Por Uma Educacao de Qualidade

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E Por uma Educae = Resumo O objetivo do artigo é chamar a aten- G0 para a necessidade de politicas pu- blicas efetivas para a melhoria de quali- dade do ensino, simultaneas as de me- lhoria de fluxo escolar. Estas politicas ain- da néo sao suficientes, apesar do progres- so na Grea do fluxo escolar e no atendi- mento 4 escola. Outro ponto importante abordado € 0 monitoramento do sistema escolar através de avaliagées periédicas compardveis ao longo do tempo. Finalmente, destaca- se 0 problema da formagéo e capacitagdo do professor, com algumas sugestées para mudangas. Palavras-chave: Fluxo es- colar - Taxas de transigéo en- tre séries - AvaliagGo - SAEB. As politicas educacionais realizadas prioritariamente até hoje em todos ou em quase todos os estados e municipios t&m tido como principal objetivo colocar e man- ter o aluno na escola. Esta politica, por muito tempo, baseou-se na construgéo de escolas, depois a merenda foi acrescen- tada e finalmente, nos Ultimos anos, 0 pro- Ensaio: aval. pol. piibl. Educ., Rio de Janeiro, w11, n. 38, p15: grama bolsa-escola e suas variagées. A melhoria da qualidade do ensino no sentido da aprendizagem dos alunos tem sido relegada a um segundo plano. O pressuposto tem sido néo haver es- colas e/ou que as criangas néo ficam na escola por culpa das familias que ndo se importam com a educagéo e as fazem trabalhar. Este pressuposto era reforcado pelo diagnéstico errado das estatisticas oficiais de que havia uma grande evaséo em todas as séries, principal- mente na 1°. A premissa, até hoje, é que basta manter as criangas na escola para elas aprenderem. Esquece-se de que criangas que estéo aprendendo dificilmente saem da escola. Podem até trabalhar, mas nao abandonam a escola. De fato os dados desmentem estes pressupostos. Os trabalhos de Philip Fle- tcher, Sergio Costa Ribeiro e Ruben Klein mostraram que o problema néo era a eva- so e sim a grande repeténcia. Por exem- plo, a grande taxa de evasdo de cerca de 116 25% na 1° série no inicio da década de 80, exibida pelas estatisticas oficiais, quan- do corrigida fica em cerca de 2%. A tam- bém alta taxa de repeténcia na 1° série de cerca de 28%, registrada pelas esta- tisticas oficiais, quando corrigida fica em absurdos 58%, isto é, de cada 100 alu- nos matriculados na 1° série, 58 repeti- am a série no ano seguinte. No inicio da década de 90, Sergio Costa Ribeiro e Ruben Klein explicaram os erros das es- tatisticas oficiais e mostraram como corri- gi-las. O erro era conceitual. Repeténcia nao é sinénimo de reprovagéo. Um alu- no repetente 6 aquele que esta freqden- tando a mesma série que no ano anteri- or, ndo importa a causa. Ele pode ter sido reprovado, pode ter abandonado a esco- la no meio do ano anterior e pode até mesmo ter sido “aprovado” no ano ante- rior. A partir de 1995, 0 Ministério da Edu- cagdo passou a adotar uma metodologia que fornece as estatisticas corrigidas. O diagnéstico do fluxo escolar basea- do nas estatisticas corretas indica um qua- dro muito diferente. O problema é a re- peténcia e ndo a evasdo. As criangas es- 40 nas escolas, s6 que com muitas repe- téncias. Ficam, em média, de 8 a 9 anos no ensino fundamental, tempo suficiente para conclui-lo. © Prof. Sergio Costa Ri- beiro dizia que as familias fazem um es- forgo enorme para manter os filhos na escola. Acabam sendo expulsas da esco- la por néo progredirem. © problema é da escola e do sistema educacional. De fato, no Brasil, j4 em 1981-havia mais matriculas da 1° & 8° série do ensi- no fundamental (cerca de 22.473.000) que criangas de 7 a 14 anos (cerca de 22.335.000). As matriculas tém cresci- do muito mais rapidamente que a popu- lagao, sendo que, em 2000, temos cerca Ruben Klein de 35.718.000 matriculas para cerca de 26.282.000 criangas de 7 a 14 anos. Além disso, o némero de criancas de 7 a 14 anos atingiu 0 pico em 1994 eo de matriculas s6 em 1999. Enquanto isto, na década de 80, a taxa conjunta de repeténcia da 5° & 8° série subiu de 28% em 1981 para 33% em 1990, s6 comecando a cair na década de 90, provavelmente por causa da cam- panha do Prof. Costa Ribeiro em favor da corregdo das estatisticas educacionais e contra a repeténcia, chegando a 27% em 1994 © 18% em 1999. Para efeito de comparagéo, a taxa conjunta de evasdo do ensino fundamen- tal caiu de cerca de 8% no inicio da dé- cada de 