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APRESENTAÇÃO

A comunidade tem em mãos um livro que contempla olhares sistemáticos sobre campos disciplinares que se cruzam no cenário educacional brasileiro. Aqui,
educação, história e literatura dialogam. Numa prospecção interdisciplinar, dialogam sem apegos idiossincráticos, apartados de qualquer vaidade nobiliárquica
que, supostamente, tenda a colocar em ordem hierárquica tais saberes num plano vertical de classificação epistemológica no ranking acadêmico. Muito pelo
contrário, o referido volume é uma demonstração de não haver espaço, no atual cenário do ambiente acadêmico, plural e complexo, para classificações que
superponham um saber sobre o outro. O alinhamento de tais campos disciplinares no plano horizontal é a convicção da alteridade como bálsamo a correr no
veio que irriga as ideias que nele circulam.

A iniciativa dos organizadores se destaca pela compilação de uma coletânea de artigos a buscar uma aproximação entre os dois programas de Pós-Graduação,
Educação e Literatura Brasileira, da Universidade Federal do Ceará. Tal iniciativa é nobre, cujo desafio é tornar possível a circulação de ideias, sentimentos,
práticas e experiências no cenário educacional contemporâneo demarcado pela pluralidade e diversidade.

Ao ser lançado tal livro, a interdisciplinaridade, desafio do currículo acadêmico contemporâneo, sai do plano teórico para o prático. Ao ser estendido o debate,
discentes e docentes vinculados aos respectivos cursos de mestrado e doutorado, como também professores da educação básica e demais convidados,
sentem-se mobilizados em manter acesa a chama que clareia a passarela por onde desfilam teóricos e teorias, demarcados por incertezas – parafraseando Eric
Hobsbawn – mas críticos sobre a dialética do processo onde se desdobra a produção do saber epistêmico.

Muito mais que um mero exercício intelectual, em atendimento às exigências formais e institucionais estabelecidas pelos órgãos que avaliam os programas de
Pós-Graduação no Brasil, a publicação desta coletânea, sob a mediação de seus organizadores, consagra-os pela autonomia acadêmica de pensar e expor à
coletividade um ponto de vista. Tal atitude depõe favoravelmente sobre o sentido teleológico de um texto escrito e publicado, a traduzir como finalidade última a
oportunidade da exposição daquilo que se pensa, se acredita e se defende no exercício acadêmico e ético, nutrido por solidariedade, cooperação e interação
entre metodologias e teorias, no âmbito do cotidiano da universidade.

A publicação deste livro deixa claro para os sujeitos participantes as regras que foram estabelecidas como princípio, em vista a se atingir os objetivos propostos
para tal empreendimento, qual seja o diálogo e o exercício da democracia na produção e divulgação do saber.

Pensada e executada coletivamente, seus organizadores decidem uma coletânea aberta. Significa dizer, com fronteira permeável a outros olhares. Adesista às
críticas que lhe convierem, pautados no respeito e na tolerância, seus autores e organizadores admitem o pensamento contraditório, embora exijam que toda e
qualquer crítica seja precedida da leitura do livro, sob pena de uma aferição sombria.

O convite à leitura desta obra desperta o desejo de compreensão da essência vital do espírito científico e estético que moveu esse empreendimento
bibliográfico.

Fortaleza, 03 de janeiro de 2016.

Prof. Dr. Francisco Ari de Andrade

FACED-PPGE-UFC

PREFÁCIO A LITERATURA VIVE NO CORAÇÃO DAS HUMANIDADES

Quando se reúnem conjuntos de artigos relacionando Leitura-Literatura-Educação, algumas perguntas são oportunas, uma vez que os leitores-professores lidam
com indefinições, transitoriedades e mudanças nos paradigmas que nortearam o objeto de nosso interesse, ou seja, a Literatura como uma linguagem com
especificidades, as quais a diferenciam de outros formatos linguísticos e discursivos, por constituir-se como objeto artístico, entre outros artefatos herdados de
nossos colonizadores.

A história das mudanças já alcançadas tanto no processo de criação quanto na recepção do conjunto dessas heranças está em cena há pelo menos dois
séculos no Brasil, através da lenta conquista de uma Língua Portuguesa pelos brasileiros.

Enquanto contemplamos os fatores da comunicação literária à distância, isto é, quando os vemos de forma panorâmica, cada um sua função per se, como se
não se integrasse ao outro, é mais tranquilo isolar texto e leitor, cobri-los com uma redoma, como se ambos fossem ahistóricos e absolutamente idealizados em
sua autossuficiência. Mas, sabemos que os fatores do sistema literário vão além de produto e receptor, o que já seria um ponto de partida para
problematizarmos certa ineficácia da literatura como objeto de conhecimento e o leitor como um sujeito desenraizado de suas ligações com o passado e o
presente enquanto geradores de expectativas de futuro, tanto próximo quanto mais distante.

Proponho uma compreensão inicial de texto literário como artefato linguístico e estético, submetido a “canais legitimadores” (Marisa Lajolo, O que é Literatura,
1984), os mesmos do sistema que inter-relaciona comunicação e credibilidade: a escola, a imprensa, os jornais, a WEB, a universidade, as academias; entre
outros, os leitores especializados, os comentaristas e críticos. Dentro de uma visão pragmática, os órgãos que financiam as edições, a publicidade, a divulgação,
as distribuidoras que convencem os livreiros e as livrarias que investem milhões de dólares sem, muitas vezes, saberem se conseguirão vender os exemplares
impressos ou se terão retorno pelos direitos autorais pagos pelo objeto livro materializado ou virtual.

Lembrados os elementos acima, do que compramos e mais diretamente nos interessa é o miolo do livro e o seu conteúdo, compreendido em suas ricas
virtualidades operadas entre significantes e significados em estado de latência interpretante.

Se a Escola insere o texto literário como uma entre as linguagens ensinantes, enquanto instituição educadora, há de esperar que a Literatura seja, além de um
rótulo que designa diferentes tipos de textos artísticos, também, como bem cultural, guarde em suas potencialidades, aquelas de dirigir ao leitor algumas
perguntas, em razão de ele, de forma astuta, perceber que no texto nada é dado pronto; ele só vê, ou toca, ou ouve, letras que formam palavras, que formam
orações, que organizam frases, que ele deve seguir e ordenar para daí ter início um começo de conversa com o que chamamos texto literário.

Como os leitores têm sido idealizados como desejosos do texto, interessados em seus segredos, sempre dispostos à leitura prazerosa, sempre desafiados pelo
aspecto lúdico das aulas de Língua Portuguesa, a figura do professor, tutor, facilitador de causa que o valha, de há muito tornou-se desnecessária, pois
defendem algumas utopias, ele seria uma figura indesejável, pois passaria a explicar, talvez sem ler as camadas mais superficiais, gráficas, sonoras, de um
texto literário.

Ora, a realidade da leitura no Brasil e não apenas em nosso país, ou de textos literários, é outra, bem distante das idealizações artificiais e extraídas das reais
necessidades de um nível mínimo de interação e compreensão de suas estruturas mais evidentes. Não estou tratando de camadas de sentido. Estou ainda no
nível do tangível, do mais superficial de uma leitura.

Quando as estruturas linguísticas que compõem um texto literário não são decodificadas por seus usuários, como falar em encontro, troca, motivação ou desejo
de interação? E se o professor torna-se, pouco a pouco, um obstáculo, o autoentendimento ou a autofruição teriam sido alcançados sem mediação?

Quando tratamos da relação Leitura-Literatura-Educação, sabemos que estamos diante de uma configuração complexa (Edgar Morin, Introdução ao
Pensamento Complexo, 2005) que não admite que nenhum ângulo dessa relação triádica seja subestimada: corre-se o risco de retirar, desse encontro fecundo,
elementos de grande importância para as trocas e diálogos de tantas vozes: o sujeito polimorfo de uma História percebida de várias dimensões e
temporalidades; a Memória que articula heranças de muitos passados e civilizações aos avanços para um futuro apenas entrevisto nas imagens fugidias do
presente.

Como isolar da “leitura do mundo” e da “leitura do texto” (Paulo Freire, A importância do ato de ler, 1981) esses componentes integrados a quem se pergunta
quem é, o que faz no mundo, em que realidades vive ao mesmo tempo, uma vez que a linguagem simbólica abre a percepção a outros entendimentos não
imediatamente acessíveis a uma leitura de superfície?

Não é apenas a instituição Literatura que tem-se tornado arredia a definições, mas a sua funcionalidade dentro de culturas em transformação acelerada, em
sociedades cuja estratificação de há muito estilhaçou uma imagem idealizada, duplamente, em virtude da proximidade das duas palavras, ambas efígie uma da
outra, de receptores neutros, desarticulados de tendências ideológicas, políticas, religiosas, dentre outros elementos que orientam o sujeito em qualquer lugar e
tempo em que se reconheça como tal.

A complexidade da articulação Leitor-Texto literário-Educação não suporta nenhum tipo de simplificação, pois o que está em causa, mesmo que tratada como de
menor urgência, infelizmente, é a formação do indivíduo como sujeito consciente e pensante. São tantas as exigências que a “vida real” lança sobre o indivíduo
que, dentre as “habilidades” mais urgentes, destacam-se: a capacidade de expressão oral e escrita de forma que seja entendido e não apenas adivinhado.

Aprendemos na Carta aos Pisões, escrita entre 14 e 13 a.C., que pelo menos duas funcionalidades para a Poesia eram claras a Horácio: “Os poetas desejam ou
ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo agradáveis e proveitosas para a vida”, sintetizadas como docere et delectare. No entanto, ele não
esquece de acrescentar: “Não se distanciem da realidade as ficções que visam ao prazer” [...] “Arrebata todos os sufrágios quem mistura o útil e o agradável,
deleitando e ao mesmo tempo instruindo o leitor; esse livro, sim, rende lucros aos Sósias; esse transpõe os mares e dilata a longa permanência do escritor de
nomeada”.

Poesia e Vida, nas relações com o lúdico e com a formação para um relacionamento consciente com a realidade histórica do leitor, despertando-lhe tanto o
gosto estético, pela Arte, quanto consciência para o enfrentamento com o tempo no qual lhe foi dado viver.

Dentro destas coordenadas, o jornal Folha de São Paulo, de 03 de novembro de 2013, traz em um dos Editoriais, a seguinte chamada: “Baixa qualificação
condena jovens a desemprego e piores postos de trabalho”. Para, dentro do texto, encontrarmos a justificativa do destaque: “Esse ciclo de reprodução de
pecúnia pode ser atenuado com programas de distribuição de renda, mas só será interrompido com avanços na qualidade do ensino, na escolaridade e na
qualificação”.

A leitura, de forma ampla, torna-se mais que uma aliada, ela é a peça fundamental para que a máquina da competição acionada pelo progressismo trabalhe a
nosso favor: “O mercado de trabalho nos dias de hoje [...] exige profissionais bem letrados. Vale dizer, trabalhadores com vocabulário amplo o suficiente para
encontrar, entender e selecionar, no vasto cabedal disponível nos computadores, os dados para compor a solução de problemas. Já se foi o tempo em que lhes
bastava saber ler manuais”.

Todos nós conhecemos as tristes classificações alcançadas nos “rankings” de leitura e interpretação de que nosso país participa através de estudantes
adolescentes e jovens, mesmo concorrendo com países de situação econômica inferior ao nosso.

As razões para tais resultados são conhecidas dos órgãos diretamente responsáveis pelas ações concretas que alterariam, em tempo razoável, esse quadro
constrangedor, como por aqueles ligados aos estudantes no dia a dia da escola. No entanto, salvo exceções que não representam a totalidade, o quadro
aterrador não permite ilusões que mascarem a realidade do país no atual momento em que as tecnologias exigem, cada vez mais, domínio interativo de
linguagens, inclusive das simbólicas.

Como tais preocupações não são recentíssimas, encontramos, nos inícios do Século XX, em 1938, com Natalie Sarraute, problematizações entre História,
indivíduo e representação literária, incluindo a leitura de um texto caótico, que antecedia a Segunda Guerra, como “era da suspeita”. Essa designação que dá
título ao livro da escritora passaria a caracterizar as décadas seguintes, avançando para uma das mais difíceis passagens da História Moderna.

Dez anos depois de Natalie Sarraute lançar questionamentos que despertaram revisões interessantes sobre as décadas que separaram os séculos XIX e XX,
Jean-Paul Sartre publicou O que é Literatura, livro dividido entre perguntas que intrigaram e importunaram os mais niilistas: “o que é escrever?”, “para quê
escrever?”, “para quem escrever?” e, além de outros tópicos afins, questiona a situação do escritor em 1947, e, por extensão, o que continuava a justificar a
escrita poética, a expressão artística, num tempo de exceção, em que o horror e o mal haviam atingido níveis, para os fins do século XX e seus patamares
civilizacionais, depois de quase duzentos anos de consumação dos ideais iluministas que alimentaram a Revolução Francesa (1789), entre outras posteriores,
inimagináveis de aparelhagem mortífera e discriminatória.

Mas, o livro de Sartre, com suas perguntas inquietantes, já para completar setenta anos, coloca, com toda força e pertinência, as mesmas perguntas que
lançamos para os que ensinam, escrevem e se deleitam com o texto literário.
A segunda metade do século XX foi um período cruzado por várias ideologias que criaram linguagens e palavras de ordem, como o Estruturalismo, tanto
linguístico quanto antropológico; o Formalismo mais radicalizado, quanto o mais atenuado pelos estudos de cultura e História; a Psicanálise em várias
orientações; o Existencialismo em suas vertentes humanista e niilista. Estas ideologias ou filosofias, como as designou Roland Barthes (“O que é a Crítica?”,
1963), contracenaram com vozes que, sem indagar a procedência e a íntegra, de declarações apocalípticas, acerca da morte de tudo, deram a Literatura por
cumprido o seu papel e o seu destino.

Engajadas a uma proposta problematizadora, as linhas de força do Desconstrucionismo representam um momento em que a Leitura, o Leitor, o Texto ganham
intensa visibilidade por alinharem em suas perguntas, tanto consensos estabelecidos quanto inquietações que não conseguiam se representar por conceitos ou
se enquadrar em paradigmas críticos redutores. Mal entendidos houve em torno do que foi um momento em que a Inteligência e a Percepção se juntaram para,
de fontes antigas, entreabrir espaços para vislumbrar possibilidades de compreensão, através de novas perguntas, provavelmente, para o que chamamos de
Contemporâneo. O que, muitas vezes desconsideramos, é que, para vislumbrar o efêmero do presente, o momento em si é inoperante e insuficiente.

São inegáveis as conquistas advindas do pensamento desconstrucionista, entre elas, os cortes na diacronia para que o espaço-tempo observado seja cruzado à
sincronia. Surge daí, uma nova proposta para a leitura dos eventos, os quais, uma vez sob o formato escrito, atingem o que chamamos de História. Essa revisão
estende seus raios de ação de forma benéfica para a análise dos movimentos das culturas em constantes trocas e mutações.

Seria, também, decorrente do olhar desconstrucionista uma saudável revisão da contribuição dos clássicos, em convivência com os novos poetas, na disputa
pela atenção dos leitores. Essa revisão intensifica-se com Jorge Luís Borges, Italo Calvino, Harold Bloom, atentos à pergunta que também influenciou outros
leitores: o lugar alcançado por certas obras do Cânone.

Em 2002, Ana Maria Machado publica Como e porque ler os clássicos Universais desde cedo. No primeiro capítulo, “Clássico, crianças e jovens”, encontramos:
“o que me interessa destacar não é a variedade de leitura dos clássicos feita por gente famosa. Prefiro chamar a atenção pelo fato de que esses diferentes livros
foram lidos cedo, na infância ou adolescência, e passaram a fazer parte indissociável da bagagem cultural e afetiva que seu leitor incorporou pela vida afora,
ajudando-o a ser quem foi” (p. 11).

A afirmação de Ana Maria Machado, ao destacar a etapa da vida do leitor em que incide a construção dos valores, a elaboração do sujeito em sua
individualidade, o reconhecimento das circunstâncias em que o jovem começa a compor as imagens de si, importantes para a formação de seu caráter, de suas
escolhas morais e éticas que nortearão sua relação com o próximo, o outro, o diferente.

Lidos e ensinados (por quê não?) com entusiasmo e paixão, os clássicos “desde cedo”, são capazes de motivar descobertas e riquezas em vários âmbitos,
desde os linguísticos até o núcleo temático que guarda personagens e situações que iluminarão a vida interior dos leitores e são capazes, muitas vezes, de
dialogar com momentos da vida real, sempre imprevisível e difícil de encontrar soluções para seus impasses.

Entre os impasses que mais contribuem para o desnorteamento dos jovens é a lenta aprendizagem dos preconceitos de todo tipo, todos prejudiciais, para o
indivíduo que os ensina, para os que os aprendem e passam a praticá-los, criando, lentamente, distâncias que se fazem abismos entre as pessoas. Os
preconceitos aprendidos no “calor material”, no dizer de Gilberto de Mello Kujawski (1991), enraizados à índole, transformarão adolescentes e jovens em adultos
amargos e insuportáveis, despóticos e revoltados.

A leitura problematizadora tira as camadas mais superficiais e comumente observadas sob lentes causalistas e coloca os comportamentos sob derivações,
cruzamentos em vários sentidos e os realinha por ângulos que podem apontar nexos bem mais complexos do que a superfície deixa entrever.

Em 2007, Tzvetan Todorov publica A Literatura em perigo, reflexões que voltam a reunir os nossos atores: Leitor-Leitura-Literatura. Ele explica o motivo da
escrita do livro: “percebi com alguma surpresa que o papel eminente por mim atribuído à Literatura não era reconhecido por todos” (p. 25). A constatação que
motivou o livro partiu de experiência concreta e doméstica: o desapreço pela leitura de textos literários por parte de seus filhos, o que não ocorrera a ele, quando
adolescente, que cedo aprendeu a amar o livro e a Literatura. Ele teve pais bibliotecários e vivia cercado de livros. Todorov defende um retorno à leitura que
conduza “à reflexão sobre a condição humana, sobre o indivíduo e a sociedade, o amor e o ódio, a alegria e o desespero”. Uma leitura atenta às relações da
Literatura com a vida é o móvel verdadeiro capaz de unir leitores experimentados e jovens leitores que precisam de perguntas problematizadoras.

Antoine Compagnon publica Literatura para quê? (2009), resultante de conferência proferida no anfiteatro do Collège de France, no dia 30 de novembro de
2006, para o curso de Literatura francesa moderna e contemporânea, para cuja cátedra Compagnon se candidatava, citando, em sua fala, o escritor Italo
Calvino, para quem “há coisas que só a literatura com seus meios específicos pode nos dar” (p. 20).

Antoine Compagnon lança as perguntas básicas de sua conferência, sem descurar a História e a Crítica: “Quais valores a literatura pode criar e transmitir ao
mundo atual? Que lugar deve ser o seu no espaço público? Ela é útil para a vida? Por que defender sua presença na escola? Uma reflexão franca sobre os usos
e o poder da literatura parece-me urgente” (p. 20).

Das perguntas de Compagnon para seu curso novo Curso no Collège de France e um possível diálogo para encontro de leitores adolescentes, em outra
realidade cultural como a nossa, destacamos algumas constantes que são defendidas por leitores-pesquisadores-professores como aquelas que continuam a
nortear o ensino do texto literário: criação de valores, utilidade para a vida, importância no espaço público, isto é, nas relações humanas, seu poder entre outros
discursos.

Para Tzvetan Todorov, “Que melhor introdução à compreensão das paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos grandes
escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios? [...] Assim, os estudos literários encontrariam o seu lugar no coração das humanidades, ao lado da história
dos eventos e das ideias...” (p. 93).

Se continuam a nos perguntar por que ensinamos Literatura, e se ela em sua longa trajetória ainda precisa se autojustificar, podemos responder que o faremos
por paixão da linguagem poética, porque ela abre os símbolos com que os poetas representam os nossos mais recônditos segredos.

Fortaleza, janeiro de 2016.

Odalice de Castro Silva


Professora Titular – Depto de Literatura

Universidade Federal do Ceará

A. TEORIA E ENSINO CAPÍTULO 1 LITERATURA, EDUCAÇÃO E ENSINO NA OBRA DE MONTEIRO LOBATO

Cintya Kelly Barroso Oliveira

Introdução

“Do mundo da leitura para a leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura
em prática circular e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos limites da escola”
(LAJOLO, 2001, p. 7).

Numa carta ao amigo Godofredo Rangel, em 1926, Monteiro Lobato confessa que enjoou de escrever “para marmanjos” e declara: “... ainda acabo
fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora, sim morar, como morei no Robinson e n’Os filhos do capitão Grant.”
(LOBATO, 1955, p. 292-293). E assim se deu: nesse mesmo ano, antes de partir para os EUA, Lobato escreve seis novos livros curtos, futuros
episódios de Reinações de Narizinho. Desse modo, o projeto político-pedagógico de Monteiro Lobato – formar as gerações futuras por meio da
leitura, por meio de seus textos infantis – em consonância com as transformações sociopolítico-educacionais que permearam o contexto histórico
dos anos 30 e 40, concretizou-se nas obras que fazem parte da coleção de livros que compõem o Sítio do Picapau Amarelo.

No que se refere às questões educacionais e pedagógicas, a produção literária infantil de Monteiro Lobato, sobretudo, nas obras do Sítio, é
considerada como um “projeto literário e pedagógico sob medida para o Brasil” (LAJOLO, 2006, p. 60). Isso está relacionado ao contexto histórico
vivido pelo autor e às necessidades que se punham de modernização do país, de formação de uma cultura nacional, de alfabetização e da própria
educação do povo brasileiro. Desse modo, esse artigo pretende discutir as relações entre a literatura lobatiana em suas dimensões educacionais e
estéticas, buscando compreender o conceito de literatura presente nas obras do autor e suas relações com o ensino proposto nos documentos
oficiais sugeridos pelo MEC.

O homem, o tempo, o projeto literário

Lobato estava instigado pelo interesse em produzir obras puramente infantis, impregnadas de conteúdos interessantes e com linguagem para
crianças. Marisa Lajolo afirma que, “particularmente nas obras produzidas dos anos 30, o Sítio se transforma numa grande escola, onde os leitores
aprendem desde a gramática e aritmética até geologia e bê-á-bá de uma política nacionalista de petróleo” (LAJOLO, 2006, p. 61). A autora fala do
“valor formativo da obra infantil lobatiana”, destacando a presença de críticas à escola, recheadas de ironia, irreverência e questionamento. Além
dessas características apontadas por Lajolo, soma-se a ferrenha crítica ao conteúdo dos livros que circulavam no Brasil da época, em sua maioria,
traduções portuguesas:

A moda de Dona Benta ler era boa. Lia diferente dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça,
cheios de termos do tempo do Onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de
hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”, onde estava “lareira”, lia “varanda”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, li
“botou ele”, “comeu ele” (LOBATO, 2011, p. 182).

Com isso, pensando no escritor como um homem que viveu politicamente as transformações de seu tempo, transportamo-nos aos momentos finais
do século XIX, que coincidiam com a transição Brasil Imperial e a proclamação de um novo regime político, o republicano. Além disso, nesse período,
muitos desses acontecimentos impulsionaram a educação a um novo modelo, o que nos leva a supor uma relação das produções literárias infantis
do autor com os pressupostos do movimento escolanovista noBrasil. As autoras Martinelli e Machado (2012) defendem que a obra infantil de
Monteiro Lobato “possui uma intenção pedagógica explícita, mas totalmente distinta de concepções metodológicas de educação, pois, embora
apresente aspectos que a aproximem das concepções referentes à valorização da individualidade, curiosidade e ritmo de desenvolvimento, possui
características peculiares” (MARTINELLI; MACHADO, 2012, s/p).

O movimento da Escola Nova chegou ao Brasil no final do século XIX, com o intuito de “[...] transformar as normas tradicionais da organização
escolar, com isso ensaiando uma escola nova, no sentido de escola diferente das que existem” (FILHO, 1978, p. 17). O movimento da Escola Nova se
fixou no Brasil por meio do documento Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), que posicionava a criança no centro do processo de ensino,
atribuía à educação o papel de transformação do país e propunha a institucionalização de uma escola pública, laica, gratuita e para todos. Pensar a
obra de Monteiro Lobato é pensar a criança expressa em seus livros consoante com essa perspectiva educacional: questionadora, curiosa, atuante
em busca do saber e do conhecimento.

Da (in)utilidade da obra:

Arte literária ou pedagógica?

Literatura... para quê? Sem nos adentrarmos demais nas questões teóricas sobre a possível utilidade da literatura ou sobre a autonomia literária, já
que estas apontam para uma discussão ainda espinhosa, detemo-nos a considerar que a literatura não tem uma utilidade prática. Antoine
Compagnon (2009) compartilha tais questionamentos com o público e com os leitores de hoje, propondo: “Quais valores a literatura pode criar e
transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu no espaço público? Ela é útil para a vida? Por que defender sua presença na escola?”
(COMPAGNON, 2009, p. 20).

Outro autor que se ocupou de comentar a esse respeito foi o brasileiro Antonio Candido, em “A literatura e a formação do homem”, no qual aponta a
função humanizadora da literatura, especificamente em sua capacidade de confirmar a humanidade do homem. Para Candido, no momento crítico em
que se pergunta a respeito da validade de uma obra e de sua função como projeção da experiência humana, é que se encontra sua função formadora
e humanizadora: “Como algo que exprime o homem e depois atua na própria formação do homem” (CANDIDO, 2002, p. 80). No ambiente escolar,
pouco se respeita a literatura enquanto arte, em que predomina a gratuidade do objeto estético, nem se consideram as suas funções psicológica e
formadora da personalidade livre dos estudantes (CANDIDO, 1972).

A literatura como forma estética, linguagem criativa, invenção, distinta da objetividade das ciências, esta literatura, como forma artística, que supre a
necessidade de ficção e a fantasia dos seres humanos, parece não encontrar espaço no ambiente escolar, visto que ela não responde à
racionalização do conhecimento. À escola, não interessa o sujeito psicológico, suas dúvidas, seus conflitos, seus anseios, seus devaneios, mas
somente um indivíduo consoante com o sistema político e ideológico que se quer perpetuar. Em vista disso, à pedagogia cabe o papel de transformar
o estudante em sujeito habilitado para o conhecimento prático das disciplinas, pois este será o saber exigido do profissional para o mercado de
trabalho.

Exercitar o pensamento: eis um dos procedimentos que o professor de literatura, no contato com a palavra poética, pode propor aos seus alunos.
Entendê-la como representação daquilo que é indizível, ininteligível, assumindo a contradição da linguagem, que ao comunicar teria por resposta a
necessidade humana de se fazer presente e influenciar o outro. Se a literatura é esse objeto tão singularizador da palavra, como vê-la enquanto
objeto de ensino? Em outras palavras: como ensinar essa experiência poética na escola? Como levar o aluno a desenvolver habilidades de fruição do
texto literário? Um ensino que se baseie na formação do leitor sensível e crítico quanto ao que lê deve ter em mira a realidade linguística enquanto
uma realidade de natureza semiótica, uma vez que a língua é apenas um dos códigos pelos quais nos comunicamos em sociedade. Ensinar literatura:
como? A chave está no saber levar o outro a descobrir-se a si mesmo pelo contato íntimo com os textos.

Como é sabido, a obra de Monteiro Lobato conta com livros com objetivos didáticos claros, como é o caso de História do Mundo para as
Crianças(1933); Emília no País da Gramática (1934); Aritmética da Emília; Geografia de Dona Benta e História das Invenções de 1935;Serões de Dona
Benta (1937) O Poço do Visconde e A Reforma da Natureza, ambos de 1941. As reflexões de Monteiro Lobato em torno da dinâmica interna do texto
literário, bem como sua materialidade, encontram-se alinhadas à sua postura engajada para a formação do mercado livreiro local, centrando-se,
basicamente, no processo de conquista, sedução e adesão de um público consumidor.

Nesse sentido, convém, em princípio, assumir sua prática como editor, para que, a seguir, possamos nos deter com maior cuidado em seu conceito
de literatura. Para o autor, não bastava apenas publicar, era igualmente necessário se preocupar com o que o público apreciava. Em suma, o
paradigma artístico lobatiano, envolvendo tanto o campo da literatura quanto o das demais manifestações culturais, preconizava a presença do
destinatário, defendendo a arte como território acessível a diferentes receptores. O elemento estético, porém, não vigoraria no fato do objeto se
submeter, se adaptar e se enquadrar aos interesses do leitor, mas no sentido de ser decodificado, compreendido e fruído por este. Dessa empreitada,
resultaram obras que correspondem a disciplinas específicas e que, simultaneamente, reproduzem certos resquícios de sua formação positivista.

No livro História do Mundo para as Crianças, por exemplo, adaptação do clássico de V. W. Hillyer, é um que contempla toda a história da humanidade,
desde seus primórdios até os últimos dias da Segunda Guerra Mundial. Dona Benta faz um apanhado da evolução humana, desde a formação da
Terra, dos seus primeiros habitantes até a bomba atômica na cidade japonesa Hiroshima. São 35 noites de serão, narradas em 81 capítulos.
Estrutura-se também com base na inserção de mitos e de heróis universais, enaltecendo seus feitos, façanhas e peripécias. Já no caso de Emília no
País da Gramática, o livro se sustenta em uma abordagem descritiva da gramática, entendendo a língua como variável, não uniforme.

Em outras palavras, a concepção de gramática defendida pelo autor se define como um conjunto de regras vivenciadas pelo usuário, contrapondo-se
à vertente normativa, que trata das regras a serem seguidas de modo padronizado. Monteiro Lobato se utiliza da personagem Emília, o que nos leva
a perceber o quanto a gramática enfatiza termos que não fazem parte do ato da fala. Ele critica, por meio da boneca, os neologismos que são
considerados defeitos na cidade das palavras. Nesse conjunto de obras, fica claro como o propósito de ensinar deleitando, ao tratar os conceitos e
regras a partir de uma leitura agradável, divertida e significativa, assumindo uma função lúdico-pedagógica, em oposição à fadiga dos compêndios
escolares. Por outro lado, tais livros diferenciam-se de publicações como Reinações de Narizinho (1931), Caçadas de Pedrinho (1933), Memórias de
Emília (1936), A Reformada Natureza (1941) e A Chave do Tamanho (1942), que prezam pelo recreativo em primeiro plano.

Assim, percebe-se que a literatura, segundo Lobato, deveria atingir diversos interlocutores e, para tanto, comportaria uma estrutura tanto formal
quanto conteudística que possibilitaria a ampla recepção. A preocupação de Lobato com a recepção, priorizando-a em suas discussões, advoga um
singular modelo de texto literário: pauta-se na capacidade que este congrega em conservar a comunicação incessante com seus destinatários, ao
mesmo tempo em que proporciona que estes vivenciem o sabor do saber da linguagem na descoberta do mundo e de si mesmo, enquanto leitores e
criadores desse mesmo mundo de signos de que fazem parte. Eis o ensino da literatura e seu papel fundamental.

Imagens literárias lobatianas numa perspectiva curricular

No plano da dinâmica em sala de aula, as expectativas do ensino de literatura são, por vezes, reprodutoras e seletivas. No caso da literatura infantil
de Monteiro Lobato, surge a dúvida teórica de como tratá-la na escola: a obra pertenceria à arte literária ou à arte pedagógica? Certamente ao criar
Emília, questionadora e “inventadeira”, o objetivo do autor não foi tratar a literatura de forma utilitária, como pretexto para o ensinamento de
preceitos pedagógicos ou morais, mas desenvolver o espírito crítico do leitor, ampliando sua capacidade de ver o mundo: “Emília tinha palavras
especiais para tudo, que ela mesma ia inventando. As coisinhas dela, os guardadinhos, as curiosidades do seu museu etc., eram os seus “bilongues”
(LOBATO, 2011b, p. 13). Se não por si mesmo, o autor defendia esse posicionamento por meio de seus personagens: “A arte é uma estilização, isto é,
uma falsificação da natureza num certo sentido.” (LOBATO, 2011c, p. 52).

Tudo leva a crer que o autor tivesse consciência de que a escrita é um jogo criador e estimulador das potencialidades da língua, e seu sucesso com
relação ao público a que se destinou se deu, sobretudo, ao trato dado à linguagem clara, graciosa e simples. Ao mesmo tempo, existe uma
homenagem à criança em particular, no permanente desafio à inteligência e ao estímulo à capacidade criadora, implícitos em seus livros. Dentre os
méritos didáticos da obra, existe o da transmissão da língua materna em todo o seu vigor, apresentando à criança a língua e a linguagem brasileiras.
O Sítio do Picapau Amarelo é, pois, um prolongamento da atitude crítica do escritor, refletindo o desprezo pela excessiva valorização da linguagem
culta, pelo rebuscamento presente nos livros da época, adotados como parâmetro único para o funcionamento da linguagem. Coelho, 2006, parece
ter achado a solução entre o literário e o pedagógico na literatura infantil:

[...] se analisarmos as grandes obras que através dos tempos se impuseram como “literatura infantil” veremos que pertencem
simultaneamente a essas duas áreas distintas (embora limítrofes e, as mais das vezes, interdependentes): a da arte e a da pedagogia. Sob esse
aspecto, podemos dizer que, como objeto que provoca emoções, dá prazer ou diverte e, acima de tudo, modifica a consciência de mundo de
seu leitor, a literatura infantil é arte. Sob outro aspecto, como um instrumento manipulado por uma intensão educativa, ela se inscreve na área
da pedagogia (COELHO, 2000, p. 46).

Divertir e ensinar são as duas intenções presentes na obra de Lobato e constitui uma decisão do escritor em relação a uma tendência predominante
em sua época. A polaridade entre essas duas dimensões explica-se pela “indissolubilidade que existe entre a intenção artística e a intenção
educativa, incorporadas nas próprias raízes da literatura infantil (COELHO, 2000, p. 48). Convém, do mesmo modo, pensar a obra de Lobato na
escola, concretizando por meio dela, as discussões aqui tratadas sobre literatura, ensino e educação. Para tanto, é necessário entender a noção de
texto literário nos documentos oficiais criados pelo Ministério da Educação (MEC), mais especificamente, nos Parâmetros Currículos Nacionais
(1997/1998).

No Brasil, o marco da organização curricular acontece na década de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), que
objetivava sistematizar e organizar a educação. O MESP conseguiu alcançar os objetivos iniciais, e no transcorrer dos tempos, sofreram
reformulações importantes que culminaram na criação da LDB, em 1961. Desse modo, no século XXI, a questão sobre conteúdos abre espaço para
uma ampla discussão sobre conteúdos e metodologias de ensino na escola brasileira. No caso da literatura, surgem os questionamentos sobre sua
função e importância na Educação Básica, sendo esse o momento introdutório do aluno no universo das letras, interpretadas como o espaço de
leitura e momento importante na formação do leitor. Nessa etapa de vida do aluno, o objetivo é despertar nele o interesse pela leitura, em especial a
literária, e prepará-lo para se posicionar, comentar, debater e se pronunciar acerca de seu cotidiano.

O MEC sugeriu dar novo significado ao conhecimento escolar, evitando a compartimentalização existente no ensino por meio da contextualização e
da interdisciplinaridade, de maneira a incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender. Com o intuito de situar a escola e os docentes a respeito
das direções a serem seguidas no ensino, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação apresenta os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais,
tendo como fundamentos o respeito à diversidade e à transdisciplinaridade da linguagem, a preocupação com a qualidade da escrita e da leitura,
realizada pelo aluno, além de orientarem para a necessidade de ofertas de bibliotecas com acervos variados de livros para o incentivo à leitura e que
possibilitem uma livre escolha por parte do aluno.

Os PCN são um documento oficial, criado em 1988 e tem por intenção ampliar e aprofundar questões educacionais, envolvendo governo e sociedade,
na pretensão de gerar condições nas escolas para que os jovens tenham contato com o leque de conhecimentos pertinentes à sociedade, e que, ao
colocá-los em prática, favoreça a formação cidadã. O documento orienta o trabalho docente no planejamento de aulas, na análise e seleção de
material a ser utilizado na prática docente, de modo a contribuir para a reflexão e a formação do profissional da educação.

Apesar de trazerem a leitura como processo dialógico entre texto e leitor, fazem referências esparsas à literatura, enquanto disciplina propriamente
dita, além de associá-la ao ensino de português, sem autonomia. O terceiro e quarto ciclos dos PCN fazem referência ao ensino de Língua
Portuguesa no ensino fundamental II. São referenciais norteadores e orientadores para o ensino da 5ª a 8ª séries (atual 6° a 9° anos). O documento
apresenta onze objetivos para esse nível de ensino e, para alcançar os objetivos esperados, o professor será o intermediador e o facilitador do
processo educacional. É importante ressaltar que o documento elaborado pelo MEC tem por objetivo eliminar defasagens no ensino e,
consequentemente, melhorar a aprendizagem para Educação Básica nacional. Os PCN apresentam a área de Língua Portuguesa e introduzem as
discussões que motivaram as necessidades de reorganização do Ensino Fundamental do Brasil. A discussão é centrada, principalmente, no índice de
repetência das primeiras e quintas séries, que tem como fator responsável a falta do domínio da leitura e da escrita. Dentre os objetivos delineados
pelos PCN para o Ensino Fundamental destacaremos cinco, os quais consideramos de maior relevância para o ensino de Língua Portuguesa:

1. Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de diretos e deveres políticos, civis, e sociais, adotando,
no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repudio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; 2.
Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar
conflitos e de tomar decisões coletivas; [...]; 5. Questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso
o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação
(PCN, 3º e 4º ciclos, 1998, p. 7-8).

Nos objetivos específicos de Língua Portuguesa, podemos identificar a contribuição que o documento traz para o ensino de literatura, embora não
apresentem um maior destaque, como existe para o ensino médio. A contemplação da literatura, embora limitada, apresenta objetivos que intentam
formar o aluno num leitor para além do texto:

Para ampliar os modos de ler, o trabalho com a arte literária deve permitir que, progressivamente, ocorra a passagem gradual da leitura
esporádica de títulos de um determinado gênero, época, autor para a leitura mais extensiva, de modo que o aluno possa estabelecer vínculos
cada vez mais estreitos entre o texto e outros textos, construindo referências sobre o funcionamento da literatura e entre esta o conjunto
cultural; [...]; da leitura mais ingênua que trate do texto como mera transposição do mundo 22 natural para a leitura mais cultural e estética, que
reconhece o caráter ficcional e a natureza cultural da literatura (PCN, 3º e 4º ciclos, 1998, p. 71).

Mesmo com a possibilidade desse trabalho com a literatura, esta merecia, nos PCN, uma especificidade melhor elaborada, pois, enquanto a noção
sobre a língua é bem difundida, a literatura é apresentada de forma tímida e diluída, apenas mencionada na seção em que a borda as leituras de
textos escritos direcionados ao quarto ciclo e que atendem às sétimas e oitavas séries. O fragmento permite a interpretação da quase inexistência do
ensino de literatura, principalmente se compararmos ao tratamento dado no ensino médio no mesmo documento, em que há um capítulo específico
para tratar do ensino de literatura. Da forma como está posta, a literatura no Ensino Fundamental II, muito facilmente, pode ser confundida com um
gênero textual, e, consequentemente, anulada do repertório de leituras do aluno. Uma possibilidade de mudança seria a maior abrangência dos
aspectos literários nesse nível de ensino, por meio dos quais apresentassem possíveis ganhos na qualidade da leitura e no desenvolvimento da
formação crítica e pessoal dos alunos leitores.

Buscando ultrapassar essa vertente de literatura proposta pelos documentos oficiais, que se limita a considerar o ensino de literatura ao de língua,
seria conveniente associar os saberes contidos na obra de Monteiro Lobato a uma outra proposta de currículo: o currículo cultural do autor
associado aos saberes já trazidos da experiência de vida do aluno. Considerando a concepção renovada de currículo como toda experiência com
intuído formador, é sabido que os significados, os valores e as atitudes expressos de forma implícita compõem o currículo oculto, e a forma como
este se expressa na sociedade dá significado prático ao currículo explícito.

A experiência de aprendizagem vivida pelos alunos nem sempre se limita ao que é explicitamente abarcado pelo currículo oficial. Os ideais expressos
nas atitudes dos professores e dos alunos conferem ao currículo real variações que se misturam ao currículo oculto, dando-lhe nova significação.
Desse modo, o conteúdo cultural presente em obras com finalidade moral, por exemplo, como é o caso de Fábulas (1922), Histórias de Tia Nastácia
(1937) e Histórias diversas (1947), na verdade, podem dialogar com as experiências de vida dos alunos, despertando o senso crítico, deleitando,
instruindo, aprimorando a sensibilidade estética e o culto ao belo.

Sirvo-me de La Fontaine, em sua explicação para o motivo de sua escrita em fábulas, para referendar o uso desta em sala de aula, pensando-a como
produto moralizador, mas acima de tudo estético: “o conto faz passar um preceito com ele/nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e
agradar/pois contar, me parece coisa de pouca monta” (FONTAINE, sd). Desse ponto de vista, podem-se propor três sentidos, complementares entre
si, para o processo de educação (escolar) literária propiciado pelo ensino da literatura, em especial a lobatiana, tendo em vista as considerações de
Moratti, 2014:

a) educação da literatura, ou seja, a literatura (em si e por si) educa/ensina: b) educação pela literatura, ou seja, a literatura é meio (não é
instrumento) para a educação humana. Diferentemente do sentido pragmático e utilitário que foi objeto de crítica na década de 1980, o sentido
de “ensino pela literatura” aqui proposto fundamenta-se na compreensão do caráter mediador do texto literário, entendendo-se “mediação”
como relação instauradora e c) educação para a literatura, ou seja, a literatura é, ela mesma, objeto de ensino, visando à educação literária
(MORTATTI, 2014, p. 31-32).

Com efeito, se a literatura realmente não tem utilidade prática, pensá-la em sua dimensão educativa é entendê-la como um objeto estético, autônomo,
mas também capaz de educar, instruir deleitando, na medida em que constitui um caminho para a educação no seu sentido mais amplo – estético e
humano.

Apreciação final

A literatura age e educa como a própria vida, criando e educando atitudes e hábitos estéticos. O uso racional que a escola faz dela acaba por
restringir essas funções, acomodando-a no modelo pedagógico da leitura com fins instrucionais, deixando de lado a leitura vivenciada e prazerosa
dos textos pelos leitores. Para encampar a fantasia presente na literatura, e no caso de Lobato, a infantil, a pedagogia precisaria considerar o
estudante uma criança dotada de razão e emoção, com uma mente plena de desejos, dúvidas, medos, angústias e devaneios, e que este sujeito se
constrói como um ser em constante transformação afetiva, emocional e cognitiva. Este ser infantil é que se constitui no leitor real das obras literárias
para a infância, e seria esta a plataforma humana sobre a qual a escola deveria operar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa (5ª à 8ª séries).
Brasília: Ministério da Educação, 1998.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura, São Paulo, 1972. v. 24, p. 803-9.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução de Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Salamandra, 2006.

_______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2001.

LEMME, P. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. Disponível em:

<http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/81/83>. Acesso em: 29 set. de 2011.

LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Globo, 2011

_______ . Viagem ao céu. São Paulo: Globo, 2011b

_______ . O Minotauro. São Paulo: Globo, 2011c

_______. A barca de Gleyre. Tomos 1 e 2. São Paulo: Editora Brasiliense, 1955.

MARTINELI. Laís Pacífico, MACHADO. Maria Cristina Gomes. Monteiro Lobato e a educação: o ideário pedagógico expresso na personagem Dona
Benta. IX AMPED Sul 2012. Seminário de pesquisa e educação da Região Sul. Disponível em:
<http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/3033/54>. Acesso em: 30 out. de 2015.

MOREIRA, A. F. B; SILVA T. T. da (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1995.

MORTATTI. Maria do Rosário Longo. Na história do ensino da literatura no Brasil: problemas e possibilidades para o século XXI Educar em Revista,
Curitiba: Editora UFPR. n. 52, p. 23-43, abr./jun. 2014.

Da
Arte

Imagens

CAPÍTULO 2 RACHEL DE QUEIROZ E A EDUCAÇÃO: O QUINZE EM ANÁLISE

Elione Maria Nogueira Diógenes

1. Intróito

No Estado do Ceará. A exemplo do alemão. Houve por aqui também. Campo de concentração. Lá era pra matar judeu. Aqui o povo do sertão.
[...]Experiência que houve. Somente aqui no Ceará.Que se iniciou em Quinze. Naquela seca de torrar. Depois disso os alemães. Trataram de
aperfeiçoar (PINHEIRO, 2015, p. 1).

1915. O Ceará sofria os efeitos de uma das mais cruéis secas de sua história. Houve outras, muitas outras. Tantas quantas a memória conseguiu
registrar e que permaneceram enquanto lampejos dolorosos na cartografia subjetiva social do povo cearense, conforme Benjamin (1987, 1989, 2006).
A história grava a primeira seca cearense no início do século XVII, quando da primeira expedição colonial portuguesa empreendida, no sentido de
assegurar a posse da Capitania do “Siará” pelo capitão-mor, Pero Coelho de Souza.

O território cearense, geograficamente, tem mais da metade de sua área instalada em clima semiárido. Em outras palavras, o período chuvoso é
instável, irregular e cortado por altas temperaturas (OLIVEIRA, 2006). Tal clima caracteriza um tipo de vegetação própria do sertão: a caatinga
marcada por arbustos ressecados, escassos e cactos. A relação seca e homem/mulher marcou decisivamente a cultura cearense e criou uma
identidade, única, na formação cultural brasileira (BAUMAN, 2005). Assim, não há nenhuma novidade em relação à temática da seca. Em verdade, ela
é contumaz enquanto estofo para a literatura e também socioeconomicamente. É possível, inclusive, inserir uma crítica política quanto a esta
temática, pois durante muito tempo serviu como indústria para acrescentar ganhos aos bolsos dos políticos, referimo-nos à indústria da seca.
Paulino (2012) enfatiza, ao se referir às agruras da seca:

De fato, elas muitas vezes inviabilizam as atividades econômicas no sertão, dizimando o gado e fazendo com que os sertanejos deixem suas
terras em busca de melhores condições de vida. Mas a seca não é a única responsável por toda a situação. Questões como a distribuição de
renda e de terras costumam ser deixadas de lado nas discussões (PAULINO, 2012, p. 1).

Todo cearense, de uma forma ou de outra, conviveu com essa temática, sejam as gerações mais antigas, sejam as mais recentes. Os mais velhos
aprenderam a viver com narrativas da seca (BOSI, 1979). Em conversas de calçada, botecos, bares, comércios e em ambientes familiares, sociais,
culturais e políticos a situação do clima cearense era uma constante. De geração em geração, a memória coletiva foi transmitida (HALBWACHS,
2006). Patativa do Assaré expressa bem esse sentimento coletivo, consoante a análise de Silva (2015, p. 1):

Quem quer ver o sofrimento, quando há seca no sertão, procura uma construção e entra no fornecimento. Pois, dentro dele o alimento que o
pobre tem a comer, a barriga pode encher, porém falta a substância, e com esta circunstância, começa o povo a morrer.

Pompeu Filho, em tom de angústia, colocava que a seca de 1877 foi devastadora:

Em março o sertão já acusava falta de chuvas, em abril, perdidas as esperanças de inverno, começou o êxodo dos habitantes do interior para o
litoral. Os gados morriam à falta d’água, as lavouras extinguiram-se e a ligeira provisão de víveres, conservadas como reserva por muitos,
pouco a pouco se esgotou. De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não chegavam regularmente aos
lugares mais afetados; quem possuía algum bem ou valor desfazia-se dele a troco de farinha ou de outro gênero de primeira necessidade. As
poucas e afetadas aguadas, como açudes e poços deixados no leito dos rios depois das cheias, evaporaram-se, rara ficando em outro ponto da
província. Mesmo as pessoas que eram reputadas abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem comunicação com o litoral, longe de
qualquer auxílio, fugiram, desampararam suas casas e fazendas. O sertão tornou-se quase deserto (POMPEU FILHO, 1893, p. 33).

Pelo relato, é possível perceber os horrores que o fenômeno da seca deixou marcado na história social, cultural, política e econômica no Ceará. A
memória coletiva desse flagelo natural virou poesia popular na língua do povo, através da literatura de cordel (BOSI, 1995).

A seca atingiu a tudo e a todos, até as classes sociais mais abastadas foram impactadas pelos efeitos nefastos da mesma. Quanto aos pobres,
morriam à míngua, sem qualquer auxílio do governo, sem recursos para empreender o êxodo, pois contavam apenas com seus pés e com a força da
necessidade de sua sobrevivência.

Poucos viveram para contar a história. Muitas são as narrações fantásticas sobre a seca, cujo mote era sempre aterrador: os mais velhos chegavam
mesmo a narrar situações de antropofagia.

Secam as terras, as folhas caem. Morre o gado, sai o povo. O vento varre a campina. Rebenta a seca de novo. Cinco, seis mil emigrantes.
Flagelados retirantes vagam mendigando o pão. Acabam-se os animais. Ficando limpos os currais onde houve a criação (BARROS, 2015, p. 1).

Teófilo (2002, p. 90) narra os sofrimentos que o povo cearense viveu na seca de 1878. Mas, depois dessa seca, outras se seguiram como a de 1915.

O ano de 1878 seria calamitoso! A continuação do flagelo, contra a previsão de todos, teria consequências ainda mais desastrosas, se não
caísse a situação conservadora e não fossem chamados os liberais ao poder. [...] Na Fortaleza, mais de cento e quarenta mil almas estavam
abarracadas em roda da cidade.

A realidade é que a população cearense sofria e sofre as agruras da seca. Relacionar essa temática com a questão educacional é tarefa de caráter
transversal, pois a obra O Quinze, da autora cearense, nascida cinco anos antes da seca de 1915, faz com que se espraiem, aqui e acolá, relatos
sobre esse fenômeno. Nossa intenção está em analisar a obra da escritora Rachel de Queiroz (1910-2003), nascida em Fortaleza e que depois se
mudou com a família para Quixadá, distante da capital 200 km.

Com dezenove anos, Rachel de Queiroz adentrou o campo da literatura brasileira e durante toda a sua vida movimentou-se nessa seara. Ora
escrevendo romances, ora contos e crônicas; há poesias, inclusive, de sua lavra. Sua obra é vasta, densa, intensa, fluida e realista. Sua escrita é
considerada pelos críticos de uma leveza e beleza incomuns (BOSI, 1995). Sobre ela se pode verificar o modo como se pronunciou Púchkin1, escritor
russo: “[...] seu talento, sugeria-lhe novas ideias, fazia sua pena correr com uma rapidez extraordinária.”. (ALMEIDA, 2012, p. 8).

Foi a primeira mulher a introduzir-se nos corredores da Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupou a cadeira nº 5, eleita em 4 de agosto de 1977,
então com 67 anos. Aos 83, foi agraciada com o Prêmio Camões2. E com 84 anos foi eleita para a Academia Cearense de Letras. Nosso interesse pela
escritora baseia-se em quatro motivações:

1) Sua condição feminina.

2) Conclusão do curso Normal, em 1925, no Colégio da Imaculada Conceição.

3) Exercício da profissão de professora de História durante certo tempo de sua vida.

4) Atuação atípica no campo político. Transitou por extremos: foi comunista e anarco-sindicalista e apoiou o golpe militar em 1964. Além desses
ensejos, a escritora teve uma profícua produção literária. Iniciou-se quase menina no ciclo de imaginação criativa literária e só finalizou quando de
sua morte, em 2003.

Aqui, elegemos o seu livro O Quinze, publicado em 1930. Incursionamos nesta obra com denodo e rigor científico, com o objetivo de mapear as
concepções sobre educação presentes na referida obra. A metodologia utilizada centrou-se em dois momentos:

a) leitura analítica do livro O Quinze, fundamentada na técnica da análise de conteúdo definida por Bardin (1977) como uma ferramenta que descreve
o conteúdo das mensagens por meio do dessecamento da disposição das frases e dos períodos no texto. Portanto, explora o pré-texto, o texto e o
contexto;

b) incursão no campo da história da educação, com o objetivo de situar o lugar da escritora nessa área; ao mesmo tempo em que realizamos um
estudo biográfico da autora, em busca de compreender seu tempo e seu lugar enquanto autora, compreendida como intelectual original e formadora
de opinião, cuja capacidade criativa sublimou sua obra (FOUCAULT, 1969).

Por fim, o trabalho foi realizado com muito prazer. Estudar Rachel de Queiroz constituiu-se em uma ação investigativa de caráter científico, mas que
não perde sua potencialidade criativa. A terminologia utilizada ajuda a compreender como a autora inscreveu-se de forma determinante na literatura e
na sua articulação com a educação no Brasil.

2. Raquel de Queiroz e O Quinze: a expressão de uma obra na realidade cearense

Será mesmo que este mundo é um teatro e nós todos somos atores? (BELINSKI, 2012).

Fenecimento do século XIX. O Brasil vivia sob a égide da República Velha, que se iniciou em 1889 com a queda da Monarquia e a Proclamação da
República, realizada por um grupo de militares liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca.

Os primeiros anos da nascente República foram dominados pela hegemonia militar (1889-1894). Tal período entrou para a história política brasileira
como a República da Espada. As constantes crises econômicas, assim como dissidências no seio da própria classe dominante, geraram conflitos
insolúveis entre os militares e os civis, de forma que saem de cena, sub-repticiamente, os militares; e em 1894, é eleito para a Presidência da
República o representante da classe cafeicultora Prudente de Moraes, primeiro presidente civil de nossa história política.

Há duas décadas no poder, os representantes da classe dominante economicamente ativa fundam a República Oligárquica. De 1894 a 1930, a
Presidência da República foi comandada por fiéis atores dos senhores do café da região sudeste do país. Era também conhecida como a República
Café com Leite, pois ora assumia o cargo da presidência um mineiro, ora um paulista. No Ceará dominava a oligarquia acciolyna, isto é, Antônio Pinto
Nogueira Accioly (1840-1920) governou o estado entre 1896 e 1912 com o apoio do Governo Federal.

Quando da queda de Accioly em 1912, a menina Raquel de Queiroz tinha apenas dois anos de idade. Nascida em Fortaleza, no dia 17 de novembro de
1910. filha de Daniel e Clotilde, foi educada diretamente pelo pai, que era professor. Aprendeu a ler aos cinco anos de idade, conforme conta em suas
memórias no livro “Tantos anos – uma biografia” (2004). Em 1917, a família autoexilou-se no Rio de Janeiro com o objetivo de tentar construir uma
nova vida e escapar dos efeitos nefastos da seca. Suas memórias resultaram no livro O Quinze. Simpatia (2015) oferta-nos em cordel um momento da
longa vida de Raquel de Queiroz:

Seu único emprego público foi na Escola Normal. Professora de História. E um fato especial. É que ela era mais nova que suas alunas, prova
que ela era genial. [...] A história de Um Nome foi seu primeiro romance. No entanto é “O Quinze” que teria grande alcance em todo o Sul e
Sudeste, pois a seca no Nordeste seria seu grande lance (SIMPATIA, 2015, p. 1).

Rachel de Queiroz, nascida em uma família patriarcal do começo do século XX, mulher, cearense, nordestina, professora, ainda jovenzinha domina o
cenário nacional, e, posteriormente, o internacional, com seus livros. Mas, o que significa ser mulher dentro do contexto patriarcal? Significa que a
mulher encontra-se sob a tutela masculina, que não há reciprocidade de direitos, que o homem, no fim das contas, é quem dá “as cartas”. Como tão
bem explica Beauvoir (2009):

Como se entende, então, que entre os sexos essa reciprocidade não tenha sido colocada, que um dos termos se tenha imposto como o único
essencial, negando toda relatividade em relação a seu correlativo, definindo este como a alteridade pura? Por que as mulheres não contestam
a soberania do macho? Nenhum sujeito se define imediata e espontaneamente como o inessencial; não é o Outro que se definindo como Outro
define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um (BEAUVOIR, 2009, p. 18).
Pelas reflexões da filósofa francesa, é perceptível que a mulher só tem valor quando, em outras palavras, esse lhe é outorgado pelo homem. Viver
sob o patriarcalismo é viver sob o desejo masculino. É não ter vontade própria ou ter apenas o que determina o pater poder. Mesmo nesse ambiente,
a menina floresceu e teve prolífica criação literária aliada a uma forte participação política na vida social brasileira dos meados do século XX. Seus
livros foram muitos e sua atuação política foi transgressora e controversa, mas ela permaneceu firme em seus propósitos.

