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RANDAL JOHNSON A dinamica do campo fame ee AQ Lavo, CASSIANG RICARDO, DE FARDAG ACADEMIC, EM Foro DE 38: NA OUTRA "AGIA: S CRONISTAE TRADUTOR CARLOS DRUMOND DE ANDRADE, os anos 30 e 40, o campo literario brasileiro RANDAL JOHNSON 6 professor da ima profundareestrut a ).Du- University of passouporumapr r puragio(1).Du- Usvesiy ol” rante esse periodo, 0 MSUEHMSHOREROMOEREe © Ales titucionalizou-se, surgiram novas geragGes de escritoreseadi- ‘isdo do trabalho intelectual tornou-se mais diversificada e mais esiea Ge irene pecializada. Por volta de 1945,adinamicadessecampo, baseada m mudang¢as estruturais da autoridade literdria, tinha sido alte- da de formairreversivel. Ao examinar osingredientes decisivos da transformagiio desse campoliterério, este estudo temo objeti- occ mapearas relagGes sutis e complexas entre alliteratura ¢ o- diferentes niveis de autoridadeede poder nasociedade brasileira. — Na primeira parte, fornecemos um pano de fundo e um enquadramento dos pressupostos tedricos deste estudo. Na segunda, enfocamos quatro componentes variaveis do campo literrio: as relag6es entre os intelectuais modernistas eo Esta- do; a expansdo da industria editorial; a luta pela definigao legi- tima do trabalho literario; e, finalmente, a redescoberta da autonomia do campoliterario. O ensaio terminacom um breve estudo de caso, focalizando Octavio de Faria. REVISTA USP, SKO PR 2b): 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 165 PANO DE FUNDO E ENQUADRAMENTO TEORICO. Nos tiltimos vinte anos, perfodo entre a Revolugdo de 30 e a queda de Gettilio Vargas em 1945 atraiu a atengo cada vez maior de estudiosos das mais diferentes dis- ciplinas. Numerosos fatores explicam o in- teresse sempre crescente por esse perfodo ‘como, por exemplo, a expansio dos progra- mas de pés-graduagdo em Ciencias Sociais nauniversidade brasileiracomaconseqiien- te proliferagao de teses de mestrado e de doutoramento. As mudangas sociais, eco- nOmicase politicasqueseseguiramaosacon- tecimentos de 1930, ano que pode ter sidoo marco de nascimento do Brasil moderno, sio suficientes para justificar tal interesse historiogréfico. Noentanto,etalvezdemodo ‘mais importante, os vinte e um anos da re- cente ditadura militar (1964-85) podem ter despertadointeresse entre osestudiososdas mais diversas disciplinas, tanto no que se refere ao impacto do regime militar, como, num sentido mais amplo, no que se refere & natureza conservadora e autoritdria da lade brasileira. Tal preocupacao leva, inevitavelmente, aos anos 30 e, particular- ‘mente, a0 Estado Novo (1937-45), cuja he- ranga foi, entre outras, a centralizagao e a expansio da burocraciaestatal, acriagdode estruturas corporativas de organizagio so- cial e politica e a redefinigdo da relagdo en- tre os intelectuais o Estado. Nos estudos literdrios, esta reavaliagio comegou a ocorrer sé recentemente, talvez porque a relacio entre literatura e autoritarismo seja menos visivel logo de imediato, exceto quando se trata de censu- ra, e menos significativa do que em outros setores, pelo menos num nfvel superficial (2). Além disso, os contornos gerais da lite- ratura brasileira entre a Revolugao de 30¢ o retorno a democracia em 1945 jé so bem conhecidos. Seu cdnon esté bem assentado, mesmo que passe constantemente por reinterpretagdes puramente textuais. Ade- mais, o campo da critica, em sua preocupa- cdo com a textualidade e mais particular- mente com a ruptura lingufstica, nem sem- pre tem favorecido o reexame desse perio- do, no qual a elaboragio estética do texto torma-se, com freqléncia, objeto secundé- rio para consideragOes externas. No entan- to, mesmo um exame superficial das rela- REVISTA USP, SHO PRULO (26) g6es entre o Estado Novo ea producio lite- réria ¢ cultural evidencia a importancia de ‘uma revisdo critica que ultrapasse os limites da simples textualidade. Embora o campo liter4rio possua claramente sua prépria especificidade, seus valores, sua organiza- 0, seusobjetosde debateeseusagentesde consagra¢do, muitas das preocupagGes, ten- sdeseestruturasdocampoliterérionosanos 30sdoinsepardveis daqueles quepertencem aum campointelectual mais amploe dosis- tema social de que faz parte. Os erfticos sio virtualmente unfnimes emreconhecer o impacto dos acontecimen- tos de 1930e de seus arredores sobre ocam- po literério. Contudo, baseados, talvez pa- radoxalmente, na pressuposigao de que a literatura representa uma forma autonoma de discurso cultural, a maioria dos estudos sobre a literatura desse momento persegue um modelo carismético que salienta 0 “g6- nio” de escritores individuais e de obrasiso- ladas. Neste tipo de andlise, a relagio entre a literatura e a sociedade quase sempre se reduz.a “representagio” da realidade ou a declaragées ainda mais indefensdveis como, porexemplo, ade que asubversio” dasin- taxe equivale a subversao politica das estru- turas de poder da sociedade brasileira, O pressuposto teérico e central deste estudo é o de que a literatura e os textos literdrios ndo so totalmente autonomos, nem inteiramente auto-suficientes ¢ nem ainda simples “reflexos” das estruturas so- ciais, mas sim que constituem uma rede di- namicaderelagdessociais, intimamente vi culada a relagbes sutis de autoridade e de poder. Edward Said tem argumentado que 0s textos obtém sua autoridade em decor- réncia do que ele chama de “afiliagBes”, 0 que é, mais ou menos, aquilo que chamo de “elagdes sociais”, Para Said, as afiliagdes sdo “aquela rede implicita de aisociagdes culturais peculiares entre formas, discursos coutraselaboragdes estéticas, por um lado, einstituigdes, agéncias, classes e forgas so- ciais amorfas, por outro”. Tais afiliagdes fin- cam escritores e seus textos num sistema complexo de relagdesculturais queincluem 0 “status do autor, scu momento histérico, ascondigdes de publicacao, difusdoerecep- Ho, valores utilizados, valores e idéias pre- sumidas, um quadro de suposigées técitas admitidas de modo consensual, um pano de fundo presumivel,ete.”(3). 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 GRACILIANO RAMOS, GONSIDERADO Pai DA'GERAGAO DE 30, TAMBEM CONHECIDA Como Genagae REGIONALISTA A pritica literéria define-se, portanto, demodorelacional, tantoem termosdeuma “intertextualidade” fundamentalmentelite- réria, quanto em termos do quadro institucional dentro do qual a literatura emerge ese sustenta. No caso especifico do Brasil, onde a produgdo cultural tem-se de- senvolvido a sombra de ou dentro de pardmetros autorizados pelo Estado, as re- lagdes com o(s) poder(es) constitufdo(s) devem ser consideradas como parte das miltiplas afiliagdes da literatura. Isso no REVISTA USP, SHO PAULO (26) quer dizer que os intelectuais ou os escrito- res sejam “contaminados” em sua ligagdo com oEstado; que aliteratura esteja neces- sariamente a servigo do Estado; ou que es- teja diretamente sujeita a determinagées econdmicas; ou, ainda, que simplesmente “reflita” as ideologias politicas externas. Ao contrério, a literaturaeapraticaliter4riabrasi- leiras participam e expressam, de varias maneiras, as clivagens que caracterizam 0 pensamento da elite social de modo geral. ‘Ambas servem, em dltima instancia, para 164-181, JUNMO/AGOSTO 1995 reproduzir,em um mercado de bens simb6- licos, a estrutura hierérquica da sociedade brasileira (4) Dizer que 0 campo literdrio reproduz a sociedade nao é denegrir 0 valor da obra artistica ouliteréria, Pelocontrério. Issoaju- daa explicar o seu poder, sua autoridade e sua fungdo social. Na discussdo sobre as afiliagdes, Said demonstra queaculturaser- veao “poder e,em tiltima instancia, aoesta- do nacional, nao porque ela reprime ¢ coa- ge, mas sim porque é afirmativa, positiva, persuasiva” (5). A literatura e a cultura expressam os valores, as ansiedades ¢ as preocupagées de um certo segmento da so- ciedade, possuindo, portanto, um valor es- sencialmente positivo, pelo menos para aquele segmento. Ao mesmo tempo, torna- se dificil discutir a universalidade desses valores, mesmo dentro de um contexto na- ional especifico. Pelo contrério, ao expres sar os valores de fragdo especifica de uma classe e ao se reproduzir, a pratica literéria tende a participar do trabalho de reprodu- ao social, reforgando, desse modo, aqueles valores e a estrutura social da qual emerge. ‘A TRANSFORMAGAO DO CAMPO. LITERARIO © Modernismo, os intelectuais e o Estado O trabalho intelectual ocorre em con- textossociaisespecificos, entrecortadosine- vitavelmente por uma série de tens6es. No Brasil dos anos 20 ¢ 30, algumas dessas ten- ses inhama ver