A Política de D. João VI e A Primeira Tentativa de Industrialização No Brasil

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A POLITICA DE D. JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA DE INDUSTRIALIZACAO NO BRASIL Nicta VILELA Luz Extinguia-se com a revogacéo do alvard de 1785, a proibicio de ativi- dades manufatureiras no Brasil e inauguram-se, em nosso pais, as primeiras tentativas legais de industrializacio. O objetivo désses esforcos era in- crementar a riqueza da nag&o, valorizando seus produtos naturais e promo- vendo o desenvolvimento demografico. Procurava-se, ao mesmo tempo, em~ pregar uma méo-de-obra desocupada, constituida principalmente pelo ele- mento da populacdio que nfo se acomodava A estrutura sécio-econémica vi-~ gente, estrutura que se definia essencialmente pelo regime escravista. Era particularmente estimulante o exemplo da Inglaterra cujo poderio cres- cente apoiava-se- numa ordem econémica em que as industrias representa- vam um fator de importancia crescente. Fadados embora ao insucesso, ésses primeiros ensaios tém alto signi- fieado, pois introduzem métodos de protec&o j4 considerados superados que, no entanto, se manteréo no decorrer do século XIX, formando habitos que ainda perduraréo em pleno século, criando entraves ao nosso progresso in- dustrial. Debilitavam, com efeito, pelas meias medidas que introduziram, os esforgos dos que preconizavam um vigoroso protecionismo, Consideramos, Portanto, de suma importancia uma andlise da politica industrial de D. Joao VI pelas repercussdes futuras que terd sébre,o nosso desenvolvimento econémico. Essa primeira tentativa foi realizada sob os auspicios do Estado, en- carnado na pessoa de um monarca absoluto e enquadrar-se-A na tradicio- nal politica mercantilista que se desenvolvera no contexto de uma deter- (=), Comunteacio apresentada no 3° Simpésio dos professéres de Histérla, rea- Uzado em’ Franca SE, em 87 de novembre, 1965) 32 NICIA VILELA Luz minada estrutura politico-administrativa bem caracterizada: O Antigo Re- gime. Tém, pois, um sentido eminentemente tradicionalista as medidas (1) adotadas pelo Principe Regente visando favorecer a industrializacéo do pais, aplicando aqui métodos jé utilizados com certo éxito por Pombal e que lem- bravam o sistema pésto em pratica por Colbert cujas manufaturas reais deviam ter provavelmente inspirado a criagéo de nossas fdbricas nacionais, pélidos reflexos de suas congnéeres francesas, A politica industrial de D. Jo&io VI nfio apresentou evidentemente a amplitude, nem a sistematizacio do colbertismo, nem mesmo comparayam-se as medidas postas em pratica, no Brasil, com a regulamentacao estabelecida e a variedade de concessdes feitas, j4 ma época moderna, pelos reis da Franca anteriores a Luis XIV, pois muito diferentes eram as condigdes que existiam ma Franca, com suas arraigadas tradigdes medievais e as de uma colénia de névo mundo ainda. por explorar. O que desejamos frisar, neste confronto entre a fdbrica nacional brasileira e a manufatura real francesa, é a idéia central de pri- vilégios e monopélio concedido pelo Estado, conceitos caracteristicamente mercantilistas, além do fato dessas emprésas estarem sob a tutela do Estado que as fiscaliza, sem, entretanto, tomé-las sob sua direcdo propriamente, mes permanecendo em méos de particulares (2). No Brasil, contudo, o sistema no seu ramo industrial nao chegou a desenvolver-se inteiramente. D. Joao e seus conselheiros apenas esbocaram uma politica industrial de caréter mercantilista cuja completacéo seria frustrada pela participaciio do Brasil, como nacio, num mundo que havia rejeitado as concepgdes do Antigo Regime e tentava a experiéncia de li- beralismo. Vestigios do mercantilismo iriam, no entanto, sobreviver nfo s6 2) Nao pretendemos analisar, nesta exnosicho, as diversas, medidas do Principe rab estudo que j4 foi realizado com autoridade, € profieléncla por A. P. Ca- rave 2 Ff Manutat uras ¢ Indastria no Berlod ie D. Jofio VI no Brastl>, In