3. Fragmentos analíticos de O Quinze: a educação em Raquel de Queiroz

Como foi escrito O Quinze? Sempre me fazia esta pergunta quando li pela primeira vez o livro. Achava extraordinário o fato de uma mocinha
provinciana escrever um tão provocativo escrito. A primeira vez que o li tinha entre treze e catorze anos. Invejei a escritora. Ainda hoje, invejo por
essa obra e por outras que vieram. É preciso esclarecer que sou leitora e fã de Rachel de Queiroz. Cada escrito da autora sempre que pude lia e relia.
Com O Quinze, a relação deu-se de forma muito afetiva. Também sou cearense, nasci no sertão, convivi com relatos perversos das secas sucessivas
que assolavam o território cearense. Não há como ficar insensível frente a esse tipo de relato e de literatura. Muitos dizem que O Quinze ficou famoso
e alçou sua autora precocemente ao sucesso por tratar das mazelas da seca. Mas, não só Rachel de Queiroz escreveu sobre tal tema. Antes dela,
tivemos outros, a exemplo disto, Rodolfo Teófilo, com o romance A Fome.

O principal ponto de tensão do livro (além da questão da seca) está na dicotomia entre a cultura letrada e a iletrada. O par “Vicente e Conceição”
representa essa dicotomia. O texto perpassa claramente uma fronteira entre os de cultura civilizada e os que não a possuem. Conceição, a
personagem feminina do livro é culta, professora, vive na capital do Ceará, uma leitora ávida porque tem acesso a um capital cultural, que Vicente
não possui.

[...] acumulação de capital cultural desde a mais tenra infância – pressuposto de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de
capacidades úteis – só ocorre sem demora ou perda de tempo, naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com
que todo período de socialização seja ao mesmo tempo, acumulação (BOURDIEU, 1997, p. 86).

Conceição é essa personagem, detentora de um capital cultural singular em uma realidade repleta de seres humanos destituídos do mesmo. Sua
prática encontra-se na leitura:

Foi à estante. Procurou, bocejando, um livro. Escolheu uns quatro ou cinco, que pôs na mesa, junto ao farol. Aqueles livros – uns cem, no
máximo – eram velhos companheiros que ela escolhia ao acaso, para lhes saborear um pedaço aqui, outro além, no decorrer da noite
(QUEIROZ, 2015, p. 12).

E Vicente? É um fazendeiro iletrado. Esta condição o afasta do amor da personagem Conceição. O que faz ele?

ENCOSTADO a uma jurema seca, defronte ao juazeiro que a foice dos cabras ia pouco a pouco mutilando, Vicente dirigia a distribuição de
rama verde ao gado. Reses magras, com grandes ossos agudos furando o couro das ancas, devoravam confiadamente os rebentões que a
ponta dos terçados espalhava pelo chão (QUEIROZ, 2015, p. 12) (Grifo da autora).

Nesse campo dicotômico, movimenta-se o romance O Quinze que impede, o tempo todo, o encontro amoroso do par central do livro. Conceição
acaba só. Vicente também. O preconceito entre a cultura letrada em relação à iletrada é bem visível. O fazendeiro-vaqueiro, Vicente, sente na pele o
preconceito em relação à sua condição, quando do tratamento diferenciado por sua família em relação a seu irmão doutor, Paulo:

Então, porque não quisera estudar, estaria eternamente obrigado a esse papel paciente e sofredor que agora o revoltava?

Onde ficava afinal o mérito superior do Paulo, que o colocava tão alto no conceito da família, que punha sob o bigode branco do Major um
sorriso desvanecido, quando dizia, numa conversa:

- O meu filho, o doutor.... (QUEIROZ, 2015, p. 47).

A ambiguidade presente no livro percorre o pensamento da autora do início ao fim do romance. Em relação à educação letrada, isto é bastante
singular, pois, no Ceará do início do século XX, a maioria da população era analfabeta. Pouquíssimos membros da sociedade conseguiam estudar,
devendo-se isso ao fato de que a população morava quase toda no interior do estado cearense, cuja ausência de escolas era visível e as
desigualdades sociais tornavam-se agudas. De um lado, fazendeiros: de outro, vaqueiros e uma vasta rede de agregados que circulavam em torno da
fazenda, unicamente com o objetivo de sobreviver, visto que até o trabalho assalariado era inexistente no sertão.

Questionamos, entretanto, essa dicotomia no romance O Quinze no que diz respeito ao protagonista Vicente. Ele é membro de uma classe
socialmente favorecida. Portanto, o mesmo teria acesso à educação letrada, caso assim o desejasse. Não é isso o que acontece. Vicente é um
personagem identificado, visceralmente, com o modus vivendi do sertão cearense. Não está nesse território por necessidade, e sim, por identidade.
O mundo rústico da geograficidade cearense estimula o personagem a não fugir da seca, a permanecer em sua fazenda. Ele tenta salvar o gado, os
bichos, a gente pobre que circula e vive em seu entorno. Entretanto, não é valorizado. É estigmatizado e sofre na pele este estigma. Revolta-se, mas
não muda sua opinião. Ele é sertão. É saber popular. É cultura interiorana. É o campo versus a cidade.

Nesse entremeio, Vicente e Conceição estão em mundos opostos. O primeiro, sertanejo de coração; a segunda, citadina, letrada, culta e mulher, o
que para a sociedade da época era ainda mais preocupante, uma vez que também a moça sentia o preconceito. Não raras vezes, sentia que estava
“remando contra a maré”, pois “mulher nasceu para casar e não para estudar”. Entretanto, Conceição permanece firme em seus propósitos. Esta é a
tensão central do livro que não se resolve. A escritora não pretende colocar um final feliz na história. E tinha como? Com tantas adversidades
presentes no livro, a escritora utiliza-se de um realismo que soa como um “soco no crânio”, como dizia Kafka. Nisso, a obra de Rachel de Queiroz
aqui analisada é este “soco no crânio”. A situação permanece tensa até que Rachel de Queiroz põe um ponto final ao romance.

4. Conclusão

A literatura de Rachel de Queiroz é ampla. Profícua, a escritora cearense mantém-se ativa até os sinais finais de sua existência. O livro O Quinze, que
estreia sua inserção no campo literário brasileiro, é polifônico (BAHKTIN, 2006). Nele, a escritora percorre psiquicamente a alma de diferentes
personagens.

Entretanto, o nosso objetivo não foi o de adentrar esse espaço literário, e sim, apontar elementos na obra que demonstrassem a dicotomia entre a
cultura letrada e a iletrada expressa na obra. Vejamos que a escritora pinta um quadro preocupante em relação a essa temática. Vicente é bom, puro,
tenaz, íntegro, porém iletrado. Conceição ama Vicente, todavia não aceita sua condição de iletramento. Há um abismo educacional que separa o
casal.

Esse precipício é a cultura escolarizada, que no início do século XX no Ceará dava mostras de se tornar hegemônica. O elitismo educacional no
Ceará permanece até os dias de hoje, portanto a obra de Rachel de Queiroz permanece atual. A ruptura com uma cultura alicerçada na oralidade é
clara. Com o nascente capitalismo e seu espraiamento em todo o território nacional, a cultura escolarizada torna-se hegemônica, e, quem a detém é
considerado importante e é valorizado em detrimento de quem não a possui.

Porém, a grande contradição está no aspecto dual da educação escolarizada cearense, que sofre os impactos das políticas educacionais advindas do
Ministério da Educação. Afinal, é por meio da dualidade educacional que permanecemos como uma nação de analfabetos e analfabetos funcionais.
Temos dois sistemas de escola: de um lado uma escola de boa qualidade para as classes de elite, e de outro uma escola de qualidade duvidosa para
as classes baixas. Essa é a tensão presente desde os tempos da colonização e que percorre a espinha dorsal de nosso sistema educacional.

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1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015


24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.
32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

2.

3.

CAPÍTULO 3 A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM O SANTINHO, DE LUÍS FERNANDO


VERÍSSIMO

Fernanda Maria Diniz da Silva

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo verificar como os textos literários que compõem o livro O Santinho, de Luís Fernando Veríssimo, apresentam
a relação professor-aluno e a prática pedagógica na escola do século XX.

O Santinho (2001) é composto por 16 textos, no entanto, pelos limites deste artigo, privilegiaremos apenas seis deles: “O Santinho”, “Vítor e seu
irmão”, “Dois mais dois”, “A descoberta”, “Sementinhas” e “O pleito”.

A Literatura, enquanto fonte de pesquisa histórica, pode nos mostrar aspectos da cultura escolar importantes para a compreensão da relação
professor-aluno e a prática pedagógica desenvolvida na escola do século XX. Sandra Pesavento explica:

A literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais
os valores que guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ela dá a ver sensibilidades, perfis, valores. Ela representa o real,
ela é fonte privilegiada para a leitura do imaginário... [...] Para além das disposições legais ou de códigos de etiqueta de uma sociedade, é a
literatura que fornece os indícios para pensar como e porque as pessoas agiam desta e daquela forma (2004, p. 82-83).

É desse modo que a literatura é capaz de revelar características bem relevantes da sociedade de uma época. Em se tratando de O Santinho, é válido
destacar que a obra apresenta a cultura da escola sob o olhar do educando e não do educador como se encontra normalmente nos textos de
natureza acadêmica, o que já possibilita uma visão diferenciada do contexto escolar. Além disso, a obra também se constitui a partir das memórias
do autor do seu tempo de estudante. Ana Maria Machado, no prefácio do livro, destaca tal aspecto: “São evocações da infância, sobretudo do
ambiente escolar”. (2001, p. 8). Mais adiante, a escritora explica: “Santinhos e brincalhões, alunos e professores, pais e filhos povoam as páginas
destes contos que vão aos poucos se juntando e fazendo um panorama da escola de alguns anos atrás quando o autor estudava”. (2001, p. 8).

Assim, de forma bem-humorada e crítica, Luís Fernando Veríssimo nos apresenta um painel da escola do século XX, que, embora busque uma melhor
qualificação das suas ações, ainda conserva posturas bastante problemáticas e pouco eficientes no que se refere às reais necessidades dos
educandos.

Para o desenvolvimento deste trabalho, faremos uso das contribuições de estudiosos como Pesavento, Foucault, Paulo Freire, entre outros.

A relação professor-aluno na obra


O texto “O Santinho” revela uma relação entre professor e aluno marcada pelo medo que pode ser comprovada no trecho: “Curioso: porque escrevi
‘Dona Ilka’ e não Ilka? Talvez por medo de que ela se materializasse aqui do meu lado e exigisse o “Dona”, onde se viu tratar professora pelo primeiro
nome, menino?” (2001, p. 13).

Observemos que o narrador trata a professora como Dona não por respeito, mas por medo das consequências que outra forma de tratamento poderia
lhe trazer.

Ao longo da história, o medo tem sido utilizado como uma forma de disciplinar e de controlar. Delumeau (1989), por exemplo, estudou sobre o medo
na Idade Média, focando a Igreja que utilizava o medo da morte e o medo do inferno para controlar os indivíduos. Na escola, amedrontar o aluno foi e
até hoje ainda é praticado, a partir de exposições públicas das fragilidades do aluno, humilhações, punições e castigos.

A escola apresentada por Veríssimo também adota a prática do castigo. Observemos: “Alguma eu devo ter feito, mas não consigo lembrar o quê. O
fato é que fui posto de castigo. Que consistia em ficar de pé num canto da sala de aula, com a cara virada para a parede” (2001, p. 13). Por meio dessa
prática, o aluno perde a liberdade do corpo ao ser obrigado pelo professor a permanecer em um determinado local como punição pelo seu
comportamento considerado inadequado.

Como se vê, é a relação de poder que se faz presente na cultura escolar descrita pelo narrador. Segundo Foucault, constatada a transgressão à
norma, a penalidade é uma consequência lógica:

[...] trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos
aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa, que cada indivíduo
se encontre preso numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 1997, p. 159).

De acordo com o estudioso francês, a sanção normalizadora da disciplina tem como objetivo a correção dos desvios que afastam o indivíduo das
normas definidas. Sendo assim, o indivíduo é levado a cumprir regras pelo medo das sanções que poderá sofrer pelas infrações cometidas.

No conto “A descoberta”, é estabelecido um diálogo entre uma professora e um pai de aluno, no qual também é possível observar alguns aspectos
referentes à relação professor-aluno. Observemos a fala e a postura da educadora:

Ele é um demônio. (pai)

- Eu sei. Quer dizer, não. Ele é um menino, vamos dizer, hiperativo. (professora)

[...]

- Ele contou que eu gritei com ele na aula? (professora)

- Não, não. Isso ele nem nota. Está acostumado... (pai) (2001, p. 29).

Nessa passagem, afirma-se, mais uma vez, a prática da repressão por meio do grito, que não só é praticado pela escola, mas também pela própria
família do aluno como forma de disciplinarização.

Outro aspecto importante a salientar é que, em “O Santinho”, o narrador deixa claro que a forma como foi tratado pela professora lhe deixou marcas
para o resto da vida: “mas o que eu nunca esqueci foi a Dona Ilka ter me chamado de ‘santinho do pau oco’. (2001, p. 13). Mais adiante: “... Mas
depois disso, pelo resto da vida, não foram poucas as vezes em que um passarinho imaginário com perfil de professora pousou no meu ombro e me
chamou de fingido.” (2001, p. 13-14). E por fim: “As relações com as nossas pseudo-mães, no primário, eram muito mais profundas. As duas histórias
que eu contei não têm nenhuma importância. Mas olha as cicatrizes”. (2001, p. 14).

Nessas passagens, percebemos a importância do professor, sobretudo nas séries iniciais, lançar para o aluno um olhar atento e zeloso, mantendo
uma postura respeitosa para com ele, como forma de não prejudicar sua formação e desenvolvimento. No conto de Luís Fernando Veríssimo, o fato
de ter sido chamado pela professora de “santinho do pau oco” o marcou de tal forma que mesmo já sendo um adulto a lembrança das palavras da
Dona Ilka o incomodava. Assim o professor marca o aluno de forma positiva ou negativamente, marcas essas que, como no caso do narrador,
repercutem fortemente ainda na fase adulta.

Já no conto “Vítor e seu irmão”, o narrador ressalta que “A professora tinha o cuidado de tratar todos os seus alunos da mesma maneira” (2001, p.
17), o que contribui para a valorização dos sentimentos de equidade e de respeito no ambiente escolar. Paulo Freire lembra que:

O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso,
o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos alunos sem
deixar sua marca (FREIRE, 1996, p. 73).

É pertinente notar, nos textos de Veríssimo, a forte presença da mulher no magistério. Ao longo do século XX, período no qual está inserida a
produção literária em análise, a docência foi assumindo um caráter eminentemente feminino. Hoje, em especial na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental, é maioria a presença de mulheres no exercício da docência. Apreciemos alguns trechos ilustrativos desse contexto:

Lembro-me com clareza de todas as minhas professoras, mas me lembro de uma em particular (2001, p.13).

[...]

Já outra professora quase destruiu para sempre qualquer pretensão minha à originalidade literária (2001, p.14).

[...]
Enfim, sobrevivi. No ginásio, todos os professores eram homens, mas não lembro de nenhuma marca que algum deles tenha deixado. As
relações com as nossas pseudo-mães, no primário, eram muito mais profundas (2001, p.14).

Durante as primeiras décadas do século XX, o magistério representou uma das poucas carreiras acessíveis às mulheres e acabava por representar
uma extensão da família, associada claramente à vocação de mãe e de cuidadora do lar. Sobre esse aspecto histórico, Almeida explica que “o fato de
não terem amplo acesso às demais profissões fez do magistério a opção mais adequada para o sexo feminino, o que foi reforçado pelos atributos de
missão e vocação, além da continuidade do trabalho do lar” (ALMEIDA, 2006, p.77). Esse contexto justifica a presença constante de professoras nos
textos de Veríssimo que, inclusive, as trata como “pseudo-mães” (p. 14), reiterando, assim, a imagem da professora enquanto aquela que cuida do
aluno e da escola, da mesma forma que a mãe cuida da casa e dos filhos. Nessa perspectiva, a função exercida pela professora na escola, ainda no
século XX, acaba por representar uma extensão dos afazeres familiares.

Por fim, podemos ressaltar, no que se refere à relação professor-aluno, que Luís Fernando Veríssimo resgata, a partir das suas memórias de
estudante, importantes traços característicos da escola do século XX, por meio, sobretudo, das marcas deixadas pelos professores. Assim o autor
rememora posturas docentes e formas de tratar os alunos que, de alguma forma, permanecem vivas no contexto escolar do século XXI.

A prática pedagógica

Nos contos do escritor gaúcho, é possível verificar também a descrição de algumas ações relacionadas à prática pedagógica. Entendamos aqui
prática pedagógica como “uma prática social orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, inserida no contexto da prática social” (VEIGA,
1992, p. 16), ou seja, trata-se da atividade docente que se insere dentro de um contexto sociocultural.

No conto “Dois mais dois”, o narrador ressalta que: “Rodrigo não entendia por que precisava aprender matemática, já que a sua minicalculadora faria
todas as contas por ele, pelo resto da vida...” (2001, p. 25). Observa-se nessa passagem que o aluno não vê sentido algum no conteúdo que lhe está
sendo apresentado. Quando isso ocorre, a aprendizagem se torna um ato meramente mecânico e desinteressante.

De acordo com Goulart, uma aprendizagem deve ser significativa, isto é, deve ser algo significante, pleno de sentido, experiencial, para a pessoa que
aprende (GOULART, 2000). Assim é necessário que o professor busque relacionar o conteúdo que está sendo trabalhado às situações da vida prática
de modo a torná-lo importante para o aluno.

Um exemplo de conteúdo trabalhado de forma prática pode ser verificado no conto “O pleito”, no qual a professora propõe a simulação de um pleito
na sala de aula, aproveitando que era período de eleições: “como era época de eleição, a professora decidiu fazer um pleito simulado na aula”. (2001,
p. 51). Assim, a professora leva os alunos a vivenciarem uma situação prática de eleição, desde a apresentação dos candidatos e análise dos perfis
de cada um à eleição propriamente dita.

Algo bem interessante a observamos é que, no final do conto, um aluno acabou divulgando o resultado da eleição com base em uma pesquisa que
fez durante a votação. Tal fato aborreceu a turma e até mesmo a própria professora. Senão vejamos:

- Primeiro o Otávio, segundo a Rita, terceiro o Carlos Eduardo.

- Como é que você sabe, André?

- Fiz uma pesquisa enquanto distribuía os papeizinhos.

- Podem parar de votar.

- Por que, professora?

- Não tem mais graça.

Todos concordaram que as pesquisas estragam tudo e ninguém falou com o André pelo resto do dia. Apesar de ele acusar todo mundo de ser
contra a ciência (2001, p. 52).

Nesse trecho, nota-se que o trabalho pedagógico que estava sendo realizado foi interrompido pela professora que não esperava que um aluno fizesse
uma pesquisa entre os eleitores. A partir da leitura do conto, é possível inferir que a professora não estava preparada para esse tipo de atitude por
parte do aluno que antecipou a divulgação do resultado do pleito. Como se sabe, é muito comum uma aula não se realizar na prática exatamente da
forma como foi planejada. Daí decorre a importância de um planejamento flexível e de um professor bem preparado. Na construção do conhecimento,
muitas vezes, são necessárias mudanças de rotas, por meio do aproveitamento das situações que surgem inesperadamente no momento da prática
docente, como forma de suprir uma necessidade do grupo.

Outros aspectos da prática pedagógica também podem ser vislumbrados no conto “Sementinha”, no qual a professora é surpreendida por um aluno
que pergunta: “Professora, sabe sexo explícito?”. (2001, p. 33).

Na rotina da sala de aula é comum o professor se deparar com o imprevisto, como é descrito no conto: “Pronto, pensou a professora. Chegou a hora.
A turma ainda não estava na idade para educação sexual, mas quem sabe qual é a idade, hoje em dia?” (2001, p. 33).

De acordo com Schõn, “existem situações conflitantes, desafiantes, que a aplicação de técnicas convencionais, simplesmente não resolve
problemas” (1997, p. 21). Daí a necessidade do professor estar pronto para sair do que estava planejado para atender uma necessidade pedagógica
importante do momento.

No texto, a professora, já aflita, busca estratégias para tratar sobre sexo que sejam adequadas à idade das crianças de sua sala de aula:
- Primeiro tem a semente. Depois a plantinha vai nascendo da semente. Vocês também começaram de uma sementinha, como esta. Dentro da
barriga da mamãe. E quem foi que botou a sementinha na barriga da mamãe? Alguém sabe? (2201, p. 34).

No entanto, a professora, mais uma vez, é surpreendida pela turma:

- Professora...

- O quê, Maurício...

- Nós sabemos tudo isso.

- Tudo?

- Tudo – confirmou a Rosa.

- Sabe sexo explícito? – insistiu o Maurício.

- Sei – disse a professora, desconfiada – Que que tem sexo explícito?

- Passarinho faz sexo expíucito.

- Por um longo tempo, enquanto as crianças riam, a professora ficou paralisada. Depois apagou a semente do quadro-negro e disse para todo
mundo pegar lápis colorido e desenhar uma paisagem bem bonita (2001, p. 34).

Nota-se que, na verdade, o aluno não queria explicações sobre sexo, uma vez que seu objetivo era apenas fazer um trocadilho e arrancar o riso dos
colegas. No entanto, a professora mostrou-se bastante angustiada ao sentir que naquele momento teria que conversar sobre sexo com os alunos.

Vale salientar que o MEC, em 1997, apresentou referenciais para a formação dos alunos e exercício da cidadania, a partir dos Parâmetros Nacionais
Curriculares (PCN), nos quais é sugerido que a orientação sexual seja feita nas escolas de todo o país de ensino oficial e privado. Nos PCN, a
orientação sexual, bem como a ética e a pluralidade, devem ser tratadas como temas transversais, ou seja, não constituem uma disciplina, mas
devem ser tema de reflexão e de aprendizagem em todas as disciplinas. Para tanto, é preciso observar as necessidades dos alunos e sua faixa etária.

Aqui vale destacar a importância da formação do professor no que se refere ao trabalho com orientação sexual, pois é indispensável que o docente
mantenha uma atuação profissional coerente com as dúvidas dos alunos e adequada ao nível de desenvolvimento da sala de aula na qual o trabalho
está sendo desenvolvido.

Ainda no que tange à prática pedagógica, o texto “Vítor e seu irmão” revela um professor preocupado em valorizar o conhecimento do prévio do
aluno, colocando-o como centro do processo de ensino-aprendizagem:

- Qual é a população do Brasil?

Um aluno levantou a mão e leu a resposta que estava no livro.

- Cento e vinte milhões.

O Vítor levantou a mão. A professora sentiu um vazio na barriga. Lá vinha ele.

- O que é, Vitinho?

- Cento e vinte e um milhões.

- Por que Vitinho?

- Minha mãe teve um filho esta semana.

Uma risadinha correu pela sala, mas o Vítor ficou sério. Estava sempre sério.

- Quantos filhos a sua mãe teve, Vítor?

- Até agora?

- Não, desta vez.

- Um. Mas dos grandes.

Outra risadinha, como marola na superfície de um lago.

- Então não são cento e vinte e um milhões. São cento e vinte milhões e um.

E a professora escreveu o número no quadro-negro. Depois apontou para o um no fim do número e disse:

- Este aqui é o seu irmãozinho, Vítor. (2001, p. 17).


Como se verifica, a professora valorizou a participação do aluno e a sua inquietação, aproveitando o seu conhecimento de mundo para mediar a
aprendizagem de um novo conteúdo. Dessa forma o professor deixa de ser um mero transmissor de conteúdos para ser o mediador de uma
aprendizagem mais eficiente, conforme ensina Paulo Freire:

Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção. Quando entro em sala de
aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor,
inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir conhecimento (FREIRE, 1996, p. 52)

Dessa forma, observa-se que, de um modo geral, nas descrições apresentadas pelo autor prevalecem uma prática pedagógica, no qual o aluno é
encarado como sujeito ativo do processo de aprendizagem que é mediado pelo professor, a partir do diálogo e das oportunidades que o próprio
momento apresenta como possibilidades de enriquecimento intelectual.

Considerações finais

Todo educador apresenta-se como uma referência para a formação dos educandos, por isso é muito importante a maneira como se relaciona com
seus alunos e como se configura a sua prática pedagógica. Luís Fernando Veríssimo, de forma muito bem-humorada, com base nas suas memórias
enquanto aluno e no seu olhar crítico para com a escola nos apresenta importantes traços da relação professor-aluno e a prática pedagógica na
escola do século XX que ainda hoje se fazem fortemente presentes.

Desse modo, a literatura nos oferece um painel da escola do século XX na perspectiva do educando, trazendo à tona a reflexão sobre o castigo na
escola, as marcas que a escola deixa no aluno ao longo da sua vida, bem como a importância de uma prática pedagógica construída a partir do
diálogo com o aluno e de situações práticas como formas enriquecedoras de construção de conhecimento humano e intelectual.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jane Soares de. “Mulheres na educação: missão, vocação e destino? A feminização do magistério ao longo do século XX.” In: SAVIANI,
Demerval, et al. O Legado educacional do século XX no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2006.

BRASIL. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros Nacionais Curriculares: Pluralidade Cultural e Orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.

DELUMEAU, J. A. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GOULART, Íris B. Psicologia da Educação: Fundamentos teóricos. Aplicações à prática pedagógica. 7ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SCHON, Donald. Os professores e sua formação. Portugal: Dom Quixote, 1997.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor de Didática. 2. Ed. Campinas: Papirus, 1992.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. O Santinho. Rio de Janeiro: Objetiva: 2001.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.
9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).
A

CAPÍTULO 4 ENGENHO E ENSINO: LITERATURA É LEITURA

Francigelda Ribeiro

Não há como refletir sobre a educação ou aspectos a ela relacionados, negligenciando as leis que a tutelam. Para efeito de delimitação, a reflexão
aqui proposta será alicerçada em alguns aspectos resultantes dessas leis, mormente, o livro didático, em função do papel decisivo que ele ocupa no
processo de ensino-aprendizagem, no que tange ao encaminhamento de todos os saberes.

1. O livro didático e o ensino de literatura

Foi no ano de 1938, por meio do Decreto-Lei 1.006, de 30 de dezembro, na era Vargas, portanto, que o livro didático ganhou espaço na legislação
brasileira, sob terminologias tais como livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe ou manual. Por meio do referido Decreto-Lei, foi
estabelecida a autorização prévia do Ministério da Educação e Saúde Pública para a adoção de livros didáticos a serem utilizados nas então
denominadas escolas pré-primárias, primárias, normais, profissionais e secundárias.

Nesse contexto, houve também uma nova etapa de delimitações do currículo escolar, cuja organização de saberes se deu com a primazia de
determinadas disciplinas, cuja eleição estava em conformidade com a ampla importação dos modelos europeus que, por seu turno, estavam sob a
égide dos ideais iluministas. Em estudo sobre a configuração das escolas europeias nos tempos modernos, André Petitat ressaltou que aspectos
desse processo forjaram programas escolares que, reorganizados por disciplinas específicas, alinhavam-se ao projeto da economia mercantil. Nesse
sentido, enfatizou que, em se tratando do contexto europeu, no comando das ações escolares, católicos e protestantes alteraram a estrutura escolar
em quatro dimensões: espaço, tempo, seleção de elementos socioculturais e estruturas de poder (Cf. PETITAT, 1989, p. 23).

Embora distanciando, marcas desse contexto se mantêm indeléveis nas nossas atuais grades curriculares. O ensino da Literatura, nas escolas de
nível médio, por exemplo, foi e será sempre o reflexo de como se processam as estruturas de poder às quais aludiu Petitat, que têm no comando
agentes externos, porém determinantes dos modelos sobre os quais se constitui o ensino no âmbito escolar.

Essas estruturas de poder evidenciam-se sem esforços significativos à sociedade, basta, por exemplo, lembrar que, em 1930, foi criado o Ministério
da Educação e Saúde Pública, cujas responsabilidades englobavam saúde, esporte, educação e meio ambiente. Considerando que havia menos de
meio século que o país marchava sob o lento ritmo da República proclamada, pode-se justificar a junção de duas demandas de primeira grandeza –
saúde e educação – em um único Ministério. Contudo, o avanço e o desmembramento de ambas as esferas não desfizerem o teratismo da origem.
Afinal, é por conta de interesses escusos que, em um país que se declarou independente em 1822, a educação só passou a ser direito de todos, com
a Constituição Brasileira de 1934.

Embora seja do referido ano o primeiro registro do termo Lei de Diretrizes e Bases (LDB), duas décadas foram necessárias para que se configurasse
o Ministério da Educação e Cultura, sob a sigla MEC (1953). Tal morosidade só permitiu que, quase uma década depois, a Lei de Diretrizes de Bases
(Lei 4.024/1961) viesse assegurar e regularizar o papel do Estado no sistema educacional. Como consequência da política moldada pelos militares, a
partir de 1964, veio a lume a LDB 5.692 de 1971 que, dentre outras medidas, impulsionou o ensino tecnicista. Vale destacar, nesse processo, que com
a democracia estabelecida a partir de 1984, praticamente uma década depois, a LDB 9.394 de 1996, impulsionada pela Constituição de 1988, legitimou
as terminologias Educação Básica e Ensino Superior, alteração que trouxe consigo mudanças constantes, sobretudo, por ter emergido em um
momento histórico repleto de flutuações, no qual a novidade sai da ordem do dia sem ao menos ser assimilada, por conta de um processo contínuo
de devires. Entre a promulgação das referidas Leis, foram sendo processadas diversas alterações e nem as mais recentes conseguiram ainda
engendrar no país a tão aludida educação de qualidade. Em meio aos arranjos e desarranjos das estruturas de poder no setor educacional, as
soluções apontadas por cada LDB para suprir o déficit da anterior, na prática, resultam inócuas.

Só é possível pensar em qualidade se o objetivo último do processo da aprendizagem for centrado nos atores principais: docentes e discentes que,
paradoxalmente, aparecem enfaticamente nos textos publicados pelo MEC, mas empiricamente, ocupam lugares inexpressivos diante das políticas
públicas. Não existe educação de qualidade sem professores e alunos leitores. Ao tratar de leitores, vale ressaltar, em meio ao processo histórico,
ligeiramente retomado acima que, ao longo de tantas alterações ocorridas nas Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, o ensino da Língua
Portuguesa e, com este, o ensino da Literatura passou por modificações do ponto de vista pedagógico e metodológico, cujas implicações devem ser
observadas, a partir das informações contidas nas páginas a seguir.

2. Literatura e leitura

Não é tarefa das mais complexas observar que, em função do conteúdo dos livros didáticos de Língua e Literatura, houve, no processo escolar, uma
cisão entre leitura e literatura, equívoco que urge ser desconstruído. O lastro historiográfico se impôs inibindo o potencial inventivo da abordagem
do texto literário em sala de aula. É sintomático que duas perspectivas importantes como historiografia e literatura fossem resultar em algo distinto
da leitura, sendo que a historiografia e a sistematização dos estilos de época resultaram do trabalho da crítica literária, ou seja, de estudos e análises
feitas por leitores especializados.

No entanto, os autores dos livros didáticos de Literatura apenas reproduziram em série quadros com autores e obras que ali estavam para
caracterizar determinadas escolas literárias. E, com tal mercadoria, afetaram a formação de alunos leitores. Com o livro didático propagou-se, em
grande proporção, uma espécie de leito de Procusto. Nele, o conhecimento é mutilado para atender a causas alheias à educação. Assim, é comum
que variações de obras e autores sejam mutiladas, reduzidas a meras ilustrações de tendências estilísticas que marcaram determinados períodos da
história. Exposta a tal condição, patente está a não necessidade, repassada a docentes e discentes, de se conhecer a obra do autor. Por muito tempo,
quando muito, havia, nos manuais, indicações de leitura de obras ou, mais comumente, de fragmentos das mesmas, visto que tidas como cabais
exemplificações de determinadas escolas literárias.
No Brasil, até bem pouco tempo, o modelo predominante de metodologia do ensino da literatura constou desse arrevesado trajeto que omitia os
matizes das obras literárias refratárias a tais confinamentos. Tal panorama ainda não se constitui em passado, não raro muitos professores e alunos
se agrupam comodamente em torno do livro didático que, a despeito de apresentar uma configuração mais contextualizada, recaem facilmente no
espaço de conforto das caracterizações exatas de obras literárias que, como tais, trazem consigo inexatidões e devires. Em grande parte dos atuais
livros didáticos, questões gramaticais, imperativos morais e resumos genéricos ainda trazem a reboque a Literatura Brasileira.

Se nos cursos de Letras, outrora, não havia formação crítica que possibilitasse reformular tal realidade pela imponência do modo como a
historiografia era estampada, atualmente as razões para tal se fazem pela prevalência da Teoria. O ensino da literatura nas escolas de nível médio
permaneceu infértil no que tange à formação do leitor, mesmo com a difusão dos cursos de pós-graduação, ocorrida a partir da década de 1980.
Atualmente, se a academia tem atraído os estudantes de Letras para a leitura e enfrentamento do texto, impõe-lhe outro fator sintomático que é a
submissão do texto a uma ótica utilitarista que o torna meio para outros fins.

Embora não seja exatamente com tal objetivo elaborado, esse aspecto pode ser facilmente percebido no texto Reflexões sobre a metodologia de
pesquisa nos estudos literários, quando o autor, Fabio Akcelrud Durão3 (2015), ressalta o caráter epistemologicamente produtivo da literatura. Nesse
processo, ressalta que a ascensão da Teoria elevou a literatura à condição de um campo aplicado e algumas abordagens da Antropologia, História ou
Sociologia, por exemplo, não transcorreriam atualmente sem o potencial de textos literários. Desse modo, expõe:

A semiótica encontra neles construções verbais complexas, que permitem uma investigação aprofundada da natureza do signo; a
desconstrução depara-se, através deles, com um fértil espaço para a demonstração do autodesfazer de si da metafisica ocidental; o feminismo
identifica tanto um veículo de cristalização de posições de gênero, quanto sua possível subversão; o pos-colonialíssimo, a consolidação de
uma visão etnocêntrica ou a abertura para vozes oprimidas, e assim por diante (DURÃO, 2015, p. 378-379).

Assinalou ainda que outras teorias necessitaram da literatura para se consolidarem conceitualmente, como é o caso do pós-modernismo que, sendo
uma problemática originada na arquitetura, demandou, para sua elaboração, críticos de formação em literatura como Linda Hutcheon e Fredric
Jameson. Embora Durão não trate especificamente da função da literatura, inclui-se nessa esfera, por tratar da função da pesquisa que tem como
objeto o fenômeno literário, recusando-se a pensar o artefato de representação como refratário à pesquisa cientifica.

Em continuidade ao seu argumento inicial, afirma Durão que o conhecimento gerado a partir da literatura se processa hoje por meio da pesquisa
acadêmica e da sua metodologia. Particularidade que ele reconhece como problemática, pois, embora havendo um fenômeno denominado literatura,
argumenta ele, não existe um discurso especificamente literário, tampouco o que os formalistas russos chamaram de literariedade, já que esta
categoria – mesmo tendo delimitado um espaço para o texto literário – tem como pressuposto a diferença entre a linguagem específica da literatura e
a linguagem cotidiana, distinção desfeita por inúmeras obras contemporâneas ou não que colocaram o clichê como recurso válido do jogo estético.

Ademais, ressalta ele que a pesquisa se faz em torno da interpretação, portanto nenhum dado a priori pode assegurar um ato interpretativo eficaz. No
entanto, postula ele, que a literatura “sempre se mostrará como uma ocasião de descoberta” (2015, p. 382). E o que dá sentido à pesquisa na área
literária é a possibilidade de se produzir conhecimento a partir dela. Acrescenta ainda que o conhecimento gerado via obras literárias deve ser
específico, portanto impossível de ser adquirido em outras disciplinas.

Em que pese a rapidez da apresentação do texto supracitado e sem adentrar o mérito do enfoque, a intenção de trazê-lo a esta discussão é mostrar
que, na academia, a literatura tende a ser concebida como algo distinto dela mesma, seja por colocá-la como, há algum tempo, aquém da história por
ela construída, afastando-a conceitualmente do processo da leitura em si, ou, como explicita o texto de Durão, por colocá-la como algo distinto dela
mesma, uma vez que se torna meio para outros fins. No mais das vezes, os profissionais saem das academias sem a experiência da aproximação do
texto em si e na sua totalidade, dados os revestimentos que lhe são impostos. A fruição do texto ou o seu enfrentamento para conhecimento da arte
literária ou para a construção de uma visão de mundo mais ampla e mais humana perde espaço no Ensino Superior e, consequentemente, no Ensino
Médio.

Isso posto, é cena comum, na Educação Básica, ecoar em raios de larga proporção a ideia de que a leitura desinteressada se constitui um
desperdício de tempo, afinal o imperativo utilitarista adentra todos os setores da sociedade. A arte, como apontou Frederic Jameson (2004) se tornou
a lógica do capitalismo multinacional ou tardio. O referido crítico enfatizou a abolição da autonomia relativa da arte, uma vez que ela passou a
integrar à produção de mercadorias em geral.

Quando surgiram as famosas listas de obras literárias como leitura obrigatória para vestibulares, houve a expectativa de que a obrigatoriedade
poderia, com o tempo, suscitar o hábito da leitura, contudo a primazia mercantilista forjou a disseminação de pequenos manuais com análises e
resumos prontos para o consumo e o que deveria promover a leitura, reforçou o didatismo decrépito.

3. A literatura no contexto das linguagens, códigos e suas tecnologias

Com o intento de sofisticar a concepção pedagógica de integração entre as disciplinas escolares, os Parâmetros Curriculares Nacionais (criados para
reforçar a LDB de 1996), reorganizaram-nas em três grandes áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Obviamente, com essa nova proposta, o ensino da Língua Portuguesa foi alterado e, com ela, obviamente, o ensino da Literatura. Um aspecto a ser
destacado nesse processo diz respeito à criação de superabundantes órgãos vinculados ao MEC; nem mesmo especialistas da área de Educação
conseguem dar conta das diversas funções dessas instituições que, juntas continuam a promover radicais e constantes revisões no ensino nacional.
Reclamando por cidadania, diversidade, inclusão, atualização, habilidades, competências, tais fundações inflacionam, em largo espectro, a estrutura
educacional brasileira em uma tentativa de se adequar ao contexto globalizado, exposto aos ditames midiáticos. Assim, mais que inteirar os atores
envolvidos na educação, lança-os a uma arena de saberes que se processam ao sabor de modismos, prescindindo, em essência, das reflexões
propícias à autonomia intelectual, expressão, contraditoriamente, cara aos textos basilares dos PCN.

Na tentativa de integrar áreas do conhecimento, muitos aspectos são prejudicados pelo congestionamento inevitável. Assim, nas próprias
Orientações curriculares para o ensino médio, no primeiro volume destino ao eixo Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, o MEC, por meio do
Departamento de Políticas do Ensino Médio (DPEM), resvala para um conglomerado de responsabilidades que por diversas razões, mas também por
partirem dessa mixórdia, efetivamente não cumprem o caráter de orientação expresso no próprio título do volume4, conforme se pode perceber no
fragmento retirado da carta de abertura:

Para garantir a democratização do acesso e as condições de permanência na escola durante as três etapas da educação básica – educação
infantil, ensino fundamental e médio –, o governo federal elaborou a proposta do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Fundeb foi construída com
a participação dos dirigentes das redes de ensino e de diversos segmentos da sociedade. Dessa forma, colocou-se acima das diferenças o
interesse maior pela educação pública de qualidade. Entre as várias ações de fortalecimento do ensino médio destacam-se o Prodeb
(Programa de Equalização das Oportunidades de Acesso à Educação Básica) e a implementação do PNLEM (Programa Nacional do Livro do
Ensino Médio). A Secretaria de Educação Básica do MEC passou a publicar ainda livros para o professor, a fim de apoiar o trabalho científico e
pedagógico do docente em sala (BRASIL, 2006, p. 5, grifou-se).

Diante dos paradoxos e incompatibilidade contrárias a que sejam atendidas “[às] necessidades reais da relação de ensino e aprendizagem” (BRASIL,
2006, p.8) e, apesar de as referidas orientações resultarem de seminários regionais e nacionais, muitas questões propostas, auspiciosas em tese,
distanciam-se, sobremaneira, de ações efetivas, bem como nem todas as alternativas didáticas anunciadas trouxeram consigo a pretensa
organização e melhoria do trabalho pedagógico, cuja pretensão era “atender às necessidades e às expectativas das escolas e dos professores na
estruturação do currículo para o ensino médio” (BRASIL, 2006, p. 8).

No que tange ao ensino da Literatura, as Orientações curriculares para o ensino médio de 2006 – no segundo capítulo intitulado Conhecimento de
Literatura, em meio a muitos pontos que justificam sua permanência no currículo do Ensino Médio – suscitam questões relevantes para se pensar o
didatismo deficitário ainda presente. Nas primeiras páginas do referido capítulo consta que o ensino da Literatura visa cumprir objetivos, tais como,
tornar leitores “mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” – fragmento retirados do ensaio de Antonio Candido, A
literatura e a formação do homem, 1972, do qual ainda é destacado: – “não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos,
características de escolas literárias etc., como até hoje tem ocorrido (BRASIL, 2006, p. 55). Há ainda outras passagens que revelam o cuidado de não
colocar a historiografia e a literatura propriamente dita como instâncias excludentes entre si, conforme se pode atestar no fragmento abaixo:

Conhecer a tradição literária, sim, mas decorar estilos de época, não. Autores de um mesmo período histórico escrevem dentro da convenção
da época, mas muitos – os melhores, talvez – se livram dela (muitas vezes uma camisa-de-força), escrevendo obras inteiramente
transgressivas (o romantismo é rico em exemplos dessa natureza), e mesmo autoparódicas. Ora, a história literária que chega à escola ignora
as transgressões, ou então lida com elas como se fossem exceções: tanto a convenção quanto a transgressão são aspectos da produção da
época, e não há por que excluir inteiramente uma delas, nem por que obrigar as obras literárias a se ajustarem às características temáticas e
formais que determinada história literária perpetrou. Tampouco se pode adotar um cânone asséptico do ponto de vista moral (sabemos que
determinadas obras são excluídas do repertório escolar em virtude de sua moral contrária a valores de determinado grupo, da escola, da
família...), buscando responder à exigência de uma certa visão pedagógica oficial (BRASIL, 2006, p. 77).

A despeito do tom acurado do texto, há uma sensível lacuna (ou proposital ausência) nas reflexões quanto às reais condições escolares. Ainda que
haja professores com posturas diferenciadas, cabe indagar se existem nas escolas recursos que possibilitem, ainda que minimamente, aulas de
literatura propriamente dita: como bibliotecas, salas propícias à leitura, livros suficientes para todos os alunos, entre outros. Se a única alternativa for
o livro didático, como acontece de praxe, o conteúdo da LDB e dos PCN não passam de textos inócuos a se avolumarem nas prateleiras escolares.

O Enem passou a determinar a atuação das escolas de nível médio, à medida que as Instituições de Ensino Superior públicas foram prescindindo dos
vestibulares e passaram a utilizar a nota obtida pelo candidato – por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), gerenciado pelo MEC – como
critério único no oferecimento de vagas. No próprio site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) consta a
informação de que, por meio de tal medida, induziu-se à reestruturação dos currículos do Ensino Médio. Com o tão gigantesco alcance, não poderia
agir de modo distinto os editores ávidos pelo lucro de suas mercadorias.

No referido exame, as questões expõem poemas e fragmentos de textos dispostos em disposições contextualizadas e interdisciplinares. O livro
didático de Língua Portuguesa, também aqueles pré-selecionados pelo PNLEM, ousou algumas inovações para acompanhar o nível de exigência do
Enem. Na sua maioria, tais manuais exploram o texto literário dentro de uma proposta de amplas relações com as demais manifestações artísticas,
contudo se trata de um empenho travado, em diversos momentos, pelos antigos quadros mutiladores, nos quais autores e obras voltam à rasa
ilustração das escolas literárias.

O manual Novas palavras – nos três volumes que atendem as séries do Ensino Médio, elaborados por Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e
Severino Antônio – apresenta a tripartição: Literatura; Gramática e Redação e leitura. A coleção, que faz parte dos livros indicados pelo PNLEM para
o triênio 2015, 2016 e 2017, a despeito das tentativas de inovação, reproduz, didaticamente, a cisão entre Literatura e Leitura; e esta última, como se
pode observar, está aliada à Redação. No primeiro volume da coleção, é sintomático que, de início, textos literários sejam dispostos em meio a uma
configuração híbrida de diversas manifestações artísticas que coloca em pauta uma espécie hiperarte sem adentrar devidamente no caráter
específico da arte literária. Esse aspecto pode resultar negativo, uma vez que pode repassar – para muitos alunos que vêm do Ensino Fundamental
sem uma concepção elaborada do que seja Literatura – a ideia de que a Literatura seja uma arte essencialmente híbrida.

Por esse ponto cego pode avolumar-se um amálgama que, em diversos casos, não permite um contato lúdico (aparentemente despretensioso) do
ensino da Literatura. Ensinamento que, como escreveu Paulo Freire em perspectiva mais ampla, é sempre dialógico, pois “quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23). Portanto, é imprescindível que se tenha a cautela em trabalhar a literatura sempre
como leitura possível. No caso, até mesmo colhendo algo de leituras feitas pelos alunos, ainda que estas estejam reduzidas as leituras fáceis repletas
de ações e suspenses dos best-sellers, para, a partir desse ponto, proporcionar uma travessia para textos esteticamente mais complexos. Afinal, as
salas de aula não deveriam perder o caráter dinâmico que envolve todos os atores do processo, pois seria uma forma de evitar que o professor
ficasse condicionado ao conteúdo imperativo do livro didático.

Considerações finais
Convém destacar que o livro didático deve cumprir a função de ferramenta auxiliar, enquanto potencialidade, evitando conferir-lhe a autonomia
ontológica costumeira. Ao lado dessa questão, outra se impõe: não obstante o caráter interdisciplinar do Enem, com sua predominância,
progressivamente vem sendo reduzido o espaço da Literatura na sala de aula, afastando-a, decisivamente, da concepção de leitura e, com isso,
dificultando o acesso do aluno a esse legado inalienável, parte medular do processo de criação e de sustentação da identidade nacional ou regional,
a despeito da tirania das importações do mercado globalizado. Esse aspecto se impõe, nos dias atuais, com mais relevância, devido às discussões
para a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular, segundo a qual serão determinados os conhecimentos essenciais aos quais os
estudantes terão acesso, desde as séries inicias até o final do Ensino Médio. A proposta do MEC surge repleta de deficiências epistemológicas, em
meio às quais, conteúdos básicos de caráter amplo serão mutilados e outros, mesmo importantes, serão enxertados de modo inepto. Todo
esse corpus aparece emoldurado por uma tentativa equivocada de romper com o estudo cronológico, quando apenas o inverte; permanecendo,
assim, o continuum temporal. Nesse caso, há de se aguardar para ver o quanto ainda se distanciará leitura de literatura.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Emília; et al. Novas palavras. São Paulo: FTD, 2013.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem>. Acesso em: 03 out. de 2015.

_______. Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Vol. 1. Brasília: Ministério da Educação e
Secretaria de Educação Básica, 2006.Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>. Acesso em 04 out. de
2015.

DURÃO, Fabio Akcelrud. Reflexões sobre a metodologia de pesquisa nos estudos literários. Revista Delta, Vol. 31, 2015, p.377-390. Disponível em <
http://www.scielo.br/pdf/delta/v31nspe/1678-460X-delta-31-spe-00377.pdf>. Acesso em 03 out. 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, 28ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2004.

PETITAT, André. A escola e a produção da sociedade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. In: Revista Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, p. 21-30,
1989.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.
Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

1.

3.

CAPÍTULO 5 AS “NORMALISTAS” DE ADOLFO CAMINHA

Francisca Solange Mendes da Rocha

“Une des obligations auquelles ne doit jamais manquer l’historien des moeurs, c’est de ne point gâter le vrai par les arrangements en
apparence dramatiques, surtout quand le vrais a pris la peine de devenir romanesque”5 (Honoré de Balzac).
O final do século XIX ficou marcado pela efervescência do ideário republicano, sustentado pelas teorias cientificistas vigentes à época, como o
Positivismo, o Determinismo e o Darwinismo, além da busca pelo progresso e moralidade pública. A partir desses pressupostos buscava-se
apreender a “realidade” para propor mudanças. É nesse contexto social e científico que se insere o romance A Normalista, do cearense Adolfo
Caminha.

Em A Normalista temos a história de Maria do Carmo, uma jovem de aproximadamente 15 anos, ex-aluna do Colégio da Imaculada Conceição e
estudante da Escola Normal. Maria foi criada por seu padrinho João da Mata desde os seis anos e este, ao percebê-la entrar na puberdade e tomar
corpo, passa a assediá-la sexualmente, usando da sua prerrogativa de padrinho como justificativa para tal. A história ambienta-se na capital da
Província do Ceará, Fortaleza, no final do século XIX.

No romance, Adolfo Caminha faz uma análise da sociedade cearense e do comportamento das mulheres. Segundo o autor, as jovens cearenses são
dotadas de maus hábitos e costumes decorrentes da educação recebida nas escolas, onde as moças ao invés de aprenderem a serem respeitadas
mães de família, são submetidas a uma rotina de freiras – no caso das escolas religiosas ou ficam à mercê de si mesmas, referindo-se à Escola
Normal. Pela voz de João da Mata e de outros personagens do romance, o autor faz severas críticas às instituições religiosas e à educação em geral,
atribuindo a responsabilidade destes comportamentos à estrutura física e organizacional das escolas, mais especificamente o Colégio da Imaculada
Conceição6 e a Escola Normal7. Para João da Mata,

[...] no Ceará não havia colégios sérios. A instrução pública estava reduzida a meia dúzia de conventilhos: uma calamidade pior que a seca. O
menino ou menina saía da escola sabendo menos que dantes e mais instruído em hábitos vergonhosos. As melhores famílias sacudiam as
filhas no Imaculada Conceição como único recurso para não vê-las completamente ignorantes e pervertidas (CAMINHA, Capítulo I, p. 6).

Segundo ele, “os colégios internos à guisa de conventos” eramum “coito de patifarias”, afirmação essa baseada pelo fato de ele ter sido professor e
saber muito bem o que se operava dentro das instituições educacionais. João da Mata, “Noutros tempos, fora mestre-escola8 no sertão da província,
donde mudara-se para a capital por conveniências particulares. Era então simplesmente o professor Gadelha, o terror dos estudantes de gramática”
(CAMINHA, Capítulo I, p. 2).

Percebe-se que, segundo João da Mata, era impossível alguém ser educado dentro da rigidez dos “toques de sineta, no silêncio e na sensaboria de
uma casa conventual, entre paredes sombrias”, passando os dias e as noites a rezar. A educação adequada, para ele, era “a educação moderna”, a
“educação livre”, em que as meninas desenvolviam-se “física e moralmente como a rapaziada de calças, com uma rapidez admirável, tornando-se por
fim mães de família, perfeitas donas de casa,” sem a “intervenção da batina.” (Idem, Capítulo I, p. 2). Sua mulher corroborava da mesma opinião, pois
para ela,

Uma menina inteligente como Maria devia educar-se no Rio de Janeiro ou num colégio particular, mas um colégio onde ela pudesse aprender o
“traquejo social”. Pode ser que as Irmãs sejam umas mulheres virtuosíssimas e castas, mas filha sua não punha os pés em colégio de freiras...
(CAMINHA, Capítulo I, p. 6).

Tanto D. Terezinha quanto João da Mata não apreciavam o tipo de educação oferecida pela instrução pública, achavam um desperdício as meninas
serem confinadas em colégios de Irmãs de Caridade, pois a educação deveria ser livre, sem a interferência da igreja no que diz respeito aos objetivos
educacionais. Para ambos, a aprendizagem da prática social era indispensável à educação feminina.

A falta de um currículo adequado às necessidades das normalistas fazia com que os conteúdos vistos nas aulas não tivessem nenhuma relação com
a futura profissão à qual as moças abraçariam ao final do curso. Este, apesar de ser profissionalizante, tinha como base uma organização curricular
propedêutica, centrada nas grandes áreas de conhecimento9, o que sugere a concepção da profissionalização do magistério à época, que se
fundamentava apenas no domínio de conhecimentos universais, com uma organização curricular de cunho universal e intelectualista, enfatizando o
conteúdo das disciplinas e restringindo a formação docente à cadeira de Pedagogia. A descrição da sala de aula de ciências naturais, onde também
se ministravam as aulas de geografia, ilustra bem esse caráter propedêutico do currículo:

A sala era bastante larga para comportar outras tantas discípulas, com janelas para a rua e para os terrenos devolutos, muito ventilada. Era ali
que funcionavam as aulas de ciências físicas e naturais, em horas diferentes das de geografia. Não se via um só mapa, uma só carta geográfica
nas paredes, onde punham sombras escuras peles de animais selvagens colocadas por cima de vidraças que guardavam, intactos, aparelhos
de química e física, redomas de vidro bojudas e reluzentes, velhas máquinas pneumáticas nunca servidas, pilhas elétricas de Bunsen,
incompletas, sem o amálgamas de zinco, os condutores pendentes num abandono glacial; coleções de minerais, numerados em caixinhas, no
fundo da sala, em prateleiras volantes... Nenhum indício, porém, de esfera terrestre (CAMINHA, Capítulo V, p. 40).

Observa-se, pela descrição da sala, que o material das aulas de ciências físicas e naturais nunca foi utilizado, pois os aparelhos de química e física
estavam intactos, e as máquinas pneumáticas já estavam velhas sem nunca terem sido usadas. O autor chega a comparar o abandono dos utensílios
a era glacial, devido a não utilização dos mesmos. Pressupõe-se, então, que não havia aulas práticas de química e física e que apesar de ser um
ambiente que também se prestava às aulas de geografia, não se viam materiais referentes a essa disciplina, como mapas e globo terrestre.

Nas escolas elementares, o currículo diferenciado entre meninos e meninas fazia com que os conteúdos ministrados a cada um deles fossem
direcionados a objetivos distintos. Naquele tempo, o número de escolas para meninos era superior ao de escolas para meninas. Eram em grande
parte “escolas fundadas por congregações e ordens religiosas femininas ou masculinas; escolas mantidas por leigos – professores para as classes
dos meninos e professoras para as das meninas” (LOURO, 2004, p. 446).

A Escola Normal, à época da ambientação do romance, também recebia homens em suas dependências, mas o autor não faz nenhuma alusão a isso,
restringindo-se a análise apenas às alunas. A educação prática, proposta pelo romance de Adolfo Caminha, mantinha a tradicional e tríplice função
da mulher: mãe, esposa e rainha do lar. Lembrando que a criação de uma escola preparatória para a formação de professoras em uma época na qual
as mulheres tinham como única função a de casarem e serem esposas e mães de família, certamente desagradou aos mais conservadores que não
viam com bons olhos as moças que lá se matriculavam, derivando disso o preconceito e a maledicência contra as normalistas, atrelados aos
métodos ineficazes de estudo.
Por objetivar a preparação de professores para as escolas primárias, as Escolas Normais preconizavam uma formação específica e deveriam guiar-se
pelas coordenadas pedagógico-didáticas. No entanto, contrariamente a essa expectativa, predominava nessas instituições apenas a preocupação
com o domínio dos conhecimentos a serem transmitidos nas escolas de primeiras letras. Dessa forma, o currículo das escolas normais
assemelhava-se aos das escolas elementares. Portanto, o que se pressupunha era que os professores deveriam ter o domínio daqueles conteúdos
que lhes caberia transmitir às crianças, desconsiderando-se o preparo didático-pedagógico.