comocentralismopolitico versus 0 federalismo descentralizador da Primeira Repiblica; a modernizagao institucional versus a continuagdo de seto- res tradicionais da elite no poder; a criago de uma cultura nacional autoconsciente versus uma heranga cultural européi desejo de reforma versus a necessidade de autopreservagao; a existéncia de uma so- ciedade civil fraca versus um Estado cada vez mais forte; e com a missdo que os inte lectuais se atribufam dentro do projeto de construgao nacional versus seu isolamento real perante os centros de poder. Durante EstadoNovo, Gettilio Vargas apelou aos intelectuais e aos escritores para que abandonassem a torre de marfim que haviam ocupado com freqiiéncia durante © REVISTA USP, Sho PAULO (26) perfodorepublicanoeinstou-os aque parti- cipassem de modo ativo na tarefa de cons- trugdo nacional. Falando por ocasiaiodesua possena Academia Brasileira de Letras,em 1943, Vargas criticou o papel anterior da Academia ¢ 0 isolacionismo dos intelectu- ais em relagdo a sociedade, advogando, em vez disso, a “simbiose necesséria entre ho- ‘mens de pensamento e de ago” que come- ara a se formar nos anos 30. A entrada de Vargas na Academia, orquestrada por Cassiano Ricardo, poeta e idedlogo do Es- tado Novo, personificava, num nivel pura- mente simbélico, esta simbiose (6). Emoutras ocasides, Vargas reconheceu a importancia do movimento modernista brasileiro com relagao a Revolugio de 30¢ ao Estado Novo. Em discurso pronunciado na Universidade do Brasil, em 1951, por exemplo, Vargas lembrava o significado do relacionamento entre literatura e politica. “As forgas coletivas que provocaram 0 ‘movimentorevoluciondriodomodernis- ‘mo na literatura brasileira [...] foram as, ‘mesmas que precipitaram, no campo social e politico, a Revolugio vitoriosa de 1930. A inquietagao brasileira [...] buscava algo de novo, maissinceramen- te nosso, mais visceralmente brasileiro [.. arenovagao dos valores literérios ¢ artisticos, por um lado, [e] a renovagio dos valores politicos e das préprias insti- tuigdes [por outro] [...]se fundiram num movimentomaisamplo, mais geral, mais completo, simultaneamente reformador e conservador, onde foram limitados os excessos, [..] harmonizadas as tendén- cias mais radicais e divergentes” (7). Segundo a interpretagio retrospectiva de Vargas, operou-se uma convergéncia entre os campos literdrio e politico no dese- jo pela modernizagao (“renovagio” na fala de Gettlio) e pelo nacionalismo. De fato,a tensdo entre o cosmopolitismo eo naciona- lismo cultural que estruturou 0 modernis- mo-uma‘modernidadecontradit6ria” para usar a expresso de Daniel Pécaut - esta no miolo de muitas das quest6es politicas le- vantadas nos anos 30 (8). Embora a viséocanénica predominante do Modernismo tenda a reforgar seus as- pectos “progressistas” (ruptura com o dis- curso liter4rio anterior e, por extensio, 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 afiliagdo a posigdes politicas e ideolégicas “progressistas”), a dupla énfase do discurso presidencialsobreamodernizagaoeatradi- ‘go (““reformador e conservador”) caracte- rizade modobem preciso tanto oModernis- mo quanto as fundagées ideolégicas do re- gime corporativo de Getélio Vargas, que fez esforgos concertados para delinear e estabelecer suas raizes e suas intengSes cul- turais. Isso, por outro lado, facilitou a con- vergéncia de interesses entre intelectuais € Estado, bem como a incorporacéio daque- les dentro do aparato estatal, durante o Es- tado Novo (9). Foramindimerosos fatores que envolve- ram, éclaro,estaconvergéncia, um dosquais foiaexpansio da burocracia federal e aqui- Jo que Sérgio Miceli chamou de “mercado de postos” (pp. 130-40), usando expresso emprestada de Bourdieu. Além dessascon- sideragdes de ordem institucional, muitos intelectuais, incluindo-se ai a maioria dos modernistas, responderam aconvocagio do Estado Novo que pedia a sua participagao. noprocessodeconstrugo nacional, enquan- to que outros, imbuidos de um sentido de missao patristica, j4 vinham, desde meados dos anos 20, expressando o desejo de parti: cipar da vida puiblica. Esta “misso” auto- atribufda, que freqiientemente assume a forma de “consciéncia”, “guia”, “mentor” u “voz” nacional, tem sido caracterfstica de intelectuais em diversas circunstancias nacionaischist6ricas. Emmomentosdecrise oude transformacao politica, osintelectuais brasileirossempre exigiramedefenderamo direito de intervir no processo de organiza- Ao, reorganizacao ou de transformagao nacional. Logodepois da Independencia, os. escritores romAnticos - a maioria dos quais estava intimamente vinculada ao governo imperial-chamaramparasiatarefahercdlea de forjar uma cultura nacional. Dafa preo- cupacdo, perceptivel noindianismodeGon- alves Dias e de José de Alencar, com acri= aco de simbolos de identidade nacional. Com a declaracdo da Reptblica (1889), muitos intelectuais, armados de teorias positivistas e de um liberalismo ideolégico, viram-se como “guias” no processo de mo- dernizagéo e como instrumentos para 0 remodelamento do Estado. Nos anos 20, a preocupacao cientificista dos republicanos foisubstituidapelonacionalismoculturalque procuravaasrafzesdabrasilidade comoparte de um processo mais amplo de descoberta nacional (10). Naesteira da Primeira Guerra Mundial € do notério fracasso do liberalismo, 0 Bra- silenfrentava uma crise muito séria, na qual © tema da revolugdo era constante no dis- curso cultural e politico. Escritores como Alberto Torres ¢ Manoel Bonfim rejeita- vam as tradicionais andlises deterministas sobre o relativo atraso do pafs, amplamente: baseadas nas teorias dodarwinismosocial e na inferioridade “inerente” das ragas nao- arianas. Em vez disso, eles exigiam ocxame dosdeterminantes hist6ricos. Bonfim incor- porouseu anti-racismo dentro de uma posi- ‘¢0 de nacionalismo e de antiimperialismo, argumentando que os “latino-americanos tinham que rejeitar 0 racismo ndo somente porque era cientificamente falso, mas, mais importante, porque era um instrumento usado pelos estrangeiros para desmoralizé- los e desarmé-los” (11). Como solugao, Bonfim reclamava enormes aumentos nos gastos de educacdo, item que tinha sido amplamentenegligenciandodurantetodaa hist6ria do Brasil. Junto com a rejeigo da superioridade ariana, encabecada por Manoel Bongim, Alberto Torres defendia umaposigaoagressivadenacionalismoeco- némico, ao mesmo tempo em que denunci- ava aalienacao da elite brasileira, idéia essa que seria forgosamente retomada por seus seguidores nas décadas seguintes (12). Durante 0s anos 20 ¢ 30, intelectuais de liversas crengas demonstraram preocupa- 40 coma ignordncia dos brasileiros em re- ago a sua prépria terra e com anecessida- dedeliberté-losde modelos importados (13). Em Oliveira Vianna, por exemplo, esta preocupagao toma a forma de uma ops g4o entre o “Brasil legal” e o “Brasil real”. O “legal” ¢ 0 Brasil que existe apenas de modo abstrato em documentos tais comoa Constituigao de 1891, Trata-se de uma na- ‘doestruturadade.acordocomosprincipios do liberalismo democrético, com uma filo- sofia e um sistema politicos importados da Europa e, portanto, inauténticos, artificiais e alienados da realidade brasileira. O Esta- do liberal fracassou em criar uma unidade nacional,emdotaropafsdeum{mpetorumo Amodernizagaoeem aleangar aconciliagao das classes sociais. Era preciso outra f6rmu- la, mais adaptada & realidade brasileira. © Brasil “real”, livre de ideologias cos- REVISTA USP, SO PAULO (269: 164-181, 1UNMO/AGOSTO 1995 169 mopolitas, existe, em sua forma mais pura, no interior, dominado pelas elites senhori- aise fundiériaseé “autocratico, paternalista e patriarcalista, autoritério antidemocrético” (14). Assim, para se pre- servar e se garantir a soberania ea sobrevi- véncianacionais, Oliveira Viannapropunha, no lugar do liberalismo, um autoritarismo autéctone, nacionalista e especificamente brasileiro, dominado por elites ilustradas e, senecessério,reeducadas. A formula que se embute no miolo do pensamento de Olivei- ra Vianna-modernizago institucional atra- vés do autoritarismo nacionalista - informa a matriz de grande parte do pensamento polftico brasileiro entre as guerras (15). Embora se mostrasse um pouco tardio na adogao do nacionalismo cultural explici- to que permeou 0 campo intelectual desde 1916, a preocupagdo do Modernismocom a modernizagao da literatura brasileira corresponde, mais ou menos, ao apelo de modernizacdo institucional defendido por Oliveira Vianna. Aliés, as mesmas cate- goriasutilizadas por Oliveira Vianna, quan- do rejeitou 0 liberalismo, so as que o Mo- dernismo usa ao atacar os