultura? qual concepção
dessa mesma população. Um exemplo talvez seja a compreensão de trabalho?
A breve descrição acima pode da escola média como uma instituição As políticas dos anos de 1990,
apenas indicar a amplitude das refle- que deve atender adolescentes e jovens que procuraram reduzir a função social
xões e perspectivas traçadas pela cole- como aprendizes de determinados con- do ensino médio ao atendimento das
tânea. É evidente que, em se tratando teúdos (considerados universais ou exigências do trabalho no mundo globa-
de tema de grande complexidade teórica não), mas também como pessoas totais, lizado, foram rigorosamente enfrenta-
e política, não há expectativa de res- que desempenham diversos papéis e das, no plano teórico e político, por
postas fáceis para a reformulação do atuam em diferentes áreas sociais (famí- educadores considerados progressistas.
ensino médio. No entanto, não só para lia, trabalho, partidos políticos, “gale- Naquele grande movimento crítico, es-
as instâncias oficiais, mas para a socie- ras”, clubes etc.). Tal compreensão tem tavam atenuadas as diferenças existen-
dade em geral, parece esgotar-se o tem- a ver com o respeito às diferenças, com tes em seu interior. A atual conjuntura,
po para a definição de novas políticas. a democratização das relações institu- alimentada por debates e polêmicas no
A pergunta que fica é a seguinte: uma cionais e com preservação da função da âmbito do trabalho, da escola, da cultu-
vez “desconstruído” o discurso hege- escola como instância na qual se desen- ra e da ciência, propiciou a melhor defi-
mônico dos anos de 1990, é possível, volve o processo ensino-aprendizagem. nição das diferentes concepções e seu
no campo progressista, algum consenso Todavia, ao lado de alguns con- “ajuste fino”. O livro aqui focalizado
para a construção de um ensino médio sensos, o livro evidencia divergências contribui para tal distinção. Sem dúvi-
realmente inclusivo? importantes. Em nossa leitura, a mais da, as divergências agora mais bem ex-
Tomando por referência o conjun- profunda diz respeito à concepção de plicitadas no campo progressista au-
to dos textos, essa questão pode ser conhecimento universalmente válido. mentam a complexidade da tarefa a ser
abordada a partir de duas perspectivas De fato, enquanto autores como desenvolvida nas esferas oficiais para a
complementares. A primeira está Frigotto, Ciavatta e Ramos argumentam urgente definição de um novo perfil
explicitada na Introdução e nos dois ar- que a compreensão dos determinantes para o ensino médio.
tigos que compõem o primeiro tópico. da vida social e produtiva deve ser um
Com efeito, esses textos retomam as objetivo universal da escola média,
proposições para o ensino médio cons- Lopes questiona a validade universal de Dagmar M. L. Zibas
tantes do projeto original da LDB, já qualquer conhecimento transmitido Fundação Carlos Chagas
referido nesta resenha. Nesse sentido, pela escola, destacando que a “univer- E-mail: dzibas@fcc.org.br
pode-se dizer que os autores explicitam salidade” dos conceitos é uma constru-
o rumo e a política que a SEMTEC ção histórica que sempre interessa a al- Celso J. Ferretti
pretendia imprimir a essa modalidade guns grupos. Se levada às últimas Fundação Carlos Chagas
específica de ensino. Todavia, fiel ao conseqüências, tal argumentação parece E-mail: cferretti@fcc.org.br

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