Experiéncia Ploneira de “hate cambio Blogoti Maa Gaiversiaade oo ersidade de Wisconsin, Pérto Alege, 1963. Nossa intencas itAa- 3 que nos parece ser diretrizes fun lamentals ¢ da itica, industrial ‘ae ‘b, eC io VI e tentar apresentar algumas indicactes para'um futuro balanco da sua atuacio nesse Beton, pols acreditamos ue ossas ‘duvtrizes tiveram fBfiueneia ‘em nosso ‘posterior desenvolvimento industrial, concorrendo, com outros fatores, para que nos limités- ssemos a uma politica de. expediente, sem ousarmos adotar um rumo verdadeira- harles Bo VEY, Cole, ‘Colbert and Centeury of French reais taper: (New “Yorks b39 N ma, por exempio, que o mecanismo mais tante empregado ‘entio. para’ animar’ as. industtias ‘cra ‘a concesseo de. «privile- fore que o termo. poderia’ ineluir umn grande. numero. de favores, como feducao Impettos, tarlias protecionistag, subsidlos de exportaeio, subvenctes, emprés- ons gratuitos, sexundo expresso da época, Se, Colbert, iberdade de inddstria, em certas circunstineias dispunha- é mt autos que’ ni my ios exclusives Os mals restritivos. Ol eye mesmo ela época era tho normal conceder um’ mono] ao fundador de uma nova industria como conceder hoje uma itente a a in- ventor, P. polssonade,, Le ae gocialistne premier Upafustato et pigsses indus- France deux de VEre. (1483 Gveomentando’ a politic, ‘industrial dos °vatels: teconiece Ho dé 'privilégios ‘era o processo mais eficaz e 9 mals generalizado. pemnbra ainda que’a'realesa trantesa Sheree da ‘organisaska mediever A POLITICA DE D. JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA 33 em certas praticas, como mesmo em certos aspectos de criar entraves a0 nosso desenvolvimento industrial. Se, com efeito, a concesséo de privilée- gios, entre outras medidas, era compreensivel até o século XVII, quando as mudancas tecnolégicas faziam-se lentamente, deixava-o de ser, porém, em pleno século XIX, época em que estas transformagées j4 haviam ad- quirido ritmo acelerado, revoluciondrio mesmo. Empregar, nessas circuns- tancias, processos ainda medievais era entravar todo e qualquer desenvol- vimento econémico. Tendéncias que se faziam sentir no Brasil, por ocasiao da vinda da familia real, pareciam, entretanto, contrariar essas diretrizes. tradiciona- listas (3) que presidiam A inauguragéo da nossa politica industrial. As duas tltimas décadas de oitocentos e as primeiras do novecentos foram as- sinaladas por uma série de acontecimentos que vieram despertar as es- perangas dos brasileiros, sacudindo-os de seu torpor e incutindo-lhes a visio de um Brasil préspero, industrializado que, pela vastidiio de seu territério, a imensidade e variedade de seus recursos poderia aspirar a uma Posigéo de realce entre as nagdes mais ricas, mais adiantadas e mais poderosas. Crescia, entre os brasileiros mais esclarecidos, mesmo entre os que nao de- sejavam prépriamente a separagdo de Portugal, a consicéncia dessa supe- rioridade da colénia em relagio a metrépole cuja exaustao sé poderia ser Tevigorada com a modernizacéio de seu dominio americano. No movimento comercial de Portugal e seus dominios, incluindo os produtos da Asia e a reexportacio de mercadorias estrangeiras, os géneros do Brasil representa- vam, com efeito, 61,72% em 1796 e 62,37% em 1806 (4). Esses anseios de progresso, de rejeigfo de uma ordem colonial retro- grada e ultrapassada revestiam, ideologicamente, tendéncias liberalizantes que se aproximavam das idéias preconizadas pelos fisiocratas franceses. Guardavam, contudo, vestigios de nogdes mercantilistas, fato compreensivel em se tratando de um pensamento de transigfo para a economia pré-cl4s- sica (5). Esta corrente cujo expoente mais ilustre foi José da Silva Lisboa, destacou-se pela influéncia que exerceu junto ao govérno de D. Joao VIL e que se explica pela importancia dos interésses agricolas do pais. Ja se podiam, porém, discernir germens do nosso futuro industrialismo, como se pode constatar nos planos dos Inconfidentes mineiros em cuja re- PGblica