RBCP N2 P35-46

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Ciincias) Sociais E INVESTIGACAO CRIMINAL: METODOLOGIA DA INVESTIGAGAO CRIMINAL NA LOGICA DAS CIENCIAS SOCIAIS ELIOMAR Da SILVA PEREIRA Coonnesacio Escora Surenion ne Poticts Acannatta Nactowat ne Posicta -Buastt ks Resumo A investigacio criminal se desenvolve logica e pragmaticamente a forma de uma investi- gaao cientfica. Além da possbilidade de aplicacao de conhecimento cientifico, oriundo das ciéncias empiricas na investigacao dos crimes, cla mesma se pode des sivolver segundo ‘© método cientifico, seja em cada investigacao criminal particular, mediante a aplicagio de tenteas de pesquisa que sao prOprias 2 cidncia (Sobretudo técnicas qualitauivas). seja pela generalizacio de certas conclusoes encontradas no conjunto de investigacoes de casos co- mus, para aplicacao posteriorem outtas investigacoes particulates (Cendentea uma aborda gem quancicativa), E certo que. a0 investigar-se o crime come faco do passado, a investigacao se aproxima mais da pesquisa historiogrifica , mas, 20 passo que a sociedade se tem tornado mals complexa e dinimica,a investlgacao se rem romado igualmente mats uma pesquisa de fatos presences, ainda em curso (como sio os casos de criminalidade organizada, p.ex.). de- vendo desenvolver-se para akim de cada investigagao presente, com vistas a desenvolver con- hhecimento operativo parainvestigacoes fucuras, Nesse contexto¢ que o modelo das ciéncas sociais em geral, € a sociologia em especifico, parece ser o caminho mais propicio a uma metodologia da investigacao criminal. E nesse sentido que se vai expor o problema metodo- logico das eiéncias socias, suas limitagoes tedricase suas técnicas de pesquisa, como forma de demonstrat a proximidade existente com as priticas de investigagao criminal ea possibi- lidade de uma merodologia cientfica para ela, como uma forma particular de cigncta social Em sintese, tata-se de parcela de estudo mais amplo que pretende demonstra as rlagoes ¢ proximidades entre investigagao criminal e pesquisa cientifica PALAVRAS-CHAVE: método cientifico; sociologia de agaos investigacao-a¢aos téenicas de pesquisa Revie tenders Poboe 35 Bras,» 2.2, p. 35-46, jullder 2011. ISSN 2178-0013 Ciencias Sociaise Investigagio Criminal INTRODUGAO: A LOGICA DAS CIENCIAS SOCIAIS ‘As ciéncias sociais, especialmente a sociologia, nascem com a pro- posta de descobrirem “leis socia para estabelecer-Ihes as ligagdes causai tal como as ', a partir da observagio de fatos socia © chegar a generalizagdes tedricas, ncias naturais, Ainda hoje h4 quem sustente ser essa a tarefa das ciéncias sociais, embora reconhega uma limitagao em virtude do estagio cientifico, ou do objeto de pesquisa’. Noutro rumo, tem-se sustentado, a partir das ideias de W. Dilthey* que sc devem distinguir as ciéncias naturais (de explicacao causal) das ci- Encias culturais (de interpretagio ou compreensio). Mais detalhadamente, partindo dessa distingio, fala-se que o conhecimento humano procede ou por gencralizagao das varias coisas pelos scus aspectos comuns, ou por indi- vidualizagio, pela consideragao de varias coisas por seus aspectos particulares (BARATA, 1998, p. 23 ¢ss). dissensao (nao entre haver duas espécies de ciéncias, mas sobre I ter ou nao a mesma estrutura da ciéncia natural) instaura nas aciéncia soci ciéncias sociais dois caminhos, o naturalismo ¢ o historicismo’, tao bem ex- plicado por Karl Popper (1957) que demonstra cm que sentido cada um cst correto ¢ incorreto, segundo sua perspectiva falsificacionista da ciéncia. Na raiz dessa querela, segundo se tem observado (POPPER, 