As últimas décadas do século XIX apontavam para a necessidade de uma educação para as mulheres atrelada à modernização da sociedade, à
higienização da família e à construção da cidadania dos jovens. Logo, a educação dessas jovens não poderia ser concebida sem uma sólida
formação cristã, chave principal de qualquer projeto educativo. O método Pestalozzi10, citado no romance, baseava-se em princípios cristãos, uma
vez que a educação moral assentava-se em fundamentos religiosos.

Apesar de a educação ser baseada em fundamentos cristãos, a referência para a sociedade da época era o Catolicismo. O que se esperava era que as
jovens se espelhassem no exemplo da Virgem Maria, uma vez que o símbolo mariano se apelava tanto para a maternidade quanto para a manutenção
da pureza feminina. Era o ideal feminino que implicava o recato e o pudor, a busca constante de uma moral perfeita, a aceitação de sacrifícios e uma
ação educadora dos filhos. Fora dessa concepção de educação moral, as moças eram consideradas “desviantes” e formação escolar contava muito
nesse conceito. A família, assim como pregava Pestalozzi, era responsável pela primeira educação e sem esses valores familiares, uma criança não
podia ter uma educação completa. Esse pensamento é ratificado no romance, quando o pai do Zuza recrimina a educação que Maria do Carmo
recebeu em casa do padrinho: “Não pode ser boa mãe de família uma rapariga educada em companhia de um safardana reconhecido, como o tal Sr.
João da Mata” (CAMINHA, capítulo XII, p. 102).

As instituições escolares cearenses, principalmente a Escola Normal - seu currículo e seus mestres, são motivos de discussão entre os personagens
do romance, Castro, Guedes, Elesbão e José Pereira. Segundo um deles, a província do Ceará ainda não tem uma educação voltada para as
mulheres, uma vez que “nós ainda não tínhamos compreendido o importante papel da mulher na civilização” (CAMINHA, capítulo XIV, p. 128), pois,

A educação feminina, [...] é um mito ainda não compreendido pelos corifeus da moderna pedagogia. Queríamos introduzir no Ceará os
dissolventes costumes parisienses, à fortiori, mas não eram essas as tendências do nosso povo essencialmente católico e essencialmente
crédulo. Não admitia a teocracia tal como a aceitavam os padres — essa corja de especuladores — mas era preciso respeita as crenças
populares, o verdadeiro sentimento religioso, sem hipocrisia, sem preconceitos (CAMINHA, p.128, grifo do autor).

À Escola Normal, cabem as maiores críticas, principalmente quanto à formação dos mestres, responsáveis pela educação das futuras professoras:

— Que é a Escola Normal, não me dirão? Uma escola sem mestres, um estabelecimento anacrônico, onde as moças vão tagarelar, vão passar o
tempo a ler romances e a maldizer o próximo, como vocês sabem melhor que eu...

José Pereira contestou, lembrando o Berredo, “uma ilustração invejável”, o padre Lima, “um excelente educador em cujas aulas as raparigas
aprendiam ao mesmo tempo a ciência e a religião”.

— Mas não têm método, não fazem caso d’aquilo, vão ali por honra da firma, por amor aos cobres, rebateu o Eslebão, forcejando por falar alto.
Aquilo é uma sinecura, não temos educadores, é o que é (CAMINHA, Capítulo XIV, p. 128).

Pode-se perceber, a partir dos comentários dos personagens, que os professores da Escola Normal não realizavam um bom trabalho, pois o faziam
por dinheiro, não estavam preocupados com a formação educacional das moças e sim com o salário que receberiam no final do mês. O cargo de
professor é chamado de sinecura, tanto é o descaso dos mestres com o que é transmitido na sala de aula. Para muitos, a falta de uma metodologia
adequada e um currículo que contemplasse as necessidades das discentes dificultavam o aprendizado das normalistas e isso certamente
influenciava no comportamento das jovens na sociedade. Para eles, mesmo sendo o diretor da Escola Normal um pedagogista de primeira linha, era
“preciso orientação e muito bom senso”, (CAMINHA, capítulo XVI, p. 128) e isso era justamente o que faltava ao corpo docente da instituição, pois,

Todo fenômeno é consequência de uma causa. Não há efeito sem causa. No caso vertente a causa é a falta de educação, a falta de absoluta de
quem sabe dirigir a mocidade feminina. A nossa educação doméstica é detestável, os nossos costumes são de um povo analfabeto.
(CAMINHA, Capítulo XVI, p. 129).

Não só Elesbão e seus amigos, mas a própria Maria do Carmo critica a metodologia de seus professores, com exceção do professor Berredo, pois

Era a sua aula predileta, a de geografia, o Berredo tornava-a mais interessante ainda. Os outros, o professor de francês e o de ciências, nem
por isso; davam sua lição como papagaios, e adeus, até amanhã. O Berredo, não senhores, tinha um excelente método de ensino, sabia atrair a
atenção das alunas com descrições pitorescas e pilhérias encaixadas a jeito no fio do discurso (CAMINHA, Capítulo V, p. 41).

Percebe-se que as próprias alunas, aqui representadas por Maria do Carmo, sabiam da importância de uma boa didática para prender a atenção da
classe. A mesma afirma que os professores de francês e ciências apenas repetiam o que estava escrito nos compêndios, não indo além disso. A
normalista ainda faz severas críticas à instituição em relação aos métodos pedagógicos, comparando-os aos da sua escola anterior: “Antes nunca
tivesse saído da Imaculada Conceição para se meter numa escola sem disciplina e sem moralidade, sem programa e sem mestres” (CAMINHA,
capítulo XIII, p. 122).

Essa ausência de disciplina e de programas específicos para o curso tinha como consequência a liberdade de leituras e de atividades dentro da
Escola Normal, cujas alunas eram tidas como namoradeiras, gozavam de uma má reputação e cujos nomes viviam sempre na boca do povo. Elas liam
Émile Zola, estudavam anatomia humana e tomavam cerveja nos cafés, por isso eram “verdadeiras doutoras de borla e capelo em negócios de
namoros”. Uma delas “foi encontrada pelo professor de história natural a debuxar um grandíssimo falo com todos os seus petrechos...” (CAMINHA,
capítulo VI, p. 48).

A citação do autor naturalista Émile Zola reforça a ideia das leituras tidas como impróprias para uma boa formação moral, por serem consideradas
obscenas, e por isso as alunas graduavam-se em namoros com maestria, ao invés de se tornarem professoras. O autor ainda atribui a mudança de
comportamento de Maria do Carmo às leituras e à companhia das outras estudantes da Escola Normal. Segundo ele, o ingresso na referida
instituição foi um divisor de águas em relação a seu modo de agir e pensar. Ela, que fizera seus primeiros estudos no Colégio da Imaculada
Conceição, era uma garota “magrinha, com uma cor esbranquiçada e mórbida de cera velha, o olhar macilento, a falar sempre no Padre Reitor e na
Superiora e na Irmã Filomena e noutras pieguices” (CAMINHA, capítulo I, p. 6), a partir do contato diário com as colegas de curso de magistério “[...]
pouco a pouco vai “perdendo antigos retraimentos que trouxera da Imaculada Conceição. A convivência com as outras normalistas transformara-lhe
os hábitos e as ideias” (CAMINHA, capítulo II, p. 16).

Essa má impressão que muitos tinham das estudantes da Escola Normal pode-se ver cristalizada no pensamento do Zuza, ao lembrar-se dos
encontros com Maria do Carmo:

Tão boas as palestras ao meio-dia, na Escola Normal, enquanto as outras normalistas divertiam-se lá para dentro à espera dos professores!
Uma gentinha levada da breca, essas normalistas! Com que facilidade a Maria do Carmo, aliás, uma das mais comportadas, entregava-lhe a
face para beijar e escrevia-lhe cartinhas perfumadas, cheias de juras e protestos de amor! (CAMINHA, Capítulo XII, p. 102).

Para o autor, o fato de as alunas da Escola Normal terem uma certa liberdade de escolha de suas leituras, sem serem orientadas, só lhes aumentaria
a má-fama, pois desperdiçavam seus momentos de ócio com romances românticos e passeios ao invés de voltarem-se para a sua formação
pedagógica com leituras úteis e que contivessem “ensinamentos práticos”. Má fama essa ratificada por comentários maliciosos de vários
personagens, pois o simples fato de serem normalistas já as tornavam “Umas namoradeiras que punham-se a dar escândalos com os estudantes do
Liceu, umas sem-vergonhas!” (CAMINHA, capítulo V, p. 36).

Quanto à formação religiosa, Maria do Carmo iniciara a sua “em casa, na companhia dos pais: ‘Crescia sem outra educação a não ser a que lhe
davam os pais, de modo que, naquela idade, mal soletrava a Doutrina Cristã’, o que só reforça o perfil religioso da personagem” (BEZERRA, 2009).
Em relação às leituras de Maria, antes restritas a livros devocionais, tais aos que ela lia “[...] quando ia passar o domingo em casa, uma vez no mês”
quando “ metia-se para os fundos do quintal ou pelas camarinhas, muito calada, muito sonsa, a ler a Imitação,” (CAMINHA, capítulo I, p. 6) estas
foram substituídas pelas obras de autores realistas, pincipalmente Eça de Queiroz, ao qual lia escondido: “Ultimamente a Lídia dera-lhe a ler O Primo
Basílio, recomendando muito cuidado: ‘que era um livro obsceno11’”(CAMINHA, capítulo II, p. 14). A normalista “folheou ao acaso aquela obra prima,
disposta a devorá-la. E, com efeito, leu-a de fio a pavio, página por página, linha por linha, palavra por palavra, devagar, demoradamente” (Idem, p.
15). Esse tipo de leitura era veementemente criticado por Berredo, o professor de Geografia da Escola Normal:

Lessem Júlio Verne nas horas d’ócio; era sempre melhor do que perder tempo com leituras sem proveito, muitas vezes impróprias de uma
moça de família... “Eu estou certo, – dizia o Berredo, convicto, – de que as senhoras não lêem livro obscenos, mas refiro-me a esses romances
sentimentais que as moças geralmente gostam de ler, umas historiazinhas fúteis de amores galantes, que não significam absolutamente coisa
alguma e só servem de transtornar o espírito às incautas... Aposto em como quase todas as senhoras conhecem a Dama das camélias, a
Lucíola...” [...] “Nada! As moças deviam ler somente o grande Júlio Verne, o propagandista das ciências. Comprem a Viagem ao Centro da
Terra, Os filhos do Capitão Grant e tantos outros romances úteis, e encontrarão neles alta soma de ensinamentos valiosos, de conhecimentos
práticos” (CAMINHA, Capítulo V, p. 41-42. Grifos meus).

Segundo o professor, as leituras de romances românticos – à guisa de Dama das camélias e Lucíola – eram impróprias paras as moças de família por
serem “sentimentaloides”, tratarem de histórias de amores galantes e fúteis, fazendo com que as moças se transportassem para um mundo ideal,
fantasioso. Isso só ratifica a ideia de que o currículo da Escola não era adequado à formação das jovens, pois as deixavam livres em suas leituras,
sem uma orientação quanto aos livros que as mesmas deveriam ler e que servissem para a sua formação pedagógica. Além de uma crítica ao
Romantismo ao citar os romances de Alexandre Dumas e José de Alencar, o professor faz alusão ao cientificismo vigente nos anos finais do século
XIX, que embasa o Realismo-Naturalismo, quando afirma que Júlio Verne é um “propagandista das ciências” e sugerindo a leitura de suas obras.

No final do romance, além de referências à Proclamação da República, há também a informação de que houvera uma mudança no programa
curricular da Escola Normal12, pois

O programa era outro, mais extenso, mais amplo, dividido metodicamente em educação física, educação intelectual, educação nacional ou
cívica, educação religiosa... pelo moldes de H. Spencer e Pestalozzi; o horário das aulas tinha sido alterado, havia uma escola anexa de
aplicação, estava tudo mudado! (CAMINHA, capítulo XV, p. 138).

A referência aos pedagogistas H. Spencer13 e Pestalozzi mostra bem o caráter humanista do currículo, uma vez que ambos possuem pontos em
comum em relação à educação. Spencer pregava o ensino da ciência, cujo princípio cientificista considera a funcionalidade do que se ensina e,
principalmente, o sentido que este conhecimento deve ter com a vida do estudante. Ele combatia a interferência do Estado na educação e afirmava
que o principal objetivo da escola era a construção do caráter; opinião ratificada por Pestalozzi que, além de condenar o ensino verbalista, afirmava
que a formação do caráter era mais importante do que a aquisição de conhecimentos. Spencer ainda considerava que a educação espontânea era
mais importante para os primeiros anos das crianças do que uma forma sistematizada de apresentar os conhecimentos. Já Pestalozzi não aceitava
que a formação moral do educando pudesse ser apenas vinculada às aulas expositivas, mas também exemplificadas em regras práticas, em
realidades ao alcance da percepção infantil.

Pode-se perceber que a educação – principalmente a feminina – aos olhos de Adolfo Caminha no final do século XIX e alvorecer do século XX, ainda
estava longe da ideal. Suas críticas à sociedade fortalezense através de seus personagens só mostram a decadência dos valores morais e políticos
daquela época, ressaltando a pouca importância dada à educação no que diz respeito à formação das futuras professoras.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Avila. As ideias pedagógicas de Pestalozzi. In: Revista da Faculdade de Letras e Filosofia.
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1283.pdf>.

BEZERRA, Carlos Eduardo de Oliveira. Adolfo Caminha: um polígrafo na literatura brasileira do Século XIX (1885-1897). São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2009.
CAMINHA, Adolfo. A normalista. Brasília: DF: (impressão PDF 2015)

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000001.pdf>.

CASTELO, Plácido Aderaldo. História do Ensino no Ceará. Imprensa Oficial, Fortaleza, 1970.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres em sala de aula. In: DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p.443-481.

SAVIANI, Dermeval e outros. História e História da Educação. São Paulo, Autores Associados, 1998.

VILLELA, Heloísa. O mestre-escola e a professora. In: T. FARIA FILHO, Luciano M., VEIGA, Cynthia G.(Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 4ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 95-134. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/herbert-spencer-307364.shtml>.
Acesso em: 29 out. de 2015

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.


19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPÍTULO 6 A “SEDA” E A “CHITA” NA NARRATIVA FICCIONAL: A RELAÇÃO ENTRE OS SABERES ESCOLARES E


COTIDIANO EM O QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ

Francisco Ari de Andrade

Erinelda da Costa Paixão

Júlia de Fátima Santos da Silva

Introdução

O presente texto rende homenagem ao romance O Quinze (1930), da escritora cearense Rachel de Queiroz (1910-2003), em virtude da nefasta
lembrança do centenário de uma das mais traumáticas secas que assolaram o semiárido nordestino, a chamada “Seca de 1915”. A referida obra tem
como pano de fundo o cenário daquela grande estiagem no território cearense.

Este artigo analisa, numa perspectiva pedagógica do referido romance, o conflito presente na obra entre a paixão e as letras. Uma paixão existente,
mas não concretizada pelos personagens da narrativa, entre a normalista Conceição e o vaqueiro Vicente. Tal embate traduz uma representação da
relação entre a cultura letrada e a cultura não letrada: de um lado, a normalista, expressão da imagem literária da cultura escolar, com seus ritos e
símbolos; de outro, o vaqueiro, homem virtuoso ao trabalho, com todo vigor masculino, mas portador de uma cultura não letrada, constituída por
saberes fundamentados na experiência cotidiana de quem lida com a terra e o gado. Distante do saber escolar, eleito pela urbanidade moderna como
critério de civilização, o universo de saberes sertanejos do vaqueiro Vicente, aos olhos preconceituosos da cidade, impediria uma aproximação
afetiva com a normalista Conceição.

O refinamento intelectual da referida normalista, representado pela seda, não se enquadraria no universo cultural de uma fazenda de gado do sertão
cearense, representado pelo tecido de chita. Entre os dois cortes de tecidos, o nobre e o popular, entrecruzavam-se momentos de tensão,
demarcados pela linha imaginária que separa os seres humanos entre aqueles que detêm o saber escolar, tendo em vista a “civilização”, e aqueles
cujo saber cotidiano se associa à luta pela sobrevivência. O objetivo é propor uma reflexão acerca desse universo cultural antagônico: de um lado, as
pessoas que tinham acesso ao saber escolar e de outro, aquelas cujo único saber adquirido se dava na lida diária com a terra e com os bichos.
Para o desenvolvimento desse texto, utiliza-se aquilo que a literatura de ficção propõe como fonte de pesquisa para a História da Educação: o
romance social nordestino. Por meio de tal análise, é possível compreender a influência do saber escolar sobre a conduta das pessoas a incidir sobre
suas escolhas. Como resultado do exame minucioso da obra da escritora cearense, o estudo aponta a representação da escola no mundo moderno e
permite discutir sobre problemas que permeiam o cenário social brasileiro. Para o desenvolvimento deste trabalho, foi realizada uma leitura
minuciosa do livro em estudo, seguida de uma reflexão sobre a influência da experiência escolar na vida dos indivíduos. A leitura analítica permite
compreender a ruptura entre esses dois mundos opostos. Nas entrelinhas do diálogo das referidas personagens, procurou-se delimitar o embate que
se apresenta decorrente do choque cultural entre a normalista e o vaqueiro. Nessa ocasião, o sentimento que nutre a paixão afetiva entre os dois
tende a ser neutralizado pela cobrança que a professora Conceição faz a si mesma, em busca de uma racionalidade num ambiente social rústico que
se apresenta de costas para o mundo da cidade grande, com seus paradigmas civilizatórios.

O romance O Quinze é considerado um marco na literatura nacional, por se enquadrar na fase do romance regional da década de 1930. Dessa forma,
propõe-se, neste artigo, acrescentar ao debate um olhar pedagógico sobre o drama vivenciado pela normalista Conceição e o vaqueiro Vicente, que
representam a relação entre o sertão e o litoral, para se compreender momentos significativos de nossa experiência escolar.

A escritora, a obra e seu tempo

De acordo com Bosi (2003), a memória interfere no curso das representações, porque permite a relação do corpo presente com o passado. Sendo
assim, passa a ter uma função decisiva na nossa existência. Essa relação subjetiva é, muitas vezes, intermediada pela obra da literatura ficcional,
pelo contato do escritor e do leitor com a representação do cotidiano. O gênero romance, por exemplo, ao reportar memórias que segundo Eco (2010)
se denomina memória vegetal, está impregnada do perfume da história.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o romance em estudo exala o cheiro de uma terra seca, assolada pela miséria e pela fome, e que, aliada à
escassez de chuvas, é a testemunha que representa a luta das populações sertanejas do semiárido nordestino pela sobrevivência. Ao transformar as
lembranças de tal fato em imagem literária, a autora nos possibilita refletir sobre nossa própria existência e compreender as nuances sociais de um
tempo passado ressignificado pela força livre da literatura ficcional.

Rachel de Queiroz nasceu em 17 de novembro de 1910, em Fortaleza, oriunda de uma família influente na cidade. Parente, pelo lado materno, do
romancista José de Alencar (1829-1877), desde criança esteve envolta pelos clássicos da literatura universal, segundo relata Carvalho: “[...] foi muito
influenciada pela família. O pai e a mãe, embora pouco simpáticos à educação formal, eram leitores vorazes, além de irreligiosos. A mãe importava
livros de Paris. A filha foi criada nesse ambiente de muita liberdade e muita leitura. Aprendeu a ler sozinha” (CARVALHO, s/d, p. 7).

O ambiente doméstico aflorou em Rachel de Queiroz o gosto pelos estudos e pelos livros, contribuindo para que, posteriormente, ela desenvolvesse
uma multifacetada carreira literária (romancista, cronista, contista, poetisa, tradutora, entre outros), sendo a primeira mulher eleita para a Academia
Brasileira de Letras, em 4 de agosto de 1977. Sobre esse momento, a escritora assim rememora:

Eu nunca tinha tido a ideia de entrar para a Academia Brasileira de Letras. Inicialmente havia a proibição à entrada de mulheres. Mas nem isso
me preocupou, porque jamais tive espírito associativo, nunca participei de clubes literários e congêneres, talvez por preguiça ou indisciplina;
na verdade porque sempre tive a convicção de que, na vida artística ou literária, a única coisa que importa é o que você escreve, o que você
pinta, o que você cria. [...] Uma vez na Academia, ao contrário do que esperava, senti-me muito bem. Desapareceram os opositores, só
encontrei carinho e fraternidade (LUIZA DE QUEIROZ; RAQUEL DE QUEIROZ, 2010, p. 222-224).

Foi com a publicação do referido livro que a escritora ganhou notoriedade nacional, chegando a receber o Prêmio Fundação Graça Aranha, quando,
em 1930, aos 19 anos, “[...] aproveitando-se de repouso forçado para se recuperar de uma infecção pulmonar, escreveu a lápis num caderno escolar
seu primeiro livro, O Quinze” (CARVALHO, s/d, p. 7). Essa obra foi construída com base em relatos e memórias que a menina tinha ouvido sobre as
calamidades das secas de 1915 e 1919, sendo que, nesta última, a cearense tinha assistido ao flagelo social na primavera de seus 9 anos.

A obra O Quinze se insere no ciclo do romance nordestino da primeira metade do século XX, ou, conforme afirma Barreira (1986, p. 321), “[...] é mais
uma obra dessa literatura da seca, um dos ciclos literários mais originais das nossas letras.”. Sobre essa ficção, acrescentou o crítico Tristão de
Ataíde: “O romance da sra Raquel de Queirós nos dá uma imagem da seca, cujo verismo transuda de cada página. E feito sempre em toques rápidos,
em quadros curtos e incisivos que impressionam tanto mais” (ATAÍDE, 1986, apud BARREIRA, 1986, p. 321).

Nessa obra, a escritora propõe um relato emocionante, porém amargo, árido e direto da trajetória dos personagens Cordulina, Chico Bento,
Conceição e Vicente. A respeito do livro em questão, Mário de Andrade declarara ser um

[...] livro humano, uma seca de verdade, pura, detestável, medonha, em que o fantasma da morte e das maiores desgraças não voa mais que
sobre a São Paulo dos desocupados. Raquel de Queiroz eleva a seca às suas proporções exatas. Nem mais, nem menos. [...] É mais que uma
conversão da seca à realidade, é uma conversão à humanidade (ANDRADE, 1976 apud CAMINHA, 2010, p. 52-53).

Verifica-se, a partir dessas palavras, a autenticidade da obra, considerada até hoje “uma produção tão perfeita e tão pura que continua sozinha,
inigualada, tempos a fora” (AMADO, 2002, p. 96); uma produção literária que Adonias Filho (1969, p. 84) denomina de “documentário nordestino
enxuto e realista, nascendo para espelhar uma região de sofrimento”. Diante disso, e a fim de alcançar o objetivo proposto neste trabalho, torna-se
imperativo compreender também o contexto histórico e educacional do romance nordestino de 30.

O romance O Quinze e o cenário educacional dos anos 30

Na literatura brasileira, na década de 1930, surgiu uma nova proposta de romance social conhecido, especialmente no Nordeste, como “Romance de
30”14. Esse movimento literário foi caracterizado pela abordagem do questionamento social e pela busca de uma ruptura ideológica com o sistema
oligárquico latifundiário vigente, principalmente no Norte do Brasil (MONTENEGRO, 1983).

O Brasil vivia um período de intensas transformações. Com a crise na economia norte-americana de 1929, a nação brasileira sofreu reflexos em sua
estrutura social e econômica, abalando-se a sua produção cafeeira. Assim, segundo Romanelli (1993), uma série de revoluções e movimentos
armados se organizara, com a meta central de enfrentamento em nosso país. A chamada “Revolução de 30” foi o ponto alto das revoltas que
definiram uma geração jovem composta por militares, intelectuais e artistas com a vitória das novas formas de expressão na política, nas letras, na
música e nas artes plásticas, o que culminou, em outubro de 1930, na derrubada do poder do então presidente Washington Luiz, fazendo com que
Getúlio Vargas assumisse provisoriamente o poder.

Os anos seguintes foram marcados pelo avanço da indústria no Brasil, transferindo-se a renda do setor tradicional para o moderno. Romanelli (1993)
observa que a educação, semelhantemente, foi influenciada pela intensificação do capitalismo industrial, com a necessidade de novas exigências –
dentre elas, a implantação definitiva da escola pública, universal e gratuita.

A atenção política do Estado para com a educação nacional se consolida com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e com a Reforma
Francisco Campos – nos âmbitos do ensino secundário e superior. Como pressão da sociedade pode-se destacar o movimento renovador da Escola
Nova iniciado na década de 1920 e a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), culminando com a publicação do Manifesto dos Pioneiros
da Educação, em 1932. Além disso, as Leis Orgânicas do Ensino, decretadas pelo Ministério da Educação na década de 1930 e 1940, foram
implantadas, segundo Andrade (2012, p. 38) como “[...] uma suposta prestação de contas do Estado para com o gritante índice de analfabetismo
verificado pelos indicadores nacionais.”.

Por tudo isso, 1930 é uma década marcante na história. De acordo com Octavio Ianni (1971), foi

[...] um processo que compreende a luta por uma participação cada vez maior da população nacional no debate e nas decisões políticas e
econômicas. O florescimento da cultura nacional ocorrido em especial nas décadas de vinte a cinquenta, indica a criação de novas
modalidades de consciência nacional (INANNI, 1971, apud ROMANELLI, 1993, p. 54).

Dessa forma, o “Romance de 30” é repleto de carga emocional e nacionalista. O caminho iniciado por Machado de Assis, envolto na evidenciação das
bases nacionais, sedimentou-se com o propósito de denúncia e iniciou sua própria jornada a partir de José Américo de Almeida. Essa literatura de
ficção traz o tema da seca e do cangaço como representação da sociedade ávida por mudança e, ainda de acordo com Montenegro (1983), esse é um
esforço para recuperar a sociabilidade dos romances e, principalmente, aproximar a linguagem literária da fala do cotidiano, ao incorporar os
neologismos e regionalismos, tornando possível a identificação do leitor com as personagens. Outras conquistas desse movimento nas obras
literárias foram o espírito crítico, a participação do narrador no enredo, a descrição despojada das paisagens e ambientes e o papel de documento
estético, segundo Gilberto Mendonça Teles (apud MONTENEGRO, 1983).

Assim, entende-se a importância do “Romance de 30” como “literatura engajada” e carregada de fanatismo, inclusive religioso, significando o auge
da renovação da linguagem, dos artifícios retóricos e estilísticos e das técnicas da narrativa. Isso porque

Esse tipo de ficção consegue, de forma privilegiada, nos colocar em contacto com a realidade sócio-cultural da região nordestina do Brasil
porque, ao apresentar aspectos múltiplos da vida sócio-econômica e sem pretender alcançar “nenhuma” verdade, o romance de 30 no
nordeste fornece uma visão muito rica do real, que supera a de muitos textos “científicos” presos a uma forma predeterminada de
racionalização (MONTENEGRO, 1983, p. 14-15).

No tocante ao romance da escritora Rachel de Queiroz, publicado nesse contexto, Adolfo Casais Monteiro afirma que

O Quinze é o mais notável, senão o único verdadeiro romance social brasileiro – porque as classes não existem em fórmulas sublinhadas pelo
romancista, mas no irremediável das coisas, na espontaneidade dos próprios fatos, quer eles sejam exteriores ou interiores, quer passem à
escala de grupos ou de cada indivíduo (MONTEIRO, s/d, apud MAGALHÃES, 2002, p. 95).

Logo, a obra O Quinze emerge nesse cenário como representante não apenas da luta pelo resgate do nordeste brasileiro e pela integração de seus
habitantes no panorama nacional, mas também como um painel da realidade brasileira dos anos 30.

O uso da literatura de ficção na pesquisa em história da educação

Partindo do pensamento de Barthes (1978), compreende-se que a literatura assume vários saberes. Segundo o autor, “todas as ciências estão
presentes no monumento literário” (BARTHES, 1978, p. 18). Ele defende ainda que a literatura possui a força da representação, em outros termos, ela
é capaz de transpor o real para o ilusório, através de uma estilização formal, como para ordenar as coisas, os seres, os sentimentos (CANDIDO,
1965).

Nessa perspectiva, a realidade de um tempo histórico é representada na ficção e está envolvida em um universo pluridisciplinar que muito interessa
ao pesquisador da educação. Logo, o uso do recorte literário como fonte de pesquisa em História da Educação pode trazer grandes contribuições
para a construção de um entendimento acerca da experiência escolar.

De fato, essa metodologia de pesquisa permite uma compreensão sobre os aspectos socioculturais da educação de um povo em um determinado
período da história, à medida que dilui fronteiras e abre as portas para a interdisciplinaridade. (PESAVENTO, 2000). Outro aspecto relevante desse
método é a possibilidade de se identificar a verossimilhança do real com os fatos narrados. Contudo, é importante observar que essa análise “[...]
não traduz, objetivamente, a realidade e nem a reflita por meio de conceitos, mas estabelece por via da representação, uma conexão estreita entre o
mundo vivenciado e apreciado pelo escritor e a narrativa transmitida ao público” (ANDRADE, 2012, p. 40).

Parafraseando Benjamin (1994), e ao mesmo tempo no desejo de ir além, pode-se dizer que um olhar atento sobre determinada narrativa permite mais
do que a obtenção de informações, pois nela o leitor (investigador) “[...] é livre pra interpretar a história [...] e com isso o episódio narrado atinge uma
amplitude que não existe na informação.” (BENJAMIN, 1994, p. 203), ou no exame dos aspectos formais e legais das instituições, tais como leis,
normas, decretos, regulamentos, entre outros documentos que ancoram o trabalho do pesquisador da política educacional de determinado período,
por exemplo; diferentemente, na análise de uma obra literária, o historiador pode identificar “[...] vestígios de ‘fatos’ menos palpáveis que só se
captam pela sensibilidade, intuição ou imaginação, por metáforas mais que por conceitos” (CHIAPPINI, s/d, p. 5).
Assim, este trabalho se pauta no anseio de apontar não somente informações sobre o contexto representado na narrativa, mas interpretar
posicionamentos assumidos pelos personagens Conceição e Vicente diante da problemática que norteia esta pesquisa, possibilitando-se uma
compreensão significativa sobre nossa experiência escolar.

Uma perspectiva pedagógica da obra

Neste estudo, objetivou-se compreender o papel da educação no processo de transformação na vida das pessoas, a partir do drama representado
pela normalista Conceição e o vaqueiro Vicente, personagens do romance O Quinze.

Desse modo, importa considerar o enfoque dado por Machado (2004) às análises das narrativas, quando afirma que “[...] o conhecimento que se pode
produzir sobre um determinado assunto depende do ponto de vista de cada um” (MACHADO, 2004, p. 20).

Nessa perspectiva, ao comparar as narrativas às paisagens que podem ser contempladas de inúmeras janelas, ou seja, de diferentes pontos de
vistas, Machado (2004) atesta que, ao analisar uma obra literária, é possível que “[...] cada estudioso, debruçado sobre uma das janelas, veja a
paisagem de um ângulo particular e o que ele descobre tem a ver com o lugar em que se posicionou para observá-la” (MACHADO, 2004, p. 19). Logo,
apropriando-se da concepção de Machado (2004), justifica-se que a referida obra foi analisada do ponto de vista de uma janela particular: a janela
pedagógica.

Na leitura atenta do romance da escritora cearense, percebe-se a distância cultural entre a professora Conceição e seu primo, o vaqueiro Vicente. A
obra revela aspectos da vida daquela gente, como uma representação do modo de viver de uma sociedade marcada por contradições.

Com a metáfora da “entre a seda e a chita”, tecidos mencionados pela autora na obra, observados a partir de uma janela pedagógica, representa-se o
refinamento intelectual de Conceição, contrapondo-se à falta de saber formal por parte do vaqueiro Vicente. Nesse sentido, justifica-se que tal olhar
conduz, ao longo do estudo, a problemática educacional percebida nas entrelinhas da obra.

“Entre a seda e a chita”: o embate entre os tecidos representado pelos saberes

O estudo do olhar pedagógico foi elaborado por meio da análise de trechos presentes no romance em estudo. Em um desses trechos, encontramos o
vaqueiro denunciando o preconceito e as consequências de uma vida em que não há a experiência escolar, já que, em determinados episódios da
narrativa, expressa sentimento de inferioridade diante da professora Conceição, chegando a compará-la à seda, dado o seu refinamento intelectual:

Havia de ser quase um sonho ter, por toda a vida, aquela carinhosa inteligência a acompanhá-lo. E seduzia-o mais que tudo a novidade, o
gosto de desconhecido que lhe traria a conquista de Conceição, sempre considerada superior no meio das outras, e que se destacava entre
elas como um lustro de seda dentro de um montão de trapos de chita (QUEIROZ, 2010, p. 49).

No segundo capítulo, a narrativa ressalta que Vicente “[...] sempre fora assim, amigo do mato, do sertão, de tudo que era inculto e rude. Sempre o
conhecera querendo ser vaqueiro como um caboclo desambicioso, apesar do desgosto que com isso sentia a gente dele” (QUEIROZ, 2010, p. 21). No
mesmo capítulo, observa-se que a mãe do vaqueiro chora pelo “[...] filho tão bonito, tão forte, que não se envergonha da diferença que fazia do irmão
doutor e teimava em não querer ‘ser gente’ [...]” (QUEIROZ, 2010, p. 21-22). Por que Vicente fora considerado, por seu povo, alguém que, apesar de
exímio vaqueiro, não queria “ser gente”?

Segundo Leite (1999), “[...] historicamente, os sertanejos sempre foram vistos como pessoas desprovidas de valores, de capacidade de
sistematização de seu trabalho ou capacidade de tarefas socialmente significativas.” (LEITE, 1999, apud BRAGA, 2004, p. 37). Em outras palavras,
como pessoas sem nenhum tipo de saber, conforme os padrões civilizatórios. Posteriormente, esse mesmo autor acrescenta que, no espaço rural, os
sertanejos são “discriminados política e culturalmente, ficando sempre relegados a planos inferiores” (LEITE, 1999, apud BRAGA, 2004, p. 38). Em
virtude disso, perpetua-se o preconceito e a segregação, diferenciando-os daqueles tidos como “urbanizados”.

Em contrapartida, Rachel de Queiroz evidencia que o embate não se restringe somente ao vaqueiro, mas também se desvenda no discurso de
Conceição, a voz supostamente mais consciente e sábia daquele universo:

E a moça comparou dona Inácia àquelas senhoras de alma azul, de que fala o Machado de Assis.

Foi então que se lembrou que, provavelmente, Vicente nunca lera o Machado...Nem nada do que ela lia.

Ele dizia sempre que, de livros, só o da nota do gado.

Num relevo mais forte, tão forte quanto nunca o sentira, foi-lhe aparecendo a diferença que havia entre ambos, de gosto, de tendências, de
vida.

O seu pensamento, que até há pouco se dirigia ao primo como um fim natural e feliz, esbarrou nessa encruzilhada e não soube ir adiante
(QUEIROZ, 2010, p. 84-85, grifo da autora).

Conceição, a quem Arrigucci Júnior (s/d) se refere como “leitora solitária”, caracteriza-se como uma moça “[...] acostumada a ‘pensar por si, a viver
isolada’, entregue às leituras e às ideias –até socialistas– condenando-se ao insulamento, ao optar pela independência e por um destino diferente das
moças do lugar.” (ARRIGUCCI JÚNIOR, s/d, p. 112), e depara-se com o drama da comunicação impossível entre ela e Vicente. Sobre esse conflito,
Magalhães (2003) afirma que

[...] a muralha que se vai erguendo entre ambos à medida que ela [Conceição] vai entendendo o que sente, vai dando forma de compreensão à
infinita miséria que a rodeia, e que é um drama sem situações dramáticas, sem que, sequer, Vicente seja o “proprietário mau” (pelo contrário),
por via do que o mesmo irremediável acaba por definir o plano dos sentimentos e o plano dos “acontecimentos”, mostrando a vida e a
natureza dominadas pela mesma inflexível lei (MAGALHÃES, 2003, p. 96).
Quando Magalhães (2003) menciona o “irremediável”, refere-se à diferença intelectual entre as personagens, uma delas (Vicente)marcada pela
ausência da cultura escolar, do saber e dos livros. Dada essa ruptura entre dois mundos antagônicos, tornar-se-ia impossível que se concretizasse
um relacionamento amoroso entre o casal, conforme se observa: “Pensou que, mesmo o encanto poderoso que a sadia fortaleza dele exercia nela,
não preencheria a tremenda largura que os separava” (QUEIROZ, 2010, p. 86).

É oportuno acrescentar, ainda, as palavras de Arrigucci Júnior (s/d) quanto ao distanciamento entre as personagens:

A relação amorosa entre eles dá a impressão de repetido desacerto, ainda que os gestos e as falas de aproximação se desenhem com
frequência. Do seu reduto, a moça julga o tempo todo o pretendente a namorado, afeito ao mato. Vicente, forte e tenaz no trabalho contra a
seca – oposto ao irmão, promotor no Cariri -, percebe a distância de Conceição e, espécie de herói telúrico que é, vai se retirando também,
simbolicamente envolto em uma nuvem de poeira que por fim o leva de vez para longe dela (ARRIGUCCI JÙNIOR, s/d, p. 114).

Logo, a leitura atenta d’O Quinze possibilita uma análise que instiga a reflexão do papel que a educação exerce nas escolhas e decisões da vida,
revelando-nos a contradição existente entre a suposta seda e a chita, metáfora adotada por Rachel de Queiroz, tendo em vista a influência do
conhecimento escolar proveniente de uma educação formal em contraste com a miséria da ausência do saber; sinalizam-se, assim, as restrições e
carências que o indivíduo do sertão experimenta ao entrar em contato com o “mundo letrado”, quando se evidencia a existência de dois mundos
intelectualmente opostos.

Considerações finais

O texto da escritora cearense Raquel de Queiroz, se observado pela janela pedagógica, interpreta a realidade sociocultural do povo brasileiro, mais
especificamente, dos sertanejos, os quais estão inseridos em um contexto histórico permeado por desigualdades, preconceitos e desinteresse
político por ações de valor educativo e cultural. A captação dessa realidade acontece pela análise do conflito vivenciado por Conceição e Vicente,
pois a mesma fronteira imaginária que distanciava as personagens na ficção ainda impera e separa os seres humanos em nosso país, principalmente
nas regiões onde a maior parte dos habitantes encontra-se na condição de analfabetos e, consequentemente, não tem ao acesso à cultura letrada.

Neste estudo, foi possível verificar até que ponto a ausência da cultura escolar projeta na comunidade uma desigualdade intelectual que fundamenta
o preconceito e a indiferença entre os pares. Vicente vivenciou essa dificuldade de relacionamento igualitário com Conceição e pôde sentir as
consequências da vida do campo, enquanto a normalista conseguia transgredir as aparências e tradições regionais, alcançando uma qualidade de
observação, interpretação e compreensão analítica do mundo que a cercava.

Ademais, a obra permite refletir sobre a influência que a experiência escolar exerce na vida dos indivíduos, comprometendo as decisões e as
escolhas da vida cotidiana; e, consequentemente, coloca-nos diante da necessidade de discutir essas questões, a fim de desconstruir paradigmas
sustentados e perpetuados ao longo dos anos. O estudo minucioso denuncia o descompromisso político para com a educação pública no espaço
sertanejo. Mesmo com a passagem de um século, as condições e investimentos ainda são escassos e para poucos.

Diante disso, impõe-se o repensar sobre a representação da escola no mundo moderno, especialmente no que se refere a uma postura pedagógica
que esteja associada não à fragmentação das relações, mas à construção de pontes que unem culturas e estabelecem diálogos.

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ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 1993.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.
18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

Uma

“Entre

CAPÍTULO 7 LITERATURA COMO FONTE PARA PESQUISA EDUCACIONAL

Gildênia Moura de Araújo Almeida

Introdução

O presente estudo apresenta a importância das fontes para realização de pesquisas acadêmicas. Em sua maioria, as pesquisas são de fontes
primárias ou secundárias. Informações oriundas de documentos, cartas, entrevistas, filmagens e fotografias. Contudo, pouco se tem relato de
pesquisa tendo como base a ficção literária.

Queremos demonstrar que uma obra literária também é uma fonte de pesquisa para compreendermos algumas práticas, no caso,
educativas/educacionais. Em nossa pesquisa, utilizamos obras literárias para demonstrar a vida diária escolar. Por exemplo, o dia a dia de uma sala
de aula: enquanto que um diário de classe nos informa a quantidade de alunos matriculados em uma série escolar, um livro literário, de memórias ou
não, pode nos relatar a convivência entre os alunos, a relação do processo ensino-aprendizagem, a atuação dos partícipes de uma instituição
educacional, com seus êxitos ou não.
Literatura

O termo provém do latim litteratura, que significa a “arte de escrever”, a partir da palavra latina litterae, temos “letras” e do gregogrammatikee,
“gramática”. Então, Literatura, em latim, significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com
as artes da gramática, da retórica e da poética, refere-se à arte ou ofício de escrever bem e de forma artística.

No que concerne ao conceito de arte literária, Hênio Tavares (1981, p. 33) considera: “A arte é, portanto, uma criação de uma realidade ou verdade,
que não é a simples realidade do mundo [...]. A arte é ficção, que pode ser verossímil e inverossímil.” Continua ainda o autor (Ibidem, p. 34): “Arte
literária é a ficção ou criação de uma supra-realidade pela intuição do artista, mediante a palavra expressivamente estilizada”. Logo, a literatura é
texto, é obra à espera de um leitor ou ouvinte.

De acordo com Tavares (1981), a literatura expressa vida, sonho, fantasia, conhecimento, valores entre outros, pois a sua função social é a de que o
leitor sinta prazer, conhecimento e magia ao ler um texto. Ela é prazerosa quando faz com que o leitor se sinta bem ao deleite na leitura. É
conhecimento a partir do momento que transmite manifestações de cultura e costumes de um povo; é magia porque há um mistério no texto literário
que leva o leitor a questionar se ela é verossímil ou inverossímil. Logo, a literatura está enraizada no ser humano como um meio de transformação do
próprio indivíduo, conforme sua realidade.

Podemos concluir que o conceito de Literatura, através dos tempos, apesar de todas as ideologias, está fundamentado no texto. A Literatura é o
texto, é a obra cuja realidade encontra-se na dependência de um leitor.

No Brasil, a literatura começou no próprio século do seu descobrimento, com os escritores portugueses residentes na colônia brasileira. A nossa
literatura era o reflexo e o prolongamento da literatura realizada em Portugal.

Historiadores e críticos literários do Brasil admitem que, antes do nosso país conquistar sua independência, houve uma literatura que a diferenciasse
de Portugal, com um espírito nacionalista. Para alguns estudiosos, houve uma literatura brasileira, mesmo feita por autores portugueses, que foram
os responsáveis por uma literatura de formação no Brasil (cartas, crônicas históricas, de missionários e viajantes), pois nessas estavam registrados
os hábitos de linguagem, de vocabulário, nos modos de escrever e de falar. Embora, para alguns críticos esses registros não sejam considerados
como literatura propriamente dita, eles são importantes como veículos de novos temas (a fauna, a flora e os nativos) para os escritores brasileiros.

A obra literária pode ser inverossímil e verossímil, por exemplo, um romance é uma ficção que pode conter fatos verdadeiros, deixando o
leitor/ouvinte na dúvida se a narrativa é verdadeira ou não. Ou seja, é um fato fictício, mas com dados e características tão reais que a história parece
ser verídica. Vejamos um exemplo: no romance Iracema de José de Alencar, há passagens históricas verídicas na narrativa. A personagem
homônima da lenda do Ceará ficou registrada na história do povo cearense causando dúvidas quanto sua (in)verossimilhança para alguns
leitores/ouvintes, pois há bairro, estátua, marca de produtos, pessoas com o nome da protagonista da obra, como uma homenagem à índia, como se
ela fosse uma personagem real e não fictícia. Ocorre assim, a vero(invero)ssimilhança: Iracema existiu mesmo ou não, a narrativa é lenda ou
realmente é a história da miscigenação cearense?

A literatura é uma arte que se prende a dois elementos primordiais: a mente e a palavra. A língua é meio de comunicação e veículo para que a arte
seja exteriorizada vinda do espírito humano. Sendo assim, a literatura é uma arte idiomática e psíquica, pois trabalha com o pensamento, as ideias e a
imaginação. Ela é considerada um veículo importante como meio de expressão e por isso recebe um tratamento especial para fazer parte desse
espaço propriamente literário. Os temas expressos são conhecidos, mas usados numa dimensão simbólica, pois é oferecida a ela uma nova
roupagem, a começar pela linguagem, construções verbais, conjunto de imagens, musicalidade, inversões etc., tudo isso são recursos que ajudam a
definir um texto literário, mais conotativo do que denotativo. Trabalhar um texto literário implica uma forma particular da linguagem que envolve
conhecimento, sensibilidade e emoção. A literatura não tem compromisso direto com o real, contudo ela pode retratar a realidade, as circunstâncias
da vida e do mundo através do imaginário do escritor (PINHEIRO, 2004, p. 6).

A obra literária é tão rica que nos dá registros de fatos reais, apresenta-nos um estudo da sociedade em várias épocas com seus costumes,
tradições, normas, culturas, valores humanos, éticos e religiosos, como também as práticas educativas. Segundo Maia (2004, p. 20), “podemos
concluir que a função da literatura é algo complexo que envolve muitos aspectos, possibilitando respostas de várias formas, cada qual satisfatória,
ou não, sob determinado ângulo”.

Literatura e educação

Uma pesquisa pode utilizar várias possibilidades de fontes, como também ter diferentes olhares para que possamos conhecer novos caminhos e
assim termos um melhor resultado do estudo. Neste viés, o pesquisador deve recorrer às obras literárias como fontes de pesquisa para compreender
a sociedade da época, e nelas são encontradas as mais ricas descrições de personagens e ambientes.

Em textos literários, o pesquisador encontra também informações para seus estudos em relação à sociedade da época, com sua cultura, costumes e
tradições. Segundo Xavier (2008, p. 11), em A Educação na Literatura do Século XIX:

Encontramos, nos textos literários do período, uma farta descrição de práticas, hábitos e costumes da sociedade e a tentativa de expressão,
direta e indireta, da cultura ou da mentalidade da época, tanto das elites econômicas e políticas como a do povo, segundo a elite culta que as
retrata ficcionalmente.

Temos uma fonte de pesquisa via literatura porque essa nos possibilita uma investigação da história através do mundo ficcional por causa da sua
verossimilhança. As obras literárias enriquecem o trabalho da pesquisa acadêmica quanto à história educacional, visto que as fontes documentais na
área de ensino são limitadas, pois são mais relacionadas às instituições formais. Na literatura, encontramos registros do cotidiano da educação
familiar e escolar, como também a cultura entre os diferentes grupos sociais. Os romances, crônicas, contos, autobiografias e memorialismos que
tratam de assuntos escolares e educacionais são considerados fontes de pesquisas para compreendermos a história da educação brasileira.
As instituições escolares aparecem nas obras literárias como uma forma institucionalizada na transmissão de conteúdos e esses conhecimentos, em
muitas das vezes, são trabalhados de forma autoritária, na qual os alunos devem obedecer às normas impostas pelo sistema educacional, medindo
apenas o saber e não o sentimento que eles possam ter.

As ações do dia a dia escolar são mais bem observadas em uma obra literária do que em um documento, tipo relatório ou diário escolar, pois nesses
as atitudes dos alunos e mestres não são postas. A fonte documental, na maioria das vezes, é arbitrária, sendo o registro formal, técnico, não dando
oportunidade de como seria o cotidiano de uma sala de aula. Na outra via, o registro literário nos informa como é o relacionamento entre os
partícipes da ação escolar: alunos, professores e gestão. Temos a ideia do dia a dia de uma sala de aula por causa da ação e relato dos personagens
e narrador. Enquanto um diário de classe nos informa a quantidade de alunos matriculados em uma série escolar, a obra literária nos relata a
convivência entre os alunos, a relação do processo ensino-aprendizagem, a atuação dos partícipes de uma instituição educacional.

Na Literatura também encontramos registros da História da Educação, a citar como exemplos: O Ateneu (Raul Pompéia), Balão Cativo (Pedro
Nava)15, A Normalista (Adolfo Caminha), As Três Marias (Raquel de Queiroz), O Caixeiro (Rodolfo Teófilo), Infância (Graciliano Ramos), Crônicas de
Educação (Cecília Meireles), Doidinho (José Lins do Rego), Liceu do Ceará (Gustavo Barroso), Os Bruzundangas (Lima Barreto) e outras obras
literárias. Nestas são encontradas descrição de costumes, hábitos e práticas educacionais.

Em uma pesquisa, não devemos ficar limitados aos documentos formais e desconfiar de alguns relatórios e inventários. Devemos ter uma atenção às
informações que estão numa narrativa de produção literária, pois a

Literatura pode ser tomada, tal como hoje se faz com a chamada história oral, a despeito de sua parcialidade ou subjetividade, como um
documento vivo de sua época. É a fala de um grupo determinado que busca, na ficção, reproduzir a fala daqueles com quem interage, na
recriação de um cotidiano partilhado socialmente, cujas contradições eclodem, no texto literário, na forma de “ambigüidades” do tipo denúncia
/ acomodação, feminismo / misoginia, nacionalismo / colonialismo, populismo / elitismo e outras (XAVIER, 2008, p. 27).

A visão educacional posta na obra literária não é uma visão individual, determinada pela trajetória de vida do autor, e sim aquela que expressa
socialmente um grupo que é elaborado e representado pelo ponto de vista de outros (Idem, p. 28).

Consideramos importante que o pesquisador tenha uma visão maior quando da história da educação, que ele não se limite a fontes primárias e
secundárias reais, mas também às fontes literárias. Nas primeiras, temos a concretização de documentos, esses originais ou estudos sobre, e nas
obras da Literatura temos a ação, o cotidiano, o ponto de vista dos outros em relação à visão educacional. Conforme dito, os romances, crônicas,
contos, autobiografias e memorialismos são também fontes para entendermos o cotidiano de algumas práticas educacionais. Assim, para sabermos
sobre o que se passou em certo período e local, poderemos recorrer ao gênero da narrativa de (auto)biografias e memórias de uma personalidade
para compreendermos todo um contexto social, histórico, político, econômico e cultural pelo qual passa o país em um dado momento.

Em obras literárias, poderemos observar como estava a educação brasileira desde os seus primórdios, passando pelas primeiras letras, adentrando
no ensino primário e secundário, nas instituições educacionais leigas e religiosas. Encontraremos o descaso com a educação, principalmente para
aqueles de menor poder aquisitivo, o poder público desinteressado pela instrução da classe menos favorecida, havendo uma supervalorização do
ensino superior, esse enlaçado ao sexo masculino como sendo ponte para que os filhos dos grandes fazendeiros entrassem para a política.

A Medicina, o Direito e a Engenharia não seriam cursos para que os filhos dos poderosos colocassem em prática seus conhecimentos de formatura e
sim um meio para ingressarem na vida política local, afinal, o filho era “doutor”, então merecia um cargo político, ou ser o prefeito da pequena cidade
e um futuro governante maior. Em obras literárias, observamos ainda uma cultura livresca, para o domínio do discurso, com maior destaque para as
áreas humanas. Há uma valorização da cultura erudita e o título acadêmico (o que ficou popularmente conhecido por “doutomania”), muito bem
registrada na obra Os Bruzundangas de Lima Barreto.

Outro exemplo de como a Literatura pode ser fonte de pesquisa, temos informações em duas obras literárias sobre o Colégio da Imaculada
Conceição16 que tinha duas vertentes de trabalho: a primeira como uma instituição filantrópica, na qual dava assistência às meninas pobres, órfãs e
abandonadas pela seca; a segunda como uma instituição particular, na qual as filhas dos senhores latifundiários eram encaminhadas para estudarem
em regime de internato.

Referente ao Colégio Imaculada Conceição como um local filantrópico temos a seguinte informação de Rodolfo Teófilo em sua obra A Fome (p.
151-152):

Vitorina seguiu chorando. A fome roia-a, e, sem esperança de socorro, pedia nas casas por que passava, não uma esmola, mas um lugar de
criada. Ninguém a quis e todos zombaram de sua pretensão. O sol já pendia muito para o poente quando chegou casualmente à portaria do
colégio de N. Sª. da Conceição. A porteira distribuía com os famintos os restos da mesa.

[...]

A órfã saiu sem destino. A sua vida era de vagabunda. Comia na portaria do colégio e dormia no adro da igreja. Algumas semanas viveu assim,
até que um dia a religiosa, conhecendo a infeliz história da órfã, interessou-se e empregou-a como criada em casa de uma família de sua
amizade17.

Vejamos As Três Marias, obra da cearense Rachel de Queiroz, livro de memórias da personagem Maria Augusta, carinhosamente chamada de Guta,
uma das “Três Marias”. A história tem início nos pátios e salas de aula do Colégio da Imaculada Conceição, escola em regime de internato e
administrada por freiras, na capital cearense. Nesta obra, temos informações do cotidiano escolar. Percebemos que a educação era muito rígida e
apesar de cederem vagas para as pessoas que não tinham recursos financeiros estudarem, essas eram discriminadas, tanto pelas irmãs de caridade
como também por outras alunas. A educação era de caráter confessional, preparavam as moças ricas para serem casadoiras, e as alunas pobres
para trabalharem nas casas de famílias ricas, pois a maioria dessas estudantes era de órfãs. Eis alguns trechos:
O colégio era grande como uma cidadela, todo fechado em muros altos. Por dentro, pátios quadrados, varandas brancas entre pitangueiras,
numa quietude mourisca de claustro.

De um lado vivíamos nós, as pensionistas, ruidosas, senhoras da casa, estudando com doutores de fora, tocando piano, vestindo uniforme de
seda e flanela branca.

Ao centro, era o “lado das irmãs”, grandes salas claras e mudas onde não entrávamos nunca. E além, rodeando outros pátios, abrigando
outras vidas antípodas, lá estavam as casas do orfanato, onde meninas silenciosas, vestidas de xadrez humilde, aprendiam a trabalhar, a
coser, a tecer as rendas dos enxovais de noiva que nós vestiríamos mais tarde, a bordar as camisinhas dos filhos que nós teríamos, porque
elas eram as pobres do mundo e aprendiam justamente a viver e a penar como pobres.

Uma proibição tradicional, baseada em não sei que remotas e complexas razões, nos separava delas. Só as víamos juntas na capela, alinhadas
nos seus bancos do outro lado do corredor, quietinhas e de vista baixa, porque as regras que lhes exigiam modéstia, humildade e silêncio
eram ainda mais severas do que as nossas.

E parece que vinham de todas as partes do mundo — pretinhas de cabeça redonda e olhar arisco, meninas brancas de cor doentia, criadas nos
casebres sujos e mal arejados das areias, caboclas do sertão com cara de chinas, umas pequeninas e espantadas, outras já mulheres feitas, de
cabelo escorrido e gestos compassados de freira (QUEIROZ,1973, p. 25-26).