as manufaturas constituiriam pecas capitais da ordem econémica a ser implantada. Para citar outro exemplo, um pouco posterior, lembra- Temos as eriticas feitas por Hipélito da Costa as idéias de José da Silva Lisboa (6). (3) J. S. de Azevedo, Condigses Econémicas da Revolucio Portuguésa (Lisboa, ee se—cnama a atenclio para 0 fato da politia economica e social de Pombai J representar enas suas Unhas gerais, a continuidade duma politica tradicfonal>, (4) Ct. quadro elaborado por Adrien Balbi, Essai Statistiques sur le Roysumo ge Fortugal ed d'Algarve comparé aux autrés Etats de Turope, (Paris, Aaa), L pp. 442'e 443. 9) Eric Roll, A History of Economic Thonght, (Kondon, 1962), pp. 128 e 137. (6) Correto Brasiliense, (Londres, 1810), V, pp. 614 e 617. 34 NICIA VILELA LUZ © futuro visconde de Caiuru era de parecer que nfo se devia precipitar © desenvolvimento industrial do Brasil, nem procurar concorrer com a Eu- Topa na producdo de artigos finos, “As fabricas que por ora mais convém no Brasil”, dizia éle, “sio as que proximamente se associam A agricultura, comércio, navegacio e artes da geral acomodaco do povo” (7). Em ma- téria de industrializacéo recomendava que se acompanhasse o govérno dos Estados Unidos, entendendo por exemplo norte-americano, os principios ex- Postos por Benjamin Franklin nas suas Obras Morais e Politicas, no capitulo intitulado “Aviso aos que pretendem estabelecer-se na América. Citava também Thomas Jefferson e suas idéias desfavoraveis ao estabelecimento de indistrias. © agrarismo do norte-americano e a importincia que -atri- buia ao comércio como grande multiplicador da riqueza nacional aproxima- vam-se do economista brasileiro. Zste reconhecia que indistrias haviam sido introduzidas nos Estados Unidos, mas que eram, em geral, “manufa- turas de geral acomodagio do povo”, como a construeéo de navios e em- barcagées (8). Temia que o auxilio estatal as indistrias, com o fito de di- minuir a importacio, se refletisse sébre a exportagdo dos produtos brasi- leiros, prejudicando “os mais proveitosos, e ja bem arraigados, estabele- cimentos déste Estado” (9). Receiava, pois, que uma politica. industrial de auto-suficiéncia causasse danos aos interésses predominantemente agri- colas do Brasil, criando entraves & exportacéo. Em sua opinifio, a indus- trializacio do pais. devia processar-se gradualmente e de acdrdo com © principio da “franqueza do comércio”. Apesar de suas tendéncias Yberais e de sua versio aos métodos mercantilistas de concessiio de privilégios monopélios, admitia, porém, a necessidade de auxilos e favo- Tes especiais “aos primeiros introdutores de grandes maquinas e manufaturas de muito dispéndio, posto que ja essas conhecidas, em proporcdo aos obje- tos de evidente proveito do pais” (10). Silva Lisboa nao hesitava, pois, em Tecorrer a processos monopolistas dignos do mercantilismo. Como seus con: tempordneos norte-americanos, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, nao era um doutrinérie, N&o se mostrava porém favorével a um esférco do Estado no sentido de fomentar manufaturas no Brasil (11). Contra esta posicio insurgiu-se Hipélito da Costa que refutou o ar- gumento fiscal apresentado por Silva Lisboa, sugerindo que o impésto de importacio poderia ser substituido pelo de consumo, além do beneficio que a industrializacéo traria ao pais, ocupande parte da populacdo marginalizada. Contestou, igualmente, o das represdlias que seriam empregadas pelas na- Ses industrializadas deixando de comprar nossos produtos agricolas, ale- Bando que os estrangeiros no vao comprar “éstes produtos do Brasil sim. Plesmente para se pagarem das fazendas que ali introduzem; pelo contrério, (2) Siva Lisboa, ob: Ses Sibi da Indfistria e Estabelecim wet ae oo Metall We sate,” OYE oS TptoNees © Eetabelsimente 9) Ibid. do Re GD) ola, p. 24, A POLITICA DE D, JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA, 35 vao buscar ésses produtos porque precisam déles, e se os n&o puderem pagar em fazendas de sua