1976, p. 17), hé uma cquivocada visio das ciéncias naturais, fruto de 1m ingénuo indutivis- ‘mo, contra 0 qual Karl Popper apresentou o falsificacionismo ¢ o método hipotético-dedutivo como a lgica das pesquisas cientificas. Segundo Popper (1976, p. 16), em A ligica das ciéncias soca base nessa premissa, “o método das ciéncias sociais, como aquele das ciéncias em experimentar possiveis solugGes para certos problemas; 0 problemas com os quais iniciam-se nossas investigagdes ¢ aqueles que sur- com naturais, consis gem durante a investigagio”. Quando Popper se refere a método, refere-se ao contexto ldgico de justificag4o do conhecimento cientifico, em separado do o, encontramn-s¢ 25k Nese sentido, 2 opinio de Durkehin sobre curefa do socioldgico (cf Bortomore, 1971, p.33, no 8) C£.nesse sentido, Bortomore, 1971, p.33. CE Barata, 1998, p. 15. Ressalte-se que o que se relata aqui éa sintese rudimentar de um problema epistemolégico muito mais complexo. 1 Nessesenti da evolugio social de Comte (cf Bottomore, 1971, p. 32) 36 Revita Braslena de Cibiciad POU A rrr Baia, 2. 2,m. 2, p. 35-45, jul/de Eliomar da Silva Pereira contexto de descoberta das técnicas de pesquisa. Popper (1976, p. 32; 1957, p. 137) refere-se assim a uma “légica situacional”, como a légi a apropriada 8 pesquisa social, em que os dados da realidade sio considerados como cle mentos da situacio, permitindo compreender agdes dos sujeitos em sentido objetivo, como objetos situacionais. A essa légica acresce a ideia de verdade aproximada que se deve perseguir pela ciéncia. Em complemento, Popper (1957, p. 108) sc refere & necessaria distingao que se deve fazer entre “Icis” ¢ “tendéncias”, pois “as leis ¢ as rendéncias sio coisas radicalmente diferentes”. A questo é que, segundo uma légica situacional, a tendéncia de uma situagio histérica particular nao nos leva a uma lei universal incxorivel®, Apesar dis- so, segundo Popper (1976, p. 32), “podem possuir um contetido verdadeiro consideravel ¢ podem, no sentido estritamente lagico, ser boas aproximagies da verdade melhores do que outras explicagses testiveis” Apesar desse problema metodolégico, isso nao tem impedido a sociolo- gia de recorrer a métodos variados, alternativos, ¢ avangar em sua afirmagéo cien- tifica. Dessa forma, segundo T. Bottomore (1971, p.53 es), tem-se visto prolife- rar pesquisas com recurso a variadas abordagens, como a histérica, comparativa, descritiva, estruturalista ¢ funcionalista. Ainda no ambito do problema meto- dologico c sua diversidade, Bottomore (sbidem, p. 66) se refere a uma sociologia formal, em que se considera a propria sociologia como um novo método, “uma nova forma de olhar os fatos” que jé teriam sido tratados por outras ciéncias, Em conclusio ao problema do método, T. Bottomore (ibidem, p.70 ss) considera que uma disciplina ¢ cicntifica por scus métodos ¢ intengécs. Quanto ao método, sio caracteristicas importante ocupar-se de fatos (niio de juizos) ¢ trazer provas empiricas a respeito desses fatos afirmados, de uma for- ma objetiva (no sentido de que qualquer um pode avaliar a afirmagao segun- do a prova). Quanto a intengio, a sociologia (como qualquer ciéncia social), deve visar a uma descrigao exata, por anilise de propriedades ¢ relagdes entre fendmenos sociais, e pretender uma explicagio por formulagio de declara- goes gerais. E nesse ponto que a sociologia se apresenta com certas particula- ridades, pois cla nao aprescnta uma teoria geral accita de forma gencralizada, mas apenas de forma limitada, ou de tipos diversos dos que se observam ¢ perseguem nas ciéncias naturais. 