80 para cerca de 5% no final da década de 90. Considerando-se somen- te da 5° & 8° série, a taxa de evasdo caiu de 10% para 6%. Ataxa de participagéo na 1° série, isto 6, a proporgdo dos individus nascidos em um determinado ano que tém acesso & 18 série, aumentou de 90% em 1981 para 98% em 1999, indicando a univer- salizago do acesso a escola, mas ainda falta muito para a universalizagéo do en- sino fundamental e mais ainda para a do ensino médio. As taxas de participagéo na 8° série do ensino fundamental passaram de 37% em 1981 para 44% em 1995 e 56% em 1999, enquanto as taxas de par- ticipagéo na 3° série do ensino médio cresceram de 21% em 1981 para 27% em 1995 @ 35% em 1999 Nos Ultimos anos, principalmente, apés © MEC adotar as estatisticas corrigidas de transigéo entre séries e 0 reconhecimento do problema da repeténcia, tem havido uma melhora considerdvel no fluxo dos alu- Ensaio: aval. pol. ptibl. Educ., Rio de Janeiro, wll, n. 38, p.115-120, jan.Jmar. 2003 Por uma Educa Jualidade nos, com um aumento de matricula nas Ul- timas séries do ensino fundamental e no ensino médio. No entanto a ineficiéncia do sistema escolar no ensino fundamental ain- da é muito grande, com a matricula muito maior do que seria necessdrio se néo hou- vesse repeténcia e evasdo, isto é, se todo aluno completasse o ensino fundamental em 8 anos. Os programas para diminuigéo da repeténcia e evasdo 1ém que continuar. E como esté a qualidade de ensino? Sua verificagéo tem que ser feita por ava- liagdes externas que permitam a compa- ragdo do aprendizado dos alunos de es- colas diferentes e entre os anos. A avalia- go néo deve ter caréter punitive, mas diagnéstico. O planejamento educacional deve levar em conta estes diagnésticos e as andlises dos dados coletados, que aju- dam a explicitar varidveis passiveis de in- tervengGo no sistema escolar. © pais 4 conta com o Sistema Nacio- nal de Avaliagao da Educagéo Basica (SAEB) do MEC e muitos estados jé estéo comecando a fazer suas préprias avalia- goes. E necessdrio que os resultados te- nham ampla divulgagao e que sejam uti- lizados. Os resultados das avaliages do SAEB, em Portugués e Matematica, realizadas com amostras probabilisticas, represen- tativas em nivel estadual, de alunos da 4° e 8° séries do ensino fundamental e 3° série do ensino médio em 1995, 1997 e 1999 sao comparéveis devido & introdu- gdo de novas metodologias de andlise, a partir de 1995. Estas avaliagées, impor- tantissimas, indicam grandes deficiéncias no que os alunos deveriam saber e em que néo houve melhoria no perlodo. In- dicam também maiores deficiéncias nas séries mais altas. 17 Isto quer dizer que o sistema educacio- nal brasileiro esté mal, altas taxas de repe- féncia com baixo desempenho académico. E importante haver a consciéncia da necessidade de politicas simultane- as de melhoria do fluxo escolar e de melhoria do ensino. A melhoria do flu- xo escolar néo implica necessariamente um ensino melhor, este pode piorar. Da mesma maneira a melhoria do ensino nao implica necessariamente um fluxo escolar melhor. O sistema pode ficar mais exigente € 0 fluxo pode inclusive piorar. O sistema escolar e as escolas tm que assumir a responsabilidade pelo ensino e aprendizagem das criangas e deixar de culpar as condigées socioeconémicas. O circulo vicioso de “baixa condigéo socio- econédmica — mé educagdo” tem que ser rompido e 6 pode ser rompido pela edu- cagéo na escola. A carreira de professor deve ser revita- lizada. A melhoria salarial é necesséria, mas néo suficiente. O essencial é assegurar uma boa formagéo e capacitagéo em servigo. E inconcebivel que os cursos de magistério e os de licenciatura néo se preocupem em ensinar 0 conteido que seus alunos, os fu- turos professores, teréio que ensinar. E ne- cessério modernizar as préticas pedagég cas para incentivar os alunos a pensar e a trabalhar com alunos de baixa condigéo so- cioeconémica e cultural, cujos pais no po- dem ajudar na aprendizagem e nos deve: res de casa, nem contratar professor par cular. Se 0 novo Instituto Superior de Edu- cagdo (ISE) nao tiver estas preocupagées, ndo adiantaré nada e seré simplesmente mais uma mudanga de nome. O recrutamento de professores preci- so ser modernizado permitindo-se que Ensaio: aval. pol. pi |. Edue., Rio de Janeiro, wJ1, n. 38, p.115- 10, jan.tmar. 118 Ruben Klein profissionais com formagdo em algum curso superior possam fazer exames de contetdo (ou concurso publico para pro- fessor) e receberem treinamento peda- gégico de 1 ano em servico. Este 6 um procedimento comum em outros paises € a Unica solugéo para se ter professo- res a curto e médio prazo, especial- mente no ensino médio. Felizmente, o CNE jé tem uma resolugao neste sentido. Os cursos de treinamento de profes- sores precisam ser repensados. Muito di- nheiro € gasto com esta atividade sem nenhum resultado. Normalmente este treinamento é feito por palestras avulsas ‘ou cursos de curta duragao. Ambas as modalidades sdo desvinculadas da sala de aula e sem nenhuma avaliagéo sobre © impacto no aprendizado do aluno. O treinamento deve ser feito utilizando-se bons materiais diddticos que os professo- res devem aprender a dominar e a uti zar na sala de aula. Estes materiais po- dem ser bons livros textos. Atualmente o governo federal ou governos estaduais jé distribuem livros aos alunos do ensino fun- damental das escolas publicas. Esta distri buigdo deveria ser estendida aos alunos do ensino mé Esta capacitagéo deve também incen- tivar técnicas pedagégicas mais moder- nas que estimulem o aluno a participar da aula, pensando, discutindo e pergun- tando, tendo como conseqiéncia o apren- dizado do conteddo e 0 conhecimento de fatos e dados importantes. E fundamen- tal que a capacitacdo seja avaliada. A avaliagéo deve ser feita com pré-testes e pos-testes dos alunos desses professo- res para se medir os ganhos obtidos. A capacitagéo deve acompanhar o profes- sor durante © ano letivo, em sua ativida- de na sala de aula e lhe dar apoio. Testes formativos produzidos externamente de- veriam ser aplicados aos alunos para acompanhamento. Estes testes deveriam ser resolvidos e discutidos previamente com os professores para que estes pu- dessem corrigi-los e discuti-los com os alu- nos. Este proceso precisa de continvida- de, deveria ter a duragéo de no minimo um ano e de preferéncia durar pelo me- nos dois anos. © problema de programas de capa- citagdo como este € que séo demorados, os resultados comegam a aparecer gra- dualmente, néo tém muita visibilidade e no se prestam a inauguracées. Os poll- ficos costumam preferir construgéo de prédios, compra e instalagées de equipa- mentos que podem ser inaugurados e tém visibilidade. Mas que nao resolvem o pro- blema do ensino, pois sem bons recursos humanos nada funciona. _ Para isto 6 necessdrio financiamento. E necessério discutir-se 0 que pode ser gasto com a verba constitucionalmente vinculada & educagéo. Programas de cu- nho assistencial como merenda e bolsa- escola séo vélidos? Ou deveriam ter ver- bas complementares? O bolsa-escola é um programa de ren- da minima dos mais inteligentes que vin- cula a presenca das criangos das familias beneficiadas ds escolas. Pode ajudar a di- minuir a fome nos maiores bolsdes de mi- séria do pais e retirar as criangas da co- Iheita de cana e das minas de carvéo, por exemplo. As criangas que realmente pre- cisam destes programas sGo muito caren- tes e normalmente sao discriminadas nas escolas, o que estes programas nao mu- dam. Sem uma agéo efetiva na escola de apoio a estes alunos, nado haverd melhoria de aprendizado. Ensaio: aval, pol. piibl. Educ., Rio de Janeiro, 11, n. 38, p115- 20, jan.jmar. 2003 Por uma Educagiio de Qualidade 119 Como a maior preocupagao € a cri- anga e 0 objetivo eliminar a fome, famili- as com baixa renda que sé tenham crian- gas com 6 anos ou menos também deve- riam ter acesso ao programa de renda minima e estas criangas deveriam ter a obrigagaéo de freqtientar creches ou pré- escolas. Se estas nao existirem, precisam ser criadas. Estas creches ou pré-escolas precisam ter atividades pedagégicas e nado ser simplesmente um local para as crian- gas ficarem enquanto os pais trabalham. Este pais gosta de mitos e esta se cri- ando um novo mito em relagdo ao pro- grama bolsa-escola, o de que melhora o desempenho das criangas. Que estudos suportam esta verséo? Na avaliagéo feita no DF, em 1999, com alunos da 2° e 5° séries, mesmo controlando por varidveis socioeconémicas, os alunos que declara- ram ter bolsa-escola tiveram, em média, um pior desempenho que os demais. Outra preocupagdo é como os pro- gramas de corregao de fluxo que estéo sendo implementados por muitos estados e municipios. Estes programas so muito necessérios, pois sé uma melhora na qua- lidade de ensino néo implica necessaria- mente a queda da repeténcia. E