manufatura, pagd-los-Zo a dinheiro; ou de outra forma; donde, a exportagio do Brasil nfio depende do que os estrangeiros tém dos produtos do Brasil; ou para usar déles, ou para vender ou trocar em outros mereados” (12). Prevaleceu, entretanto, a corrente agrdéria cujas diretrizes coincidiam de um lado com os interésse gerais do império portugués em seu todo, e, de outro, com a situag&o de dependéncia’ em que se achava a casa de Bra- ganca em relacio a Inglaterra. As conseqiiéncias do tratado de 1810, no sentido de ter retardado a in- dustrializacio do Brasil, tém sido diferentemente avaliadas. Historiadores como Roberto Simonsen (12) e Caio Prado Junior (14) consideram essa con- vengio imposta,a D. Jo&o pela Inglaterra, como tendo sido indiscutivelmente Prejudicial ao estabelecimento de manufaturas em nosso pais. J& um eco- nomista como Celso Furtado é de opiniéio que o tratado de 1810, embora constituindo “séria limitagio 4 autonomia do govérno brasileiro no setor econémico” (15), nfo teve a importancia que lhe é comumente atribuida, como empecilho & industrializacdio do Brasil, na’ primeira metade do século xIx. Ha algum tempo afirmamos (16) estar inteiramente de acérdo com éste ultimo parecer, com a condi¢éo de nos colocarmos sob um ponto de vista estritamente econdmico e da viabilidade das emprésas. Mas acres- centamos: de uma perspectiva histérica, porém, o tratado de 1810 teve im- Portancia sébre o nosso desenvolvimento manufatureiro, pois atuou no sen- tido de retardar experiéncias, vidveis ou no econémicamente, que de outro modo ter-se-iam ja incorporado & nossa formac&o industrial. E a prova é que, na déeada de 1840, depois de expirarem os diversos tratados comerciais do Brasil com as nagées estrangeiras, varias fabricas de tecidos se instala- ram em diversas regides do pais (17). Estimulados pelo ligeiro protecio- nismo instaurado pela tarifa Alves Branco, em 1844, animaram-se os em- presaérios a tentar a aventura da industrializacdo, Hoje depois de maiores estudos sdbre a quest&éo estamos inclinados a apresentar algumas ratificagdes &s nossas anteriores declaragées. Certas indicagdes parecem demonstrar que mesmo econédmicamente algumas ativi- dades manufatureiras apresentavam condigdes de* viabilidade, fOssem elas Correio Brasilt elt, ¥ Ri Hobart o Simonsen, ‘inion Heonduileas do Brasit, 1500-1820, TE (Sko Paulo, xf aay a) Baio Prado Sdnior, Historian KeonOmlen do Brasil (SHo Paulo, 1945), pp. 5. (25) “Gelso Furtado, Formagiie Keonomica do Brasil (Rio de Janeiro, 1959), p. 115. Gs). Nicia, Villela “Luz, . (19) Carta de Lisboa, rie, iene: de 9 de novembro de 1779. Mss, Biblioteca Nacinoal do a & oe Gita ei José da Silva Lisbor Dr. Domi i, Di Real Jardin, Bot ranico, de nee, in Ginyentarlo dos Docu Insentos Batateni fer or ae x 14). ane tram Anais da Biblioteca Nacional, XXXII (Rio de Ja- A POLITICA DE D. JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA. 37 Por sua vez, Cunha Matos em discurso pronunciado em 1826 (22) refe- ria-se aos grandes estaleiros que existiam no Paré, em Alagoas e em téda a costa que se estendia de Olinda a Recife. Diz ainda que em Itapagipe em 1797, contavam-se nos estaleiros 20 navios. Em 1800, instrugées do govérno portugués ao Capitéo General da Ca- pitania da Bahia, Francisco da Cunha Meneses recomendavam-lhe a cons- trucéo de navios mercantes, alegando os seguintes motivos: +-pois que semelhante operacéo resultaré o maior bem aos meus fiéis vassalos e diminuiréo as compras que atualmente esté fazendo a Marinha mercante de vasos estrangeiros, que em razdo das suas madeiras nada sfo comparaveis aos que se constroem das preciosas madeiras do Brasil, sé inferiores as de teca, que também procurereis naturalizar n’essa Capitania, logo que se vos renietam as plantas que para ésse fim mandei vir dos domi- nios da Asia, (23). Transferindo-se para o Brasil, o Principe Regente continua a mesma politica que era, alias, uma diretriz tradicional do sistema mercantilista. Pelo alvaré de 28 de