6 O que esti por tris de uma explicagio nesses termos nao é uma questio de causalidade, mas de condicionalidade, segundo a qual, em decerminadas condigoes X, hi uma tendéncia para Y, 0 que, tembora se tome algo limitado, em a vantagom de reconhecer os limites do conhecimento sociolégico ceavangara partir dele. NT Revita Brasileira de Ciéncias Pobicinis 37 Brass, 2 2, .2,p. 35-46, jul/der 2011. “iéncias Sociais ¢ Investigagao Criminal Entre os diversos tipos de generalizages, na sociologia, encontram- se certas “corrclagées empiricas entre fendmenos sociais conerctos”; “gencra- lizagdes formulando as condigdes sob as quais as instituigdes ou outras for- maces sociais surgem’, ou “afismando que as modificagdes em determinadas instituigdes estao regularmente associadas as modificagdes em outras insti- tuigdes’, entre outras varias (cf, BOTTOMORE, 1987, p. 37 ess). Além de gencralizagao, encontram-se conceptualizagées (como ¢ 0 caso de conccitos como estrutura social, ideologia, burocracia ete.) e esquemas de cla (como de grupos, agdes etc.) muito produtivas. ificagées A tudo isso — problema metodoldgico ¢ limitagdes tedricas — acres- ce-se a questio das técnicas de pesquisa c a discussio em torno dos conflitos entre abordagem quantitativa ¢ qualitativa, que fazem da sociologia um am- bito de saber ainda incerto, conquanto persista na sua afirmagio como cién- cia, c assim como exemple apto a fornccer modelos diversos de pesquisa que interessam a uma metodologia de investigagao criminal. I. SOCIOLOGIA DE ACAO E INVESTIGAGAO-ACAO “Tendo em consideragio problema metodoldgico da sociologia, po- de-sc entender porque “cxistem diferentes manciras de abordar a realidade, que sio outros tantos modelos de investigagio, de tradigdes de pensamento ou ainda de problematicas gerais...” — ¢ essa a adverténcia que nos fazem Mi- chel de Coster ¢ Bernadette Bawin-Legros (1996), a0 considerar que de uma sucinta podemos observar duas tradigdes, ou paradigmas, de investiga- io cientifica em sociologia: um determinista, outro da agio ou interag forma O paradigma determinista (em que se encaixariam as tradiges fun- cionalista ¢ estruturalista) pode ser cntendido a partir de duas idcias fan- damentais — de que todo fato social se explica por fendmenos que lhe sio anteriores, ¢ que por ser exterior € 0 que orienta a agio dos individuos, O paradigma da agio ¢ da interagio (em que se encaixariam tradigées de abor- dagem estratégica ¢ individualismo metodolégico), por sua vez, nasce como reagio 4 concepgio positiva das ciéncias sociais como ciéncias de fatos ob- jetivos, tendendo a considerar agio dos individuos como. constitutivos dos fatos sociais (COSTER; BAWIN-LEGROS, 1996, p. 82 ¢ 95; precisa- 7 O autor considera a possiblidade de conciliagao entre os paradigmas, pois “nenhum paradigma tem. ‘© monopélio da explicagao". Em sintese, segundo ele, “se, com efeito. por um lado, parece que a sociedade modela o homem, por outro, é 0 homem que modela a sociedade, de modo que cada forma 38 Revita Brasileira de Cibicias POUR A rrr Baia, 2. 2,m. 2, p. 35-45, jul/de 011, Eliomar da Silva Pereira mente deste tiltimo contexto que parte uma sociologia de agdo, que vamos cxpor sucintamente como um modelo propicio a fazer despertar as relagées que existem entre investigagio cientifica sociolégica ¢ investigagao criminal cientifica, sobretudo a partir do conceito de investigagdo-agao. A sociologia de agéo, ou de intervengio, tem sido opostaa uma sociolo- gia académica, apesar de cocxistircm as duas perspectivas em pesquisas de terreno de variados campos profissionais. E nessa sociologia de campo que, segundo Isa- bel Guerra (2002, p. 10), deram-se os primeiros passos de una investigagio-agio, em trabalhos emoldgicos especialmente, mas a sociedade industrial ¢ urbaniza- da também sentiu a necessidade de tal perspectiva de investigagio sociolégica, a excmplo dos trabalhos da Escola de Chicago® . Com isso, passa-se a considerar a cidade como um laboratdrio natural das cincias sociais que tem por objetivo a solugéo de problemas muito pontuais (GUERRA, 2002, p. 12). Por tras da ideia de investigagio-agio h4 toda uma discussio epistemo- logica que se desenvolve a respeito das relagées entre o sistema social ¢ 0s auto- res, dando ensejo a paradigmas de pesquisa discordantes ¢ variadas perspecti- vas metodolégicas, como se referiu acima sucintamente °. Dessas perspectivas postas cm confronto, surge uma intcrrogagao acerca da relagao entre conheci- mento e acio. £ nesse contexto que se colocam certas questdes As metodologias tradicionais, tais como a necessidade de “compreensio do sujeito como ator capaz de racionalidade ¢ de escolha” ¢ de “entendimento das relagées soci como relagdes de poder” (GUERRA, 2002, p. 39). A tais questdes se apresenta 40, epistemologicamente, no sentido de uma redefinigao do a investigagio-a conhecimento cientifico através de uma concepgio pragmitica. Nesse sentido, entende-se que “as metodologias de investigagio-agio apresentem como elemento fulcral da estratégia de conhecimento a relagio cde abordagem insisce numa das duas faces de uma mesma realidade” (1996, p. 109). 8 Pontue-se que alguns trabalhos da Escola de Chicago sto especialmente conhecidos no campo da criminologia sociolégica, ou sociologia do crime, Outro marco, e por muitos considerado o fundador da pesquisa-a¢20, so os trabalhos de Kurt Lewin, baseados em dinmicas de grupo, destinados nao a produzir conhecimento para depois er aplicado por decisoes poiticas, mas a atuarem diretamente no problema ~ dai chamar-se muito constantemente de investigagio operacional. Isabel Guerra (2002, .35),contudo, considera que é nos trabalhos de Dewey, no campo da educacio, que se deve sieuara origem da investigagio-a¢io. 9) Entre essas perspectivas, que nao vamos desenvolver aqui, mas sao relevantes para a compreensio do tema, encontram-se 0 individualismo metodologico de Boudon, a andlise estratégica de Grozier ¢ teoria da agao de Touraine. Para uma visio geral dessas perspectivas, cf. Guerra, 2002, 21 es: Coster, 1996. p. 8155 NT Revita Brasleiva de Giéncias Poticinis 39 Brass, 2 2, .2,p. 35-46, jul/der 2011. Ciencias Sociaise Investigagio Criminal entre o cientista ¢ 0 seu objeto de estudo (...), tendo em vista a mudanga de uma situagio dada para outra colectivamente descjada” (GUERRA, 2002, p. 43)"". Trata-se, assim, de uma postura sociolégica que pretende reequacionar a relagdo entre acio ¢ conhecimento, aprofundando as relagdes entre teoria ¢ pritica, em recusa a uma concep¢io contemplativa da ciéncia"'. Nessa pers- pectiva de investigagao, aceita-se que a realidade ¢ anterior & teoria, a teoria €um meio, nao um fim, logo “a tcoria nao € a ciéncia, é apenas um quadro hipotético de representagao da realidade que se ver verificado no confronto com a empiria” (GUERRA, 2002, p. 45). Nesse ponto, é comum oporem-se questdes acerca da ética do conhe- cimento, pois fica cvidente que a epistcmologia da cigncia ¢ atravessada por opgies ideoldgicas. Mas a relacio inversa também ¢ igualmente controversa, pois acreditar que a partir da cigncia podemos identificar valores (no mundo de idcias a priori), seria incorrer no problema que Hume ja advertia — nao podemos deriva do ser o dever-ser. A essa questao, Henri Atlan (apud GUER- RA, 2002, p. 48) parece nos dar uma boa proposta: “Nao é a partir da cién- cia que se pode reformar uma idcia de homem ¢ de sociedade, mas sera sem duivida a partir de uma ideia de homem ¢ de sociedade que se pode utilizar a ciéncia ao seu servigo”””. Assim, com a investigagio-agio instaura-se uma metodologia diver- sa da ciéncia. F uma metodologia que, cm comparagio com o positivismo clissico, oriundo de uma visio das ciéncias naturais, possui caracteristicas muito préprias. Em relagao ao tipo de generalizagao, nao € universal ¢ inde- pendente do contexto, mas limitada ¢ dependente. Quanto aos fins episte- molégicos, nao pretende predizer acontccimentos, mas construir planos de intervengio que permitam atingir objctivos visados. Quanto ao tratamento de informagées colhidas, os casos individuais podem ser fontes suficientes de conhecimento. Quanto & tomada de posigio sobre valores, os métodos 10 Veja-se que nessa concepeio se pode identificar a definigto de investigagio proposca por Dewey, em sua “Logica: Teoria da Investigagio" 11 Ou seja, “mais do que correntes te6ricas, tata-se, sobretudo, de posturas de investigagto — apelidadas de investigagto-acgio — que procuram abranger um conjunto de experiéncias priticas desenvolvidas por varios autores, ¢ relativamente distintas entre si, mas enquadradas no mesmo propésito de conhecer a realidade para a transformar, assumindo assim uma concepgio pragmitica da realidade social" (GUERRA, 2002, p. 43). Perceba-se que, sob essa perspectiva, as peiticas de investigngao ‘criminal se encaixam facilmente nessa concepgto de pesquisa cienifica. 12. Essa 6 aids, a via mais adequada quando nos colocamos em uma investigagao criminal, em que s¢ devem dirigir as agdes segundo valores fundamentais (os direitos © garantias do homem). devendo ‘qualguer ideia de ciéncia sr dirigida a partir deles como premissas do conhecimento ¢ da agio. 40 Revista Beasileina de Ciéneias Policia A rrr Boat, 2.2, m2, p. 35-46, jul/dez 2011. Eliomar da Silva Pereira no sido neutros, pois se desenvolvem em redes sociais e atualizam o poten- cial humano (GUERRA, 2002, p. 54). Com esses pressupostos, entre outros tantos que caracterizam a investigac4o-agio, essa metodologia encontra uma pluralidade de campos de aplicagdo", entre os quais entendemos por situar a investigacio criminal. Quanto as técnicas dessa metodologia, utilizam-se todas as dispo- niveis nas ciéncias so ais, privilegiadas as qualitativas, sob uma perspectiva indutiva, que tentam teorizar a partir de informagies empiricas, colhidas no campo, no terreno de agio, a partir de problemas que se colocam, na ten- tativa de resolvé-los, ¢ para os quais a teoria se pretende voltar. Sobretudo, considera-se que ha uma relagao inevitivel entre epistemologia ¢ axiologia. Dai porque se admite que “a investigagio-ac¢io é uma metodologia ambicio- sa que pretende conter todos os ingredientes da investigagdo ¢, mais ainda, os ingredientes da acgio” (GUERRA, 2002, p. 75). Pois sc trata de conhecimen- to produzido em confronto direto com o real, tentando transformé-lo, com desconstrugio da idcia do papel do “especialista social”. Assim, “a sociologia da intervengio produz-se muitas vezes i margem do sistema, junto de grupos € organizagdes em crise, sendo uma sociologia periférica (...) ¢ nao gozando de um grande reconhecimento pelas academias, pelo que também sofre de algumas debilidades metodolégicas ¢ técnicas” (GUERRA, 2002, p.75)" 2. A PESQUISA QUALITATIVA NA INVESTIGACAO: OBSERVACAO E ENTREVISTA, No campo das cigncias sociais, manuais de investigagio, ao trata- rem dos métodos de recolhas de informagées, referem-sc obscrvacio ¢ & entrevista como duas das principais técnicas qualitativas (QUIVY e CAM- PENHOUDT, 1995, p. 186 ss)"*. Essas técnicas se encontram, igualmente, entre as mais comuns na investigagio criminal. Certo é, contudo, que ha par- 13 Para uma visto dese diversos campos, ef Guerra, 2002, p. 60. 