Em mais uma obra literária temos informações sobre a educação das moças da época, vejamos alguns trechos de A Normalista, do escritor cearense
Adolfo Caminha (1997)18:

Desde a saída de Maria do colégio das Irmãs de Caridade tinha se operado uma mudança admirável nos hábitos de João da Mata. Ela já não era
para ele como uma filha; estava quase moça, incomparavelmente mais bonita e fornida de carnes. Já não era, que esperança! Aquela Maria do
Carmo da Imaculada Conceição, toda santidade, magrinha, com uma cor esbranquiçada e mórbida de cera velha, o olhar macilento, a falar
sempre no padre Reitor e na Superiora e na Irmã Filomena e noutras pieguices. Uma tontinha a Maria naquele tempo. Quando ia passar o
domingo em casa, uma vez no mês, metia-se para os fundos do quintal ou pelas camarinhas, muito calada, muito sonsa, a ler a Imitação; não
chegava à janela, não aparecia às visitas, doida por voltar ao colégio. [...] Também fora professor, olé! e sabia muito bem o que isso era — “um
coito de patifarias”. Queria a educação como nos colégios da Europa, segundo vira em certo pedagogista, onde as meninas desenvolvem-se
física e moralmente como a rapaziada de calças, com uma rapidez admirável, tornando-se por fim excelentes mães de família, perfeitas
donas-de-casa, sem a intervenção inquisitorial da Irmã de Caridade. Não compreendia (tacanhez de espírito embora) como pudesse instruir-se
na prática indispensável da vida social uma criatura educada a toques de sineta, no silêncio e na sensaboria de uma casa conventual, entre
paredes sombrias, com quadros alegóricos das almas do purgatório e das penas do inferno; com o mais lamentável desprezo de todas as
prescrições higiênicas, sem ar nem luz, rezando noite e dia — ora pro nobis, ora pro nobis... Era da opinião do José Pereira da Província: Irmãs
de Caridade foram feitas para hospitais. O diabo é que no Ceará não havia colégios sérios. A instrução pública estava reduzida a meia dúzia de
conventilhos: uma calamidade pior que a seca. O menino ou menina saía da escola sabendo menos que dantes e mais instruído em hábitos
vergonhosos. As melhores famílias sacudiam as filhas na Imaculada Conceição como único recurso para não vê-las completamente ignorantes
e pervertidas. Afinal, para não contrariar o Mendonça que queria a filha para santa, metera Maria do Carmo no “convento” (p.17-18).

[...]

Havia meses que Maria do Carmo cursava a Escola Normal. Sua vida traduzia-se em ler romances que pedia emprestados a Lídia, toda
preocupada com bailes, passeios, modas e tuttiquanti... Ia à Escola todos os dias vestidinha com simplicidade, muito limpa, mangas curtas
evidenciando o meio-braço moreno e roliço, em cabelo, o guarda-sol de seda na mão, por ali

afora — toque, toque, toque — até à praça do Patrocínio, como uma grande senhora independente (p.18).

[...]

A fama da normalista encheu depressa toda a capital. Não se compreendia como uma simples retirante saída há pouco das Irmãs de Caridade
fosse tão bem-feita de corpo, tão desenvolta e insinuante. As outras normalistas tinham-lhe inveja e faziam-lhe pirraças. Nas reuniões do Club
Iracema era ela a preferida dos rapazes, todos a procuravam (Idem).

Adolfo Caminha representa como as alunas eram tratadas nessas duas instituições educacionais tanto pela comunidade escolar como pela
sociedade civil: as alunas do Colégio da Imaculada Conceição eram respeitadas, enquanto que as alunas da Escola Normal eram tidas como moças
de não bons costumes, e não era recomendável para uma filha da elite estudar nessa instituição, sendo mais viável uma moça estudar,
principalmente como interna, em um colégio de freiras, lá elas seriam realmente bem educadas e aptas para um bom casamento.

Percebemos que educação e literatura se entrelaçam. Essa se fortalece com aquela. Sendo assim, as obras literárias dão suporte às pesquisas como
fontes, tanto referente à Educação como em outros estudos, tais como Sociologia, História, Psicologia e outras áreas, porque na ficção encontramos
marcas reais.

Conclusão

Vimos com o estudo de uma obra literária temos mais do que um enredo ficcional. Existe a possibilidade de um estudo de época: ambiente, contexto
social, familiar, religioso, econômico, político e intelectual no qual ela, a personagem principal, está inserida e da narrativa obter informações reais.

A Literatura pode ser uma rica fonte de pesquisa documental, principalmente para compreender as práticas educativas. Por meio da ficção se tem as
ações do cotidiano do espaço escolar.

É importante realizar pesquisas em várias fontes primárias e secundárias, contudo não deixando a possibilidade que através de algumas obras
literárias compreende-se a sociedade com seus costumes e normas. Pois a Literatura nos dá subsídios para adentrar cidades, salões, eventos,
grêmios literários, instituições religiosas e educacionais de uma época.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Gildênia Moura de Araújo. A fome: um romance do naturalismo? Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007, 107f.

_______. Mulheres beletristas e educadoras: Francisca Clotilde na sociedade cearense – de 1862 a 1935. Tese (Doutorado). Fortaleza: Universidade
Federal do Ceará (UFC), 2012, 356f.

CAMINHA, Adolfo. A normalista. 11. ed. Série bom livro. São Paulo: Editora Ática, 1997. 159p.

MAIA, Everton Alencar, PEREIRA, Antônio Nunes e PINHEIRO, Maria do Socorro. A essência teórica da literatura em língua portuguesa. Fortaleza:
Edições Demócrito Rocha, 2004.

QUEIROZ, Rachel de. As três Marias. 7. ed. Coleção literatura brasileira contemporânea. n. 6. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; Editora
Civilização Brasileira; Editora Três, 1973. 199p.

TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria literária. 7ª ed., Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1981.

TEÓFILO, Rodolfo. A fome/violação. [organização, atualização e notas Otacílio Colares]. Coleção Dolor Barreira, n.2. Rio de Janeiro: J. Olympio;
Fortaleza: Academia Cearense de Letras, 1979. 256p.

XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. A educação na literatura do século XIX. Campinas, SP: Editora Alínea, 2008. 243p.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.
15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.
Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPITULO 8 A SIGNIFICAÇÃO PEDAGÓGICA DAS CANÇÕES DA ESCOLA DE JUVENAL GALENO NO PROJETO


EDUCACIONAL ROMÂNTICO BRASILEIRO

J. B. Andrade Filho

Rui Martinho Rodrigues

Pensar a “modernidade”, no século XIX, conduziria a uma nova ordenação da sociedade, fazendo-se necessárias novas formas de sociabilidade e,
portanto, de educação, especificamente a partir de novos projetos de escola, dado que novas ideias surgiam e vinham permeadas dos conceitos de
liberdade, de democracia, de autonomia, gestadas nas filosofias do Esclarecimento, tanto aquelas com matrizes no iluminismo francês e kantiano,
bem como daquelas enraizadas no movimento Sturm und Drang, que exerceram profunda influência no movimento romântico europeu,
especificamente alemão, conforme aludido acima. Segundo Cambi (1999, p. 415), “o Romantismo foi um evento realmente europeu e influenciou em
profundidade cada âmbito da cultura: até da pedagogia.”

No âmbito da pedagogia, o período romântico produziu uma profunda renovação teórica – sobretudo retórica – que ativou, por um lado, uma
nova ideia de formação (como Bildung, como desenvolvimento espiritual através da cultura) ligada a uma nova concepção do espírito humano
(posto como centro do mundo, como presença ativa, através de múltiplos itinerários da cultura e em luta contra aquele mundo natural e
histórico em que está imerso e que deve tender a dominar), mas também da cultura e da história (vistas não como entremeadas de erros, mas
valorizadas em todos os seus aspectos); por outro, uma reafirmação da educação, da relação educativa, da escola e da família como
momentos centrais de toda formação humana e que devem ser assumidos em toda a sua – complexa – problematicidade formativa, relativa –
justamente – a uma formação do espírito. Todas as grandes pedagogias do romantismo, especialmente alemão, se dispõem sobre essas duas
frentes, entrelaçam esses dois motivos, seja com o grande mestre da pedagogia romântica Pestalozzi – que revive em primeira pessoa o drama
da educação (os projetos, as dificuldades, as derrotas), reativa uma noção espiritual de educação (animada pelo amor), mas também se engaja
nas problemáticas sociais e políticas da própria educação, construindo um modelo complexo e problemático, inquieto e agudíssimo de
pedagogia -, seja com o Sturm und Drang de Schiller e o neo-humanismo de Goethe e de von Humboldt, seja com Hegel, com Richter ou com
Fröbel (figuras magistrais que animam a vanguarda da pedagogia alemã entrelaçando-se e opondo-se, mas fazendo assim nascer um novo
modelo de pedagogia impregnada dos postulados da filosofia romântica) e até com o anti-idealista Herbart, nutrido de espírito kantiano e
atento intérprete das dinâmicas espirituais da educação.” (Idem, Ibid., p. 415-416).

No presente artigo, que é um pequeno recorte de minha proposta de tese de doutoramento, utilizaremos a descrição do contexto brevemente descrito
acima para compreendermos que o Romantismo foi um forte movimento europeu que influenciou no âmbito da política, da literatura, da filosofia, da
religião porque portava um propósito educacional/pedagógico. Segundo Cambi (Idem, p. 414), representou uma “revolução cultural” das vozes mais
heréticas do iluminismo como Rousseau, Herder, Jacobi, Saint Pierre, Madame de Stael, Goethe, Buffon, Alexander von Humboldt, dentre outros.

Este movimento foi encampado por intelectuais brasileiros, tais como Domingos José Gonçalves de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem e
Araújo Porto Alegre, entre os anos trinta e oitenta do século XIX, que, embebidos desses ideais pelo Espiritualismo Eclético de Victor Cousin,
estiveram incumbidos da tarefa de forjar a nação através da definição da brasilidade, influenciando, consequentemente, outros intelectuais e a
cultura, de uma maneira geral, identificando-se, estes intelectuais, desta forma, com o que o Candido apud Schwarcz (1993) chamou de “escritor de
missão”.

O ponto de partida de nossa análise foi a obra do poeta e folclorista Juvenal Galeno, em que pudemos vislumbrar uma certa expressividade
educacional que nos conduziu ao contexto mais amplo conforme exposto acima.

Evidencia-se que a obra e as ações do referido poeta cearense são reflexos do conjunto da obra romântica brasileira, coadunam com o mesmo
propósito nacional traçado por Gonçalves de Magalhães, a partir de seu espiritualismo eclético, propósito que porta um cunho oficial, aliás, ao qual
estão ligadas certas ações de construção e educação da pátria, como a definição do programa oficial escolar médio imperial, desde o Colégio Pedro
II até os liceus estaduais. Conforme Paim (1985, p. 48), “o ciclo de apogeu da Escola Eclética abrange as décadas de cinquenta a oitenta.
Corresponde então à filosofia oficial, tornada obrigatória no Pedro II e nos liceus estaduais. Desfruta de incontestável prestígio no seio da
intelectualidade e da elite política.”

No conjunto da obra de Juvenal Galeno há um pequeno livro de canções escolares, intitulado Canções da Escola, publicado em 1871, adotado pelo
“Conselho de Instrução Pública do Ceará para uso nas aulas primárias”. Tal adoção deu-se através de publicação em Diário Oficial.

Conforme prefácio da obra, o autor demonstra preocupação com o ensino de preceitos moralizantes, bem como com o bem-estar da criança,
defendendo, dentre outras coisas, a abolição da palmatória. De acordo com Cambi (Idem, p. 386), no século XIX a criança entra no rol dos “novos
sujeitos educativos” e, pelo visto, a obra de Juvenal Galeno, em pleno período imperial, já despontava pioneira nesse sentido, possivelmente
expressando os preceitos de Pestalozzi e Fröbel, educadores românticos.

Isso contradiz o que Flavio Couto e Silva de Oliveira defende em artigo intitulado “A infância na pauta da República: moralidade civismo e eugenia
nas canções escolares em Minas Gerais na primeira metade do século XX”, que a publicação de um “cancioneiro escolar contendo a letra e a música
dos hinos e cânticos patrióticos aprovados pelo Conselho Superior de Ensino para serem distribuídos a todas as escolas primárias do Estado”, em
1924, pelo governo de Minas Gerais, seja um documento inédito na história da educação brasileira. A obra do poeta cearense se antecipa a esta em
53 anos. Leva-nos à evidência de que o problema já havia sido colocado e, pretensamente, fazia parte desse ideal educacional romântico.

Na presente proposta, procuramos imprimir um procedimento bibliográfico e documental. Nossa investigação se concentrou na leitura e análise
compreensiva da bibliografia do próprio poeta, bem como aquela elaborada por autores que já contribuíram com a discussão do objeto pretendido ao
longo do tempo. As obras de autores como Cambi (1999), Paim (1985), Berlin (1999; 2005), Schwarcz (1993), dentre outros, vêm dando suporte teórico
à nossa discussão.

À composição dessa compreensão foi imprescindível lançar mão de alguma fonte primária. Por fontes primárias, vamos admitir correspondências,
memórias, documentos oficiais, excertos de jornais e periódicos. Tais documentos foram reavaliados para extração dos elementos representativos
que contribuíssem para a reconstrução do objeto pretendido nesta empreitada. Compreendemos que, de acordo com Cavalcante (2003, p. 17):

[...] Reconstruir o passado parece ser, cada vez mais, uma tarefa que requer a colaboração de vários pesquisadores, áreas e olhares diversos,
sem alimentar, contudo, a expectativa de que, justapostas tais contribuições, se possa reconstituir ilusórias totalidades. Tem sido preciso
saber apreciar um sem número de estudos de recorte temático, espacial e temporal variado, que valem ou não em si mesmos e, quando muito
adquirem o valor de serem usados como instigantes fragmentos de um vitral, feito em arte mosaica. Aceitos dessa forma, eles poderão compor
conjuntos de grande qualidade elucidativa, contudo, sem garantia alguma de ter correspondência com realidades que se queira inteiras.

Assim, não se pode deixar de mencionar o uso de uma ferramenta muito útil para o desdobramento de algumas questões, como é a internet que
poderá colocar à disposição suportes informacionais que possivelmente não estejam mais acessíveis na forma impressa, como é o caso das obras
“A Alma e o Cérebro: Estudo de Psichologia e Phisiologia”, “Faits de l’Esprit Humain”, “Comentários e Pensamentos” de Domingos José Gonçalves
de Magalhães.

II
Há, na obra de Juvenal Galeno, certas singularidades que precisam ser esclarecidas, dado que estas o aproximam de certas teorias do filósofo
Herder e de educadores como Pestalozzi e Froëbel. Tal tarefa exorbita o intento deste artigo, mas, é fundamental, em trabalhos posteriores,
procurarmos saber como se deu essa aproximação, a apreensão dessas teorias. Porém, para situarmos bem o tema que nos propomos abordar, é
necessário que façamos uma incursão sobre os autores supracitados.

Segundo Aguiar (2011), a intenção de Juvenal Galeno em conhecer o povo e com ele se identificar não seria mera coincidência. O poeta, embebido do
pensamento herderiano “[...], saiu pelas terras cearenses em busca de captar a cultura popular, suas lendas, mitos, cantos, cantigas, profecias,
acompanhando o cotidiano do homem comum no lar, no trabalho...”. Estaria de acordo com a concepção de história de Herder, que “implicava uma
ruptura com o pressuposto de que o pensamento e o comportamento humanos podem interpretar-se como sendo conformes a um padrão uniforme,
ao longo de períodos históricos diferentes.” Portanto, o referido filósofo expressava um total rompimento com a noção kantiana de uma história
universal, homogeneizadora.

Recomendava Herder que é tarefa do historiador captar e entender o espírito do povo, mostrando a diversidade das manifestações humanas. A
história teria em Herder um caráter educacional por si, dado que é “essencial para o esclarecimento dos homens. Portanto, a história tem que
expressar o particular e o singular de cada povo e de cada período”. Parece-nos que Juvenal Galeno compreendeu essas lições, mas como se
apropriou ainda é caminho de difícil acesso.

Da mesma forma chamou-nos a atenção o fato de, entre as obras de Juvenal Galeno, constar o “Canções da Escola”, dedicado a crianças da
educação primária no Ceará de 1871 que, conforme visto, teve acolhida e repercussão no meio educacional oficial local.

Segundo Cambi (1999, p. 387), no século XIX é que “a criança tornou-se o sujeito educativo por excelência, reclamando uma articulação das
instituições educativas, reclamando o “jardim-de-infância” ao lado da escola, porque é justamente na idade pré-escolar que se desenvolve o germe
da personalidade humana.”

... grande mito, porém, dominou a educação contemporânea: o da infância, ligado à espontaneidade/naturalidade da infância e à sua posição
como um dos modelos daquele homem novo, mais livre e mais genuíno, não repressivo e não autoritário, que é o projeto a que visa a educação
nas sociedades atuais, democráticas e libertárias. O menino é o modelo deste homem livre e liberado, subtraído às manipulações da
sociedade, restituído às suas verdadeiras necessidades e assumido em toda a gama das suas potencialidades [...]. Este mito da infância foi
muito forte, constante e articulado, até mesmo invasivo, no âmbito da contemporaneidade Nascido no século XVIII em
concomitância/alternativa ao mito do “bom selvagem”, dilatou-se com Rousseau e o seu naturalismo educativo, com seu puericentrismo
pedagógico, tornando-se mito cultural com o romantismo e o seu apelo à experiência originária (sentimental e pré-social) e daí ramificando-se
para a arte e a literatura, chegando até o cinema, atingindo a poesia e o romance.... (Idem, Ibid., p. 392).

Desta forma, depreende-se que a construção do mito da infância faz parte do propósito educacional romântico, considerando que este tem raízes na
tese rousseauniana da perfectibilidade, ou seja, aposta-se na ideia de que o ser humano possa alcançar padrões de desenvolvimento e contribuir
para o engrandecimento da nação.

O ideal romântico, portanto, é pedagógico porque procura infundir padrões comportamentais; desta forma, poderemos dizer que também é
ideológico. Não à toa, de acordo com Cambi (Idem, p. 382), “toda a pedagogia, por um lado, e a educação, por outro, na época contemporânea, são
caracterizadas por essa forte simbiose com a ideologia.”

Essa ideologização da pedagogia é notada em todas as grandes correntes e fases da pedagogia oitocentista: desde aquela mais propriamente
romântica na Alemanha até aquela da Restauração europeia, desde a positivista até aquela ligada ao socialismo. Já em Pestalozzi podemos
colher o vínculo estreitíssimo entre pedagogia e sociedade através da disciplina e do trabalho, mas também a formação do homem vista como
exercício da liberdade e da participação na vida coletiva, econômica e social. É na liberdade que Pestalozzi (como depois Fichte e Fröbel)
indica a função sociopolítica e portanto ideológica da educação: a ação que deve emancipar integrando, tornando o sujeito partícipe e
responsável na nova sociedade a caminho, industrial e liberal (Idem. Ibid. p. 409).

Na obra de Juvenal Galeno, constata-se a existência desse mesmo propósito. No Romantismo, sob influência do filósofo Herder, a poesia tem papel
prático educador dado que (BERLIN, 1982) o referido filósofo compreendia que o poeta expressava o pensamento e a experiência de sua sociedade,
sendo seu verdadeiro porta-voz.

A poesia e as canções de Juvenal Galeno refletem e vão na mesma direção do que se compreende qual seja o papel da poesia romântica de forma
mais geral, notadamente como a compreendia Gonçalves de Magalhães, inspirado provavelmente por Herder, naquilo que Barros (1973) chamou de
missão educadora do poeta, dado que, segundo o autor de Suspiros Poéticos e Saudades

...a Poesia, louvando as ações dos Grandes Homens, dos Patriotas, e dos Beneméritos, tem por fim inspirar o amor à virtude, e horror ao vício.
Assim a Poesia é uma parte da Filosofia moral, ou para melhor dizer, a Poesia e a Filosofia é uma e mesma coisa, considerada por dois pontos
de vista diferentes. Portanto a leitura dos Poetas é sempre útil, e muito concorre para a moral e ilustração dos Povos (MAGALHÃES apud
BARROS, 1973 p. 13)

Assim é que, na obra Canções da Escola, vamos nos deparar com Juvenal Galeno ofertando poesia em forma de canções, como recurso didático na
formação de crianças, incutindo-lhes preceitos morais, pátrios, cívicos e religiosos. Como o próprio autor orientou no pequeno prefácio do livro

Impressos os versos em cadernetas, ou tabuletas, serão cantados em qualquer dia sem que estejam decorados e, insensivelmente, os alunos
gravá-los-ão na memória em pouco tempo.

A utilização da canção na escola é demais evidente para precisar de uma demonstração. Além de desenfadar o menino, alegrando-lhe o
espírito, e de predispô-lo, portanto, para continuar o trabalho, ensina-lhes úteis preceitos, e serve-lhes de estímulo, prêmio e castigo, acabando
por uma vez com a palmatória, esse brutal recurso da inépcia do magistério.
É sem dúvida condição essencial do progresso no ensino que a criança ame o mestre e a escola, e deleite encontre na lida que lhe cabe na
idade dos brinquedos e sorrisos; que veja no seu mestre um amigo carinhoso, e não o desapiedado algoz; n’aula, a casa do contentamento, e
não a do martírio; e na convivência dos livros sinta entusiasmo e gosto, e não o tédio e o sono. Conseguido isto, nada mais falta conseguir.

E qual o meio mais eficaz do que a canção, a harmonia, esse doce poder que tudo vence na Terra?

Que emprega-lo saiba o professor, e assim verei efetivamente realizados os fins que tive em vista escrevendo estas cantigas. (GALENO, 2010,
p. 69-70)

Vejamos que tal postura caracteriza Juvenal Galeno como um intelectual educador engajado, comprometido e, a considerar os ideais românticos e
seus autores como expostos nos parágrafos mais acima, extremamente atualizados com a causa romântica.

Portanto, o Canções da Escola está constituído por doze canções, no início das quais o autor faz a devida orientação a que se destina. Não
reproduziremos aqui as canções, mas transcreveremos os títulos e as devidas orientações do autor, conforme lista abaixo:

I ■ Entrada – Para todos os dias no começo d’aula e abertura d’esta em janeiro.

II – Retirada – Para o fim do trabalho diário, e do ano escolar.

III – Laudatória – Para cantar-se em louvor do aluno premiado nos concursos semanais.

IV – Amor do Próximo – Para cantar-se quando o aluno maltratar ao colega ou a outrem.

V – A Independência – Para o dia 7 de Setembro, ou o da Independência da Província.

VI – Hino Nacional

VII – Amor de Deus

VIII – Faltas Graves – Para ser cantada quando grave falta cometer o aluno, devendo este ouvi-la em lugar especial.

IX – Nos Passeios – Para ser cantada nos passeios campestres, recomendados pelo regulamento.

X – Eucaristia – Para os alunos cantarem à missa, na ocasião própria.

XI – Salve – Ao Diretor ou ao Inspetor de Instrução, quando este visitar a escola.

XII – Recordação – Para os sábados, quando os alunos recordarem as lições da semana. (Os decuriões cantarão uma letra desta canção e os demais
alunos responderão em coro, recordando, na toada do costume, uma parte do silabário, da tabuada ou do catecismo; depois, outra letra, e resposta
igual, e assim até o fim. Deste modo torna-se a recordação variada e alegre, e seu prazer substituirá, sem dúvida, o terror que muitas vezes no
sábado afugenta o menino da aula).

Pelo visto, o poeta Juvenal Galeno estava embebido da orientação romântica e muito contribuiu, em âmbito local, para o desenvolvimento desse
ideal.

III

Desta forma, procuramos compreender, na presente proposta de trabalho, Juvenal Galeno, o poeta, o literato e dramaturgo também pelo viés do
pedagogo, tendo como ponto de partida sua obra Canções da Escola que, em 1871 fora “adotada pelo Conselho da Instrução Pública do Ceará para
uso nas aulas primárias”. Qual o alcance de sua proposta pedagógica no Estado do Ceará ainda não se sabe.

Conforme visto, pelo abraçar da causa romântica, o poeta não fora propriamente um apóstolo da mentalidade iluminista. Suas ações mostram que ele
abraçou a causa de um romantismo de acordo com os preceitos da teoria herderiana. Há indícios disso em suas poesias e suas ações voltadas para
as questões populares, as quais expressam diversas outras orientações do Espiritualismo Eclético defendido por Gonçalves de Magalhães, cujas
ideias corroboraram para a formatação do Romantismo brasileiro, tendo influenciado diversos intelectuais. Como se deu essa aproximação? Como
essas ideias chegaram até Juvenal Galeno? São questões ainda sedentas de respostas.

Portanto, pudemos compreender que houve um movimento romântico com determinadas propostas educacionais, onde a literatura, notadamente a
poesia, e a história tiveram papel formador, do qual compartilhou Juvenal Galeno. Significativo para isto é o fato de que Juvenal Galeno fora amigo
do poeta Gonçalves Dias, outro ícone da escola literária romântica brasileira, que esteve a serviço do Império por duas vezes nas províncias do
Norte: na primeira, na década de 50, encarregado de visitar algumas das províncias do nordeste brasileiro sobre o estado da instrução pública; na
segunda, na década de 60, desenvolvendo serviços na Comissão Científica de Exploração.

Se há aspectos pedagógicos na obra de Juvenal Galeno, note-se bem, inclusive relacionados à educação da criança, qual a verdadeira
intencionalidade disso? A presente proposta visou apontar alguns aspectos pedagógicos na obra de Juvenal Galeno, a partir da obra Canções da
Escola, procurando entender, a partir daí, se houve um movimento pedagógico do qual participou. Acreditamos que, para chegarmos a tal propósito,
será necessário também compreendermos o arcabouço teórico filosófico que deu vida à sua obra poética e seu engajamento social, político e
pedagógico.

REFERÊNCIAS

BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Significação Educativa do Romantismo Brasileiro: Gonçalves de Magalhães. São Paulo: Grijalbo, Ed. Da
Universidade de São Paulo: 1973.
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_______. O sentido de realidade: estudos das ideias e de suas histórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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_______. Lendas e canções populares. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1965

HERDER, Johann Gottfried. Também uma Filosofia da História para a Formação da Humanidade. Lisboa: Antígona, 1995.

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OLINDA, Ercília Maria Braga de. Tinta, papel e palmatória: a escola no Ceará do Século XIX – Fortaleza: Museu do Ceará/ Secretaria da Cultura do
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metade do século XX. Disponível em: <http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Individ/Eixo4/118.pdf>.

PAIM, Antonio. O Estudo do Pensamento Filosófico Brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Convívio, 1985.

SCHWARCZ, Lília Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras,
1993.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.

CAPÍTULO 9 SOBRE EXPLICAR E DESEJAR: LITERATURA CONTEMPORÂNEA E ENSINO

Maicon Araújo dos Santos

A leitura do texto literário proporciona um aprendizado autofágico, aquele que acontece em seu próprio consumir-se. Todo saber possível está na
leitura, ou melhor, no jogo de linguagem que o texto artístico oferece. Não há nada além disso. As ideologias, os grandes ensinamentos, a revelação
do eu, a consciência social ou de nacionalidade, tudo isso desmorona na fragilidade da palavra, no perigo do deslizamento dos significados sob os
significantes, na incapacidade do signo de dizer o mundo em sua multiplicidade intempestiva. Contudo persiste uma fala, a da poesia, que existe,
insiste, cria outra língua, fala em outra voz, que é a nossa na condição de nos ser estrangeira. Podemos ouvir?

Ouvir a voz da poesia é o primeiro trabalho de todo aquele que pretende ensinar alguma coisa a partir da literatura. Porque a literatura nada ensina.
Ela é pura relação de desejo, que se estabelece na dimensão do erótico, da “luta corporal” entre o desejo do leitor e o desejo da carne das palavras.
Por isso Susan Sontag propõe que se substitua a hermenêutica da arte por uma “erótica da arte”19. Na dimensão do erótico, não há saber, não há
ensinamentos fundados em conceitos estabelecidos, sentidos instauradores de uma significação instrutiva ou orientadora; há um sacrifício do
sentido à vontade, do significado ao significante desejante, do saber ao não saber.

Nesse limite, as coisas perdem sua representatividade - a significação determinante de seu sentido no mundo -, esvaziando-se do conteúdo imposto
e abrindo-se a um outro regime, o regime da arte, da invenção, da adivinhação, do jogo. É o aprendizado possível que a lição da poesia oferece ao
despertar a vontade de aprender não um saber determinado, mas um fazer inventivo e criador de possibilidades.

A literatura contemporânea potencializa isso. As narrativas metaescriturais, a poesia do fragmento, a lição da ignorância das coisas formam um
espaço em circularidade em que as vontades do leitor dinamizam a linguagem opaca, incompleta, deslizante das narrativas, dos dramas e da poesia
dos tempos correntes. É uma escrita desmedida que é potencialmente aberta a ressignificações, às perversões do sentido, à metamorfose da forma,
enfim, à recriação.

Lidar com esse domínio de coisas a partir dessa concepção em que se fragiliza a relevância da compreensão enquanto fundamento e propósito do
processo de aprendizagem é um deslocamento perigoso e geralmente preterido pelos agentes de educação. Talvez isso explique por que a literatura
contemporânea é normalmente minorizada na prática de ensino de literatura na educação básica e mesmo no nível superior nos cursos de Letras. É
que o contemporâneo nos coloca no lugar do fora, no entrelugar da espreita, retira-nos do conforto e da segurança do significado existencial ou
moral determinado e determinante que se quer extrair sempre do texto literário a fim de que este tenha uma mensagem de caráter pedagógico ou
instrutivo, ensine uma lição, enfim, tenha uma finalidade prática. Retirando-nos daí somos lançados no fluxo da circularidade de signos que provoca
a abertura das estruturas, o abalo das hierarquias, linhas em que vibra a potência de criação de que toda arte e todo sujeito é capaz. Método perigoso
como toda aventura, em que a imaginação criadora e a vontade de fazer são os únicos mestres a ensinar.

A partir disso, é possível pensar o papel do professor como agente promotor de um aprendizado nesses termos de imprecisão e errância. Nisso se
concentra a grande lição proposta pelo mestre ignorante de Jacques Rancière - o mestre que só sabe ensinar a desejar saber. Porque é um ensinar
que parte da ignorância do que é ensinado, em que se opera um esvaziamento de todo conteúdo da lição pretensamente formadora ou instrutiva. O
mestre não sabe, e não sabendo, só pode motivar, impelir, instigar, provocar: signos do processo ensino-aprendizagem e também da potência do
desejar. O professor deixa de professar e apenas enuncia uma fala desejante, a fala criativa do querer fazer: ele é apenas um signo na cadeia de
signos circulantes - a que se chama educação -, na condição de provocador de vontades.

No entanto, ele nada lhes havia comunicado de sua ciência. Não era, portanto, a ciência do Mestre que os alunos aprendiam. Ele havia sido
mestre por força da ordem que mergulhara os alunos no círculo de onde eles podiam sair sozinhos, quando retirava sua inteligência para
deixar as deles entregues àquela do livro. Assim se haviam dissociado as duas funções que a prática do mestre explicador vai religar, a do
sábio e a do mestre. Assim se haviam igualmente separado, liberadas uma da outra, as duas faculdades que estão em jogo no ato de aprender:
a inteligência e a vontade. Entre o mestre e o aluno se estabelecera uma relação de vontade a vontade: relação de dominação do mestre, que
tivera por consequência uma relação inteiramente livre da inteligência do aluno com aquela do livro – inteligência do livro que era, também, a
coisa comum, o laço intelectual igualitário entre o mestre e o aluno (RANCIÈRE, 2015, p. 31).

Partindo da experiência de Joseph Jacotot que, em 1818, ensinou francês a alunos flamengos sem lhes dar uma só lição - o que provocou um abalo
na confiança na autoridade do conhecimento e na de quem o professa, pilares do pensamento iluminista em voga então - o pensador francês
Jacques Rancière reflete sobre o processo de ensinar e aprender na perspectiva de este só se efetivar na promoção de uma emancipação intelectual.
O texto de O mestre ignorante (2015) se inicia com a designação de que o que Jacotot experienciou foi uma “aventura intelectual”: “No ano de 1818,
Joseph Jacotot, leitor de literatura francesa na Universidade de Louvrain, viveu uma aventura intelectual” (RANCIÈRE, 2015, p. 17).

Jacotot era menos professor do que leitor - ou melhor, só poderia ser aquele na condição de ser este -, embora lecionasse Retórica, Análise,
Ideologia e Língua Antigas, Matemáticas Puras e Transcendentes e Direito em Dijon desde 1789. Autorizado pelo saber acumulado e ensinado, era, no
entanto, a leitura que o colocava em uma situação de ampliação de possibilidades nas ações e questões relativas à intelectualidade e à
aprendizagem. É da substância da aventura o princípio ativo da procura do desconhecido (aprender), sendo preciso tomar parte no jogo do
maravilhoso, de ser também criador de realidades. Uma aventura intelectual, assim, desloca a inteligência para a dimensão da criação, do procurar
algo que estabeleça uma verdade, no entanto sempre questionável, sempre aberta à (re)invenção de si mesma.

Esse procurar criativo só é possível na dimensão da vontade. É esta que impele os alunos a buscar “sair sozinhos” dos problemas e das questões
em que se veem envolvidos constantemente no processo de aprendizagem. Aproxima-se da “alegria” de que fala Paulo Freire em sua Pedagogia da
autonomia (2003) como condição da eficácia da relação entre professor e aluno no processo pedagógico. É uma relação de “vontade a vontade” em
que se desautoriza a autoridade de um saber que hierarquiza a interação, fazendo-se esta na dinâmica das igualdades de inteligências e de desejos
de alunos e professores. Nas palavras de Freire: “Não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os
conotam, não se reduzem a condição, de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2003,
p. 23).

Há uma desvinculação necessária entre o sábio e o mestre, ou entre a inteligência e a vontade, ou ainda entre a explicação e a provocação. Essa
fissura fundamental é também fundadora de uma nova percepção da realidade e de uma nova compreensão do mundo e dos processos em que esse
se faz; novidade que, em termos de prática pedagógica, tem seu fundamento na destituição da ordem explicadora. Esta impõe uma lógica da
explicação que acontece em um movimento de “regressão ao infinito”: a multiplicação das razões dos fatos e dos acontecimentos do mundo que não
cessam de se explicar entram em uma dinâmica autoclítica dos porquês intermináveis. Nesse interim, não há espaço para o pensar livre, autônomo e
criativo; a explicação impede todo desejo, toda poesia da pedagogia. Eis a grande revelação que deslocou Jacotot e toda uma tradição de ensino: era
preciso inverter a lógica do sistema explicador.

A explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de compreender. É, ao contrário, essa incapacidade, a ficção estruturante da
concepção explicadora de mundo. É o explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal.
Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só (RANCIÈRE, 2015, p. 23).

O gesto natural do aprender pela imitação, pela repetição, pela reinvenção do modelo, é impedido pelo encobrimento: não se pode mais entender as
coisas da vida sem compreendê-las por intermédio da explicação. Compreender sufoca o poder da criação do aprendiz e estabelece a força
determinante da incapacidade deste de aprender autonomamente. Daí justificar-se que, durante as explicações, o que geralmente mais
profundamente toca, provoca e invoca uma emoção e uma ação é o momento dos exemplos vivenciais, os testemunhos, sempre instigadores de
reflexão e ação. Quando a palavra é gesto do mundo, há um poderoso atrito de vivências que rompe com o cerceamento inibidor da explicação
infinita e abre a possibilidade do sujeito aprender pela criação de reflexões e de outros gestos interdesejantes a partir do relato de outro. Explicar,
assim, é impedir a educação libertária e a comunicação essencial entre as pessoas.

A via para escapar a essa determinação embrutecedora das potências criadoras e criativas do sujeito é deixar este, aprendiz - eis o papel do mestre -,
em “uma relação inteiramente livre da inteligência do aluno com aquela do livro”. Um encontro sempre revolucionário entre sujeito e palavra, pois
sempre criador, sempre poético. É nessa perspectiva que pensamos a literatura como uma fala desejante sempre provocadora, sempre
desestabilizadora das convenções e hierarquias, fugindo à explicação, subvertendo a ordem, dizendo coisas no puro fluxo do desejar da linguagem.
É o que oferece o poema ou o livro que nada ensina, que é pura inteligência alegre, aventuresca, um livro das ignorãças, ou um livro sobre nada. Eis
a grande contribuição da literatura contemporânea ao ensino, o que também é sua maior e mais poderosa deficiência.

Tomemos como exemplo a poesia de Manoel de Barros. Da poesia que pretende “...fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada
mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora.”, pode-se dizer alguma coisa? Pode-se ensiná-la? Ou ensinar algo a partir dela...
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força

Existem nos encantos de um sabiá.


Quem acumula muita informação perde o condão de

adivinhar: divinare
Os sabiás divinam.

(BARROS, 2010, p. 340-341).

Ficamos a vaguear entre a vibração do que diz o termo “ciência” e do que fala o termo “encantos”. Eles são aberturas de uma aventura nas
significações e nas sensações que essas palavras provocam. Atritam-se criadoramente com os símbolos “pode” e “adivinhar”, donde se dar uma
relação que não é da ordem do significar, mas da inversão deste, ou seja, do assignificado ou dessignificado, enfim, do que escapa à ordem e à lei de
uma arbitrariedade pretensamente determinante dos sujeitos e das coisas. “Divinare” é escapar a toda ordem e classificação, transcende essas
coisas da matéria, ficando a poesia em suspenso, à espera do sentido que se lhe queira dar. Trabalho inconcluso, por isso não útil, a acabar sempre,
desejando o desejo do outro que lhe crie um novo sentido e uma nova verdade.

O desejado caráter desutilitário dessa poesia se revela na tensão simbólica entre o saber classificador da ciência e a ignorância que possibilita a
adivinhação. Essa aproximação fala muito da possibilidade de se trabalhar com essa poesia: não significar, não determinar, não classificar, mas
adivinhar, jogar, criar. Toda a literatura contemporânea do século XX e de hoje é dinamizada por esse movimento criador da adivinhação. Eis sua
diferença, eis sua potência. Desde Mallarmé e o seu lance de dados20, a poesia é pura mobilidade à procura do significado que nunca se estabelece
de maneira definitiva, antes se abre à possibilidade do acaso.

Mas é preciso aprender. E a literatura, a poesia pode ser um recurso poderoso para uma prática pedagógica que privilegie ou objetive a autonomia do
aprendiz. Por que isso só é efetivamente possível em uma língua que não é a da ordem, ou da lei, não aquela feita para ser escutada e seguida; mas
uma língua que trabalhe com “o abismo entre o sentimento e a expressão”, que tenta “fazer escutar o diálogo mudo da alma com ela mesma”
(RANCIÈRE, 2015, p. 101). Uma língua, um método que é da mesma substância da poesia, ou seja, do divinare da criação.

Observando o que fizeram os alunos flamengos que leram um livro por querer aprender a língua francesa, Jacotot percebeu que a atividade
aconteceu em um processo de transtradução, em que o desejo e o pensamento do poeta autor da obra - traduzido em palavras - encontra no desejo
do leitor aprendiz a força do movimento criador, na medida em que cada falante da língua é um artista da palavra, um criador de sentidos que se
traduzem em pensamentos e palavras. Os alunos estavam, ao decodificar, adivinhando o pensamento do autor, imaginando possibilidades de
significação, poetizando o aprendizado da língua. Aprendendo pela poiesis inerente a cada falante e a cada situação de comunicação. A inteligência
do livro encontrou-se com a inteligência dos alunos que, provocados, responderam com a vontade de aprender à vontade de ensinar do mestre. A
inteligência explicadora é dispensada.

Toda a aprendizagem se dá na dinâmica da adivinhação. E perguntamos com Rancière: “...não seria necessário inverter a ordem admitida dos valores
intelectuais? Não seria esse método maldito, da adivinhação, o verdadeiro movimento da inteligência humana que toma posse de seu próprio
poder?” (RANCIÈRE, 2015, p. 28). Nessa perspectiva, os vazios, os silêncios, os espaços da língua da literatura, e em especial da literatura
contemporânea - de Paulo Leminski, de Alice Ruiz, de Hilda Hilst, de Carlito Azevedo, de João Gilberto Noll, de Bernardo Carvalho, de Guimarães
Rosa -, oferecem-se como convite a essa aventura intelectual em que se dá uma aprendizagem pela vontade, pela adivinhação do pensamento do
autor, pela elaboração de outros, uma comunicação de vontade a vontade, do autor ao leitor, passando pela palavra do mestre que só diz: “Vai e faz”.
Efetiva-se, desse modo, a lei fundamental do Ensino Universal proposto por Jacotot ainda nos princípios do século XIX: a comunicação entre
pessoas que se fazem iguais. “...uma palavra humana lhes foi dirigida, a qual querem reconhecer e à qual querem responder – não na qualidade de
alunos, ou de sábios, mas na condição de homens; como se responde a alguém que vos fala, e não a quem vos examina: sob o signo da igualdade”
(idem, p. 29).

O poeta me diz coisas, desdiz outras, não diz. Provoca-me. O anseio de responder à provocação, o desejo de entender e falar sobre isso é o que, na
perspectiva do aprendiz, move o processo de ensino-aprendizagem. Também está na motivação a principal atitude do mestre que objetiva a
emancipação intelectual de seus alunos: ele é mestre pela palavra que coloca os seus alunos em condição de desafiarem-se desejando aprender.

Não se propõe, assim, um outro método, mas um uso criador, poético da inteligência. O que propõe Jacotot, então, é inverter a lógica do processo
pedagógico pautado na transmissão de saberes, privilegiando, no lugar da explicação orientadora, a vontade criadora e aventuresca do aprender
porque se quer; a consciência do não saber é que estimula o desejo de aprender que se faz no jogo de comunicação de vontades de quem nunca
sabe exatamente o que diz porque estão a aprender sempre: o poeta, o mestre, o leitor. “Mestre é aquele que encerra uma inteligência em um círculo
arbitrário do qual não poderá sair se não se tornar útil a si mesma” (RANCIÈRE, 2015, p. 34). Quando essa inteligência entra no jogo da linguagem
poética, vê-se confrontada com o que falta ao sentido do texto, lendo nisso um chamamento à adivinhação da significação do texto e à percepção e
compreensão do que pode sua vontade. Uma aprendizagem emancipadora.

Quando, por outro lado, privilegia-se o círculo da explicação, mantém-se a relevância da impotência do aprendiz, em quem sobressai a ignorância
necessária à manutenção da máquina ordenadora do mundo. Por isso, assumir o método da aprendizagem pela vontade, o Ensino Universal de
Jacotot, é perigoso, dado que ele inverte a lógica que rege o mundo social em que vivemos e pelo qual damos sentido às coisas. Esse ensino é
universal porque, além de priorizar a vontade - que nos iguala -, efetiva a maneira como desde sempre aprendemos, sem mestre explicador, pela
necessidade da descoberta. O que se evita é admitir isso e descortinar uma evidência que desautoriza o sistema de ensino em que operamos os
conceitos que regem e normatizam a sociedade. Pelo contrário, diante da necessidade de sempre explicar, vai-se buscando sempre novos recursos e
maneiras de explicar melhor o que o modo anterior de explicação não conseguiu. Eis uma das principais razões para a avassaladora e obsessiva
formatação tecnocrata dos recursos pedagógicos em voga na maioria das escolas na contemporaneidade.
Trata-se de compreender – e essa simples palavra recobre tudo com um véu: compreender é o que a criança não pode fazer sem as
explicações fornecidas, em certa ordem progressiva, por um mestre. Mais tarde, por tantos mestres quanto forem as matérias a compreender.
A isso se soma a estranha circunstância, de que as explicações, depois que se iniciou a era do progresso, não cessam de se aperfeiçoar para
melhor explicar, melhor fazer compreender, melhor ensinar a aprender, sem que jamais se possa verificar um aperfeiçoamento correspondente
na dita compreensão. Antes pelo contrário, começa a erguer-se um triste rumor, que não mais deixará de se amplificar, de um contínuo declínio
na eficácia do sistema explicativo, a carecer, evidentemente, de novo aperfeiçoamento para tornar as explicações mais fáceis de serem
compreendidas por aqueles que não as compreendem... (RANCIÈRE, 2015, p. 23).

Nesse sentido, a crescente determinação tecnológica dos métodos de ensino-aprendizagem é um sintoma do fracasso desse modelo. O “triste
rumor” que advém dessa constatação não é senão o sufocamento da potência alegre criadora da vontade de aprender.

Não se faz aqui uma apologia ao naturalismo do ensino pautado em uma visão idílica da relação mestre-aprendiz: isso é ingenuidade. Nem tampouco
se propõe uma ideia antitecnologia: isso é idiotice. Mas a reflexão aqui proposta pretende apenas e humildemente nos lembrar do saber que há em
dar relevância ao não saber dos mestres e dos aprendizes, já que é dessa carência que surge o desejo de saber. “Eu não sei” abre a possibilidade de
saber, permite o trabalho com a potência de procurar e criar. É dessa verdade que sabe e é tudo que pode a poesia.

O LIVRO SOBRE NADA

[...]

Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.


Tem mais presença em mim o que falta.

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

Sou muito preparado de conflitos.


Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada
do ser que a revelou.

[...]

Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.

[...]

Aonde eu não estou as palavras me acham.

[...]

Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria (BARROS, 2010, p. 345-348).

É uma poética do nada que é tudo. Do nada que tudo ensina. Nesses fragmentos de poesia e de filosofia e de pedagogia poética, não aprendemos
nada - coerência. Mas vibramos com o abalo que a palavra poética nos provoca através das palavras e, principalmente, pelo que elas não dizem,
aquilo que eu, leitor-aprendiz, preciso divinare. É preciso jogar com as ausências, com as carências: do poema, do poeta, do leitor. Não enchê-los de
conhecimentos e saberes explicados que sufocam a poesia inerente ao verdadeiro aprendizado que se dá na palavra - lugar de tradução e criação -,
onde se encontram as vontades, as ignorâncias e as possibilidades de transformação do sentido de todas as coisas.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução de Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos Editora, 2009

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad.: Lílian do Valle. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

SONTAG, Susan. Contra a interpretação. Trad.: Ana Maria Capovilla. Porto Alegre: L&PM, 1987.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPÍTULO 10 DIMENSÕES ENSINÁVEIS, GÊNEROS TEXTUAIS E LITERATURA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Sarah Maria Forte Diogo

“Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas. [...] A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que
ela expresse nossos mais fundos desejos” (Manoel de Barros)21

A epígrafe que abre este artigo pode ser lida como caracterização parcial do discurso literário, ou melhor, da palavra literária. Para Manoel de Barros,
conforme é possível depreender do breve fragmento poético, o real configurado nas malhas literárias reelabora e coloca em tensão constante nossos
conceitos de realidade e objetividade. No terreno da poesia, e por extensão da prosa, as linguagens desorganizam estabilidades aparentes para
questioná-las, revolvê-las, rasurá-las, a fim de que elas não sejam mais acomodadas dimensões da vida, padrões preestabelecidos, mas sim objetos
voláteis, dinâmicos, constructos linguísticos multi-instrumentais, atravessados pela possibilidade de significar para além do instantâneo.

Habitando espaços que precisam de mediações para serem percorridos, o texto literário, e suas infinitas manifestações, não apresenta em seu bojo o
mínimo de previsibilidade para suas diversas audiências. Os personagens, seres que articulam dados de vivências cotidianas, dispersas,
contrabalanceados à ficcionalização, muitas vezes dizem mais sobre nossas organizações sociais, culturais e políticas que discursos de outra
natureza. Sem ser explicativo, o discurso ficcional toca pontos nevrálgicos da formação de um país e de uma comunidade, produzindo o que
chamaremos aqui de sutil processo de ensino e aprendizagem. Um exemplo desse processo é a leitura de narrativas literárias do escritor Machado de
Assis, por exemplo, o texto “Pai contra Mãe”.

Ao sermos confrontados com a narrativa “Pai contra Mãe”, aprendemos a partir da leitura sobre a contraparte da escravidão brasileira: o personagem
Cândido Neves, ou Candinho para os íntimos, representa o homem branco, livre, porém escravo de sua própria indolência e viciado no ganho rápido
de capital. Esse personagem, síntese do sujeito pobre simbólica e materialmente no Brasil do século XIX, é uma ácida leitura dos limites éticos que
um homem pode burlar em busca do seu bem-estar ou ainda em como a ética, duvidosa e relativa, pode ser manipulada em nome do mais forte. A
narrativa vale uma breve incursão em seu enredo, para adentrarmos na prática o que ora denominamos aqui como dimensão ensinável, ingrediente
fundamental para o ensino e aprendizagem de qualquer assunto.

Vejamos: Cândido Neves não tem ocupação fixa, descobrindo predileção pelo ofício de capturar escravos fugidos. Em noite de forte desespero,
temeroso de entregar o filho recém-nascido para a roda dos enjeitados, Cândido decide por caçar a negra Arminda. Esta, grávida, é apresada
covardemente por Candinho.

Arrastada pelas ruas do Rio de Janeiro, Arminda é “devolvida” à casa de seu senhor. Tratada como utensílio doméstico, a mulher aborta, episódio
presenciado por seus opressores patéticos, que nada fazem, além de estabelecerem uma relação comercial: a consciência individualista de Cândido
Neves é alimentada pelo pagamento a seu serviço. Aliviado, o personagem retorna a sua residência, para sua família, ciente de que fez o certo,
conforme sua ética e moral violentas, que pressupõem a anulação do outro para sua própria sobrevivência, isto é, não importam os meios, o que vale
é se a finalidade – manutenção da sobrevivência, ganho financeiro – será alcançada.

Ora, se nesse conto observamos seres de papel sem consciência crítica orientada para o outro, mas dotados de agudo senso de seus próprios
problemas, notamos um narrador que, ao passo que apresenta o drama, também procura sutilmente problematizá-lo, fornecendo ao leitor as mais
variadas pistas para fazê-lo. O narrador machadiano, neste conto, abraça a pena da galhofa e cartografa ironicamente a violenta ética de um homem
devorado pelo seu lugar social: Candinho tem o poder de escolha, delineado já ao início do conto, mas opta pelo serviço que demanda força bruta e
privilégios. Captura seus semelhantes por dinheiro e parte do princípio de que não são seus semelhantes, pois, do seu ponto de vista, os escravos
configuram, sobretudo, fontes de rendas. Personagens como Candinho podem ser lidos como engrenagens de um sistema opressor, que remunera
àqueles a que também oprime. Candinho não tem posses, não é senhor de escravos, é somente alguém em busca de fendas no sistema que
possibilitem algum ganho monetário para alívio de sua bruxuleante, e por que não dizer, apagada consciência.

A narrativa a que aludimos acima apresenta dimensões ensináveis pois relê de forma elaborada vários dados da sociedade brasileira: a escravidão, a
situação do homem que nem é escravo nem é senhor, a condição da mulher escrava, entre outros aspectos que muitas vezes são desconsiderados
em análises históricas ou sociológicas do fenômeno. Dessa forma, a literatura, se observada da perspectiva de gênero textual eivado de
potencialidades didáticas, é discurso instrutivo e formador, sem cair na falácia da didatização compulsória, a qual pode reforçar leituras equivocadas,
caso o professor, ou o mediador da leitura, por exemplo, concorde com as ações de Cândido Neves, conduzindo discussões que legitimam e
justificam os atos do personagem. O conto machadiano em tela, mais que pedir justificativas, solicita debates que se alicercem na sólida discussão
sobre violências simbólicas contra os mais fracos, discussões essas que analisam as estratégias de enunciação do narrador, o primeiro
mediador-professor de leitura de “Pai contra Mãe”.22
Os discursos literários, enquanto gêneros textuais, podem ser compreendidos como megainstrumentos. Para Schneuwly & Dolz, os gêneros auxiliam
no desenvolvimento das capacidades cognitivas dos leitores, pois as ações discursivas requisitam a instrumentalização linguística. Segundo os
estudiosos, o gênero é: “[...] instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira singular, este instrumento é complexo e
compreende níveis diferentes, é por isso que o chamamos por vezes de ‘megainstrumento’. [...] trata-se de um instrumento que permite realizar uma
ação numa situação particular” (1998, p. 65). Em outra obra, os mesmos pesquisadores destacam que os gêneros: “[são megainstrumentos] que
fornecem um suporte para a atividade, nas situações de comunicação e uma referência para os aprendizes” (2010, p. 75).

Observamos pelo fragmento destacado que todo texto, grosso modo, configura-se enquanto ferramenta que apresenta dimensões a serem
exploradas e ensinadas, dada a ambiência escolar, suas exigências e o caráter multifuncional dos gêneros textuais. O texto literário, uma vez
escolarizado, torna-se não somente um objeto de ensino, mas uma forma de conhecimento, de apreensão da realidade circundante, seja pela via do
imaginário, do representacional ou de ambos. Notam-se críticas severas à didatização do ensino de literatura, a processos coercitivos de imposição
do cânone, a um trabalho mecanicista de leitura, entre outros aspectos.

No entanto, a modelização didática do texto literário, bem como de qualquer outro gênero, é necessária, pois a organização didática possibilita
exploração sistematizada e orientada do texto, o que é necessário para sua escolarização e para as finalidades a que a instituição escolar se destina.
Outro ponto relevante é que o discurso literário pode abranger quase todas as outras disciplinas escolares, alçando a literatura a megainstrumento
interdisciplinar, capaz de gerar reflexões, polêmicas, opiniões, a partir de trabalhos que valorizem as nuances dos textos. A literatura, enquanto
síntese de repertórios culturais, imaginários, épocas, mentalidades, corporifica por meio de sua materialização estética, um sistema de tensões
fundamental para um trabalho didático que pretenda uma educação pela e para a sensibilidade.

A questão que se impõe não é como suscitar o interesse do corpo discente, nem que textos selecionar. Interesses são, e sempre serão,
incontroláveis. Seleções existem as mais diversas: quantas não são as antologias disponíveis no mercado editorial ou na internet? Inúmeras. O que
se coloca em pauta é a formação do professor, sua construção teórica enquanto sujeito mediador de leitura.

Em outra passagem, falamos que a literatura habita espaços que somente são alcançáveis com mediações. Para mediar, nada mais óbvio que a
necessidade de um mediador. No âmbito escolar, a figura principal a desempenhar essa função é, inicialmente, o professor. A este compete a função
de planejar sequências didáticas que explorem ao máximo os textos considerados, e consagrados pela crítica, como fundamentais para a leitura e
formação da criança e do adolescente. O planejamento pressupõe conhecimento prévio de textos literários. E o conhecimento não pode se resumir a
leituras ligeiras de resumos ou críticas literárias. O conhecimento do texto literário pressupõe a leitura do próprio texto literário. Parece simples,
porém, não é.

Um dos principais obstáculos teóricos à abordagem de discursos literários enquanto megainstrumentos está em lacunas na formação docente. Não,
a culpa não é do professor. Não estamos procurando vilões, mocinhos ou receitas de bolo, nem ousaríamos repetir tantos truísmos num texto só. O
que estamos a refletir é sobre a impossibilidade de propor aos estudantes leituras consistentes de objetos artísticos, a exemplo da literatura, se os
próprios professores não tiveram leituras prévias de seu material de trabalho ou não se apropriaram da noção de que um gênero escolarizado
carrega marcas específicas, diversas do mesmo gênero que circula para além dos muros da escola. Um mediador de leitura, para construir sua longa
travessia, não pode prescindir de leituras anteriores que incrementem seu repertório cultural e conhecimento de mundo.

Para tanto, propõe-se que os programas de literatura, tanto no ensino fundamental quanto no médio, sejam modificados e passem a funcionar por
meio de módulos integrantes de amplas sequências didáticas a serem realizadas no seio de oficinas de leitura literária, com capacitação simultânea
ofertada aos profissionais da leitura, capacitações que poderiam ocorrer no horário de parte do planejamento, de modo a estimular a leitura do
próprio professor, para que este, uma vez instrumentalizado, construa e partilhe seus conhecimentos leitores.