abril de 1809, isentou, da metade dos direitos alfande- gdrios estabelecidos, todos os géneros e matérias primas. destinadas A cons- trug&o de navios (24). O Principe D. Joio e seus conselheiros pareciam, porém, mais interessados na criacio de uma marinha de guerra e pata tanto no desenvolvimento de indistrias a ésse objetivo correlacionadas, como a de cordoaria, de cobre, de ferro (25). A vitalidade de que dava demonstragdes a economia brasileira, no inicio de século “XIX, a riqueza de seus recursos potenciais, favoreciam a visio de um revigoraniento do império portugués, tendo agora como centro o Brasil. Havia mesmo quem sonhasse com a recuperacio da Malaca, Cochin, Molucas e demais dominios perdidos (26). Influenciados por essas Perspectivas, era natural que ésses homens do Antigo Regime raciocinas- sem mais em térmos de poder do que de economia e concentrassem os esforcos do Estado em recuperar a antiga hegemonia. O exemplo dos Estados Unidos, considerado, pelas condicdes naturais, inferior ao Brasil (27), era mais um estimulo nessa direcio. O préprio D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro conde de Linhares, conselheiro do Principe Regente e exercendo grande influéncia sébre os (22) Anais do Parlamento Brasileiro Camara dos Senhores Deputados, sessiio om Sade junho'de 4665 Calo ae Janeiro, 1874), 74 (28) “Carta Régia, in einventério dos. Docutnes +20 109 olf, XOCKVE, p. 288, 24) Gollgo Brasiliense, I (Rio de, Janeiro, Ta, pe we es. (25) fo 0 Memorial do Conde de’ Pinharés! Wo de Janelro, 27 ae sunno de ibe, Mes: Elolloteca Nacional Rilo de Janelro, 113, 16, 10. Antonio Luiz de Brito Aragao e Vesconcelios, «Memérias ‘sObre o Estabe- getmente do Império do Brasil ot Nevo fmpérie Lusitanos, Annis ‘da Biblioteca, Na Clonal, XLUT-XLIV (Rio de Janeiro, 1984), p. 10. (i Thds pp. 10'e 4 38 NICIA VILELA Luz negécios portugues, era de opiniéo que Portugal no constituia mais a parte essencial da monarquia portuguésa, ao passo que no Brasil havia “a pos- sibilidade de se criar um poderoso império” (28). Enquanto José da Silva Lisboa, por sua vez, julgava fecundas as “manufaturas mais ligadas A cul- tura e defesa do Estado, donde graduatmente se ha de subir as Faébricas superiores” (29). E prefigurava, numa espécie de miragem, “ a perspec- tiva aprazivel de industriosos .e capitalistas estrangeiros virem fazer es- tabelecimentos em um pais vividouro, sendo atraidos dos Estados onde exu- bera gente, e cabedal sem emprégo” (30). Acreditamos ser dentro do contexto dessa politica visionéria que se deva inserir as medidas e os esforcos de D. Joio VI no sentido de se de- senvolver uma industria siderérgica no Brasil, Verifica-se, com efeito, que a atencéo e preferéncia de sua administragio dirigiu-se principalmente Para a indUstria do ferro, em favor da qual ndo poupou sacrificios de or- dem econémica, contribuindo com fundos da Fazenda Real, providenciando a vinda de técnicos e operarios estrangeiros, empenhando-se com os capi- talistas do pais para que subscrevessem agées e tentando, efetivamente, implantar a grande industria siderirgica no Brasil. Excetuando éste setor, os demais sé parecem ter recebido os tradicionais favores dispensados as fabricas ditas nacionais e que gozavam, conforme as disposi¢des do alvard de 28 de abril de 1809 (31), isencdes de direitos para as matérias primas consumidas (32). Ora, conforme observa Roberto Simonsen (33), néo tinha a siderurgia, apesar de suas ricas jazidas de minério, grandes possibilidades de desen- volvimento no Brasil da época, por falta de mercado. Seu éxito s6 seria Possivel com o incremento paralelo de outras atividades que exigissem o emprégo do ferro, A mineracéo de ouro poderia ter desempenhado éste Papel, mas estava entio em decadéncia. Eschewege, um pouco mais tarde, agg? Apud J. Lucto de Azevedo, fpocas do Portugal Econdmico (Lisboa, 1947), (29) José da Silva Lisboa, Memérias dos Beneficios Politicos do Govérno de Mitel Nosto Senhor D. Jodo Vi, Parte I’ (Rio de Janeiro, 