14. NoBrasil,essaéexatamenteasituagso das organizayoespoliciaisresponsiveis pelainvestign¢iocriminal, na relagto com a sociologia académica que, a partir de uma visto sempre extema de desconstrugio da seguranca publica, incapaz de adentrar nos grandes problemas reais das instituigoes¢ constrair novos ‘modelos de agao. Eo serem confrontadas taissociologias com a busca das instituigoes policiais pelo desenvolvimenco de uma cigncia pripria, consideram ser impossivel falar de uma ciéncia policial 15. Ao lado dessas, encontra-se ainda o inquérito por questionsrio (QUIVY e CAPENHOUDT, 1995) «que somenteem situagdes muito particalares poderia ser utilizado na éreada investigagao criminal, mas tendo em vista outra espécie de questao nao diretamente relacionada a um caso concreto investigado, Por isso, deixamo-{o de lado inicialmente, mas nao descartamos em absoluto sua utilizagao. NT Revita Brasileira de Ciineis Poticinis 41 Brass, 2 2, .2,p. 35-46, jul/der 2011. “iéncias Sociais ¢ Investigagao Criminal ticularidades nesse campo que fazem da observagio ¢ da entrevista uma técnica muito diferente do que se compreende nas cin is em geral. Mas alguns 5 soc Pontos sao tao comuns, ¢ certos problemas sao partilhados por ambos os campos, que é inevitivel, e até é desejivel, que a investigacio criminal se aproveite de estu- dos ja desenvolvidos no campo das ciéncias sociais a respeito dessas técnicas’®. i Entre as principais particularidades que se devem observar no campo da investigagao criminal, os limites juridicos condicionantes dos dircitos fundamentais talvez seja 0 mais importante. Com efeito, toda técnica de recolha de dados em sentido cientifico, que se possa transpor- tar ao dmbito da investigagao criminal, encontra nessa um condiciona- mento ético muito particular, que limita mesmo a persecugio de uma verdade fitica, em favor da valorizagio do dircito dos investigados. Essa é uma barreira intransponivel da investigagao como pesquisa, mas ¢ dentro desses limites que a potencializacio das técnicas deve ser desenvolvida. Nio obstante, as modalidades de observagao ¢ entrevista encontram na investigagao uma variedade de que talvez nenhuma outra investigagao cientifica sc possa beneficiar, como sio as técnicas de interceptagio tele- fonica, para ficarmos com um exemplo corriqueiro. A observagio, como técnica de recolha de informagio nas ciéncias sociais, possui varios sentidos, mas “no sentido mais restrito ¢ melhor deli- mitado, a observagao consiste cm estar presente ¢ cnvolvido numa situagio social para registrar ¢ interpreta, procurando nao modifict-la” (PERETZ, 1998, p. 13). Trata-se de definicao que aproveita 4 investigacio criminal. E uma técnica que tem como objetivo encontrar, na sociologia, um significado para os dados recolhidos, a fim de classifici-los. Na investigagio criminal, © sentido tem um parimetro muito delimitado na teoria dos tipos penais. Dentre as espécies de observacao, pode-se ainda encontrar um paralelo entre as formas dircta, indircta c participant da sociologia com as diversas formas de observagio que se encontram na investigacio criminal, a exemplo da vi- gillincia, da gravagao de imagens ¢ do agente infiltrado’”. Esse em especifico 16 Um estudo relevante, exclusivamente dedicado & observacao, encontra-se em Henri Peretz, Método em Sociologia: a observagdo, em que o autor estrucura a técnica a partir de trés atividades indissocidveis —a forma de interagao social, a atividade de observacio ¢ o registro dos dados observados. Essa etapa, ‘em especifico, teria grande utilidade as priticas de investigacdo criminal, na qual os agentes nao adquiriram ainda © coscume cientifico de relaco do observado. Iso, em parte, decorte de uma visso muito difundida que limita 0 cientifico a0 experimento. 