necessd- rio se criar uma conscientizagéo de que a repeténcia € prejudicial e deve ser utili- zada somente como um recurso extremo e nunca como punigéo por disciplina, de- sacato, etc. O problema é que muitos destes programas estéo simplesmente empurrando os alunos sem a preocupa- G0 do aprendizado. Os professores, sem © seu poder de “reprovar”, deixam de aplicar testes (que s6 sdo utilizados para dar a nota) e cobrar © conhecimento dos alunos. Na realidade deveria acontecer © contrério. Deveria haver mais avalia- g6es a serem utilizadas para diagnosticar © que os alunos néo aprenderam, e os professores deveriam re-ensinar os tépi- cos néo aprendidos. Hé também uma tendéncia para se substituirem grupos de séries por ciclos de um némero de anos equivalente e, dentro do ciclo, néo hé “reprovagéo”, havendo avaliagéo e retengao (“reprova- ¢G0”) somente no final do ciclo. Seria importante planejar experimentos e ava- liagdes para verificar se estes ciclos fun- cionam melhor do que o sistema seriado. Na década de 80, os ciclos basicos de alfabetizagéo (que substituiram 2 séries), criados em alguns estados, néo diminul- ram 0 numero médio de anos que um aluno ficava nestas duas “séries”. Simples- mente mudaram a “repeténcia” da 1° para a 2° série. Novamente a avaliacéo feita no DF em 1999, onde coexistiam um sis- tema de ciclos e um sistema seriado, in- dicou um desempenho um pouco melhor dos alunos no sistema seriado na 5* série e um desempenho praticamente igual para os alunos da 2° série, enquanto os alunos no nivel equivalente do ciclo (6 estavam em seu 3° ano de estudo. Na década de 40, Teixeira de Freitas, diretor do Departamento de Estatistica (SEEC) do entéo Ministerio de Educagéo e Saude e primeiro secretario geral do IBGE, percebeu que as estatisticas oficiais estavam erradas, percebeu também o problema das altas taxas de repeténcia, mesmo naquela ocasiéo, quando somen- te 65% de uma coorte de idade finha aces- so @ escola, e jd tinha diagnosticado e alertado para © problema da qualidade da educagéo, Nao foi entendido e conse- qientemente suas conclusées e alertas foram ignorados. O Brasil perdeu uma oportunidade de se modernizar e progre- dir. Meio século depois, suas conclusées Ensai aval. pol. publ. Educ., Rio de Janeiro, n11, n. 38, p.115-120, jan./mar. 2003 120 foram redescobertas, o acesso & escola (12 série) esté universalizado, o proble- ma da repeténcia reconhecido e os diag- Ruben Klein de competitividade para o setor produtivo e s6 ajuda a manter o desequilibrio social existente no pats. nésticos sobre a necessidade de melho- rar a qualidade do ensino refeitos. Mais do que nunca, a chave para o Progresso, o desenvolvimento cientifico e tecnolégico e a diminuigéo das desigual- dades sociais esta no desenvolvimento de uma educagéo de qualidade para todos. Este 6 o grande desafio. No mundo moderno globalizado, a educagdo de um povo é 0 que define o tipo de insergao no mundo. Méo-de-obra sem educacéo e barata nao é mais fator Recebido em: 02/10/02 Aceito para publicagaéo em: 26/11/02. ABSTRACT The aim of this paper is to call attention to the necessity of effective public policies for the improvement of educational quality, simultaneously to the ones for the improvement of student flow and student attendance. Another important point is monitoring the school system through periodic and comparable assessments along the years. Finally, the issue of teacher education and training is mentioned and some suggestions are given. Keywords: Student flow — Transition rates among grades - Assessment — SAEB. RESUMEN EI objetivo del articulo es llamar la atencién para la necesidad de politicas publicas efectivas para la mejora de la calidad de la ensefianza, simulténeas a las de mejora de flujo escolar. Estas politicas todavia no son suficientes, a pesar del progreso en el Grea de flujo escolar y en la atencién a la escuela. Otro punto importante abordado es el monitoramiento del sistema escolar a través de evaluaciones periédicas comparables a lo largo del tiempo. Finalmente, se destaca el problema de la formacién y capacitacion del profesor, con algunas sugestiones para cambios. Palabras claves: Flujo escolar - Tasas de transicién entre cursos — Evaluacién — SAEB. Correspondéncia: e-mail: ruben@cesgranrio.org.br Ensaio: aval. pol. pibl. Bdue., Rio de Janci eI, n. 38, p115-120, jan./mar. 2003

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