1818), -p. 105. ($1) Cotize, Brasilienso, op. cit. 1888. (82) Segundo o Registro das Previsées de Matricula das Fabricas, existentes no lonal do Rilo de Janeiro (Livro 1, Col. 217), existiam no Brasil, durante P de D, Jo&o VI, as seguintes tabrieas particulares matriculadas: no Rio ge,ganetro: 2 de galdes dé ouro ¢ prata (data da matricuia, 8 de fevereiro se 18i0); 1 de tecldos de séda e algod&o anterlor a 1810; 2 de tecidos de algodio (datas res- Dectivas de matricuia: 17 de marco de 1811 e 1 de Julho de 1812), esta Ultima ainda or se estabel ; i de chocolate (7 de agdsto de'1813); 1 de massas (8 de agésto ge 1812); 1 de melas (26 de feverelro de 1813); 1 de tijolos (16 de novembre de 1813), 1d de fevereiro e 4 de setembro de ral e q id de papel (5 de setembro de lezembro de 1820). Na Bahia: 1 de vidro ja existente de Juiho de 1810, mas matriculada em 1s de novembro de de 1817). Em Paulo: “i de tecldos de al- outubro de 3818). Em Minas Gerals: 1 mineracéo de ouro 4). Stinonsen, a Evolucio Industrial do Brasil (S. Paulo, 1939), Ri A POLITICA DE D. JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA 39 em 1822, depois que a experiéncia dos altos fornos jé havia sido tentada, concluia : “Fabricas grandes por modo algum podem subsistir principalmente no interior. A populacéo ainda é muito diminuta por conse- qiiéncia o consumo esta nesta mesma proporcaio, Exportaciio para os Portos do mar sem estradas e Rios navegaveis, e onde © ferro de fora esti por um preco téo baixo, preco apenas a que pode chegar no Brasil, nenhum homem de senso se lem- brara” (34). Admitia, entretanto, por ser necessério ao Estado “em casos extraordinaé- rios” a existéncia de S, Joao de Ipanema e do Morro do Pilar; mas de maneira geral aconselhava o govérno a animar por meio de prémos, ape- nas f4bricas pequenas espalhadas pela provincia de Minas Gerais, a fim de revigord-las (35). Todo ésse esférco dispendido por D. Joie VI durante sua permanén- cia no Brasil talvez tivesse sido melhor recompensado se, em relacio A indastria téxtil do algodiio, tivesse se empenhado com mais audacia, a mesma aplicada A siderurgia. Alguma atenciio foi dispensada aquele ramo industrial, mais timidamente, sem grandes errojos que a situacao exigia, e 9 pouco realizado obedeceu aos principios tradicionalistas do Antigo Re gime (36). N&o teria, porém, o tratado de 1810 tolhido sua acio, inundando o mercado brasileiro de fazendas de algodfo procedentes das fabricas inglésas, entaéo sem competidores? Ha indicacdes, contudo, de que, se o tratado n&éo deixou de ter influéncia, foram principalmente os interésses do do comércio por- tugués que, de inicio, foi o maior responsavel pela atitude hesitante do ga- binete de D. Joao, em relag&o A industria téxtil que Bitencourt da Camara acusava de néo ter sido estabelecida em sdlidas bases por n&o ter a Junta de Coméreio se preocupado em providenciar uma competente industria de fiaclo e cardago do algodao (37), mas sim uma simples tecelagem. (84) Barfo de jeochewese,_ «Noticias e Reflexdes Estatisticas da Provincia de Minas Gerais», Revista do Arquivo 100) Nee Mineiro, ano IV, fase. 3.° e 4°, Julho- Dezembro, 1898 (Belo "Horizonte, 1900) 162. (36) Jé em 1808 a Mesa de Inspecfo da Junta de Comérelo, embora. reconhe- gendo , era, porém, de opiniio que «no estado atual Tnpotsivel erigitem-ac. (tabricns) sem Giie’e eal Peete tate, a pee ten. faeives, 2 oes ipesas. Os «cor intes»,, continuava, «nfo lam sem ‘3 a. Re la emy aigum sacriticlo de des pes, 46 com 0 jvolyer do, tempo, © 86 quando houverem ca- itais acumulados G. se estabelecerio F Otte! 10. ‘dae Mesa de Inspecho a Fernando Jose de’ Portugal, Arquivg, Nacional do Ris de. Taneia, aale ae Coe mérelo, Papels. Diversos Ago), (31) Ver nota anterior, 40 NICIA VILELA LUZ Ao que tudo indica, a iniciativa da Junta de Comércio resultara de um mero expediente para ocupar uma mio-de-obra disponivel, sem recur- sos para viver e que poderia, sem grandes despesas para o tesouro, resul- tar