Essa ideia não é nova e parte das leituras de Letramento literário – teoria e prática de Rildo Cosson. Nessa obra, o autor incursiona pela categoria do
Letramento Literário, conceito não muito explorado nos cursos de licenciatura em Letras. Iniciemos com uma definição básica de letramento, por
Magda Soares. A estudiosa comenta em Letramento: um tema em três gêneros (1998) que o letramento é o processo de apropriação das práticas
sociais relacionadas à alfabetização. Seria o reconhecimento da sociabilidade e funcionalidade associadas à entrada do sujeito no mundo letrado, o
qual passa a perceber que leitura e escrita não são apenas técnicas de codificação e decodificação de signos, mas um estar no mundo via plano
escrito e lido, de modo a interagir de forma proficiente transitando com facilidade entre as dimensões tocadas pela escrita e leitura. Soares destaca
ainda que um sujeito letrado não precisa ser obrigatoriamente alfabetizado e que o ideal seria alfabetizar letrando.

Se notarmos bem, o letramento não é único. O que existem são letramentos: linguístico, cientifico, geográfico, histórico etc. Rildo Cosson explora o
letramento literário. Para Cosson, letramento literário é:

O letramento literário, conforme o concebemos, possui uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária [...] o
processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas
também, e sobretudo, uma forma de assegurar o seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor, sua importância em qualquer
processo de letramento, seja aquele oferecido pela escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade (2014, p.12).

Cosson incursiona pelo caráter diferenciado que a experiência da leitura literária proporciona, procurando associá-la à configuração do texto
literário:

Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que
somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada. É
mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade. No exercício
da literatura, podemos ser outros, podemos viver como os outros, podemos romper os limites do tempo e do espaço de nossa própria
experiência e, ainda assim, sermos nós mesmos. É por isso que interiorizamos com mais intensidade as verdades dadas pela poesia e pela
ficção (idem, p. 17).
Esse conjunto de características atribuído à leitura literária nos faz compreender o discurso artístico em questão enquanto gênero capaz de mobilizar
o senso para a alteridade e para o mergulho no mundo dos afetos. A literatura, mais que outros gêneros, proporcionaria tal mergulho em virtude de
sua abertura para a vivência do outro não enquanto um estranho, mas enquanto alguém que desperta nossos sentidos, nos desautomatiza do
cotidiano e povoa nosso imaginário, daí a relação de empatia, e não apatia, que costumamos estabelecer com os personagens.

O “era uma vez” das narrativas infantis suscita na criança, por vezes, muito mais que a certeza de um final feliz. Instiga o pequeno leitor a
compreender que há sempre inúmeros percalços antes da suposta felicidade. E que, talvez, o próprio percurso já seja uma maneira de ser feliz.
Cosson qualifica o texto literário e o elege como instrumento eficaz para tornar o mundo menos confuso:

É por possuir essa função maior de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e
formas intensamente humanas que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas. Todavia, para que a literatura cumpra seu
papel humanizador, precisamos mudar os rumos da sua escolarização (idem, p. 17).

Escolarizar algo – uma obra literária, por exemplo – significa torná-lo objeto que circula na dimensão da escola, espaço cuja função seria sistematizar
conhecimentos dispersos, instrumentalizando os alunos para o aperfeiçoamento de vivências cidadãs, que já principiam dentro da própria escola. O
processo de escolarização de saberes pressupõe a necessidade de modelizá-los didaticamente, uma vez que a realidade que a escola filtra não é a
mesma que está para além de seus muros.

Enquanto recorte do mundo com aspectos específicos, a escola exige, para a estruturação dos saberes, a didatização dos conteúdos, de modo a
viabilizar uma relação de ensino-aprendizagem profícua. A respeito da modelização didática de gêneros textuais, Schneuwly & Dolz destacam em “Os
gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino”:

[...] o gênero trabalhado na escola é sempre uma variação do gênero de referência, construída numa dinâmica de ensino-aprendizagem, para
funcionar numa instituição cujo objetivo é precisamente este. Como descrever essa variação? Parece-nos que, atualmente, a via empregada
em didática para abordar esse problema pode ser descrita pelo que nós podemos chamar de elaboração de modelos didáticos de gêneros.
Num modelo didático, trata-se de explicitar o conhecimento implícito do gênero, referindo-se a saberes formulados, tanto no domínio da
pesquisa cientifica quanto pelos profissionais especialistas (2010, p. 69).

O excerto de Schneuwly & Dolz nos exorta a repensar os modelos didáticos adotados para se trabalhar literatura durante o período escolar. Notamos
que os conteúdos são escolarizados a partir de princípios cronológicos. O estudante e professor esforçam-se por apreender uma longa flecha
cronológica, na qual se dispõe ordenadamente as principais obras, autores e eventualmente algum epígono. Vamos exemplificar a orientação
historicista com este quadro23:

Essa flecha temporal parece sempre orientada em sentido único, progressivo, de acúmulo de datas e estilos, como se o mais importante não fossem
os aspectos estilísticos e qualitativos, mas sobretudo o quantitativo: um amontoado de datas, nomes de obras, autores ilustres, informações
históricas e fragmentos em prosa ou poesia parecem compor a disciplina literatura.

A abordagem fortemente historicista parte da premissa de que para escolarizar algum conteúdo é necessário imprimir a esse assunto o selo da
temporalidade empírica: enquadrá-lo na cronologia significa situá-lo de tal forma que acabamos por acreditar que a obra é inalterável em seu tempo e
para além do seu tempo, isto é, nasceu no século XIX, pertence a essa época e, caso dialogue com algo do século XXI, é mera causalidade. Outro
aspecto premente ainda no processo de escravidão do texto a seu arcabouço histórico está na pouca importância que se confere ao caráter
terapêutico do texto literário, caráter esse que ultrapassa qualquer historiografia da literatura. Além do aspecto terapêutico, há que se notar ainda as
linguagens em que os textos são versados. É por meio dessa linguagem que a obra literária é formalmente acessada, e não por qualquer outra via.

Para a concretização da sugestão formulada neste artigo, o funcionamento das aulas de literatura por meio de módulos, inseridos em sequências
didáticas a serem efetuadas por meio de oficinas de leitura, cogita-se a possibilidade da reorganização dos conteúdos escolares no que diz respeito à
literatura a partir da consideração do contexto do público a que a escola atende, ou seja, quais seriam os interesses dos alunos, pesquisa que pode
ser realizada mediante questionários simples e posterior triagem dos interesses mais recorrentes.

Passado esse primeiro momento, sugere-se que as obras sejam organizadas não mais em linha temporal, mas por temáticas. Dessa forma, seria
possível romper a ideia de cronologia e a constante necessidade de se prender a marcos temporais ou textos representativos. Para essa proposta,
parte-se da premissa de que todo texto é representativo e capaz de dialogar com qualquer momento, daí a necessidade de uma abordagem
qualitativa. No terceiro momento, sequências didáticas visando à leitura efetiva dos textos seriam organizadas, para serem realizadas em oficinas de
leitura, cada uma destinada a um tema. Diante do exposto, temos o seguinte quadro:

Ensino de literatura – propostas

1) Reconhecimento do público-alvo da escola. Caracterização desse público, faixa etária, interesses, expectativas, leituras prévias, predileções,
tempo destinado à leitura. Para tanto, sugere-se aplicação de questionários ou entrevistas, escritas ou orais, de modo que após esse momento o
professor/mediador de leitura possa usufruir de informações pontuais para montagem do seu planejamento.

2) Organização dos textos literários por temáticas, a partir dos interesses dos alunos, suas demandas, e também expectativas do professor. Nessa
fase, o eixo da seleção não será a história da literatura, mas a temática, as ideias abordadas pelo texto, o que pressupõe uma releitura da ordem
cronológica em que as obras geralmente são dispostas. Sugerimos, neste ponto, o questionamento da orientação historicista, com perguntas
básicas sobre a obediência a modelos pautados pela cronologia.

3) Leitura dos textos literários selecionados. Leitura silenciosa, em voz alta, rodas de leitura, a estratégia é inicialmente ler o texto, sentir sua
linguagem, reconhecer sua especificidade discursiva. Passado o momento da leitura inicial, pode-se fomentar a pesquisa pela história do texto-autor,
época, período. Ou seja, nesta fase o incentivo é para que o estudante não leia o texto armado de informações prévias, mas que, a partir da leitura,
saia para o campo da pesquisa, já conhecedor da linguagem literária em questão. Dessa forma, ao se inverter o processo, o aluno pode incrementar
seu repertório de leituras, pois já terá construído parcialmente esse repertório.
Salientamos que a terceira fase a que aludimos alicerça-se na ideia do valor terapêutico da literatura. Essa ideia não é nova e pode ser encontrada em
Crítica e clínica, no texto “A literatura e a vida”, de Deleuze:

O escritor, enquanto tal, não é doente, mas antes médico, médico de si próprio e do mundo. O mundo é o conjunto dos sintomas cuja doença
se confunde com o homem. A literatura aparece, então, como um empreendimento de saúde [...]A saúde como literatura, como escrita, consiste
em inventar um povo que falta (1997, p. 12-14).

Para Deleuze, o escritor está em processo, em travessia, pois “A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num
devir-animal, num devir-vegetal, num devir-molécula, até num devir-imperceptível” (idem, p.11). Esse devir, simbolizado pela obra, pode ter caráter
terapêutico, pois é uma forma de curar-se ao expressar seu estar no mundo, suas vivências e cosmovisões enquanto narrador/poeta/fabulador
crítico, ciente da inconstância do mundo. Por apresentar pendor terapêutico, catártico, questionador, o discurso literário não deve ser aprisionado
por malhas cronológicas. Romper a flecha do tempo, flexibilizá-la, mostrar suas inflexões, quebras, descontinuidades, é reforçar que o texto literário
está vivo e apresenta dimensões ensináveis, desde que explorado adequadamente.

Simultâneo à reorganização das aulas de literatura no âmbito da educação básica, sugerem-se capacitações voltadas ao público docente. Não antes
do processo, mas durante, para que ele compreenda que a formação é contínua e exige reflexão e debate. As capacitações poderiam ocorrer em parte
do horário destinado ao planejamento e por meio de cursos semipresenciais. Dessa forma, o professor teria um acompanhamento, aproveitando
ainda seus saberes prévios enquanto mediador de leitura.

Concluímos este artigo enfatizando que o modelo aqui esboçado pode, a princípio, semelhar uma utopia. Mas ele não pareceria utópico se nossa
sociedade valorizasse os saberes que a literatura proporciona tanto quanto enfatiza ciências exatas e naturais. A guinada para um pensamento que
não tenha por finalidade lucro imediato ou incremento do capital nos auxiliaria a construir uma educação de fato comprometida com o ser humano, e
não com números, tabelas e resultados. E a literatura é fundamental para o projeto de humanização e sensibilização do outro. Portanto, são
preferíveis, deste ponto de vista quiçá utópico, modelos que privilegiem um devir de aprendizagem jamais mensurável por exames que um modelo
que açoita e segrega estudantes com acúmulo de saberes financeiramente úteis.

REFERÊNCIAS

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. 4. reimpr. São Paulo: Contexto, 2014.

DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad.: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed.34, 1997.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In: ROJO, R.; CORDEIRO, G. S.
(Orgs.). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2010.

_______. Pour un enseignement de l’oral. Initiation aux genres formels à l’école. Paris: ESF ÉDITEUR, 1998. (Didactique du Français).

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

B. TEORIA E PRÁTICA CAPÍTULO 11 LITERATURA E ESCRITA CRIATIVA: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO CURSO
DE GASTRONOMIA
Alice Nayara dos Santos

Introdução

A literatura, como arte, comunica-se com a emoção, é um dos meios que ajudam a constituir os valores de um mundo e a fomentar a reflexão de um
devir sobre o outro e sobre nós mesmos. Como disse o grande poeta Fernando Pessoa, a “literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida
não basta” (PESSOA, 2000).

Nesse sentido, acreditamos que a literatura pode ajudar os jovens estudantes a comunicar de forma criativa seus pensamentos e suas aspirações
através de textos claros e significativos para aqueles que escrevem e para aqueles que leem. Assim, esse texto apresenta um relato de experiência
sobre como a literatura pode ajudar na construção do hábito da escrita em jovens pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, discentes do
curso de Gastronomia. Nessa experiência, evidencia-se a importância da construção de textos criativos e da desmistificação da escrita “dura” nos
relatórios, notadamente aqueles que derivam de pesquisa qualitativa.

A experiência aconteceu durante um ano, nela foram realizadas leituras de obras clássicas, sem a imposição de trabalhos acadêmicos; com isso, os
alunos fizeram desse processo um lugar para superar o medo da escrita, para conseguir construir textos relevantes e que pudessem alcançar a
comunidade de forma geral.

Ditas essas palavras introdutórias, no primeiro tópico do texto, discuto o processo da iniciação científica, a construção dos relatórios de pesquisa a
partir da experiência dos educandos que fizeram parte do projeto e, assim, a importância da diversificação da linguagem e do vocabulário; em
seguida, descrevo a metodologia do clube do livro, como foi a inserção das obras clássicas no rol de leituras dos estudantes pouco habituados com
esses escritos; por fim, conduzo as reflexões finais.

A iniciação científica e os relatórios de pesquisa

Escrever é estar no extremo de si mesmo, e quem está assim se exercendo nessa nudez, a mais nua que há, tem pudor de que os outros vejam
que deve haver de esgar, de tiques, de gestos falhos, de pouco espetacular na torta visão de uma alma no pleno estertor de criar (MELO NETO,
1982).

O projeto de construir um espaço coletivo que pudesse compartilhar momentos de leitura fora das atividades obrigatórias da universidade e, com
isso, ajudar na escrita, surgiu na avaliação da primeira atividade de Iniciação Científica do Grupo Alimentação, Gostos e Saberes (AGostoS). O
AGostoS é um grupo de pesquisa vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, que congrega em seu seio uma diversidade
de pesquisadores em torno da alimentação e da cultura.

O perfil dos participantes é diversificado e reúne profissionais atuantes na área técnica de alimentação, professores do ensino superior, alunos(as)
de mestrado, doutorado e graduação das mais diferentes áreas – da Odontologia à Pedagogia. O AGostoS busca uma atuação propositiva no meio
acadêmico, a fim de discutir a alimentação em uma perspectiva cultural de valorização dos saberes populares e da produção local de alimentos;
sendo assim, tem um papel social ativo perante a comunidade.

A interação no grupo acontece de forma não hierárquica, sendo comum a parceria de trabalho dos envolvidos, independente do seu grau de
instrução. Nesse processo, acontece uma ação diferenciada com os alunos de Iniciação Científica para que possam dominar o arcabouço técnico
necessário para a condução de pesquisas científicas.

A partir das primeiras atividades do AGostoS, notaram-se dificuldades desses estudantes24 em comunicar suas ideias; partiu deles a sugestão de
que o grupo desenvolvesse alguma atividade que pudesse ajudá-los a escrever melhor.

Os alunos queixavam-se de que, quando chegam à universidade, têm que aprender um vocabulário novo e se inserir em um “jeito” acadêmico que
imprime um modelo pronto para comunicar suas ideias. Uma das maiores dificuldades, segundo os alunos de Iniciação Científica – IC, era
comunicar-se com os professores através do trabalho escrito e aprender os jargões, métodos e técnicas da ABNT. Nesse contexto, eles sempre
pediam um modelo de escrita para seguir quando era solicitada alguma atividade dessa envergadura, além de que fossem logo informados acerca de
como seria feita a avaliação, para que pudessem habituar-se a escrever como os professores desejam ler. A inibição para mostrar seus escritos era
clara e gerava uma grande tensão entre os estudantes. Sobre isso, Bianchetti (2008) argumenta que um

[...] fator que pode estar entre os inibidores do processo de escrita/exposição é a forma tradicional para avaliar o desempenho do aluno na
educação básica, no ensino médio e até na graduação. A escrita é inerente ao processo de avaliação. No entanto, a respostas a provas, as
redações, os resumos, as resenhas e toda uma gama de tarefas solicitadas aos alunos pelos professores, para fins de avaliação, trazem a
marca da encomenda pré-formatada (BIANCHETTI, 2008, p. 247).

Para Becker (2015), o fato de os estudantes escreverem solitariamente e pouco comunicarem os seus medos e a suas angústias de pesquisa fazem
com que pensem que estão sozinhos. Assim, costumam idealizar o processo da escrita, trazendo para si a noção de que a dificuldade de escrever
que enfrentam é culpa de suas inabilidades – o que não é de todo verdadeiro. Isso, em parte, é causado pelo fato de que os docentes não revelam os
passos dolorosos que também vivenciam ao escrever, alimentando no imaginário coletivo dos estudantes que seus mestres têm a grande façanha de
escrever tudo certo de uma vez só. Assim, Becker (2015) defende que essas questões sejam tratadas como um problema social e não como de
competências individuais.

Nesse processo, os estudantes buscam modelos prontos, o que acarreta comportamentos que persistem durante toda a carreira acadêmica: os
textos tornam-se semelhantes, feitos de forma “dura”, com esquemas prontos que inibem a criatividade na escrita, e, quiçá, no pensar. Quando eles
desenvolvem pesquisas, acostumam-se a retratar seus achados de forma pesada, quase que incomunicável para aqueles que estão fora da
academia, inviabilizando a difusão dos saberes e a apropriação da comunidade daquilo que é produzido nas universidades. Esse fato nada mais é
que o reflexo do modelo acadêmico em que estão inseridos os alunos.
A habilidade de escrever relatos que comuniquem os achados científicos e que possam contribuir para a comunidade científica e, ao mesmo tempo,
que sejam claros e com vida requer uma inversão dos valores que são concebidos no meio acadêmico. Nesse aspecto, os estudantes de IC
declararam que são incentivados a “escrever difícil” para que seus achados sejam considerados científicos.

Becker (2015) apresenta essa situação ao narrar uma cena na qual pede que uma aluna suavize sua linguagem em um texto sociológico, ao que ela
retruca dizendo que, ao simplificar as palavras, o texto perde a elegância e pareceria ter sido escrito por qualquer um. E era justo o que queria Becker
(20015): demostrar aos estudantes que um texto pode ser claro, simples, e que, sim, poderia ser escrito por qualquer um, sem perder a essência
sociológica e a riqueza dos achados. Segundo ele, um dos maiores problemas dos textos sociológicos é a falsa ideia de que tem de ser pomposo ou
presunçoso para causar impacto nos seus pares.

Essa discussão era desconhecida pelos jovens estudantes do grupo, que estavam acostumados a se adaptarem de tal forma para escrever de acordo
com as expectativas das avaliações de seu curso que seus textos continham excessivamente jargões da área, sendo usados sem conhecimento do
significado e que não exprimiam suas aspirações e suas ideias genuínas.

Com o desenrolar das reuniões sobre a escrita, os alunos chegaram a confessar que tinham um caderninho em que registravam palavras e
conectivos que sempre repetiam nos trabalhos e que imitavam os vocábulos dos artigos já publicados no grupo, sem entenderem como usar tais
expressões. Essa situação pode ser sobre qualquer grupo de estudantes. Com a minha experiência enquanto orientadora de TCC e artigos
científicos, foi possível perceber tal situação inclusive em turmas de Pós-Graduação lato sensu, na defesa dos trabalhos de conclusão de curso e nos
relatórios avaliados durante o curso. Segundo Becker (2015), esse é um sintoma da omissão da sociedade sobre seus problemas na construção de
uma escrita de autoria.

Os estudantes de IC reclamavam da maneira como escreviam, reclamavam que não sabiam se os professores aprovavam ou não essa prática, pois
geralmente os trabalhos que recebiam só tinham a nota – quando recebiam – e não havia considerações sobre como tinha sido sua escrita. Para eles
essa prática era comum, porque muitos docentes do curso consideravam o curso de Gastronomia uma vertente mais técnica. Porém este era um
curso de bacharelado em que, ao final, os discentes devem defender a monografia. Independente de um curso técnico ou bacharelado, a
responsabilidade sobre a qualidade da escrita dos estudantes é de todos e não pode ser apenas um meio para uma nota. A relação da escrita apenas
com fins avaliativos favorece o silenciamento das vozes que estes jovens estudantes queriam anunciar sobre comida e cultura. Sobre isso, Silva
relata que

O texto configura-se como descartável, como escrita cuja feitura, desde sua gênese, já está fadada ao confinamento; pois, se o processo de
escrever textos acadêmico - científicos, no âmbito da graduação, tem como finalidade última a entrega do texto ao professor para nota, tal
prática silencia o sujeito, já que ele entrega ao professor, não a sua palavra viva, dinâmica, mas a sua palavra silenciada (SILVA, 2015, p. 12).

A partir dessa problemática, traçamos um conjunto de estratégias que pudesse libertar os alunos dessa imersão e que lhes permitisse começar a
considerar que seus textos podem comunicar seu estilo, sua voz, sua experiência, sem deixar de ser científico e crítico.

Para isso, era preciso que o processo de escrever começasse a ser prazeroso e constante. Porém, o medo de mostrar para os colegas aquilo que
escreviam era outro obstáculo na consecução do projeto – o medo da avaliação, ainda que houvesse, ao mesmo tempo, o desejo do reconhecimento,
impedia de ter a ajuda dos colegas e a execução da escrita, e com isso eram acometidos do que Machado (1999) chamou da “síndrome da folha em
branco”.

Uma das estratégias que foi usada para administrar a situação foi abolir, nas reuniões específicas sobre escrita, modelos prontos e jargões comuns,
não se usavam trabalhos prontos, artigos, relatórios como modelos para sequer exemplificar um assunto. Procuramos construir, junto com os
alunos, a valorização das suas produções.

Paralelamente ao processo de escrita, foi proposta uma imersão na literatura clássica da língua portuguesa e assim eles podiam ter contato com uma
diversidade de autores, e estudar como eles construíram suas ideias e o vocabulário que era utilizado, tudo isso sem avaliação gramatical, estilística,
sem julgamentos ou comparações. Os alunos aceitaram imediatamente, porém foi mais desafiador do que podia se esperar e é sobre isso que trato
na próxima sessão do texto.

Literatura em foco: de Dan Brown à Machado de Assis

A princípio, o clube tinha como proposta a leitura dos clássicos da literatura da língua portuguesa para que os alunos tivessem contato com tais
obras e pudessem realizar discussões mais profundas sobre os temas, e, se possível, encantarem-se pelos escritores e suas obras. Essa negociação
não foi fácil: durante seu percurso educacional, os estudantes haviam tido contato com a obra de alguns daqueles autores e a experiência não fora
positiva; sendo assim, não queriam “perder” tempo em livros que já sabiam que não conseguiriam ler. Um aluno relatou com indignação: “nem na
escola, valendo nota eu consegui ler Dom Casmurro, imagine aqui que tem uma proposta de leveza” (Discente-C, 2015).

Diante dessa resistência, foi proposto mesclar as leituras dos clássicos com as obras regionais que envolvessem a temática da gastronomia e os
livros que eles gostariam que fizessem parte da discussão. Antes da realização desse acordo, eles queriam que toda a literatura fosse os
“best-sellers” juvenis que estavam acostumados a ler e fizeram objeções sobre as primeiras leituras serem de Machado de Assis. Essa foi uma
escolha nossa por considerar Machado de Assis o autor que trabalha com maestria a língua portuguesa e por querermos, no primeiro momento,
apresentar aos alunos uma leitura mais elaborada; negociamos mais um pouco e decidimos começar pelos contos desse autor.

Alertamos que não teria um modelo pronto de leitura a seguir e a primeira tarefa era simples: fingir que eles participavam de um comitê editorial de
um blog e que cada um tinha uma coluna a ser escrita mensalmente; que nesse mês em questão eles defenderiam para aqueles que não conheciam a
obra de Machado de Assis, seus escritos e assim despertar no público do blog o interesse pela leitura do autor. Junto com essa tarefa,
recomendava-se que prestassem atenção em como o autor construía suas frases para conseguir prender a atenção do leitor, como usava os sinais
gráficos, e que circulassem e pesquisassem as palavras que não conheciam. A escolha do conto ficou livre. Marcamos a data do primeiro encontro e
da entrega do texto. Se eles estivessem à vontade o suficiente, que passassem os textos para os demais colegas lerem, depois realizaríamos uma
discussão coletiva.
Foi acordado que não haveria uma avaliação gramatical e que ninguém ali era um crítico literário julgando o certo e o errado, e assim criamos um
clima amistoso, ficávamos ansiosos para ser convencidos a ler o conto que o outro lera.

Esse princípio foi tratado no clube da leitura a partir da ideia de não transformar os textos dos alunos em provas de Língua Portuguesa, mas de
despertar a vontade de comunicar suas ideias de forma escrita e que pudessem desenvolver habilidades e assim transpor o modelo mecânico de
escrita acadêmica. Além disso, também era importante que se sentissem motivados a escrever e a conhecer mais dos autores que estavam
estudando. Essa escolha não exclui a importância da Língua Portuguesa nem que os alunos consigam escrever de forma adequada, respeitando a
língua culta. Isso foi trabalhado no clube quando os alunos passaram a sentir prazer em ler e compartilhar seus escritos.

Um dos objetivos da leitura dos clássicos era o contato com um vocabulário diversificado e com estilos literários diferentes do que eles estavam
acostumados. Sugeria-se uma análise de cada construção frasal e quais recursos os autores utilizavam para prender a atenção do leitor, e assim,
quem sabe, eles não poderiam fazer o mesmo em seus textos para o blog. Intentávamos com isso uma desaceleração dos padrões de leitura deles,
sempre urgentes e de obras incompletas; desejávamos despertar neles a opção por ler uma obra “capa a capa”, entender uma história em suas
vicissitudes compreendendo seu começo, meio e fim como uma reflexão para a vida.

A primeira tarefa foi feita com sucesso – os alunos, inclusive, adiaram a leitura de suas indicações pessoais para a leitura de uma obra regional. O
livro escolhido foi Não me deixes, de Rachel de Queiroz, autora cearense de grande destaque na área da gastronomia e na celebração da comida
tradicional do Ceará. Diferentemente da dinâmica do texto sobre Machado de Assis, foi proposto que os alunos tentassem articular o que leram com
seus trabalhos na graduação, e que escrevessem um ensaio sobre gastronomia e tradição. Realizamos uma aula sobre ensaio e todos começaram a
ler a obra. Também fingiam que eram editores de um blog. Nessa atividade, eles conseguiram passar seus escritos para os colegas lerem; na reunião
coletiva, demostraram menos apreensão sobre a avaliação de seus trabalhos, pois, até aquele momento, não havia sido feito nenhum tipo de
intervenção nos textos.

O trabalho sobre a obra de Raquel de Queiroz inspirou os alunos a tirarem o blog do papel e a investirem mais na escrita. Utilizar a estratégia do blog
foi uma maneira de trazer as atividades para perto de sua realidade, já que eles são leitores dessas mídias digitais. Entretanto, o que mais animou os
estudantes foi a concepção de que o texto não servia para uma avaliação formal, mas representava que eles tinham voz, que suas ideias eram
importantes, que eram capazes de se apropriarem do conhecimento e gerar um conteúdo inédito que não fosse cheio de termos desconhecidos por
eles.

O clube do livro ajudou no desenvolvimento da minha escrita, consegui ampliar meu vocabulário e a facilidade em sintetizar os argumentos,
além de aperfeiçoar a forma de expô-los. A variedade de leituras clássicas ajudou no aperfeiçoamento no uso de palavras adequadas,
suavizando a escrita dos textos. Desta forma, foi possível a construção de textos mais poéticos e claros, evitando os períodos truncados
(Discente A, 2015).

Paralelamente às atividades do grupo de leitura, os alunos tinham que escrever seus relatórios de pesquisa de iniciação científica e os trabalhos das
disciplinas em que estavam matriculados. Durante o processo foi possível ver uma interação maior na realização desses trabalhos; houve uma busca
por uma escrita mais clara, viam-se os membros do grupo com dicionários; eles procuravam entender o contexto na qual as palavras podiam ser
empregadas; e as consultas ao caderninho de “expressão” foram rareando. À primeira vista, foram sutis mudanças de atitude, mas com efeitos
significativos para aprendizagem desses alunos.

Com o tempo, os alunos conduziam as atividades do grupo, sugerindo leituras e discussões. Em uma ocasião, foi acordado que naquele mês cada
um iria escolher o livro que quisesse e que iria tentar escrever sobre a obra. Um estudante escolheu um livro de contos regionais que já tinha lido na
escola, mas que agora desejava ler com as habilidades adquiridas no grupo; outra discente escolheu uma obra de Dan Brown, o que deixou os
demais espantados, porque era uma obra volumosa que ela teria de resumir para a discussão em grupo, a aluna viu essa questão como desafio e não
voltou atrás na sua escolha. A terceira obra foi Meu Pé de Laranja Lima, que a educanda escolheu no intuito de reviver um período da infância. Isso
foi primordial para a aprendizagem dos alunos, pois “o contato com a linguagem literária propicia um conhecimento que transpõe as formas
subjetivas constituídas e nos lança em devires que podem produzir transformações no nosso território existencial” (KASTRUP; PANTALEÃO, 2015, p.
33).

Os educandos logo começaram a imprimir mais pessoalidade à escrita; eles, após cinco meses, já não tinham tanta semelhança entre os textos que
escreviam, pois, antes, tinha-se a impressão de que ler um era como ler todos, pois seguiam os mesmos esquemas de produção das ideias, como se
o texto fosse de um só. Depois da interação no clube, percebia-se uma produção mais pessoal, leve que antes era impensável por eles. O trecho
abaixo demostra parte dessa discussão:

[...] Poder tratar dos meus trabalhos na Gastronomia de um jeito mais lírico e pessoal foi algo que me tranquilizou e mostrou o quanto eu estou
no caminho certo, pois consigo dar ao meu trabalho o meu jeito, os meus sentimentos; consigo deixá-los com uma “marca L...”. Ler livros
como Não me Deixes, da Rachel de Queiroz, foi de suma importância, pois vi naquele livro o que eu queria e poderia fazer ao aliar dois ramos
que eu tanto admiro e gosto [sic] (Discente A, 2015).

Os escritos do grupo ficaram mais constantes e passamos da leitura de contos para os romances de Machado de Assis. Também foram lidos mais
autores cearenses, depois de um tempo, o tamanho da obra não importava mais para eles. O prazer pela descoberta de uma leitura descomprometida
ajudava os estudantes a entender melhor seu contexto na universidade e a aprimorar sua aprendizagem, pois apenas eles eram responsáveis por
aquilo que valia a pena aprender. Com isso, compreenderam diferentes estilos linguísticos, quando começamos as correções dos textos levando em
consideração gramática e outros aspectos, as resistências à revisão foram inexistentes: passou-se de um estado de “vergonha da escrita” para um
estado de consciência da importância de aprender a escrever melhor, pois os seus textos não eram para ficar nas gavetas da universidade, mas sim
para dialogar com a comunidade sobre os conhecimentos construídos por eles e para ajudar a resolver problemas sociais.

O clube da leitura continua, mas agora mudamos os encontros para um ambiente mais informal, tomando um café e conversando sobre comida do
jeito que gostamos; hoje eles querem fazer a coordenadora do clube ler seus livros estrangeiros e volumosos sobre fantasia e escrever sobre isso. O
acordo ainda está por ser feito, nessa negociação estou tentando pôr em pauta a leitura de Eça de Queiroz – vamos ver quem ganha essa.
E para não concluir...

A literatura, como arte, pode realizar transformações que ultrapassam o espaço escolar conduzindo saberes para a vida. Foi por isso que buscamos
na literatura uma mediação para ajudar os alunos com dificuldades de escrita a entender seus processos educacionais e a superar seus limites.
Assim, o diálogo realizado aqui relata uma experiência positiva que aconteceu em um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Ceará, com os
discentes do curso de gastronomia.

Para esses alunos, o pensar sobre comida, cultura e alimentação estava permeado por termos técnicos, preso a um modelo de escrita para a
avaliação. Entretanto, a partir da interação no clube de leitura, foi possível perceber a conscientização dessa postura e ver suas vozes aparecerem
nos textos imprimindo na sua trajetória educacional um papel ativo, comunicando suas ideias de forma pessoal e criativa.

Um dos méritos dessa conquista foi desenvolver apoio às dificuldades de escrita dos alunos sem uma postura de julgamento ou superioridade
comum na Universidade. Esses estudantes relataram em vários momentos de avaliação do clube que perderam o medo de mostrar seus escritos, por
confiarem que ninguém que estava ali iria expor suas deficiências na forma de chacota ou condenando sua trajetória educacional. Assim, Machado
(2008, p 284) advoga que, para

mudar o quadro da educação brasileira no que se refere a escrever não seria difícil. Bastaria aumentar a liberdade, diminuir as ameaças,
autorizar que a vida e a subjetividade, as histórias significativas para os pequenos ou grandes alunos entrem na sala de aula, para a fruição e
deleite de compartilhar entre os diferentes.

Ademais, destaca-se que o clube ainda continua e que falta alcançar mais níveis no desenvolvimento dos alunos para que possam constituírem uma
escrita-inventiva. Apesar de não ter alcançado todos os objetivos de escrita do grupo, é importante comunicar para a comunidade a possibilidade de
métodos que prezem a liberdade e o acolhimento para ajudar os aprendizes a ter voz e vez. Nesse grupo, apostamos na literatura e, assim, cada um
pode encontrar formas de dizer o não dito. Esperamos que o escrito possa incentivar mais clubes de leitura e mais canais comunicativos que
envolvam seus sujeitos a partir da arte de ler.

REFERÊNCIAS

BECKER, Howard S. Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.

BIACHETTI, Lucídio. O Processo da Escrita: Elementos inibidores e facilitadores. In: BIACHETTI, Lucídio; MEKSENAS, Paulo (Org.). A trama do
conhecimento: teoria, método e escrita em ciência e pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 2008.

KASTRUP, Virginia; Pantaleão Maria Isabel. Literatura, Escrita Inventiva e Virtualização do Eu. Revista Interinstitucional Artes de Educar, Rio de
Janeiro, v.1, n.1, p. 29-48, 2015.

MACHADO, Ana Maria Netto. Pânico da folha em branco: para entender e superar o medo de escrever. In: BIACHETTI, Lucídio; MEKSENAS, Paulo
(Org.). A trama do conhecimento: teoria, método e escrita em ciência e pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 267-286.

_______. Escritinhos. Ijuí: Unijuí, 1999.

MELO NETO. João Cabral de. Poesia Crítica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.

PESSOA. Fernando. Heróstrato e a busca da Imortalidade. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000.

SILVA, Obdália Santana Ferraz. Vozes Que Silenciam, Silêncios Que Ressoam: as (Des)Venturas Da Escrita Na Universidade. In: REUNIÃO NACIONAL
DA ANPED, 37, 2015, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Anped, 2015.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.
9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).
A

Literatura

CAPÍTULO 12 O “CEARÁ INTELECTUAL” NO ENSINO DA LEITURA, DA LITERATURA E DA LÍNGUA MATERNA NO


INSTITUTO DE HUMANIDADES DO PROF. JOAQUIM NOGUEIRA

Daniele Barbosa Bezerra

No início do século XX, a produção editorial brasileira encontrou campo fértil. Com a modernização das tipografias e do fomento da escola novista
relativa à produção didática, as iniciativas editorias foram muito bem-vindas e fizeram com que muitos autores fossem publicados e estudados por
aqueles que estavam em formação.

Os livros de leitura e os manuais escolares foram produzidos como incentivadores à cultura da instrução da escola dita moderna. Assim, era comum
vê-los nas premiações, nas bancas de estudo, nas fotos dos alunos, nos recreios, nas sabatinas e sobretudo na sala de aula.

No Ceará, um grupo de autores e editores deram o pontapé inicial para a nova empreitada, dentre eles, Joaquim Nogueira, com diversas edições de
caráter didático, como o Baralho Aritmético, as Lições Progressivas de Primeiras Letras, o Jornal Bandeirantes, a Revista Escolar e o livro Anno
Escolar. Destacou-se, também, Rodolpho Theophilo, que nos finais do século XIX, produziu “Ciencias Naturais em Contos”, em que transformou
conteúdos bastante complexos em texto literário; João Gonçalves Dias Sobreira, publicou em 1887, “Geografia Especial do Ceará Sobreira”; João
Brígido, em 1882, o “Resumo da História do Ceará” (SILVA, 2010).

Na educação do início do século passado, o ensino intuitivo defende o uso de livros para a educação de crianças e jovens, como meio de afastá-los
da ignorância, além de ressaltar o seu papel de instrumento didático do professor. Assim, um circuito autoalimentado por educadores e editores para
a infância no Ceará, nas três primeiras décadas do século XX, nutria as condições de produção do livro didático (SILVA, 2010).

O Método Intuitivo e Prático ou Lição das Coisas foi inserido na escola brasileira, no final do século XIX, intencionando se opor ao Método Lancaster
ou Monitoral. De acordo com a proposta lancasteriana, o professor ensinava a lição a um grupo de crianças mais “tarimbadas” e “inteligentes”.
Então, essas crianças ficavam responsáveis por ensinar aos outros alunos, “os menos inteligentes”, que eram divididos em grupo. Desta maneira,
um professor conseguia instruir um grande número de alunos, mesmo que indiretamente. À medida que a criança fosse progredindo, fazia parte do
grupo que “auxiliava” o professor. O método, criado por Andrew Bell e Joseph Lancaster, teve o aval do Brasil Império, que objetivava diminuir as
despesas com a instrução, facilitar o trabalho do professor e escolarizar as camadas populares (MANACORDA, 2004).

Além do quê, o Método intuitivo e Prático tinha diretrizes metodológicas bastante claras: a reflexão e a exposição de ideias por parte dos alunos. Para
isso, o ensino deve partir da observação, da intuição, da experimentação. Os materiais didáticos também foram contemplados no método e foram
difundidos em exposições mundiais, realizadas na segunda metade do século XIX. O método foi bastante difundido na Primeira República (SAVIANI,
2007).

Johann Basedow, Fröebel, Pestalozzi e Herbart foram inspiração aos que simpatizavam com o Método Intuitivo e Prático. Basedow, influenciado
pelas ideias educacionais de Rousseau julgava, de extrema relevância, os jogos, os trabalhos manuais e os exercícios físicos, visto que dava grande
importância à saúde e à educação física. Em 1774, fundou uma escola e foi o primeiro a delimitar no programa educativo da escola primária, a
atividade física, onde a ginástica e as disciplinas intelectuais eram igualmente relevantes na educação escolar (MARINHO, 1986).

Aqui no Ceará, o professor Joaquim Nogueira foi um dos precursores do Método numa instituição privada de ensino, o Instituto de Humanidades,
além de ser o proprietário da Typographia Escolar, juntamente com o seu filho, José Mendonça Nogueira. Ambos não só produziram os livros
didáticos usados no Instituto, como também diversos gêneros literários, como a “Revista Escolar”, a revista “Bric-à-Brac”, o “Jornal Bandeirante”, o
“Anuário Cearense”.

No livro “Anno Escolar”, a sessão intitulada “Ceará Intelectual” caracterizava-se como uma publicação em cores locais, isto é, os elementos que
compunham a cultura da sociedade cearense eram a própria essência desta publicação, cuja história do Ceará e a produção literária cearense foram
a sua marca registrada, que tanto contribuiu para trazer, à luz do conhecimento, os nomes e as obras de intelectuais cearenses de várias áreas, seja a
Literatura, História, Sociologia, Geografia.

Destarte, o nosso interesse recai neste instrumento didático para a prática da leitura, o ensino da literatura e da língua materna no Instituto, cujos
autores dos diversos gêneros literários são intelectuais cearenses que muito colaboraram para a instrução dos alunos do Instituto de Humanidades.
Alguns desses autores, em sua grande maioria, foram docentes da instituição ou colaboradores nas publicações do Instituto, como também
convidados do Prof. Joaquim Nogueira para as bancas escolares realizadas aos sábados festivos, na instituição. Outros já eram autores mais que
consagrados nacionalmente, como José Alencar, cujo parágrafo da obra Iracema aparece na imagem de uma aula de Português, do Dr. Mattos
Peixoto, no Instituto de Humanidades.

Aula de Português do Dr. Mattos Peixoto, em imagem imortalizada no Instituto de Humanidades, em 1907. Nota-se, na lousa, um trecho da obra
Iracema de José de Alencar. Assim percebe-se que o ensino da língua portuguesa não estava dissociada da literatura

Fonte: Livro de Matrículas do Instituto de Humanidades - Arquivo Público do Estado do Ceará.

Assim, intenciona-se elencar os autores locais que se sobressaíram na pesquisa, apresentar exemplos da literatura produzida no “Ceará Intelectual”,
além de refletir sobre o ensino da leitura, da literatura e da língua materna na instituição do Prof. Joaquim Nogueira, todavia se faz necessário um
esclarecimento quanto ao conceito de literatura com que nos propomos dialogar. Para Antônio Cândido,
A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo
arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um
elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade (CANDIDO, 1972, p. 53).

Não só nos deteremos à concepção de literatura de Antônio Cândido, como também, à ideia de literatura como o conjunto de produções literárias nas
várias áreas do conhecimento elencadas no “Ceará Intelectual”. Não somente o texto literário, em que a linguagem é usada esteticamente para obras
de ficção.

Sobre o Instituto de Humanidades

Em 07 de janeiro de 1904, o professor Joaquim Nogueira fundou em Fortaleza, o Instituto de Humanidades e no dia 15 do mesmo mês inaugurou suas
atividades escolares. À frente do Instituto, mostrou-se um educador criterioso e severo que acreditava na necessidade de um ambiente adequado
para o desenvolvimento das atividades humanas. Desta forma, adquiriu um mobiliário e recursos pedagógicos que condiziam com o que almejava
como educador, uma escola estruturada com o Método Intuitivo e Prático. Sua preocupação passava, também, pelo prédio escolar, por acreditar que
tais locais abrigam diversas pessoas que buscam adquirir conhecimento e cultura. Portanto, a arquitetura e infraestrutura destes locais deveriam
estar plenamente adequadas para a não somente acolhida do corpo escolar, como também deveria lhes dar a possibilidade de condições de
aprendizagem.

O Instituto de Humanidades passou a se tornar apto a oferecer condições satisfatórias de infraestrutura para uma boa aplicação do método e foi
consagrado como uma das melhores escolas do seu tempo, em Fortaleza. O professor, não alheio ao que se propôs, não se intimidou e nem mediu
esforços para adequar o seu Instituto aos melhores padrões de ensino de então. Assim, a instituição de ensino foi sofrendo as modificações
pertinentes aos seus ideais republicanos, cujos direitos e deveres cívicos, além de disciplinas de base humanística, eram consideradas soluções
para o crescimento moral e intelectual da sociedade (SOUZA, 1998). A instituição fechou as portas em 1914, sendo reaberta em 1918 com o nome de
Collegio Nogueira.

Sobre o livro “Anno Escolar”

O livro “Anno Escolar” foi publicado em três edições, a primeira edição é de 1908, a segunda de 1910 e a terceira de 1921, esta última prefaciada pelo
jurista Clóvis Beviláqua que segue abaixo:

UM BENEMERITO

Há vocações que assumem a forma e o alcance de verdadeiras missões sociaes. A de Joaquim da Costa Nogueira é dessa categoria
privilegiada.

Tem ele do ensino escolar uma concepção digna de applausos, porque correspondendo à capacidade assimiladora dos meninos, estimula,
nutre e orienta as intelligencias, de modo a dar-lhes iniciativa, confiança, amplitude e penetração. Certamente o methodo não cria essas
qualidades; mas aproveita-as, onde as encontra; descobre-as, onde se escondem; desenvolve-as, e, por assim dizer, transforma um
mesquinho germem numa viçosa planta.

A par disso, possui elle um dom particular de comunicar-se com o espirito das creanças, que torna a aprendizagem para estas um encanto,
pela doçura com que é ministrada, e uma satisfação dignificante, porque é a revelação do valor de cada uma, feita a si mesma, revelação que
se acompanha da consciência progressivamente formada do que seja o mundo moral, em que o sentimento do dever é forma de affecto e
estímulo de acção.

Acompanhei, com muita sympathia, a publicação da Revista Escolar, onde vi os espíritos dos educandos, guiado pela competência do
professor, erguer-se, expandir-se, e realizar trabalhos superiores aos que se poderiam esperar delles, na edade em que se achavam. Apreciei
no Anno Escolar a mesma orientação produzindo os mesmos resultados. E esses documentos me autorizam a fazer do benemerito professor o
juizo que acabo de externar.

Rio, 28 de janeiro de 1920.

Clovis Bevilaqua (NOGUEIRA, 1921).

O reconhecimento público do Governo do Estado do Ceará pelo seu trabalho de educador e produtor de livros didáticos se dá quase duas décadas
após o início de suas atividades no magistério.

As duas primeiras edições do “Anno Escolar” são destinadas, exclusivamente, aos alunos e professores do Instituto de Humanidades e do Colégio
Nogueira e foram confeccionadas na Typographia Escolar, de propriedade do mestre-escola e de seu filho, José Mendonça Nogueira. A última edição,
adotada pelas escolas públicas e primárias do estado do Ceará, em decreto lei de No 1.682, de 30 de setembro de 1919, foi confeccionada pelos
editores Leite Ribeiro e Maurillo na cidade do Rio de Janeiro, pois no ano de 1921, a Typographia Escolar já não mais existia em Fortaleza, desde a
morte prematura de José Mendonça. O texto do decreto informava que,

O povo do Estado do Ceará, por seus representantes, decretou e eu promulgo a seguinte resolução:

Art. 1.o – Fica adoptado nas escolas públicas do Estado o livro denominado “Anno Escolar”, de autoria do professor Joaquim da Costa
Nogueira.

Art.2.o- O Governo adquirirá, para distribuição gratuita pelas escolas primarias, 2.000 a 2.500 exemplares do referido livro.

Art. 3.o- Anualmente concederá o Governo a subvenção de quatro contos de reis como auxílio à publicação da Revista Escolar, do mesmo
professor, que será paga em doze quotas iguaes.
[…]

Palácio da Presidencia do Ceará, em 30 de setembro de 1919.

João Thomé de Saboya e Silva.

J. Moreira da Rocha (CEARÁ, 1921, p. VII).

Tanto o “Anno Escolar” quanto a Revista Escolar, subvencionados pelo governo, são amparados pelo poder público e aclamados pelos educadores,
intelectuais e população e o Prof. Joaquim Nogueira sentiu o gosto do reconhecimento pelo seu trabalho.

O “Anno Escolar” é dividido em duas partes. A primeira denominada “CIVISMO” contemplava: a) Ephemerides nacionaes, principais acontecimentos
do Brasil - fundações, movimentos revolucionarios, phases de governo, desde o seu descobrimento até a época atual; b) Explicação das grandes
datas que relembravam os grandes feitos e seus protagonistas; c) Hymnos e canticos patrioticos; d) Questionario sobre a Constituição Federal
quanto às formas de governo e sua história; poderes da Nação; organização dos Estados, sua divisão e administração; qualidades, direitos e deveres
dos cidadãos.

A segunda parte dedicada à “MORAL” compreendia a Literatura Escolar: a) Cousas Históricas - nomenclatura e descripção; b) Phrases Literarias -
explicações; c) Reflexões Moraes, conselhos, maximas, proverbios; pequenos contos, anedotas infantis etc; d) Preceitos de Civilidade applicados a
differentes casos da vida social; e) Sabedoria - Enumeração de factos, cousas ou individualidades sobre Religião, Moral, Civismo, Historia Geral e
Historia Patria, Geographia, Astronomia, Historia Natural, Philologia, Mathematica etc; f) Jogos de Espírito - Grande número de questões a serem
propostas aos alumnos de differentes classes (NOGUEIRA, 1921).

O Anno Escolar, em sua composição, trazia textos que levantavam não só a bandeira do nacionalismo, próprio dos professores republicanos, como a
cultura cearense.

Sobre o “Ceará intelectual”

O “Ceará Intelectual”, como o próprio nome sugere, é um enxerto do livro “Anno Escolar” e mais tarde uma publicação autônoma cujos textos, de
diversos gêneros são de autores cearenses. Foi editado nos anos de 1908, 1910 e 1921. A obra inclui fatos, fenômenos, personalidades, inquietações,
História, Sociologia, Antropologia, Geografia, cultura cearense adequada à educação básica primária.

Em sua composição, há noções sociológicas, antropológicas, estéticas, políticas e pedagógicas. Possui um caráter literário, apesar dos temas de
perfil moralizador, civilizador e científico na construção da autoimagem cearense. A compilação de textos de autores cearenses fez com que a
intelectualidade local fosse conhecida e reconhecida pelos pequenos leitores e por outros intelectuais no Brasil afora. O “Ceará Intelectual” foi
difundido na imprensa e provocou reações positivas de jornalistas, educadores e intelectuais não só do Ceará, como do Brasil, conforme
constatamos em várias correspondências recebidas pelo educador.

O livro, além dos textos, possuía fotografias dos seus respectivos colaboradores e, vez por outra, algumas ilustrações referentes ao conteúdo
apresentado. É perceptível o trabalho feito pelos editores na sua organização, na busca de abranger uma grande quantidade de conteúdos, em que
textos e exercícios são contemplados.

A acumulação de conteúdos propostos pelas edições enciclopédicas, reflete a pedagogia vinculada à ideia da formação humana pelo acúmulo de
saberes, típico das ciências positivistas, ao mesmo tempo em que dialoga com as ciências modernas. Um tempo em que a busca por práticas
pedagógicas adequadas à realidade brasileira acabava por permitir esses “encontros” considerados paradoxais para alguns pesquisadores.

Ensino da leitura, literatura e língua materna no Instituto

A aprendizagem da língua materna e da literatura, além da prática da leitura, no Instituto, permaneceu marcada na memória afetiva deste seu
ex-aluno, como constatamos no depoimento abaixo.

Aprendizagem de português, além dos sistemas rotineiros de leitura, interpretação e análise, se fazia de um modo muito prático, procura, no
dicionário, pelos próprios alunos, das palavras que eles desconheciam, escrita, no quadro negro, dos vocábulos mais difíceis; redação de
telegramas em papel oficial etc. […] (OLLIVEIRA, 1966, p. 221-223).

No depoimento do aluno, há a indicação de que a literatura usada no Instituto, isto é, as manifestações textuais de várias áreas auxiliam na aquisição
da norma culta da língua e não só para a prática da leitura, como também para o desenvolvimento da escrita, do entendimento textual, da aquisição
do vocabulário, além do conhecimento sobre a cultura cearense. A literatura e o ensino da língua coabitavam uma mesma prática pedagógica para a
construção do saber linguístico.

Esta prática foi abandonada, décadas mais tarde, nos anos 70, do século XX, quando o ensino da literatura e do português foram dissociados dando
ênfase a uma visão puramente gramaticalista da língua, em que a literatura e a gramática foram reduzidas a disciplinas, abafando futuros escritores e
comunicadores (BAGNO, 2002). O retorno ao ensino da língua a partir do texto, atualmente, está sendo priorizado nas reflexões sobre o ensino da
língua.

Sobre os autores do “Ceará intelectual”

No “Ceará Intelectual”, do “Anno Escolar” de 1921, destacam-se: Pe. Antonio Thomás, Juvenal Galeno, Dr. Pedro de Queiroz, Cel. João Brígido, Mario
Linhares, Rodolpho Teophilo, Barão de Studart, Cruz Filho, Antonio Salles, Julio Maciel, Papi Junior, Andrade Furtado, Dr. José Lino, Campos Salles,
Dr. Fernandes Távora, Irineo Filho, Antonio Bezerra, Beni Carvalho, Clovis Monteiro, João do Norte, Dr. Antonio Theodorico da Costa, José Albano,
Mozart Monteiro, João Nogueira, Luiz Correia, Eusebio de Souza, Leonardo Motta, Gregoriano Cruz, Joakim (sic) Catunda, Alba Valdez, Antonio
Drummond, Pe. Sylvano de Souza, Ferreira dos Santos, Julio C. Monteiro, Ephren Silva. Muitos desses nomes não só se fizeram presentes nesta
edição, mas acompanharam a trajetória do Instituto com contribuições nas diversas publicações do Instituto.

Dentre os autores apresentados destacamos a poesia de Cruz Filho, professor da disciplina de Português e Literatura, no Liceu do Ceará, que mesmo
não tendo formação superior, sua sólida formação humanística contribuiu para que o poeta fosse considerado um dos melhores poetas de sua
geração (AZEVEDO, 1975). Eis uma de suas contribuições para “Ceará Intelectual”, de 1921, na sessão Ceará Intelectual:

A PARASITA,

Foi semente, a principio. O vento, acaso, uma dia,

Num vórtice, a conduz através do deserto

E, entre folhas e pó, a semente erradia

E anonyma, seguiu o seu destino incerto...

De alto jacarandá, que na floresta, abria,

Gigante, a fronde ao sol, de outros gigantes perto,

Pousou o humilde embryão entre a copa sombria

E, à sombra, emfim, grelou na rude côrcha inserta.

Grelou, cresceu alli- rendada trama implexa-

A ramagem se alonga, agora desce, enlaça

O tronco, às inflexões da fronde circumflexa.

Haure a seiva nutriz, sorve o rócio celeste

E, à luz do grande Sol, cheio de amor e graça,

A impudica nudez do annoso tronco veste...

(CRUZ FILHO, 1921. p. 242).

O texto revela-se como um exemplo da literatura, na sua concepção de arte e que fora usado como recurso pedagógico ao ensino da língua e da
literatura.

Outro texto que bem nos remete à produção literária escrita e publicada na sessão intitula-se “O Estado do Ceará e a sua Bandeira”. Segue parte do
texto:

O Estado do Ceará e a sua bandeira

Não há dispositivo official estabelecendo a creação de uma bandeira para o Estado do Ceará.

Falta por demais sensível é a que se assignala e da qual são responsaveis os que, com o poder nas mãos, nada teem querido fazer em pról da
effectividade dessa aspiração, não podendo o povo cearense dar vivo attestado do alto gráo de sua educação civica, mostrando saber assim
venerar, com justificavel orgulho, o symbolo augusto de seu berço nativo.

Nesse particular, não se acha o Ceará em relação inferior: se alguns estados da Republica possuem a respectiva bandeira, outras, ha, que o
teem acompanhado nessa indecisão.

Pernambuco, por exemplo, o valoroso Leão do Norte, tão ennobrecido de feitos que dignificam os seus filhos, só há pouco tempo despertou
desse esquecimento, tornando-se official a sua bandeira.

Tal acontecimento se deu após significativas festas do centenario da revolução de 1817, tendo resolvido o governo da lendaria terra de Nunes
Machado a doptar a própria bandeira que servira, cem annos atraz, de lábaro aos cabecilhas do predito movimento revolucionario.

O Ceará, até hoje, tem vivido de tentativas, de ligeiros ensaios possuindo apenas simulacro de bandeira.

[…]

Fortaleza, Novembro de 1919.

Eusébio de Souza- Do Instituto do Ceará

(SOUZA, 1921, p. 296)


O texto, de cunho sociológico e político, trata da falta de um dispositivo oficial para a criação da bandeira do Estado do Ceará, o que faz com que os
alunos tenham contato com discussões recorrentes entre os intelectuais do seu tempo.

Outro exemplo de texto publicado no livro Anno Escolar, em 1921: “Relevo e aspecto do solo. Clima. Producções.” de Joakim Catunda. Eis um
trecho:

É a provincia do Ceará um vasto território que se comprehende entre 2º45’ e 7º e 15’ de latitude meridional, e 2° 30’ e 6° 40’ de longitude
oriental. ■imitam-n’a o oceano Atlantico ao norte e ao nordést e sudéste, a separa das provincias visinhas.

D’onde lhe veiu o nome se duvída, entendendo uns que de suía-caça (*), outros que do canto de um pequeno papagaio grasnador, abundante
do tempo da descoberta. Com melhor fundamento pretende Candido Mendes (**) que o nome é a contracção de Ciria-poá , Ciri-á-Ciriá-e depois
Ciará, como primeiro se escreveu, nome que evoluiu das fórmas tupicas para as lusitanas e que lhe foi dado pelos primeiros colonos, os
petiguares, transmigrados do ceará-mirim. Anteriormente era o seu territorio denominado-sertão do Jaguaribe-na parte meridional, e do
camucy-na septentrional.

[…]

(CATUNDA, 1921, p. 215).