17 Algumas técnicas, contudo, parecem ndo se enquadrar muito facilmente na observagio nem na ‘entrevista. £0 caso da interceptagao telefémica que, embora se refi a dados verbas (nao vismais, como em «gral so as formas de observagio) tem a caacteritica propria da observagio, por no interferir na stangio. 42 Revista Beasileina de Ciéneias Policia rrr Boast,» 2p 35-46 jul/dez 2011, Eliomar da Silva Pereira encontra uma aproximagio muito forte com a observacio participante, com vantagens metodolégicas igualmente relevantes, pois cxelui em absoluito 0 conhecimento da pesquisa pelo pesquisado. juanto a entrevista, na investigagao criminal essa técnica encontra, para além de todos os problemas comuns &s ciéncias sociais, todo um conjun- to de problemas que decorrem da especial situagao pesquisada — a cxisténcia de um crime,a respeito do qual se procura seu autor. Nesse sentido, é aceité- vel que a técnica cxija uma atengio redobrada na investigagao criminal, mas as questdes suscitadas em sociologia podem ser um bom ponto de partida para estudos mais especificos"*. Apesar da relevancia dessa técnica na inves- tigagao criminal, assim como nas cigncias sociais, os pesquisadores tendem a dedicar pouca atengio a ela (FODDY, 1993). Mas sua sistematizagio em corno de um modelo de entrevista, como técnica de pesqui cettos pressupostos bisicos da psicologia, com uso de tecnologia de colhcita (gravadores de voz) ¢ redagao de relatério, pode contribuir para a qualidade icntifica das investigagoes criminais, fundada em 3. ANALISE DE CONTEUDO: EM DIREGAO AO QUANTITATIVO Alem da observagao ¢ entrevista, como técnicas de recolha de dados, na investigagio criminal, assim como nas pesquisas sociais, é comum se reco- Iherem documentos varios em complemento as informagées. E ao final (tal- ‘vez nao tanto na sociologia, mas na investigagao criminal em sua totalidade), sejam os dados verbais (entrevistas), sejam os visuais (observagées), tudo aca- ba por ser reduzido a um conjunto de documentos, que sc juntam aos demais documentos cxistentes anteriormente a investigagio'. No conjunto, todas as informagées exigem uma outra etapa, comum tanto 4s pesquisas cientificas, quanto As investigagdes criminais, que €a de andlise da informagao (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1995, 211 € ss). E nesse contexto que a anilise de contetido se pode apresentar como uma técnica relevante 4 investigagio. 18 Umbomestudoacercadaentrevistaseencontranaobra Como Perguntar: Teoria ePriticada Constrasio de Perguntas em Entrevistas e Questionaries, de William Foddy (1993),em queo antor declaradamente assume 0 interacionismo simbilico como quaio teérico de fundo para o desenvolvimento de seu estudo (p. 26). Segundo ele, “a mais bisica implicagto da teoria do para as situagoes de investigacio traduz-se na hipétese de que o significado atribuido pelos sujeicos 20s actos sociais & produzide no interior da propria relagao em que esses actos ocorrem” (p. 23). 