talvez numa experiéncia proveitosa. Tudo ,entretanto, foi executado dentro do maior empirismo. Os membros da Junta (38) eram, alias, adep- tos fervorosos do liberalismo pré-classico. Previam, com a “franqueza do eomércio” um préspero futuro para o Brasil: ++-Quando nenhum Estrangeiro se vird estabelecer entre Nés sem trazer fundos, e valores par trocar com o nosso ouro, que nao monta em maior proveito para uma Nag&o possui-lo, que quais- quer outros valores e sem trazer industria para nos ensinar a imi- té-los; nao sendo o estabelecimento de fabricas negécios em que deva entender diretamente o Govérno; Nascem com o tempo pela acumulagdo de fundos sem emprégo, e de industria que os mes- mos fundos nutram (39). Afirma, ainda, que uma fabriea gozando de isengdo de direitos, pagando salarios moderados, num pais de alimentacéo barata e matéria prima pré- pria, se nfio f6r capaz de prosperar e sofrer a concorréncia estrangeira, “entio, € claro que néo merece a pena de ser estabelecida” (40). Em 1815, com a encomenda feita em Lisboa de uma maquina de fiar (41), com a instalacao, em 1819, na Lagoa Rodrigo de Freitas, de uma fabrica em moldes mais modernos que, além da tecelagem, ocupava-se da fiactio (42), Parece o govérno de D, Jodo VI, inugurar nova politica, O que o teria Jevado a adotar diferente rumo? No estado atual de nossas investigacées nao Poderemos, por ora, esclarecer o motivo, mas nos inclinamos a pensar que esteja relacionado com a situacdo do comércio portugués na Asia. Este co- méreio afigurava-se-nos ser o ponto central a partir do qual se deva con- (38) Eram os Seguintes 0s membros da Junta: Francisco de Souza. Guerra Go- dinho, José Caetano Gomes, Mancel Moreira de Figueiredo e Mariano José Pereira la Fonseca, (39) _Respostas da Mese de Inspeciio da Junta de Comércio, em 28 de abril de 1808, & representacio de D. Fernando José de Portugal sdbre matéria de comércio (Arauivo Nacional do R. de Janeiro, Junta do Comércio, Diversos Papéls. Col, 180}. 41} Em 1815 a Junta do Comércio mandou vir de Lisboa uma maquina fi- latériar, Juntamente com um mestre spare armar e fazer trabalhars, (Consultas ga Junta do, Comércio, Agricultura, Fabriease Navegnedo, Consultas de 20 de junho de 1815), Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 1, 45, 19, fl. 98). Alguns M™eses depols chegava a maéquina (Registro das Portarlas do ‘Tribunal da Junta de Comercio, Portaria de 19 "de agosto de Isis, Lins Te Sas aaa, ot, uae clonal do Rio de Janelro, Col, zis fl. Sv.)- (42) Carta Régia de'11 de outubro dé 1819 mandava comprar as benfeltorias de uma chdcara no sitio de Rodrigo de Freltas para ai instal uma fébrica de fiecdo, tecelagem e malha por conta da Real Fazenda enfio s0 para Se propagarem, ampliiarem e Spretelgoarem. os conhecimentos de um ramo de industria tio utile tio Proprio déste Reino, como também para se construlrem novas maquinas € engenhos ara_se remeter a’ outras Provinclas. Em 1822, 0 Principe Regente D. Pedro mandava proceder A avallacio da ché- sare, da Lagoa, Rodrigo, de Prelias onde estava instalada. a fibrin, de flacda, te. gem @ malha, e das méquinas para venda em hasta ica _(Portarias de de wnlo de 1822, ‘Registro das Portales do ‘Tribunat da Junta de Comercio, tos cit vy . Bi = A POLITICA DE D, JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA a duzir qualquer explicacio concernente a politica portuguésa em relagio & indastria téxtil brasileira, durante o periodo em que a Corte permaneceu em nosso territério, Herbert Heaton (43), baseando-se em notas de Luccock, afirma que os principais mercados para as fazendas inglésas na América do Sul eram as colénias espanholas, fazendeiros e pequena camada da alta clas- se. No Brasil, a Cérte e esta alta classe constituiam os melhores fregueses. No mais nfio aguentavam a concorréncia dos algodées da India que obriga- vam os fabricantes de Lancashires a manter baixos os seus precos, reduzindo, conseqlientemente, 2 margem de lucro. Opinio idéntica sustentava a Junta