O texto de Joakim Catunda oferece aos alunos do Instituto de Humanidades o conhecimento sobre os aspectos geográficos do estado do Ceará,
contribuindo dessa forma não só para a aquisição da leitura, como também para o conhecimento e entendimento da paisagem do Ceará.

Conclusões

Joaquim da Costa Nogueira foi um educador e editor de livros de extrema importância para a educação cearense e para a sociedade em que estava
inserido. O Instituto de Humanidades fundado e dirigido por ele garantiu com que os alunos fossem estimulados ao aprendizado com o que havia de
mais inovador nas práticas educativas de então, o Método Intuitivo e Prático. Para dar robustez e solidificar seu fazer pedagógico, Pestalozzi,
Fröeber, Norman Alisson Calkins o guiaram na sua vocação de mestre-escola. Assim, com o conhecimento que cada um lhe proporcionou, facultou
cor local às suas práticas pedagógicas.

Como editor de livros dos mais variados gêneros, publicou o “Anno Escolar”, instrumento pedagógico para as aulas do Instituto de Humanidades.
Em 1919, o livro didático foi adotado, pelas escolas públicas do estado do Ceará, devido ao valor atribuído a ele por intelectuais da época. Os seus
autores e editores empreenderam noções modernas do livro escolar, participando da circulação de livros escolares no país.

Quanto ao ensino da leitura, da literatura e da língua materna percebemos que não estava dissociado. A literatura oferecida aos alunos, no “Ceará
Intelectual”, enxerto do “Anno Escolar” apresentava manifestações textuais de várias áreas e serviam de instrumento para a aquisição da leitura,
como também para o desenvolvimento da escrita, do entendimento textual e da aquisição do vocabulário. A leitura, a literatura e o ensino da língua
coabitavam uma mesma prática pedagógica para a obtenção do saber linguístico.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza Descalça. Fortaleza: UFC/Casa de José de Alencar - Programa Editorial 1978

AZEVEDO, Sânzio de. Cruz Filho e sua poesia. Revista da Academia Cearense de Letras, 1975

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999

CÂNDIDO, Antônio. A personagem do romance. In: CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1970.

_______. Um impressionismo Válido; DANTAS, Vinícius. Textos de Intervenção. Coleção Espírito Crítico. São Paulo: Duas cidades; 34ª Edição, 2002

CATUNDA, Joakim. Relevo e aspecto do solo. Clima. Producções In: NOGUEIRA, Joaquim da Costa. Anno escolar. Livro de Leitura. Rio de Janeiro:
Editor Leite Ribeiro e Maurillo, 1921

CRUZ E FILHO. A Parasita. In: NOGUEIRA, Joaquim da Costa. Anno escolar. Livro de Leitura. Rio de Janeiro: Editor Leite Ribeiro e Maurillo, 1921

MANACORDA, M. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2004.

MARINHO, Inezil Penna. História da educação física no Brasil. S.i: Cia Brazil, 1986.

NOGUEIRA, Joaquim da Costa. Anno escolar. Livro de Leitura. Rio de Janeiro: Editor Leite Ribeiro e Maurillo, 1921

SAVIANI, Dermeval (Org). História e História da Educação. Campinas, São Paulo: Autores Associados – HISTDBR, 2000.

SILVA, Ana Glória Lopes da. O Livro Anno Escolar do Instituto de Humanidades de Fortaleza-Edições Escolares e a Cultura Cearense nas três
primeiras décadas do século XX. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Ceará-UFC, 2010.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora
UNESP, 1998.

SOUZA, Eusébio de. O Estado do Ceará e sua bandeira. In: NOGUEIRA, Joaquim da Costa. Anno escolar. Livro de Leitura. Rio de Janeiro: Editor Leite
Ribeiro e Maurillo, 1921.
1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.
25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.
33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

Sobre

Sobre

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Ensino

Sobre

CAPÍTULO 13 LITERATURA E FORMAÇÃO DOCENTE: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Elcimar Simão Martins

Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite

Maria Socorro Lucena Lima

Introdução

“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o

sol chegando atrás das beiradas da noite. E

logo sentava-se ao tea” (Marina Colasanti).

Este texto é o resultado do encontro de dois fortes fios: Literatura e Educação. Aqui está um entrecruzamento de linhas e ideias de vários estudos e
pesquisas que nos ajudaram a construir este tecido.

A última década do século XX e estes anos do século XXI são marcados por rápidas transformações na geopolítica global, que impactam diretamente
nas políticas educacionais. Esse contexto de mudanças oriundas dos avanços científico-tecnológicos se amplia para os diversos setores da vida
humana. No campo da educação, instaura-se um clima de inquietação no que concerne ao perfil de homem que se deseja formar para essa
sociedade. Atualmente, aponta-se para mudar a realidade educativa e social com o empenho de todos os agentes sociais em uma verdadeira
construção coletiva (IMBERNÓN, 2010).

Desta forma, esse período recebe também a marca das discussões acerca da formação docente, pois sem uma adequada formação de professores,
dentre outros fatores, não há ensino de qualidade.

As experiências formativas podem favorecer situações de aprendizagem a partir das vivências cotidianas dos docentes, oportunizando um espaço
para o desenvolvimento de atividades colaborativas, nas quais os pares mais experientes possam atuar como interventores, mediando e auxiliando
uns aos outros com suas competências específicas (ALVES, 2008).

A leitura é um dos pontos cruciais da prática pedagógica dos docentes e, portanto, fundamental nas investigações de formação de professores.
Assim, torna-se necessária a apreensão de que uma das funções importantes da leitura, entre outras, é intermediar a aprendizagem.
Este estudo é resultado de nosso trabalho como formador de professores. A convivência com os professores em processo de formação provocaram
algumas indagações, entre as quais destacamos: Como os professores compreendem, articulam e desenvolvem práticas de leitura na dinâmica da
sala de aula? Em que medida o texto literário é capaz de mediar o diálogo de professores acerca de sua profissão? Quais os desafios e limites de
utilizar o livro imagético como instrumento de formação?

O presente trabalho tem como objetivo principal investigar a capacidade do texto literário de mediar o diálogo de professores acerca de sua
profissão. Em virtude da complexidade do objeto de estudo, optamos pela pesquisa qualitativa, buscando compreender os fenômenos a partir dos
próprios sujeitos envolvidos na pesquisa (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

Arte literária

Etimologicamente, Arte remonta ao latim ars, correspondendo ao tekné grego, que significa técnica e/ou habilidade com um objetivo específico. Na
atualidade, a arte ganha novos significados, envolvendo imaginação, criação, poeticidade, enfim, uma mobilização intensiva que descortina e revela
os sentidos da existência humana.

A arte expressa de forma singular a condição humana, posto que é uma forma própria de conhecimento cujas

[...] expressões simbólicas que incidem na transfiguração do real se consubstancia mediante a força intensiva e a fruição da imaginação
criante adubada pela fantasia, pelo onírico, pelo imaginário mitopoético; dos sentimentos e desejos, paixões e crenças mais viscerais; dos
feixes da intuição, do senso agudo e sutil que emerge desde dentro; do elã da espiritualidade, do anímico ao penetrar nos desvãos da alma, do
sopro que anima; da consciência compreensiva em que uma razão alargada e sensível conduz a compreensões vastas; da corporeidade
mediante as in-tensidades de sua pregnância existencial (ARAÚJO, 2001, p. 1).

O autor apresenta a arte como uma maneira própria de conhecimento que ultrapassa o real, levando o ser humano a variadas compreensões com
relação à sua existência e ao mundo. A arte é polissêmica e se expressa das mais variadas formas e através de linguagens peculiares, tais como: a
música, a escultura, o teatro, a dança, a literatura, dentre outras. Para este trabalho, focaremos a arte literária, uma vez que a literatura é muito mais
do que o trabalho com ela realizado em sala de aula, enquanto disciplina curricular. Assim,

[...] concebemos Arte, não como um mero instrumento ou recurso pedagógico, mas de acordo com o que vimos anteriormente, como uma
forma de conhecimento ontologicamente construída que, com suas características e sentidos peculiares, pode proporcionar o sorver
degustante desses processos de religação e de re-encantamento da vida, dos mundos possíveis (ARAÚJO, 2001, p. 8-9).

A arte literária está ligada a outras artes, como a pintura ou a escultura, por exemplo, que inicialmente podem mostrar-se estáticas e após uma leitura
mais apurada observamos muitas possibilidades de comunicação e significado que levam à fruição estética.

Segundo Lajolo (1994, p. 15): “[...] tudo isso é, não é e pode ser que seja literatura. Depende do ponto de vista, do sentido que a palavra tem para
cada um, da situação na qual se discute o que é literatura”. Não há como definir literatura ou restringir a sua importância a um mero conceito, pois
ela ultrapassa as correntes literárias, os períodos históricos. Enfim, há a necessidade de uma abertura para a leitura por puro deleite. Melhor que
buscar caracterizações é o que o leitor consegue guardar das muitas possibilidades de significados que o texto literário lhe oferece.

De acordo com Barthes (1997, p. 16), “[...] essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no
esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”. Segundo o autor a arte literária é vista como uma
ilusão saudável e ao mesmo tempo arredia. A literatura é arte, é uma representação do mundo real e, ao mesmo tempo possibilita a vivência do
impossível, pois tem o poder de deslocar o leitor para lugares nunca imaginados.

A arte literária – na sala de aula ou fora dela – é uma excelente ferramenta para o favorecimento da troca de experiências, da possibilidade de
reflexão, da liberdade criativa e da tentativa de comunicação. Assim, “com seu espírito de transgressividade, as linguagens de Arte subvertem os
clichês cristalizados que recalcam e interditam as expressões originárias” (ARAÚJO, 2001).

O texto literário – entre outros aspectos – distingue-se dos demais por apresentar uma linguagem plurissignificativa, recriar a realidade, enfatizar a
expressão e possuir uma intenção estética, além de, muitas vezes, subverter a norma culta. Por esse seu caráter heterogêneo, é capaz de levar –
professores e alunos – a se aceitarem e se assumirem como leitores-sujeito, ao mesmo tempo críticos e criativos.

O ato de ler envolve diretamente autor e destinatário e permite a vivência da obra de arte ou de pensamento que oferece como objeto de deleite ou de
análise. O leitor participa ativamente do texto que funciona como uma possibilidade de reflexão e experiência que o destinatário vai viver, modificar e
transformar-se na medida em que acrescenta o novo ao seu mundo. Com isso, “[...] cada obra de arte se expande mediante incontáveis camadas de
leituras, e cada leitor remove essas camadas a fim de ter acesso à obra nos termos do próprio leitor. Nessa última (e primeira) leitura, nós estamos
sós” (MANGUEL, 2001, p. 30-32). Dessa forma, o leitor pode assumir-se como coautor da obra lida e desenvolver a sua capacidade de construir
sentido para os textos da mesma forma que o faz com outras coisas de sua vida.

O texto literário favorece ao professor trabalhar o caráter de contestação e libertação, pois possibilita a criação, o questionamento, leva ao desafio e
propõe a busca de sentido. Devemos, portanto, aproveitar todas as possibilidades de trabalho que o texto literário oferece e assim facilitar a tensão
do público leitor – os alunos.

A leitura de livros imagéticos

O principal propósito do professor de literatura deve ser a formação de leitores, cuja relação com o texto seja a do prazer. Prazer este desenvolvido
com as crianças na educação infantil, inicialmente instigando-as à interpretação de imagens e ao desenvolvimento da literatura oral a partir da
contação de histórias. Assim, as imagens expandem a imaginação das crianças, favorecendo a leitura de mundo.

Segundo Paulo Freire, “a leitura de mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1989, p. 11). Isso nos leva a refletir que ler é muito mais do que
decodificar palavras. A leitura de mundo, portanto, mostra-se como fundamental visto que estamos rodeados de imagens, símbolos, mensagens,
gestos, olhares, saberes diversos, dentre outras possibilidades. Essa comunhão de experiências várias nos favorece apreender a leitura da palavra.

É bem verdade que a leitura de imagens começa a ser trabalhada em casa e tem continuidade na escola com a leitura de livros imagéticos. Porém, tal
prática não é algo exclusivo ao público infantojuvenil. O público adulto pode e deve fazer leitura de textos imagéticos, posto que toda imagem
sempre tem uma história para contar; basta apenas que lhe apareça um narrador (MANGUEL, 2001).

Ainda segundo Manguel,

Com o correr do tempo, podemos ver mais ou menos coisas em uma imagem, sondar mais fundo e descobrir mais detalhes, associar e
combinar outras imagens, emprestar-lhe palavras para contar o que vemos, mas em si mesma, uma imagem existe no espaço em que ocupa,
independente do tempo que reservamos para contemplá-la (MANGUEL, 2001, p. 25).

A leitura de textos imagéticos depende da bagagem cultural que acumulamos, posto que vivenciamos diversas experiências em nosso cotidiano e
essas são carregadas de significado e geralmente evocam outras imagens que temos guardadas. Assim, “nenhuma narrativa suscitada por uma
imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria
narrativa” (MANGUEL, 2001, p. 28).

Toda leitura evoca outras experiências, propiciando o desenvolvimento da capacidade criativa e um melhor desempenho não apenas na escola, mas
na vida, haja vista que o aluno leitor experimenta novas ideias, desenvolve o raciocínio lógico, a capacidade de argumentação além de ampliar o
conhecimento de sua cultura e da de outros povos.

Leitura de imagens e formação de professores

A formação docente precisa de um novo olhar, com vistas ao atendimento da real demanda dos envolvidos no processo educacional, considerando a
dinâmica da sala de aula, refletindo-a de maneira crítica juntamente com docentes e discentes ali envolvidos.

De acordo com Sacristán, “[...] a prática pedagógica é uma práxis, não uma técnica. E investigar sobre a prática não é o mesmo que ensinar técnicas
pedagógicas” (SACRISTÁN, 2002, p. 82). Sendo assim, a construção dos saberes acontece na práxis social de educadores e educandos, ambos
ensinando e aprendendo. Afinal, como oferecer o que não se tem? Portanto, “faz-se necessário repensar a formação do professor de acordo com a
necessidade social da escola pública, aberta ao novo, capaz de oferecer ao aluno caminhos para a busca de respostas aos problemas que enfrenta
no cotidiano” (GHEDIN, ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 48).

O professor no seu processo de formação precisa aproveitar e valorar os diversos saberes, desde os da área de conhecimento pertinente até os
pedagógicos, didáticos, de sua própria experiência profissional, pois, “falar em formação do professor, portanto, é apontar para seu desenvolvimento
profissional a partir de uma concepção de homem que se organiza formal e sistematicamente na perspectiva da inteireza, e não da fragmentação”
(PIMENTA; LIMA, 2009, p. 130).

Os diversos saberes precisam, continuamente, entrar em comunhão para nortear uma boa prática pedagógica. Vale ressaltar que eles não são
estáticos, mas sim passíveis de serem revistos, redirecionados e transformados, pois nisso está “a importância da pesquisa sobre o ensino na
formação de professores. São as demandas da prática que vão dar a configuração desses saberes” (LIMA & SALES, 2003, p. 71-72).

Na dinâmica do processo de formação contínua, desenvolvemos uma oficina com professores dos anos finais do ensino fundamental. Na
oportunidade, trabalhamos com a leitura de livros imagéticos. Para este artigo, relataremos as leituras do livro Catarina e Josefina, de Eva Furnari.

Escaneamos o livro Catarina e Josefina e o apresentamos aos professores utilizando um projetor de mídia. A atividade foi iniciada com uma predição
do título da obra Catarina e Josefina. O mediador perguntou: “Vocês conhecem alguma pessoa chamada Catarina?”. Prontamente, uma das
professoras responde: “Conheço”. Logo, o mediador pergunta: “Como é, Niza25, a Catarina que você conhece?”.

A Catarina que eu conheço, ela é bem alta. Quando nós éramos amigas de adolescência, ela era até considerada como Olívia Palito; bem
magrinha, o cabelo meio estragado, uma menina bem autêntica, corajosa, determinada, filha de pais simples, mas muito afetuosa. Só tinha uma
irmã e tinha um irmão de criação; era a figura da família. Foram embora há muito tempo para Fortaleza. E lá Catarina batalhou no mundo. Já
perdeu a mãe, já perdeu o pai e ela é que é a chefe da casa. Aí mora ela, mora a irmã, cria o sobrinho, o pai do sobrinho. Elas duas são duas
coroas que tomam conta da casa. Ela é uma menina muito batalhadora, por conta que o pai era doente e antes dele falecer ela teve que
abandonar o emprego pra ficar cuidando dele. Depois ela ficou sendo vendedora ambulante (Niza).

Em seguida, o mediador pergunta: “Alguém conhece alguma Josefina? Josefa?”, ao que Susana responde:

Josefa eu conheço, é uma grande amiga. Josefa é uma pessoa linda, meiga, meiga mesmo, e muito maravilhosa. Trabalho há 12 anos com ela e
eu tenho um carinho imenso. Ela me dá presentes; quando meu pai morreu, ela vinha me buscar pra passear. Ela [...] vinha lá em casa: “Eu vim
te buscar pra gente ir ali tomar um café”. E isso era um presente; a gente ia, tomava um café, fumava um cigarrinho... (Susana).

O mediador agradece e pergunta a outra professora: “Meire, como que você imagina Catarina e Josefina? A professora responde: “Eu acho que
devem ser pessoas que residam no campo, pode ser [...] Eu observei a gravura e dá a impressão de ser do campo, como uma coisa do campo”
(Meire).

Com a atividade de predição, as professoras, a partir de suas vivências pessoais, começaram a envolver-se com a temática da obra, ou seja,
anteciparam possíveis fatos que poderiam ser encontrados na narrativa.

Dando continuidade, o mediador explicou que se tratava de um livro de imagens e que possivelmente cada leitor teria uma interpretação diferente.
Pediu que prestassem atenção e fizessem uma atenta leitura. Ao passar as páginas, rapidamente Meire falou: “É aquilo que eu falei. Catarina trabalha
no campo. Aí agora lá vem a Josefina”. Outra professora perguntou: “A gente já pode ir dizendo?”. O mediador pediu que nesse primeiro momento
cada um fizesse uma leitura silenciosa.
Percebemos que a arte literária encanta não apenas aos leitores mirins. As professoras, já adultas, envolveram-se com o prazer que a literatura
proporciona e não atentaram para o comando dado pelo mediador. Assim, as leitoras à medida que as imagens apareciam na tela já faziam sua
interpretação oral.

As páginas foram sendo passadas e observamos que as professoras estavam atentas às imagens apresentadas. Em seguida, o mediador pediu que
as educadoras escrevessem, em duplas, as compreensões que tiveram de Catarina e Josefina. Posteriormente, as professoras fizeram as leituras de
suas produções. Algumas enfatizavam a questão da inveja que Josefina sentia de Catarina, outras a aproximação que se transformava em amizade
ou que é preciso fazer o bem, independente das circunstâncias. Vejamos uma das produções:

Era uma vez uma menina chamada Catarina. Um dia ela resolveu acampar. Pegou sua mochila e colocou o necessário para passar um final de
semana no campo. Ao achegar ao local escolhido, monta sua barraca, prepara um fogueira, arruma uma mesa para o lanche e estende suas
roupas. Nesse momento, chega Josefina que logo monta sua barraca e observa o que Catarina faz. Sente muita inveja da alegria demonstrada
pela outra e solta raios para destruir tudo o que via. Entretanto, Catarina não se abala com o acontecido e convida Josefina para seu
acampamento. Deu-lhe um vestindo novo e cortou-lhe os cabelos. Ali começou uma nova amizade (Eva e Lia).

O interessante foi perceber que cada texto tinha suas particularidades, seu estilo. A partir disso, foi lançado um desafio: relacionar a leitura de
Catarina e Josefina ao trabalho desenvolvido pelas educadoras em suas escolas. Vejamos o que pensam as educadoras:

Assim, de Josefina tem muitas, mas também tem Catarinas. Mas no trabalho pedagógico, da escola, a gente sabe que tem aquelas meninas que
são uma pedra no sapato [...] Eu sempre procuro fazer as coisas de maneira correta, saber onde estou pisando, pra pisar com firmeza e
procuro sempre dialogar [...] E a gente procura dialogar e conversar e a pessoa às vezes está disposta a ouvir ou não, às vezes aceita, às vezes
não aceita, mas a gente vai tentando, vai remando (Niza).

Eu acho que de vez em quando a gente fica torcendo pra que seja tudo perfeito e nós vamos nos angustiar sempre, que a gente fica nessa
espera que nunca vai ser. Eu acho que a individualidade de cada um, a diferença de cada um só traz vantagens ao trabalho enquanto escola
porque se eu tenho professores e funcionários que dizem amém, tudo bem em tudo, aí é que eu preciso me preocupar porque tá errado, não tá
bem, não pode estar tudo ok e essas pedrinhas no sapato servem pra gente ficar sempre alertas pra como vai ficar, pra não se machucar, pra
não machucar, mas também não deixar de fazer isso porque vai ferir alguém, vai machucar alguém, claro que eu não posso ser desumano, mas
não vou me descompromissar porque tenho medo [...] (Lia).

No cotidiano escolar, muitos são os desafios que o docente enfrenta, exigindo uma nova identidade profissional para conviver com o diferente, o que
demanda uma adequada formação de professores, que estimule “uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada” (NÓVOA, 1995, p. 25).

O professor reflexivo está atento à dinâmica da sala de aula, buscando compreendê-la para que tenha sempre um novo olhar sobre cada situação ali
vivida. Para tanto, espera-se que o docente domine “uma diversidade de saberes não se limitando a modelos restritos, padronizados e específicos,
possibilitando uma ação autônoma, consciente e responsável em relação à produção dos saberes sociais” (RIBEIRO, 2010, p. 58).

Assim, os professores reflexivos, preocupados com o bom desenvolvimento de suas práticas, precisam de uma comunhão de saberes, de
experiência e de reflexão que os orientem nas tomadas de decisão em classe. Vejamos mais excertos que trazem a relação da leitura de Catarina e
Josefina com o trabalho docente:

Eu vi que a gente tem que fazer o seguinte, o melhor remédio pra gente é seguir em frente [...] Quem quiser se incomodar que se incomode; o
que disserem de você não vai mudar, você tem que preservar... Você tem que levantar a sua cabeça e seguir em frente. Porque o que fica é o
profissional da gente, o que realmente conta é o profissional, quem realmente é você (Eva).

Existem sim as Catarinas [...] A gente vê alguns professores disputando [...] A gente escuta de vez em quando, quando a gente vai discutir
algumas questões com o professor e ele: “não, eu já sei, eu já sei” e na verdade nem fez e nem sabe. Mas é bom que tenha gente desse jeito,
que faça a gente ser uma pedagoga muito preparada, ter sempre as respostas, que sempre pede reforço... E que isso faça crescer. Lógico que
tem a questão da inveja, do individualismo... Mas tem também a questão da hombridade. Eu tenho muito cuidado nas minhas palavras quando
me dirijo a uma pessoa e se eu achar que uma palavra não foi conveniente eu peço desculpas (Susana).

É interessante verificar que a leitura do livro Catarina e Josefina aflorou vários sentimentos que as educadoras guardavam. As imagens
oportunizaram às professoras uma imersão em sua vida profissional e elas compartilharam sentimentos e reflexões sobre seu trabalho, sobre sua
vida.

Os excertos evidenciam, em grande medida, que nem sempre há nas escolas o respeito entre os pares. A competição faz com que a inveja aflore e
prejudique o bom relacionamento entre os profissionais, conforme detalha uma das professoras:

Tem também uma coisa que a gente precisa entender: uma das piores características da globalização é a competição. Então a gente vê a
competição o tempo todo [...] Eu vejo muito isso, que as pessoas estão competindo e se destruindo, elas estão ficando profundamente sós
porque a competição vira fuxico, vira puxação de tapete, puxação de saco e vem o que há de pior das pessoas, tira toda a sua autoestima. O
próprio fato de você fazer um pouco mais, de você estar fazendo o seu trabalho bem feito, só o fato de você existir e existir bem, ser
reconhecido como profissional, já agride alguém (Susana).

Cabe ao docente ser sujeito de sua formação e estar apto a atender aos mais diversos públicos, respeitando e acolhendo as diferenças, não apenas
de seus pares, mas, sobretudo, dos estudantes. Também não precisamos ficar desconfiados de tudo ou de todos. Às vezes, uma ação inesperada de
outro serve para que analisemos a maneira como estamos conduzindo as nossas atividades.

Por outro lado, as professoras também ressaltam a importância de ser um bom profissional, de estar preparado para atender às demandas do
cotidiano. Há aqueles estudantes que requerem maior atenção por parte do professor, seja porque tem dificuldade em compreender determinada
matéria ou porque fazem de tudo simplesmente para chamar a atenção.

O diálogo se mostra como fundamental para a resolução de questões próprias da sala de aula ou da escola. É preciso fazer um exercício de escutar o
outro e buscar – muitas vezes de maneira imediata – uma resposta para aquele determinado problema. O educador, segundo alguns relatos, não deve
ter medo de enfrentar determinadas situações.

Considerações

Nas práticas de formação, é interessante que se utilizem técnicas participativas para que estas gerem processos de ensino e aprendizagem
libertadores, de natureza coletiva, permeados pela discussão e pela reflexão, possibilitando a ampliação do conhecimento individual e coletivo.

O trabalho com a arte literária favorece a troca de experiências entre os professores, desvelando várias possibilidades de compreensão do texto lido,
bem como os deixando livres para manifestarem suas opiniões, o que configurou um momento de socialização profissional.

A pesquisa evidencia que os professores sentiram-se motivados pela leitura de livros imagéticos, relacionando-a com sua vida, com seu trabalho. A
leitura aguçou a curiosidade dos docentes e oportunizou uma imersão em seu eu interior, levando-os a exteriorizarem suas reflexões, seus
sentimentos, seus anseios.

O encantamento que os docentes mostraram pela arte literária não deve ficar restrito aos momentos de formação. Pelo contrário, deve chegar às
salas de aula para que os estudantes desfrutem da magia que a literatura proporciona. Assim, a criatividade precisa ser aguçada, despertando no
docente e no estudante o gosto pela leitura.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, M. A. L. Os sentidos da arte: coexistência entre arte e educação. Cadernos de Educação, Feira de Santana, v. 1, n. 4, 2001.

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1997.

BOGDAN R. & BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989.

FURNARI, Eva. Catarina e Josefina. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1990.

GHEDIN, E; ALMEIDA, M. I; LEITE, Y. U. F. Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Liber Livro, 2008.

LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.

LIMA, M. S. L & SALES, J. O. C. B. Aprendiz da prática docente: a didática no exercício do magistério. Fortaleza: EdUECE, Demócrito Rocha, 2003.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

PIMENTA, S. G; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2009.

RIBEIRO, L. T. F; RIBEIRO, M. A. P. Temas educacionais: uma coletânea de artigos. Fortaleza, 2010.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.
9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).
A

Leitura

CAPÍTULO 14 ANCHIETA E O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA: UMA HISTÓRIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA, MORAL,
RELIGIÃO E OPRESSÃO

Francisco Wellington Rodrigues Lima

A Companhia de Jesus e os jesuítas seguidores de Loyola chegaram ao Brasil em 1549, sob a chefia do missionário Manuel da Nóbrega, com Tomé
de Sousa, sendo este designado, por D. João III, Governador Geral do Brasil. Esse jesuíta seria, por cerca de vinte e um anos, o Superior, o
Provençal, o Reitor “a quem tudo se ficou devendo” (FERNANDES, 1980, p. 34). Ele foi o missionário a inaugurar, de fato, a missão jesuítica na
América do Sul. Em 1550, um segundo grupo de membros da Companhia de Jesus aportou em terras brasileiras com a frota comandada por Simão
da Gama d’Andrade. Pouco tempo depois, em 1553, chegou ao Brasil um terceiro grupo de padres jesuítas, acompanhando o segundo Governador
Geral de nossa terra, Duarte da Costa. Tal grupo compreendia quatro religiosos, dentre eles, o jovem irmão, José de Anchieta26.

As primeiras manifestações cênicas no Brasil são obras dos jesuítas Manuel da Nóbrega, João Azpilcueta Navarro, os quais utilizaram o teatro como
instrumento de educação moral e artística. Mas, segundo José Carlos de Macedo Soares, os colonizadores portugueses trouxeram da metrópole o
hábito das representações laicas, mas sem ajustá-las totalmente aos preceitos literários. Eles “amavam as representações desde as mais simples
como o apropósito, até as comédias de costumes, passando pelos milagres ou mistérios e pelos autos” (SOARES, 1954, p. 6), inclusive aqueles
criados por Gil Vicente em Portugal, na época do descobrimento do Brasil. Entretanto, coube ao Padre José de Anchieta criar as primeiras
manifestações da arte cênica religiosa em nosso país, conforme veremos mais adiante.

Para Sábato Magaldi, embora escrito em tempos da Renascença, o teatro de Anchieta, quer por ser de autoria de um jesuíta ou pelos objetivos a que
se destinava, filiava-se à tradição religiosa medieval. Nenhuma outra forma se ajustava mais que o auto, como peça religiosa, aos intuitos
catequéticos. Assim nos diz Malgadi:

Os milagres dos séculos XIII entrosam-se para formar a fisionomia dos textos anchietanos. Todo o universo religioso, presente na dramaturgia
medieval, se estampa nas oito obras mais caracteristicamente teatrais conservadas do canarinho. A hagiografia fornece matéria para vários
textos. A intervenção de Nossa Senhora, como nos milagres, permite o desfecho feliz de uma trama. O paganismo anterior da vida dos
silvícolas, com seus costumes condenáveis, é estigmatizado à luz do bem e da moral cristã (MALGADI, 2004, p. 17).

No entanto, para outros pesquisadores da história do teatro brasileiro, dentre eles Décio de Almeida Prado, o teatro anchietano não é propriamente
dito, o marco inicial do teatro no Brasil. Trata-se apenas de um capítulo especial de nossa história cultural e espiritual. Já Paulo Romualdo
Hernandes, pensa que o teatro de Anchieta é um tipo de encenação característica do período colonial, posta em movimento para converter os vícios
dos habitantes da terra recém escritos em tempos pertencentes e esclarecidos pela Renascença (PRADO, 1993) descoberta, em nome do
Cristianismo; um “teatrinho-catecismo” (HERNANDES, 2008, p. 23) que jamais poderá ser ignorado pelos pesquisadores da literatura, do teatro, da
pedagogia, da religião etc.

Porém, não estamos aqui para discutir deveras a origem do teatro no Brasil, mas para ressaltarmos a importância do teatro anchietano como um
acontecimento cultural-religioso-educacional que, sem dúvida, fez alvorecer as primeiras germinações do teatro no Brasil colonial. Mas como
explicar a vida de um missionário que utilizou o teatro para fazer a história sociocultural-educacional e religiosa de nosso país?

Seguindo as linhas mestras de Paulo Romualdo Hernandes, Anchieta seria o santo que a Igreja Católica tanto necessitava. Considerado herói
nacional, o jovem membro da Companhia de Jesus, segundo a concepção histórica da literatura, foi o “primeiro estrangeiro a escrever em brasileiro”
(HERNANDES, 2008, p. 15). Anchieta conviveu com múltiplas culturas (africana, europeia, indígena) até os seus 14 anos. Quando chegou na Europa,
ainda na juventude, entra em contato com o período de maior efervescência das ideias humanistas. O convívio com professores humanistas o
colocava diante de peças com temas bíblicos, realizadas nos pátios do Colégio das Artes, de peças com tradição estética inspirada em temas da
tragédia e da comédia Greco-romana. Nessa mesma época, século XVI, Portugal vivia o período da Santa Inquisição e, os autos, como encenação
dramática, fortaleciam-se, trazendo elementos da tradição medieval para o teatro renascentista. Com efeito, segundo Eduardo Navarro, naqueles
anos, eram populares os autos de Gil Vicente, fato que nos revela, na obra de Anchieta, grande influência, seja no conteúdo, na forma ou no uso de
alegorias e personagens (NAVARRO, 1999, p. 7).

Na concepção de Paulo Romualdo Hernandes, Anchieta foi um homem santo e heroico que produziu teatro em terras brasileiras; um missionário que
pregou a palavra de Deus, educou e evangelizou silvícolas fazendo uso do seu conhecimento cultural e intelectual, unindo-se a culturas
diversificadas: brasílica, africana e europeia. Assim afirma Paulo Romualdo Hernandes:

Vindo para ensinar, catequizar, teve que aprender, ouvir – sê tudo a todos – aprender a língua do país para se comunicar e compreender as
coisas do lugar. Manejando a língua nativa, entrava-se mais facilmente no que poderíamos chamar de ideologia de quem usava no cotidiano:
seus mitos, religião, sua organização social. Somente então se poderia ensinar os bons e criticar os maus costumes – segundo evidentemente
uma visão cristã – valendo-se de festas religiosas e encenações teatrais. [...] O padre e dramaturgo Anchieta criou diálogos teatrais com
personagens da vida social indígena para falar ao seu espectador, na língua deles, sobre “a maneira boa de viver”, que era aquela dos
aldeamentos junto aos abarê, e sobre o que seria mau, como os rituais e costumes indígenas: criou um teatro evidentemente pedagógico no
sentido porém, em que também eram pedagógicos os autos religiosos e as moralidades medievais (NAVARRO, 1999, p. 23).

Com a produção literária e dramatúrgica de Anchieta, inegavelmente, a história da vida cultural brasileira teve início. Seu interesse pelo nativo
aparece não só como “objeto de especulação literária, mas também como condição de pessoa humana, como vínculo de cultura e, mais do que isso,
como elemento de fixação de cultura” (FERNANDES, Op. cit., p. 45). Com o objetivo da evangelização, Anchieta soube explorar as manifestações
indígenas, seus hábitos e crenças.

Para compreender o teatro de Anchieta, é preciso entender o ambiente em que este vivia. Anchieta fazia de tudo um pouco e ao mesmo tempo:
trabalhava nas mais diversas e pesadas ocupações, chegando mesmo a ser o “agrimensor que abriu, atendendo ao apelo do Governador, o caminho
mais seguro entre o litoral e o planalto piratingano” (Idem, Ibidem, p. 45). Sobre o assunto, Francisco Assis Martins Fernandes ressalta:

Anchieta soube buscar incansavelmente todas as possibilidades de comunicação de seu tempo. Por isso não lhe faltaram o temperamento
criador e as condições de encontro com os nativos. Examinadas as suas obras, com atenção, verificamos aí, o centro único e intransferível de
toda comunicação lírica de ressonância universal. A sua obra de cultura e civilização contribuiu eficazmente para a formação dos alicerces de
nossa formação pátria (Idem, Ibidem, p. 45).

Sendo assim, podemos afirmar que qualquer tipo de análise do teatro do Padre José de Anchieta exige, sem dúvida, “um complicado exercício de
desconstrução”(Idem, Ibidem, p. 46 ) e a percepção histórica dos fatos que marcaram o Brasil colônia, como a formação da sociedade, a política, a
economia e a religião, pois a sua poesia e a sua dramaturgia visam uma criação de novas perspectivas, voltando-se para uma elaboração e
reelaboração do homem e da sociedade tendo como base textos autênticos (cartas, poemas, autos, biografias) e a criação de um imaginário que tenta
recriar seres ou figuras que o aproximaram de sua missão: solidificar os dogmas da Igreja Católica numa sociedade em processo de construção.

O Brasil, segundo Gilberto Freyre, logo no início de sua colonização, caracterizou-se por uma base agrícola. O português vinha encontrar na América
tropical uma terra de vida aparentemente fácil, que, na verdade, era dificílima para quem quisesse aqui organizar qualquer forma permanente ou
adiantada da economia e da sociedade. Sobre a política econômica brasileira nos tempos do Brasil Colônia, Freyre afirma:

No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social
inteiramente novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. A primeira: a utilização e o desenvolvimento da riqueza vegetal pelo
capital e pelo esforço do particular; a agricultura; a sesmaria; a grande lavoura escravocrata. A segunda: o aproveitamento da gente nativa,
principalmente da mulher, não só como instrumento de trabalho, mas como elemento de formação da família (FREYRE, 2005, p. 79).

Entretanto, sabia-se que a situação da colônia brasileira era a pior possível após seu descobrimento, devido as frequentes investidas dos franceses e
outros invasores em nosso território que instigavam os índios contra os colonizadores portugueses.

Para tanto, D. João III enviou seus primeiros colonos à terra recém-descoberta, sendo estes constituídos, em sua maioria, pela escória de Portugal.
Criou o Governo-Geral dando à Colônia um centro de unidade. Dessa forma, com o processo de povoamento das terras brasileiras e o início de uma
política centralizadora, os portugueses puderam elaborar um policiamento de defesa do litoral contra corsários e exploradores estrangeiros; um
policiamento interno da Colônia, regulamentando as relações dos colonizadores que para cá vieram com as diversas tribos pacificadas e autorizando
uma guerra de rígida punição contra as tribos inimigas do reino português. Com a vinda dos jesuítas para o Brasil, a palavra de Deus e os valores
morais cristãos fundiram-se, de modo opressivo, nas fortificações dos colonizadores e, mais tarde, nas vilas, contribuindo para aquilo que
passaríamos a chamar de conversão do gentio à fé católica pela catequese e pela instrução (Idem, Ibidem, p. 79-80).

Contudo, durante o processo de colonização, Anchieta fora incumbido de coordenar o ensino do catecismo no Brasil. Para facilitar sua tarefa, ele
seguiu os conselhos de Nóbrega: “Aprenda a língua dos selvagens” (FERNANDES, Op. cit., p. 78). Mas, tornar-se um padre que só apenas
compreendesse a língua do índio brasileiro seria pouco. No processo de fortificar a missão jesuítica, ele não só se familiarizou com a linguagem
indígena como também com seus hábitos, costumes e tradições. Imbuído de conhecimentos diversos, ele ainda compôs a primeira gramática em
língua tupi: a Arte da gramática da língua mais falada na costa do Brasil. Essa gramática, segundo Francisco Assis Martins Fernandes, foi copiada
aqui várias vezes à mão, e editada em Coimbra, em 1595. Esse precioso documento veio “sistematizar os tesouros lingüísticos do tupi” (Idem,
Ibidem, p. 78). Além disso, observando as manhas artísticas primitivas do índio brasileiro, Anchieta desenvolveu o teatro no Brasil, visando assim,
impor o conhecimento europeu na sociedade que cá se constituía – a moral, os bons costumes, a religião, a fé.

Os missionários, assim como Anchieta, deduziram que a utilização do teatro, didaticamente imposto, seria um passo importante para o processo de
civilização do silvícola. Nele, Anchieta, de modo humilde, humorístico, ritualista e temente a Deus, imporia medo e opressividade aos colonos e aos
indígenas. Pesquisadores como J. Galante de Sousa e Serafim Leite afirmam que, além da inclinação natural para a música e para a dança, os índios
também demonstravam uma tendência para a oratória. E “essa loquacidade” (Idem, Ibidem, p. 79), aliada ao espírito dramático do indígena, constituiu
meio caminho para a introdução do fazer teatral na vida do índio e dos colonos aqui residentes.

Com uma visão extremamente focada no universo indígena, Anchieta, assim como os outros jesuítas, no seu teatro, utilizava elementos importantes
da tradição indígena, tirados da fauna e da etnologia indígena. Anchieta trouxe para a cena teatral do Brasil colonial, por exemplo, anhangás- seres
semelhantes aos diabos e monstros fabulosos que povoavam a mente do povo Europeu.

Nessas representações primitivas elaboradas por Anchieta, convém distinguir duas modalidades de representações teatrais: as que se destinavam
às aldeias indígenas e as que eram representadas nos colégios. Nas aldeias predominavam os autos; para os colégios, além dos autos, havia
comédias e tragédias. Através do teatro, os padres jesuítas aproveitavam o gosto das camadas populares e dos demais aqui estabelecidos, pois o
teatro por eles elaborado não era apenas uma simples diversão. As representações cênicas eram carregadas de lições e tinham o objetivo de educar
a sociedade que se formava, além claro, de provocar medo e opressão.

Nas pesquisas elaboradas por Cacciaglia e, logo depois por Cafezeiro, temos notícia de vinte e cinco obras teatrais escritas pelos padres jesuítas e
representadas no Brasil Colonial, no século XVI27. Segundo os mesmos, esta lista, salva de um naufrágio, foi o que restou de registro de tudo o que
foi produzido teatralmente pelos padres jesuítas no Brasil durante o século XVI. Os estudiosos ainda detectaram que os próprios dramaturgos não
tinham cuidado com suas obras - a maioria delas escritas em papel de ínfima qualidade ou em outro material precário, como folhas de árvores. Sobre
o assunto Mario Cacciaglia afirma:

Incêndios, naufrágios, saques, atos de pirataria e a negligência fizeram o resto. Os Jesuítas, levados pelo zelo missionário e não pelo desejo de
glória artística não assinalavam suas obras dramáticas, as quais eram freqüentemente refeitas de qualquer maneira sobre modelos
procedentes, ou compostas em comum por diversos escritores ocasionais. Naturalmente, naquela época nem se falava de impressão no Brasil.
Assim, foram manuscritas que nos chegaram as obras atribuídas ao padre Anchieta, que constituem uma das principais fontes para o
conhecimento do teatro brasileiro das origens, juntamente com as Relações, duas cartas que o Fernão Cardim enviou em 1590 ao padre
provincial de Portugal. Outras fontes são as cartas que anualmente os padres jesuítas enviavam aos superiores para relatar suas atividades
(CACCIAGLIA, Mario. Op. cit., p. 8).

No tocante à produção teatral do padre José de Anchieta no Brasil, ainda tendo como base os estudos de Edwaldo Cafezeiro e Carmem Gadelha, é
comum atribuir-lhe a autoria de nove obras. O erro de autoria das obras do padre jesuíta, conforme Hessel e Raeders, foi mais difundido a partir do
momento em que a edição preparada pela pesquisadora Maria de Lourdes Paula Martins (sendo este considerado o primeiro trabalho sério sobre a
obra de Anchieta, tendo como base para sua realização os manuscritos do missionário), foi publicada por volta dos anos de 195028. Entretanto,
conforme os trabalhos realizados pelos pesquisadores do teatro anchietano, dentre eles Edwaldo Cafazeiro, Carmem Gadelha e o Padre Armando
Cardoso, concluiu-se que o teatro completo do padre jesuíta, até que novos textos apareçam, passou a conter doze autos29.

Segundo Leodegário Amarante de Azevedo Filho, as obras dramáticas do Padre José de Anchieta são de circunstância, uma vez que estas eram
escritas em momentos especiais de visitação de algum missionário da Companhia de Jesus, de alguma festividade local, fundação de um vilarejo ou
de outros motivos para a elevação de seus atos jesuíticos de catequese. O público era diversificado e os textos atingiam a todos. Afirma Leodegário
Amarante de Azevedo Filho:

A poesia dramática de Anchieta se compõe de peças de circunstância, escritas por ocasião de efemérides religiosas, para atender aos fins
didáticos da catequese. O seu público era constituído de indígenas, soldados, colonos, marujos e comerciantes, ou seja, habitantes
permanentes ou eventuais das primitivas aldeias, criadas sobretudo por Mem de Sá, nas origens de nossa civilização. Daí a razão por que, em
geral, os autos e peças jocosas eram polilíngues, pois se dirigiam a um público linguisticamente heterogêneo. Importantes também são os
autos em tupi, especialmente dedicados ao silvícola, que era o objeto principal da catequese (AZEVEDO FILHO, 1966, p. 187).

Segundo Jorge de Souza Araújo, a obra anchietana, adaptada às circunstancias e aos quadros do Brasil nativo, seguiu o “caleidoscópio vicentino
medieval” (ARAÚJO, 2003, p. 55). Nas peças de Anchieta, encontramos a presença de santos da cristandade medieval (São Lourenço, São Maurício,
São Vitor, São Vital, São Sebastião, Nossa Senhora, Santa Úrsula, Nossa Senhora da Glória); heróis cavaleiros; legendas bíblicas, anjos e demônios;
forças da natureza, estações do ano, virtudes teológicas e personagens alegóricas (Amor de Deus, Temor de Deus, Vila de Vitória, Governo,
Ingratidão), personagens Bíblicos (Adão e Eva) que povoavam a história e o imaginário do homem do medievo peninsular. Há também, na obra
anchietana, referências ao período clássico greco-romano (a presença dos Imperadores Romanos Décio e Valeriano, de deuses da mitologia
Greco-romana). Em suma, o teatro de José de Anchieta, assim como o teatro dos demais jesuítas missionários do século XVI no Brasil, foi, segundo
Iothar Hessel e Georges Raeders, um teatro litúrgico destinado a um público tríplice: o indígena, a ser cristianizado, os colonos portugueses e,
finalmente, o estudante, a ser educado e consagrado nas graças de Deus.

REFERÊNCIAS

ANCHIETA, José de. Teatro de Anchieta: obras completas. Vol. III. Originais acompanhados de tradução versificada, introdução e notas pelo P.
Armando Cardoso S.J. São Paulo: Edições Loyola, 1977.

ARAÚJO, Jorge de Souza. Pegadas na Praia: a obra de Anchieta em suas relações intertextuais. Ilhéus, Bahia: Editora da UESC, 2003.

AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966.

CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo,
1986.

CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ:
FUNARTE, 1996.

FERNANDES, Francisco Assis Martins. A Comunicação na Pedagogia dos Jesuítas na Era Colonial. São Paulo: Edições Loyola, 1980.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50 ed. revista. São Paulo: Editora
Global, 2005.

HERNANDES, Paulo Romualdo. O Teatro de José de Anchieta – Arte e Pedagogia no Brasil Colônia. São Paulo: Alínea Editora, 2008.

HESSEL, Lothar, RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 6 ed., São Paulo. Ed. Global, 2004.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. José de Anchieta. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.

NOBRE, Freitas. Anchieta, apóstolo do novo mundo. São Paulo: Saraiva, 1966.

PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC: Serviço Nacional de Teatro, 1978.

PRADO, Décio de Almeida. Teatro de Anchieta a Alencar. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993.

SOARES, José Carlos de Macedo. O Teatro Jesuítico (Aula do Curso de Letras da Academia Brasileira de Letras). Rio de Janeiro: Academia Brasileira
de Letras e Academia das Ciências de Lisboa, 1954.
1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.


26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.
33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPÍTULO 15 PROFESSORES LEITORES E SUAS HISTÓRIAS: TESSITURAS PLURAIS DE EXPERIÊNCIAS COM A


LEITURA LITERÁRIA

Marta Rochelly Ribeiro Gondinho

Caio Veloso

Marilia Danielly Ribeiro Gondinho

A história da leitura permite situar as práticas, os usos e apropriações do que é lido, nas continuidades e mudanças do tempo. Os modos de
conhecer a leitura promovem uma consciência crítica em que a partir dos problemas do presente passamos a conhecer, com pontos de vista
ancorados em um estudo vigoroso, o passado.

Como a leitura é vista ao longo do tempo? O que é a leitura? Responder a tais questões não constitui algo fácil, tendo em vista que:

[...] o ato de ler é variável, não absoluto. Em sua definição moderna mais ampla, a leitura é como se sabe, capacidade de extrair sentido de
símbolos escritos ou impressos. O leitor emprega os símbolos para orientar a recuperação de informações e sua memória em seguida, cria
com essas informações uma interpretação plausível da mensagem do escritor. Entretanto, nem sempre a leitura foi definida desse modo
(FISCHER, 2006, p. 11).

Associando o pensamento de Fischer (2006) ao pensamento de Chartier (2002), convergimos para a natureza das experiências, na qual ambos
apontam para a mobilidade do conceito de leitura no tempo. Ainda de acordo Fischer:

[...] no início, a leitura consistia na mera capacidade de obtenção de informações visuais com base em algum sistema codificado, bem como na
compreensão de seu significado. Mais tarde passou a significar quase de modo exclusivo, a compreensão de um texto contínuo com sinais
escritos sobre uma superfície gravada. Mais recentemente inclui também a extração de informações codificadas de uma tela eletrônica. E a
definição de leitura continuará, por certo, a se expandir no futuro porque, [...] ela é um indicador do avanço da própria humanidade (FISCHER,
2006, p.11).

Sendo assim, se existe uma probabilidade de expansão da definição de leitura é porque esta enquanto prática se reinventa. As práticas de leitura
encontram-se sob a égide de um contexto social. Aprende-se a ler a partir destes contextos. A leitura pode ser pensada por vários vieses. À medida
que se constitui como uma prática plural de atribuição de sentidos, ela pode ser vista como um fenômeno linguístico, histórico, cultural ou social,
assim como podemos percebê-la a partir de interações cognitivas, concretas ou simbólicas.

Enquanto prática historicizada, a sua constituição simbólica, resultante de uma cultura letrada, é canal de acesso ao universo do conhecimento e ao
mundo da representação. Associados neste contexto à escrita, acontecimentos como:

[...] a explosão da informação, o acúmulo do conhecimento humano e a rapidez do seu progresso modificaram e ampliaram profundamente a
função da escrita na sociedade contemporânea. Consequentemente, o ato de ler assumiu novas dimensões, estabelecendo novos parâmetros
para a constituição do leitor atual (BARBOSA, 2008, p.109).

A leitura, ao longo dos séculos na sociedade ocidental, foi dotada de um dinamismo peculiar. Historicamente submetida a um regime de
singularidades que situam o sujeito, a leitura tem, ao longo do tempo, uma diversidade de usos e apropriações.
No cenário brasileiro, ela tem o seu efervescer com a difusão do saber letrado. O que particulariza as experiências da leitura no Brasil e cria um ritmo
cultural muito próprio. Tal perspectiva vai ao encontro à ideia de uma sociedade leitora tardia, uma vez que são consideradas as experiências
histórico-culturais próprias da nossa história sem limitar nossas análises às comparações com o processo de difusão da leitura na Europa.

A leitura está subordinada a um conjunto de condições sociais que lhe conferem legitimidade. Ela é objeto de política pública com autoridade
conferida e subordinada à confluência de um conjunto sistemático de condições interdependentes que compõem os ritos sociais. Assim, uma
abordagem unilateral precarizaria o entendimento desta prática, uma vez que esta é polissêmica (BOURDIEU, 1996, p. 89).

Gozando do status de porta voz autorizado do conhecimento, a leitura age sobre os sujeitos e sobre as coisas, uma vez que o seu domínio concentra
capital simbólico acumulado, capital este que não basta ser compreendido, mas necessita ser reconhecido. Assim, a ausência da competência leitora
pode comprometer o exercício da cidadania e habilidades de interação e comunicação.

São de notória relevância as discussões elucidativas sobre a leitura, uma vez que esta ação potencializa os mecanismos de socialização permitindo
possíveis compreensões sobre como diversos grupos sociais representam diferentemente o mundo, compartilhando através desta competência
atribuições múltiplas de significados. Ao ampliar as discussões sobre a leitura compartilhamos que:

[...] no quadro dos diferentes interesses em relação à leitura e dos diferentes pontos de vista com base nos quais ela é estudada. A expressão
práticas de leitura tende a marcar, ainda que de modo difuso, os atuais contornos do interesse das ciências sociais a respeito do ato de ler. Ela
os marca, primeiramente, em oposição às abordagens, frequentes na tradição de estudos psicológicos, pedagógicos, linguísticos e cognitivos
sobre o tema, que apreendem os processos mentais da leitura e de sua aquisição como um conjunto de processos abstratos e universais
desenvolvidos por um leitor ideal. Em oposição a essas abordagens, a expressão designa uma tendência a lidar com a leitura em seu
acontecimento concreto, tal como desenvolvida por leitores reais, e situada no interior dos processos responsáveis por sua diversidade e
variação. Nesse sentido, esse modo de lidar com a leitura dá continuidade à tradição, predominantemente sociológica de estudos sobre o tema
na área das ciências sociais (GALVÃO, 2005, p. 12).

Nesta multiplicidade de abordagem, chamamos atenção à arbitrária relação entre a construção do leitor ideal e a leitura desenvolvida por leitores
reais. Sob a apropriação das ciências sociais, as práticas de leitores reais, de pessoas simples com trajetórias singulares imbricadas, por marcas de
experiências subjetivas e de contextos objetivos, ganham relevância.

A leitura concreta é o que Chartier (2002) denominou de ação que as pessoas desenvolvem. Para ele, esse conceito caracterizava o que ele chamava
de prática. Sob esta lógica, as práticas de leitura são aquelas que as pessoas realizam efetivamente. São aquelas desterritorializadas, as de ordem
intencional legitimizadas, as sentimentalizadas, as funcionalistas entre tantas formas de ler, entre tantos arranjos de se tornar um leitor.

Os pressupostos teóricos da história e da sociologia da leitura deslocam a atenção para o leitor. À luz destes referenciais, a leitura é vista como uma
prática cultural e social imbricada de sentidos. Construídas historicamente em uma trama plural, a leitura é polissêmica e processual: em outras
palavras, ela não é um ato isolado do leitor.

Nesta trama, a literatura será entendida como a arte da palavra, forte instrumento de comunicação. A leitura literária foi entendida neste artigo como a
experiência de ler textos literários que impulsionaram o desenvolvimento do senso crítico do leitor, e tem como cerne perceber nas narrativas orais
de professores suas experiências com a leitura literária, destacando o impacto desta na construção do senso crítico do leitor.

Pensando de acordo com o exposto, este estudo teve como foco os professores, protagonizando, conversando sobre suas experiências com a leitura
ao longo de suas histórias de vida, ou seja, os professores constituindo suas trajetórias leitoras. Sendo esta uma pesquisa qualitativa, fez uso das
entrevistas orais gravadas, que tendo o aporte da história oral nos permitiu captar os conceitos emergidos das falas narradas sem roteiro prévio. De
forma espontânea, ouvimos quatro professores da rede pública municipal de Teresina-Piauí, que cientes de que se trataria de memórias de leitura,
nos agraciaram com suas lembranças. Pensamos nas narrativas carregadas de sentidos. Focamos com Bosi (2003), em histórias filtradas pelas
lentes de quem as viveu e nas narrativas como vias privilegiadas para chegar até o ponto de articulação da história com a vida cotidiana,
impulsionando as reminiscências.

Por razões de anonimato e por tornar pública conversas privadas, escolhemos outros nomes para as professoras. Cada uma delas foi identificada
por nomes de autores literários que foram lidos por elas e que representaram um marco nas lembranças ao longo de suas trajetórias leitoras. Assim
sendo, a primeira professora entrevistada atenderá por Francisco Gil Castelo Branco (FG); a segunda, Fernando Pessoa (FP); a terceira, Monteiro
Lobato (ML) e a quarta, Joaquim Manuel de Macedo (JM).

De suas falas, capturamos os relatos com as experiências de leitura literária em dois momentos: as experiências familiares e as experiências afetivas,
a fim de compreender a construção do gosto e de nos aproximarmos de suas práticas no tocante a este tipo de leitura.

Professores quando crianças: a herança cultural familiar, lembranças da leitura literária

Nas falas das quatro professoras, a herança familiar teve um papel mobilizante. Vistos como as autoridades legítimas, os pais, no seio desta
instituição social, são os agentes de mediação simbólica diretos do universo leitor, seja pelo exemplo, seja pela expectativa atribuída ao ato de ler, ou
mesmo pela autoridade reforçada por falas que se legitimam contra os determinismos das condições sociais.

Eu sentia muito prazer ao ler. A escola já me recebeu apaixonada pela leitura, eu levei para escola um gosto já construído, meus professores
foram importantes, mas eu não lembro de nenhum deles do ensino fundamental me influenciando, logo eu tive até professores leigos. No
interior, essa realidade era muito comum. Era muito comum ouvir dizer que a escola era a base. No meu caso, minha base leitora foram meus
pais, porém ter pais leitores não era muito comum, eu fui privilegiada (FP).