modelos literdri- os que o precederam: inautenticidade, attificialismo e alienagao da realidade bra- sileira. Em momentos diversos, o antili- beralismo do movimento expressou-se atra- vésde figuras como Graca Aranha, Ronald de Carvalho, Oswaldde Andrade, Cassiano Ricardo, Ribeiro Couto, Menotti del Picchia Plinio Salgado. Sua procura, sobretudo a partir de 1924, de modos brasileiros de ex- pressdo ajusta-se bem as correntesnaciona- listas do pensamento autoritério em geral, incluindo-se af a énfase na necessidade do predominio das elites ilustradas (16). Mesmo ointeresse pelacultura popular, muito evidente, por exemplo, na obra de Mario de Andrade, néo_ implicou redistribuigdo de bens econdmicos ou mes- mo simb6licos. Ao contrério, a cultura po- pular serviu como modelo ou fonte de “ins- pirag4o” para a regeneracao da produgaio daelite-alinhada com diregées mais “auten- ticamente” nacionais(17). Umasubcorrente messianica, representada especialmente pelo Pau-Brasil e pela Antropofagia de Oswald, assim como pela facgao Verde- Amarelo/Anta, encontraria sua plena ex- presstio depois de 1930 com a exacerbacao das tensbes polfticas,com o estilhagamento REVISTA USP, SAO PAULO (26) doModernismoem linhasideol6gicasecom © surgimento do romance social neonaturalista, A direita ou a esquerda, os intelectuais viram-se imbufdos de missdo especfica na tarefa de salvagdo nacional e, neste sentido, tentaram romper com 0 isolamento que se experimentara durante aPrimeira Repabli- ca. Apesar das andlises e dos progndsticos diferentes, eracomum a todasastendéncias a idéia de que a solugio da crise dependia quase que exclusivamente de umaelite ilus- trada, Omedo da “revolugao” estavaimplt- cito tanto na critica do liberalismo, quanto na afirmagdo de que as massas eram igno- rantes. Assim sendo, tanto os setores pro- gressistas quanto os conservadores desen- volveram concepgbes orgénicas da socieda- de edapolftica. A modernizacaoeaorgani- zagdo institucionais eram meios de impedir uma verdadeira revolugo e uma transfor- ‘magdosocial profunda. Em outraspalavras, a geragio de 1920 descobriu e tornou co- nhecida a “voca¢do nacional” e o lugar que osintelectuaisdeveriam ocuparnopafs,mas raramente aquela vocagdo se ligava a um desejo de transformagées realmente revo- lucionérias (18). Luciano Martins argumenta que, nos anos 20, uma inteligéncia nativa comegou a se constituir no Brasil na medida em que diversos grupos exigiam ou aspiravam pela modernizagio social, politica, cultural, eco- nOmica e institucional, cujo objetivo diltimo eraaconstrugao de uma nagdo moderna. O desejo de legitimidade dessa inteligéncia, essencial para o cumprimento de uma mis so auto-atribuida, provinha do reconheci mento eda valoriza¢do de seu conhecimen- to por amplos setores da elite social, assim como da sua habilidade em definir 0 “naci- onal” e de tragar as condigoes gerais para a organizag’o social. No entanto, essa inteli- géncia falhou quando chegou a hora de estruturar um campo cultural autondmo, jé que 0 elo que se procurava entre a modernidade e a modernizagao levou, pri- meiro,aaliangas insatisfat6riascom ideolo- gias politicas superadas ou extremistas, de- pois, e mais importante, levoura ao Estado. ‘Dessa forma, antes que se desenvolvessem estruturas ou instituigdes auténomas que garantissem certa independéncia de ago, isenta de imposigdes externas, ocampocul- tural tornou-se altamente politizado e cai 164-181, JUNHO /AGOSTO 1995 sobainfluéncia do Estado, quando nao sob ‘seu controle (19). No fim dos anos 20, comego dos 30, muitosintelectuais tenderam aassociarsuas atividades com as do Estado, por eles defi- nido como “a representacao mais elevada da Nagao”, e ao qual atribufam a preserva- do da ordem, a organizagio e a unidade nacional. O papel desses intelectuais, acre- ditavam alguns, era insepardvel dos objeti- ‘vos mais amplos do Estado e, desse modo, muitos deles se uniram na adogdo de solu- Oesautoritérias ede desmobilizagdo social. © antiliberalismo desses intelectuais, sua desconfianga das elites econ6micas, assim ‘como sua crenga no poder das idéias que conduzem & ago coincidiu com posigdes sustentadas por largos setores das elites politicas e sociais. E, na medida em que tais elitesexpressavamodesej ode“redescobrir” ‘Brasil verdadeiroe deconstruircientifica- ‘mente uma identidade nacional, esse mes- mo antiliberalismo encontrou ressonancia nas tentativas do Estado em erigir um senso de nacionalidade e de forjar uma unidade politica e cultural organica. Porcausa destacoincidéncia de propési- tonacional(ista), oregimede Getilio Vargas teve sucesso em cooptar ¢ em incorporar intelectuais de varias tendéncias, numa es- ala bem ampla. A definigio da missdo cul- tural desse regime -construir um sentidode nacionalidade e uma unidade cultural atra- -vés da redescoberta das ratzes culturais na- cionais - ajustou-se plenamente ao prop6si- to dos intelectuais. Desse modo, acultura e politica tornaramse insepardveis, Duran- te 0 Estado Novo, o Estado penetrou em todas as dreas da atividade cultural, nao apenas através do controle ideol6gico, mas também através do apoio & criagao de asso- -ciagbes profissionais , de modo ativo, res- paldando as diversas formas de produgao cultural, por meio de organizagSes como 0 Servigo Nacional de Teatro (SNT), 0 Insti- tuto Nacional de Cinema Educativo (Ince) colnstituto Nacional do Livro (INL), todos criados em 1937. Em outras palavras, a cul- tura tornou-se atribuigaio do Estado (20). ‘Ao expressar a relagaio adequada entre ointelectualeaelitepolitica, Getilio Vargas adotouumaidéiaque vinhasendorecomen- dada desde meados dos anos 20 pelos inte- lectuais ligados ao grupo Verde-Amarelo/ Anta, uma subcorrente do Modernismo. A. maioria deles jé estava engajada na justifi- cacao ideolégica do Estado autoritério/ corporativo, assim como em vsrias modali- dades dos esforgos de propaganda do Esta- do Novo. Menotti de! Piochia, Cassiano Ricardo e Candido Motta Filho tinham ser- vido,um depoisdooutro,comodiretoresdo DepartamentoEstadual de Imprensae Pro- paganda (Deip),asecdo paulista da agencia de propaganda governamental, Cassiano Ricardo, em seguida, dirigiu o jornal gover- nista A Manhd e Menotti dirigiu A Noite. ‘No entanto, nao foram apenas os mo- dernistas que se juntaram a0 aparato do Estado. O Ministério da Educagao de Gustavo Capanema tornou-se um novo mecenas para muitos intelectuais. Durante todo 0 Estado Novo, Carlos Drummond de Andrade serviu como chefe de gabinete de Capanema; Rodrigo Mello Franco de Andrade foi diretor do Servigo do Patrimonio Histérico e Artistico Nacional (SPHAN); Mario de Andrade idealizou a primeiraversiodaleiquecriavaoSPHAN, colaborou de perto com essa agéncia e ain- da criou um projeto de enciclopédia brasi- leira para © Instituto Nacional do Livro (INL); 0 “Hino da Revolugio de 30” foi composto por Heitor Villa-Lobos, que ain- da dirigiu o movimento de canto orfe6nico para o ministério; Liicio Costa e Oscar Niemeyer, arquitetos da Brastlia ultra-mo- derna, desenharam onovo prédio do minis- tério. Candido Portinari foi comissionado para pintar murais, Bruno Giorgi encarre- gou-se da construgao de um monumento & juventude; Augusto Meyer serviu como di- retor do Instituto Nacional do Livro; Pru- dente de Morais e Vinicius de Moraes par- ticiparam da comissio de censura do cine- ma; Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, Murilo Mendes e Raul Bopp serviram no corpo diplomético; Sérgio Buarque de Holandae Rubem Borbade Moraes ocupa- ram altos postos na Biblioteca Nacional; Manuel BandeiraeramembrodoConselho Consultivo do SPHAN e, junto com Jorge de Lima, foi professor da Faculdade Fede- ral de Filosofia; Rosério Fusco, Marques Rebelo e Graciliano Ramos contribufram com o jornal Cultura Politica do DIP; em So Paulo, Oswald de Andrade trabalhou no Conselho Editorial de Planalto, jornal do Deip (21). Poder-se-ia argumentar, na companhia REVISTA USP, SRO PAULO (26): 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 I71 de Antonio Candido, que hé uma diferenca entre “servir” ¢ “vender-se ao” Estado, ou, junto com Luciano Martins, para quem a ambivalénciademuitos intelectuaislevou-os auma “quase-esquizofrenia politica”, assim que se viram sitiados dentro de um Estado cujoautoritarismocondenavam. Outros,ain- da, argumentam que havia muito poucas op- es para os intelectuais que queriam partici- par de algum modo significativo na vida da nagdo. Outrosargumentostambémaceitéveis, como o de Silviano Santiago em relaglo a ‘Mario de Andrade, dio conta da integridade ‘moral ou ética de muitos intelectuais