do Comércio, em resposta a uma representagao de D. Fernando José de Portugal sugerindo, em 1808, a proi- bigdo da importagho de tecidos ingléses. Os seguintes motivos explicariam a pretencao do ministro portugués: Ela é motivada na maioria do preco que tém as fazendas Inglé- sas de algodio, fomentando o luxo pela muita variedade de qua- lidades eno aumento que sobrevira & nossa Marinha Mercante, @ ao nosso coméicio havendo-as por conta prépria da India, quando nos achamos no mais oportuno lugar. para tais negociacGes (44), A Junta manifesta-se, entretanto, contraria & proibicgéo, argumentando da seguinte maneira: Se as fazendas Inglésas de algodéo tém maior preco e ser- vem para luxo, segue-se que a concorréncia delas nfo pode pre- judicar as da india por isso que téda a Gente busca sempre o mais barato em iguais circunstancias de bondade e duracio e que o Consumo das Inglésas sera reduzido pela natureza da cousa exclusivamente As pessoas de luxo sem poder vir nenhum dano da sua pequena importagio a0 Comércio que podemos fazer ne tn- dia, quando proibidos os tecidos Ingléses talvez passamos de so- frer entéio um mal pela diminuicéo dos compradores do nosso algodao em rama que aumenta de valor pela concorréncia (45). Os interésses dos mercadores portuguéses e os dos agricultores brasi- lefros aliavam-se, assim, para desencorajar uma: politica mais vigorosa em prol da inddstria téxtil “que tio natural parece nd Terra, que produz Algo- dao”, conforme expressio de Bithencourt da Camara (46). (43) Herbert Heaton, , com excecio das que viessem de Goa, Diu, Dam&o e demais territérios = Hnguésts ‘além do Cabo da'Boa Esperance, ¢ tim indielo clare que ‘aiteracoes haviam Iho estabeleci Pate ene 95, 4,de fevereimm de 1811. Os tatores que ‘ine essa, ica_portuguésa. sl 01 inglésa cuja marinhe, uma vez restabelecida a paz na retomara com malor ae © camiho das indias e comecara a. sobre a tradicio~ co ‘comecara a exercer pres nal mmapufatura. indiana? Ou. outros interésses lusitanos ean Suplantagos 2 de Damo? amt icagdes agiram concomitantemente? io. temos, intehzoehee ‘elementos para esclarecer'no momento a Guestie A POLITICA DE D. JOAO VI E A PRIMEIRA TENTATIVA 43 depois da transferéncia da Corte para o Brasil, tiveram por objetivo dar um névo equilibrio ao Império Portugués, procurando conservar, entretanto, © poder nas mfos do mesmo grupo que até entéo sustentara a dinastia dos Braganga, isto é, a classe mercantil. Dada a situagiio do momento, provo- cada pela invas&o napoleénica, deslocando para o Brasil o centro do Império Lusitano e tendo em vista a conjuntura internacional que favorecia os pro- dutos tropicais de exportacéio e, portanto, o patriarcado rural brasileiro, éste alia-se, momentaneamente, as grupo mercantil portugués e tem a iluséo de ter conquistado o poder, ilus&o que sera desfeita com a Revolucéo do Pérto de 1820 e o retérno de D. Joo VI para Portugal. Essas circunstancias nfo eram de molde a permitir um esférgo realmente fecundo tendo como finalidade, n&o desencadear um vigoroso surto industrial, mas pelo menos implantar as primeiras bases de nossa inddstria, esbogando ja uma estrutura de cunho mais moderno, livre de qualquer resquicio mer- cantilista. Nosso patriarcado rural, seduzido pelos beneficios temporarios da produgao agricola de exportacdo, insistia, de seu lado, num liberalismo pré- -cléssico que coincidia com os interésses dos mercadores portuguéses. fsse liberalismo fazia, por sua vez, o jégo da politica britanica e aplaudiu ¢ tra- tado de 1810. Houve, assim, uma conjuncao de interésses cuja alianca im- possibilitou a adogo de uma politica industrial verdadeiramente séria e rea- lista, limitando-se a pequenos ensaios inspirados em principios ultrapassados que nao s6 eram ineficazes, como foram prejudiciais, pois habituaram nossos empresérios a um sistema de monopélios e privilégios altamente nocivos ao desenvolvimento industrial na época contempordnea.

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