Minha primeira experiência com a leitura literária foi em casa vendo meu irmão mais velho ler. Meus pais usavam o exemplo dele para me
estimular (ML).
Percebemos, nas falas, os deslocamentos do espaço escolar como lugar legítimo de construção do gosto e aprendizagem da leitura para os espaços
heterogêneos da família. As famílias transmitem direta ou indiretamente o capital cultural. As atitudes dos agentes em relação ao capital cultural têm
origem no sistema de valores interiorizados pela família. É através dela que nos familiarizamos com a cultura ou mesmo adquirimos a cultura.

Minha mãe, mesmo sem saber ler, ficava impressionada quando eu lia alguns trechos dos livros que estava lendo na época para ela. Eu lembro
que ela tinha muito orgulho de dizer para as pessoas que eu sabia ler. Ela me estimulava sem saber (FG).

Estas falas nos convidaram à tentativa de compreender as condições de produção da leitura, uma vez que ela é essencialmente uma prática social e
enquanto tal não pode prescindir de situações vividas socialmente no contexto da família, da escola, do trabalho e das redes de socialização.

Meu pai me contava histórias das obras, eram os mais populares. Ler o Cortiço foi uma experiência incrível, pois eu me lembrava dele falando
da história, do contexto em que se deu a história do livro. A escolha por ler esta obra não foi à toa (JM).

Nas narrativas, todas as professoras relatam particularmente o que socialmente herdaram em família. Assim, observamos a transferência cultural e a
conservação dos modos frente à legitimidade.

Professores e seus afetos literários: as lembranças da leitura literária na vida

Partindo da ideia de que os livros e as leituras produzem efeitos e afetos (LEÃO, 2007), ouvimos atenciosamente as entrevistas a fim de captar os
momentos das narrativas que evidenciaram essa produção. Encontramos nas lembranças das professoras:

Minha recordação mais significativa de leitura foram, sem dúvida, os poemas. No início só ouvia os poemas mais conhecidos de Fernando
Pessoa, depois fui descobrindo aos poucos o seu vasto repertório. O que mais me encantava nestas leituras era que eu me apaixonava a cada
verso mesmo sem entendê-los direito, adolescente lendo Pessoa é sempre muito complicado, mas eu o lia com o corpo todo e com o coração,
eu sempre fui muito romântica, minha paixão pela poesia está atrelada ao amor (FP).

No relato supracitado, o ser leitor é formado no interior dos movimentos da cultura e estes movimentos trazem em seu bojo marcas subjetivas das
singularidades dos sujeitos em suas práticas, bem como as marcas de conservação, percepção, apreciação e transformações objetivas das
estruturas sociais. Os professores reconhecem que a mobilização de emoções habita o tornar-se leitor, a cada experiência são acionados afetos que
implicam diretamente nas dimensões cognitivas do leitor. A leitura literária elenca um repertório de saberes que desenvolvem para além do senso
crítico a sensibilidade estética.

Eu fiz leituras ao longo da minha trajetória e estas leituras me fizeram. A leitura de A moreninha, por exemplo, até o nome da personagem é o
meu, parecia que o enredo foi feito para mim. Eu encontrei nos clássicos minhas histórias de vida, talvez seja por isso que eu goste tanto de ler
exatamente os clássicos da literatura brasileira. Ao contrário do que muitos acham, pensando ser uma leitura chata ou difícil, eu penso que é
pelo fato de não terem se encontrado com a obra. Eu tive esse prazer, as obras que eu li me faziam refletir. Às vezes eu mudava de nome e
atendia pelo nome dos escritores, aliás, o sobrenome deles. A literatura é um dos meus mais inquietantes amores (JM).

As experiências retratadas por JM são reflexos dos esquemas de compreensão tanto subjetivos quanto objetivos da inserção das professoras como
leitoras no mundo social, específico que estas experiências a priori deram-se em um plano pessoal com forte imbricação da representação do mundo
social, assim:

Os leitores, quando leem, representam o mundo social, pondo em funcionamento esquemas de compreensão, os quais, uma vez internalizados
e expressos nas condutas e práticas, criamos instrumentos capazes de atribuir sentido ao mundo. O que importa são os princípios da
diferença na rede contraditória das utilizações, isto é o modo singular e coletivo pelo qual os leitores se apossam dos textos, dando lugar a
práticas (LEÃO, 2007, p. 63).

No cerne das falas expostas, a interpretação da leitura, sua diversidade de usos e apropriações confirmam os valores centrados no leitor. Situá-lo
como sujeito historicamente submetido a um regime de singularidades é via de regra o caminho para compreender a produção cultural, as
desigualdades das apropriações individuais, a circulação dos objetos culturais, a formação cultural do indivíduo e, sobretudo, as suas formas
criativas de operacionalizar as atividades de leitura.

Eu lia muito era a famosa subliteratura ou os romances de banca, eu adorava ler Julia, Sabrina, Bianca, eu e minhas vizinhas tínhamos até
momentos de troca, adorava aquelas histórias de desejo, de paixão, elas eram eróticas e muito sensuais, elas me levavam ao delírio. É lógico
que paralelo a isso eu também lia os clássicos da literatura, eu sempre me identifiquei com aquelas obras que tinham enredo de amores,
traições, paixões incontroláveis. Estas leituras muito me marcaram (FG).

A experiência com a leitura, entre práticas e desejos, encontra um lugar para os afetos. Toda leitura tem em seu bojo uma cumplicidade, esta relação
pode ser estabelecida pela lembrança particular de um momento inusitado, assim como a recordação dos modos de ler.

Meu cantinho predileto de leitura nunca foi nos cantinhos de leitura da escola, os cantinhos de leitura da escola são literalmente nos cantos, é
uma coisa horrorosa, eu adoro espaços abertos. Em minha casa tem um banco largo no terraço que me aceita bem à vontade, lá eu leio até a
noite aparecer, só não fico mais tempo por conta do escuro que dificulta a leitura, seria bom se eu pudesse ler a luz da lua, na verdade não
existe um lugar para leitura, a leitura está em vários lugares e pode ser realizada em qualquer um (JM).

Primeiramente, destacamos que a leitura não suporta o enclausuramento no seu uso escolar. A leitura é fundamentalmente uma prática social e seu
aprendizado dificilmente pode se restringir a um único espaço social. Ler e escrever envolvem, inevitavelmente, participar da produção social e da
troca de bens simbólicos (FOUCAMBERT, 1998, p. 169). Sobre as experiências de leitura para além do espaço escolar as professoras enfatizaram:

Adoro ler em casa. A leitura na escola tem muito mais haver com leituras autoritárias (FP).
Minha cama é um lugar maravilhoso para fazer uma revisão de literatura, como às vezes lê dá sono, eu já estou no lugar certo, às vezes acordo
por cima do livro outras vezes é o livro por cima de mim. A posição não importa, estamos juntos e nem gera ciúmes no meu marido (FG).

Minhas leituras acompanham meu ritmo, minha vida é muito corrida. Adoro ler no meu ambiente de trabalho e gosto também de ler sentada na
mesa, eu lembro que pegando os livros na biblioteca da escola eu nunca lia lá, eu lia do lado de fora da escola na calçada, acho que não era
intencional, mas eu fazia rotineiramente assim (ML).

A leitura mobiliza o uso do corpo e da imaginação, ela não é apenas uma operação abstrata, ela é o uso do corpo, inscrição dentro de um espaço,
relação consigo mesmo e com o outro (CHARTIER, 1998). As professoras em seus contatos com a leitura lembraram:

Tenho ódio quando alguém me pede emprestado meus livros e não devolve, talvez eu tenha criado essa relação de apego porque passei boa
parte da minha vida sem tê-los. Meus clássicos da literatura brasileira são os mais estimados (JM).

Quando os clássicos da literatura brasileira foram lançados em versão coleção de bolso e editados de forma mais acessível financeiramente,
comprei vários. É uma satisfação tocá-los, vê-los (ML).

Sinto inveja de quem tem acervo de livros, eles são tão caros, reconheço que por se tratar de todo um contexto eles acabam por ficar
encarecidos. Eu peço livros de presente. O livro e a leitura têm uma relação de muito sentido para mim, isso eu já constatei pela minha história
de vida. Eu sinto uma excitação quando os vejo, adoro o cheiro de livros novos (FP).

Adoro quando alguém me define como leitora, eu fico vaidosa (FG).

A leitura pode se dar também na escola, mas não é exclusiva do universo escolar. Sendo uma prática que pode se realizar neste espaço, mas não
pode ser assumida como deste espaço, a leitura na escola também tem bastidores inusitados. Nela, presenciamos espaços interativos que
apresentam variedade de fontes, que direcionam a leitura como elemento funcionalista-instrutivo.

Considerações finais

A leitura não é uma operação que se dá na língua, nem se quer em uma língua, mas uma operação que se dá entre línguas, e entre línguas,
além do mais, que levam em si, todas e cada uma delas, as marcas babélicas da pluralidade...

Jorge Larrosa

As narrativas orais revelam os bastidores do cotidiano, as posições divergentes entre as pessoas comuns, de modo que o papel do pesquisador
estaria em tratar as fontes compreendendo as conexões pessoais inseridas em um contexto objetivo, desvelando as nuances contextuais das
práticas sociais.

Entre as histórias de leitura de cada sujeito, ganharam margens as suas experiências inventadas em contextos múltiplos. Eram suas histórias, eram
seus contatos com a leitura que fora compartilhado. Foram mais que entrevistas narrativas, foi compartilhamento de vida, aflorados pelo ato de
lembrar.

Cada leitor singulariza a leitura em seus atos, bem como a universalização de uma estrutura social. Assim, é possível constituir uma abordagem
social da leitura através de uma biografia. A leitura é um ato criativo, permite ao leitor transgredir as fronteiras. A aquisição dos capitais,
especialmente o cultural, aprimora essa empreitada. Não existe um tempo para constituir-se leitor, mas existem experiências sociais que levam a tal.

Em cada professora observamos uma história de vida incorporada; em suas leituras vimos experiências datadas no tempo; em cada narrativa
percebemos histórias singulares e uma variedade de leituras.

A constituição das trajetórias permitiu desvelar as experiências de leitura e sua relação com a incorporação das disposições, dando suporte para
compreender que existem implicações diretas da aquisição do capital cultural na formação do leitor.

Foi possível destacar também que o significado da leitura para o leitor é constituído através de suas práticas sociais e culturais, continuamente
proporcionado por atividades socializadoras, desconstruindo em alguns casos a ideia de reprodução, ressaltando as vozes dissonantes, cabendo,
portanto, novas apropriações para o conceito de capital cultural. Em considerações finais, esta pesquisa instigou o deslocamento da formação leitora
para o leitor em sua singularidade, reconhecendo o lugar das experiências culturais nesta formação.

REFERÊNCIAS

ABREU, M. Cultura Letrada: Literatura e Leitura. São Paulo. Editora UNESP, 2006.

AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (Coord.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez, 2008.

BARBOSA, R. L. (Org). Formação de Educadores: artes e técnicas, ciências políticas. São Paulo. Editora da UNESP, 2006.

BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1982.

_______. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk,2004.

CHATIER. R. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte. Autêntica, 2009.


_______. Leitura e leitores na França do antigo regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

_______. A história Cultural: entre práticas e representações. 2º Ed. Memórias e Sociedade. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.

_______. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

CHARTIER, R.; CAVALLO, G. História da leitura no mundo ocidental. Paris: Éd. Du Seuil, 1997.

FISCHER, S. R. História da Leitura. São Paulo. Editora da UNESP, 2006.

GALVÃO, A. M.; BATISTA, A. (Org). Leitura: práticas, impressos e letramentos. Belo Horizonte. Autentica, 2005.

LEÃO, A. B. Norbert Elias e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

Professores

Professores

CAPÍTULO 16 NA POÉTICA DOS MESTRES DAS PALAVRAS RITMADAS: CORDEL NA MEMÓRIA E HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO

Patrícia Cristina de Aragão Araujo

Nos folhetinhos de feira

Muitos aprendemos ler

Por isso seria justo

O governo agradecer

Ao poeta popular

Que foi Mestre sem saber.

(Manoel Monteiro, poeta de cordel)

O cordel para a educação.

É chama que logo acende

Somente os ignorantes

Esta tese não defende

Para quem não sabe ler

Mas tem sede de saber

Lendo um cordel logo aprende.

(João Batista Vieira, Jotabê, poeta de cordel)

Introdução

Os poetas cordelistas, entre rimas e versos do cordel, foram tecendo, nas tramas da linguagem de suas poesias, as histórias sobre lugares,
acontecimentos e pessoas. Ao empreender tal faceta, estes mestres das palavras ritmadas foram costurando memórias e suas produções, os
cordéis, foram se constituindo num acervo da história social e cultural brasileira.

Além de seu saber-fazer cultural, advogamos a ideia de que os poetas de cordel possibilitaram, no campo da História da Educação, empreender um
fazer educativo, calcado nas tradições orais, na interpretação do mundo vivido, nas leituras que estes elaboraram, bem como, nas histórias e
acontecimentos dos lugares e pessoas, onde estes educadores populares, de maneira não formal, elaboraram uma cartografia histórica e educativa,
que tem dimensionalidade e importância na escrita da história da educação.

O cordel apresenta uma diversidade de informações que são frutos dos conhecimentos fabricados no mundo social, no cotidiano e que, apreendidas
nos folhetos, multiplicam o arcabouço de conhecimento que os compõe e que eles produzem. Esses conhecimentos, aglutinados à educação
escolar, participam como fomentadores da aprendizagem.

Visto deste modo, o cordel, como importante registro histórico, é uma fonte documental significativa para entender o cultural e o social brasileiros,
seja no aspecto nacional, regional ou mesmo local, e, neste sentido, pode ser visto, como lugar de memória, onde em suas narrativas apresenta, em
diferentes espaços e tempos, aspectos aglutinadores da ação humana na história (HALBWACH, 2006).
Neste texto, discutimos sobre o cordel, enquanto um artefato cultural e forma de conhecimento que produz saberes educativos e que se constitui,
portanto, em espaços de memória e história da educação nordestina, consistindo em espaço formativo de uma aprendizagem cultural que encontra
notoriedade nos saberes vivenciais experiência dos no cotidiano (CERTEAU, 1994).

Tecendo memórias da educação na leitura dos cordéis

O processo de ensinar, que implica

o de educar e vice-versa, envolve a

“paixão de conhecer” que nos insere

numa busca prazerosa, ainda que nada fácil

(Paulo Freire).

As experiências de homens e mulheres e suas representações no campo social e cultural foram apropriadas por cordelistas, em que estes, em suas
narrativas e escritas, fizeram o diálogo entre os sujeitos sociais e suas temporalidades a partir de suas produções poéticas, ou seja, dialogaram
através dos folhetos com a história de vida e trajetória de sujeitos sociais que muitas vezes se constituíram em vozes silenciadas e que nos cordéis
encontraram visibilidade.

O mundo social sugere múltiplas experiências vividas, tecidas e construídas por diferentes sujeitos sociais que dele fazem parte. Neste sentido, é
fundamental procurar decifrar a teia de significados deste mundo, através de expressões indiciárias apresentadas no cotidiano da vivência desses
sujeitos. Numa realidade que se dá a ler, devemos levar em consideração a forma como os membros de um grupo social se relacionam; o lugar onde
habitam, produzem e se organizam; os laços de solidariedade; as relações de sociabilidade. Ou seja, devemos procurar entender a forma como
percebem, explicam e descrevem a ordem do mundo em que habitam e os modos como o experimentam (GINZBURG, 1989).

É no cotidiano que as ações dos sujeitos sociais se centram. A partir delas, eles procuram evidenciar suas percepções do conhecimento de mundo.
No cotidiano, aprende-se e se ensina, uma vez que o aprendizado dos sujeitos sociais que deles emana e do saber que eles produzem têm sua
gênese no contato com outros membros da comunidade onde tais sujeitos habitam e das experiências adquiridas em suas vivências diárias
(CERTEAU, 1994).

É, portanto, este sujeito comum que recebe, nas colocações de Certeau (1994), a denominação de homem ordinário, que faz parte do seu contexto
analítico e permeia grande parte de seus trabalhos. Neste sentido, é através do cotidiano que o poeta de cordel procura instrumental no sentido de
compreender como os sujeitos sociais em sua trajetória de vida, constroem, atribuem significado e dinamizam as suas experiências cotidianas.

Certeau (1996) concebe que o cotidiano, embora correlacionado à vivência diária e às diversas atividades que o ser humano realiza, também se refere
a questões internas, relativas ao modo como os sujeitos sociais interiorizam essas atividades diárias, ao modo como imprimem nelas seus valores e
encontram forças para empreender as ações do dia a dia. É, portanto, com base no empenho, na maneira de fazer determinados tipos de atividades
que os sujeitos sociais desenham e redesenham a sua vida.

Atuando de maneira intensa na vida cultural nordestina, o poeta de cordel, expressa em seus cordéis não apenas toda sua sensibilidade estética
diante do mundo que expõe nos folhetos; mas também imprime, de forma crítica ou mesmo conservadora nesses poemas, características próprias de
seu fazer poético.

Este é um fazer calcado em experiências de vida que se materializam nos folhetos em que o poeta dialoga com outras culturas e materializa este
diálogo nos versos e rimas que compõem o cordel. Este, por sua vez, compreende, interpreta, capta e põe em relevo estes sujeitos e estas
resistências nos folhetos. Acreditamos que o próprio cordel subsiste através de táticas de resistência que tem encontrado ao longo de sua
historicidade (CERTEAU, 1994).

Na dimensão poética, o cordel expressa, através de uma linguagem própria, o viver e o pensar da região. A linguagem poética do cordel adquire
papel fundamental, visto que, embora escrita, traz marcas da oralidade cuja sonoridade os cordéis conservam. O cordel, além da ludicidade e
musicalidade, conseguidas pelo jogo sonoro das rimas, tem uma linguagem contemporânea.

A ação educativa do cordel se expressa através de sua ação cultural, o que propicia a produção de conhecimento. A educação e a cultura se
constituem, portanto, elementos fundantes e essenciais para o entendimento da sociedade, e o cordel participa disso através da ação educativa que
exerce na interpretação que faz do cotidiano.

No entanto, mesmo com o distanciamento entre a oralidade e a escrita, os poetas de cordel conseguiram produzir uma arte pujante que foi
apropriada não apenas pelas camadas da população que não era letrada, mas que conseguiu também imprimir seus modos de apreciação pelo
mundo da escrita circulando por entre ele.

É importante ressaltar os múltiplos papéis ocupados pelos cordéis que durante muito tempo educaram, através das informações neles contidas,
pessoas do campo e da cidade, anunciando o que acontecia na realidade social da contextura vivida. Eles, além de consistirem em agentes
comunicantes e informativos das novidades que ocorriam, ou seja, além de serem uma espécie de jornal do povo, também exerceram um importante
papel educativo na vida de muitas pessoas que não tiveram acesso à escola, pois o cordel, durante muito tempo, consistiu no único acesso às letras
para estas pessoas.

Dessa forma, é no cotidiano e na vivência desses sujeitos que a interpretação do mundo e da vida adquire sentido. A realidade social fala e expressa
suas múltiplas contradições. Ela prescreve um sentido que é apreendido pelo poeta e que vai ser vivificado na poesia do cordel.
A experiência social do poeta popular se verifica através da representação sobre o cotidiano que ele tece nos folhetos, criando assim, vínculos com o
lugar de sua pertença, pois no cotidiano as relações culturais e sociais se intercambiam (CERTEAU, 1994; CHARTIER, 2002).

Os conhecimentos que são somados à vida de cada sujeito social, todo o conjunto de aprendizado adquirido como fruto de sua vivência cotidiana e
produção cultural constituem importantes condicionantes que imprimem o saber humano. Esses conhecimentos são uma ação que ocorre nos
planos individual e coletivo através das relações sociais e culturais estabelecidas entre os sujeitos sociais.

O poeta de cordel é um sujeito educativo, pois educa pelo cordel e dialoga através dele com diferentes culturas, promovendo, via folhetos, ações
educativas interculturais. Ele parte alçado num saber popular, para dialogar com outros saberes e culturas. Por isso, vemo-lo como um tipo de
educador que, no seu fazer cotidiano, imprime nos seus textos um fazer educativo.

Neste sentido, é fundamental manter diálogos interculturais, e os cordéis participam desta dialogicidade, tanto em termos comunicacionais como de
aprendizagem, intercambiando saberes através da circularidade cultural. Esse intercâmbio favorece a interação social entre diferentes membros de
grupos sociais (FORNET-BETANCOURT, 2004; GINZBURG, 1989).

Nosso intuito com esta discussão é mostrar que o cordel e o poeta, seu construtor, participam na história da educação e que esta participação, que
tem sido empreendida numa modalidade não formal de educar, pode também contribuir no espaço escolar, no âmbito de uma educação escolarizada.

Educar é, portanto, estar aberto ao o que o outro diz. Ouvir é, então, um aspecto significativo da prática do educador. Nesse caso, todo educador
pode aprender muito com os poetas de cordel, já que ouvir é um dos aspectos significativos do poeta de cordel. Este está atento ao que povo diz e
converte esse saber que vem do povo em lições presentes nos folhetos de cordel.

Durante muito tempo, quando não havia meios de comunicação nem escolas em abundância para as populações mais carentes, o cordel foi o meio
pelo qual mulheres e homens do campo e, mesmo aquelas parcelas de trabalhadores pobres da cidade, tiveram acesso à educação. Os cordéis eram
um instrumento com o qual e pelo qual se alfabetizava o povo.

A escrita desse poeta é fabricada a partir dos olhares multifacetados lançados sobre o cotidiano, a partir do qual o poeta popular cria saberes,
vivencia experiências, representa o social e cultural nordestino e educa. Noutras palavras, o poeta popular, sem uma linguagem rebuscada,
organizada, disciplinada dentro dos moldes academicistas, educa, usando uma linguagem que utiliza recursos do cotidiano, do falar popular para
dizer das coisas do mundo e da vida e, deste modo, ensinar.

O que podemos dizer é que, durante muito tempo, as populações pobres do sertão nordestino e de muitas outras localidades fora do espaço do
sertão tiveram acesso à informação do que ocorria em suas localidades, região, e mesmo Brasil, através da literatura de cordel, fruto do trabalho
exercido pelo poeta, em que a educação chegou a este lugar através do folheto. Ele foi uma forma de ensinar que se estendeu em muitas localidades
do Nordeste. Dessa forma, o poeta não levava apenas poesia, mas tinha, em seu saber-fazer, uma função pedagógica:

O cordel naquele tempo

Ensinava o povo a ler

Uma revista, um jornal

Era difícil se ver

O povo lendo os cordéis

Era o livro de aprender

(ALMEIDA, 1999, p. 7).

Percebemos, portanto, que o poeta popular educou, informou, comunicou e levou, através do cordel, a força e o potencial da cultura popular
nordestina, mas também deu consistência ao seu trabalho através de ações educativas, caracterizando-se entre os grupos subalternos como um
educador e possibilitando a eles o contato com o conhecimento, como nos relata o poeta Manoel Monteiro:

Prestando, só por prazer,

Um serviço educativo

Acompanhando a história

Como testemunho vivo

Numa atalaia constante,

Vigilante, combativo

(MONTEIRO, 2003, p.15)

Ressaltamos que, para além de registrar historicamente os acontecimentos vivenciados no Nordeste, o poeta de cordel foi um tecelão educativo do
universo simbólico de seu povo, apresentando um modo próprio de falar e dizer acerca deste povo, de sua cultura, das ricas experiências das
práticas culturais e sociais de nordestinos e nordestinas que transitavam e ainda hoje transitam pelo universo dos folhetos.
Verificamos, portanto, que o cordel não funcionou entre as camadas populares apenas como entretenimento e diversão. Ele contribuiu muito para a
educação e ainda continua contribuindo, visto que apresenta muitas possibilidades educativas e o poeta popular pode continuar participando desta
ação educativa se fomentar uma prática que conduza à criticidade do seu educando e se empreender a dialogicidade entre os sujeitos aprendentes
(FREIRE, 2002).

Por isso, o conteúdo presente nos folhetos de cordel influencia muito os seus leitores, pois o poeta popular é um formador de visão do mundo. Como
o público é muito diverso e como o poeta aborda uma variedade de temas, a atitude dele, enquanto educador, deverá estar pautada num agir ético,
sensível às diferenças, postulando o afloramento de relações dialógicas e interculturais, pois, ao invés de negar o Outro em sua alteridade, estará
incentivando a importância da solidariedade e promovendo o exercício de atitudes autônomas, respeito mútuo e construção de uma cidadania
democrática e da equidade social no âmbito da diversidade cultural (SOUSA SANTOS, 2008).

Sendo este o papel desempenhado pelo poeta de cordel, ele estará colaborando para que a educação tenha um significativo sentido na luta contra a
discriminação, xenofobia e outros tipos de atitudes separatistas. Nesse sentido, concordamos com Freire quando afirma que:

É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela
alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a
esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica. Aceitar e
respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem o que a escuta não se pode dar. Se discrimino o menino ou menina pobre, a menina ou o
menino negro, o menino índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escutá-las e se não
as escuto, não posso falar com eles, mas a eles de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo de entendê-los. Se me sinto superior ao diferente,
não importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é o outro a merecer respeito é um isto ou aquilo, destratável ou
desprezível (FREIRE, 2002, p.136).

O poeta que, com criticidade, elabora seu cordel e visa imprimir uma representação da vida, do mundo e, sobretudo, das pessoas, no sentido de
minimizar a exclusão e empreender a inclusão realça na contextura dos estudos atinentes a história da educação,

Cabe ressaltar que o saber popular, fruto da produção de sujeitos coletivos, adquire fundamental importância na construção do conhecimento no
cordel. O poeta vai buscar no cotidiano os recursos para que seu leitor, sujeito da aprendizagem, tenha acesso ao conhecimento e às informações
que ele pretende comunicar. Guinzburg, analisando o papel do saber popular haurido do cotidiano, ressalta que essa forma de conhecimento:

Não é aprendida nos livros, mas à viva voz, pelos gestos, olhares; fundava-se sobre sutilezas certamente não formalizáveis, freqüentemente
nem sequer traduzíveis em nível verbal; constituíam o patrimônio, em parte unitário, em parte diversificado, de homens e mulheres
pertencentes a todas as classes sociais. Um sutil parentesco os unia: todos nasciam da experiência, da concretude da experiência. Nessa
concretude estava a força desse tipo de saber, e o seu limite – a incapacidade de servir-se do poderoso e terrível instrumento de abstração.
Desse corpo de saberes locais, sem origem, nem memória ou história, a cultura escrita tentara dar a tempo uma formulação precisa
(GINZBURG, 1989, p. 167).

Como podemos depreender, gestos, atitudes, relações de sociabilidade, laços de solidariedade, interação coletiva, todos eles possibilitam que, a
partir do cotidiano e de experiências e vivências coletivas e individuais, o saber popular seja construído. Neste processo, o poeta contribui não
apenas como um divulgador de uma arte, mas como um produtor de conhecimento a partir do qual é possível empreender um fazer educativo.

Queremos mostrar com isso que, durante muito tempo, o ato de ensinar do poeta cordel ocorreu em ambiente não formal, onde o aprendizado se
dava a partir das leituras dos versos feitos pelo poeta. Através desta vivência, foi disseminado no cotidiano nordestino o aprendizado da leitura e
escrita para muitas pessoas, cujas práticas de leitura e escrita foram possíveis através dos textos poéticos, o que para elas não consistiram apenas
em formas de lazer ou entretenimentos, mas sim modos de educar e formas de aprender.

O que se percebe é que muitos sujeitos anônimos, fora do percurso formal da educação e dos olhares dos governantes, estavam educando as
populações mais pobres, através do conhecimento que produziam nos folhetos. Esse estar à margem deveu-se ao fato de que os saberes em geral
produzidos por sujeitos anônimos não são ainda representados e reconhecidos na escola.

Acreditamos que o saber popular, assim como o saber científico, é formador de identidades, pois o saber popular, que ainda hoje é pouco valorizado
na comunidade escolar, faz conexões com o mundo e com a comunidade e consiste na primeira forma de saber que antecede a vida do educando
antes do seu ingresso na ambiência escolar.

É através deste saber, numa educação não formalizada, que o educando tem o primeiro contato com o mundo que o cerca, e, mesmo depois de sua
trajetória por uma educação básica e universitária, o saber popular continua fazendo parte de sua vida.

Cabe ressaltar que, dentro destas proposições, o poeta, tendo como aporte sua produção, o cordel, fez com que este artefato cultural, que registra e
representa acontecimentos da vida cotidiana através do tempo, consistisse num lugar de produção de conhecimento, significado e de sensibilidades,
fosse, enfim um território de circulação de saberes (GINZBURG, 1987).

Além disso, através do seu trabalho, o poeta de cordel contribuiu para que muitas pessoas construíssem, a partir da leitura de seus textos, uma visão
de mundo. Diante disso, podemos afirmar que a aprendizagem realizada através do trabalho do poeta é uma forma de aprender sobre aspectos da
vida.

Acreditamos, pois, que os poetas não são apenas produtores de poesia. Eles transgridem a isso, pois, ao produzir um folheto, mostram, através do
seu fazer, o papel educativo que desempenham, e os folhetos se tornam um importante ambiente educacional devido ao seu conteúdo de
aprendizagem, consistindo num rico meio de ensino tanto no campo da educação não-formal quanto da educação escolarizada.

Freire, ao enfatizar que ensinar é uma atividade humana, mostra-nos que o ato de ensinar e aprender sobre o mundo social é fecundado de sentido
em diferentes espaços da vida social: “educar é substantivamente formar” (FREIRE, 2002, p. 37). Isso quer dizer que, no sentido freireano, no qual
nos ancoramos, ao ensinar, o educador está formando cidadãos críticos, participativos e tolerantes. E nos folhetos de cordel, os poetas abrem o
leque de possibilidades que favorecem a essa formação.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Antônio Américo. Lampião e sua história contada em cordel. 1999. Folheto de cordel.

CHARTIER, R. À beira da falésia. A história entre a certeza e inquietude. Porto alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994b. v. 1.

FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FORNET-BETANCOURT, R. Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2004.

GUINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

_______. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

MONTEIRO, M. Quer escrever um cordel? aprenda a fazer fazendo. Campina Grande, 2003b. Folheto de cordel.

SOUSA SANTOS, B. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008.

Tecendo

CAPÍTULO 17 A INFLUÊNCIA DA LITERATURA DE MASSA NA FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO

Renata Moreira

Ana Flávia Delfim de Abreu

As discussões sobre o papel da escola como locus principal para o fomento da leitura não são recentes. Não nos cabe aqui fazer um apanhado do
estado da arte, dada a extensão do assunto, mas nos convém apontar alguns problemas acerca dessa discussão. Interessa-nos mostrar duas
vertentes mais gerais dos debates sobre a leitura escolar, pois, a partir delas, discutiremos nossa pesquisa de campo. Grosso modo, uma delas
entende o espaço escolar como único provável ponto de encontro entre parte significativa do alunado e a cultura letrada. A segunda vertente percebe
a escola como necessária fomentadora do hábito e prazer da leitura.

Ambas as vertentes não deveriam se opor, mas aparentemente o fazem. Enquanto a primeira, por entender que parte do alunado terá apenas a escola
como vínculo entre a dita alta cultura e seu cotidiano, reforça a necessidade do acesso aos clássicos, a segunda parece indicar que outras leituras
devem ser estimuladas na escola para que o prazer de ler não seja obnubilado por uma prática exaustiva e dissociada dos interesses dos estudantes,
que mais afasta do que aproxima o alunado do hábito de ler.

O ponto fulcral da primeira vertente estaria em, permitindo o acesso aos clássicos, fazê-lo de modo prazeroso, como um caminho de formação de
leitores literários efetivos. É aí que a segunda vertente pode dar sua contribuição.

O presente capítulo tem por objetivo investigar as potencialidades da literatura de massa no processo de formação de leitores. Isso será feito por
meio de pesquisa social, efetivada por intermédio de um questionário que levantou dados quantitativos a partir do modo como os leitores declararam
se relacionar com a literatura de massa. Analisados tais dados, foi possível chegar a conclusões de caráter qualitativo em relação ao tema abordado.

A expressão “literatura de massa” refere-se à literatura de consumo popular – embora não seja exatamente uma literatura popular no sentido forte do
termo – e posiciona-se de maneira diferente em relação ao dito discurso literário culto, consagrado pelas instituições escolares e pela academia.
Essa diferença pode ser percebida, muitas vezes, por meio da linguagem e, decerto, também pelas temáticas abordadas em tais obras. No entanto,
esse “estilo” literário é de inestimável importância para a formação de leitores, pois pode vir a ser um excelente modo de despertar o hábito de leitura
naqueles que não o possuem. Ninguém começa lendo os clássicos, mas, se em algum momento da vida o faz, significa que há uma passagem
possível, embora não garantida, de um a outro modo de leitura.

Se, por um lado, a literatura de massa não tem como preocupação basilar o trabalho depurado das qualidades estéticas, por outro, não há dúvidas
quanto à sua aceitação por parte do público, que não somente a consome em grande escala, como tem grande respeito e admiração por seus
autores. Tais motivos já são de suma importância para justificar uma investigação, no entanto, essas obras ainda não receberam a devida atenção
por parte dos estudiosos, o que resulta em ausência de um repertório crítico específico para esse fazer.

Ocorre, no campo literário, um processo de cisão dos tipos de fazer ficcional, separação que carrega um processo claro de exclusão, legitimado e
respaldado pela escola. Acerca de tais visões/divisões, a pesquisadora da História do Livro e da Leitura, Márcia Abreu, é esclarecedora:

Aceita-se que as pessoas tenham religiões diferentes; que tenham opiniões políticas distintas; que falem de várias maneiras; que pensem seu
lugar no mundo das formas mais variadas. Mas é difícil aceitar que elas […] gostem de ler best-sellers [...].

O campo da leitura – com destaque para a literatura erudita – é dos mais dogmáticos e, por isso mesmo, aquele que oferece maior resistência a
questionamentos e modificações. O autocentramento dos profissionais ligados ao livro faz com que desconheçamos as práticas, os objetos e
os modos de ler distintos daqueles presentes nos meios eruditos. Faz também com que a leitura se revista de juízos de valor (ABREU, 1999).
Na pesquisa em questão, foi estudado o público adulto discente de nível superior de um curso de graduação em Letras de uma faculdade particular
de Belo Horizonte-MG. A seleção de tal público deveu-se ao fato de este contemplar supostamente leitores assíduos de diversos gêneros literários e
textos acadêmicos, fazendo com que fosse possível investigar se tais leitores declarariam ter a literatura de massa como base para o
amadurecimento e interesse por novas leituras.

Seja utilizando folhetos, receitas, livros canônicos, bulas de remédios ou literatura de massa, “a leitura é sempre produção de sentido” (GOULEMOT,
2001, p. 107). Em relação aos textos literários, há de se observar também a emergência de uma experiência sensível pela ativação estética do uso da
linguagem – em maior ou menor grau –, além de, quando tratamos de narrativas, ser impossível desconsiderar o estímulo à imaginação por meio do
enredo.

Todavia, de acordo Leyla Perrone-Moisés (1998), a cultura de massa, sobre a qual os artistas modernos depositavam esperanças de democratização,
ampliação e educação do público, tornou-se industrial em grande escala e fornecedora de produtos padronizados segundo uma demanda de baixa
qualidade estética, que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz. Esta literatura de massa tem o best-seller como seu produto principal. Já para Lani
(2010), a literatura de massa é marginalizada, porque, para avaliá-la, tomam como parâmetro a literatura culta e o seu instrumental teórico. Márcia
Abreu também parece participar de tal debate quando comenta que a maior parte das obras é julgada pelos preceitos da alta literatura e não por seus
próprios critérios. Segundo a autora, se a literatura erudita fosse julgada pelos parâmetros que elevam as obras populares ou de massa à categoria
de boa leitura – como, por exemplo, a atratividade do enredo –, ela também seria avaliada erroneamente e algumas obras que hoje são consideradas
lapidares seriam vistas apenas como processos mal realizados (ABREU, 2006).

Em relação às diferenças entre a literatura de massa e a literatura culta, Muniz Sodré (1988) mostra que se deve ter em mente que o círculo ideológico
de uma obra não se totaliza apenas em sua produção, mas inclui essencialmente o consumo. Em outras palavras, para ser “artística”, “culta” ou
“elevada”, a obra deve ser reconhecida como tal. Os textos que consideramos cultos ou de grande alcance simbólico são institucionalmente
reconhecidos por instâncias legitimadoras.

Para avaliar em que medida a literatura de massa influenciou o caminho de leitura de um público determinado, resolvemos realizar pesquisa de
campo em que contaríamos com as declarações acerca do percurso de leitura dos envolvidos. A intenção era saber em que proporção um leitor de
literatura de massa alegaria se sentir aproximado do hábito de ler e como tal literatura teria influenciado uma possível passagem à literatura dita
culta, sem necessário abandono da leitura de massa. O instrumento utilizado para pesquisa foi um questionário com oito questões de múltipla
escolha e seis abertas, respondido por 30 alunos graduandos de Letras. Tendo como objeto a literatura de massa e o leitor, apresentados em um
determinado processo de transição e sendo analisados no contexto da leitura literária, a pesquisa de campo mostrou-se a melhor estratégia a ser
empregada.

O questionário foi iniciado com uma breve apresentação do conceito de literatura de massa. Tal conceituação se fez necessária para que aqueles que
não possuíam uma noção delineada desta temática contextualizassem o que estava sendo pesquisado. Além disso, delimitou-se também o conceito
construído nessa pesquisa, evitando que compreensões diversas levassem a respostas muito distantes do que precisava ser evidenciado.

A primeira questão perguntou com que frequência o leitor lia livros, deixando em aberto o número para que o aluno pudesse responder a média de
quantidade que lia por ano. Tal questão tinha por objetivo saber acerca da frequência de leitura dos alunos entrevistados e também eliminar dados
irrelevantes para a pesquisa, caso o entrevistado fosse um não leitor. Do total de alunos entrevistados, verificou-se que 39% liam raramente, ou seja,
cerca de um a três livros por ano, já 23% dos entrevistados disseram ler às vezes, apresentando uma média de quatro a sete livros por ano. Por fim,
38% dos alunos liam sempre, com resultados acima de oito livros por ano. Nessa primeira questão, havia também a opção “nunca”, para aquele
aluno que não lia nenhum livro por ano. Porém, nenhum dos alunos entrevistados marcou essa alternativa.

A partir dos dados obtidos, percebeu-se que havia considerável variação acerca da percepção da frequência de leitura, de forma que alguns alunos
consideravam-se leitores frequentes por ler cinco livros por ano e outros por ler trinta. Desse modo, para se analisar os dados, foi criada uma média,
em que “raramente” equivalia de um a três livros por ano, “leitura mediana” equivalia de quatro a sete livros por ano e como “leitores frequentes”
foram considerados aqueles que disseram ler mais de oito livros ao ano30.

Com a segunda questão, buscou-se saber qual motivo levava o entrevistado a ler. A partir de tal resposta, esperava-se constatar diversos fatores
como, por exemplo, se o leitor que lia por interesse próprio era um leitor de best-seller ou de literatura culta – ou ainda, de ambos. Em relação aos
dados obtidos nessa questão, observamos que 41% dos entrevistados liam apenas por interesse próprio, 35% liam por três motivos, sendo eles:
obrigação (trabalho ou escola), indicação de amigos e interesse próprio. Já 15% dos alunos liam por dois motivos, obrigação (trabalho ou escola) e
interesse próprio. Enquanto 6% liam apenas por indicação de amigos e 3% apenas por obrigação (trabalho ou escola).

Tal levantamento foi elaborado a partir de uma média criada, levando-se em conta todas as respostas dadas pelos entrevistados. De forma a manter a
integridade dos dados colhidos, foi realizado o seguinte procedimento: caso algum dos entrevistados respondesse a mais de uma opção, ele seria
inserido no grupo que respondeu da mesma maneira. Dessa forma, mesmo havendo apenas três opções de escolha, com a mesclagem de respostas
foi possível chegarmos a cinco grupos de alternativas respondidas.

A terceira questão a ser respondida pelos entrevistados era aberta e buscava saber quais tipos de livros o aluno lia, ou seja, se ele lia livros do tipo
best-seller e/ou os ditos clássicos. A questão pedia também que fossem citados pelo menos três desses livros para que, com isso, pudéssemos
concluir se o livro realmente enquadrava-se no tipo respondido pelo aluno. No entanto, algumas pessoas citaram três gêneros lidos e outras citaram
três obras lidas, fazendo com que fosse impossível delimitar se tais gêneros respondidos eram de literatura de massa ou culta. O intuito de tal
pergunta era saber se o entrevistado era leitor de obras best-seller e, se sim, de qual tipo, isto é, se havia algum tipo preferencial.

Os dados obtidos foram muito diversificados e, após a análise, foi possível dividir as respostas em dois eixos, sendo o primeiro composto por
aqueles que responderam ser leitores de best-seller e/ou leitores de “clássicos” e o segundo aos gêneros literários e/ou assuntos lidos, ou seja, se
liam romances, poemas etc. Nessa questão, foi analisada apenas parte das respostas, pois alguns não responderam de forma compatível ao que foi
solicitado, tendo, então, suas respostas desconsideradas. Dos dados analisados, verificamos que 10% relataram serem leitores de clássicos e
best-sellers, 3% liam apenas clássicos e 22% eram leitores da literatura de massa, totalizando assim os 35% que analisamos.
Com a quarta questão, buscou-se saber se o entrevistado era leitor de livros literários quando aluno do Ensino Fundamental e Médio e, se sim, quais
livros costumava ler nessa época. Esta pergunta teve como objetivo perceber se tal aluno lia livros best-seller em sua adolescência, para que, com as
próximas questões, fosse possível observar se ele percebeu mudanças em seus hábitos de leitura. Em relação aos resultados dessa questão,
obtivemos 28% dos alunos que não liam nada no Ensino Fundamental e Médio, 27% liam pouco e somente devido às obrigações escolares e os
outros 45% se declararam leitores. Alguns entrevistados responderam citando apenas os livros clássicos lidos no Ensino Médio e Fundamental.

Na quinta questão do questionário, que também era aberta, foi perguntado aos alunos se eles notaram mudanças qualitativas em seus hábitos de
leitura e, se sim, quais foram essas mudanças. A partir dessa questão, buscou-se avaliar se o aluno que anteriormente havia respondido ser leitor de
best-seller percebeu alguma mudança em seus hábitos de leitura. Apenas 6% dos entrevistados disseram não ter percebido mudanças em seus
hábitos, os outros 94% relataram as mudanças percebidas. Dentre as mudanças informadas pelos alunos, notou-se que elas iam desde melhorias na
escrita até a facilidade fazer inferências a partir do lido. Alguns entrevistados alegaram melhorias em relação ao senso crítico desenvolvido e à
complexidade das obras lidas, ou seja, a partir de um nível de leitura mais amplo, o leitor passaria a ter mais criticidade em relação ao lido e
perceberia também mais facilidade em realizar leituras complexas.

A antepenúltima questão buscava saber se os leitores acreditavam que a leitura de livros best-seller teria alguma influência no crescimento pessoal
do leitor para que ele amadurecesse seu nível de leitura. Dos entrevistados, 3% responderam não saber se existiria ou não tal amadurecimento, 3%
alegaram que talvez houvesse e que isso dependeria do livro e do leitor. Outros 12% acreditam que a literatura de massa não pode levar ao
amadurecimento do leitor e 82% disseram que há, sim, possibilidade de esse leitor amadurecer com tais leituras. Grande parte dos entrevistados
afirmou que, independentemente do que se lê, a leitura sempre acarreta em algo positivo, ou seja, sempre traz benefícios. Na opinião da maioria dos
entrevistados, percebeu-se que mesmo aqueles que não eram leitores de best-sellers acreditavam que, de alguma forma, essa literatura poderia, de
maneira positiva, influenciar na formação dos leitores. Entre os que disseram “não”, a principal réplica foi que essa leitura poderia contribuir para a
formação de hábitos de leitura, porém, não influenciaria no amadurecimento do leitor.

Diversificadas respostas foram encontradas em relação a quais melhorias e crescimentos o leitor de best-seller poderia obter a partir de suas
leituras. O eixo central de tais argumentações foi que, a partir dessa prática, o jovem/adolescente não leitor de literatura desenvolveria algum gosto
pelo literário, de forma que, consequentemente, pudesse amadurecer e crescer para uma leitura mais complexa.

A penúltima questão foi aberta e os dados levantados foram de fundo quantitativo e qualitativo. Em tal questão, buscou-se saber se o aluno
entrevistado sofreu influências da literatura de massa em sua formação literária. Ou seja, tal questão foi relevante para sabermos se os entrevistados
reconheciam a literatura de massa como base para que se tornassem leitores de outras literaturas. Alguns entrevistados responderam de forma
sucinta “sim” ou “não”, outros apresentaram algumas influências sofridas. 47% dos entrevistados disseram não ser influenciados por tal literatura,
3% não souberam opinar, 3% liam literatura de massa, mas não perceberam influências e os outros 47% disseram se considerar leitores
influenciados pela literatura de massa.

A última questão abordada no questionário também era aberta e de cunho quantitativo e qualitativo. Por essa questão, procurou-se identificar a
opinião dos entrevistados em relação ao uso da literatura de massa como influência positiva no nível de leitura do segmento infantojuvenil atual.
Após a análise dos dados dessa questão, verificou-se que 6% dos alunos não souberam opinar, 10% disseram não acreditar que é relevante o
trabalho com os best-sellers e os outros 84% afirmaram que se deve trabalhar com a literatura de massa junto ao segmento infantojuvenil atual, pois,
de alguma maneira, esta os incentiva à leitura.

A primeira conclusão que se pode obter a partir desta pesquisa é o fato de que o público discente de nível superior da instituição é um público que se
declara leitor, independentemente da frequência de leitura realizada ou da suposta qualidade do material lido. Nenhum dos entrevistados optou pela
marcação da resposta que indicava a inexistência da leitura de livros. Desse modo, nenhum dos questionários obtidos teve de ser descartado por
conter dados de alunos não leitores.

É possível concluir que os leitores frequentes, ou seja, aqueles que leem mais de oito livros por ano e são representados por 38% dos entrevistados,
apresentam ser, em grande maioria, os mesmos que disseram ser leitores de best-sellers. Ou seja, após a análise dos dados, é possível perceber
que, dos 38% de leitores frequentes, apenas 12% não são leitores de best-sellers.

Efetuando-se a soma daqueles que se declararam leitores juntamente aos que liam por obrigação escolar, obteve-se o número de 72% dos
entrevistados constituído de leitores. Observou-se que os 72% dos entrevistados classificados como “leitores” na fase escolar liam obras cultas.
Pressupõe-se então que, de alguma forma, a escola influenciava na escolha dos livros lidos por tais alunos. Porém, aqueles que, além das obras
cultas, liam best-sellers não se declararam como leitores que liam apenas por obrigações escolares. Ou seja, grande parte dos entrevistados leitores
lia apenas por obrigação escolar e somente obras que de certa forma eram “escolhidas” pelos professores. Aqueles que o faziam por interesse
próprio, em geral, tinham por objeto a literatura de massa. Com isso, é possível pensar que a leitura de livros ditos clássicos, na fase de
escolarização, se for mal trabalhada, de modo a perder a especificidade literária das obras, cedendo lugar a um uso apenas histórico e/ou linguístico,
em vez de motivar o aluno a novas leituras, pode fazer com que este perca a vontade de ler e deixe de ter interesse em prosseguir com novas leituras
que não sejam obrigatórias.

Dado que algumas respostas enfatizaram livros de literatura culta, pode-se pressupor, além do próprio gosto pelas obras, também que autores mais
aclamados como Machado de Assis, Graciliano Ramos e José de Alencar se fixem mais na memória dos leitores por serem consideradas mais
importantes na Literatura Brasileira. Ou seja, pelo tipo de leitura mais rápida do best-seller, muitos dos leitores podem não se recordar dos títulos
dos livros lidos, o que pode ter ocasionado sua omissão no questionário. Afinal, quem lê romances de banca ou faroestes, por exemplo, raramente
irá se lembrar do título após vários anos. Há que se levar em conta também o efeito de legitimidade literário, que faz com que possamos relativizar as
menções constantes a algumas obras:

as declarações concernentes ao que as pessoas dizem ler são muito pouco seguras em razão daquilo que chamo de efeito de legitimidade:
desde que se pergunta a alguém o que ele lê, ele entende: “o que é que eu leio que mereça ser declarado?” Isto é: “o que é que eu leio de fato
de literatura legítima?” (BOURDIEU, 2001, p. 236).
Desse modo, ainda que um número maior de leitores tenha lido obras de best-seller, sabemos que tal declaração nem sempre é bem vista no campo
literário erudito, o que minimizaria a sua menção.

94% dos leitores entrevistados indicaram ter observado mudanças em seus hábitos de leitura. O principal foco dessa questão consistia em saber se
os leitores de best-seller perceberam mudanças e, se sim, quais foram elas. A mudança mais relevante apresentada pelos entrevistados leitores de
best-seller foi a passagem para a leitura de livros cultos a partir da bagagem criada pela leitura das obras da literatura de massa. Tais entrevistados
demonstraram em suas respostas, em certa medida, que, a partir das leituras menos valorizadas, foi possível desenvolver um hábito de leitura e um
olhar crítico de forma que esse amadurecimento influenciasse de maneira positiva para que tal leitor se tornasse um leitor das obras “clássicas”.
Outras mudanças perceptíveis pelos leitores de best-seller foram o domínio da língua e o gosto adquirido pela leitura, fazendo com que fosse
possível selecionar melhor as obras a serem lidas. Dessa forma, pode-se inferir que, a partir das leituras de massa, o leitor se torna mais crítico e
maduro em relação às obras a serem lidas. Uma hipótese é que tal passagem se daria dada a repetitividade da forma do best-seller, em geral, um
modelo “industrial” de produção de enredos de livros, que tende a não surpreender o leitor com a continuidade das leituras. Com isso, o leitor já
preparado para o que encontraria na literatura de massa tenderia a procurar novos desafios, chegando à literatura culta. A melhoria na escrita
também foi citada por alguns. Ou seja, podemos dizer que, a partir do acúmulo de leitura, independentemente de qual seja, o leitor adquire diversos
benefícios.

Ao analisar a possibilidade de influências positivas da literatura de massa na formação do leitor literário, verificou-se que 82% dos entrevistados
acreditam que tal influência ocorre de diversas formas: desperta o interesse para futuras leituras, cria hábito de leitura, ativa a criticidade e o
amadurecimento literário, desenvolve a imaginação dos leitores, entre outras. Os entrevistados apresentaram também alguns pontos de vista em
relação ao best-seller e sua importância na formação do leitor. Dentre as respostas, foi possível verificar que mesmo aqueles que relataram não ter
sofrido influência da literatura de massa em sua formação literária apresentam opiniões favoráveis ao uso de tal literatura para influenciar o público
infantojuvenil atual. Para os entrevistados, essa literatura, dependendo do modo como é trabalhada, acarreta, sim, em benefícios para leitor, de modo
que este possa amadurecer sua leitura e se tornar um leitor mais culto.

Houve também aqueles que apresentaram opiniões concomitantemente negativas e positivas ao uso da literatura de massa, alegando que a mesma
não é capaz de formar a opinião crítica dos leitores, mas que é capaz de desenvolver o hábito de leitura de modo a fazer com que se passe por um
crescimento literário. Outra justificativa relevante apresentada pelos entrevistados foi que, com essa leitura, os jovens podem melhorar a produção
escrita, pois, com o acúmulo de livros lidos, o leitor desenvolveria um maior conhecimento de mundo e do uso das palavras em geral. Ao analisar a
faixa etária daqueles alunos que responderam ao questionário, pode-se inferir que os alunos mais jovens alegam ter sofrido maiores influências dos
best-sellers.

Em suma, a partir da análise dos dados e das opiniões apresentadas pelos alunos entrevistados, pode-se afirmar que a grande maioria acredita ser a
literatura de massa uma opção para se incentivar o público infantojuvenil a ter gosto pela leitura. Todavia, a literatura culta não deve ser deixada de
lado. Precisa, porém, ser trabalhada juntamente com os alunos a partir do momento que estes tiverem a bagagem suficiente para conseguir desfrutar
todos os benefícios literários que ela tem a oferecer. Uma possibilidade para gerar este acesso é incentivar a leitura de literatura de massa, mesmo
fora da escola, por prazer, fazendo com que o alunado ganhe em experiência leitora. Desse modo, a passagem para a literatura culta pode acontecer
de forma menos traumática, fazendo com que se formem leitores efetivos e não apenas usuários da leitura para fins didáticos.

Com isso, a literatura de massa pode ser considerada um andaime que poderá levar o jovem a formar-se como leitor literário. Colomer (2007, p. 75)
utiliza a metáfora da “escada com corrimão”, o que retrata muito bem a passagem, a subida do leitor até que ele alcance o patamar mais alto da
leitura literária, que é o gosto, a boa relação com os livros, o interesse pelo cânone, enfim, a sua formação como leitor maduro.

A pesquisa em questão, apesar de ser um estudo de caso e ter seu alcance reduzido, permite, todavia, gerar inferências sobre as práticas leitoras.
Com isso, pode abrir caminhos para a investigação do mesmo fenômeno sob o ponto de vista dos professores de Literatura e Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental e Médio em relação ao uso dos best-sellers como influência para formar leitores.

REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia. Os livros e suas dificuldades. Em Dia: leitura e crítica - boletim informativo da ALB. Campinas: Mercado de Letras, 1999 (Boletim).

_______. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

BOURDIEU, P.; CHARTIER, R. A leitura: uma prática cultural – Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da
leitura. Trad. Cristiane Nascimento. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.

GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (dir.). Práticas da Leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. 2ª
ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

LANI, A.R. A literatura da cultura de massa. [2010]. Disponível em:


<http://www.monografias.brasilescola.com/educacao/a-literatura-cultura-massa.htm>. Acesso em: 30 set. de 2015.

PERRONE-MOYSÉS, Leyla. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SODRÉ, Muniz. Best Seller: A literatura de mercado. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1988.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).
2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).
34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPÍTULO 18 LETRAMENTO LITERÁRIO NA EJA

Sarah Diva da Silva Ipiranga

Valter Araújo de Albuquerque

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino voltada para pessoas que não completaram os anos de educação básica na
idade apropriada. Entre os motivos que ocasionaram a desistência precoce do espaço educacional, podemos mencionar a necessidade de trabalho e
a participação na renda familiar desde a infância. Muitos desses estudantes, entretanto, mesmo inseridos num novo segmento educacional (EJA),
voltam a abandonar as salas de aula pelos mesmos problemas que os colocaram longe da escola e por outras questões particulares ou sociais, como
gravidez, rivalidades entre gangues dos bairros, envolvimento com drogas, mudança de moradia etc. Apesar desse registro considerável de evasão e
dos problemas de aprendizagem que vivencia, a EJA tem importância central no conjunto da educação brasileira.

Este segmento educacional, instituído e regulamentado junto com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, conhecida como LDB, ou lei nº
9394 de 20 de dezembro de 1996, é voltado à educação básica e recebe repasse de verbas do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). A modalidade está descrita no artigo 37 da LDB com o seguinte texto:

SEÇÃO V - DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e
médio na idade própria.

§1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as 31características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames.

§2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares
entre si (BRASIL, 1996, p. 12).

(Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 20 jul. de 2015).

Diante da sua especificidade, há uma preocupação constante com o público alvo para que ele possa ter um melhor aproveitamento dos saberes que
são desenvolvidos na escola. Para que tal ocorra, faz-se necessário prover a EJA de propostas didático-pedagógicas bem elaboradas e livros
adequados, com atividades interessantes, que valorizem novas práticas em sala de aula, embasadas nos estudos de diversas áreas do
conhecimento, como as novas descobertas da Linguística aplicada, da Psicologia Educativa, da Neurolinguística, da Literatura e dos diversos
letramentos.