que ser- viram ao aparato do Estado (22). Eclaro que houve graus deidentificagao com o regime. Cassiano Ricardo e seus co- legas verdeamarelos apoiaram energica- mente o Estado Novo e assim agiram em ‘consondincia com suas préprias conviegdes ideoldgicas e politicas. O apoio de Drummond foi definhando a medida que o regime autoritériofoi-seaproximandodeseu fim inevitavel ¢ & medida também que, de modo crescente, embora breve, foi-se dan- doonamorodo poetacomasidéias socialis- tas. Mario de Andrade, como se comprova através de tantas cartas sobre o assunto, di- vidiu-se diante das exigéncias da burocracia federal da cultura e nunca e sentiu particu- larmenteavontadecom politica nemcom a proximidade dos que ocupavam o poder. No fundo, a verdade é que o Modernis- moinstitucionalizou-se durante e dentro do Estado Novo, na medida em que a maioria dos modernistasfoi incorporada ao aparato do Estado, prestando-se, assim, direta ou indiretamente, demodointencional oundo, ao reforgo das estruturas hierdrquicas ¢ clitistas de dominagao (23). Emoutraspala- vvras, a contribuigdo dos intelectuais para o projeto cultural do Estado, nao importa se direta ou indireta, serviu para reforgar e reproduzir a posigo do campo literrio/in- telectual dentro do campo mais amplo de poder e para reforar o papel do Estado como agente da legitimacao intelectual. A expansao da indiistria editorial No Brasil, o mercado para bens simb6- licos tem sido historicamente muito restrito econcentrado, sobretudo por causa da falta generalizada de acess educagdio piblicae REVISTA USP, SHO PAULO (76) por causa também dos altos niveis de anal- fabetismo (1890 - 84%; 1920 - 75%; 1940 - 57%) (24). Esta situago tem acarretado gravesconseqilénciasparaodesenvolvimen- tode um campoliterdrio auténomo. Ainda que 0 decréscimo do analfabetismo pareca indicar um aumento do puiblico leitor po- tencial, o que poderia provocar tanto a di- versificagdo do piblico quanto ados produ- tores,aliteraturalegitima (istoé,aquelaque despreza 0 interesse comercial como moti- vacdo primeira e que é reconhecida como literatura “séria” pelacritica)continuaaser uma forma de expressao cultural dirigida sobretudo a uma elite educada, apesar da expansao consider4vel e do crescimento da indtstria editorial nos anos 30. A capacida- de limitada do mercado de bens simb6licos tem tornado bastante problematica a profissionalizago do campo. Os anos 30 assistiram a0 aparecimento ou ao crescimento de importantes firmas editoriais taiscomo Ariel, Schmidt, Compa- nhia Editora Nacional, Globo e, especial- mente, a José Olympio, que acabou por se tornar a editora literéria mais importante do perfodo. Esta expansio, que significava considerdveis investimentos em novos pro- dutoresculturaise, particularmente,emnova geragaoderomancistas,criouapossibilidade de aparecimento de pequenos grupos de es- critoressemniprofissionais,como Jorge Ama- do, José LinsdoRegoeErico Verfssimo.Para se ter uma idéia daimportdncia dessa expan- so, apesar de suas imitagdes, basta lembrar que a maioria das obras publicadas pelos ‘modernistas nos anos 20foi financiada pelos préprios autores e alguns, como Manuel Bandeira,financiaram todassuasedig6esaté ‘os anos 40 (25). Uma obradaimportanciade ‘Macunaima (1928) teve uma tiragem inicial de 800 exemplares; uma segunda edigao em 1937 teve 1.000; e uma terceira, em 1944, al- cangou 3.000. Em outras palavras, em dezesseis anossairam apenas 4,800exempla- res de Macunaima (26). A expansio dessa indtistria foi resulta- do, parcial pelo menos, da crise econémica internacional que teve forte impacto sobre ‘© Brasil no comego dos anos 30, O declinio r4pido do prego do café bem como a desva- lorizagao conseqiiente do mil-réis em rela- 40 as moedas européias provocaram um aumento substancial no custo de livros im- portadose umaquedadraméticano volume 164-181, JUNHO /AGOSTO 1995 desuaimportagao. Dessemodo,criavam-se condigdes, pela primeira vez, para que o li- vro brasileiro se tornasse competitive no mercado local, desde © comego do século XIX, abrindo-se, assim, um espago para a diversificagao ¢ a expansao da produgo local, bem como para a ficgo traduzida. Num certo sentido e em escala bem peque- na, iso funcionou como forma substitutiva da importagao (27). ‘A produgao de bens simb6licos e cultu- rais no Brasil acha-se altamente concentra- da no eixo Sao Paulo-Rio, com alguma ati- vidade em Belo Horizonte, Porto Alegre ¢ outras capitais estaduais, Em 1937 os esta- dos do Rio, de S4o Paulo e do Rio Grande do Sul detinham 61% das casas editoriais. Ainda que a concentragao de produgao de bensculturais permanecessseessencialmen- te inalterada, mantendo-se 0 Rio como 0 locus preferencial de consagragao e de legitimagao, os anos 30 testemunharanf no- t4vel expansio no mimero de volumes pu- blicados, assim como na extensao dos cir- cuitos de distribuigdo. Enquanto em 19290 niimero de livros publicados no pais era da ordem de 4,5 milhdes de volumes, por volta de 1937 as trés maiores editoras do pats publicavam, somenteelas,essamesmaquan- tidade. A inddstria editorial de Sao Paulo experimentou uma taxa de crescimento de mais de 600% entre 1930 e 1936 (28). Sem uma discussaosobre a Editora José Olympio, seria impossfvel a compreenso maisamplae completa da dinamicadocam- po literério entre 30 € 40. Para Carlos Drummond de Andrade, orumosocial que a literatura brasileira tomou durante esse perfodo s6 pode ser entendido em termos dainteragioentre intelectuaise artistasque se juntavam diariamente na livraria José Olympio: Graciliano Ramos, Candido Portinari, José Lins do Rego, Astrojildo Pereira, Amando Fontes, Gilberto Freyree muitos outros (29). © comentério de Drummond é,sem divida,correto,masnao vai longe 0 suficiente, porque a José Olympio também publicava os grandes nomes do romance intimista ou psicol6gi- co que surgia em oposi¢ao quase sempre explicita ao romance social. Excetuando- se a figura isolada de Erico Verfssimo, a José Olympio publicou todo romancista hoje considerado canOnico e, desse modo, acabou por se constituir numa concentra- REVISTA USP, SAO PAULO (26>: 164-181, g&osem precedentes e numa centralizagdo de autoridade, entendida esta autoridade como 0 poder de reconhecimento e, em liltima instancia, de legitimagao no campo editorial. Era como se a publicagao sob 0 selo da José Olympio fosse condigao sine qua non da consagragao. Todas as clivagens dos campos literdrio ¢ intelectual e, por conseguinte, do campo dopodercomoum todo, estaovirtualmente evidentes nas listas da José Olympio, que publicouescritores da esquerdaedadireita, romances sociais e psicol6gicos, modernis- tasde geragées diferentes, de200u 30, cat6- licoseideGlogosleigos,escritoresdesconhe- cidos e consagrados. Se, de um lado, essa editora criou, em 1936, a famosa Colegio Documentos Brasileiros, dirigida por Gil- berto Freyre ¢ inaugurada pelas Ratzes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, por outro ela iniciara a colegio de Problemas Politicos Brasileiros, em 1934, que era um amplo férum para Plinio Salgado e seus companheiros da causa integralista. José Olympio foi também o editor de A Nova Polltica do Brasil de Getilio Vargas e dos diretoresdoDIP, Lourival Fontese Amflcar Dutra de Meneses (30). Pelo menos no comego, José Olympio conseguiu atrair o melhor da nova geracio deescritores brasileiros,sobretudo por cau- sa das vantagens econdmicas que oferecia. Acexpandir o aleance doromance brasilei 0 e ao oferecer tais vantagens, o proprio José Olympio ajudou a configurar o campo e estimulou a proliferagio dos romances sociaisescritos durante esse perfodo. Como ja foi dito, isso acabou por criar condigoes para a existéncia de um pequeno grupo de escritores semiprofissionais, relativamente independentes das limitagdes e das exigén- cias externas que afligiam aqueles que nao podiam viver apenas do que escreviam. A posigao desses escritores no campo intelec- tual derivava, em grande parte, das “san- Ges positivas” dos editores e do piiblico leitor, materializadas em vendas, resenhas, prémios literérios, ete. Embora 0 campo li- terério fosse altamente politizado e sujeito aindmeras estratégias de legitimago base- adas em afinidades ideolégicas, mesmo aquelesescritoresexplicitamente alinhados com um credo politico especifico consegui- am manter sua posigo no campo apenas por causa de um certo grau de reconheci- JUNHO/AGOSTO 1995 173 mento positivo vindo dosertticosedo pal co, muito mais do que suas posigées poli cas to-somente. Em outras palavras, as determinantesexternaseram refratadaspela logica especifica do campo