19 No dircito processual brasileiro, aliés, o conccito juridico de documento abrange tudo quanto soja registrado em um meio fisico em condigoes de ser consultado, conferido, confrontado ou contraditado. NT Revita Brasileira de Ciéncias Pobicinis 43 Brass, 2 2, .2,p. 35-46, jul/der 2011. “iéncias Sociais ¢ Investigagao Criminal A anillise de contetido parece assumir, contudo, uma natureza di- plice. Tanto pode ser realizada cm um sentido quantitative, como em um sentido qualitativo (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1995, p. 227). Nesse ponto, para cada investigagio criminal em particular, interessa-nos a anillise qualitativa””. A andlise de contetido incide sobre mensagens variadas, é um procedimento de anilise de material escrito, independente de sua origem, que pode ser desde dados de entrevistas, até os produzidos por tercciros (FLICK, 2002, p. 193). As questées, contudo, que se colocam no campo das cién sociais niio sio as que exatamente interessam 3 investigacio criminal de casos conerctos, mas pode interessar a identificagao de certos padracs relevantes a orientagio de investigagdes futuras. O importante é ter o dominio téenico das varias formas de andlise sugerida pelos tedricos (sintctizadora, explicati- Ss va, estruturante)! ¢ identificar os problemas da investigagao criminal para os quais essas técnicas disp6e de uma possivel resposta®, CONCLUSAO: PADRGES E MEDIDAS POSS{VEIS ‘As abordagens quantitativas nao estao em absoluto descartadas de uma metodologia da investigagio criminal. A questao ¢ que o méto- do quantitativo serve a problemas outros que © qualitativo tende a res- ponder. Mas se partirmos dos dados estatisticos que sio produzides pelas diversas investigagdes — ¢ mais que isso, se passarmos a produzir dados estatisticos ditigidos a certas questées nao levadas em consideragio em geral — podemos chegar a certas gencralizagdes bascadas cm medidas, como qualquer outra ciéncia. E se tais dados forem trabalhados a partir de programas ¢ tecnologias de informagio, so variadas as possibilidades de extrair padrdes com medidas muito bem delimitadas. O problema, sob essa perspectiva, ¢ estabelecer 0 que se pretende com um tal procedi- mento, cm que sentido scus resultados podem interessar ¢ aprovcitar as investigagées criminais em particular ¢ de que forma tudo isso pode ser institucionalizado pelas organizagées investidas na competéncia de in- vestigar ¢ instrumentalizado de forma que essa instancia scja compativel 20 A.andlise quantiativa nto pode ser de todo excluida do nosso interesse cientifico, conjuntamente com certas anilises estarsticas,igualmence relevantes para.ainvestigagio criminal, mas no Ambito de oucra cordem de questoes. 21 A classificagao é de Uwe Flick, Méados Qualiativos na Investigacio Cientffica, onde 0 autor apresenta ‘outros variados métodos de codificagio e categorizagao. 22 Uma possbilidade que se pode vslumbrar 6a andlise do conteiido de diversosinguéritosinvestigativos, visando a extrair padrocs de madus operandi de certos crimes em conexao com modos de prové-los 44 Revista Beasileina de Ciencias Policia A rr 2p 35-46 jul/dez 2011, Beata,» Eliomar da Silva Pereira com os problemas mais corriqueiros ¢ imediatos das priticas de investi- gacio. Mas nao temos ditvida de que é possivel trabalhar com medidas ¢ generalizacées fundamentadas em estatisticas. Enquanto um problema qualitative pode pretender identificar pa- drdes de investigagio, a partir de padrdes de modus operandi relativos a certos ¢ determinados crimes, visando a orientar a colhcita de provas por quem in- vestiga na pritica, outra ordem de problemas se pode colocar a quem compete ni investigar, mas organizar os diversos sctores (delegacias, p. ex.),

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