Especificamente acerca do ensino de literatura, acreditamos que o texto literário tem uma função essencial na proposta educadora da EJA, visto que
é uma das fontes instigadoras do conhecimento institucionalizado pela escola e constitui-se numa prática estimulante para os alunos vivenciarem
saberes diversos. Ao mesmo tempo em que ela cria um mundo ficcional, paralelo ao real, permite aos educandos refletir sobre a realidade do mundo
e a sua própria, ajudando-os a encontrarem significações para a vida. De acordo com Candido (2004), é por isso que “nas nossas sociedades a
literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento
intelectual e afetivo” (2004, p. 175). O autor reforça esse pensamento afirmando: “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,
fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 2004, p. 175). Ou seja, a literatura tem uma forma inegável de
humanização, pois a sua capacidade de estimular sentimentos, dialogar com várias questões, descobrir o outro através das palavras torna a sua
escolarização inevitável e uma forma poderosa de educação para qualquer ser humano.
Para que essa reflexão seja presentificada no espaço específico da EJA, será importante utilizarmos conceitos que mantêm diálogo estreito com o
ensino de literatura: leitura literária e letramento.

1 Reflexões sobre ensino de literatura e letramento

Ao iniciarmos nossa reflexão sobre leitura literária e letramento na escola, vem-nos à mente um chavão muitas vezes repetido por nós, professores
de língua portuguesa, e por tantos outros não especialistas no assunto: “Para escrever bem, é preciso ler muito”. Com certeza, esta é uma afirmação
que, embora não seja inquestionável (pois é característica essencial de toda ciência a busca de novas respostas através de questionamentos que
sempre existirão), circula no meio acadêmico e já pode ser comprovada cientificamente, através de vários estudos das diversas áreas do
conhecimento linguístico. No entanto essa relação entre ler e escrever não é tão simples e está intrinsecamente ligada à noção de letramento.

O termo letramento (do inglês literacy), como afirma Kleiman (2005), é relativamente novo e apareceu na metade da década de 1980 com o surgimento
das novas tecnologias e das relações que a escrita/leitura estavam assumindo nessa nova sociedade. Grosso modo, letramento é “um conjunto de
práticas de uso da escrita que vinham modificando profundamente a sociedade, mais amplo do que as práticas escolares de uso da escrita,
incluindo-as, porém” (KLEIMAN, 2005, p. 21).

Por sua vez, Britto (2005), autor de Letramento no Brasil, procura expor os vários conceitos que se confundem com o termo, tais como cultura
escrita, alfabetismo e alfabetização, e os resume da seguinte forma:

Cultura escrita – modalidade de organização social de base escrita, com implicações na forma de produzir, viver, conhecer e representar.

Letramento – conjunto de práticas sociais de escrita e da leitura que definem os modos privilegiados de participar e produzir na sociedade de
cultura escrita, tanto em ambientes escolares como em outros ambientes sociais.

Alfabetismo – conjunto de habilidades individuais de uso da escrita.

Alfabetização – processo de ensino e aprendizagem do sistema da escrita (BRITTO, 2005, p. 31).

Como se percebe, o termo é complexo, mas refere-se também a todas as atividades possíveis em sociedade, pois mesmo um analfabeto possui
algum tipo de letramento (já que não é algo exclusivo de pessoas “letradas”) ao participar de um evento social, ao fazer uma leitura global do nome
do ônibus que quer pegar, ao repetir as orações numa missa etc. O letramento tem a ver com a escrita e a leitura do mundo, mas pode ser
aprendido/desenvolvido na escola, ou seja, ele precisa da experiência, por isso não é um método.

É na escola também que pode ocorrer o letramento literário, que se refere à aquisição do gosto pela leitura dos textos literários. Rildo Cosson, em
seu livro Letramento literário: teoria e prática (2014), referindo-se a uma pergunta equivocada, porém honesta, feita por um aluno que disse
“Professor, por que não podemos apenas ler os textos literários?”, já nos alerta:

Não é possível aceitar que a simples atividade da leitura seja considerada a atividade escolar de leitura literária. Na verdade, apenas ler é a face
mais visível da resistência ao processo de letramento literário na escola. Por trás dele encontram-se pressuposições sobre leitura e literatura
que, por pertencerem ao senso comum, não são sequer verbalizadas. Daí a pergunta honesta e o estranhamento quando se coloca a
necessidade de se ir além da simples leitura do texto literário quando se deseja promover o letramento literário (COSSON, 2014, p. 26).

Em sua argumentação, diz que o aprendizado da literatura é feito da mesma forma como aprendemos tudo no mundo, que ninguém nasce sabendo
ler textos literários e, portanto, precisamos de uma aprendizagem bem conduzida, que não seja apenas a do preenchimento das fichas de leitura, pois
o professor precisa saber “criar as condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário,
para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos” (COSSON, 2014, p. 29).

Voltando ao ponto a ser considerado e que é senso comum entre nós, educadores, o de que a leitura melhora a escrita, questionamos: se, para
melhorar a escrita de nossos alunos, é preciso ler, o que estamos fazendo para que eles efetivamente leiam?

Por uma questão óbvia, essa tarefa faz parte do ensino de língua portuguesa e, mais especificamente, do de literatura. Esta última disciplina é, a
nosso ver, a responsável direta na escola por facilitar a aproximação dos alunos com os textos. Entretanto, cabem aqui algumas perguntas:

1) O que a escola ensina como literatura?

2) Qual valor e importância a própria escola dá ao ensino de literatura?

3) O que fazer para que, de fato, os alunos leiam na escola?

Estes questionamentos suscitam outros, mas, por enquanto, tentaremos responder a estes inicialmente.

Em que pese a dificuldade para definir o que é literatura devido a sua complexidade e especificidade, declaramos que existe uma estreita relação
desta arte com a escola, pois é no espaço escolar que as obras chamadas canônicas são apresentadas aos educandos. Dentro de uma visão
tradicional, caberia à escola destinar aos seus alunos a leitura somente de escritores consagrados, livros da literatura universal e nacional
considerados clássicos. Não há um aprofundamento de outros textos e gêneros, importando o que já foi dito e analisado pelos críticos, que detêm a
interpretação sobre estes cânones.

Mas existem atualmente outras visões, de acordo com Annie Rouxel (2013, p. 18), sobre o que deve ser ensinado como literatura na escola. Uma
delas vê a literatura como prática, em que se desloca o interesse para o que é deste campo, ou seja, para os processos de produção e de recepção
dos textos e para os envolvidos no fazer literário (escritor, edição, crítica, leitores, escola). Nesta concepção, a preocupação recai sobre os elementos
externos ao texto e o leitor é valorizado, pois a leitura é “uma realização singular, resultado de um processo de atualização do texto do autor”
(ROUXEL, 2013, p. 19). A outra visão percebe a literatura como ato de comunicação, em que se busca o interesse existencial das obras, para que o
leitor se aproprie dos valores éticos e estéticos de que os livros são portadores. Nesta outra visão, a escola deve instigar no aluno o aprofundamento
na leitura dos textos literários, buscando o próprio (re)conhecimento de seus valores e os da obra. Aqui, há um implicamento do leitor com o texto,
visando uma descrição engajada e uma interpretação subjetiva das obras, que o ajudará na construção da sua própria identidade. De acordo com a
autora: “Essa transformação da relação com o texto se traduz por uma reabilitação do fenômeno da identificação [do leitor com o texto], considerada
durante muito tempo como uma regressão” (ROUXEL, 2013, p. 19).

A nosso ver, estas duas últimas concepções não estão dissociadas, antes, sim, são complementares, pois nelas estão inseridos três componentes
importantes, de acordo com a própria Rouxel (2013, p. 20), que se unem para uma finalidade maior que é o ensino literário: a atividade do aluno como
sujeito leitor e intérprete, os textos e obras ensinados e a ação do professor, como mediador e responsável pelas escolhas didáticas e pedagógicas
que permeiam o letramento literário. De acordo com a própria autora:

Pensar o ensino da literatura e suas modalidades práticas supõe que se defina a finalidade desse ensino. É a formação de um sujeito livre,
responsável e crítico – capaz de construir o sentido de modo autônomo e de argumentar sua recepção – que é prevista aqui. É também,
obviamente, a formação de uma personalidade sensível e inteligente, aberta aos outros e ao mundo que esse ensino de literatura vislumbra
(ROUXEL, 2013, p. 20).

A segunda pergunta, que se refere ao valor e à importância que a escola dá à literatura, remete-nos ao que, de fato, a escola está ensinando como
literário. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclo32, no capítulo intitulado A especificidade do texto
literário, dizem que a literatura é um dos componentes importantes do estudo da linguagem, pois possui particularidades inerentes a cada gênero
literário, que podem auxiliar no processo de ensino aprendizagem da nossa língua. De acordo com o documento,

O texto literário constitui uma forma peculiar de representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a intenção
estética. Não é mera fantasia que nada tem a ver com o que se entende por realidade, nem é puro exercício lúdico sobre as formas e sentidos
da linguagem e da língua (BRASIL, 1998, p. 26).

Este trecho dos PCN remete-nos à análise feita por Compagnon (2001, p. 42) quando relembra a importância que Jakobson, em seu artigo
“Linguistique et Poétique” [Linguística e poética] (1960), dá à literatura. Ao nomear as seis funções envolvidas no ato da comunicação, Jakobson
denomina, com certa exclusividade, a função poética, separando-a das outras funções (expressiva, conativa, referencial, metalinguística e fática) e
dos outros cinco elementos aos quais essas funções estão ligadas (o locutor, o destinatário, o referente, o código e o contato). Compagnon nos diz
que Jakobson percebeu que a literatura (o texto poético), com sua literariedade, possui em sua mensagem algo que só a própria literatura consegue
exprimir através de sua forma de representação, do estilo empregado por cada autor, da criatividade e imaginação que fluem dos textos e que
conferem realidade ao que não é, necessariamente, real.

O texto dos PCN continua afirmando essa importância e conclui essa seção dizendo:

O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo
particular de uso da linguagem. É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos
literários, ou seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que
contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
construções literárias (BRASIL, 1998, p. 27).

Os PCN afirmam que os textos do gênero literário a serem trabalhados na escola, no ensino fundamental, devem ser aqueles que possam “favorecer
a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem,
ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada.” (BRASIL, 1998, p. 24). Depois de algumas reflexões, lançam, então, um
quadro intitulado Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos (BRASIL, 1998, p. 54), no qual coloca os gêneros da linguagem
oral e escrita do domínio do jornalismo, da divulgação científica, da publicidade e também do literário, como sugestões a serem trabalhados nos
anos do ensino fundamental. Para o trabalho com o domínio literário, especificamente, sugerem, na linguagem oral, o cordel, os causos e similares, o
texto dramático, a canção e, na linguagem escrita, o conto, a novela, o romance, a crônica, o poema e, por último e novamente, o texto dramático.

Entretanto, este mesmo documento não especifica qual conteúdo deve ser contemplado em qual série. Ao contrário, dá liberdade para que as escolas
e os professores trabalhem com a literatura e a língua de modo a adequarem à realidade social, histórica e geográfica em que estão inseridos e
enfatiza:

Muitas das metas colocadas para o ensino não são possíveis de serem alcançadas em uma única série: não se forma um leitor e um escritor
em um ano escolar. Assim sendo, é necessário dar coerência à ação docente, organizando os conteúdos e seu tratamento didático ao longo do
ensino fundamental, e articulando em torno dos objetivos colocados a ação dos diferentes professores que coordenarão o trabalho ao longo
da escolaridade (BRASIL, 1998, p. 66).

Diante do que foi exposto sobre a literatura nos PCN para o ensino fundamental/EJA, há uma certa imprecisão na adequação dos conteúdos, pois fica
a cargo dos professores e das escolas a escolha do que será ensinado e em qual série. Assim sendo, a realidade que aqui será tratada é a da maioria
das escolas públicas municipais e estaduais brasileiras. A literatura, no ensino fundamental, não vem apresentada como um conteúdo histórico,
como ocorre no ensino médio, mas como um trabalho de leitura e interpretação dos gêneros literários, principalmente os sugeridos no quadro
anteriormente citado. Porém, essa disciplina é muitas vezes deixada de lado pelos professores, que priorizam o trabalho com a análise linguística e a
produção de vários outros gêneros em detrimento da leitura literária, pois não a utilizam para a apreciação da estética literária, a nosso ver, tão
importante para a formação humana e cidadã.

Na EJA, a disciplina de literatura também sofre com essa desvalorização. Ela está incluída nas aulas de língua portuguesa e os textos literários são
apresentados de forma fragmentada, com trechos extraídos de forma, muitas vezes, descuidada. Magda Soares já nos aponta para esta falha na
seleção dos fragmentos que aparecem nos livros:
Em livros didáticos encontram-se, em geral, como textos para leitura, fragmentos de textos maiores, já que é preciso que as atividades de
desenvolvimento de habilidades de leitura tenham por objeto textos curtos, para que possam ser analisados e estudados em profundidade no
tempo limitado imposto pelos currículos e horários escolares – esta é mais uma das características (exigências) da inevitável escolarização da
literatura. (SOARES, 1999, p. 29-30).

A autora ainda afirma que há uma desvirtualização no uso dos textos literários e enfatiza o que acontece nos livros didáticos ao utilizá-los:

Quase sempre, os exercícios propostos aos alunos ou são exercícios de compreensão, entendida como mera localização de informações no
texto, ou são exercícios de metalinguagem (gramática e ortografia), ou são exercícios moralizantes (SOARES, 1999, p. 44).

Conforme Magda Soares, percebemos que não existe na escola, de um modo geral, um estudo efetivo sobre as obras literárias, pois o que ocorre é a
retirada de trechos com a pretensão de se estudar sobre literatura ou gramática. É importante frisar que a retirada de trechos de textos literários e o
não aproveitamento de suas singularidades, afirmadas por Soares, ocorre tanto nos livros didáticos do ensino fundamental como no ensino médio.

A terceira pergunta refere-se ao que a escola pode fazer para realmente trabalhar a literatura. Este problema pode ser solucionado com
modalidades/estratégias de leitura que agenciem uma relação de proximidade do aluno-leitor com o texto, mediada por intervenções do professor.
Mas a realidade pode se tornar difícil, principalmente em escolas públicas municipais (responsáveis pelo ensino fundamental I e II/EJA), por falta de
condições materiais e por causa da falta de livros paradidáticos para serem trabalhados em sala de aula, pois acreditamos que somente o livro
didático não dá conta da árdua tarefa de se trabalhar o gosto pelos textos literários.

Em muitas unidades escolares, existem bibliotecas e pessoas nelas atuando, há uma política do governo federal de valorização desses espaços de
leitura, por meio do PNBE33, nas escolas de todo o Brasil e aumentou o número de textos literários publicados pelas editoras. Entretanto, para o
professor trabalhar com todas as suas turmas, é preciso que haja livros suficientes para todos os alunos, o que muitas vezes não ocorre e dificulta o
desenvolvimento de alguma atividade voltada para a leitura e reflexão de obras literárias.

Por tudo o que foi exposto anteriormente, podemos dizer que existe uma grande distância entre a realidade do ensino da literatura em nossas
escolas e o que os educadores desejam e lutam. Sabemos que é preciso haver uma escolarização da literatura mais eficiente e concordamos com
Soares (1999) ao concluir:

Distinguimos entre uma escolarização adequada e uma escolarização inadequada da literatura: adequada seria aquela escolarização que
conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores do ideal de leitor que se quer
formar; inadequada é aquela escolarização que deturpa, falsifica, distorce a literatura, afastando, e não aproximando, o aluno das práticas de
leitura literária, desenvolvendo nele a resistência ou aversão ao livro e ao ler (SOARES, 1999, p. 47).

Reportando-nos ainda ao chavão usado no início deste texto, podemos dizer que “para ler bem, é preciso ler muito também”. E a escola, com certeza,
é peça fundamental para a solidificação deste conceito, já que detém o poder de transformação e as condições de facilitar, ao aluno, o acesso à
cultura presente nos livros literários e também nos didáticos, aumentando assim o seu nível de letramento.

Outra questão muito importante, mas que não é considerada como tal e que possui pouco aprofundamento, é o da literatura como sendo um direito
humano universal. Esta afirmação nos leva a refletir sobre o que é indispensável aos seres humanos, o que, de início, parece retirar o prazer da
leitura literária desse rol, pois muitos não veem como a literatura possa ser algo primordial diante de tantas outras necessidades básicas como
moradia, alimentação, saneamento básico e educação.

Ao fazer uma análise sobre esse mesmo tema, num texto justamente intitulado “O direito à literatura”, Antonio Candido (2004) afirma:

O assunto que me foi confiado nesta série é aparentemente meio desligado dos problemas reais: “Direitos humanos e literatura”. [...] É
impressionante como em nosso tempo somos contraditórios neste capítulo. Começo observando que em comparação a eras passadas
chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande
número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No entanto, a irracionalidade do comportamento é também
máxima, servida frequentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar os desígnios da racionalidade. [...] em certos países, como o
Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssima distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que
permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria (CANDIDO, 2004, p. 169).

Apesar desta constatação desalentadora, Candido procura ser otimista, pois acredita que, justamente por sabermos que hoje existem os meios
materiais para se promover uma mudança de mentalidade e para se fazer uma melhor divisão de bens, ainda há esperança.

Diante, então, de tantos problemas e barreiras mais sérias e urgentes a se enfrentar com relação a vários direitos básicos, apesar da real
possibilidade de mudança, como pensar a literatura como um direito humano? Quando pensamos em um direito, devemos reconhecer que esse
direito não se refere só a mim, mas também ao meu próximo, embora muitas pessoas pensem que os seus direitos sejam mais urgentes que os das
outras. Isto tem a ver com a educação pessoal e social, o que está diretamente relacionado à integridade humana e à necessidade de se ter prazer
com outras coisas não tão básicas.

Dessa forma, Candido (2004) destaca a importância de a literatura ser vista como um direito, pois “ela é fator indispensável de humanização e, sendo
assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente” (p. 175), e justamente por
a literatura ter esse poder de atuação, o autor destaca:

... convém lembrar que ela não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como
acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador da personalidade, mas não segundo
as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. (CANDIDO, 2004, p. 175).
Acreditamos que os alunos da EJA também são merecedores desse direito inalienável à literatura e, com este trabalho, esperamos contribuir para
que a escola consiga oportunizar o prazer da fruição estética a esse público tão carente e, por isso mesmo, merecedor de uma atenção especial e
urgente.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1996. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 20 jul. de 2015.

_______. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRITTO, L. P. L. Letramento no Brasil. Curitiba: IESD Brasil S.A., 2005.

CANDIDO, A. O direito à literatura. In: _______. Vários escritos. Rio de Janeiro/São Paulo: Ouro sobre Azul/Duas Cidades, 2004.

COPES, R. J. Políticas públicas de incentivo à leitura: um estudo do projeto “Literatura em minha casa”. 2007. 153 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2007.

COMPAGNON, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2001.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.

KLEIMAN, Â. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? São Paulo: Ministério da Educação, 2005.

ROUXEL, A. Aspectos metodológicos do ensino da literatura. In: DALVI, M. A.; REZENDE, N. L. de; JOVER-FALEIROS, R. (Orgs). Leitura de literatura
na escola. São Paulo: Parábola, 2013.

SOARES, M. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, A. M. Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.
13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.

26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.
Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.

33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

CAPÍTULO 19 OS SEGREDOS DA CRÔNICA DE ANA MIRANDA

Wesclei Ribeiro da Cunha

quando eu aprendi a ler e escrever, eu devorava os livros! [...] Eu pensava que livro é como árvore, como bicho: coisa que nasce! Não
descobria que era um autor! Lá pelas tantas, eu descobri que era um autor. Aí disse: ‘Eu também quero’ (LISPECTOR apud GOTLIB, 1995, p.
39).

1. “A leitura de um livro”
Na crônica “A leitura de um livro”, Ana Miranda (6/4/2014) destaca a importância de lermos “com o espírito aberto”, uma vez que considera este ato a
relação mais íntima entre duas pessoas, “pois o autor se revela em sua plenitude, e o leitor descobre a verdade ali contida, revelando a si mesmo
suas próprias verdades”. Este processo de descoberta proporcionado pelo livro, conforme supracitado com as considerações de Clarice Lispector,
compreende uma atividade essencial para o ensino de Língua Portuguesa e Literatura, na medida em que traz, conforme considera Ana Miranda, “a
história do espírito humano, e uma infinidade de leituras, quase todas inconscientes, profundas” (MIRANDA, 2014, s/p.).

Subjacente à publicação de narrativas, há uma experiência de leitura do mundo e da palavra que não podemos ignorar, conforme enfatiza Paulo
Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1989, p. 9). Por meio da leitura da “palavramundo”, conforme destaca o Educador,
compreende-se um processo de decifração de experiências vivenciadas dentro de um contexto particular, no qual se verifica um esforço de recriação
e releitura de experiências, de memórias que interagem com experiências trazidas nas narrativas inseridas no “mundo da leitura”, do qual resultam
descobertas sobre a própria condição humana. Na crônica “A leitura de um livro”, Ana Miranda destaca este entrecruzamento da leitura do mundo
com a leitura da palavra, na medida em que enfatiza a leitura da palavra como uma possibilidade de investigação do comportamento humano; por
conseguinte, uma leitura da “memória pessoal”, “pois os exemplos da vida dos personagens fazem surgir memórias de fatos semelhantes
acontecidos na vida do leitor” (MIRANDA, 2014).

Nessa perspectiva, o presente texto tem como objetivo refletir sobre a importância do ato de ler, concomitante ao processo de escrita integrado a um
projeto interdisciplinar, realizado com alunos do 9º ano de uma escola da rede pública de Fortaleza. Por meio da leitura literária na sala de aula,
construímos uma experiência interdisciplinar que ganhou proporções além das nossas expectativas iniciais, uma vez que iniciamos com o intuito de
participar da 3ª edição do Programa da Olimpíada de Língua Portuguesa: “Escrevendo o futuro”. Além da produção de textos, crônicas literárias e
memórias literárias, cujo foco de discussão girou em torno do lugar em que estão inseridos os estudantes, construímos um projeto para o qual
convergiriam, principalmente, Literatura e História do Ceará, proporcionado pela leitura de crônicas da escritora Ana Miranda, publicadas no Jornal O
Povo, as quais podem ser encontradas na versão on- line do jornal, no endereço <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>.

2. Entrecruzamento de saberes

De início, realizamos um planejamento para uma análise do material da Olimpíada de Língua Portuguesa34, juntamente com uma equipe de
professores de Língua Portuguesa e áreas afins, realizados na escola. Observamos que havia a possibilidade de expandir a temática proposta pelo
material com pesquisas que contemplassem também a História e a Literatura. Por conseguinte, selecionamos mais de 30 crônicas35 da escritora Ana
Miranda, que foram distribuídas entre os alunos que as leram, em rodas de leitura e debate, interpretaram-nas, à proporção que faziam um rodízio
entre os textos, e pesquisaram sobre a vida e a obra da escritora.

O trabalho foi expandido para uma pesquisa acerca da cultura cearense, uma vez que as crônicas de Ana Miranda desenvolvem uma importante
reflexão sobre histórias da civilização e curiosidades da cultura popular, de movimentos literários do Ceará, como “A Padaria Espiritual”,
personalidades marcantes para sua própria formação literária, como a escritora Rachel de Queiroz, com quem cultivou amizade. Procuramos
desenvolver esta experiência estimulando a imaginação e a criatividade dos estudantes por meio da literariedade dos textos trabalhados, a fim de
verificar também a historicidade das narrativas, haja vista que priorizamos uma reflexão acerca do entrecruzamento das narrativas histórica e
ficcional.

As reflexões compartilhadas com os estudantes giraram em torno da memória coletiva vinculada à pessoal, seja na análise de textos literários ou na
interpretação, contextualização e historização de narrativas. Essa atividade se fez importante devido à constatação de uma resistência dos alunos à
leitura literária e ao desconhecimento da história da própria cidade. As pesquisas desenvolvidas pelos estudantes permitiram uma verificação do
processo de leitura e escrita, assim como proporcionaram uma reflexão sobre a interação entre os múltiplos saberes presentes no universo ficcional
e também sobre as condições do escritor em seu processo de composição.

Procuramos conduzir os encontros, juntamente com professores das áreas de História, Linguagens e Códigos, propondo um debate com
norteamentos e questionamentos sobre a importância da Literatura para uma compreensão da diversidade e da complexidade da condição humana,
conforme se verifica na esfera do pensamento de Edgar Morin (2011), partindo-se do ensaio Os sete saberes necessários à educação do futuro, a fim
de pensar a complexidade da “religação dos saberes” em face da fragmentação do conhecimento na sociedade hodierna.

Para Edgar Morin, “a educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana” (MORIN, 2011, p. 43). Nesse
sentido, mister se faz que os estudantes, em face de uma heterogeneidade no que concerne à formação intelectual, em sua humanidade comum,
reconheçam a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Para uma compreensão da natureza humana, o pensador Edgar Morin (1973, p. 145)
enfatiza ser necessário unir as noções contraditórias do nosso entendimento, as quais se dispersam, compõem-se, recompõem-se, de acordo com
os indivíduos, as sociedades, os momentos, o que aumenta, por conseguinte, a diversidade da humanidade, cujo lastro não pode estar sedimentado
numa plasticidade vaga, modelada ao sabor das circunstâncias, pelos meios e pelas culturas, porém na unidade de um sistema hipercomplexo. Um
exercício constante de verificação da alteridade, que permita respeitar as diferenças do repertório cultural de cada estudante, se faz pertinente como
exercício de cidadania e de tolerância, o qual pode ser proporcionado por meio das narrativas que dão consistência às memórias pessoais e
coletivas.

Na medida em que os estudantes produziam suas próprias narrativas, compartilharam experiências que permitiram o vínculo entre a memória
pessoal e a coletiva, realizando-se dentro de um percurso “do mundo da leitura para a leitura do mundo”, sobre o qual Marisa Lajolo (1994) considera
um caminho de entrecruzamentos de saberes, o qual se identifica com a metodologia desenvolvida neste projeto, que desafia docentes e discentes a
interagirem e a vivenciarem os impasses e a forma como diferentes textos dialogam:

De modo geral, não se pode – e talvez nem se deva – fugir a alguns encaminhamentos mais tradicionais no ensino da literatura: por exemplo, a
inscrição do texto na época de sua produção, uma vez que textos assim contextualizados nos dão acesso a uma historicidade muito concreta e
encarnada, à qual se cola a obra de arte à revelia ou não das intenções do autor; outro caminho, a inscrição, no texto, do conjunto dos
principais juízos críticos que sobre ele se foram acumulando, fundamental para fazer o aluno vivenciar a complexidade da instituição literária
que não se compõe exclusivamente de textos literários, mas sim do conjunto destes mais todos os outros por estes inspirados; outro exemplo
ainda, a inscrição do e no texto, no e do cotidiano do aluno, entendendo que este cotidiano abrange desde o mundo contemporâneo (no que
essa expressão tem, intencionalmente, de vago e de amplo) até os impasses individuais vividos por cada um, nos arredores da leitura de cada
texto.

Se o professor não conhece tais impasses – e provavelmente não os conhece nem precisa conhecê-los - , a vivência que tem de seus impasses
e a forma como diferentes textos dialogam com tais impasses são suficientes para sugerir comentários, perguntas e atividades que
encaminham nessa direção o trabalho com o texto (LAJOLO, 1994, p. 16).

No que concerne à inscrição, enfatizada por Marisa Lajolo, “do e no texto do conjunto dos principais juízos críticos que sobre ele foram se
acumulando”, Paulo Freire (1989), ao considerar a precedência da “leitura” do mundo, na qual se inscrevem a experiência existencial do leitor, em
relação à “leitura” da palavra, enfatiza a importância dos “textos”, das “palavras”, das “letras” do contexto de sua infância no Recife, para uma
ampliação da compreensão crítica da realidade, na medida em que estas leituras se entrecruzam, despertando-se em cada uma das palavras uma
experiência singular, desde o canto dos pássaros às águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, rios e riachos, que no ato leitura são
recriados e rememorados, o que contribui para compreendermos a diversidade da condição humana. Nessa perspectiva, acreditamos que o ato da
leitura compreende uma necessidade do processo de ensino-aprendizagem, pelo caráter transformador, no qual se insere uma comunhão secreta em
que se encontram o histórico e o ficcional, conforme enfatiza Ana Miranda: “Nessa comunhão secreta e tantas vezes apaixonada, a mente do leitor
aprende a funcionar de uma nova maneira, ampliando as possibilidades de raciocínio e percepção. A verdade do livro torna-se uma nova verdade,
recebendo e incorporando uma nova interpretação” (MIRANDA, 2014).

Em Tempo e narrativa (2010), Paul Ricoeur amplia o debate acerca da ficcionalização da história, bem como acerca da historização da ficção, uma vez
que é possível inferir um aspecto cíclico que envolve o entrecruzamento entre história e ficção, “com o momento quase histórico da ficção trocando
de lugar com o momento quase fictício da história” (RICOEUR, 2010c, p.328). Dessa troca de lugares, como observa Paul Ricoeur, procede o que se
convenciona chamar de “tempo humano” ou “tempo narrado”, cujo percurso, conforme considera o pensador, deve ser encaminhado em três
momentos: 1) a estratégia fomentada pelo autor e dirigida para o leitor; 2) a inscrição dessa estratégia na configuração literária; 3) a resposta do
leitor considerado quer como sujeito que lê, quer como público receptor. Nessa trajetória, verifica-se que o processo hermenêutico ricoeuriano
almeja reconstruir o conjunto das operações miméticas peculiares a cada obra, partindo da experiência cotidiana (do viver, do agir, do sofrer), até o
momento de sua recepção, na medida em que a obra interage com os leitores ao longo do tempo.

3. Representância

Em Tempo e narrativa, Paul Ricoeur (2012) estabelece como fio condutor entre tempo e narrativa a articulação de três momentos da mímesis, o qual
segue “o destino de um tempo prefigurado a um tempo refigurado pela mediação de um tempo configurado” (RICOEUR, 2012a, p.10). Por sua função
de corte, o pensador considera a mímesis II o eixo da análise, responsável por ampliar o mundo da composição poética e instituir, o que será o foco
deste trabalho, a literariedade da obra literária, por meio da qual procuramos refletir os múltiplos saberes inscritos na tessitura poética com objetivo
de desenvolver no estudante uma conscientização acerca da história e das memórias do Ceará.

Paul Ricoeur, a partir do conceito de representância, o qual “exprime a opaca mistura entre a lembrança e a ficção na reconstrução do passado”
(RICOEUR, 2012, p. 336), problematiza o paralelo entre “realidade” aplicada ao passado e a ficção “irreal”, considerando os efeitos de revelação e
transformação da vida e dos costumes resultantes da leitura: “É através da leitura que a literatura retorna à vida, isto é, ao campo prático e pático da
existência” (RICOEUR, 2010c, p. 172). No que concerne ao âmbito “prático e pático da existência”, no qual se encontra o complexo formado de
tempos sociais distintos, resultante da coabitação do arcaico com o processo modernizador, pensamos que trazer as transformações de uma cidade
por meio de textos literários para pensar a memória de uma cidade compreende um importante ganho para o aprendizado tanto dos estudantes
quanto dos próprios professores que participaram desse projeto.

Para Paul Ricoeur, o trabalho de refiguração da práxis pela narrativa, bem como do presente real, documentado, compreende o desafio de mostrar
como a refiguração do tempo tanto pela história quanto pela ficção se concretiza por meio dos empréstimos que cada modo narrativo toma um do
outro:

Esses empréstimos consistirão no fato de que a intencionalidade histórica só se dá incorporando à sua perspectiva os recursos de
ficcionalização que remetem ao imaginário narrativo, ao passo que a intencionalidade da narrativa de ficção só produz seus efeitos de
detecção e de transformação do agir e do parecer assumindo simetricamente os recursos de historização que lhe oferecem as tentativas de
reconstrução do passado efetivo. Dessas trocas íntimas entre historização da narrativa de ficção e ficcionalização da narrativa histórica, nasce
o chamado tempo humano, que nada mais é que o tempo narrado (RICOEUR, 2010c, p. 173).

Os empréstimos recíprocos entre recursos da intencionalidade histórica e recursos de ficcionalização da narrativa compreendem também o processo
de desapropriação de leituras realizadas pelo escritor, o que consolida o estilo de sua escrita e, por conseguinte, favorece a obnubilação dos seus
motivos mais secretos. Percebemos que os estudantes partiram para um processo de descoberta, de revelação, em que o imaginário lida com o
encantamento, com o mistério; em contraste, todavia, com as restrições impostas pela realidade, cujas nuances são verificadas nas metáforas da
tessitura poética, que para serem bem pensadas exigem de nós um olhar hermenêutico para orientação do processo de ensino-aprendizagem, um
ponto relevante do presente trabalho.

O entrecruzamento entre campos do saber, da Literatura, da História e de outros campos do conhecimento, que apresentam suas peculiaridades, ao
interagirem, proporcionam pertinentes reflexões, na medida em que são destacadas a historicidade e as múltiplas temporalidades presentes nas
narrativas. Na esfera do pensamento de Paul Ricoeur (2011), o qual contribui para pensarmos com maior profundidade esta prática de ensino, a
experiência compreende categoria fundante, originária, que se diz por meio da linguagem, uma vez que a narrativa não se encerra no ato de
representar, de escrever os feitos do passado; tanto a prefiguração, âmbito do árduo processo de escrever, quanto a refiguração, constituem-na, na
medida em que esta se torna um mundo aberto à recepção do leitor, que, ao interpretar, também traz em sua leitura uma experiência, a qual contribui
para ampliar o campo de expectativas, proporcionado pela tessitura poética.

As crônicas de Ana Miranda possibilitaram uma reflexão sobre a História do Ceará, pouco conhecida pelos alunos, o que favoreceu uma descoberta
de um legado próximo aos estudantes, seja em relação à própria geografia da cidade ou mesmo em relação à produção intelectual, literária e cultural
do Estado. O tema da Olimpíada de Língua Portuguesa “O lugar onde vivo” veio ao encontro do nosso projeto interdisciplinar na medida em que as
recordações dos estudantes remetiam a uma memória coletiva, da construção do bairro à organização social da cidade. Houve inclusive a
possibilidade de uma reflexão crítica sobre os porquês do desconhecimento da História e da memória coletiva, dos porquês de poucos serem
lembrados nos livros de História ou mesmo a quem interessava essa desvalorização.

O trabalho didático com as crônicas possibilitou também uma verificação sobre a responsabilidade destinada ao professor enquanto avalista, arauto,
mediador e intermediário dos textos que almejamos circular, na escola e nos seus arredores, haja vista que a recepção dos textos pelos alunos
permitiram uma avaliação do próprio processo de ensino-aprendizagem. Compreender o papel do leitor que tais textos nos reservam é desafiador
porque construímos uma identidade em relação à nossa prática de ensino, conforme destaca a ensaísta Marisa Lajolo, “o retrato de nós mesmos que
esses textos apresentam”, uma vez que “a imagem com que tais textos nos representam corre o risco de afivelar-se ao nosso rosto como máscara,
deixando nossa face na sombra” (LAJOLO, 1994, p. 37).

4. Literatura e educação: caminhos e perspectivas

Com o empenho e o esforço da equipe de professores, o projeto encaminhou-se com êxito, uma vez que fora coroado com o encontro, no Espaço
Cultural O Povo, com a escritora Ana Miranda. Realizamos uma experiência diferente em relação à do cotidiano escolar, uma vez que os alunos
também fizeram perguntas e puderam vivenciar o instante de descoberta do autor das crônicas lidas em sala de aula. Por trás de cada crônica, havia
uma história que muito falava sobre a nossa cultura, a nossa história, que puderam ser vivenciados com entusiasmo comparável ao instante de
descoberta do autor revelado por Clarice Lispector, o qual destacamos na epígrafe: “Eu pensava que livro é como árvore, como bicho: coisa que
nasce!”

Conforme enfatiza Marisa Lajolo (2001), o caminho que nos leva a tecer a leitura compreende “um campo condicionante da participação do capital
cultural de um sociedade”, responsável pelo grau de cidadania de que desfruta o cidadão, portanto a presença da leitura literária é fundamental no
currículo escolar para a formação do estudante, haja vista que, conforme enfatiza a ensaísta: “É à literatura, como linguagem e como instituição, que
se confrontam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e
discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias” (LAJOLO 2001, p. 107). No contexto de um projeto de educação democrática, a
ensaísta considera que a literatura, enquanto modalidade privilegiada de leitura, e que a liberdade e o prazer são virtualmente ilimitados, ela, a
Literatura, ainda permanece uma habilidade que não está ao alcance de todos.

Enquanto instituição, a Literatura necessita do vínculo com a escola, para uma efetiva formação de novos leitores. Não há soluções mágicas para que
o vínculo se consolide com total eficiência, sobretudo em face da necessidade de uma consistente formação leitora na Educação Básica. Ao
refletirmos em sala de aula após o encontro, além de destacarmos a importância de valorizarmos os nossos escritores, enfatizamos como o caráter
interdisciplinar da atividade oferece maiores possibilidades para pensar a nossa cultura, a experiência de leitura e escrita.

Além disso, vimos também que o escritor é um ser humano, tem o seu cotidiano, convive também com o ordinário da vida, portanto ser um escritor é
possível e cada dia temos mais necessidade de jovens escritores e leitores. Por trás deste forte instrumento, o livro, há um autor, que luta, que se
angustia, que anseia ver outra realidade, por isso cada texto apresenta uma luta individual, que se liberta quando outro olhar é solidário nesse
processo, como tão bem compreendemos por meio das palavras da escritora Ana Miranda. Escrita e leitura constituem, assim, um par solidário.

Esta experiência, que se iniciou com a leitura literária, com o objetivo de composição de um texto, proporcionou-nos um evento, que possivelmente
resistirá na memória de cada estudante, uma vez que permitiu pensar o contexto de cada estudante, assim como lançou questionamentos para se
pensar o processo de composição artístico. O nosso grupo de professores pode também pensar e refletir sobre a possibilidade de ampliar
metodologias de trabalho que permitam um diálogo entre as disciplinas, que nos conduzam a uma reflexão mais ampla no que concerne à formação
de leitores críticos agentes da própria história e, por conseguinte, estudantes que possam contribuir com a construção de novos caminhos para o
nosso país, por meio da Educação.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

GOTLIB, Nádia Batella. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ed. Ática, 1995.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2001.

MIRANDA, Ana. “A leitura de um livro”. Disponível em:


<http://www.opovo.com.br/app/colunas/anamiranda/2014/04/05/noticiasanamiranda,3231570/a-leitura-de-um-livro.shtml>, 2014.

MORIN, Edgar. O paradigma perdido: a natureza humana. 4ª ed. Tradução de Hermano Neves. Publicações Europa-América, 1973.

_______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da silva e Jeanne Sawaya. 2ª edição revisada. São
Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2011.

RICOEUR, Paul. “A marca do passado”. In: História da historiografia. Ouro Preto. Número 10. Dezembro, 2012.

_______. Tempo e narrativa (Tomo I). Tradução: Cláudia Berliner; revisão de tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Editora WMF:
Martins Fontes, 2010.

_______. Tempo e narrativa (Tomo II). Tradução: Márcia Valéria Martinez de Aguiar; revisão de tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Editora WMF:
Martins Fontes, 2010.

_______. Tempo e narrativa (Tomo III). Tradução: Cláudia Berliner; revisão de tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Editora WMF:
Martins Fontes, 2010.
1 Alexandr Púchkin (1799-1837) considerado o maior escritor russo de todos os tempos, é compreendido pela crítica como o que melhor expressou
em seus escritos a “alma” do povo russo. Amado e querido por sua gente faleceu jovem aos 38 anos (ALMEIDA, 2012).

2 O Prêmio Camões foi instituído pelos governos brasileiro e português em 1988. Sua intenção é condecorar os autores(as) que contribuem para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.

3 Fabio Durão é atualmente professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.

4 Neste texto, foi utilizada a versão digital do referido volume.

5 “Uma das obrigações às quais jamais deve faltar ao historiador dos modos é não corromper o verdadeiro pelos arranjos aparentemente dramáticos,
sobretudo quando o verdadeiro corre o risco de se tornar romanesco.” Essa é a epígrafe de A normalista, que foi retirada do livro Esplendores e
misérias da cortesã, do tomo IX, de A comédia humana, de Balzac (BEZERRA, 2009).

6 O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 15 de agosto de 1865. Inicialmente instalado a Rua Formosa – atual Barão do Rio Branco –, com
a dupla finalidade de abrigar e educar as meninas órfãs que deveriam receber, além da educação, o ensino de outras atividades úteis. Em 1867 o
colégio transferiu-se para a Avenida Santos Dumont, onde permanece até hoje.

7 A Escola Normal de Fortaleza foi fundada em 1884, na Praça Marquês de Herval – atual José de Alencar – passando a funcionar com base no
Regulamento da Instrução Pública de 1881, até que em 1885 teve expedido seu primeiro Regulamento, em 26 de junho.

8 Mestre-escola, ou mestre de primeiras letras, designava a posição de professor de instrução primária em uma escola. Essa função foi substituída
pela função docente institucionalizada pelo curso de magistério.

9 Cronologicamente, a história se passa entre os anos de 1886 e 1889. Já no primeiro Regulamento da Instrução Pública, de 26 de junho de 1885,
acrescenta-se uma nova cadeira ao Curso; mais uma cadeira de formação geral, a de Francês, passando seu currículo a constar de seis cadeiras:
Geografia e História, Ciências Naturais, Matemática, Português, Francês e Pedagogia. Isso significa que na Escola Normal já constavam essas seis
cadeiras quando do ingresso de Maria do Carmo.

10 Pestalozzi acreditava que uma educação punha em exercício o cérebro, o coração e as mãos, ou seja, cultivando harmonicamente as diferentes
faculdades humanas. A formação intelectual liga-se ao cérebro e a formação moral – a que ele atribuía a mais decisiva importância como emanação
da presença de Deus, depende do coração. Às mãos, caberiam as práticas profissionais.

11 Eça de Queiroz teve um de seus romances proibidos em Portugal e no Brasil: tratava-se de O crime do padre Amaro. Entende que, por extensão,
qualquer romance do autor, à época, seria considerada uma leitura obscena.

12 Em 1889, pelo Regulamento de 9 de outubro, novas alterações são implantadas, como a duração de três anos do Curso, antes de dois anos, a
introdução do curso preparatório e, aparecendo a Instrução Moral e Cívica, os trabalhos manuais, música e desenho. Estabelece-se também a
gratificação para Diretor.

13 Herbert Spencer (Derby, 27 de Abril de 1820 — Brighton, 8 de Dezembro de 1903) foi um filósofo e pedagogista inglês e um dos representantes do
positivismo.

14 Cf. Adonias Filho (1969), o romance brasileiro de 30 toma a regionalização motivação da narrativa que estabelece suas relações com as realidades
culturais. O ciclo nordestino de romances traz no seu enredo o testemunho das contradições de uma região do país demarcada por tensões políticas,
por problemas sociais e luta da população campesina pela sobrevivência.

15 Seis volumes completos e um incompleto – memorialistas: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo das Trevas, O Círio
Perfeito e Cera das Almas (volume incompleto devido à morte do autor).

16 O Colégio da Imaculada Conceição foi inaugurado na então pequena Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865. Fundaram-no as filhas de S. Vicente
de Paulo, chegadas pouco antes, em 24 de julho do ano referido.

17 No próprio livro A Fome há uma nota de rodapé (p. 152) em que Otacílio Colares faz a seguinte informação: “O dado é documental. O colégio a que
se refere Teófilo, mais conhecido como da Imaculada Conceição, foi inaugurado em Fortaleza, no dia 15 de agosto de 1865”.

18 Editora Ática, 1997.

19 Do livro Contra a interpretação (1987 - ver bibliografia).

20 Refiro-me ao poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, em português “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, publicado em 1897 na
revista Cosmopolis pelo poeta Stéphane Mallarmé.

21 O livro sobre nada. Disponível em: <http://www.canteirosdemim.com.br/p/o-livro-sobre-nada-manuel-de-barros.html>. Acesso em: 17 out. de 2015.

22 Para a leitura do conto na íntegra: <http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Pai_contra_mae_de_machado_de_assis.pdf>.

23 Imagem extraída de: <http://pt.slideshare.net/MardePaula/linha-do-tempo-literatura>. Acesso: 10 nov. de 2015

24 Por questões éticas, a identidade dos sujeitos participantes será preservada. Serão identificados no texto por: Discente seguido de uma letra do
alfabeto.

25 Os nomes das professoras foram substituídos por pseudônimos.


26 José de Anchieta, segundo as pesquisas de Joel Pontes, nasceu em La Laguna, Ilha de Tenerife, nas Canárias, em território espanhol, no dia 19 de
março de 1534. Era filho de João López de Anchieta e Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Aos quatorze anos foi mandado para Coimbra, Portugal, para
estudar no Colégio das Artes, escola renascentista criada em 1547. Lá, o jovem Anchieta provavelmente teve seu primeiro contato com o teatro, pois
nesta época estavam em voga as peças de Gil Vicente. Na própria cidade de Coimbra se tinham representado pela primeira vez, em 1527, segundo as
pesquisas do autor, três peças do mestre Gil Vicente: A Farsa dos Almocreves, a comédia sobre Divisa da Cidade de Coimbra e a Tragicomédia
Pastoril da Serra da Estrela. A todas elas assistiu D. João III e sua corte, estabelecida de passagem na cidade do Mondego, nos paços de Santa Clara.
Quatro anos depois, em 1551, aos dezessete anos, ingressa na recém-fundada Companhia de Jesus, a última ordem religiosa da Igreja. Chegou ao
Brasil por volta do ano de 1553, com apenas 19 anos, na esquadra de Duarte da Costa, aportando na Vila de São Vicente, atual estado de São Paulo.
Logo, ele toma contato com a cultura indígena brasileira, fortemente marcada pela música, pelo canto e pelos ritos religiosos. Logo ele passa a
“escrever” um capítulo importante na história da educação, da religião e da representação teatral no Brasil. PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de
Janeiro: MEC, Serviço Nacional de Teatro, 1978.

Adaptando-se à grande mata atlântica da América do Sul, aos índios que aqui habitavam e aos colonos portugueses que erguiam pequenos
povoados no início do processo de colonização da Província Brasil, o missionário, logo estaria realizando “representações escolares”, assim diz
Décio de Almeida Prado, que, firmaria os valores morais e religiosos da igreja católica medieval em nossa cultura, pois os autos por ele produzidos,
de composição didática, nos conduzem, de imediato, aos autos medievais, tanto nas suas dimensões quanto nas pluralidades, mesmo que

27 Segundo Mario Cacciaglia e Edwaldo Cafezeiro as vinte e cinco obras teatrais escritas e representadas pelos padres jesuítas no Brasil Colonial
foram: (1557) Diálogo, Conversão do Gentio. Pe. Manuel da Nóbrega, (1564) Auto de Santiago (do qual nada ou pouco sabemos, além do título. Talvez
tenha sido representado a 24 de julho de 1564 na aldeia de Santiago da Bahia), (1567-1570?) Auto da Pregação Universal. Pe. José de Anchieta (São
Vicente e Piratininga), (1573) Diálogo (Pernambuco e Bahia), (1574) Diálogo (Bahia), (1574) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1575) História do Rico
Avarento e Lázaro Pobre (Olinda), (1576) Écloga Pastoril (Pernambuco), (1578) Tragicomédia (Bahia), (1578) Auto do Crisma. Pe. José de Anchieta
(Rio de Janeiro), (1583) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1583) Auto Pastoril (Espírito Santo), (1583) Auto das Onze Mil Virgens (Bahia), (1584)
Diálogo da Ave Maria (Espírito Santo), (1584) Diálogo Pastoril (Espírito Santo), (1584) Auto de São Sebastião (Rio de Janeiro), (1584) Auto de Santa
Úrsula. Pe. José de Anchieta (Rio de Janeiro), (1584) Diálogo (Pernambuco), (1584) Na Festa do Natal. Pe. José de Anchieta, (1586) Auto da Vila da
Vitória ou de São Maurício. Pe. José de Anchieta (Vitória), (1586) Na Festa de São Lourenço. Pe. José de Anchieta (São Lourenço), (1587)
Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim. Pe. José de Anchieta (Guarapari), (1589) Assuerus (Bahia), (1596) Espetáculos (Pernambuco),
(1598) Na Visitação de Santa Isabel. Pe. José de Anchieta. CACCIAGLIA, Mario. Pequena História do Teatro no Brasil. Trad.: Carla de Queiroz, São
Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1986, p. 7-8; CAFEZEIRO, Edwaldo. GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: de
Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 57.

28 Para Lothar Hessel e Georges Raeders, na obra O Teatro Jesuítico no Brasil, apenas sete peças têm sido atribuídas, sem maiores hesitações, ao
Padre José de Anchieta. Segundo os autores, por ordem cronológica de estreia, são obras de Anchieta: Auto da Crisma (1578), Quando no Espírito
Santo se Recebeu uma Relíquia das Onze Mil Virgens, ou Auto de Santa Úrsula (1584), Auto de São Lourenço e Na festa de Natal ou Pregação
Universal (1586?), Auto da Vila de Vitória ou de São Maurício (1586), Auto ou Diálogo de Guaraparim (1587), Auto da Visitação de Santa Isabel (1898).
HESSEL, Lothar; RAEDERS, Georges. O Teatro Jesuítico no Brasil. Porto Alegre: URGS, 1972.

Já Leodegário Amarante de Azevedo Filho, tendo como base os estudos da Doutora Maria de Lourdes Paula Martins, na obra intitulada Anchieta, a
Idade Média e o Barroco, afirma que pode-se atribuir a Anchieta nove autos de catequese. São eles: Quando no Espírito Santo se Recebeu uma
Relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Na Visitação de Santa Isabel, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, Dos
mistérios do Rosário de Nossa Senhora, Na Aldeia de Guaraparim (1589?), Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial
Marçal Beliarte, Na Festa de São Lourenço, Na Festa de Natal, Na Vila de Vitória. AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Anchieta, a Idade Média e
o Barroco. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1966, p. 193.

Joel Pontes, na obra Teatro de Anchieta, também segue a linha mestra de Leodegário Amarante de Azevedo Filho e de Maria de Lourdes Paula
Martins, porém, ele as divide em: Autos e Poesias encenáveis em português e castelhano (Quando no Espírito Santo se Recebeu uma Relíquia das
Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula, Diálogo de Cristo com Pero Díaz, Na Vila de Vitória) Autos no tupi jesuítico e mais o Recebimento (Na
Aldeia de Guaraparim, Dia da Assunção, quando levaram sua imagem a Reritiba, O Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre
Marçal Beliarte) e, duas Festas (Na Festa de São Lourenço, Na Festa do Natal). PONTES, Joel. Teatro de Anchieta. Rio de Janeiro: MEC, Serviço
Nacional de Teatro, 1978, p.28.

29 Segundo os autores acima, os doze autos de Anchieta são: Na Festa do Natal ou Pregação Universal (1561), Na Festa de São Lourenço (1587),
Excerto do Auto de São Sebastião (1584 ?), Diálogo do P. Pero Dias Mártir (1575 ou 1592?), Na Aldeia de Guaraparim (1585), Recebimento que fizeram
os índios de Guaraparim ao Padre Marçal Beliarte (1589), Dia da Assunção, quando levaram a sua imagem a Reritiba (1590), Recebimento do Padre
Marcos da Costa (1596), Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das Onze Mil Virgens ou Auto de Santa Úrsula (1585 ou 1595?), Na vila de
Vitória ou de São Maurício (1595), Na visitação de Santa Isabel (1597), Recebimento do P. Bartolomeu Simões Pereira (1591 ou 1592?). CAFEZEIRO,
Edwaldo. GADELHA, Carmem. Op. cit., p. 45.

30 Há uma denominação muito usada nas pesquisas francesas, que divide os leitores em “débeis”, se declaram ler de zero a quatro livros por ano,
“médios”, se leem de cinco a nove livros por ano, e “fortes”, se leem mais de dez (COLOMER, T. 2007). É importante notar, todavia, que todas essas
nomeações são, em parte, arbitrárias, servindo a propósitos de classificação, mas não revelando meandros dos processos de leitura, que não se
medem por número de livros. A autodenominação também é fator importante nesse tipo de investigação, pois leva em consideração como o leitor se
percebe e não apenas a quantidade de obras lidas.

31 Para maiores esclarecimentos sobre a modalidade de ensino da EJA, ver o site


<http://www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/index.php/conteudos/category/148-educacao-de-jovens-e-adultos-eja>. Acesso em: 19 jul. de 2015.

32 Os dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à EJA IV e V. Assim, as reflexões propostas para o EF pelos PCN têm a mesma incidência e
propósito pedagógico para a EJA.
33 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado pela portaria ministerial nº 584, em 28 de abril de 1997, e visa “oferecer aos
professores e alunos de Ensino Fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil,
bem como obras de referência” (COPES, 2007, p. 54).

34 Pela terceira vez, participei desta experiência e a equipe de Língua Portuguesa da escola, composta pelos professores Eliosmar Barros, Luís
Cléber Fiúza, Georgiana Miranda, Elaine Larissa, Marcelo Nascimento, Marilda Batista além de mim, Wesclei Ribeiro, com importantes contribuições
de Professores de áreas afins, como o olhar perspicaz da Professora de História, Keile Felix e dos professores de Geografia Eluziane Mendes e
Ricardo de Oliveira, além do Professor de Matemática Elementar Augusto César Tavares, amante da poesia. Empenhamo-nos bastante e planejamos
a melhor maneira de contribuir para o desempenho dos alunos. Ao longo desses três anos, esta equipe pouco mudou; pelo contrário, a cada ano
agregou valores que contribuíram para repensar e aperfeiçoar a experiência do texto literário com os alunos. No ano de 2014, ousamos e a partir das
oficinas sobre o gênero crônica “A ocasião faz o escritor”, idealizamos um encontro literário com uma grande escritora cearense, vencedora por
duas vezes do Prêmio Jabuti, além de apresentar uma personalidade cativante e autêntica: Ana Miranda. Agradecemos também a Jornalista Regina
Ribeiro, Mestre em Literatura, por proporcionar o importante encontro da escritora com os nossos alunos no Espaço Cultural O Povo.

35 Os títulos das crônicas, que podem ser encontrados na página <http://www.opovo.com.br/colunas/anamiranda/>, nas respectivas datas, são os
seguintes: “Os tristes olhos do boi” (9/2/1914); “Maria de Araújo, uma flor” (12/1/2014); “Leitura: prazer e hábito” (29/12/2013);“Aquiraz, nossa cidade
histórica I e II” (1 e 15/12/2013); “Rachel, que saudades...” (17/09/2013); “Eclipses no Ceará I, II e III (8, 22 e 29/9/2013); “Luar do sertão: Catulo da
Paixão Cearense” (25/8/2013); “Rachel e o luar” (11/8/2013); “O doutor dos doutores” (14/7/2013); “A igreja soterrada” (5/5/2013); “Pinzón em
Mucuripe” (21/4/2013); “Dona Bárbara do Crato” (24/2/2013); “Fantasia de Carnaval” (10/2/2013); “Ode ao Cocó” (27/1/2013); “Jesus nasceu no Ceará
(16/12/2012); “Nem só de pão vive o homem” (4/11/2012); “Ode a professores” (21/10/2012); “As nossas mulheres coca-colas” (7/10/2012); “Cine São
Luiz, um sonho” (25/3/2015); “Nossas frutas” (26/2/2012); “A cultura do marromenos” (12/2/2012); “Vaqueiros” (20/11/2011); “Sanfonas e sanfoneiros”
(3/7/2011); “Nossa alma de índio” (24/3/2011); “O grito do Jangurussu” (2/1/2011) (Homenagem a Descartes Gadelha); “Chico da Silva, o Dragão da
Mata” (7/11/2010); “Fausto Nilo, o arquiteto” (3/9/2010).

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