literdrio (31). Com a dominago do campo pela José Olympio, levanta-se o problema da depen- déncia cultural interna, da centralizagao da concentragao da producao de bens sim- bélicos. Uma das ronias do campoliterério nos anos 30 € 0 contraste entre a prolifera- go do romance social regionalista dentro do contexto da centralizago extrema da legftima publicagao literéria. O sucesso do romance do Nordeste e dos romancistas nordestinos s6 foi possfvel através do qua- dro institucional fornecido pela capital do pais. Em meados dos anos 30, a maioria dos grandes representantes do género jé havia estabelecido residéncia no Rio de Janeiro, embora continuasse ainda a escrever sobre seus estados de origem, Nessesentido, pode- se tragar uma homologia entre a expansdoe acentralizacao da inddstria editorial, espe- cialmente da José Olympio com seu grupo heterogéneo de escritores, e a expansioea centralizacdodo aparatodo Estado,comsua incorporagio de intelectuais de todas as procedéncias politicas. E ir6nico que o romance social tivesse alcangadosucessoapenas dentro domesmo programa editorial que publicou as figuras mais poderosas do Estado Novo e de seu aparato de propaganda. Se eu estiver certo ao dizer que arubrica da José Olympio, nos anos 30, tornou-se sinal de legitimidade, atenua-se por si mesma aeficécia do discur- so literario engagé, na medida em que os dois extremos politicos e as maiores figuras do aparato autoritério do Estado se vale- ram da mesma fonte de legitimidade. A defini¢Go legitima da prdtica literaria ‘Se a primeira instancia da avaliagdo da produgio literdria é a indistria editorial, a seguinte € a critica literdria, o que a torna ‘uma segunda instancia de reconhecimento e de legitimago. Como no campo litersrio de que faz parte, a critica desenvolve suas proprias regras de operacdo, sua propria hierarquia e suas proprias estruturas de autoridade. Na verdade, ela é uma das con- digGes daexisténcia edesustentagaodaobra literéria enquanto tal, Segundo Bourdieu, “qualquer afirmagio critica contém, de um lado, o reconhecimento do valor da ‘obra que Ihe dé origem [...] e, de outro, uma afirmagio de sua prépria legitimi- dade. Todocritico manifestando apenas seu julgamento da obra, mas também reivindica o direito de falar sobre ela e de julgé-la. Em resumo, 0 critico partici- pa de uma luta pelo monopdlio do dis- cursolegitimosobreaobradeartee, por conseguinte, também da produgo do valor da obra de arte” (32). Gragas & profissionalizagdo université- ria, a transformagdo mais significativa no ‘campo da critica aconteceria apenas no fim do perfodo em questao, isto é,entre 4045, Antes disso, a critica fora amplamente do- minada pelo rodapé impressionista, isto 6, pela critica jornalistica semanal, claborada por apenas um critico que normalmente ocupava espaco fixo num jornal (33). Oscriticos derodapé exerciam, amide, um enorme poder no julgamento das obras literdrias. O poder de Tristao de Atafde,nos anos 20, por exemplo, & deserito por Joao Luiz Lafeté nos seguintes termos: “Todas as obras importantes que surgi- ram por essa época passaram pelo seu crivodejulgador; foi ocritico doModer- nismo, 0 divulgador de pesquisas liter4- rias das vanguardas de entdo; sua pala- vra podia ser decisiva, sua opinido era capaz de consagrar, sua presenga era constante e respeitada, seus juizos eram recebidos muitas vezescomodefinitivos, encerrando discussoes” (34). Alvaro Lins,um outroexemplo, talvezo critic maisimportante dos anos 40, foides- crito como o “imperador da critica brasilei- ra”, 0 “regente da literatura”, “o mestre da exttica”, 0 “prefeito dos crticos”, responsé- vel, em tiltima instancia, pela “reitoria das letras brasileiras” (35). O poder desteserti- cos era tal que suas opinides afetavam tanto aavaliagio das obras literdrias como a ven- da de livros ou ainda, em outras palavras,a legitimagao e a consagragio pelo piiblico. Um poder que funcionava também como uma forma de censura nao-intencional tal- vea,}4 que criticos menores se intimidavam REVISTA USP, SRO PAULO (26): 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 e,porconseguinte,relutavam ememitirsuas opinides. ‘Apesar de um nimero razoavelmente limitado de criticos distribuir-se pelos jor- nais, houve, entre 1930 e 1940, uma diversi- ficagdo importante no terreno das resenhas literdrias,gracasapublicagdesrelativamen- te ndo-partidérias como o Boletim de Ariel (1931-38), Dome Casmurro(1937-45), Revista Nova (1931-32), Lanterna Verde (1934-38; 1943-44), Revista Académica (1933-45), 0 suplemento “Autores e Livros” dojornal A Manha (1941-48) ¢ a revista Clima (1941- 48). Foi este um perfodo que presenciou também o aparecimento de tendéncias cri- ticas explicitamente alinhadas com ideolo- gias especificas, publicadas em perlédicos ‘que funcionavam como drgdosdemovimen- tos politicos tais como A Manha (1934-35) daAlianga Nacional Libertadora, A Ofensi- vada Agio Integralista Brasileira (1934-38) € 0s Cadernos da Hora Presente (1939-40) que reunia simpatizantes da proscrita AIB e, depois da defenestragio de Gettlio, a re- vista Literatura (1946-48), associada ao Par- tido Comunista. Em tais casos, 0 espago da propria publicacao era quase sempre sufici- ente para definir a orientagdo ideolégica e as preferéncias literdrias, como no caso de Tasso daSilveiraem A OfensivaeodeJorge Amado em A Manha, Nos anos 30, 0 debate literdrio concen- trou-se. em torno de dois grandes t6picos inter-relacionados: oestatuto do Modernis- mo dentro do c4non literdrio nacional e a legitima definigdo da prética literdria. Os debates sobre o segundo t6pico tornaram- se altamente politizados e aqueles a respei- todo primeiro carregavam um teor politico também, mesmo que de modo implicito. Pode até ser que as conquistas estéticas do Modernismo tenham-se tornado “rotinizadas”, mas muitos criticos recusa- ram-se a garantir-Ihe total consagragio legitimidade. As maiores criticas a0 movie mento vieram da direita, que se inclinava a identificé-lo, de modo certo ou errado, nao interessa, mas sempre de modo simplista, comaesquerda. Tipicodesse procedimento critico foram os ataques exagerados de Tas- so da Silveira em sua Definigito do Moder- nismo Brasleiro (1931) ou 0 infame ensaio “Mensagem-Post-modernista” (1937) de Octavio de Faria. Em termos do segundo t6pico -a defini- ‘¢40 legitima da pratica literéria -, 0 campo literério ou eritico, fortemente dividido en- tre extremos politicos, reproduzia os deba- tesideol6gicos da sociedade como um todo. Esse prinefpio de legitimacdo ¢ inteiramen- te externo A propria obra literdria e deriva das posigdes politicas assumidas pelo escri- tor. As questées de forma literdria emer- gem apenas de vez em quando e mais rara- ‘mente ainda entre aqueles envolvidos com paixdo no debate. Isto é verdade tanto para a direita quanto para a esquerda, em cujas, facgdessemprehouvetentativasdesenegar estatuto de romanee a obras provenientes de orientagées diferentes: Liicio Cardoso: “A minha concepgao de romance vai assim de encontro a da maioria dos romancistas modernos que Ppreconizam uma arte de observagao ura,a fotografia darealidade. Querem apanhar essas coisas que vemos afe que nada exprime porque a verdade est4 no subsolo. Naoosreconhegocomoroman- cistas, mas talvez.como repérteres”. Marques Rebelo: “Nao compreendo e no tolero a concepeo do romance-re- portagemnosentidoquelheemprestam varios escritores modernos. Por certo, noromance hd um fundodereportagem edocumento,como, alids, acontece com outras formas literérias. Mas ndo deve- mos dar-Ihe esse cunho particular que seria colocé-lo no terreno da Histéria e do jornalismo. Romance ¢ outra coisa - € uma obra de arte”. Jorge Amado, escrevendo sobre Em Surdina de Liicia Miguel-Pereira: “Es- pero que a Srta. Liicia Miguel-Pereira [.-]decida-se a escrever romances edei- xe para trés suas idéias preconcebidas e ‘suas explicagdes, que so 6timas em ar- tigos, mas indteis nas paginas de um ro- mance” (36). O que estd em jogo aqui (¢ os exemplos poderiam multiplicar-se de forma indefini- da) 6 precisamente a definigao legitima da obra de arte ou, neste caso, do romance. A lutaideol6gica dentro da critica assu- miu um semn-nimero de formas e envolveu nao apenas os criticos, mas também o Esta- do, suas estratégias de orientagao e de con- REVISTA USP, SHO PAULO (26): 164-181, JUNMO/AGOSTO 1995 175 trole cultural. Enquanto 0 Estado Novo concentrava esforgos no sentido de institueionalizar, configurar e controlar a produgio, reprodugio e difusio dos bens simbélicos, 0s produtores de tais bens con- seguiam, com freqiléncia, desenvolver seus proprios modos de resistencia. Em outras palavras, reagindo & pressio do Estado, os intelectuaiscriaram suasprépriasformas de contrapressao destinadasasolapar os desig- nios do Estado ou a fazer avangar seus pr6- prios projetos ideolégicos, 0 que se exemplifica com a edigao especial em ho- menagem a Romain Rolland da Revista Académica,em 1936, ou com a quantidade de espago dedicado a alguns escritores bra- sileiros espectficos que eram identificados com aesquerda. Tal pressiio,noentanto, era limitada.e, em ciltima instancia, conformava- secom al6gica espectficadocampolitersrio, que tendia arejeitarimposigdes externas em favor de suas préprias regras de funciona- mento ou de sua propria autoridade. A autonomizagao do campo literario Um dos conceitos centrais do método analiticode Pierre Bourdieuéaquelequese refere A “autonomia” do campo de produ- Gocultural. A partirdeséculoXVIII,avida artisticae intelectual européia passouafun- cionar com mais autonomia, desde que co- ‘megou ase libertar das presses éticas e es- téticas oriundas de instanciasexternascomo: a aristocracia e a Igreja. O processo de autonomizacéo implica a formacéo de um piiblico consumidor mais numeroso e mais diversificado, que d4 margem a produtores commaiorindependénciaecondmicaeque, ‘ao mesmo tempo, constitui-se como instén- cia paralela de legitimagao. A autonomizacao implica também adiversifi- cagiodeprodutoresde benssimbélicos,cuja profissionalizago crescente leva-os areco- nhecer apenas certos tipos de determina- ‘Ges especificas ao campo em questdo. Fi- nalmente, isso engendra a multiplicagao de agentes de consagrago, como os criticos, por exemplo, ¢ de disseminago, como os editores. Ambos sfo investidos de umalegi- timidade especificamenteculturalaindaque estejam, eventualmente, subordinados a restrigbes de carter econdmico esocial (37). A independéncia das presses de agen- REVISTA USP, SRO PAULO (26) tes externos de legitimagao, como a Igreja ou a aristocracia, acabou por deslocar 0 manifesto relacionamento do campo artis- tico e intelectual com o poder. Auténomo, ‘o-campo criou légica propria com base em sus instncias de legitimidade e de consa- ‘gragdo, assim como criou também seus pr6- prios mecanismos, regras, hierarquias canénes. Ao rejeitar essas pressdes exter- nas, ocampoacabou também por se especi- alizar e por se diferenciar internamente. Ao invés de uma relagdo direta com o poder, desenvolveu-se uma relagdo homéloga na qualocampoartisticoeintelectual,inserido no campo mais vasto do poder, reproduz.0 campo de poder dentro de sua propria es- trutura hierdrquica (38). NaFranga, odesenvolvimentodaindis- tria cultural e, em particular, a relagao que se estabeleceu entre a imprensa didria e a literatura, especialmente o folhetim, coinci- diucom a expansio do pablico ledor, resul- tado da ampliagao do acesso & educagao primaria, o que permitiu as novas classes ‘acesso a0 consumo cultural. Em outras pa- lavras, 0 desenvolvimento do sistema de produgdo de bens simbélicos correspondeu ao processo de diversificagao de ptiblicos para os quais as diferentes categorias de produtoresenderegavam suasobras. Quan- do se estabelece um mercado de bens sim- bolicos e os artistas conseguem viver to- somente de sua arte, esses mesmos escrito researtistast¢mapossibilidadededeclarar, demodoparadoxal, airredutibilidadedesua arte ao estatuto utilitério, assim como a in- dependéncia e a singularidade do trabalho intelectual e artistico (39). ‘A autonomizagao do campo literério brasileiro, pelo menos dentro daquelas li- nhas delineadas por Bourdieu para o terri- t6rio francés, comegou, quando muito, por volta de 1940, uma vez que, até ento, pou- cos tinham sido os escritores que haviam conseguido viver apenasdalliteratura,oque ndosignificaqueestecamponiotivesse tido suas propriasregrasdefuncionamento, seus pr6prios valores, etc. Ao tentar explicar 0 papel transformador da literatura na socie~ dade brasileira, Antonio Candidoalegaque, no Brasil, historicamente, pelomenos até os anos 40,realizou-se oprojetomaisbem “aca- bado” de expresso do pensamento sociale da sensibilidade, seja na literatura, na historiografia ounasciénciassociais. Segun- 164-181, JUNHO /AGOSTO 1995 do ele, essa expressdo acabou por alcangar uma forma literéria ou quase literéria: “a literatura tem sido aqui, mais do que a filo- sofia e as ciéncias humanas, o fendmeno central da vida do espirito”. Enquanto tal fendmeno, a literatura tinha, freqlientemente, incorporadooutrosdiscur- 0s ¢ tinha reagido as pressées externas a0 campo literério. Em termos de seu proprio discurso, tem faltado literatura brasileiraa independénciaeaautonomia frente aspres- sdes externas, © que ela possui em outros contextos. Com a divisao crescente e dife- renciada do trabalho intelectual, motivada, em grande parte, pelocrescimento das cién- cias sociais, a literatura comegou a ganhar especificidade e autonomia,assumindo uma configura¢aomaisespecificamenteestética, ‘aomesmotempoem que vem perdendoseu duradouro prestfgioeng uantobandeiracul- tural (40). ‘A expansao do mercado de bens simbé- licos, ainda que em escala modesta, e a di- versificagao do puiblico leitor, que corresponde & diversificagao dos produto- res, também contribufram decisivamente para 0 processo, no qual outros fatores s40 igualmente relevantes. Politicamente falando,éimportantelem- brar que através de uma politica dupla de represséo e de cooptacdo, Gettilio Vargas conseguiu neutralizar ou marginalizar a oposigao, que, por sua vez, desenvolveu for- mas indiretas de resisténcia, J4 me referi as pressdes da censura e da repressio sempre crescente no campo literdrio. Certos tipos de discurso tornaram-se inaceitaveis e ape sardoseu dominio prolongado durante toda a década de 30, depois de 37 0 romance so- cial sofreu declinio acentuado. E ébvio que a censura teve um efeito paralisador sobre as intengdes poltticas dos escritores. Gragas a semelhanga e a identificagao ideol6gica do Estado Novo com paises eu- ropeus corporativos, tais como Portugal, spanhae Italia, as manifestagdes de oposi 10 ao fascismo europeu tornavam-se ma- nifestagdes indiretas de oposigao ao Estado Novo. A entrada no Brasil na guerra, em fevereiro de 1942, forneceu um motivo co- mum para os brasileiros de todas as crengas politicas e acabou por criaras tensbese con- tradigdes que, no futuro, haveriam de levar a derrota do Estado Novo. Dois aspectos destanovasituagdo parecem especialmente importantes para a autonomizacao.docam- po literério: a unificagdo dos intelectuais e do Estado em tornode um objetivocomum, que logo haveria de se voltar contra o pré- prio regime, e a influéncia crescente dos Estados Unidos, tanto em termos culturais quanto politicos. Se, por um lado, os intelectuais apoia- ram e cerraram fileirasem torno da decisao de Getiilio de declarar guerra contra as for- casdo Fixo, ingressando-se assim, noesfor- go de guerra, por outro lado aumentou a pressio a favor da democratizacao interna, Como é que o Brasil podia, em nome da democracia, combater o nazi-fascismo ao mesmo tempo em que sustentava um regi- me autoritério e corporativo? No campo li- terério, a atencdo voltou-se dos problemas internos (seca, fome, divis4o declasses), que haviam caracterizado muito da ficgao bra- sileira no comego dos anos 30, para uma preocupagdo maior com valores universais € com 0 objetivo mais imediato da redemocratizagao. Nogeral,aficcaodeixou de ser a arena de tais discussdes e debates. Os escritores que haviam criado o roman- ce social na década anterior ou alcangado certo nivel de consagragao tinham-se tor- nado a nova ortodoxia, como José Lins do Rego, por exemplo. Ou transferiram mui- to de sua energia politica para outros com- promissos mais explicitamente politicos, como Jorge Amado, por exemplo, em sua itancia no Partido Comunista. ABAIXO, EM FOTO DE {oe0, UM TIME DE PONTA REUNIDO: DA ESQUERDA PARA A DIREITA, MENOTT! DEL PiccHia.sose Lins 00 REGO, GILBERTO FREYRE E CASSIANO RICARDO Foi através da criagdo de organizagoes profissionais representativas dos interesses profissionais e politicos de seus membros que se deu a transferéncia da luta politica para outras arenas, ao menos parcialmente, (O Estado Novo era um regime corporativo € muitos setores sociais, incluindo-se af a intelectualidade, estavam sujeitos as suas disposigdes. Em 1930.riou-se a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); em 1931 a Academia de Medicina; em 1933, a Ordem dosEngenheirose Arquitetos. Organizagdes como essas conferiam legitimidade as cate- gorias,permitiam queseusmembros defen- dessem seus interesses profissionais junto ao Estado, fazendo lobby, e forneciam uma definigdo oficial da competéncia profissio- nal. Em resumo, elas davam espago para a agdo € a vor unificadas. Ao mesmo tempo, através delas o intelectual profissional inse- ria-se na construgio organica da sociedade edo poder (41). Em 1942,umgrupodeescritoresfundou, noRiode Janeiro,a AssociacaoBrasileirade Escritores (ABDE), cuja idéia original eraa de atender aos problemas da profissao, tais como direitos autorais e relagdes entre os escritores ¢ editores. No entanto, suua maior preocupagio, observa Antonio Candido, foi © estabelecimento de uma associagdo que organizasse os escritores ¢ os intelectuais contra o Estado Novo. Como prova desse empenho mais extenso, Candido aponta a auséncia de escritores mais intimamente as- sociados ao regime, “ou porque o apoiassem_ ideologicamente, ou porque trabalhavam, com ou sem convicgao, em organismos ofici- ais de informagao e de propaganda (..] ou ainda porqueescreviamcom assiduidadeem publicagSesorientadasnaquela direga0” (42). ‘O que Antonio Candido nao aponta é que a ABDE foi fundada nos escrit6rios de A Manha, jornal de propriedade do Estado e que a ele servia como 6rgao oficial. Uma fotografia dessa época, reproduzida nas memérias de Cassiano Ricardoenovolume de cartas de Mario de Andrade a Murilo Miranda, é altamente sugestiva para uma andlise das relagdes sociais dentro da ltera- tura brasileira no comego dos anos 40. re- vela a indeterminagao fundamental das di- visGes ideolégicas entre as elites intelectu- ais (43). Tiradanosescritériosde A Manha, elaretine o grupo de fundadores da ABDE e representa duas geragdes de escritores de REVISTA USP, SKO PAULO (26) varias tendéncias politicas, que vio da ex- tremadireita dextrema esquerda, tais como Anfbal Machado, Alvaro Lins, Manuel Ban- deira, Peregrino Junior, Levy Carneiro, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Affonso Arinos de Melo Franco, Astrojildo Pereira, Miicio Leao, Viniciusde Moraes, Ribeiro Coutoe Franciscode Assis Barbosa. A despeito de suas diferentes ati- tudes frente ao regime de Gettlio Vargas, todos 0s fotografadosestfo envolvidoscom a preservacdo e a reprodugdo do campo li- terério, naquilo que Bourdieu chama de “cumplicidade objetiva” (44). Apesar de tudo, ao organizar ocampoe a0 galvanizar a oposigao contra Vargas, a ABDE foi importante e comegou logo a funcionar como uma espécie de “frente \inica” de oposigao, compreendendo diver- sas tendéncias do campo intelectual. © 1 Congresso de Escritores, por ela organiza- do, em Sao Paulo, em janeiro de 1945, reu- niu delegagdes de escritores de varias re- gides do pafs e observadores de pafses es- trangeiros, marcando um pontoimportante a favor da queda de Vargas e da redemocratizagao do pats (45). Emboraocampo intelectual continuase a ser altamente politizado, com uma “ace~ leragdo da vida ideolégica”, para usar ex- pressdode Rail Antelo, otextoliterérioem sitendia a deixar de ser 0 f6rum do debate politico e do posicionamento ideol6gico como tinha sido antes (46). Na medida em que o Estado Novo chegava ao fim, aumen- tavam rapidamente as possibilidades de articipacdo politica em varias diregdes. Na verdade, a natureza politica ea orientagao ativista da ABDE logo comegaram a preo- cupar alguns intelectuais, que acreditavam quea associacdo deveria dedicar seus esfor- gosaosproblemasprofissionaisenfrentados pela categoria para a qual ela fora original- mente criada (47). No entanto, a ABDE continuava a funcionar como uma organi- zagao essencialmente politica até, pelo me- nos, II Congreso de Escritores, cuja sede foie Belo Horizonte em 1947, logo depois da interdigéo do Partido Comunista. O II Congreso revelou, na verdade, divisdes amargas entre as facgdes comunistas e anticomunistas da ABDE (48). Outros fatoressio também importantes para se entender a autonomizacao do cam- politerdrionos anos 40, um dos quais,endo 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 menor, foi a criagdo das universidades na década anterior e a conseqilente formagao de um grupo de criticos profissionais que comegou, nos anos 40, a rejeitar o impressionismo ¢ a se tornar mais especi- alizadoemsua abordagem daliteratura. Esta reorientagdomarcaoverdadeirocomegodos estudos sistematicos de literatura brasileira no pats (49). Coincidindo com a Segundo Guerra Mundial, houve também um aumento da influéncia cultural norte-americana, sobre- tudo, mas ndo de modo exclusivo, através do cinema e da comunicagéo de massa. No campo da critica, esta influéncia expressou- se através do impacto do new criticism, tra- zido ao Brasil por Afranio Coutinho, que batia com veeméncia na tecla de que era a universidade, e nao o jornal, o lugar mais adequado para o desenvolvimento da criti ca literéria “cientifica”. A violenta campanha de Afranio Coutinho contra a critica de jornal correspondeuaoaparecimentodeumanova geragio de poetas, os de 45, que defendia o retornoaformasestéticasmais tradicionais. Ambos os esforgos representam, com dife- rentes graus de sucesso, tentativas de remo- delar 0 sistema literério brasileiro (50). Flo- ra Siissekind observou corretamente que a campanha de Afranio Coutinho visava es- tabelecer novas relagdes de poder dentro do campo literdrio, baseadas nao mais na personalidade, na expressividade, na clare- za ou na elogtiéncia retérica dos criticos de jornal, mas muito mais em critérios estéti- cos, na andlise textual e na substituigao do jornal pelauniversidade,enquanto“templo” daculturaliteréria. Nesse sentido, aescolha significativa de Alvaro Lins, o “imperador” da critica nos anos 40, como alvo preferen- cial dos ataques de Afranio Coutinho, im- plica a derrota do sistema que ele, Alvaro, Tepresentava. Mais uma vez, 0 que estava emcausanaluta de A franio Coutinho eraa redefinicao dos principios de legitimidade do poder no campo (51). ‘Nosanos 40, gragas expansio da classe trabalhadora ¢ dos setores médios, ao au- mento da populacao urbana, ao desenvolvi- mento do setor terciario e as novas formas de um gerenciamento mais racional dos negécios, consolidava-se uma sociedade urbano-industrial. Coincidindo com a cres- cente urbanizagao da sociedade brasileira e REVISTA USP. SAO PAULO (26): 164-181, com a progressiva divisdo especializada do trabalho intelectual, houve uma diversifica- ‘cdo das formas culturais e do piblico atra- vés do crescimento da modernizacao da inddstria cultural, especialmente o cinema, orddio, asrevistasdelargacirculagaoe,como javimos,aindtistriaeditorial,que,noentan- to, no acompanhou o desenvolvimento de outros setores da érea cultural. O niimero de volumes publicados em Sao Paulo em 1956 - 5.980.968 - era pouco superior aos numeros de 1946: 5.650.395 (52). Estes nu- meros indicam que a diversificagao das for- mas culturais disponfveis levou muitos da populagao urbanarecém-incorporada apre~ ferirem outras formas de lazer & literatura, que, por sua ver, continuava a ser uma for- made discurso cultural dirigidosobretudoa elite educada (53). Merece tambémreferéncia,nem queseja de passagem, um outro fator que provocou umefeitoextensonocampocritico. A derro- ta do nazi-fascismo na Europa e o fim do Estado Novo levaram a deslegitimagao da direita no discurso cultural. Em suas mem6- rias, Viagemno Espacoeno Tempo,Cassiano Ricardo conta 0 éxodo virtual dos intelectu- ais da equipe de A Manha, logo no comego de 1945, provavelmente porque desejavam estabelecer credenciais de oposigao ou por- que tinham medo de ser identificados com o regime autoritérioreoém-desacreditado (54). Desde 1945 a esquerda mantinha uma posicdohegeménicanocampocultural,che- gando aum tipo de relacionamento inverso entre 0 poder politico e o discurso cultural, jd que a esquerda nunca alcangou o poder no Brasil. Esta situagdo acarretou vérias conseqtiéncias. Primeiro, os escritores ali- nhados com a direita tém sido fartamente exclufdes do cAnon literario e muito freqilentemente até mesmodasformasmais elementares de andlise. Segundo, a palavra “conservador™ tornou-se um tabu conside- rével no campo cultural. A auto-identifica- ‘cdo automatica dos intelectuais com a es- querda nao sé leva ao esvaziamento do sig- nificado real da categoria - exceto, claro, naqueles casos onde a militancia politica acompanhaaidentificagdo-masresultatam- bém numa distorgao da verdadeira dinami- cadocampoliterdrio, assim comonumafre- qilente distorgao da verdadeira relacao en- tre 0 trabalho intelectual e as relagaes de poder da sociedade brasileira. JUNMO/AGOSTO 1995 179 180 NOTAS 1 Untzo:me do temo campo sete que Piro Bou fhe dt. Sogundooseisogo anche, qualquer ormaplo soci eeu 48 stravs do una sid campos orparizado heraqucamore (campo ecendmico,ocampo pac, ocamo cul, et), ci um ‘ons defn como un espa estiurado com sua prépras ls, seutunconamento ouae pp relate deo, edependerie taquels da pono da ocnomi, excotiando-c, 6 clr, 08 cass-dos campos polis 6 esandnic, Cada campo é relates futinomo, mas estate andego aos cuos. Sua esl, om cao memento, édetominada pla reagces ee ts poses {400s agentes ele copa. Ur campo 6 um ononteGndmico, na media em que amudunga So poet de om dos agentes provera madanjana sua osbulr, Ver Parr Bours, “The aldol Coral Prodscton, or Taeconame WonaTevared ad, Pita Ne, Pots, 12,198. 12 0 ensalo de Reber Rls, A Ramandnie do Cielo: Hirarqua no Romance Brasioro (Nor, Estrada Universidade Feder! ‘luinense, 1087), 6tudamentlenquant ame aposiainia das etn atrarcaee autores coir dovanance esters 4os000séclo DC aos anos 0. Da mesma ater o bo The Pea Necklace: Towardan Arche oly Bastian Transiton Oecoorse (Gaines, Universy Pres o lida, 182) aprofund a decussho focalzando sence 0 erpeciatana. Lteatirsom Revita S40 Paulo, Aiea, 184) de Rad! Aneto 6 um esto cic exemplar sobre v8 revit Words ocuturas,pubeadas em 199061940: (Cara Pots, Revista Acadbica Lieratara © Wo Jorge Amado: Poca eiaraua do Atraao Wageer Borne de Armes anda ‘quenoplgonciado com Fegideca, 6tambam muto importante no exame da poigdoda Jorge Amado na centro» deinesreno -decarpe tara dese ocemapa dos anos 20 al os rconis 70. € um esa gua focaza menos oebano do Jorge enquani to ‘co que a evurdo dos mos do debate ilzado na su recepeto «que rconhece a exsénia de um ques aauelona cop ‘no atabloemento de um slnon ler Um coat da enenae po esos coma Antoni Candi Sivane Saag 6 tmban fearbciacbigatéia. De A. Cando, ver, po exomplo: “Cima nToreia, to, Po de lnc, Paz Ter, 1880, pp. 18271, Os Eortores oe Dtacue’ h Opin, 15%, 2/ee/1075,p.24,"relc™ a O tpramo do Plo Salgado de Joss Chen. Sto Paulo, Gristoo, 1878:8°A Revolctode 188008 Cuter’, Novos Estudos Cobrap 24 abi 1984, pp.27-98.D98. Santgover "Vale Guano sa (A Fete Medomisa Brastoa)"¢-O Teoroma de Wane oa sua Reciprocain Valo oars Pasa Rio de novo, Paz © Te, 186; « “Fechaco para Baloo" 00 Iletul Medemisa Revistada, e Nas Maas ca Lata: Enaioe Sto Paso, Compara das Lats, 198.0 tourde fre terri de SivienoSaniape. Em Loreal (Po do Janoro, Paz Tera 108). um pastcne da Grecian ‘Ramos em oma eco pessoal, ecro ogo dopo qu 0 oseror sas da eatla om 1036, 6 pate mgr w mparane death roavatapto ger ‘8 Voj-s do award Wi. Sat: Te Wort, The Text andthe Crit, Cantripe, Harvard Unversty Press, 1963, Ute edo bic ‘andon, Faber and Faber, 1986, 9. 174. ‘4 Parauma epost tsa sobre como se a raped sina do campo do poser dato do campo cutualvero chad neato ‘Parr Gourde “The Fils of Curl Prods, or The Economie Word Revered ‘5 Edward Sai, op. 6.17. ‘s¥itica Pena Vaoso, Os inacuas oa Poca Cura tad Now pp. 8-12. Com etertecasocampolterdiodurantea Primera Ropdbice,Nesleu Sevantedamonsov, do foma convince, qv slats come Eves da Cuneo Lina Bart endoram ‘tear margnazados drt do campo Mero (Liu como Missle: Tenses Soca @ Grape Guta na Prieta Repco Paulo, Brastonso, 1863) vere Noodol dst a funda da Acadamia rasa de Laras, que s0bazoaunoretux0 Go ivime ‘palin, no] dejo de reconhacineno (dos seus hilctais] enquanto dos o progres doce, na] acotapho enc dot ‘alors dominant da tciesad [nos valoros da elt nacona(A Trpcal Bate Epequs: Ete cute and sci Tom ae. ‘Century ede Janae, Cambridge, Cambridge Uivrsy Press, 1987, pp. 1026) Ciao per Leia Upp Oa,“ Ralzos a Ordo: o8 lati, Cota oo Esta” nA Revels de 20: Semin Intemacona. rasta, Eotors da Uniredade do ras, 1862, pp. 308-26 Chepho dap. £08. {8 Daniel Pécaut, Os Inwacus .Poltea no Bas p27 9 Lida LO, ep ep 508. TOMEnienP Volos, ope pp. 1-2 11 Thomas E. Skidmore, lack nt Wht: Race and Navona in Braztan Troup, Naw Yok, OdoréUnvrsty Press, 974, pp. 1167. 12 Também inporatatoiacampanha paisa de repenearonacoallaneada po Ovo Bascem 1916com crit daLigade Deloss ‘Nil asin coro & Lipa Nacional, fdda om 1917 por Antonio Perea Lmao cutosluminaos de Sd Paulo, Vor Thomas ‘Slsamora op. eh. pp. 11028, 1839, 13Masiona Cau "Notas soto Pensameno Cansevader nos Ano# 0; Pn Sage. in Intligdecl Basie (ed Ragnaido Moraes, ‘tain, Sie Pao, Brasese, 1986, p28. 14 Para um excelente sundio do pensamero de Olvera Vianna vor Jarbas Modelos, loop Autortérno Bras 1290/9045, Rode Jano, Fundagde Getto Varpas, 1078, pp. 15-217. Capdo ealsa dap 168. "Sida, dom, pp. 159,175 180 projeto da vanguardamodemita representa umaninvonsioessanclalnent lista no campo. Exompo porate dst elite pode ‘ser encenirag no Manfeso da Poesia Pau-Basi Go Oswald do Andrade, cua dendnca Go natural condone sboramento & acuesiidae arte numa dpoes 6 peduedo om massa. Segundo o mandose'a relies (modemita]nicou apenas que 8 ata ‘otavn par sole Ea tes comesarem desmanchends 17M. Wink ovelou alas das contadites na concepelo de cultura poplar do Miro de Andeade,eepecsimente sun abate “mrecenacarsautntisdads de oma ubanas mergertee 18 Dano Pécaut, op repime rec-ceplades ple gover cena (Azeved Ara. Alcau Anoosa Lina Posies de Meands.Oovara Vianna, Octave Taruiio de Souza}, como hguas certo prestige da ira de romancits (Gractiano Ras, José Lino ego, Rachl 1 Queter Octavio de Fara, Cyo des Anos, Lice Cardoso, Jodo Aphersus sam esqucet toda una calagora de ecrloret Que ‘sbunhama hurela da cata pel lo de prencarem aos anda brooratcos om oparan ono toe aaron Go Esads eats 2 Classe Origen ne Bas, 9, m8 26. 31 Sérgio Mle ep... 95. 22 Plea Bours, “The Fld of Cura rection, 0. p 317. {3 Adba Bd M. Bole, A Obra Crit de Avaro Une osu Funplo Hates, Petipa, Vere, 1979, BP 23-4 {34 Joke Luz Lat, 1950-4 Criteao 0 Modemismo, Sto Paul, Duss Cade, 1974.57. 8 Desorgbs de Cavos Drummond de Anaad, Rebate Ain Cones, Jado Cabralde Mao Neo 6¢ Carlos Gates Caco pr Ad Bole op cl. 48 8 Ctapo de Lice Cardou an Brie Bona, Os Ilan Ponsa: Da imag k Raaida |..JAPaiava Lise Cardo’ n Dom ‘Casmaro 6, fun 1988, Marques Rebelo a Bro Broce, "Os rtelectuns Pensa Marques Rebels Falen Dom Casio (2 aga /198, 7 Jorge Amada: "Em Surdew’ m Boetin de Ai Il aT, pT, 57 Est pardgrato wos prximos devem mute 20 capo de Pie Bouriau 0 Mercado de Bans Simbstco’ nA Economia dat Toca ‘Sisto, vad Serge Meal, Sao Pao, Perspecva, 182, p. 99108. ‘a Paraumadiscussto suit do pape rata dn do processo de reproduto soil vertambémn Job ito "CanoscaanaNn ‘Carona A Crique of the Cure Debate. ELH. 54,5 Fal 1007, oapacameste pp 494-503 38 Pinre Bouriu, "0 Macao de Rens Sindee’ op cpp. 102 “40 Aetna Cando, Lert @Soeee4ee, op. 9p. 1906. Mal recantament, Haye Whe ecu a ronmidade aie ox cursos ‘etéaco e erkra, War Tones of Dacoures, Baknore, Joe Hopkne Unverty Press, 1978 41 Daniel Pent ope. pp. 85-6. 42 Amon Candde, “Os Escrores © a Diadura. Vor também Caros Guieme Mota, “Cut Peliicano Estado Nove (1897-1048), Encontor com a Chapa Basie, an 979 pp 87-94 45 Altgeaa ache se eprodurda nas memdras de Cassano Ricard (Viagem ne Espapo ono Tempo Fi de tne, Olympia 1970) ‘snas carts de Mario oe Andre (Cartas Miro van (1894-1045) lo Ga Janar Nova Front, 188), {44 Segundo Bourdieu todos os apenies enovdes num campe especie tim caro nimere de eressescomuns, espa eni nui ‘quese lacona com olunconamenis ea perpeluao go propa campo, Deseredo, una cera cumplachdecbsivatonde act ex am es artapenismos em outos stores. Na funda de ABDE lal cumpicdade 6 evident, Bourdieu, Qvsiles ce Sosa p90 Vertambam "0 Mereage de Bens Sos" op St pp. 99-181, especialmente p.708, m7. {45 Para ma veto grado Congreso, var Cares Ginerme Mat, laslogi de Cut rasa (1832-1074), "4:1. Vertambim Artone Candi, ‘Os Escores a Dada’, op. et Atos 1977.90. {45 as Arlo, Ltvatura am vist, 0. . 238 {7 Ver Caos Drunmand Anta, © Cbsenador de Esrtér, Rida Jana, 066 Ohmpi, 1985, p.25.6, Ver tambén RAUl Anal, op. ck, pp. 201-2. 38 {8 ast Arie opot. 9p. 287-801. 8 49.Wisen Marine, A Cetca Leeda no Bras I, 24d, Rodan, Francisco AN, 1963, pp. 597-8 dam, tiem, pp. 69827 ‘1 loa Sostehind "Da Rodded Crizloba Rates Paris tobe Cra Lc Brasiara da Décad de AD 30¢ Anos BOY: abaNo ‘presenta ne Woodtoow Wisan nematenal Cena for Seto, > nat 1006 £2 Renato Ong, A Modems Taio Brasil, op. 65-4. Os nimaros clades per On, clraies nite otros do (lipo de Souza Arad, O Livro Basiavr 1820-197, Fi de Jane, Ea Paral, 1874 59 Shiano Santiago, Vale Quanto Peta ope ».25 ‘st Cassino Alcatee, agen no Esparo eno Tempo, Rl de Janero, 056 Oympio, 1970 pp 168-78 REVISTA USP, SAO PAULO (26): 164-181, JUNHO/AGOSTO 1995 181

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